Informação e análise para decisores • nº 29 • Julho-Setembro • 2010

Cheiro e sabor
de oportunidade
O que atrai
no novo ciclo
de expansão
do País

Série “Brasil 2015”

Crescer ou vender – o dilema dos líderes
das empresas emergentes

A indústria da vida vai à caça

O Brasil na mira de multinacionais
farmacêuticas e de biotecnologia

Prontos para ver e investir

Megaeventos esportivos mobilizam
empresas e organismos investidores
Por onde passam
seus impostos?
Diante do número crescente de exigências fiscais e tributárias que
passaram a trafegar em meio eletrônico após o surgimento do Sistema
Público de Escrituração Digital (SPED), a gestão das obrigações
das empresas com o Fisco ficou ainda mais complexa. E exige novas
ferramentas para uma visão completa do desafio.
N
ão se pode negar que a era da
fiscalização online imprimiu um
desafio singular às empresas,
trazendo em sua esteira alguns
questionamentos: como
atender às novas normas,
primar pela transparência nas relações tributárias
e evitar escorregar nas informações e cair em
autuações e pagamentos de multas? O surgimento
do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED),
que obriga boa parte das empresas a converter seus
arquivos de documentação fiscal e contábil em um
formato digital específico e padronizado, vem servindo
como um choque de gestão fiscal que, até agora,
conduz sua energia pela capilaridade do sistema
empresarial brasileiro.
O formato arcaico, à base de papéis e carimbos,
deu lugar a um novo modelo de escrituração digital,
que provocou uma revolução na relação entre
o Fisco e os contribuintes, transformando livros
contábeis e notas fiscais de papel em peças
de museu. Criado pelo Decreto nº 6.022/07, o
SPED representa uma mudança muito além da
tecnologia, criando impactos em diversos setores
das organizações. Quem não se adequar à nova
norma estará sujeito a penalidades que começam
com uma multa de R$ 5 mil pela não entrega dos
arquivos eletrônicos e, depois, ao enquadramento
em uma série de instrumentos e legislações que
acaba em fiscalização rigorosa e processos de
autuação das empresas.
32 • Mundo Corporativo nº 29 Julho-Setembro 2010
Por Fernando Porfirio
A iniciativa pretende eliminar a troca de informações
entre os diversos órgãos de fiscalização, fortalecendo
o controle de arrecadação e disponibilizando uma
base de dados para uso do Fisco. “Não é uma simples
obrigação acessória para os contribuintes fornecerem
informações ao Fisco. Trata-se de um novo ambiente
de negócios e operações entre o Fisco e as empresas,
que vai trazer benefícios para todos os envolvidos
– organizações empresariais, Fisco e a sociedade”,
acredita Carlos Sussumu Oda, supervisor geral da
Receita Federal para a implantação do SPED.
Ele explica que, para as empresas, os ganhos vão de
um melhor ambiente de negócios, com racionalização
e aumento da competitividade por conta da
diminuição da concorrência desleal, até a simplificação
das obrigações fiscais, a diminuição do custo com
papel e a melhoria e o aperfeiçoamento dos processos
internos. Segundo o supervisor, a sociedade ganhará
com a diminuição do chamado “Custo Brasil”, com o
incentivo ao comércio eletrônico entre empresas e a
preservação do meio ambiente. Já o Fisco, na opinião
de Oda, experimentará uma melhoria na qualidade
das informações, maior controle fiscal, redução da
sonegação, integração entre os diversos órgãos
fiscalizadores (da União, dos Estados e dos municípios)
e redução do número de fraudes.
