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ARTIGO DE REVISÃO
RESUMO
o estudo da febre e de suas diversas características clínicas constitui valioso auxílio no diagnóstico
diferencial das doenças reumáticas. Neste estudo, destingüirar-se-á, dois grandes grupos: o das doenças
francamente inflamatórias, geralmente febris, e os das não inflamatórias, via de regra não febris. O grupo
das doenças febris apresenta diferenças clínicas básicas relacionadas a intensidade, freqüência, duração
e horário de aparecimento da elevação da temperatura. Este importante sinal clínico propedêutico,
associado a determinadas manifestações articulares (artralgia ou artrite), ou extra-articulares
(linfonodopatia, alterações cutâneas, alterações oftalmológicas, alterações gastrointestinais ou outras),
conduzem mais facilmente a um melhor diagnóstico do paciente reumático.
Ulli/ermos: febre, doenças reumáticas, artropatias.
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Revista de Ciências Médicas PUCCAMP, Campinas, 3(3): 69.75, setembro/dezembro 1994
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de calor por vasoconstrição continuam até que a positivas, drogas em indivíduos sensibilizados e
temperatura do sangue, que supre o hipotálamo, iguale derivados sanguíneos incompatíveis. A endotoxina e
à regulação mais alta do termostato. Em constrate com outras substâncias que produzem febre são denominadas
a febre, a regulação do centro termoregulador durante a pirogênios exógenos. Os pirogênios exógenos não tem
hipertermia permanece inalterada em níveis normo- uma estrutura fisicoquímica comum, são derivados de
térmicos, enquanto que a temperatura corporal eleva-se várias fontes de origem microbiana e não-microbiana e,
de forma descontrolada e sobrepuja a capacidade de em geral, não afetam diretamente o hipotálamo,
perder calor. A exposição a calor exógeno e a produção produzindo febre através da ação de moléculas
endógena de calor são dois mecanismos pelos quais a mediadoras, chamadas de pirogênios endógenos6.
hipertermia pode acarretar temperaturas internas
I)irogênios endógenos
perigosamente altas, daí a importância de fazer adistinção
Os pirogênios endógenos são polipeptídeos
entre febre e hipertermia. A hipertermia é a elevação da 1
produzidos pelo hospedeiro que causam febre por sua
temperatura corporal, não ligada a causas infecciosas. A
capacidade de estimular as prostaglandinas hipota-
síndrome febril está presente, porém é menos intensa. A
lâmicas. Oprimeiro pirogênio endógeno foi descrito por
hipertermia pode ser rapidamente fatal e seu tratamento
difere do da febre6. Beeson, em 1948eem 1953. Nas três décadas seguintes,
pensou-se que havia apenas um pirogênio endógeno que
Denomina-se febrícula, a febre contínua baixa (não
causava febre; contudo, outros polipeptídeos, derivados
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ultrapassando 37,5 38°C) devida a causa infecciosa.
do hospedeiro são produzidos durante as infecções ou
Acometimento geral: palidez, desnutrição, etc.
ferimentos e atualmente são considerados pirogênios
A diatermia apresenta como característica mais
endógenos. O primeiro pirogênio endógeno descrito é
importante a hipertermia não supcrior a 38°C, curso
atualmente identificado como interleucina-I (IL-I). Há
prolongado (até anos) e bem tolerada, sem se acompanhar
duas IL-I, alfa e beta, e cada uma tem uma sequência de
de sinais biológicos de infecção, não respondendo a aminoácidos distinta. As IL-I humanas recombinantes
antitérmicos. A elevação da temperatura se deve a um
produzem febre em animais de laboratório em doses de
comprometimento desordenado, atáxicodos mecanismos
50nglKg. Outras interleucinas como interferons (alfa e
de eliminação de calor9.
beta), produzidos em consequência de uma infecção
Distingue-se vários tipos de febre, onde são
viral, também são pirogênios endógenos. O interferon
diferenciadas a intensidade, frequência e duração.
