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SUMÁRIO
Uma introdução comparativa do Islamismo com
o Cristianismo 7 David Brum

“Mas Deus o tornou em bem”


25 Guilherme Cordeiro

Resenha de O evangelho
para muçulmanos 57 Bruna Oliveira

Resenha de A christian’s pocket


guide to the papacy 66 Jônathas Camacho

Resenha de Apologética para


questões difíceis da vida 74 Letícia Oliveira

Resenha de Lausanne Occasional


Paper 15 81 Marcel Cintra
APRESENTAÇÃO da Sociedade Cristã Acadêmica

Quem somos: A Sociedade Cristã Acadêmica (S.C.A.) é um grupo de estudo, refle-


xão e engajamento que tem como alvo vincular o pensar teológico à vivência acadê-
mica de estudantes universitários evangélicos na UnB desde 2011.

Nossa visão: Cristãos universitários que refletem, à partir de uma cosmovisão ge-


nuinamente bíblica, sobre a relevância e a implicação da fé evangélica nas diversas
esferas de atuação acadêmica. Reflexão que objetiva um engajamento integral do uni-
versitário cristão: esse é o nosso princípio basilar de atuação.

Nossos objetivos:
• Abrir frentes interdisciplinares e transdisciplinares de diálogo entre a Teologia
Cristã Evangélica e as demais áreas do conhecimento humano com o intuito
de possibilitar ao universitário uma visão não-fragmentada de mundo e um
entendimento acurado do senhorio de Cristo sobre o todo da vida;
• Fomentar nos universitários cristãos desejo e empenho por relevância em suas
áreas de estudo e atuação, no entendimento de que tudo que fazemos é para e
pelo Senhor;
• Engajar o estudante na missão de “fazer-se universitário para os universitários”
visando a proclamação das verdades do Evangelho de maneira contextualizada,
relevante e fidedigna.
EDITORIAL

“Nem um único espaço de nosso mundo mental pode ser hermeticamente selado em
relação ao restante, e não há um só centímetro, em todos os domínios da nossa vida
humana, sobre o qual Cristo, Senhor de tudo, não clame: ‘é Meu!’”
Esta clássica citação de Kuyper poderia ser chamada de lema da Sociedade Cristã
Acadêmica. Porém, antes de explorar como a biocosmovisão cristã se dá especifica-
mente em cada disciplina, vimos como necessário em 2016 defender seus fundamentos
apologeticamente. Assim, valendo-se de várias estratégias apologéticas, buscamos ex-
por a razão de nossa fé contra alternativas seculares e idólatras, confiantes de que a
realidade do Deus triuno das Escrituras poderia ser vista pelos olhos da fé encorajada
pela argumentação racional.
Assim, tivemos estudos no primeiro semestre sobre o mandato bíblico para a
apologética, epistemologia reformada, teologia natural, provas clássicas da existência
de Deus, evidências históricas do Cristianismo, método pressuposicionalista, teodi-
ceias e vida após a morte. Cientes de que a universidade implica em desafios adicionais
a partir de outras religiões mundiais, prosseguimos no segundo semestre para estudar
teologia das religiões, debates clássicos sobre salvação de pessoas de outras religiões,
religiões seculares na forma de ideologia, hinduísmo, budismo, demais religiões orien-
tais, novos movimentos religiosos, animismo, religiões afro-brasileiras, islã, judaísmo,
kardecismo, seitas “cristãs” e ramos do cristianismo fora da tradição protestante.
Mas como isso contribuiu para a vivência universitária dos cristãos? Não só
diversos alunos de graduação deram duro para expor boa parte dos temas acima,
mas também sempre contribuíram com suas dúvidas e comentários no fim de cada
reunião. Como a produção acadêmica escrita é imprescindível na universidade, este
semestre buscamos este novo espaço de aprendizado: uma revista acadêmica iniciante
para estudantes pesquisarem temas relacionados ao que vimos em 2016. O resultado
animador pode ser avaliado pelo próprio autor nas páginas seguintes.
É impressionante quão poucas instituições semelhantes ao SCA existem no
Brasil, quanto mais agora com esta nova Revista. Que nossa oferta de louvor intelec-
tual aqui ao Deus vivo incentive a membros da igreja de Cristo por todo o país a terem
iniciativas semelhantes em suas universidades.
Agradecemos ao Deus sábio e dono de todo saber por cada ideia aqui exposta.
Todo o material de pesquisa aqui utilizado (e criado) só veio a existir devido a seu
Verbo e a iluminação de seu Espírito. Agradecemos a cada um dos contribuidores por
sua disponibilidade e esforço para produzir um trabalho respeitável academicamente.
Agradecemos à banca examinadora, composta por Josaías Ribeiro Jr., Matheus Inácio,
Rafael Bello e Gustavo Vilela, que aumentaram em muito a qualidade das peças após
suas correções. Agradecemos a Ana Karoline Mesquita pela revisão ortográfica e à
equipe da Editora Monergismo pela disposição em criar este formato eletrônico com
sua capa e diagramação.

Soli Deo Gloria.


A Diretoria em exercício dos anos de 2016 e 2017
(Bruna Oliveira, David Brum e Guilherme Cordeiro
UMA INTRODUÇÃO
COMPARATIVA DO ISLAMISMO
COM O CRISTIANISMO

por david brum soares Resumo: Com o crescimento do islã, é proveitoso para
o cristão aprender as doutrinas centrais dessa religião.
Para isso, decidi reunir as doutrinas mais importantes
do Islamismo e compará-las com as doutrinas do Cris-
tianismo. Faço um resumo histórico da religião, uma
análise do Alcorão e, depois, começo a expor as cren-
ças muçulmanas.

Introdução
O Islã é uma das religiões que mais cresce no mundo.
Em séculos passados, não havia muitos muçulma-
nos habitando no Ocidente, porém está se tornando
comum avistar um muçulmano em nossa vida diá-
ria. Além disso, depois do atentado do World Trade
Center nos EUA, o mundo voltou seus olhos para o
islamismo e a religião não adquiriu boa fama.
Esses dois fatos devem ser levados em considera-
ção pelo cristão que deseja defender a sua fé. Algo que a
Universidade nos ensina é que devemos estudar aquilo
que criticamos, caso contrário podemos argumentar
contra algo que nós mesmos criamos e não contra o

7
objeto real. Precisamos compreender o islã Este artigo se baseia no modelo do
para construir argumentos sólidos se qui- Monoteísmo Original. Parte-se do princí-
sermos ter uma conversa saudável com os pio de que não foi o homem que iniciou a
muçulmanos. relação Deus-homem, mas o próprio Deus
O objetivo deste artigo é analisar, de que se revelou aos homens. Corduan apon-
forma introdutória as principais crenças ta para Gênesis 4.26 que diz que depois de
do Islã, descrevendo-as para que possamos Sete (filho de Adão) ter tido seu filho Enos,
entender a sua cosmovisão a fim de elabo- “... se começou a invocar o nome do SE-
rar críticas que poderão ser utilizadas para NHOR.”. Veja que desde a primeira família
evangelizar praticantes dessa religião. Além havia a adoração ao único Deus. 2

disso, pretendo comparar algumas doutri- Com o tempo e por causa do pecado,
nas islâmicas com o Cristianismo. Faço isto as pessoas foram distorcendo essa adoração
porque o Alcorão afirma ter uma continui- de diferentes formas, conforme os relatos
dade com a Bíblia, logo podemos fazer uma seguintes de Gênesis narram. Porém, havia
análise comparativa entre os dois. sempre uma perpetuação da adoração mo-
noteísta com o povo de Deus. Concluímos
Como surgiu a religião? que, ao invés de ter havido uma evolução
em que o homem descobre novas formas e
Antes de partir para o islamismo em si, será
ideias sobre o nosso Criador, a humanidade
proveitoso para o leitor entender um pou-
distorceu a verdade revelada no princípio.
co sobre o processo evolutivo da religião
na história da humanidade. Acontece que
muitos possuem uma visão secular sobre Por que isto é importante?
esse assunto: imaginamos que a humani- É necessário que o cristão entenda que nem
dade começou com uma crença animista e tudo na cosmovisão pagã é errada. Note
de culto a mortos, evoluindo para um poli- que o pecado fez com que os homens dis-
teísmo até que chegamos ao monoteísmo. torcessem a verdade de Deus, porém nem
Esse seria o modelo evolucionário. Para tudo foi distorcido. Por isso, esperamos
os fins deste artigo não será possível ex- encontrar certas verdades e pontos de con-
por uma crítica aprofundada a essa teoria. tato com o Cristianismo nas mais diversas
Basta dizer que não há nenhuma evidencia religiões.
histórica que valide ela. 1
Obviamente, essas verdades en-
contradas não são o bastante para salvar

¹ CORDUAN, 2012, pág. 40. ² IDEM, 2012, pág. 40.

8
o pecador, porém são um bom começo a vontade de Deus; (3) haverá um dia de
para expor o Evangelho. Por exemplo, os julgamento quando todas as pessoas serão
muçulmanos têm uma ideia bastante res- avaliadas em se obedeceram ou não a Deus.
peitosa sobre Jesus e consideram a maior Após um tempo, ele começou a con-
parte da Bíblia como revelação de Alá. De- seguir seguidores. E com a morte de sua
rek Cooper nota que “as vezes é melhor esposa a perseguição em Meca começou a
falar sobre o que nós, como cristãos, temos aumentar. A cidade era um grande centro
em comum com outras religiões antes de religioso que possuía e ainda possui um
falar sobre as nossas diferenças” 3
santuário em forma de cubo – o Kaaba.
Dentro dele havia centenas de ídolos no
Breve panorama histórico do Islã 4 qual os peregrinos adoravam. Por isso, a
Para fins de contextualização, é necessário mensagem de que há um só deus não agra-
expor brevemente a história do Islã. Esta dou os líderes da cidade.
se divide em quatro partes: O período de Maomé e seus seguidores fugiram
origem, o período do califado, o período para Medina, onde encontraram um bom
dinástico e o islã atual. apoio dos habitantes. Passados alguns
anos, e com um exército forte, Maomé
marchou contra Meca e tomou a cidade
Origem
sem nenhuma batalha. Após dois anos da
O Islã começa com Maomé, um condu-
conquista, Maomé morreu sem deixar ne-
tor de camelos iletrado. Nascido em 570,
nhum sucessor.
nos arredores de Meca, que possuía uma
cultura politeísta e animista. Ele se casou
com uma mulher rica e influente chama- Período do califado corretamente guiado
da Khadija. No ano de 610, Maomé estava Após a morte de Maomé, houve uma
meditando em uma caverna quando o anjo discussão para decidir quem seria o seu su-
Gabriel apareceu ordenando que ele reci- cessor. A escolha óbvia deveria ser o seu
tasse o livro que trouxera. genro Ali bem Talib, porém a maioria esta-
A mensagem dele era constituída de beleceu que Abu Bakr, o sogro de Maomé,
3 pontos principais: (1) Há um só Deus; (2) seria o primeiro Califa. É a partir daqui que
seres humanos são obrigados a se submeter os muçulmanos se dividiram entre Xiitas
e Sunitas. Os primeiros, que são a mino-
³ COOPER, 2013, pág. 128. ria dos muçulmanos, dizem que a sucessão
4
Extraído principalmente de COOPER, 2013, pág. deveria ser pela pessoa mais próxima do
103-114 e CORDUAN, 2012, pág. 94-102.

9
profeta, enquanto que os últimos, a maio- Assim como acontece com o Cris-
ria dos muçulmanos, acham que a sucessão tianismo, várias correntes de pensamento
deveria ser passada para a pessoa mais qua- afetam o islã. Cooper cita quatro grupos:
lificada. Essa divisão é mais política do que os Secularistas, que defendem que a reli-
teológica. gião é privada e deve ser separada da esfera
Nesse período houve 4 califas, e pública; os Tradicionalistas, que acreditam
é chamado assim porque é visto como a que a lei e a doutrina islâmica deve ser a
época de ouro do islã. Toda a comunidade base para a sociedade; os Fundamentalis-
muçulmana era governada por apenas um tas, dizem que a sociedade deve retornar
líder. Abu-Béquer foi o primeiro suces- aos objetivos originais do islã e remover
sor de Maomé e foi o único que morreu valores não muçulmanos do país; e os mo-
de causas naturais (os outros foram assas- dernistas, que tentam aproveitar o melhor
sinados). Ele foi seguido por Omar, que do ocidente, ao mesmo tempo que resistem
desenvolveu o calendário muçulmano; Ot- a valores morais ocidentais.
man que sistematizou o Alcorão; e Ali Ben
Talib, que é considerado o primeiro califa Escritos Sagrados
para os Xiitas. Da mesma forma que os cristãos, os mu-
çulmanos possuem livros que são fonte de
Período dinástico autoridade religiosa para o praticante. A
Após a morte do 4º califa, o mundo muçul- maior autoridade para os cristãos é a Bíblia.
mano se dividiu em dinastias. Esse período Todas as tradições devem estar sujeitas a ela.
começa em 661 e termina com a dissolução Os muçulmanos possuem o Alcorão
do império otomano em 1922. Foi nesse e os Hádices. Em certa medida, os muçul-
período que a Igreja Católica empreendeu manos acreditam na Torá e nos Evangelhos:
as Cruzadas. (1) alguns acreditam que os dois são váli-
dos, mas que os cristãos a interpretam de
O Islã Atual maneira errada; (2) outros acreditam ape-
nas nas palavras de Jesus – Anyabwile os
Hoje em dia, a religião está em mais de
chama de “muçulmanos de letras verme-
50 Estados muçulmanos, além dos países
lhas” ; (3) e há ainda aqueles que dizem que
5

laicos que possuem uma população muçul-


a Bíblia foi deturpada logo no começo da
mana crescente. Essa diversidade de língua,
história cristã.
etnia, costumes e política influenciam tam-
bém a religião muçulmana. 5
ANYABWILE, 2015, pág. 124.

10
Alcorão são gerou um grande conflito e sangue foi
Como mencionado anteriormente, o Al- derramado. No final, aqueles que diziam
corão foi entregue diretamente ao profeta que o alcorão era eterno e não-criado ven-
Maomé ao longo da sua vida. O profeta ceram, e essa interpretação permanece até
transmitia as revelações oralmente aos seus hoje. O Alcorão é a palavra de Deus. Apesar
seguidores e as pessoas memorizavam de não ser Deus, ele é inseparável dele. 7

aquelas palavras. É importante dizer que Glaser e Qureshi notam que, ao con-
o Alcorão só permanece como palavra de trário do imaginário comum, o Alcorão é
Deus em árabe. Assim, todas as traduções melhor comparado com Jesus, e não com a
são feitas apenas para consulta, não tendo Bíblia. Enquanto que para os cristãos Cris-
muito valor. E é por isso que muçulmanos to é eterno, a palavra de Deus incriada que
de todo o mundo procuram recitar seus veio a terra como homem, os muçulmanos
versos em árabe, mesmo não entendendo veem o Alcorão como eterno, palavra de
a língua. Eles acreditam que o simples reci- Deus incriada, que desceu dos céus como
tar já é um meio de ser abençoado. livro. Os muçulmanos tratam o Alcorão
8

O tamanho do Alcorão é parecido com a maior reverencia possível, jamais


com o do Novo Testamento. É composto de deve ser colocado no chão e deve ser guar-
114 capítulos que são chamados Suras, que dado na parte mais alta do ambiente.
é dividida em versos (ayat). Os capítulos são O conteúdo do Alcorão também
organizados por tamanho, do maior para o é bastante distinto da Bíblia. Uma bre-
menor. As suras mais antigas geralmente ve leitura de uma Sura basta para o leitor
são as menores, e elas focam em questões perceber. O Alcorão não segue um prin-
teológicas básicas a respeito de Deus e do cípio óbvio de organização. Enquanto
julgamento; enquanto que as suras maiores que os livros bíblicos seguem uma narra-
contêm muitas instruções detalhadas para a tiva e estão interligados entre si, além de
comunidade islâmica assim como referên- haver continuidade dentro dos próprios
cias históricas e bíblicas. 6 livros. No Alcorão a lógica é bem diferen-
O alcorão é a versão terrena de um te. Quresh diz que uma sura pode conter
livro celestial eterno - o um-al-kitab (mãe de versos que estão lado a lado e foram revela-
todos os livros). No começo da história mu- dos num período de 20 anos um do outro. 9

çulmana, isso gerou uma grande discussão. Aparentemente, os muçulmanos não se


O Alcorão é criado ou eterno? Essa discus- 7
GLASER, 2016.
8
IDEM, 2016 e QURESHI, 2016, pág. 55.
6
CORDUAN, 2012, pág. 109 e 110. 9
QURESHI, 2016, pág. 107..

