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Christopher Vicente*
(2 Coríntios 13.5).
INTRODUÇÃO
* Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Bacharelando em
Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (SPN). Pós-graduando em Teologia Pastoral pelo SPN.
Especializando-se em Pregação Expositiva pela Associação Bíblica Pregue a Palavra. Presbítero em
disponibilidade na Igreja Presbiteriana do Brasil.
1
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Teologia Puritana: doutrina para a vida. São Paulo: Vida Nova, 2016. p.
834.
2
Ibid., p. 1207.
3
PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. São Paulo: Fiel, 2016. p.
30-31.
4
BEEKE, Joel. Espiritualidade Reformada. São Paulo: Fiel, 2014. p. 141.
1
reflexivo.5 É, no poder do Espírito, tendo a Palavra como Lâmpada em uma mão e espada
em outra, perseguir o pecado em cada esconderijo escuro e sombrio de meu coração. Uma
expressão bíblica comumente utilizada para autoexame é o “sondar o coração”. Nas
palavras de Charnock:
Por exemplo, Davi, no Salmo 42. 5, 11 e 43.5. Ele continuamente pergunta a sua
própria alma: “Por que estás abatida, ó minha alma, e [por que] te perturbas em mim?”
(ACF). Ou no Salmo 13.12: “Até quando consultarei com a minha alma, [tendo] tristeza
no meu coração cada dia?”.
5
WATSON, Thomas. A Ceia do Senhor. Recife: Os Puritanos, 2015. p. 48.
6
CHARNOCK, Stephen. A discourse of self-examination. Disponível em: < https://www.the-
highway.com/articleJuly00.html >. Acesso 07 out. 2017.
2
2. AUTOEXAME: SUA NECESSIDADE, IMPORTÂNCIA E
OBSTÁCULOS
O pecado ainda presente, nos crentes, torna o autoexame uma prática necessária.
Tão logo o pecado parar de existir, tão logo também o autoexame será desnecessário.
Porque o pecado e a sua corrupção ainda atuam no crente, o autoexame é necessário para
a percepção dessa atuação, sendo o primeiro passo para a anulação dela.
7
EDWARDS, Jonathan. Sondando sua Consciência. Disponível em: <
http://www.monergismo.com/textos/sermoes/sondando_consciencia_edwards.htm >. Acesso 04 out. 2017.
3
os meus pensamentos. E vê se [há] em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho
eterno” (Sl 139.23, 24), ele reconhece que há pecados desconhecidos. Essa realidade
também evidência a necessidade do autoexame. Sobre isso Edwards também comenta:
O autoexame não é uma prática religiosa inventada pelos homens. Ele é uma
ordenança do Senhor e seu fundamento reside nEle. A ordenança diz: “Examine-se, pois,
o homem a si mesmo” (1 Co 11.28a; 2 Co 13.5; Gl 6.4-5). A essa ordenança une-se as
ordens de vigilância (cf. Mt 26.41, 1 Co 16.13), pois a vigilância não possui apenas um
caráter externo, mas também um caráter interno (autoexame) – como guardas de uma
cidadela que fazem vigília tanto dentro (contra inimigos internos e traidores) quanto fora
(exércitos externos). O autoexame “é um dever necessário, pertencente a todos na igreja,
e requer muita diligência na realização dele”.9
8
Ibid.
9
CHARNOCK, Stephen. Op. Cit.
4
O fundamento do autoexame reside no ser de Deus, a saber, em Sua onisciência.
Porque Ele é o único que sonda completa e perfeitamente os corações (cf. 1 Cr 28.9,
29.17; Sl 139.1; Jr 17.10; Rm 8.27; 1 Co 2.10; Ap 2.5, 23; 3.3). Se Deus sonda o coração
completa e perfeitamente, tendo a correta interpretação do estado deste, então, somente
Deus pode capacitar o homem a ter algum bom fruto de seu autoexame.
Isso é importante na tratativa desta doutrina. Isso nos dá consolo, pois, embora
sejamos tentados a achar que “já temos mais informação sobre nós mesmos do que sobre
qualquer outra coisa”, percebemos logo que “em alguns aspectos, é mais difícil obter um
conhecimento verdadeiro sobre nós mesmos do que sobre quase qualquer outra coisa”.10
“O autoexame, sendo um ato reflexivo, é difícil. [...]. É difícil olhar para dentro de si e
ver a face de sua própria alma. O olho pode ver tudo, menos a si mesmo”. 11 Portanto,
somente em Deus há a possibilidade de o autoexame ter algum sucesso.
