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Crimes Noturnos
Bernardo Almeida
Ficção de um indivíduo (algum Sr. Teste às avessas) que abolisse nele as
barreiras, as classes, as exclusões, não por sincretismo, mas por simples
remoção desse velho espectro: a contradição lógica; que misturasse todas as
linguagens, ainda que fossem consideradas incompatíveis; que suportasse,
mudo, todas as acusações de ilogismo, de infidelidade; que permanecesse
impassível diante da ironia socrática (levar o outro ao supremo opróbrio:
contradizer-se) e o terror legal (quantas provas penais baseadas numa psicologia
da unidade!). Este homem seria a abjeção de nossa sociedade: os tribunais, a
escola, o asilo, a conversação, convertê-lo-iam em um estrangeiro: quem
suporta sem nenhuma vergonha a contradição? Ora este contra-herói existe: é o
leitor de texto; no momento em que se entrega a seu prazer. Então o velho mito
bíblico se inverte, a confusão das línguas não é mais uma punição, o sujeito
chega à fruição pela coabitação das linguagens, que trabalham lado a lado: o
texto de prazer é Babel feliz.
Roland Barthes
Escrever é cometer um crime a cada linha. Ler, é cometer dois a cada palavra.
Bernardo Almeida
Índice
Poema Página
1. Bilheteria 01
2. Geração exonerada 02
3. De braços dados 03
4. Aventura idílica 04
5. Ditadura do relógio 05
6. Perfume 06
7. Pagão 07
8. Morfina 08
9. Voto nulo 09
10. Perplexo 10
11. De lado 11
12. Prescindível 12
13. Sobras 13
14. Porta adentro 14
15. Mundo inundado 15
16. Vigarista 16
17. Nem um, nem outro 17
18. Fumaça 18
19. Rescisão 19
20. Condenação sócio-laboral 20
21. Águas passadas 21
22. O brinde da moeda humana 22
23. Contatos noturnos 23
24. Augusta 24
25. Negativo 26
26. Vale-vida 29
27. Observador 30
28. O veneno da saudade 31
29. Deuses e demônios 32
30. Desapego real 33
31. Molho requentado 34
32. Mutação 35
33. Institucionalizado 36
34. Crime e castigo 37
35. Encontro surpresa 38
36. Desnutrição 39
37. Chamas 40
38. O segundo toque 41
39. Profecia 42
Índice
Poema Página
40. Lança fortuita 43
41. Clandestino (viajante) 44
42. Desaparição 45
43. Cela de ouvido 46
44. Castelo abandonado 47
45. Amor Lumière (Plus belle) 48
46. Rompante canibal 49
47. Isca da jovialidade 50
48. Amigos do entorno 51
49. Duplo 52
50. Permuta 53
51. Mesa farta 54
52. Conforto passageiro 55
53. Múltipla (transcendental) 56
54. Oito 57
55. Enganados 58
56. Debate 59
57. Cacos espremidos 60
58. Clichê 61
59. Cartas anônimas 62
60. Au revoir! 63
Crimes Noturnos - Bernardo Almeida 01
1. Bilheteria
2. Geração exonerada
3. De braços dados
4. Aventura idílica
5. Ditadura do relógio
6. Perfume
7. Pagão
8. Morfina
9. Voto nulo
No campo de batalha
As mentiras possuem verdades de ferro
E as camisas de força estão atadas aos libertários
Helicópteros que sobrevoam em intensidade
As condições e incisões desiguais
Da cidade que suga o capitalismo com um consumo
Que foge ao seu próprio plano estratégico
E o sucesso, e o fracasso, e a mordaça
É a proposição mais fértil da coragem rebelde
Daqueles que resistem por toda a cidade
Mas não confiam plenamente nas promessas
De liberdade de expressão disseminadas
Por uma armada democrática pós-ditadura
E o Estado consegue exibir intenções de paz e liberdade
Por trás de contas em paraísos fiscais de agressões
Subornos, extorsões, truculências e censuras
E o país emite promessas - que jamais farão cessar a fome
Mas que renderão votos dos famintos
Nas eleições dos crápulas e verdugos (imóveis pierrôs que
constrangem em carnaval de música monossilábica) malditos
Na assunção dos cafetões que prostituem
O trabalho do trabalho brasileiro
Crimes Noturnos - Bernardo Almeida 10
10. Perplexo
11. De lado
12. Prescindível
13. Sobras
16. Vigarista
18. Fumaça
19. Rescisão
24. Augusta
A avenida é paulista
Mas os pedestres
São de todos os lugares
Cruzam-se, debatem-se e ignoram-se
Em buzinas de sirenes de ambulâncias de polícias
E, do alto, a dupla hélice metálica
Dos helicópteros alternam-se e assistem
Ao drama do cotidiano
Cada vida é uma remessa de jornal encalhado
Um relógio adiantado
Em um braço sempre atrasado
Nas esquinas urbanas, afeto é silêncio
E respeito é indiferença
No escritório, a ansiedade
Espera pelo happy hour do dia
"Talvez amanhã, quem sabe..."