alfa humano recombinante, produz calafrios e febre em
Na febre contínua, as oscilações diárias máxima c
seres humanos após injeções de InglKg. O fator de
mínima não atingem a um grau. A febre remitente
necrose tumoral, também denominados caquectina, é
caracteriza-se por oscilações superiores a um grau,
um polipeptídeoproduzido durante infecções bacterianas
porém não atingindo a temperatura basal. Na febre
e parasitárias e recentemente demonstrou-se que é um
intermitente encontra-se paciente febril nos intervalos
pirogênio endógeno; pois quando injetado em seres
dos acessos febris. A ascenção e declínio da temperatura
humanos, lOOnglKg produz febre. Tais substâncias
são bruscas. A febre recorrente é caracterizada por
exercem extensos efeitos biológicos sobre muitos tecidos,
alternância de períodos de febre contínua por dois a
porém sua capacidade de iniciar a febre os identifica
cinco dias, seguidos por uma fase afebril. Paciente
como pirogênios endógenos.
apresenta na febre ondulante, séries de ondas febris,
Os pirogênios endógenos são indutores potentes de
separadas por intervalo onde o paciente mostra-se afebril prostaglandinas no cérebro e produzem febre de maneira
e apresenta febrícula. Na febre inclusa tem-se cifras I
delineada nas seguintes etapas: I) pirogênios endógenos
máximas durante a noite e pela manhã. A febre em
produzidos em decorrência de uma infecção ou lesão
corcova de camelo caracteriza-se pelos estágios inicial,
atingemárea hipotalâmica anteriorpor meio da circulação
de latência, pré-paralítico e paralítico, onde os estágios arterial; 2) nessa área, estimulam o endotélio de órgãos
inicial e pré-paralítico/paralítico representam os picos 1
vasculares a começar a síntese de prostaglandinas; 3) as
febris (respectivamente cabeça e corcova do animal) e
prostaglandinas recém-sintetizadasentram na substância
o estágio de latência representa temperatura basal (o
cerebral através de grandes espaços entre as células I
dorso do animal)16.
endoteliais e 4) essas prostaglandinas ativam neurônios
PATOGÊNESE termorreguladores por intermédio de aumento dos níveis
de AMP dclico. Acredita-se que a área pré-óptica do
Além dos agentes infecciosos, diversas substâncias hipotálamo contenha a concentração mais alta de
sabidamente causam febre, entre estas, a endotoxina de neurônios termossensíveis e a proximidade dos órgãos
bactérias gram-negativas. A endotoxina produz febre vasculares a esses neurônios, em particular eventos
em seres humanos quando apenas 2nglKg são injetados hemorrágicos, podem produzir prostaglandinas que
por via intravenosa. Dentre as outras substâncias que ativam independentemente os neurônios termossen-
produzem febre incluem-se: toxinas de bactérias gram- síveis6.
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A FEBRE NAS DOENÇAS REUMÁTICAS 71
Alterações de fase aguda estado geral, a crise surge com febre alta, "rash",
Embora este mecanismo explique como os artralgias, pericardite fugaz e com acometimento ar-
pirogênios endógenos induzem a febre, eles podem ticular persistente.
induzir processos semelhantes em outros tecido. Deste Outras vezes, as manifestações extra-articulares
modo, as prostaglandinas, particularmente da série E, como iridociclite e pericardite podem preceder, em
são produzidas na pele, músculos, vasos sanguíneos e semanas ou meses, o ataque das juntas.
outros locais e, em consequência, acarretam sintomas A febre quandopersiste é geralmente diária, elevada,
como cefaléia, mialgias e artralgias. As alterações podendo atingir 40°C com dois picos, um matutino,
laboratoriais em pacientes febris incluem alterações nos outro vespertino. Pode apresentar-se em outras
leucócitos, proteínas hepáticas e certos hormôniosl6. combinações, porém, quase sempre é ondulante. É
achado frequente, e, às vezes, o único sinal da doença.
A FEBRE NAS DIVERSAS DOENÇAS Em certas ocasiões, acontece, em meses ou anos, o
REUMÁTICAS comprometimento articular. Na maioria das vezes se faz
A febre é sinal de grande importância propedêutica acompanharde "rash" cutâneo. Difere da hipertermia da
em reumatologia, pois permite distinguir, a grosso febre reumática, por ser esta quase sempre contínua,
modo, dois grandes grupos: o das doenças francamente sub-febril e de curta duraçãoll.
inflamatórias, geralmente febris, e o das não inflama- Febre reumática
tórias, via de regra não febris. É uma seqüela não supurativa da infecção
O grupo das doenças francamente inflamatórias respiratória por estreptococos do grupo A.