11
preocupam com questões exegéticas como para falantes dessa língua. Por que o Cria-
os cristãos. Por exemplo, não há preocupa- dor onipotente restringiria a sua revelação
ção com a questão da dupla autoria, porque apenas para uma língua?
o Alcorão é apenas a recitação das palavras
de Alá. Maomé não foi um autor inspirado. Continuidade
Ele apenas as repetiu. 10

O Alcorão também diz se basear nos Evan-


Assim como a Bíblia, o Alcorão gelhos e na Torá. Eles seriam revelações
reivindica ser a palavra de Deus. Glaser de Alá e os seus autores seriam profetas
aponta duas ideias que fundamentam essa que vieram antes pregar a mesma mensa-
forte afirmação: sua inimitabilidade e a sua gem que Maomé. Há diversos versos para
continuidade com a Bíblia. 11
nos basearmos. Comecemos pela Sura 5.
44, 46 e 48.
Inimitabilidade (44)
Por certo, fizemos descer a Tora; nela, há orien-
tação e luz. Com ela, os profetas, que se islamizaram,
Os muçulmanos frequentemente afirmam julgavam aos que praticavam o judaísmo e, assim
que não há obra literária tão bela e úni- também, os rabis e os sacerdotes, porque custodia-
vam o Livro de Allah, e eram testemunhas dele [...]
ca como o Alcorão. Nenhum ser humano (46)
E, na pegada daqueles [dos profetas anteriores a
poderia imitar a forma e o conteúdo do Al- Maomé], fizemos seguir a Jesus, filho de Maria, para
corão. E é o próprio Alcorão que diz isso, confirmar a Tora, que havia antes dele. E concedê-
ramos-lhe o Evangelho; nele, há orientação e luz e
sura 2.24-25: confirmação da Tora, que havia antes dele, e orien-
E, se estais em dúvida acerca do que fizemos descer tação e exortação para os piedosos.
sobre Nosso servo, fazei vir uma sura igual à dele, (48)
E, para ti, Maomé, fizemos descer o Livro, com
e convocai vossas testemunhas, em vez de Allah,
a verdade, para confirmar os Livros que havia antes
se sois verídicos. E, se o não fizerdes – e o não fa-
dele e para prevalecer sobre eles.
reis – guardai-vos do Fogo, cujo combustível são os
homens e as pedras. O qual é preparado para os re- O Alcorão diz ser a confirmação do Evan-
negadores da Fé.
gelho e da Torá, e que esses dois foram
Assim, a obra do Alcorão seria a mais bela dados por Alá. Além disso, ele diz para o
12

peça literária já feita. Porém, um cristão povo do livro (Cristãos e judeus) se funda-
poderia simplesmente discordar. Essa rein- mentarem na Torá e no Evangelho, Sura
vindicação parece ser bastante subjetiva. O 5.68:
muçulmano diria, é claro, que esse atributo Dize: “Ó seguidores do Livro! Não estais fundados
(68)

só se mantém no texto original – em árabe. sobre nada, até que observeis a Tora e o Evangelho e
o que de vosso Senhor fora descido para vós”[...]
Parece que esse argumento só funcionaria
10
GLASER, 2016. 12
Note que o Alcorão utiliza o plural majestático quan-
11
IBIDEM, 2016. do é Alá quem está falando.

12
Quando Alá conta uma história de Moisés, dos seus autores humanos, que foram usa-
ele convida Maomé a conferir a Torá caso dos por Deus.
ele duvide do que ouvira, em 10.94: O Alcorão é, em sua maior parte,
E, se estás em dúvida acerca do que fizemos des-
(94)
exortativo. A maior parte das suas histó-
cer para ti, Maomé, pergunta aos que, antes de ti,
leram o Livro [ (os judeus) ]. rias são ilustrações que fazem parte de um
Percebe-se que o Alcorão propõe uma argumento para exortar o leitor. Enquan-
continuidade com a Bíblia, ou seja, da mes- to que as histórias da Bíblia não possuem
ma forma que ele é uma revelação de Alá, a necessariamente esse caráter. Glaser diz
Torá e os Evangelhos também devem ser. que “o Alcorão não conta a história bíblica
Assim, não deve haver nenhuma contra- cronologicamente. Na verdade, ao invés de
dição entre eles e até a forma textual deve contar as histórias, ele as usa para ilustrar
ser parecida por se tratar do mesmo autor seus próprios argumentos. ” . 14

(Alá). As diferenças e semelhanças doutri- O autor, então, faz uma análise da


nárias trataremos nos tópicos seguintes. história de Caim e Abel contida no Alcorão
Desejo aqui enfatizar a forma textual do em 5.27-34 e, em seguida, compara com a
Alcorão em contraste com a Bíblia. versão bíblica. Percebe-se que há algumas
O Alcorão é escrito com a voz de diferenças entre elas e o autor levanta alguns
Deus (com exceção da primeira Sura) en- pontos para reflexão: (1) há partes da nar-
dereçado a Maomé, grupos específicos ou a rativa em que não se encontram na Bíblia e
toda a humanidade. Enquanto que a Bíblia
13
outras que o Alcorão omite. Glaser diz que
carrega consigo as marcas dos seus auto- essas partes são encontradas em comentá-
res humanos inspirados por Deus. Paulo rios da tradição Judaica; (2) o contexto da
diz que “Toda a Escritura é inspirada por passagem, segundo a tradição islâmica, foi
Deus e útil para o ensino, para a repreen- na época em que Maomé estava em Medi-
são, para a correção, para a educação na na e os judeus estavam armando um plano
justiça” (2 Tm 3.16). Há algumas partes da para matar o profeta. Assim, “a história se-
Bíblia em que os autores proclamaram as ria um aviso para os “irmãos mais velhos”
palavras exatas de Deus, como acontece em (judeus e cristãos) contra a inveja do irmão
várias partes dos livros proféticos. Porém, mais novo (muçulmanos). ” 15

na maioria dos casos os autores escrevem


a partir de suas perspectivas, cada um dos
evangelhos, por exemplo, possui traços
14
IDEM, 2016.
13
GLASER, 2016. 15
IDEM, 2016.

13
Confiabilidade do Alcorão e da Bíblia acontecesse desde a sua origem (descrita
Corduan aponta para algumas críticas no livro de atos) até o séc. IV d.C. Assim,
frequentemente levantadas pelos muçul- as igrejas copiavam seus manuscritos e re-
manos a respeito da Bíblia. Essa rejeição passavam para outras igrejas. Todas essas
se deve a diversas supostas contradições e variações nos manuscritos que os críticos
erros no Antigo e Novo Testamento. O ar- enfatizam não afetam as doutrinas centrais
gumento é que se os manuscritos bíblicos do Cristianismo e, na verdade, nos ajudam
possuem tantas variações entre eles, e que a recuperar o que os manuscritos originais
se a Bíblia possui contradições internas, ela continham. Ao contrário do Alcorão que
não pode ser autêntica revelação de Deus, não pode ser restaurado a épocas anterio-
ao contrário do Alcorão, que tem sido pre- res do terceiro califa.
servado até a sua versão original. E a respeito das supostas contra-
Corduan diz que um cristão pode dições, devemos fazer um estudo de cada
responder essa objeção apontando para o uma delas se quisermos convencer as pes-
fato de que “se alguém tivesse queimado soas. Corduan nos lembra que “o Alcorão é
todas as variações textuais da Bíblia, as- essencialmente o produto de um homem.
sim como Otman queimou as variações do Seu conteúdo percorre um pouco mais do
Alcorão, então haveria apenas uma única que 20 anos. A Bíblia, em contraste, possui
versão da Bíblia também. ” . O terceiro ca-
16
um conteúdo que abrange um pouco mais
lifa, Otman, ao perceber que no seu tempo de 1500 anos em diversas línguas e culturas
já havia várias versões do Alcorão e apro- altamente divergentes. “. Esse fato nos leva
18

veitando o seu poder político (ele possuía a ter um pouco mais de cuidado ao questio-
autoridade sobre todo o território mu- nar a contradição de dois textos sem fazer
çulmano de 644-655 d.C) , decidiu reunir
17
uma exegese apropriada.
todas as variações das recitações do Alco-
rão, as queimou e produziu uma versão Hádice
oficial, que continua a mesma até hoje. Além do Alcorão, os muçulmanos possuem
Os cristãos, ao contrário, não con- os Hádices. Uma coleção que foi escrita nos
seguiram nenhum controle centralizado primeiros anos do Islã por testemunhas do
nos seus primeiros séculos. Havia mui- profeta. Nela contem ditos e feitos do pro-
ta perseguição aos cristãos para que isso feta. Então, para qualquer assunto que o
Alcorão não aborda, a vida do profeta são
16
CORDUAN, 2012, pág. 133.
17
QURESH, 2016, pág. 119. 18
CORDUAN, 2012, pág. 133.

14
a autoridade final. Na dúvida, faça como Alá também criou os Jinns que também
Maomé fez. Os Hádices também são utili- são criaturas de energia feitas de fogo.
zados para esclarecer algumas passagens do Como os seres humanos, eles possuem li-
Alcorão. 19 vre arbítrio.
Qureshi, um ex-muçulmano, diz Deus ordenou que os anjos e jinns
que: “Muçulmanos baseiam primariamen- se prostrassem perante Adão, o primeiro
te a vida deles, percebendo ou não, nos homem. Iblis, um Jinn depois conhecido
Hádices – nos registros da vida de Mao- como Satanás, se recusou. Ele disse que
mé – e não só neles, mas nas tradições de era melhor que Adão para se prostrar a ele.
interpretação do Hádices e suas diferentes Vários Jinns foram persuadidos por Iblis a
escolas. ” 20 desobedecer a Alá.
Em sua ira, Alá baniu Iblis de sua
A Criação 21 presença e declarou que no dia de Julga-
No princípio, Alá disse: “Exista! ”, e um mento ele seria lançado nas chamas do
objeto gigante apareceu diante dele como Inferno. Porém, permitiu que Iblis va-
uma esfera. Deus rasgou essa esfera, que gasse e esperasse na terra por aqueles que
chamamos de céu e terra, e separou em não seguissem o caminho reto. Então Iblis
dois pedaços. Alá disse: “Torne a vida, quer imediatamente se aproximou de Adão e
queira ou não”. Em submissão a esse Deus, sua esposa e os enganou e os fez comer do
todas as coisas tornaram a existir. fruto proibido. A nudez deles foi exposta e
Alá os baniu do Jardim.
Então Alá formou montanhas, es-
trelas, estabeleceu as condições certas para Essa é a narrativa que o Alcorão
a vida e criou o homem. Este foi criado conta sobre como Alá criou o universo
a partir de barro seco e posto como “um (apesar de contar em textos isolados um do
pingo de fluido” no jardim. Foi projetado outro). Como o leitor percebe, há diversas
para “trabalhar e trabalhar”. Antes de criar semelhanças com a narrativa bíblica: Deus
o Homem, Alá criou os anjos. Estes foram criou tudo pela sua palavra, criou homem
feitos de luz e não possuem livre arbítrio. e mulher, fez o mundo em seis dias, criou
os anjos e o homem desobedeceu e foi ex-
pulso do jardim.
19
CORDUAN, 2012, pág. 111.
20
QURESHI, 2016, pág. 316. Tal semelhança é apenas a nível su-
21
A história da criação foi extraída de COOPER, perficial. Veja que logo no início, a história
2013, pág. 101 e 102, que juntou a partir de trechos
espalhados pelo Alcorão (Ele não possui uma história do islã enfatiza a submissão, o que é algo
da criação unida). bastante presente na religião, inclusive

15
o nome “islã” significa submissão. A mu- para as duas crenças? Como ele se relacio-
lher (Eva) nunca é explicitamente citada. na com o seu povo? Como Ele age?
Alá criou outros seres – os Jinns, Satanás,
por exemplo, não é um anjo, mas um Jinn. Como Deus é?
Com a desobediência dos homens, Alá os
A ênfase islâmica é a unidade de Alá. Existe
expulsa, porém não os amaldiçoa como na
um só Deus, e ele é apenas um. Conforme
Bíblia.
a Sura 112 diz “Dize: “Ele é Allah, único.
Talvez o leitor não tenha percebi- Allah é o Solicitado. Não gerou e não foi
do a importância da doutrina da criação, gerado. E não há ninguém igual a Ele. ”. O
mas veja que ela influencia bastante toda título deste capítulo na tradução utilizada
as outras doutrinas da religião. O fim do do alcorão é “A sura do monoteísmo puro”.
homem para o islã é se submeter a Alá. A Essa doutrina é chamada de Tawhid. 22

relação entre os dois não é primariamen-


Isso entra diretamente em conflito
te de amor. Note também que o pecado e
com a crença cristã trinitária. De acordo
a condição do homem são vistos de forma
com o Cristianismo existe apenas um Deus,
bem diferente na Bíblia e no Alcorão.
sendo que este é tripessoal: Pai, Filho e Es-
pirito Santo. Corduan aponta para alguns
Deus versos curiosos do Alcorão a respeito da
Há uma crença popular que diz que muçul- trindade. Sura 5.116:
manos, cristãos e judeus adoram ao mesmo “E lembra-lhes de quando Allah dirá: “Ó Jesus, filho de Maria!
Disseste tu aos homens: ‘Tomai-me e a minha mãe por dois
Deus. Isso porque as três maiores religi- deuses, além de Allah? ’” Ele dirá: “Glorificado sejas! Não me é
admissível dizer o que me não é de direito. Se o houvesse dito,
ões mundiais reivindicam adorar ao Deus com efeito, Tu o haverias sabido. Tu sabes o que há em mim, e
de Abraão. Superficialmente e compara- não sei o que há em Ti. Por certo, Tu, Tu és O Profundo Sabe-
dor das cousas invisíveis. ”
do com a maior parte das outras religiões,
cristãos e muçulmanos parecem adorar a A Sura 5.73 diz: “Com efeito, são renegado-
um Deus muito parecido só que com algu- res da Fé os que dizem: ‘Por certo, Allah é o
mas doutrinas diferentes, mas será mesmo terceiro de três.’”. Aparentemente, Maomé
que isso é verdade? entendeu errado a doutrina da Trindade
Ao responder de uma perspecti- ou, provavelmente, teve contato com algu-
va histórica a resposta seria afirmativa. mas heresias que diziam que Jesus e Maria
Os muçulmanos acreditam que adoram o são deuses como o Pai.
mesmo Deus da Bíblia. O problema come-
ça quando respondemos essa pergunta de 22
CORDUAN, 2012, pág. 112 e QURESHI, 2016, pág.
uma perspectiva teológica. Como Deus é 50.

16
Qureshi argumenta que, nesses ver- traditória, pois não há contradição em um
sos, o Alcorão condena o politeísmo (“três Deus subsistir em três pessoas. Talvez fosse
deuses”) e não o conceito triuno de Deus. assim se a Bíblia ensinasse que há três deu-
Ele afirma que “o Alcorão nunca rejeita a ses e ao mesmo tempo um só Deus (como o
possibilidade do único Deus subsistir em Alcorão parece entender a Trindade), mas
três pessoas”. E que toda vez que o Alcorão esse não é o caso.
afirma a unicidade de Alá ele está apenas É proveitoso dizer que não há crité-
contrapondo o politeísmo. 23
rio racional para nos basear na ideia de que
A Trindade é, de fato, uma barreira a verdade divina deve ser algo simples. Algo
para o muçulmano comum. Minha obser- parece simples apenas quando estudamos
vação é que este é um dos assuntos mais superficialmente sobre o tema. Precisamos
questionados por eles, assim como a divin- lidar com o fato de que existem questões
dade de Cristo e a confiabilidade da Bíblia. bastante complicadas. O próprio islã lidou
Principalmente porque uma mentalidade e lida com isso. Por exemplo, o conceito
implícita que se nota na cultura muçul- do tawhid (unicidade de Alá) gerou muita
mana é que a verdade deve ser simples. Os discussão; e a questão do determinismo e
muçulmanos se orgulham e dizem que de- do livre arbítrio, que também está presente
vemos crer na mensagem por eles pregada nessa religião.
por ser simples e racional. Porque a Trin- Da mesma forma que um cientista
dade é difícil de entender, eles a classificam precisa se esforçar para entender a reali-
como politeísta ou algo logicamente con- dade a partir daquilo que ele observa, não
traditório e sem sentido. De fato, a importando quão complexo as teorias se
Trindade é uma doutrina muito difícil de tornarão. O teólogo precisa basear suas
ser entendida e, possivelmente, impossível doutrinas naquilo que Deus revelou nas
para nossas mentes finitas compreender escrituras sagradas, ele não pode apenas
plenamente. Porém, isso se deve ao fato de escolher crer naquilo que é mais simples.
Deus ser infinito e nós não. Deus transcen- A Bíblia diz que: (1) Há um só Deus
de a nossa racionalidade. Não é alguém que (Dt 6.4-9, Rm 3.30); (2) O Pai é Deus (Jo
possamos compreender plenamente aqui 6.27); (3) Jesus é Deus (Jo 20.28, Rm 9.5, 2
na Terra. E isso é algo que o muçulmano Pe 1.1); (4) O Espírito Santo é Deus (At 5.3-
provavelmente concordaria. 5); (5) Esses três são pessoas distintas (Jo
A Trindade não é logicamente con- 14.16-17). A Trindade não é uma invenção
da igreja, mas apenas uma observação das
23
QURESHI, 2016, pág. 60. declarações apresentadas na Bíblia.