Portanto, se Deus sonda e conhece o coração de todos, o crente deveria ter maior
cuidado em, também, sondar a si mesmo para que não seja tido, justamente, por hipócrita
diante de Deus. Pois, uma das notáveis características de um hipócrita é que ele não
pratica o autoexame. E, quando praticado, tal exame não o conduz a Cristo e,
consequentemente, não o conduz ao abandono dos pecados conhecidos. Pelo contrário,
se o pecado é percebido, então, é maquiado – e a encenação continua.
10
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.
11
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 48.
12
WATSON, Thomas. A Fé Cristã: estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster. São Paulo:
Cultura Cristã, 2009. p. 77-78.
13
Ibid., p. 78.
5
Alguns meios são: (a) oração; (b) conhecimento da Palavra; (c) perguntas feitas a si
mesmo; (d) meditação (teste das respostas); (e) olhando para Cristo; (f) comunhão dos
santos; (g) diários.
(a) Oração
A oração é o primeiro passo para um autoexame que agrade a Deus e que traga
algum um bom fruto. Por meio da oração, nós nos apresentamos em atitude humildade e
dependente dAquele que sonda e conhece o meu coração mais do que eu mesmo. Ele
conhece cada lugar; o mais sombrio, o mais escondido, Ele o conhece.
Tal oração reconhece: “Senhor, eu sei que há algo mal em mim, sei que devo
perseguir esse pecado que, em mim, habita; mas esse mesmo pecado tenta me enganar;
e tenho dificuldades em percebê-lo. Por isso, por favor, eu peço, sonda-me – tu que não
és engando pelo pecado e que conhece todos os corações”. Essa oração é a de um filho
dependente que não consegue entender a si mesmo e clama por ajuda. Fazer isso é
reconhecer que Cristo é nosso profeta: “Ele nos ensina a ver dentro de nossos próprios
corações”.14
14
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 201.
6
enxerga nem o mundo nem a si mesmo corretamente. Edwards comentando a necessidade
do conhecimento da Palavra de Deus para um autoexame verdadeiro, diz:
Pode ser que haja muitas rãs, serpentes e outras repugnantes e odiosas
criaturas em um calabouço, mas enquanto a luz não brilha ali estes não
são percebidos. O romper da luz os revela. E assim muitos sentimentos
impuros e ofensivos têm sua morada no coração do homem, porém eles
não são realmente reconhecidos, nem são os tais motivos de
aborrecimento, até que a luz os tornem manifestos. O convertido vê seu
pecado, sua vergonha. Ele é ciente das pragas de seu próprio coração e
a absoluta necessidade de cura.16
Confronte-se com a Palavra. Compare-se com ela. “Veja como a Escritura e seu
coração concordam. [...]. Desse modo conheceremos a verdadeira situação e estado de
nossas almas e veremos que evidências e certificado temos para o céu”.17 “Compare a sua
vida com a Lei de Deus, e veja se você se conforma com o padrão divino. Este é o caminho
primário que devemos tomar para descobrir nosso próprio caráter”.18 Além disso,
15
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.
16
VINCENT, Nathaniel. A conversão de um pecador. Os puritanos e a conversão. São Paulo: PES, 1993.
p. 88.
17
WATSON, Thomas. Como Ler a Bíblia (Locais do Kindle 346-358). KDP. Edição do Kindle.
18
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.
7
bênção. Faça uso da Palavra como um espelho pelo qual você examina
cuidadosamente a si mesmo – e seja um praticante da palavra (Tg 1.23-
25).19
É de suma importância o conhecimento da Palavra para um autoexame verdadeiro.
Conheça a Lei. A Palavra de deus é “que fornece a base apropriada para o autoexame”.20
Compare suas motivações e ações com ela. Estude, minuciosamente, a excelente e
profunda exposição de cada mandamento feita pelo Catecismo Maior de Westminster.21
Você terá grande proveito nisso.
Como exposto no início do estudo, o autoexame pode ser percebido nas Escrituras.
Ele pode ser praticado, conforme pretende-se mostrar nesse tópico, por meio de perguntas
à consciência, conforme o fez Davi: “Por que estás abatida, ó minha alma, e [por que] te
perturbas em mim?” (Sl 42.5). Assim como a melhor maneira de extrair uma confissão
de um culpado é a inquirição, assim também, a melhor maneira de extrair o estado de
nossa alma é por meio de perguntas diretivas a ela. Elas visam encontrar a motivação por
trás da ação; o sentimento, por trás de uma reação; o objetivo (pecaminoso), por trás dos
meios empregados; um ídolo, por trás de um falso culto.