“Para as empresas, o SPED despertou a importância
do uso da tecnologia para buscar eficiência nos
aspectos contábil, fiscal e de controle de riscos”,
afirma Douglas Lopes, sócio da área de Consultoria
Tributária da Deloitte. Ele destaca, ainda, a relevância
do novo modelo no aspecto legal, lembrando que
o cenário criado pelo SPED integra os processos
fiscal-tributários do País e gera a possibilidade de
redução e simplificação das legislações existentes.
Contudo, para gerenciar as informações
eletrônicas fornecidas ao Fisco e minimizar os
riscos de inconsistências, as empresas vão precisar
se valer, cada vez mais, de métodos, processos e
ferramentas que as ajudem a comprovar, antes
de um indesejado questionamento oficial, se o
cumprimento das suas obrigações está mesmo em
ordem, como alerta Raimundo Batista, sócio da
área de Consultoria Tributária da Deloitte. “É preciso
lançar mão de ferramentas próprias para administrar
dados fiscais nesse ambiente digital e que sejam
capazes de minimizar os riscos de informações
divergentes no momento de gerar os arquivos
que vão para os órgãos fiscalizadores”, defende
Batista, que tem apoiado empresas que enfrentam
desafios similares.
Os desafios trazidos às empresas pelo novo
ambiente tributário brasileiro não se restringem
ao SPED propriamente dito e ao modo eletrônico
de transmissão das informações. O número de
obrigações fiscais hoje devidas pelas organizações é
muito grande, o que torna a gestão tributária uma
atividade extremamente complexa e suscetível a riscos
de o Fisco encontrar problemas nos arquivos digitais
reportados. Essas obrigações atendem hoje por uma
verdadeira sopa de letras e siglas à qual a maioria dos
administradores tributários tem se acostumado a lidar:
IN 86/01, DIPJ, DACON, DIRF, DCOMP, DARF e assim
por diante (veja quadro na próxima página).
Ambiente saudável
Na análise da professora da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPe) e ex-auditora da Receita Federal,
Mary Elbe Queiroz, “cada vez mais o governo está
fechando o cerco ao contribuinte, mas o programa
de modernização colocado em prática é legítimo do
ponto de vista fiscal e pode trazer resultados benéficos
para o mundo corporativo, como um ambiente mais
saudável do ponto de vista da concorrência”.
A professora, que também preside o Centro de
Estudos Avançados de Direito Tributário de Finanças Mary Elbe Queiroz, da
Públicas (CEAT), destaca que, por outro lado, o Universidade Federal de
modelo tributário brasileiro criou um volume grande Pernambuco (UFPe) e ex-
auditora da Receita Federal:
de obrigações acessórias e de responsabilidades. “Esse legitimidade do programa
excesso de controle fiscal para combater a sonegação de modernização do Fisco
vai onerar ainda mais as empresas que têm a seu
desfavor uma das maiores cargas tributárias”, prevê.
Especialistas acreditam que o novo sistema de tráfego
das informações tributárias pode minimizar a alta carga
tributária do País. E esperam que, com o aumento da
eficiência na arrecadação, o governo consiga reduzir
o volume de tributos. O raciocínio seria o seguinte: a
maior eficácia na cobrança faz com que todos paguem
e, como resultado, o valor poderá ser menor. Ou seja,
o melhor fiscal do projeto é o próprio mercado.
Mundo Corporativo nº 29 Julho-Setembro 2010 • 33
 A sopa de letras das obrigações fiscais no Brasil
Para gerenciar a crescente gama de obrigações tributárias no ambiente online do Fisco, as empresas vão precisar de uma visão
integrada de todos os arquivos digitais exigidos.