17
Outra diferença importante é a ênfa- que apesar da “ideia de Deus como amo-
se dada à transcendência de Deus. Corduan roso poder ser achada no Alcorão (11.90
diz que “em todas as formas de teísmo, e 85.14), o foco penetrante do Antigo
Deus combina as duas características de ser Testamento sobre a hesed de Deus e a iden-
transcendente e imanente. No Islã, de lon- tificação do Novo Testamento de Deus
ge a maior ênfase vai para a transcendência com o amor (1 João 4.7-8) não se encon-
de Alá. ” Assim, o maior pecado na reli-
24
tram no livro sagrado islâmico. ” 26

gião islâmica é associa-lo com alguma coisa


finita, isto é considerado shirk o que seria Pecado
idolatria. Alá está completamente separado
Uma doutrina bastante importante é a que
da sua Criação e não pode ser comparado
trata do pecado. O que é pecado? Qual a
com alguma criatura.
origem dele? Quais são as consequências?
A ideia bíblica combina a trans- As duas religiões respondem essas pergun-
cendência com a imanência. Deus é tão tas de forma bastante diferente. Isto acaba
separado da sua criação quanto ele é ativo influenciando todo o resto da teologia de
nela. Deus não apenas criou e deixou a sua ambas.
criação de lado apenas observando. A Bíblia
Como foi mencionado acima, ao de-
nos diz que a segunda pessoa da Trindade
sobedecer a Alá e comer do fruto proibido,
encarnou na pessoa de Jesus Cristo para
Adão e sua esposa perceberam sua nudez e
nos reconciliar com Deus através do seu
fizeram para eles roupas. Porém, eles não
sacrifício. Enquanto Alá determina tudo
puderam permanecer no jardim e foram
do seu trono, Deus vem a terra em forma
expulsos. Até aqui a narrativa parece bem
de servo para nos salvar.
semelhante com a da Bíblia.
E isso nos leva a qualidade do amor
de Deus. Schirrmacher diz que:
“Em comparação com a Bíblia, é notável que apesar do Alcorão A natureza do pecado
referir constantemente a graça e misericórdia de Deus, e até do
amor de Deus, esse amor não é descrito como a essência do ca- A questão central é como o Alcorão enten-
ráter de Deus e não é apresentado como o centro da mensagem de o pecado. Ao desobedecer a ordem de
do Alcorão.”.
Alá, eles disseram (Sura 7.23):
25

O amor não é tão enfatizado no Alcorão “Senhor nosso! Fomos injustos com nós mesmos e,
como na Bíblia. O Alcorão dá muito mais se não nos perdoares e não tiveres misericórdia de
nós, estaremos, em verdade, dentre os perdedores. ”
importância a submissão a Alá. Glaser diz
O primeiro ponto que gostaria de ressaltar
24
CORDUAN, 2016, pág. 114.
25
SCHIRRMACHER, 2008, pág. 32. 26
GLASER, 2016.

18
é que, de acordo com o Alcorão, ninguém As consequências do pecado
peca contra Deus, apenas contra si mes- Outra diferença é o que aconteceu depois
mo. Alá é o Criador onipotente, ele está
27

da desobediência do primeiro casal. No Al-


distante de nós, e nenhum pecado pode corão, Alá apenas os perdoou e os expulsou
afetá-lo. Ao se referir da ingratidão de Is- do jardim. Não há nenhum outro efeito que
rael no deserto a Sura 2.57 diz que “... E eles atinge o homem e o relacionamento entre
não foram injustos conosco, mas foram in- Alá e a humanidade não é quebrada. Não
justos com si mesmos.” há um conceito de Queda e muito menos
A Bíblia, por outro lado, trata o pe- de Pecado Original.
cado de forma bem mais séria. Os profetas De acordo com a Bíblia, após a de-
do Antigo Testamento comparam a relação sobediência, Deus amaldiçoa o homem,
entre Deus e seu povo como um casamen- a mulher e a serpente. O relacionamento
to, consequentemente a rebeldia de Israel que antes tínhamos foi quebrado. Deus age
seria um adultério. No salmo 51, o rei Davi justamente e, ao mesmo tempo, gracio-
diz: “Pequei contra ti, contra ti somente...”, samente, pois permitiu que eles vivessem
note que o pecado foi contra Deus, e não e ainda os deu roupas como indicação da
contra a lei de Deus. Ao ver a corrupção da providência dEle.
humanidade em Genesis 6.5-6, a Bíblia diz
Schirrmacher, aponta algumas con-
que “isso lhe pesou no coração”.
clusões a partir desses dados. Em primeiro
Erickson levanta alguns termos que lugar, o relacionamento entre Deus e ho-
a Bíblia utiliza que podem nos encaminhar mem não é quebrado. Até porque não há
para uma ideia certa do pecado. Alguns um relacionamento próximo entre os dois,
desses termos são: errar o alvo, no texto apenas uma relação entre Criador e criatu-
bíblico essa ideia não significa apenas er- ra. Em segundo, o homem é capaz de viver
rar, mas “uma decisão de errar, uma falha a sua vida com retidão se ele conseguir re-
voluntária e culpável”. ; impiedade; rebel-
28
sistir à tentação de Satanás, ao contrário da
dia; traição, como já visto no exemplo do Bíblia que aponta para uma tentação inte-
relacionamento de Deus com o seu povo; rior. Segundo a tradição islâmica, existem
abominação, o pecado não é algo que Deus pessoas que viveram sem pecar nenhuma
não se incomoda ou que Ele continue indi- vez. Esse é o caso dos profetas. Schirrma-
ferente, mas é algo que produz repulsa. cher, nota que o Alcorão, pelo contrário,
relata pecados de alguns profetas (Adão
27
SCHIRRMACHER, 2008, pág. 43. em 7:23; Noé em 11:47; Abraão em 14:41;
28
ERICKSON, 2015, pág. 550. Moisés em 28:16; Davi em 38:24; Maomé

19
em 110:3; 48:2). 29
em Filipenses 2, apresenta a obra do Filho
Em terceiro lugar, a ideia de repre- como a humilhação e a exaltação de Cristo.
sentação judicial não faz sentido para o Os muçulmanos, em contraste, acre-
muçulmano. De acordo com Romanos 5, o ditam que Jesus foi apenas um homem. De
pecado veio por apenas um homem – Adão. fato, um grande profeta que realizou mila-
Ele era nosso representante e ao pecar, ele gres como nenhum outro. Ele é chamado
acaba com o relacionamento de Deus com de Messias, o Verbo Divino, o Espírito de
os homens. No mesmo capítulo, Paulo diz Deus e de Servo de Deus. Eles possuem
que Cristo por meio de Cristo o nosso rela- uma alta estima por Jesus. Quando men-
cionamento é restaurado e a graça de Deus cionam o nome dele (assim como o de
nos alcança. todos os profetas) eles geralmente dizem a
frase “Que a paz esteja sobre ele”.
Jesus Cristo Porém, o Alcorão nega a divindade
A pessoa de Cristo de Cristo. Assim como nega a morte dele e
consequentemente a sua ressurreição. To-
Talvez o tema mais levantado seja a pessoa
das essas três doutrinas são centrais para
de Jesus Cristo. Segundo a crença cristã,
a fé cristã. Assim, é preciso analisar cada
Cristo é a segunda pessoa da Trindade, o Fi-
uma dessas discordâncias cuidadosamente.
lho encarnado na terra. Veio ao mundo para
A tabela 1 faz um resumo das crenças is-
expiar os pecados do seu povo através do
lâmicas retiradas do Alcorão e da tradição
seu sacrifício. Foi morto por morte de cruz,
muçulmana.
sepultado e em três dias ressuscitou. Paulo,

Tabela 1 - Jesus de acordo com a doutrina do Alcorão e teologia muçulmana.


1. Jesus nasceu da Virgem Maria (19:16-33).
2. Ele é o “Verbo” de Deus e o “Espírito dele” (4:171).
3. Ele é o Messias (3:45).
4. Ele trouxe à humanidade uma revelação, o Evangelho (5:110).
5. Ele confirma a Torá (3:50).
6. Ele é um profeta de Deus, mas apenas um ser humano. Ele prega a fé ao único
Deus.
7. Ele fez milagres com a permissão de Deus. Ele curou os doentes, ressuscitou
os mortos, e deu vida a matéria inanimada (5:110).

29
SCHIRRMACHER, 2008, pág. 39-42.

20
8. Ele é apenas um ser humano. Ele não queria que ele e a sua mãe fossem
deificadas (5:116-117).
9. Ele é um exemplo (43:57) e uma revelação (19:21) para a humanidade.
10. Ele é uma testemunha, que testemunhará no Julgamento Final contra aqueles
que se recusaram a acreditar nele (4:159).
11. Ele foi criado quando Deus disse “Exista” (3:47; 19:21).
12. Ele permitiu algumas coisas proibidas pela Lei de Moisés (3:50).
13. Ele ensinou o monoteísmo (3:51).
14. Ele divergiu com os Judeus que queriam mata-lo (3:54-55).
15. Ele foi ordenado por Deus a oferecer orações muçulmanas e dar esmolas
(19:31-32).
16. Ele recebeu a benção de Deus (19:31).
18. Ele não possuía pecado, assim como todos os outros profetas (de acordo
com a teologia islâmica)
Fonte: SCHIRRMACHER, 2008, pág. 77-78

A humanidade de Cristo humanos, depende da realidade da humani-


A humanidade de cristo não é realmente dade dele, assim como sua eficácia depende
um problema para o muçulmano. O Al- da genuinidade de sua divindade. ” 30

corão afirma que Jesus foi apenas um ser


humano. Porém, a humanidade de Cristo é A divindade de Cristo
importante para motivos que o muçulma- A questão que gera conflito é a divindade de
no provavelmente não compreende. Cristo. O alcorão nega explicitamente que
Segundo a crença cristã, o pecado Jesus seja Deus (veja a tabela 1). Para Ma-
nos separou de Deus e isso está presente em omé, Jesus foi apenas um grande profeta.
toda a humanidade (Rm 3.23). Essa con- Muçulmanos frequentemente argumen-
dição de rebeldia criou um abismo moral tam que Jesus nunca disse claramente: “Eu
e espiritual entre Deus e o homem. O pe- sou Deus”. Ao receber possíveis respostas
cado também ofende a santidade de Deus, de cristãos, eles possivelmente criticarão o
como já visto acima. Erickson diz: “Se, no uso de passagens das cartas do Novo Tes-
entanto, Jesus não é realmente um de nós, a tamento, dizendo que só o evangelho ou
humanidade não foi unida com a divindade até mesmo apenas as palavras de Jesus im-
e não podemos ser salvos, pois a validade portam.
da obra realizada na morte de Cristo, ou ao
menos sua aplicabilidade a nós como seres 30
ERICKSON, 2015, pág. 680.

21
Além disso, eles apontam para versí- seus atributos divinos. 32

culos que aparentemente negam a divindade Marcos 13.32: “Mas daquele dia
de Cristo. Lidaremos com apenas três pas- e hora ninguém sabe, nem os anjos que
sagens, mas o leitor experiente pode notar estão no céu, nem o Filho, senão o Pai.
que as críticas muçulmanas são bastante ”. Cristo não sabia a hora nem o dia por
parecidas com o Arianismo – uma heresia causa da sua limitação humana. Ele não
antiga que nega a divindade de Cristo. Caso deixou de ser Deus, mas assumiu para si
o leitor queira se aprofundar nessas críti- limitações que o ser humano possui. Isso é
cas é possível apenas estudar as respostas da apenas uma limitação temporária, não foi
igreja a elas. algo permanente. 33

Em João 17.3: “E a vida eterna é esta: Erickson acredita que uma boa for-
que te conheçam, a ti só, por único Deus ma de argumentar em favor da divindade
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem envias- de Cristo é a partir da autoconsciência de
te. ” Aqui o muçulmano diz que Jesus está Jesus: (1) Jesus disse que enviaria os “seus
afirmando que o Pai é o único Deus verda- anjos” e também falou do reino dele (Mt
deiro e que ele é apenas um profeta enviado. 13.41); (2) Perdoou pecados, algo que só
Porém, numa análise mais cuidadosa per- Deus pode fazer (Mc 2.5, 8-11); (3) Ele diz
cebemos que Jesus não está se comparando que julgará o mundo (Mt 25.31-36); (4)
com o Pai, mas está comparando o Pai com Ele é o Senhor do sábado (Mc 2.27,28); (5)
os falsos deuses. E Cristo se associa de for- Declara ser um com o Pai (Jo 10.30); (6)
ma muito próxima com o Pai, porque a vida Reivindica o poder sobre a vida e a morte
eterna também é conhecer a Jesus Cristo. 31
(Jo 5.21); (7) Os judeus procuravam ma-
Em João 14.28: “Ouvistes que eu vos tá-lo por se fazer igual a Deus (Jo 5.18);
disse: Vou, e venho para vós. Se me amás- (8) Em seu julgamento Jesus confirma as
seis, certamente exultaríeis porque eu disse: acusações, sendo que esse seria um bom
Vou para o Pai; porque meu Pai é maior do momento para negar qualquer ideia erra-
que eu. ” Essa passagem precisa ser vista a da sobre ele ser Deus (Mt 26.63-64, Mc
partir da subordinação funcional do Filho 14.60-62, Lc 22.67-69, Jo 19.7); (9) Aceita
durante a encarnação. Ao encarnar, o Filho a adoração dos seus discípulos, sendo que
se humilhou e tornou-se dependente tem- este também seria um bom momento para
porariamente do Pai para o exercício de dizer que não merecia adoração (Jo 20.28).
32
IBIDEM, pág. 671.
33
IBIDEM, pág. 671-672.
31
IDEM, 2015, pág. 671. 34
IBIDEM, pág. 659-662.

22
Ao perguntar para os discípulos apenas aparentou que morreu na cruz; e
quem ele era, Pedro respondeu: “Tu és o que (2) a aparência de Jesus foi posta em
Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16). outra pessoa para que ela morresse no lugar
Jesus, então, diz que isso foi uma revelação dele. Qureshi diz que a primeira é defendi-
do Pai. Em João 9.34, Jesus pergunta a um da por apologistas muçulmanos notáveis,
cego se ele cria no Filho de Deus, o cego mas que a segunda interpretação é defen-
perguntou quem era este, e Jesus disse “Tu dida pela maioria dos muçulmanos. 35

já o tens visto, e é aquele que fala contigo”. Porém, após a crucificação e a res-
Outra questão é que os muçulmanos surreição de Cristo, ele apareceu para seus
dizem que os discípulos de Jesus detur- discípulos várias vezes e para mais de 500
param os ensinamentos dele e que nós só pessoas (1 Co 15.6). Se ele não morreu,
podemos confiar nas palavras vermelhas por que ele não contou isso aos seus dis-
dos evangelhos (de Jesus) porque elas são cípulos? O testemunho dos discípulos foi
revelações de Deus e ninguém pode mu- de grande importância para o crescimento
dá-las, segundo o Alcorão (Sura 18.27). do evangelho. Veja que eles sofreram tor-
Porém, o próprio Jesus diz que os discípu- turas, perseguições, prisões e mortes por
los iriam testemunhar fielmente acerca dele causa da pregação das boas novas. E mes-
em João 15.26-27. Logo, podemos confiar mo assim eles não negaram a sua fé. O que
que são escritos fiéis à vida de Cristo. significaria que eles realmente acreditavam
naquilo que pregavam.
A obra de Cristo Uma objeção que muçulmanos (e
Morte e Ressurreição não apenas eles) podem fazer é que o sa-
O Islã também nega a morte de Cristo, assim como crifício de Cristo parece ser uma injustiça.
sua ressureição. O texto principal para essa discussão Como um Pai pode enviar o seu filho para
é a Sura 4.157-158: morrer em nosso lugar? Isso não seria in-
“E por seu dito: ‘Por certo, matamos o Messias, Jesus, justiça ou crueldade?
Filho de Maria, Mensageiro de Allah. ’ Ora, eles não
o mataram nem o crucificaram, mas isso lhes foi si-
Essa objeção é baseada em um en-
mulado. E, por certo, os que discrepam a seu respeito tendimento errado da Trindade e de como
estão em dúvida acerca disso. Eles não têm ciência ela agiu no sacrifício de Cristo. Precisamos
alguma disso, senão conjeturas, que seguem. E não
o mataram, seguramente; Mas, Allah ascendeu-o até entender que, apesar de a Trindade serem
Ele. E Allah é Todo-Poderoso, Sábio. ” três pessoas distintas, elas não são com-
Qureshi diz que há várias interpretações pletamente separadas. Há uma unidade na
para esse texto, as duas principais são: (1)
a que acredita que Jesus não morreu, mas 35
QURESHI, 2016, pág. 161.