está sujeito a infecções oportunistas, numa frequência A febre pode estar presente, em geral moderada ou
maior que a população normal. Isto acontencendo, discreta, e mesmo quando elevada (38 a 39°C), não
modifica-se o quadro febril, sendo de difícil interpretação perdura por mais de dois a três dias nessa intensidade. É
clínica e mesmo laboratorial. caracteristicamente remitente, retomando ao normal
A febre será aqui representada com suas após uma ou duas semanas mesmo sem tratamento,
características e sinais relativos a doença relacionada, a aparecendo principalmente no período vespertino.
fim de facilitar o diagnóstico clínico no âmbito A febre contínua, ao lado da cardite e de outras
reumatológic016. alterações clínicas, impõe o diagnóstico diferencial
Artrite reumatóide com endocardite bacteriana subaguda.
A artrite reumatóide (AR) é um processo Outras patologias devem ser investigadas em
inflamatório, sistêmico, crônico que ocorre em todas as pacientescom febreprolongada sem outros sinais maiores
de febre reumática1.
raças e grupos étnicos. Devido ao seu caráter sistêmico,
sintomas como febrícula e linfonodopatia mínima, podem Febre familial do mediterrâneo
ser observadas na AR. A febrícula é vespertina ou
Éuma doença de caráter genético que atinge grupos
noturna, geralmente acompanhada de mal-estar geral,
étnicos bem diferenciados, apresenta crises abdominais
aumento da perspiração insensível, e mais raramente,
e/ou torácicas, febre persistente e comprometimento
taquipnéia e taquicardia. Em casos de infecção articuIar.
oportunística, principalmcnte no trato respiratório e As crises periódicas, apresentam-se com início
genitourinári017, há elevação da temperatura caracte- rápido, são de curta duração e finalizam sem deixar
rizando febre. A Síndrome de Felty apresenta além do seqüelas. Na maioria das vezes, há sinais prodrômicos
quadro articularjá rcferido,leucopenia e esplenomegalia.
vagos, como se fosse uma verdadeira "aura": náuseas,
Os pacientes quase sempre apresentam susceptibilidade astenia, tonturas e sensação abdominal não definida.
exacerbada as infecções, sendo mais comum os processos A febreconstante em um dado momento de evolução
infecciosos bacterianos atingindo a pele (em úlceras é um elemento importante para o diagnóstico, é de curta
cutâneas), mucosas e trato respiratórios. duração, de 12 a 24 horas, e raramente ultrapassa mais de
O uso de esteróides e agentes imunossupressores
72 horas. Na maioria das vezes é precedida por tremores.
podem ser responsáveis pela indução de neoplasias ou
Admite-se que a temperatura se eleva nas primeiras
infecções por germes de baixa virulência, ocasionando
horas que se seguemao aparecimentodasdorese retoma
febre de origem obscura de difícil diagnóstico clínico e
laboratoriaJS.
à normalidade antes do episódio abdominal torácico ou
articular. A febre varia entre 38°C e 40°C, guardando
Artrites crônicas da infância certa semelhança com à crise febril, daí também ser
Manifesta-se através de múltiplas formas clínicas chamada de febre pseudopalustre. Para maioria dos
que vão desde o acometimento poliarticular, com ou autores, um episódio febril isolado sem algias é
sem simetria, até o monoarticular, podendo ocorrer ou extremamente infrequente. Entretanto, há algias,
não manifestações sistêmicas. Quando há queda do especialmente as articulares sem febre2.
Os antígenos nucleares extraíveis englobam A artrite piogênica aguda geralmente tem início
basicamente dois antígenos, o RNP (ribonucleoproteína) súbito, apresentando rapidamente dor intensa e limitação
e o Sm. Na DMTC predomina o anti RNP e não se dos movimentos articulares. Em alguns casos, tem-se
identifica o Sm. Muitosenfermoscom anti-ENA positivos descrito uma fase de poliartralgia moderada, com
evoluem posteriormente para um polo ou doença difusa localização posterior e definitiva em mais de duas
do tecido conjuntivo melhor definida, em particular articulações (meningococos e gonococos); entretanto,
ESP eLES. na maioria dos casos é monoarticular.