SPED DIPJ
DCTF
IN86 MANAD (Sistema Público RAIS (Declaração
(Declaração de
(Instrução Normativa (Manual Normativo de Escrituração (Relação Anual de de Informações
Débitos e Créditos
SRF nº 86) de Arquivos Digitais) Digital Contábil Informações Sociais) Econômico-fiscais
Tributários Federais)
e Fiscal) de Pessoa Jurídica)

PER/DCOMP SINTEGRA
DACON DIRF (Pedido Eletrônico DARF e-Lalur
(Sistema Integrado
(Demonstrativo (Declaração de de Restituição, (Documento (Livro de Apuração
de Informações
de Apuração de Imposto de Renda Ressarcimento de Arrecadação de do Lucro Real
ou Declaração sobre Operações
Contribuições Sociais) Retido na Fonte) Receitas Federais) Eletrônico)
de Compensação) Interestaduais)

SEFIP
AUDIN F. Cont
(Sistema de NF-e
(Sistema de (Controle Fiscal
Recolhimento do (Nota Fiscal
Auditorias Contábil de
FGTS e Informações Eletrônica)
Internacionais) Transação)
à Receita)

Gestão consolidada das informações que vão ser reportadas aos órgãos de fiscalização

“Está ocorrendo uma mudança de perfil das
informações em poder dos órgãos fiscais da União e
dos Estados”, entende Douglas Lopes, da Deloitte.
Para ele, a partir do momento em que o Fisco passa
a ter vasos comunicantes que permitem acompanhar
a vida das empresas, a base de contribuição tributária
Alexandre Atheniense,
aumenta e a sonegação diminui, abrindo caminho para
especialista em direito
eletrônico: “As empresas uma reforma mais profunda no modelo de tributação.
estão sendo obrigadas
a mudar rotinas internas,
O sócio da Deloitte destaca a importância da
se aparelhar melhor e
entender a nova forma fiscalização para coibir desvios e permitir uma
de fiscalização” concorrência justa entre as empresas. De acordo
com Lopes, um ambiente competitivo e saudável,
com todos seguindo as mesmas regras, vai beneficiar
o mundo corporativo como um todo. “Quanto
maior a penalidade, maior a força para sensibilizar
aquelas empresas propensas a seguir o caminho fácil
da sonegação. E, agora, o contribuinte deve estar
preparado e atento para esse novo cenário.”
Segundo Lopes, o ajuste a esse ambiente representa
uma variedade de desafios, por conta da urgência, da
abrangência e da complexidade dos processos a serem
gerenciados. “E nesse aspecto, o novo modelo de
escrituração digital exige das empresas o uso de novas
soluções para a geração dos arquivos magnéticos
definidos pelo SPED”, explica.

Outro aspecto levantado por especialistas é que

o SPED é um inibidor de fraudes quando aponta
no sentido da troca de responsabilidade do
arquivamento, da guarda e da conservação de
livros, papéis, títulos e documentos que passam
do contribuinte para o Fisco. “Não tenho dúvidas
de que o SPED é um eficiente sistema que evitará
o surgimento de fraudes, pois os cruzamentos das
informações de toda a cadeia produtiva possibilitam
às autoridades fiscais a emissão de autos de infração
para quem não seguiu a legislação tributária”,