23
Trindade. O Pai não enviou o seu filho con- arrependimento pode significar a conver-
tra a vontade dele. Em Marcos 14.36, Jesus são de um descrente para o islã e alguns
pede ao Pai que “passe de mim este cálice”. muçulmanos dizem que não há necessidade
Não devemos entender que Jesus não que- de arrependimento para pecados menores
ria morrer pelo seu povo ao afirmar isso. para ser salvo. 38

Cristo sabia o que estava prestes a aconte- O cristão não deve se intimidar e dei-
cer e viu o terror da Cruz e da sua separação xar de usar a Bíblia. Até o Alcorão diz para
com o Pai. Ao falar aquilo, era como se Je- nos basearmos na Torá e nos Evangelhos.
sus dissesse que se houvesse outra maneira O Alcorão diz se basear na Bíblia e, como
ele teria feito, mas não havia. Então ele diz, vimos, ela possui inúmeras divergências
“contudo, não seja o que eu quero, e sim em relação o livro sagrado muçulmano. É
o que tu queres”. Deus não colocou outro preciso que o cristão saiba expor essas dife-
para sofrer em nosso lugar. Não podemos renças claramente para com o muçulmano.
pensar que o Juiz e a vítima são dois seres
diferentes. Deus revela o seu amor por nós
ao tomar, ele mesmo, o nosso lugar. 36


Conclusão
Percebemos que há uma grande diferença
entre as doutrinas das duas religiões. Desde
as suas percepções de Deus até como elas
enxergam o homem e o pecado. É preciso
entender essas diferenças para que possa-
mos pensar em maneiras mais eficazes de
alcançar os muçulmanos.
O cristão precisa estar atento até
para pequenas diferenças como signifi-
cados distintos para um mesmo termo.
Schirrmacher diz que a fé, no islã, não sig-
nifica primariamente confiança em Deus,
mas se submeter a Alá. Anyabwile diz que
37

36
CHESTER, 2016, pág. 70-72.
37
SCHIRRMACHER, 2008, pág. 39. 38
ANYABWILE, 2015, pág. 89.

24
“MAS DEUS O TORNOU EM BEM”
a resposta calvinista ao problema do mal

Guilherme Cordeiro Pires

RESUMO ABSTRACT
Este artigo busca destacar as contribuições This article seeks to point out the positive
positivas que uma apologética reformada contributions of a Reformed apologetic to
pode trazer ao debate atual sobre o pro- the current debate about the problem of
blema do mal. Desse modo, abordagens evil. After the exposition and evaluation
contemporâneas populares na filosofia da of the most popular atheistic arguments
religião dependentes de conceitos como from evil and acclaimed religious respons-
o livre-arbítrio libertário serão expostas e es, usually centered on libertarian free will,
avaliadas. Sugere-se, então, após um bre- a pressupositional argument from evil
ve argumento pressuposicional a partir do against non-Christian worldviews will be
mal contra a cosmovisão não-cristã, três made and three lines of defense advanced:
vias particularmente potentes provenien- the mystery or authority defense, the di-
tes da doutrina reformada para fortalecer vine glory in redemptive history theodicy
as respostas do teísmo cristão ao problema and the existential response of union with
do mal: a defesa da autoridade ou mistério, Christ. Finally, examples of common ob-
a teodiceia da glória divina na história da jections will be considered.
redenção e a resposta existencial da união Key words: problem of evil, theod-
com Cristo. Por fim, exemplos de objeções icy, free will, reformed theology, Van Til,
comuns são considerados. Plantinga
Palavras-chave: problema do mal,
teodiceia, livre-arbítrio, teologia reforma-
da, Van Til, Plantinga

25
Introdução com a visão reformacional da raiz religiosa
Alfred North Whitehead celebremente de toda filosofia , considerar contribuições
2

afirmou que toda história da filosofia foi da teologia reformada para responder po-
3

uma nota de rodapé em Platão. Podemos sitivamente ao problema do mal.


parafrasear dizendo que toda a história Para isso, além de não se
da argumentação positiva ateísta foi uma envergonhar do uso de fontes especifica-
nota de rodapé no problema do mal. Mi- mente cristãs para abordar tal argumento
chael Martin, um dos filósofos ateus mais filosófico, vai-se além de generalidades
militantes, afirma que “historicamente, evangelicais ou “mero teísmo” para o que
talvez o mais importante [argumento que se crê e confessa ser o ensinamento bíbli-
justifica a descrença em Deus] é o argu- co. Nesse condão, fazendo jus ao lamento
mento a partir do mal” (MARTIN, 1990, p. de Peterson (1983, p. 334-335), evita-se a
334). O Catecismo Católico atual enumera técnica de argumentos formalmente sim-
como primeiro motivo para a rejeição da bolizados da lógica modal e probabilística,
busca a Deus (ponto 29). De fato, como o bem comum nas argumentações contem-
Pregador constatou “porque todos os seus porâneas.
dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; Desse modo, o artigo se inicia com
até de noite não descansa o seu coração; um panorama das abordagens populares
também isto é vaidade” (Ec 2.23, ARA). O na filosofia da religião atual, todas depen-
calvinismo parece piorar o problema, pois
como todo esse sofrimento poderia ser
ordenado intencionalmente por um Deus fiar a posição incrédula em sua raiz. Nesse sentido, ela é uma
abordagem radical (de radixi, “raiz”).” (OLIPHINT, 2013, p.
bom? Será que o calvinismo faz de Deus 40-41).
um “monstro moral”? 2
“A filosofia é teórica e na sua constituição ela permanece
ligada à relatividade de todo pensamento humano. Como
O objetivo deste artigo é, na tra- tal, a própria filosofia necessita de um ponto de partida ab-
dição vantiliana de apologética pactual e 1 soluto. E esse ponto advém exclusivamente da religião. A
religião dá estabilidade e alicerce até mesmo ao pensamen-
to teórico. Os que pensam que podem encontrar um ponto
1
“Se quisermos usar um termo filosófico para esta abor- de partida absoluto no pensamento teórico chegam a essa
dagem (que não é necessário, mas às vezes é útil), uma conclusão por meio de um impulso essencialmente religio-
apologética pactual é transcendental. Uma abordagem trans- so, mas, por causa da falta de um verdadeiro conhecimento
cendental procura pelas (assim chamadas) pré-condições para de si próprios, permanecem sem consciência da sua própria
o conhecimento e a vida […] Então a posição incrédula em motivação religiosa.” (DOOYEWERD, 2015, p. 21).
tanto seus próprios fundamentos presumidos quanto precisa 3
Atenta-se para não reduzir a visão da providência e da
de fundamentos cristãos a fim de sequer se opor ao último soteriologia, pois, ainda que aqui as diferenças sejam mais
[…] Esta abordagem apologética, então, tenta deixar cla- evidentes, toda a estrutura e cosmovisão subjacente ex-
ro tanto os pressupostos da própria posição incrédula e os pressa nos termos da teologia do pacto serão regularmente
pressupostos pactuais que estão funcionando a fim de desa- invocadas.

26
dentes de conceitos como livre-arbítrio “A antiga serpente”: panorama histórico do
libertário e outros pressupostos alheios à debate
fé bíblica, os quais enfraquecem a resposta “As velhas questões de Epicuro permanecem sem
cristã diante da íntima continuidade entre resposta. A Divindade quer evitar o mal, mas não é
capaz disso? Então ela é impotente. Ela é capaz, mas
teologia, cosmovisão e apologética . Su- 4
não quer evitá-lo? Então ela é malévola. Ela é capaz
gere-se, após um breve problema do mal de evitá-lo e quer evitá-lo? De onde, então, provém
pressuposicional para a cosmovisão não- o mal?” (HUME, 1992, p. 136)

-cristã, três vias particularmente potentes A citação acima do filósofo britâ-


provenientes da doutrina reformada para 5 nico David Hume pode ser considerada
fortalecer as respostas do teísmo cristão como uma das primeiras formulações do
ao problema do mal: diante da autoridade, moderno problema do mal para o teísmo.
mistério e a incompreensibilidade do Criador Contudo, com certeza não é um registro
como limite às explicações (e indignações) hu- inovador de certo incômodo cognitivo ao
manas, manifesta-se a glória do Deus Trino na relacionar o teísmo com a presença do mal.
história da redenção como bem supremamente Logo, iremos traçar um breve histórico do
compensador de qualquer mal, e a união do problema do mal concluindo-o com uma
cristão com Cristo como consolo existencial úl- breve exposição da terminologia do debate
timo na vida e na morte . Por fim, exemplos
6 contemporâneo.
de objeções comuns são considerados.
“Um velho inimigo”: história antiga, medieval
4
Refletindo essa íntima continuidade entre teologia e apo- e moderna
logética , de fato entre filosofia e compromisso religioso, é
interessante notar parenteticamente que muitas objeções Nossa (nem um pouco inovadora) tese
contra o calvinismo reproduzem pensamento pagão sobre
problema do mal, comprovando a tese vantiliana de que
nessa história será da antiguidade do pro-
católicos e arminianos permitem princípios pagãos de auto- blema aporético do mal, em oposição ao
nomia humana persistirem em suas cosmovisões.
(bem) moderno problema ateológico do
5
A razão do qualificativo “reformado” não é uma paixão
por rótulos. Além da necessária honestidade confessional, mal, isto é, o problema do mal surgiu como
entende-se pela preservação da catolicidade, pois, como sus- um questionamento interno a sistemas re-
tentou B. B. Warfield, a tradição reformada é simplesmente
o cristianismo vindo a seu pleno termo. Ver WARFIELD, ligiosos, em vez de constituir uma razão
1989. para os abandonar, como faz moderna-
6
Embora não se comprometa com o triperspectivalismo, o
autor se inspirou na obra de John Frame ao enquadrar em mente. Ainda que tenhamos o problema
7

três vias (ainda que diferentes do original, pois Frame colo-


ca a situacional como a do bem maior, a normativa como a
7
“Por um lado [o problema do mal] pode ser construído
de autoridade e a existencial como a do novo coração), ver aporeticamente, como gerando um quebra-cabeça […] apre-
FRAME, 2013, p. 282-303. Um caminho semelhante é ado- sentando um desafio construtivo para se aprofundar nas
tado também por Johnson (2016) ao identificar as defesas da relações lógicas dessas proposições, para se oferecer uma
glória divina, a defesa do mistério e a troca de Moore. análise mais sutil e precisa das perfeições divinas […] No

27
do sofrimento do justo e a prosperidade do gumento com força anti-providencial a
perverso como algo proeminente na Bíblia Epicuro e seus seguidores, talvez presente
hebraica (particularmente na literatura de em obras perdidas (HICKSON, 2013).
sabedoria), Platão é o primeiro filósofo a Não podemos olvidar de vozes
formular algo como o problema do mal, patrísticas como Irineu e Orígenes que res-
ainda que exista uma vigorosa tradição na saltavam o valor pedagógico do mal para
filosofia oriental em reflexões sobre a dor e a realização escatológica da semelhança de
o sofrimento com motivos igualmente re- Deus no homem, o que foi em certa me-
ligiosos. dida redescoberto por John Hick (2010)
Na seção 379c da República e em no debate contemporâneo. Todavia, quem
várias passagens do Timeu, Platão utiliza traria o problema do mal (e da teodiceia)
o mal e a fragilidade do universo tempo- definitivamente para a história da filosofia
ral para estabelecer seu dualismo de causas ocidental seria Agostinho. Sua resposta do
originais eternas, correlatas e com acesso livre-arbítrio é frequentemente mal-en-
apenas mediado ao mundo humano: Men- tendida como incompatibilista, ignorando
te e Necessidade (HICKSON, 2013). Logo, seus ensinos posteriores sobre a predes-
“quando o problema do mal entra pela pri- tinação e a “escrava” liberdade humana
meira vez explicitamente no pensamento pós-queda. Todavia, é inegável a reinter-
ocidental, portanto, ele o faz com uma pretação dessa resposta do livre-arbítrio
força anti-providencial, não plenamente aos dilemas maniqueus durante a teologia
ateísta” (HICKSON, 2013, p. 5). cristã posterior.
E Epicuro? Hume o colocou como
fonte desse questionamento baseado na
enxergar, então o argumento de Epicuro também é derro-
obra de Pierre Bayle, pensador iluminista tado. Deus, ele diz, ou deseja tirar os males e é incapaz; ou
que ressuscitou antigos dilemas maniqueus Ele é capaz e não quer; ou Ele nem quer nem é capaz; ou Ele
tanto quer quanto é capaz. Se Ele quer e é incapaz, é fraco,
para justificar seu ceticismo sobre a habi- o que não está de acordo com o caráter de Deus; se Ele é
lidade da razão de lidar com questões de capaz e não quer, Ele é egoísta, o que é igualmente diferente
de Deus; se Ele não quer nem é capaz, Ele é tanto egoísta
fé. Bayle, por sua vez, baseou-se no pai da quanto fraco, e portanto não é Deus; se Ele quer e é capaz,
igreja Lactâncio , o qual imputou tal ar-
8 sendo apenas isso adequado a Deus, de que fonte então vêm
os males ou por que Ele não os remove? Eu sei que muitos
filósofos, que defendem a providência, perturbam-se com
período moderno, contudo, há uma tendência de usar essas este argumento e são quase levados a contra a sua vontade
considerações ateologicamente para se montar um argumento admitirem que Deus não se importa com nada, o que Epicu-
a partir do mal para se desprovar a existência de Deus (e daí a ro especialmente deseja fazer.” (LACTÂNCIO, 1871, p. 28,
verdade da religião bíblica)” (ADAMS; ADAMS,1990, p. 2-3). grifo e tradução próprios). Aqui novamente se demonstra
8
“Mas se este registro [de sua teodiceia pedagógica] for a intenção de negar a providência, e não o teísmo, com o
verdadeiro, que os estoicos de maneira nenhuma puderam problema do mal.