Deve-se ressaltar, ainda, que têm sido observados Freqüentemente ocorrem os sinais clássicos da
casos com características clínicas indistinguíveis de inllamação na articulação afetada, assim como bloqueio
DMTC e anti-ENA circulante ausente. Por outro lado, doloroso dos movimentos ativos e passivos, geralmente
em investigações controladas, evidencia-se um estão presentes, febre, calafrio, prostação e queda do
comprometimento renal mais frequente, embora poucas estado geraJl3. t
vezes estes pacientes desenvolvam glomerulonefrite A artropatia gonocócica representa a infecção
proliferativa difusa. metastática dos tecidos articulares consequente à septi-
O quadro clínico inicial é o de uma doença sistêmica cemia pela Neisseria gononllOcae.
que exibe discretas alterações gerais como artralgias, Dez a vinte dias após a infecção gonocócica aguda,
mialgia, febrícula, fenômenos de Raynaud, esofagite, inicia-se bruscamente um quadro de estado infeccioso
dedos em salsicha e resposta eficaz ao esteróide3. febril, com calafrios e envolvimento de várias
Artrose articulações e tecidos periarticulares, que se apresentam
entumescidos, hiperemiados, quentes e extremamente
A osteoartrose (OA) primária é um processo doloridos.
patológico afebril, porém, as formas secundárias podem
Podem surgir lesões cutâ neas maculares, vesiculares
oferecer dificuldades diagnósticas, quando apenas a
ou pustulares, com ou sem centro necrótico. A
propedêu tica rad iológica é u tili zad a para su a
temperatura axilar é elevada, ou oscilando em torno de
caracterização, imagens císticas com reações osteóides, 40QC7.
redução da fenda articular com osteofitose, corpos
O quadro articular da rubéola apresenta nítida
estranhos, etc. São inespecíficos e podem ser encontrados
preferência pelo sexo feminino, no período pós-puberal.
em certas hemopatias (hemofilia, siclemia, leucoses
Pode anteceder as manifestações dermatológicas ou
crônicas), em infecções articulares de curso lento
constituir-se mesmo numa alteração isolada.
(tuberculose, brucelose, etc), em doenças metabólicas
O comprometimento é simétrico, apresentando-se
(gota, condrocalcionose articulardifusa) e inllamatórias com características semelhantes às da artrite reuma-
(artrite reumatóide, lupus eritematoso sistêmico). As
tóide, febre reumática ou ainda sob a forma de
osteoartrites secundárias, às doenças como as já citadas,
tenossinovite ou de síndrome do túnel do carpo. Qua-
não raramente apresentam episódios febris, cujo torze a vinte e um exantema com sintomas constitucionais
comportamento clínico é pertinente a cada uma delasl6.
levesde mal-estare eventual odinofagia. Febre moderada,
Gota coriza e conjuntivite leve podem acompanhar o
Gota é um termo que representa um grupo exantema 10.
heterogêneo de doenças genéticas e adquiridas que se A hepatite a vírus apresenta quadro clínico que
manifestam por hiperuricemia e uma característica artrite pode simular artrite reumática. As manifestações
inllamatória aguda induzida por cristais de monoidrato articulares chegam a anteceder de seis semanas o início
de urato monossódico. das decorrentes do comprometimento hepático
Na artrite gotosa aguda tem-se os sinas sistêmicos desaparecendo quando se inicia a icterícia.
de inllamação que incluem febre, leucocitose e elevação O quadro é geralmente poliarticular, simétrico,
da velocidade de hemossedimentaçãol6. aditivo, algumas vezes migratório e afeta grandes e
pequenas articulações.
Artropatias relacionadas a processos infecciosos
Mal estar, fadiga, náuseas e vômitos também fazem
Dentro das artropatias que podem ser causadas por
parte do quadro inespecífico. Classicamente, o paciente
proeessos infecciosos tem-se as artrites piogênicas, a
pode descrever uma perda do paladar para café ou
artropatia gonocócica, a tuberculose osteo-articular, as
cigarros. A febre, se presente, geralmente é baixa.
artropatias sifilíticas, artropatias causadas por fungos,
Linfonodopatia envolve os nodos pós-auriculares e
por vírus, a ósteo-artropatia da hanseníase e da
suboccipitaisl4.
toxoplasmose. Convém destacar asprincipais quecursam
com febre, como as artrites piogênicas agudas, as
artropatias gonocócicas e asvirais, melhor representadas
pela rubéola e hepatite.
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