Inquira seu coração com perguntas tais: “Por que eu reagi irascivelmente contra
minha esposa/esposo; filho/pai; funcionário/patrão, etc.?”; “O que está dominando o meu
coração (ou dominou) no momento em que ...”; “Por que eu tanta necessidade de...?”;
“Por que eu sempre trato com desdenho...?”; “Por que eu sempre quero ser servido e
nunca servir?”; “Por que continuamente sou tentado a murmurar?”, “Por que não quero
resolver o problema entre eu e meu irmão [em Cristo] (ou cônjuge, ou noivo, etc)?”; “Por
que fiquei chateado com tal situação?”; etc. Pergunte a si mesmo como um médico
pergunta a um paciente procurando, a partir dos sintomas, a verdadeira doença.22
19
Ibid.
20
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Op. Cit., p. 1296.
21
Perguntas 91 a 153.
22
Exemplo de autossuspeita: “Leitor, não se esqueça de aplicar estas coisas a você mesmo. Acaso você fica
ofendido quando alguém pensa que é um cristão melhor do que qualquer outro? Pensa que essa pessoa é
orgulhosa e que você é mais humilde que ela? Então, tenha cuidado, caso que se torne orgulhoso de sua
humildade! Examine a si mesmo. Se concluir, "Parece-me que ninguém é tão pecador quanto eu", não fique
satisfeito com isso. Você pensa ser melhor do que os outros por admitir que é tão pecador? Tem uma alta
opinião dessa sua humildade? Se você diz: "Não, eu não tenho uma opinião elevada de minha humildade,
penso que sou tão orgulhoso quanto o diabo'", então examine-se de novo. Porventura você está orgulhoso
do fato que não tem uma opinião elevada sobre sua humildade? Você pode ter orgulho de admitir quão
orgulhoso você é!” (EDWARDS, Jonathan. A genuína experiência espiritual. São Paulo: PES, 1993. p.
71).
8
Procure as respostas a estas perguntas procurando o réu – e que esse réu seja você.
O intuito destas perguntas não é você encontrar culpados fora de você, mas encontrar o
culpado dentro de você – e nominá-lo: ira, egoísmo, descontentamento, cobiça, desejo de
agradar a outro, desejo de louvor próprio, orgulho, etc. “Os crentes devem criticar a si
mesmos em vez de outros cristãos. Os crentes que primeiro criticam a si mesmos têm
sempre menos desejo de pensar mal dos outros”.23
23
BROOKS, Thomas. Resista ao Diabo: um estudo da batalha espiritual dos crentes contra Satanás. São
Paulo: PES, 2014. p. 92.
24
Não que as resoluções tenham poder em si mesmas ou tenham por fundamento o braço forte daquele que
as adota. Contudo, são elas de grande importância como diretrizes, aplicando o ensino bíblico ao dia a dia,
conforme no exemplifica as Escrituras (cf. Jó 31.1; Sl 17.3, 119.30; Ec 7.23).
25
EDWARDS, Jonathan. Resoluções de Jonathan Edwards (1722-1723). Disponível em: <
http://www.monergismo.com/textos/vida_piedosa/70resolucoes_edwards.htm >. Acesos em 04 out. 2017.
9
provas nele contidas, que você olhe diversas vezes as provas obtidas por sua consciência
(o advogado de acusação) às perguntas feitas ao seu coração (o réu).
26
PACKER, J. I. Op. Cit., p. 188.
27
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.
10
Ainda sobre isso, Lewis Bayly orienta: “sempre considere bom amigo aquele que
lhe diz em segredo e com franqueza os defeitos e falhas que vê em você”.28 Ele continua:
“A repreensão, justa ou injusta, venha da boca de um amigo ou de um inimigo, nunca faz
dano ao homem prudente. Sim, porque, se for verdadeira, você recebe um aviso para
corrigir-se; se for falsa, você tem uma advertência sobre o que evitar”.29
Segundo, considere também os erros dos outros para avaliar se você mesmo não
os está cometendo.