28
Outra contribuição do bispo de Hipo- de Deus pertence permitir males para deles tirar o
bem” (TOMÁS DE AQUINO, v.1, q.2 art.3, obj.1, p.
na foi a teoria do mal como privação do bem 165-166, 169).
(privatio boni) , baseado no pressuposto me-
9

Tal trecho nos apresenta de forma sucinta


tafísico anterior da convertibilidade entre
um argumento ateu de forma maniqueís-
ser e bem (ens et bonum convertuntur) (VAN
ta respondido, inspirado em Agostinho,
WOUDENBERG, 2013). Entretanto, vale
com base num bem maior possibilitado
ressaltar que ainda aqui o problema do mal
pela existência do próprio mal. Embora
não é utilizado com propósitos ateístas.
ajude a estabelecer o tom das controvér-
Surpreendentemente, o primeiro sias posteriores, o problema do mal ainda
argumento do mal que se tem notícia como não é considerado um obstáculo sério à
possível derrotador da crença em Deus é crença em Deus. Isso só se daria com as
Tomás de Aquino, como se vê no trecho a controvérsias teológicas que levaram (e
seguir: sucederam) à Reforma enquanto o pro-
“Quanto ao terceiro, assim se procede: parece que
Deus não existe. 1. Porque de dois contrários, se um
blema do mal era usado contra a posição
é infinito, o outro deixa de existir totalmente. Ora, é teológica (cristã) do oponente, como foi o
isso que se entende com o nome de Deus, isto é, que caso das objeções contra a doutrina calvi-
se trata de um bem infinito. Assim, se Deus existisse
não haveria nenhum mal. Ora, encontra-se o mal no nista da predestinação.
mundo. Logo, Deus não existe. […] Quanto ao 1º, Com as tentativas modernas de bus-
portanto, deve-se dizer com Agostinho: ‘Deus, so-
beranamente bom, não permitiria de modo algum a car uma resposta não-confessional na razão
existência de qualquer mal em suas obras, se não fos- humana, logo surgiram justificações via
se poderoso e bom a tal ponto de poder fazer o bem problema do mal não só para o ceticismo
a partir do próprio mal’. Assim, à infinita bondade
ou agnosticismo (como no já citado Bay-
Muitos autores do compêndio Calvinism and the problem of le), mas também para o ateísmo, a título
9

evil se valem dessa teoria para montar suas defesas. Toda-


via, como aponta Van Til, inspirado na descrição reformada de exemplo, na obra anônima entre 1760 e
clássica do mal como privatio actuosa, “o pecado antes de 1770 intitulada Jordanus Brunus Redivivus e
tudo não é uma realidade metafísica. A teologia cristão algu-
mas vezes foi longe demais ao enfatizar o aspecto negativo no supracitado Hume (HICKSON, 2013).
do pecado […] O pecado precisa de um substrato criatural
e moral” (VAN TIL, 1997, s. p.) e “Podemos usar aqui uma Outros destaques importantes da filo-
terminologia hegeliana investida com novo significado. O sofia moderna seriam a teodiceia do melhor
mal não tem realidade metafísica; ele existe na esfera mo-
ral somente para ser vencido, por meio de uma negação da mundo possível de Leibniz e um apelo ao
negação para a reafirmação” (Ibid.). Desse modo, precisa- mistério presente em Joseph Butler e René
mos ser cautelosos ao falar em termos metafísicos demais
do mal como um tendência inerente ao não-ser presente na Descartes. A teodiceia de Leibniz particu-
finitude da criação. Mesmo a negação da realidade metafí- larmente estabeleceu o tom para respostas
sica por Agostinho em sua teoria da privação do bem pode
tomar contornos metafísicos demais, como fez no tomismo, posteriores tentarem identificar algum fa-
segundo Van Til (Ibid.). tor no mundo atual como razão suficiente

29
para Deus o ter escolhido a despeito do seu somente se precisa de uma razão moral-
mal (VAN WOUDENBERG, 2003). mente suficiente ou um bem que balanceie
suficientemente o mal existente para se de-
“O mal de nossa era”: o debate contemporâneo sarmar o dilema, um ponto relativamente
pacífico no debate contemporâneo . 11

Já no período contemporâneo, com o


ressurgimento da filosofia da religião no Mas qual a substância da defesa de
século XX após a derrocada do positivismo Plantinga? Primeiramente, o autor distin-
lógico, a publicação da defesa do livre-ar- gue uma teodiceia, a qual procura expor
bítrio de Alvin Plantinga em 1965 pode ser especificamente as justificativas atuais de
considerado um divisor de águas. A razão é Deus para o mal, de uma defesa, que bus-
que, na opinião da maioria dos filósofos, o ca simplesmente desarmar as objeções de
filósofo americano responderia de maneira inconsistência com razões logicamente
persuasiva ao problema lógico do mal, o qual, possíveis (PLANTINGA, 1974) ou mesmo
como formulado por J. L. Mackie de for- 10
em um problema indiciário argumentar
ma clássica, consiste no questionamento por razões plausíveis ainda que sem as es-
de por que um ser onipotente não poderia pecificar (TOOLEY, 2015). Além disso,
criar seres livres que sempre escolhessem o explica que somente uma defesa é necessá-
bem (MACKIE, 1955). ria para se responder a Mackie, visto que o
argumento deste não possuir uma contra-
Respostas convincentes já tinham
dição explícita como conclusão necessária
sido dadas por Nelson Pike (1963) e Ro-
das premissas (“A é equivalente a não-A”)
derick Chisholm (1968), enfatizando que
ou nem mesmo formal (em que uma pro-
10
“Da maneira mais simples o problema é este: Deus é oni- posição contraditória pode ser deduzida
potente; Deus é totalmente bom; e contudo o mal exista. das premissas), mas apenas uma contradi-
Parece existir alguma contradição entre estas três proposi-
ções de forma que se duas delas forem verdadeiras a terceira ção implícita, isto é, em que se pode inferir
é falsa. Mas ao mesmo tempo as três são partes essenciais
da maioria das posições teológicas: o teólogo aparentemente
precisa aderir e não pode consistentemente aderir a todas as três 11
“Por exemplo, tanto teístas quanto não-teístas tendem
[…] Contudo a contradição não se levante imediatamnte; a concordar que o debate sobre se a existência de Deus é
para mostrá-la precisamos de algumas premissas adicionais inconsistente com a existência do mal (ou mesmo com a
ou talvez algums regras quase-lógicas conectando os termos existência de certos tipos, quantidades e distribuições do
‘bom, ‘mal’ e ‘onipotente’. Esses princípios adicionais seriam mal) gira em torno de se um ser onipotente, onisciente e
que o bom é oposto ao mau, de tal forma que algo bom sem- totalmente bom poderia ter uma razão moralmente sufi-
pre eliminaria o mal o máximo possível e não há limites para ciente para permitir o mal em questão […] Embora ambos
o que uma coisa onipotente pode fazer.” (MACKIE, 1955, p. os lados frequentemente difiram sobre a formulação exata
26). Como observariam filósofos anteriores, principalmente de um princípio de como um bem maior justifica dado mal,
perante o teísmo aberto e a teologia do processo, o atributo poucos têm criticamente questionado o pressuposto de que
da onisciência também deve ser adicionado ao leque de pre- uma abordagem teleológica está geralmente correta” (PE-
missas para um argumento sólido. TERSON, 1983, p.323)

30
uma contradição das premissas conjunta- mudana ser uma propriedade de toda
mente a uma série de verdades necessárias. essência criada seria suficiente para se
Embora nenhum “ateólogo” te- mostrar a consistência do trilema original
nha elaborado com sucesso e clareza este do problema lógico do mal.
raciocínio “implícito”, Plantinga tenta de- Embora as contribuições de Plantin-
monstrar a consistência lógica do conjunto ga para o debate não parem aí, sua solução
inicial de proposições. Primeiro, estabelece para o problema lógico moveu as propos-
que a onipotência não significa que Deus tas atuais do argumento para outra direção.
pode fazer qualquer coisa, mas sim que ele Contudo, como é próprio da filosofia, há
pode fazer tudo logicamente possível, isto vozes dissonantes. Uma via relevante para
é “há mundos possíveis que mesmo um ser nossos propósitos atuais é o ataque à visão
onipotente não pode atualizar”. Segundo, a incompatibilista (que definiremos abaixo)
natureza de uma liberdade significativa se- de livre-arbítrio pressuposto por Plantin-
ria tal que “Deus não poderia atualizar um ga. A defesa de livre-arbítrio do Plantinga
mundo com bem moral sem mal moral”. faz uma afirmação de contingência, con-
Essa natureza envolveria que toda essência tudo pressupõe uma natureza necessária
possivelmente sofre de “depravação trans- para a liberdade humana ser significativa.
mundana” (Transworld Depravity - TWD),
12
Se a liberdade incompatibilista não for ne-
que quer dizer que as essências criadas, em cessária para a responsabilidade humana
pelo menos uma de suas ações num certo e a produção por criaturas de bem moral,
segmento de mundos possíveis, cometerão então a defesa precisa ser radicalmente
um erro. Portanto, a mera possibilidade
13
formulada, como exploraremos posterior-
dessa estranha ideia da depravação trans- mente.
William Rowe (1979), assumindo a
12
“TWD: Uma essência sofre de depravação transmundana solução do problema lógico caso se aceite
se, e somente, para todo mundo W tal que E implique as
propriedades de ser significativamente livre em W e sempre o incompatibilismo, foi um dos primeiros
faz o que é certo em W, há um estado de coisas T e uma ação “ateólogos” a divulgar uma nova versão
A tal que: (1) T é o maior estado de coisas que Deus atualiza
fortemente em W, (2) A é moralmente significativo para do argumento: o problema indiciário ou
a instanciação de E em W, e (3) se Deus tivesse atualizado indutivo ou probabilístico ou a posteriori
fortemente T, a instanciação E teria errado com respeito a
A”(PLANTINGA, 1974, p. 188). Otte (2009) complementa do mal. Ainda que sua abordagem tenha
14

que não é necessário que toda essência sofra dessa proprie-


dade, mas pelo menos um agente em uma de suas escolhas transferir o mal da visão bíblica de uma desobediência ética
em cada mundo possível, dessa forma evitando obter mun- da lei de Deus para a visão pagã do mal como uma tendência
dos possíveis moralmente perfeitos. metafísica ao não-ser.
13
Uma área de pesquisa frutífera seria comparar tal aborda- 14
Ressaltamos que, além dessa forma mais simples de ar-
gem com o erro em Agostinho apontado por Van Til de se gumento ter sido abandonada posteriormente por Rowe,

31
mudado ao longo dos anos à medida que O próprio filósofo ateu militante
enfrentava objeções, a sua proposta origi- Michael Martin diz que a única maneira de
nal de 1978 continua relevante: se responder ao problema indiciário é com
“1. Existem casos de sofrimento intenso (como a razões mitigadoras para Deus permitir ou
lenta e torturante morte de um veado num incêndio
florestal ocasionado por um raio) em que um ser oni-
com evidências independentes que aumen-
potente, onisciente poderia ter prevenido sem dessa tem a probabilidade da hipótese do teísmo
forma perder algum bem maior ou permitir algum (PETERSON, 1983). Em resposta ao pro-
mal igualmente ruim ou pior.
2. Um ser onisciente totalmente bom iria preve-
blema evidencial do mal, é digno de nota
nir a ocorrência de qualquer sofrimento intenso se no debate contemporâneo a verdadeira
pudesse, a não ser que ele não o pudesse fazer sem ebulição de novas teodiceias e a resposta,
perder algum bem maior ou permitir algum mal
igualmente ruim ou pior. muitas vezes oposta, chamada de teísmo
3. Portanto, não existe um ser onipotente, onis- cético. Tomaremos como exemplo teódico
ciente e totalmente bom” (ROWE, 1979) as propostas de Richard Swinburne e John
O próprio Rowe antecipa objeções váli- Hick e, da tese cética, Stephen Wykstra.
das a seu argumento como o que chama de O filósofo britânico John Hick
“A Troca de G. E. Moore” (the G. E. Moore (1922-2012) inicia sua exposição da “te-
shift). Ela consiste basicamente em inverter odiceia de formação da alma”, no clássico
a ordem das premissas e, diante de maior Evil and the God of Love (2010), caracteri-
certeza da existência de Deus, concluir, zando as diversas formas de mal e traçando
utilizando a premissa 1, que Deus satisfará a história da teodiceia em três vertentes:
as condições necessárias elencadas para se agostiniana, irinaica e plotinista. Rejeitan-
permitir o mal. O autor também não vê seu do a corrente agostiniana predominante na
argumento como suficiente para fechar a tradição ocidental como literalista demais
questão da existência de Deus, visto que a sobre Gênesis 3 e implausível por envol-
evidência total acerca do teísmo, incluindo ver criaturas livres rejeitando um cenário
os argumentos a favor deste, precisa ser so- tão obviamente bom, filia-se a tradição
pesada conjuntamente à evidência negativa da patrística grega cristalizada em Irineu
do mal e outros argumentos ateus, só então e reintroduzida no pensamento ocidental
podendo se ter um balanço final acerca da por Schleiermacher com uma abordagem
probabilidade da existência de Deus. evolucionária, pedagógica e escatológi-
ca. Deus teria criado o ser humano numa
existirem outras formas mais desafiadoras do problema
situação livre, imperfeita e imatura, com
evidencial do mal seja por indução direta, inferência para uma distância epistêmica do Criador, não
melhor explicação, probabilidade bayesiana ou teoria subs-
tantiva de probabilidade lógica (TOOLEY, 2015).
sabendo muito sobre a existência e caráter

32
de Deus. Nesse cenário naturalmente (e até (SWINBURNE, 2010). 15

originalmente) hostil com incertezas so- Com precedentes importantes nos


bre os mistérios da vida e desafios morais comentários medievais ao livro de Jó, na
constantes, o ser humano poderia autono- teologia apofática e na filosofia cartesiana,
mamente aprender a obediência e evoluir uma nova forma de responder ao problema
para um dia ser moralmente perfeita à se- do mal, o teísmo cético, está presente na
melhança de Deus, como será o destino de obra de filósofos importantes como Plan-
toda a humanidade numa salvação univer- tinga, William Alston, Peter Van Inwagen
salista no fim da história (HICK, 2010). e Howard Snyder (RUDAVSKY, 2013).
Por outro lado, o filósofo ortodo- Para nosso panorama, citamos a analogia de
xo-oriental Richard Swinburne (1934 –) Wykstra (1996), dos ‘noseeums’ (pequenos
possui uma ambiciosa teodiceia com múl- mosquitos do meio-oeste americano com
tiplas linhas de defesa. O autor britânico uma mordida dolorosa): não esperamos
defende que uma teodiceia de sucesso ne- vê-los num espaço pequeno, mas teríamos
cessitaria preencher três critérios: (1) no uma expectativa diferente com um animal
cômputo geral, o bem predomina sobre o maior. Da mesma forma, o argumento se-
mal; (2) tal bem maior deve se realizar de gue, dadas as nossas limitações cognitivas e
fato; (3) e aquele que permite ou infringe princípios epistêmicos plausíveis, não de-
o mal deve ter o direito moral de fazê-lo. veríamos esperar razoavelmente detectar
A ocorrência do mal moral e natural en- as inescrutáveis razões de Deus para o mal,
seja um aumento do conhecimento das assim como não se espera que uma criança
criaturas livres o que, além de um bem em pequena entenda as razões das ações de seu
si, amplia o valor das escolhas dos agentes pai (DOUGHERTY, 2016). 16

conscientes livres, já que as situações mais


tentadoras tornam a formação de caráter 15
Swinburne, contudo, não considera o mero teísmo como
suficiente para solucionar o problema do mal no caso dos
mais árdua por envolver escolhas difíceis raros males horrendos, pois o complemento da tradição
e gravosas (SWINBURNE, 2015). Em se- cristã deve, neste ponto, ser invocado. Embora esses males
forneçam a oportunidade das criaturas livres virtuosamente
gundo lugar, Deus tem o direito de permitir serem úteis umas às outras, somente uma possível extensão
o mal e o sofrimento por ser o Criador. De da vida após a morte física como compensação e a possibili-
dade do próprio Deus participar deste sofrimento serviriam
fato, toda a sua teodiceia gira em torno da como resposta. Todavia, como tais hipóteses seriam ad hoc
potencialização de escolhas humanas sig- com relação ao seu foco metódico em A Existência de Deus, o
problema do mal diminuiria o poder explicativo do teísmo
nificativas e responsáveis ocasionada pelo básico, mas ainda não seria suficiente para torná-lo mais im-
mal, pois a “defesa do livre-arbítrio” é con- provável do que o ateísmo quando se considera a evidência
total (SWINBURNE, 2015).
siderada “central” pra qualquer teodiceia 16
Podemos, assim, enunciar o princípio CORNEA (Con-

33
“Polindo o mal”: distinções importantes éticas controversas sobre o valor (ou des-
Por fim, cabe lembrar outras distinções valor) de estado de coisas trazido à tona
importantes. Fala-se do problema intelec- por Deus, e a deontológica, cujo enfoque
tual ou filosófico do mal, que é o objeto do são as propriedades intrínsecas de correção
artigo, em distinção do problema existen- (ou incorreção) a certas ações determinan-
cial ou emocional do mal, a ser tratado de do o dever de um agente em relação a elas
forma pastoral. Embora seja suficiente fi- (TOOLEY, 2015). 17

losoficamente, uma teodiceia radicalmente Terminamos aqui a nossa revisão da


não-especulativa e firmada na Bíblia é útil literatura e da terminologia utilizada filo-
não só apologeticamente, mas também soficamente na academia correntemente.
pastoralmente (todavia, como vemos em Como se pode ver, o conceito de livre-arbí-
Jó, Deus pode ser bem pastoral com só uma trio tem sido um ingrediente fundamental
“defesa”). Como veremos, uma frente de nas respostas cristãs ao problema do mal,
defesa potencializada pela teologia refor- por que, então, os calvinistas gostariam de
mada é justamente unir tais dimensões. dispensar (ou reinterpretar) tão importan-
Peter Van Inwagen faz uma dife- te conceito?
renciação também entre problema global
e problema local: o primeiro consiste na A liberdade de Deus e a nossa: a objeção cal-
existência abstrata e generalizada de males vinista às respostas teístas usuais
“Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo con-
terríveis, enquanto que o segundo questio- selho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente
na como, mesmo assumindo uma resposta tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor
do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é ti-
geral ao primeiro problema, tal resposta
poderia ser aplicada de maneira fundamen- dition of Reasonable Epistemic Access): “com base na situação
tada a determinada situação fática (VAN cognitiva s, o humano h tem o direito de reivindicar ‘aparen-
ta p’ somente se for razoável para H crer que, dadas as suas
INWAGEN, 2006). faculdades cognitivas e o uso que ele faz delas, se p não fosse
o caso, s seria provavelmente diferente do que é de alguma
Outra distinção importante feita por forma discernível por ele” (WYKSTRA, 1984, p. 152). Se-
Michael Tooley (2015) é a entre formula- gundo esse princípio, não deveríamos esperar perceber as
razões moralmente suficientes de Deus para o mal. Logo, a
ções abstratas, em que a mera existência força argumentativa do problema indiciário cairia por terra.
do mal é usada como premissa, e concre- 17
Essa distinção é feita por Tooley para se evitar que a dis-
tas, em que se apela para certa quantidade tinção de Criador e criatura e uma ética especificamente
teísta consiga contornar o problema do mal ao focar em
ou tipo ou distribuição de mal. Mais uma propriedades naturais das ações, todavia, pode-se argumen-
distinção por ele proposta é entre a formu- tar que a distinção não é adequada a partir do momento em
que uma visão robusta da asseidade, da criação ex nihilo ou
lação axiológica, envolvendo afirmações duma providência calvinista repele tais propriedades total-
mente independentes de Deus.

