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Criando um Monstro

“Escrevo meu livro a beira mágoa


— Fernando Pessoa”

Gostaria apenas de deixar claro que me arrependo de tudo. Ou melhor, que me arrependo de
ser eu mesmo e ter deixado me tornar assim, como estou hoje. Curioso notar como criamos
pequenos modelos de ignorância que servem absolutamente para nada.

Deixe-me ver... exatamente quando aconteceu? Eu devia ter uns oito anos, filho de uma mãe
super protetora e um filho da puta de pai. Sim, isso mesmo, um mesmo pai que nem sequer
conhecia o rosto e já odiava saber da existência de algo como ele. Talvez no fundo soubesse
que, por dentro, era que nem ele.

— Mas meu filho vai, a gente precisar ir para a escola.


— E? Por que, mãe?
— Para ser alguém, oras.
— Que nem meu pai, que era alguém? Ou sou filho de ninguém, como todos dizem?
— Filhinho, vamos nos atrasar. Chega desse papo besta.

Sempre terminava uma discussão ou uma vontade de minha mãe assim. Relembrando uma
revolta que nunca tive, mas que me divertia fingir que tinha. Ou melhor, quem sabe não
tivesse mesmo? Nunca irei saber, ao certo. A essa altura, nem interessa mais. Só sei que era
divertido.

Minha primeira namorada. Como aquela menina me amava. Mas eu não a amava. Ou pelo
menos não o mesmo tipo de amor que ela tinha por mim. Amava cada lágrima que ela
derramava quando eu me mostrava insensível, amava cada briga, amava sempre ela em tudo
que acontecia conosco. Esperava que ela fosse reagir. Queria que ela desse um pontapé e
largasse de mim. Queria sentir remorso por ter deixado alguém que eu amo escapar assim, de
mim. Quem sabe assim teria aprendido a amar de verdade, como todos os outros fingem
aprender.

— Senhor, está com frio?


— Não Alberto, obrigado. Agradeço muito o chá e o agasalho. Quero apenas que continue a
me ouvir. Sim, grave tudo, não quero arrependimentos pelo que deixei de dizer.
— E responda, ela continuou com o senhor?
— A verdade?
— Sim, a mesma.
— Bem, a única coisa que posso te dizer que a máxima “até que a morte os separe” deu fim na
nossa relação.
— Ela morreu?
— Sim, ela morreu. Com treze anos.

Alguém viu que o pai de Fátima era alcoólatra. Talvez o fato de aquele velho ordinário bater na
filhinha querida talvez dissesse algo. Eu penso sempre no lado masoquista daquela menininha.
Bonita, com olhos verdes bem grandes e um aspecto que, se tivesse maduro, todos iriam
desejar. Mas o destino deixou o desejo e apagou-o com um tiro de trinta e oito no meio da
cabeça da menina e da mãe. Certamente aconteceu estupro, não lembro ao certo.
— Mas então ela foi morta e, por que o remorso?
— Não vamos apressar as coisas, Alberto. Tome, coma mais umas bolachas. São importadas,
aquelas que me recomendou uma vez, lembra?

Bem, parei nessa etapa, onde talvez tivesse uma idéia benevolente de mim, mas nunca fui
bom. Ou seja, bom e mau, nunca me ative a nenhum dos dois e considero a minha espécie em
risco de procriação mundial.

Como foi triste o segundo casamento da minha velha senhora. Ou como eu deixei aquele
casamento ser ruim. O padrasto que me foi dado tinha certa idade, era mais velho que ela e
talvez mais que meu pai verdadeiro. Ele me deu de tudo, tentando comprar minha permissão
para que casasse com ela.

Era divertido isso. Ganhei sempre presentes e, quando ia mal ou aprontava, sempre era dado
como o esperto. Aquele senhor me entendia, pena que eu nunca o entendi, nem quando
largou da minha mãe e nos deixou sem nada. Seriam meus modos? Minhas travessuras? O fato
de eu ter destruído “sem querer” o trabalho de meses que ele tinha guardado naquele velho
computador?

— Era engraçado, não era?


— Sim, era. Era divertido ter um brinquedo tão velho que multiplicava meus desejos e dividia
seus tormentos.
— E senhor, uma coisa que nunca me explicou direito, você achou seu pai?
— Sim, encontrei. Estava bebendo num bar, que eu tinha comprado há algum tempo. Vendo
que sempre bebia e nunca pagava e que nunca assumiu que eu era seu filho, perdoei-lhe as
dívidas. No fim da vida um homem como ele precisa ir para o céu.
— Como assim?
— Simples, dois meses depois aquele cadáver morreu de cirrose.

Meu casamento foi impressionante. Festa, outra mulher, maravilhosa, que gostava de mim em
cada detalhe. Mesmo nos mais fúteis, era um amor incondicionavelmente imbecil. Era que
nem a Fátima, mas mais intenso. Eu sabia que arrancaria tudo dela se a deixasse excitada,
louca. Dei a ela um fruto, maldito, que nunca liguei.

Nem esbocei nenhuma reação quando a encontraram morta junto com meu filho. Era um
espetáculo, que não pude rir para não despertar suspeitas de que era eu. Nem mostrar uma
carta que recebi dois dias antes, quando tínhamos nos divorciado e eu tinha deixado a eles
uma pensão grande e uma casa longe de tudo e todos.

— Mas senhor, o que isso tudo quer dizer?


— Onde quero chegar?
— Sim, porque não entendi nada até agora.
— Isso se chama “como criar um monstro”. Dê a um animal inteligência o bastante para saber
como comandar seus atos. Depois o deixe ver como comanda os atos dos outros. Ensine-lhe a
ser fútil. E com isso você tem um monstro novo em folha. Sim, fui eu quem sabia do pai de
Fátima e não fiz nada, por querer ver o final de tudo. Eu quem despedaçou o casamento de
minha mãe. Que plantei a semente dá mágoa na minha mulher, essa cresceu e comeu aos
dois. E também eu, que colocou cicuta nesse chá, para dar um fim nisso tudo. Para sempre.

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