Quando vir os erros dos outros, verifique se você tem essas mesmas
deficiências. Muitos estão prontos para falar dos erros dos outros,
apesar de terem as mesmas falhas. Nada é mais comum para orgulhosos
do que acusar o orgulho de alguém. Semelhantemente, é comum para o
desonesto reclamar de ter sido enganado por outra pessoa. As
características ruins e os maus hábitos dos outros parecem muito mais
odiosos nos outros do que em nós mesmos. Facilmente podemos ver
quão desprezível é este ou aquele pecado em outra pessoa. Vemos
muito prontamente nos outros como o orgulho é detestável, ou quão má
a malícia pode ser, ou quão pernicioso é o erro dos outros. Mas, embora
vejamos facilmente muitas imperfeições nos outros, quando olhamos
para nós mesmos essas coisas ficam obscurecidas por um espelho de
ilusão.
Entretanto, quando você vê o erro dos outros, quando percebe quão
impróprios são os atos de alguém, que atitudes rudes eles mostram, ou
quão inadequado seu comportamento é, quando ouve outros falarem
sobre isso, ou quando vê erros no tratamento deles em relação a você –
reflita. Avalie se não há algum erro semelhante na sua conduta ou
atitude. Perceba que essas coisas são tão inconvenientes e ofensivas em
você como são nos outros. O orgulho, o espírito arrogante, e os
maneirismos são tão odiosos em você como são no seu vizinho. Seu
espírito malicioso e vingativo em relação ao seu vizinho é tão
desprezível quanto o dele em relação a você. É exatamente tão
pecaminoso o seu erro ou o dolo do seu vizinho quanto isso é para ele
em relação a você. É tão indelicado e destrutivo você falar dos outros
pelas costas quanto os outros fazerem o mesmo em relação a você.30
Além destes dois aspectos (negativo) destacados por Edwards, pode-se considerar
também as situações de convívio. As situações de convívio geram ocasiões, ações e
reação, que devem ser alvo de autoexame. A situações de convívio é o que Salomão diz:
“Assim como o ferro afia o ferro, o homem afia o seu companheiro” (Pv 27.17, NVI).
28
BAYLY, Lewis. A prática da piedade. São Paulo: PES, 2010. p. 189.
29
Ibid., p. 190.
30
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit.
11
(e) Diários Espirituais
Este ponto é colocado por último, não por menor importância. Pelo contrário, ele
é o que fundamenta todos demais os meios. É posto por último a fim de que se entenda
que, no final de tudo, olhar para Cristo é o meio efetivo de autoexame. É olhando para
Ele que há o senso de dependência (oração), o conhecimento (a Palavra) e a realidade da
comunhão dos santos. Portanto, faça o autoexame olhando para Cristo, não somente como
padrão moral. Mas como Aquele que, como Profeta, revela o que está no seu coração; e
como Rei, luta e habilita-o a lutar, contra os seus pecados percebidos.
31
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Op. Cit., p. 1199-1200.
32
Ibid., p. 1027-1208.
33
Ibid., p. 1296.
34
Ibid., p. 1296.
12
5. AUTOEXAME: SEU PROPÓSITO
35
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 49.
36
BAYLY, Lewis. Op. Cit., p. 181.
37
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Op. Cit., p. 1271.
38
BAYLY, Lewis. Op. Cit., p. 182.
13
e) Não pare no autoexame e no lamento, mas se aplique a mortificação do pecado
percebido. “Ganhamos segurança, não tanto pelo autoexame, como pela ação”.
Asseguramo-nos “de nosso chamado e eleição, primeiramente não pelo
autoexame, mas adicionando à fé excelência moral, conhecimento,
autocontrole, perseverança, piedade, bondade fraterna e amor” (2 Pe 1:5-7).39
f) Acima de tudo, faça o autoexame não confiando em sua justiça ou
(conseguindo executá-lo com recularidade) confiando e se vã gloriando do
cumprimento desse dever, mas, conforme Thomas Watson orienta: use o dever,
porém não o idolatre. Devemos usar os deveres que nos preparam para Cristo,
mas não façamos de nossos deveres um Cristo”.40
39
EDWARDS, Jonathan. Op. Cit., p. 46.
40
WATSON, Thomas. Op. Cit., p. 63.
14
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
BEEKE, Joel. JONES, Mark. Teologia Puritana: doutrina para a vida. São Paulo: Vida
Nova, 2016.
BROOKS, Thomas. Resista ao Diabo: um estudo da batalha espiritual dos crentes contra
Satanás. São Paulo: PES, 2014.
PACKER, J. I. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida cristã. São Paulo:
Fiel, 2016.
______. Como Ler a Bíblia (Locais do Kindle 346-358). KDP. Edição do Kindle.
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