34
rada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes
estabelecidas” (CFW, 3.1)“Para que se sabia, até ao nascente do
atos deliberados […] Ela caracteriza os atos
sol e até ao poente, que além de mim não há outro; eu sou o propriamente humanos. Torna-se fonte de
SENHOR, e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas; faço
a paz e crio o mal; eu, o SENHOR, faço todas estas coisas” (Is louvor ou repreensão, de mérito ou demé-
45.6,7)“A sorte se lança no regaço, mas do SENHOR procede rito” (pontos 1731, 1732). Numa definição
toda decisão” (Pv 16.33)
mais filosófica, alguém é libertarista se (i)
Como foi visto, as refutações baseadas no mantém ser a verdadeira liberdade ne-
livre-arbítrio de concepção liberarista não 18

cessária para a responsabilidade moral


são suficientes para explicar todo o mal no incompatível com qualquer forma de de-
mundo, como o mal natural e o sofrimen- terminismo; e (ii) mantém que a verdadeira
to humano alheio a suas escolhas. Por mais liberdade é, todo o resto sendo sendo igual (in-
que objeções incrédulas, como em Tooley clusive a vontade divina, o caráter e os desejos
(2015) de o valor do livre-arbítrio não justi- do agente), a habilidade de escolher o con-
ficar qualquer coisa feita com ele ou retirar trário do que de fato aconteceu (princípio
a liberdade de outros tenham o seu valor, o categórico das possibilidades alternativas)
enfoque será uma crítica de incompatibili- ou, pelo menos, que o agente seja a fon-
dade entre o livre arbítrio e a cosmovisão te última de suas ações (MANATA, 2011;
19

bíblica. Daí, após uma definição sucinta, O’CONNOR, 2016).


levantar-se-ão críticas ao livre-arbítrio a
Em contrapartida, o calvinista pode
nível bíblico, teológico e filosófico (dentro
optar por interpretar a liberdade de forma
de uma filosofia cristã).
compatibilista. Ele crê em certo determi-
nismo e certa soteriologia, mas por ser
20

Mais termos e mais definições 19


São assustadoras as comparações com a liberdade divina
O Catecismo papista resume a visão neste ponto, como por Roderick Chisholm: “Se nós somos
responsáveis, e o que eu tenho tentado dizer é verdade,
libertarista sobre livre-arbítrio e responsa- então nós temos uma prerrogativa que alguns atribuiriam
bilidade: “a liberdade é o poder, baseado na apenas a Deus: cada um de nós, quando agimos, é um pri-
meiro motor imóvel. Ao fazer o que fazemos, nós causamos
razão e na vontade, de agir ou não agir, de o acontecimento de certos eventos, e nada, ou ninguém, nos
fazer isto ou aquilo, portanto, de praticar causa a causar o acontecimento de tais eventos” (1982, p.
32).
20
“Determinismo teológico: (i) os fatos sobre a vontade de Deus
18
Como é próprio de um termo filosófico importante, “li- inteiramente determinam todos os outros fatos contingen-
vre-arbítrio” ou “liberdade de escolha” pode ter vários tes, e (ii) os fatos sobre a vontade de Deus irão explicar todo
significados. As posições mais básicas são compatibilismo e outro fato contingente” (WHITE, Heath, 2016, p. 78-79). O
incompatibilismo, este subdividido entre determinismo rí- autor adiciona que o determinismo teológico em questão é
gido e libertarismo. A liberdade compatibilista chamaremos um determinismo primário e não secundário intramundano
de livre agência, a liberdade libertarista de livre arbítrio e (distinção clássica entre causalidade primária e secundária),
a do determinismo rígido de liberdade não-significativa (o desse modo se distinguindo de um fatalismo lógico ou de
último também sendo o termo adequado para o semi-com- um determinismo nomológico naturalista. Define-se con-
patibilismo). tingente como aquilo possível de ocorrer e possível de não

35
cristão ortodoxo assume responsabilidade Em outras palavras, inspirando-
moral. Pode a partir daí dizer que a ver- -se nas definições de Bignon (2015, p.
dadeira liberdade é compatível com essas 4-10), o determinismo teológico pode ser
teses com uma nova definição de liberda- entendido como: tudo que acontece é de-
de, como Jonathan Edwards fez ao definir terminado ou necessitado por condições
liberdade como “o poder, a oportunidade anteriores, incluindo causas instrumentais
ou vantagem de se fazer o que se deseja. intramundanas ou não, tendo por condição
23

Ou, em outras palavras, ser livre de co- suficiente a vontade de Deus. De acordo, o
erção ou impedimento na maneira de compatibilismo teológico é a alegação de que
fazer, ou se conduzir da maneira que de- tal determinismo é compatível com a res-
seja” (1974, seção V), isto é, identifica-se ponsabilidade moral humana (ações serem
a liberdade com a inclinação prevalecente moralmente significativas e passíveis de
(WAINWRIGHT, 2016). A opção mais 21
serem corretamente imputadas aos agen-
comum atualmente, portanto é se admitir tes), enquanto que o incompatibilismo nega
uma forma de compatibilismo, a saber, que essa relação.
a vontade decretiva de Deus como Criador
ser a condição suficiente para cada even- Os males do livre-arbítrio
to do universo (HELM, 2016), de forma a
Por que o calvinista rejeita o libertarismo?
não ser uma compulsão externa às criatu-
Antes de tudo, por entender que a Bíblia o
ras, mas o decreto de Deus constitutivo do
rejeita. Muitas obras podem ser consultadas
seu próprio ser (MCCANN, 2016). 22

para uma crítica bíblica do libertarismo e as


posições correlatas (como o arminianismo
ocorrer. Para um esclarecimento sobre o uso do termo
“determinismo”, o qual simplesmente quer dizer que da-
das certas condições determinantes o resultado ocorrerá soteriologia calvinista e rejeitar o determinismo calvinista,
(e a hipotética possibilidade do contrário só ocorreria em sendo uma posição minoritária e incoerente (JOHNSON,
condições diferentes), como tradução filosófica da posição 2016).
confessional reformada do assunto, ver MANATA, 2011. 23
Ao longo deste artigo evitaremos de usar mais extensi-
21
Semelhantemente a concepção de Francis Turretin (2011) vamente conceitos atinentes à causalidade para não ser
contrasta a liberdade de espontaneidade racional com a necessário discutir tópicos metafísicos em causação, espe-
liberdade de indiferença ao bem e o mal; ou pode-se res- cialmente no que dizem respeito a Deus. Basta dizer que,
tringir a definições mais moderadas como a dos Padrões de como explicado na próxima seção, a tradição reformada
Westminster (“Deus dotou a vontade do homem de tal li- possui em si a interpretação “edwardiana” (inspirada no filó-
berdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, sofo americano Jonathan Edwards, 1703-1758) e a “tomista”
nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta (com insumos de Tomás de Aquino, 1225-1274): a primeira
da sua natureza.”, CFW 9.1). se assemelha mais ao compatibilismo não-teológico e está
22
Por outro lado, pode-se negar qualquer sentido de mais confortável com uma “liberdade de espontaneidade”
liberdade para a humanidade caída e ainda manter sua res- em moldes compatibilistas clássicos, enquanto que a segun-
ponsabilidade moral, como feito pelos reformadores, ainda da destaca a diferença radical entre a causalidade divina e
que em termos ambíguos. Finalmente, é possível aceitar uma a humana de tal forma que até uma liberdade “moderada-

36
e o semi-pelagianismo). Nossa contribui-
24
humano para este poder agir moralmente
ção aqui será apontar que se em um único e amar verdadeiramente?
caso bíblico (p. ex. Gn 50:20; Pv 16.4-5; Is
25
Por outro lado, como fazem Wright
10:5-15; Lc 22:22; At 2:23, 4:27-28; 13:48; (2007, p. 59-61) e Frame (2013, p. 809-
Fp 2:12-13; 1Rs 8:58, 61; Ex 4:21, 7:3, 844), pode-se argumentar que a Bíblia usa
10:20, 10:27; traição de Judas e negação de o termo liberdade com diferentes sentidos
Pedro, etc…) há determinação divina (por e aquele inferido como necessário para a
meio de profecias, por exemplo) e respon- responsabilidade moral não parece ser es-
sabilização simultânea do agente humano, pecificamente libertarista. Além disso, a
então há compatibilidade lógica entre o de- prestação de contas escatológica perante
terminismo teológico e a responsabilidade Deus parece muito mais baseada na auto-
moral, derrogando a defesa do livre-ar- ridade de Deus como Senhor da criação do
bítrio como este sendo necessário para a que em qualquer critério superior. Deus
produção de bem e mal. Ora, se é possível leva em conta vários pontos, como o co-
Deus determinar e o homem ser responsá- nhecimento de seu Ser e vontade (Lc 12.17;
vel, como poderá o livre-arbítrio ser uma Jo 9.41; Rm 1—2, passim). Há casos em que
capacidade que Deus precisava dar ao ser de fato a habilidade limita a responsabi-
lidade, porém é uma extrapolação fazer
a responsabilidade moral dependente de
mente libertista” seria possível. Tentaremos usar recursos
de ambas as interpretações, cientes de que muito da diferen- uma teoria metafísica acerca dessa intuição
ça repousa em questões de ênfase e de terminologia. Para pré-teórica do senso comum.
discussão ulterior, ver JOHNSON, 2016 e ALEXANDER &
JOHNSON, 2016. Em seguida, inspirados em David
24
Como o clássico de Gill (1855) ou as obras mais recentes Alexander (2016) e Bruce (2016), pode-
de Wright (2007) e Frame (2013).
25
Como expõe Guillaume Bignon em seu argumento prag-
mos listar algumas doutrinas prima facie
mático a partir do propósito no mal: “(1) Deus somente inconsistentes em relação ao livre arbítrio
26

permite (ou arrisca) a existência do mal quando Ele possui


razões suficientes na forma de bens compensatórios; (2) Se libertista:
Deus deixar as escolhas humanas indeterminadas, o mundo a criação e preservação: o poder de
contém (ou arrisca conter) pelo menos algum mal cuja única
razão é evitar o determinismo. (3) Não há bens compensató- criação ex nihilo pertencente apenas a Deus
rios em evitar o determinismo. Portanto, (4) Se Deus deixar e a contínua sustentação ontológica conce-
as escolhas humanas indeterminadas, Ele permite (ou ar-
risca) a existência do mal sem nenhum bem compensatório dida por Deus, não dariam abertura para
(segue-se de (2) e (3)). Portanto, (5) Deus não deixa as esco-
lhas humanas indeterminadas (segue-se de (1) e (4) Portanto, 26
Com esta qualificação, não se nega que cristãos libertistas
(6) o determinismo calvinista é verdadeiro (segue-se de (5)) ortodoxos tenham tentado harmonizar tais doutrinas com
[…] [em suma] se Deus pode determinar as escolhas humanas o livre-arbítrio, mas apenas se apontam possíveis pontos de
e preservar a responsabilidade moral, então como os calvi- partida para argumentos teológicos internos ao cristianismo
nistas sempre afirmaram, Ele o fez” (BIGNON, 2014, s. p.). contra a liberdade libertista.

37
uma lacuna de indeterminação intocada perfeição moral imutável de Deus: Deus
pelo controle Deus; só pode fazer o bem e não deixa de ser per-
a autossuficiência do conhecimento di- feito moralmente por causa disso;
vino: o conhecimento de Deus de alguma presciência e profecias: com o co-
forma dependeria das escolhas humanas nhecimento infalível de Deus em alguns
livres caso ao invés de exclusivamente na pontos no passado sobre escolhas humanas
pré-ordenação exaustiva de Deus. Assim, futuras, perde-se a habilidade de se tomar
se o conhecimento humano depende ana- outra escolha (sentido categórico), pois
logicamente do conhecimento de Deus, falsificaria o correto conhecimento divino
de uma maneira coerente com a distinção e de seres humanos que o possuíssem via
Criador-criatura, então o conhecimento profecia (afastando réplicas pautadas em
de Deus precisa ser perfeitamente seguro prerrogativas exclusivas do conhecimento
para o nosso conhecimento ter a chance de divino); 27

ser confiável também; o amor insistente de Deus: exige o


eternidade atemporal: nessa interpre- controle seguro e sem riscos de males
tação da eternidade, fica difícil perceber particulares, pois Ele conscientemente se
como que um Ser fora do tempo poderia retrairia de controlar os males particula-
assumir riscos ou dar espaço a escolhas res que afetam os seus amados (BRUCE,
presas à temporalidade criada. 2016).
bondade angélica e maldade diabóli- a inspiração orgânica das Escrituras: a
ca imutáveis: se anjos e demônios existem doutrina clássica mantém que os autores
e a sua situação atual é imutável (após “a bíblicos humanos expressam sua persona-
rebelião de Satanás,” anjos nunca mais se lidade plenamente, mas de tal forma que
tornarão demônios nem vice-versa) e se não podem produzir erros alguns e cada
anjos só agem bem e demônios só agem palavra é também palavra de Deus. Esse
mal, então, mesmo sendo criaturas pes- cerceamento da liberdade de errar em seus
soais livres e responsáveis mesmo sem escritos não seria compatível com uma
habilidade de escolha contrária categórica, personalidade plena, para o libertário.
derivado da perfeição imutável; 27
Este é um dos debates mais fortes na literatura atual e fu-
uma robusta providência: Deus deixa giria ao escopo deste artigo detalhá-lo. Contudo, ressalta-se
que nesse ponto artigos de deterministas, como McCann
de estar em controle completo e sem riscos (2011) , ou de teístas abertos, como Tuggy (2007), podem
do universo, de forma que ainda falar de ambos provar o ponto da incoerência desta doutrina com
libertismo, ainda que cada um dos lados opte por ficar com
“controle” seria pouco significativo; um dos pólos da incoerência. Para um exemplo de argumen-
tação calvinista nesse ponto, ver Helm (2001).