34 • Mundo Corporativo nº 29 Julho-Setembro 2010


“Para as empresas, o SPED despertou
a importância do uso da tecnologia para
buscar eficiência nos aspectos contábil,
fiscal e de controle de riscos.”
Douglas Lopes, sócio da área de Consultoria Tributária da Deloitte
Os tempos do novo sistema tributário e fiscal do Brasil
O programa de
modernização do sistema
fiscal e tributário deu seu
primeiro passo significativo
no Brasil com a criação
da Nota Fiscal Eletrônica
(NF-e), que forma, com a
Escrituração Fiscal Digital e a
Escrituração Contábil Digital,
os pilares do Sistema Público
de Escrituração Digital (SPED).
Implantada em setembro de
2006, a NF-e ajuda a reduzir
custos com impressão e envio
de documentos fiscais, além
de facilitar a gestão, pelo
Fisco, de informações sobre
as operações comerciais,
com dados mais completos,
que ampliam a confiabilidade
da nota e dificultam a
sonegação de impostos.
diz o ex-presidente da Junta Comercial do Estado fase do SPED e dispunham de assessoria contábil e
de São Paulo (Jucesp), Nivaldo Cleto, para quem equipe profissional de TI, encontraram dificuldades
outro fator importante para inibir as fraudes é que as para se adaptar ao novo sistema. Segundo Cleto, os
informações serão transmitidas no ato das transações. problemas envolveram treinamento e interação entre
as equipes envolvidas no processo de assinatura e
Entraves, antes e depois transmissão dos arquivos eletrônicos. “Faltou mão
Se, na primeira fase de implantação do novo modelo, de obra qualificada”, afirmou Carlos Roberto Rasera,
apareceram alguns entraves, a fase seguinte, de da empresa Certisign, especializada em certificação
consolidação, acentuou os problemas, obrigando digital.
a Receita Federal a ampliar o prazo de entrega dos
documentos. Especialistas apontam que, passada O atraso na entrega dos documentos fiscais também
a primeira fase de adaptação, dois gargalos foram foi gerado pela demora das empresas em procurar
identificados na entrega dos arquivos. O primeiro os especialistas e fornecedores de softwares. Para
se deu na área de Tecnologia da Informação (TI). Cleto, as companhias de softwares para contabilidade
De acordo com Nivaldo Cleto, até as 13 mil grandes não conseguiram atender à enorme demanda de
empresas que, em 2008, passaram pela primeira dúvidas e inconsistências para a geração dos arquivos
eletrônicos no layout determinado pela Receita
Federal. “Esse fato resultou em uma quantidade
enorme de empresas que não conseguiram gerar e
validar os arquivos eletrônicos no prazo legal”, afirma.
“As empresas estão vivendo ainda o momento
inicial dessa transição do mundo do papel para o da
era digital”, interpreta o advogado especialista em
direito eletrônico Alexandre Atheniense. Segundo
ele, essa mudança de paradigmas não é fácil e altera
não apenas a estrutura empresarial, mas a forma de
pensar de seus executivos. “As empresas estão sendo
obrigadas a mudar rotinas internas, se aparelhar
Segundo dados da Receita foi estendida às empresas melhor e entender a nova forma de fiscalização”, diz.
Federal, mais de 190 mil de lucro real, agregando
empresas já emitem nota ao universo outras 500 mil
fiscal eletrônica, com cerca pessoas jurídicas. Nesse sentido, Douglas Lopes, da Deloitte,
de 1,2 bilhão de documentos destaca a importância de as empresas investirem em
autorizados. A Receita Federal dará tecnologia e capacitação com o objetivo de ter o
início, a partir de 2011, ao
O SPED Fiscal é obrigatório cronograma de implantação completo entendimento e controle do novo sistema
desde 1º de janeiro de 2009, da Escrituração Fiscal Digital para evitar possíveis autuações. Ele explica que o
porém, nem todos os Estados da Cofins e do PIS/Pasepe. SPED está promovendo impactos diretos em diversos
implantaram essa exigência. As empresas de lucro real,
O SPED Contábil, por sua presumido e arbitrado processos das empresas, como, por exemplo, no
vez, que substitui os livros seguirão esse cronograma, faturamento, no recebimento de notas fiscais e no
contábeis das empresas por que vai até 2012. E novas atendimento de obrigações com o Fisco. “Além das
arquivos digitais, também já escriturações digitais
foi implantado. Ele tornou-se estão previstas, como o mudanças na área de TI, o SPED requer hoje uma
obrigatório para empresas Conhecimento de Transporte nova maneira, muito mais ampla, de administrar os
consideradas de grande Eletrônico (CT-e), a Nota processos de negócios no ambiente empresarial,
porte. Uma estimativa aponta Fiscal Eletrônica de Serviços
que 13 mil organizações (NFS-e) e a versão digital do tanto os que envolvem aspectos contábeis e
estavam aptas a cumprir a Livro de Apuração do Lucro tributários como aqueles que abrangem pessoas
obrigação. Em junho, a regra Real (e-Lalur). e modelos de operação”, afirma.
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