Oitenta leões e uma forca
O dinheiro é o marca-passo
E a apatia é conivente com a bravura
No espaço em que a convivência
É um ato de loucura
Há arte no teto
Um painel em tons de cinza
Anuncia qualquer coisa indefinida
Uma chuva ácida de melancolia cosmopolita
Mas não sobra tempo para detalhes
E cada um é só, mais uma triste interrogação
Que tenta ganhar a vida
Em um dia de um segundo
Crimes Noturnos - Bernardo Almeida 25
25. Negativo
Não me sinta
Não me convença
Não me leia
Não me entenda
Não me procure
Não me imite
Não me mova
Não me drogue
Não me beba
Não me cultive
Não me retorne
Não me mantenha
Não me proíba
Não me cape
Não me cale
Não me mate
Não me responda
Não me pergunte
Não me mutile
Não me desespere
Não me diga
Não me empurre
Não me engula
Não me admita
Não me tolere
Não me maltrate
Não me exaspere
Não me espere
Não me agrade
Não me repita
Não me convença
Não me permita
Não me obedeça
Não me pertença
Não me peça
Não me perturbe
Crimes Noturnos - Bernardo Almeida 28
Não me vigie
Não me agrida
Não me lapide
Não me represente
Não me deixe
Não me beije
Não me abrace
Não me maltrate
Não me convide
Não me acalme
Não me inale
Não me atrase
26. Vale-vida
27. Observador
Olhei a flor
Mas não a toquei
Apenas apreciei a sua beleza
Olhei a abelha
Esta penetrou a flor
Tomou-lhe apenas um pouco de mel
Olhei a paisagem
Esta pegou o colorido e o aroma da flor
Precisava completar-se
Olhei o homem
Este arrancou a flor
E encerrou, à seu gosto, o ciclo da vida
Crimes Noturnos - Bernardo Almeida 31
Um brinde à morte
Esta idônea rapariga
Que de tão especial que é
Restringe-se a aparecer
Uma única vez em cada e toda vida
Crimes Noturnos - Bernardo Almeida 35
32. Mutação
33. Institucionalizado
36. Desnutrição
37. Chamas
39. Profecia
42. Desaparição
Mas não falarei de boca aberta quando o meu coração está apertado
Vejo que não existem as liberdades as quais busquei
Mataram-nas ao perceberem que o limite
É uma imposição que nunca lhes cai bem
E derruba, e sangra, e degrada a integração de forças antagônicas
Sorte a minha não ter precisado jogar cinqüenta preciosos anos aos
ares
Como a poeira deixada por um corpo cremado pelas mãos
restantes
Para descobrir que tentavam ludibriar-me através de variados
meios
Visto que a única láurea da vida consiste em vivê-la plenamente
Crimes Noturnos - Bernardo Almeida 51
49. Duplo
50. Permuta
54. Oito
55. Enganados
56. Debate
58. Clichê
60. Au revoir!