38
Um argumento semelhante pode ser feito o trilema entre calvinismo, pelagianismo e
para outras fontes de autoridade reputadas universalismo apresentado por BIGNON,
como infalíveis e genuinamente livres em 2015, ao discutir o pecado original; e
certas teologias, como concílios e o papa); a perfeição consumada dos santos na
promessa de resposta à oração peticio- glória e o mal irrecuperável dos condenados
nária: Deus promete responder a pedidos eternos: não terão mais o poder de escolher
de oração e para responder muitas delas, o pecado, mas será o estado mais amoroso
como o aperfeiçoamento moral do reque- e bondoso deles. Da mesma forma, assu-
rente, precisaria, em alguns casos, superar mindo uma interpretação tradicional do
seu livre-arbítrio libertista. inferno, seus membros não terão mais ne-
a integridade holística do ser humano: o nhuma oportunidade de arrependimento
coração é o centro de integridade da perso- ou bem moral, mas sua situação continuará
nalidade humana e postular uma liberdade ser de maldade em cada ato.
independente desse centro, no final das Embora existam explicações plau-
contas, o faz irrelevante e desconecta atos síveis dessas doutrinas em isolado mesmo
do caráter, em última instância, semelhan- com o libertismo, a força cumulativa de
te a argumentos compatibilistas pautados tantas ocasiões de responsabilizações mo-
na condição de autenticidade; rais sem livre-arbítrio com certeza fortalece
as consequências do pecado original: a tese calvinista. Aliás, certas doutrinas,
faz o pecado inevitável, mas ainda somos como a do pecado original abaixo expos-
culpados por ele mesmo não tendo outra ta e da onisciência, foram radicalmente
alternativa possível; reinterpretadas ao longo da história justa-
a impecabilidade de Cristo: Jesus não mente para se salvaguardar o livre-arbítrio
pode pecar, de acordo com uma das princi- libertista.
pais variedades da cristologia ortodoxa, mas Não cabe repetir as críticas filosófi-
ainda assim executou atos genuinamente cas seculares a teorias libertaristas, apenas
bons, derivado da perfeição imutável; iremos fornecer duas linhas de resposta se-
o mérito final da redenção pertencer a melhantes usadas por autores reformados
Deus: o livre arbítrio faria a graça de Deus no assunto. Jonathan Edwards argumen-
não ser condição suficiente e permite que, ta pela incoerência do libertarismo na
em pelo menos alguns mundos possíveis, medida em que ou cada ato de vontade é
alguns seres humanos escolhessem nunca precedido por um ato do livre-arbítrio
pecar mesmo depois da queda e assim me- ou os atos de vontade não possuem cau-
recessem a salvação por conta própria. Ver sas suficientes. O primeiro caminho leva

39
a um infinito regresso, enquanto o segun- Criador-criatura, então o conhecimento
do faz dos atos de vontade dependentes de Deus precisa ser perfeitamente seguro
de um vácuo metafísico dominado pelo para o nosso conhecimento ter a chance de
acaso. Mas a responsabilidade moral tam- ser confiável também. A visão reforma-
bém seria destruída neste cenário, já que da é de que Deus conhece todas as coisas
o agente perderia o controle de seus atos possíveis naturalmente (scientia simplicis in-
(WAINWRIGHT, 2016). Vemos argu- telligentiae seu naturalis et indefinita) e todas
mentos semelhantes em Wright (2007, p. as que acontecem porque as determinou
45-65) inspirado em Clark (1961). soberanamente (scientia libera seu visionis et
Podemos, por fim, esboçar um argu- definita) (MULLER, 1985, p. 274-275). Por
mento epistemológico, inspirados em Van outro lado, a visão da presciência simples
Til na sua polêmica contra o romanismo e
28 (arminiana clássica) introduz um princípio
o arminianismo , derivado do comprome-
29 irracional do acaso ao fazer tal conheci-
timento da fé cristã com princípios pagãos. mento baseado em algo além do próprio
Se o conhecimento humano depende ana- Deus, a saber, as ações humanas livres. A
logicamente do conhecimento de Deus, visão do molinismo também introduz tal
de uma maneira coerente com a distinção princípio porque o conhecimento livre
de Deus sobre o futuro é baseado no co-
nhecimento médio de Deus mais o que
28
Outra abordagem promissora nesta linha, firmada na Deus determinou, porém o conhecimento
Confissão de fé de Westminster 3.1 ao falar da liberdade
ou da contingência das causas secundárias são “estabeleci- médio dos subjuntivos contrafactuais de
das”, é a de Davi Charles Gomes (1998), cuja tese é: “toda liberdade não está baseado nem em Deus
vez que a liberdade humana é considerada sem referência
ao Criador, ou seja, autonomamente, ela sofre uma ‘sina’, nem nas ações humanas em si, sendo ma-
pos termina por negar-se. Da mesma forma, toda vez que o nifestamente entregue ao acaso e a “fatos
tema da liberdade pe negado, descobre-se um apelo secreto a
uma liberdade ainda mais autônoma. Como Ulisses, o herói brutos” . Por fim, o teísmo aberto é o mais
30

grego, tentando navegar entre Cila e Caribdis, o pensador claro em seu compromisso ao dispensar o
não cristão se vê divido entre reinterpretar o mundo de for-
ma a eliminar Deus, e assim destruir as bases para atribuir pré-conhecimento de Deus das ações livres
ao homem um valor transcendente e um fundamento para humanas, estas radicalmente indetermi-
a liberdade, ou então procurar preservar o valor humano
e a liberdade, mas destruindo seu prospecto de uma ciên- nadas metafisicamente. Desse modo, se
cia que explica o universo sem referência transcedental” (p.
113), sendo que a verdadeira “liberdade [é] identificado mais
nosso conhecimento precisa do conheci-
como liberdade ‘para’ gozar e glorificar a Deus do que como
liberdade ‘de’ alguma coisa — liberdade como análogo criado
da liberdade divina, mas autônoma; liberdade para o shalom 30
O molinista William Lane Craig, por exemplo, afirma “os
divino; liberdade real, mas derivativa” (p. 128). contrafactuais da liberdade criada que O confrontam estão
29
Ver, por exemplo, VAN TIL (2008, p. 298-344) e VAN fora do Seu controle. Ele precisa jogar com a mão que rece-
TIL (1969, capítulo 7, seção F). beu” (CRAIG, 2011).

40
mento de Deus para existir, viver e mover, Por outro lado, é relevante a resposta
e o próprio conhecimento de Deus não é presente para se afastar o problema do mal
totalmente auto contido (a se), a porta está como uma “justificação positiva” do natu-
aberta para o ceticismo e um comprometi- ralismo ateísta, tornando-se prima facie um
mento da própria divindade de Deus. argumento meramente para o agnosticis-
Por todas essas razões, o calvinista mo. Além disso, fornece uma necessidade
parece plenamente justificado em sua re- explicativa para a cosmovisão naturalista,
jeição do libertismo. Desse modo, será que visto que, se o mal é tão presente no mun-
ele ainda poderia fornecer uma resposta ao do (como reivindicado em várias versões
problema do mal que adequadamente res- do argumento indiciário), o naturalismo
ponsabilize o homem e desonere Deus? perderá uma boa dose de sua racionalida-
Antes, porém, é bom perguntar se o próprio de se não puder explicá-lo minimamente.
ateu possui recursos para explicar o mal. Numa análise mais atenta, todavia, vere-
mos que conceitos objetivos de bem e mal
são pressupostos na experiência humana
Reformando as defesas e teodiceias
comum, mais, em qualquer alegação de ra-
“Tu quoque”: o argumento moral em forma
cionalidade.
pressuposicional
“Quando, pois, os gentios, que não têm lei, procedem, por na- Embora pudéssemos estabelecer va-
tureza, de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles riados pontos de partida em um argumento
de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada
no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e moral, iremos conjugar todas elas sob a
os seus pensamentos, mutuamente acusando-se ou defenden-
do-se, no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os epígrafe de “normatividade ética”. Assim,
segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho” a necessidade de uma teoria metaética, a
(Romanos 2.14-16, ARA)
natureza das obrigações morais, a presença
Embora este argumento não seja suficiente da consciência ou conhecimento moral, a
para solucionar o problema do mal, for- dignidade e valor dos humanos (EVANS,
nece uma boa tática de contra-ataque ao 2016), bem como as alegações pragmáticas
apologista. A razão é que a alegação é me- de “não deveria ser assim” ajuntadas pelo
ramente de uma inconsistência, ou, pelo ateu contra o apologista, tudo será con-
menos, de uma improbabilidade dada a re- siderado a “normatividade ética”. Logo, o
lação do teísmo com o mal, ambos como raciocínio se resume a: se existe uma nor-
parte da cosmovisão teísta. Sendo um pro- matividade ética, então Deus existe.
blema alegadamente interno, o ateísta não
A título de exemplo de um ar-
precisa justificar a existência do mal para
gumento clássico, tem-se a versão de
propor o argumento.
Copan (2003). Os valores morais, como

41
a dignidade intrínseca da pessoa humana, mais bem firmada. Tal argumento é ainda
propriedades morais irredutíveis ao físi- mais reforçado pela religião bíblica que faz
co e a fidedignidade de nossas faculdades de um Deus pessoal o centro da realidade
morais, seriam “signos [pessoais] de trans- e promete sua presença solidária não ape-
cendência” (p. 150), crenças propriamente nas na encarnação do Filho, mas também
básicas expressando intuições pré-teóricas na habitação consoladora do Espírito em
que até mesmo o relativista moral assume, cada sofrimento. Tal conforto para o mal
pois “relativistas morais são normalmen- mais horrendo não deixa de ser realista
te seletivamente relativistas — até que por causa da esperança da ressurreição es-
seus direitos são violados ou a proprieda- catológica, em que Deus não só conserta os
de deles é furtada. Isto é, eles tendem a ser males naturais, mas também a sociedade e
relativistas no papel — não na prática” (p. o caráter dos seus.
151). O naturalista evolucionário não po- Todavia, seria possível conjugar a
deria justificar a instanciação metafísica rigidez teórica do argumento clássico de
das propriedades morais em pessoas, mo- Copan e Evans, deixando seus problemas
ver do ser para o dever ser e tomaria “capital metodológicos de lado, com a preocupação
emprestado metafísico do teísta” (p. 156) prática e especificamente cristã de Adams?
ao necessitarem de um universo calcado na Uma via possível é uma forma (modifica-
pessoalidade (COPAN, 2003). da) do argumento transcendental proposta 31

Outra abordagem mais pragmá- embrionariamente por James Anderson , 32

tica (e explicitamente cristã) é a tomada


por Marilyn McCord Adams (2013): dado
31
Necessidade transcedental é definida por James Anderson
como “um estado de coisas S é transcedentalmente neces-
que muitos ateus e agnósticos desejam (e sário somente se (i) S é obtido no mundo atual e em todo
outro mundo possível em que há pensamento ou experiên-
recomendam) uma vida com propósitos cia humanos e (ii) obter S é uma condição metafísica (não
otimistas sem deixar o realismo de lado meramente uma condição lógica trivial) para o pensamento
ou experiência humanos” (ANDERSON, 2011, nota de ro-
(como o teísta faria), como podem eles dapé 13).
enfrentar males horrendos, aqueles cuja 32
“Refletir nas nossas ‘práticas doxásticas’ sugere que há
vítima pensa ser melhor nunca ter existi- um aspecto distintivamente deontológico no nosso racio-
cínio. Certas políticas de manutenção e revisão de crenças
do, numa perspectiva de primeira pessoa consideradas como ‘boas’ ou ‘más’, e, desse modo, fazemos
sem um derrotador dos males horrendos? juízos morais ou quase morais sobre o nosso raciocínio e
o de outros: ‘Alistair realmente não deveria ter chegado a
O teísta, em contrapartida, consegue sa- essa conclusão’. Combinando esses insights com uma versão
tisfazer melhor as faculdades humanas do argumento moral tradicional para o teísmo resulta num
argumento epistemológico para o ensinamento cristão de
naturais de produção de sentido com um que somos responsáveis, de uma forma significativa, peran-
realismo mais robusto e uma esperança te Deus pela maneira como usamos as nossas mentes (cf. Mt
22.37; 2Co 10.5)” (ANDERSON, 2005, p. 74)

42
a qual conjuga os insights do argumento de um Deus infinito pessoal. […] Eu continuaria sendo um ag-
nóstico, se a Trindade não existisse, pois neste caso não haveria
moral com um tipo de deontologia epis- possibilidade de resposta. Se não houvesse uma unidade e di-
versidade pessoal de ordem superior, como dada pela Trindade,
temológica, indo muito além da mera não haveria explicação possível.” (SCHAEFFER, 2007, p. 51,
probabilidade. Mas ainda não conseguiría- 53)

mos chegar a um teísmo cristão. Para isso, Desde que só um Deus que seja um e três 33

complementamos com um argumento da de maneira equivalentemente fundamen-


tradição vantiliana focando na Trindade. tal pode ser realmente uma Personalidade
Já que consideramos evidente a Absoluta (o necessário para a moralidade
proposição do aspecto normativo do co- e epistemologia, como vimos), uma ética
nhecimento (quem disser que este passo é significativa (e suas implicações epistemo-
irresponsável na argumentação só compro- lógicas) pressupõe o Deus das Escrituras.
vará este ponto), o ponto vantiliano sobre Trocando em miúdos, se para existir um
a personalidade absoluta só ser encontra- “dever ser” é necessário a Personalidade
da na Trindade seria complexo demais Absoluta existente somente na Trindade e
para as delimitações temáticas deste arti- se o conhecimento possui um aspecto ine-
go. A ideia é que um princípio imanente vitavelmente normativo (de “dever ser”),
absoluto unificador do universo seria re- é impossível o ser humano conhecer algo
ducionista e excluiria os aspectos pessoais sem a Trindade. Baseados neste racio-
inerentes à moralidade (e, como vimos, à cínio podemos desenvolver o seguinte
racionalidade). Por outro lado, uma pesso- argumento, ainda que de uma maneira não
alidade limitada não poderia controlar toda rigidamente formal:
1. Necessariamente, a normatividade implica uma
a impessoalidade necessária para ser mais Personalidade Absoluta (argumento moral clás-
fundamental do que esta e não se poderia
relacionar seus aspectos particulares a um 33
Para o passo do argumento estabelecendo a necessidade de
especificamente três pessoas divinas: “Porque, se o número
todo explicativo. Desse modo, chega-se ao das pessoas divinas fosse diminuído a duas, então o relacio-
clássico dilema vantiliano da dialética en- namento entre essas duas pessoas teria de acontecer dentro
de um vácuo impersonalista, já que não haveria um terceiro,
tre racionalismo e irracionalismo, unidade um contexto divino e pessoal a ser encontrado. Se o núme-
e diversidade, a qual no pensamento pagão ro das pessoas divinas fosse multiplicado para além de três,
então o relacionamento entre qualquer duas pessoas divinas
sempre chega a polos autocontraditórios. deveria ser facilitado por um ‘grupo’ adicional de pessoas
Portanto, como diria seu ex-aluno Francis divinas (que não seria, propriamente falando, uma pessoa.
Cada pessoa individual da Trindade falharia em compre-
Schaeffer: ender a vida divina por inteiro em e por si, e aquilo que
“somente um Deus infinito pessoal é suficientemente grandio- compreendia o todo da Dvindade e seu autorrelacionamen-
so. Platão já entendia que é preciso admitir absolutos, para que to não seria uma pessoa, mas uma dinâmica impessoal. Daí,
as coisas tenham qualquer sentido […] [mas] tudo falha neste no sistema cristão, onde Deus é o Absoluto pessoal, pode
ponto do seu pensamento, pois os seus deuses limitados não ser concluído que a unidade e a diversidade de Deus mutu-
são suficientemente grandes. Esta é a razão porque precisamos amente se necessitam” (BOSSERMAN, 2014, Posição 195).

43
sico com reformulação vantiliana). no argumento vantiliano), de forma a che-
2. Somente a Trindade é uma Personalidade Abso- gar a conclusão tantas vezes afirmada por
luta Coerente.
3. Logo, a normatividade implica a Trindade
Van Til: “o caráter indispensável da pres-
4. Necessariamente, conhecimento implica norma- suposição da existência de Deus é a melhor
tividade (aspecto normativo do conhecimento) prova possível da existência atual de Deus.
5. Logo, o conhecimento implica a Trindade. Se Deus não existe, nada sabemos.” (VAN
6. Se o conhecimento implica a Trindade, o pro-
blema do mal, se for conhecimento, implica a
TIL, 1978, p. 54)
Trindade.
7. Se o problema do mal implica a Trindade, o
problema do mal não pode ser verdadeiro e a
Teodiceias plausíveis e defesas necessárias
Trindade falsa (condição de verdade para impli- numa apologética reformada
cações)
“Onde estavas tu, quando eu lançava os funda-
8. Logo, a Trindade é consistente com o problema
do mal. mentos da terra?”: a defesa da autoridade ou
9. Todo proponente do problema do mal crê no co- do mistério . 34

nhecimento (tanto do problema quanto a outras “Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda?
crenças), ainda que não admita (impossibilidade Pois quem jamais resistiu à sua vontade? Quem és
do ceticismo). tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventu-
10. Deve-se crer nas implicações lógicas de suas ra, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que
crenças (obrigação de racionalidade, uma versão me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre
mais moderada do Closure Principle). a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para
11. Se o proponente do problema do mal crê no co- honra e outro, para desonra?” (Rm 9.19-22)“Àqueles
nhecimento, então ele deve crer na Trindade. que reclamam contra esta graça de eleição imereci-
(forma epistêmico-deôntica de 5 e 10). da e a severidade da justa reprovação nós replicamos
com esta sentença do apóstolo: Quem és tu, ó ho-
12. O proponente do problema do mal deve crer na mem para discutires com Deus?! (Rm 9.20). E com
Trindade.
Evidentemente, o argumento acima as-
sume várias posições filosóficas, como a 34
Embora alguns clarkianos se incomodem com um uso
deliberado do termo “mistério” e correlatos, estes são cla-
inconsistência autorreferente e contradição ramente consagrados na história da teologia reformada,
performativa do ceticismo, o objetivismo aplicados a doutrinas fundamentais da fé, a título de exem-
plo: art. 36 da confissão galicana de 1559 sobre a Ceia do
moral e uma forma de ética epistêmica, Senhor; art. 9 da confissão de fé belga sobre a Trindade; 3.5
porém limitamo-nos aqui a justificar a da Confissão de fé de Westminster sobre predestinação; art.
3 sobre predestinação na afirmação breve da fé reformada
necessidade da normatividade para reivin- de 1902, confirmando o declarado tantas vezes por Calvi-
dicações de racionalidade (como feita no no (1984, p. 214) como em: “Portanto, quando Deus a Si
reivindica o direito a nós não plenamente discernido de
argumento moral tradicional) e o porquê governar o mundo, seja esta a lei da sobriedade e da mo-
de tal normativismo pressupor uma Per- deração: aquiescer-Lhe à suprema autoridade, para que sua
vontade nos seja a regra única de justiça e a mui justa causa
sonalidade Absoluta, a qual só pode ser de todas as cousas … aquela providência moderaria de todas
encontrada na Trindade cristã (como feito as cousas, do que, se bem que abscônditas nos sejam as ra-
zões, nada promana senão o que é reto” (Institutas, 1.17.2)

44
esta palavra do Salvador: Porventura não me é lícito cada bem que também sabemos as condi-
fazer o que quero do que é meu? (Mt 20.15). Nós,
entretanto, adorando reverentemente estes misté-
ções necessárias ou relações de implicação
rios, exclamamos com o apóstolo: Ó profundidade para a sua realização são todas as que exis-
do riqueza, tanto do sabedoria como do conheci- tem (HOWARD-SNYDER, 2009, p. 18),
mento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos
e quão inescrutáveis os seus caminhos! Quem, pois, bem como, evidentemente, para os ma-
conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu les correspondentes. Criaturas humanas,
conselheiro? Ou quem primeiro lhe deu a ele para
que lhe venha a ser restituído? Porque dele e por
portanto, diz o teísta cético, não poderiam
meio dele e para ele são todas as coisas. A ele, pois, julgar de maneira acurada as razões moral-
a glória eternamente. Amém (Rm 11.33) (Sínodo de mente suficientes de Deus, caso existissem,
Dort, Capítulo 1, art. 18)
de forma a comparar a evidência, neste
A resposta inicial ao problema do mal ponto, do teísmo com outra hipótese con-
pode ser um recurso à distinção entre corrente (REA, 2013).
Criador e criatura e a autoridade de Deus
Desse modo, a boa razão para a
como Senhor pactual. Afirma-se que não
dúvida seria que, dada a transcendência
deveríamos esperar de nossas limitadas fa-
de Deus e a limitada competência huma-
culdades cognitivas discernir as misteriosas
na mesmo para considerações imanentes
razões de Deus ou, caso se aproxime de al-
(como o progresso científico e a comple-
guma delas, produzir objeções contra elas.
xidade natural confirmam sobre os nossos
Essa abordagem vai ao encontro da defesa
intelectos) , como não saber que futura-
35

do teísmo cético. Após reproduzir breve-


mente Deus possa ser vindicado? Será que
mente alguns de seus argumentos aqui,
podemos esperar compreender como cada
será oportuno apontar correspondências
parcela de mal do mundo, caso Deus exis-
na apologética reformada, a qual possui
tisse, poderia ser devidamente entendida
mais recursos para responder às objeções
por nós?
correntes contra esta abordagem.
Ainda que pudéssemos explorar as
Contra a inferência de existirem
diferentes opções da crescente literatu-
males aparentemente sem sentido, Da-
niel Howard-Snyder (2009) avança a tese
do agnosticismo, a saber, que devería- 35
William Alston (1996) enumera outros limites para a (in)
competência humana para este caso: insuficiência dos da-
mos ter a humildade epistêmica de estar dos relevantes; complexidade maior do que podemos lidar;
em dúvida, sem boas razões adicionais, dificuldade de determinar o que é metafisicamente possível
ou necessário; ignorância do escopo total das possibilidades;
sobre se os bens que conhecemos consti- ignorância do escopo total de valores; e limites para a nossa
tuiriam uma amostra representativa de capacidade de fazer juízos razoáveis de valor. A questão é se
esses limites são relevantes para o caso em questão ou se não
todos os bens que existem e sobre se para seriam, eles próprios, parte do problema ou se pelo menos
mudam de foco dos males inescrutáveis.

45
ra sobre o teísmo cético, as objeções mais ser julgado pelo homem, nem pode ser
correntes frequentemente focam nas im- posto num tribunal. O que ele faz é justo
plicações do teísmo cético como (REA, por definição, mesmo que não o seja para o
2013): uma violação de nossas intuições de homem” (NETO, 2015, p. 106). Uma ética
senso comum, as quais simplesmente para- verdadeiramente bíblica de Deus como Se-
riam de funcionar quando confrontadas nhor do pacto com uma lei refletindo o seu
com uma tese querida; um ceticismo ge- caráter não nos dá base para reclamarmos
neralizado, em que um “gênio maligno” de suas ações (FRAME, 2013). Como di-
cartesiano agora poderia nos enganar para ria Van Til (1997, s. p.): “Deus precisa ser a
nosso bem e isso não seria errado (WILKS, sua própria teodiceia. Assim que tentamos
2013); um ceticismo moral sobre se o que se justificar a Ele com qualquer um de nos-
considera lei de Deus expõe realmente o sos próprios mecanismos abrimos mão de
que é a bondade; um ceticismo sobre (outros) nosso principium speciale. Precisamos des-
conhecimentos de Deus já que, se não se pode cansar na sua palavra final, ao invés de nos
ver evidência da ausência de Deus no mal, rebelarmos contra ela porque não a com-
não se pode perceber a presença de Deus preendemos”.
em outras ocasiões; uma paralisia moral na Por outro lado, os problemas do
medida em que não se seria obrigado a evi- teísmo cético com a violação de uma epis-
tar o mal caso esse fosse chegar a um bem temologia de senso comum, a implicação
maior; por fim, formula-se um argumento de diversos tipos de ceticismo e mesmo o
a partir da ocultação divina para o efeito de problema do divino silêncio podem ser res-
que, se houvesse um bom Deus, devíamos pondidos numa epistemologia revelacional
esperar que ele desse sinais aos que sofrem e pactual. A fidelidade pactual de Deus na
do motivo pelo qual estão sofrendo (DOU- história da redenção e um entendimento
GHERTY, 2016). da revelação geral e especial alteram nossa
Há respostas plausíveis para cada um epistemologia de tal forma que o mistério
desses desafios (ver REA, 2013), todavia o não precisa ser encaixado artificialmente
enfoque agora está sobre no que uma teo- com ela, mas, fornecendo o contexto ade-
logia reformada pode ajudar. Deus não nos quado para a revelação acontecer, limitam
deve nada, nem mesmo um porquê (SMI- o ceticismo às cosmovisões autonomistas.
TH, 2010, p. 24). Deixando os detalhes A razão é que, quando se constrói
mais controversos de sua defesa “ex lex” de todo o edifício epistemológico para depois
lado, “a resposta de Clark seria a distinção se considerar a revelação, naturalmente
entre Criador e criatura. Deus não pode esta será incoerente com os princípios do

46
“homem natural”. Quando a revelação é Por fim, toda defesa precisará lidar
fundamental nas raízes pressuposicionais com limites cognitivos e o que chamaría-
de uma cosmovisão, como ponto arqui- mos de “mistério”, pois qualquer objeção
mediano, a figura muda totalmente: a de incoerência entre o caráter de Deus
irracionalidade nunca será última pois o 36
e o problema de males localizados exi-
plano racional soberano de Deus envolve ge um porquê de Deus ter escolhido tais
todas as coisas e os seres humanos, mesmo meios para seus fins. Antes de desenvol-
sem saber de tudo, podem confiar no que ver a linha de refutação da glória divina é
realmente sabem. Foi-lhes contado na re- importante considerar os problemas cor-
velação especial de tal Deus uma correção relatos da quantidade e distribuição do mal
de suas interpretações equivocadas (de- no mundo. Parece que toda teocideia po-
correntes dos efeitos noéticos do pecado) deria conseguir provar a necessidade de a
da revelação geral necessária, autoritativa, existência de algum mal, mas não de tanto
suficiente e clara da parte de Deus . Muito 37
ou os tipos de mal como temos no mundo
mais espaço é necessário para se responder atual. Repetindo, Deus não é obrigado a
a cada uma das objeções, porém esse dire- criar o melhor mundo possível, até porque
cionamento parece o caminho certo para não parece possível comparar a bondade
desenvolvimentos futuros. de mundos a ponto de sempre conseguir se
imaginar um mundo melhor (ou pior) sem
muita subjetividade envolvida e o risco de
36
A doutrina da igreja sobre a incompreensibilidade de Deus
é baseada sobre e é uma consequência lógica da autoexis- cair num regresso infinito (PLANTIN-
tência absoluta de Deus. É justamente porque Deus é um GA, 2004). A escolha de um mundo não
ser eterno e autocontido enquanto nós somos suas criaturas
temporais que não podemos nunca esperar compreender o tão bom pode ser entendido como graça,
seu ser. Mas esta incompreensibilidade absoluta de Deus, afinal (ADAMS, 1972, p. 332). Por outro
justamente porque é baseada na racionalidade absoluta de
Deus não é inconssitente com um caráter genuinamente lado, não existem obrigações impostas a
racional de nosso conhecimento. Pelo contrário, o nosso co- Deus por algo externo a ele exigindo obe-
nhecimento é racional porque Deus é ultimamente racional. Ao
mesmo tempo, Deus é incompreensível para nós porque ele diência a certo padrão de distribuição ou de
é ultimamente racional. Não é porque Deus é irracional que quantidade. Considerando, além disso, que
nós não podemos compreendê-lo; é porque Deus é racio-
nal e, na natureza do caso, supremamente racional, que não a mera existência de desigualdades, numa
podemos compreender ele. Não é porque Deus é trevas que visão cristã, não é um mal necessariamen-
ele é incompreensível para nós, mas porque ele é luz, e, na
natureza do caso luz absoluta. Deus habita na luz inacessível. te, haja vista a sua ocorrência no mundo
Nós não somos cegos por causa da luz de Deus; é somente na natural e mesmo na glória (HELM, 2016).
luz de Deus que vemos a luz” (VAN TIL, 2007, p. 33)
37
Para um desenvolvimento desta aplicação dos atributos Mas será que nenhuma razão plausí-
clássicos das Escrituras à revelação geral, ver VAN TIL, vel pode ser dada para a existência do mal?
Cornelius, “Nature and Scripture”, 1946.

47
A única resposta bíblica é o silêncio, nosso visto que, como teodiceia, responderia a
e o divino? Por mais que a defesa de autori- ambas as formas do problema do mal. Se-
dade ou do mistério seja um complemento gundo Swinburne (2015), uma teodiceia
necessário de tudo a seguir, particularmen- de sucesso precisa preencher três pré-re-
te em como se conectar as respostas globais quisitos: o resultado líquido de bem e mal
às ocorrências localizadas do mal, a tradi- tem de ser em favor do bem; o “bem maior”
ção reformada (e a Bíblia) tem mais a dizer 38
Além de textos como Jo 9.1-3; Ex 9.16; Ez 37.11-14; 1Tm
sobre o assunto. 1.15-16; Jo 11.14-15; Rm 3.24-26; Ef 2.1-7; 3.8-10, ver PI-
PER, 2008.
39
“Que, portanto, não obedecem os réprobos à Palavra de
“Por amor do meu nome”: a teodiceia da glória Deus a si revelada, isto, com justiça, se lhes haverá de lan-
çar à malignidade e depravação do coração, desde que, ao
incomparável de Deus na história da redenção mesmo tempo, se acrescente por isso adjudicados a esta de-
“Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua pravação, que, pelo justo, mas inescrutável, juízo de Deus,
ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com mui- hão sido suscitados para a glória iluminar-Lhe com sua da-
ta longanimidade os vasos de ira, preparados para nação” (CALVINO, 1984, p. 443, Institutas, 3.24.14)
a perdição, a fim de que também desse a conhecer 40
Além da citação inicial, ver, por exemplo, a seção 3.7 da
as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, Confissão de Fé.
que para glória preparou de antemão, os quais so- 41
“É uma coisa própria e excelente que a glória infinita de
mos nós, a quem também chamou, não só dentre Deus brilhe; e, pela mesma razão, é próprio que o brilho
os judeus, mas também dentre os gentios?” (Rm da glória de Deus seja completo; isto é, que todas as par-
9.22-24)“Deus, por um decreto eterno e imutável, tes de sua glória brilhem, que cada beleza tenha a efulgência
unicamente do seu amor e para patentear a sua glo- proporcional, para que o contemplador possua uma noção
riosa graça, que tinha de ser manifestada em tempo própria de Deus […] Assim é necessário, que a majestade
assombrosa de Deus, sua autoridade e terrível grandeza,
devido, elegeu alguns anjos para a glória, e, em Cris-
justiça e santidade se manifestem. Mas isso não poderia
to, escolheu alguns homens para a vida eterna e os
acontecer, a não ser que o pecado e a punição fossem decre-
meios para consegui-la; e também, segundo o seu tados; de tal forma que o brilhar da glória de Deus seria bem
soberano poder e o conselho inescrutável da sua pró- imperfeito […] E assim como é necessário que haja mal, por
pria vontade (pela qual Ele concede, ou não, os seus causa do fulgir da glória de Deus não ser senão imperfei-
favores conforme lhe apraz), deixou e predestinou os to e incompleto sem ele, então o mal é necessário a fim de
mais à desonra e à ira, que lhes serão inflingidas por que a felicidade suprema da criatura, e a completude dessa
causa dos seus pecados, para patentear a glória da sua comunicação de Deus, porque ele fez o mundo; porque a
justiça” (Catecismo Maior de Westminster, Resposta felicidade da criatura consiste no conhecimento de Deus e
a Pergunta 13). no senso de seu amor. E se o conhecimento dele fosse im-
perfeito, a felicidade da criatura deve ser proporcionalmente
Com precedentes relevantes na Bíblia e 38
imperfeita; e a felicidade da criatura seria imperfeita de ou-
tra forma também; pois como dissemos, o senso do bem é
na tradição reformada (como em Calvino , 39
comparativamente maçante e plácido sem o conhecimento
os teólogos de Westminster , Edwards e40 41
do mal” (EDWARDS, 1974, c. 3, §10, p. 528)
Gill ), uma teodiceia da glória divina pela
42
42
“Se Deus tivesse decretado salvar todos os homens e tives-
se preparado a graça salvífica para todos os homens, aqui de
redenção, com lastro no locus classicus cal- fato haveria um demonstrar da glória de sua graça e mise-
vinista de Rm 9.22-24, parece um ótimo ricórdia, mas onde estaria a declaração da sua ira e justiça?
Especialmente, a glória da soberania de Deus aparece mais
caminho para a apologética reformada, por esses decretos distintos, do que se nenhuma distinção
fosse feita” (GILL, 1855, p. 162)

48
deve se realizar de fato; e aquele que per- sem o mal, um conhecimento experimen-
mite ou faz com que o mal exista deve ter tal destes e os próprios modos de sua
o direito de fazê-lo. Propomos que a teodi- apresentação possibilitados apenas pelos
ceia da glória de Deus pode preenchê-los. males são bens demonstrativos (JOHN-
Já que o direito “autoral” de Deus sobre a SON, 2016). Uma criatura inflingir mal
inclusão do mal não se altera significati- a outra, por exemplo, é explicado por au-
vamente de Swinburne (2015) e a glória mentar em vívida expressão a vileza dessas
divina, por ser da prerrogativa exclusiva de ações, intensificando por consequência
Deus certamente se realizaria, reformulare- a expressão da justiça ou graça de Deus.
mos os requisitos segundo Daniel Johnson Portanto, a mera passagem da glória in-
(2016): deve-se mostrar que glória divina é trínseca para a extrínseca já importa em
um bem suficiente para compensar o mal e bens demonstrativos.
que certo aspecto dela não poderia existir Todavia, o valor dessa demonstra-
sem o mal. ção é suficiente para contrabalancear o mal
Uma definição de glória divina pode no mundo? Não seria essa glória manifes-
ser “a soma total de todas as excelências ta tanto quanto numa criação sem o mal?
divinas” (GERSTNER apud MORGAN, Por um lado, a dignidade das obras de Deus
2010, p. 161). Assim, pode-se proceder à diante do mal, com glória extrínseca ali
distinção entre glória intrínseca (aquela per- objetivamente manifesta, são incompara-
tencente a Deus em si independentemente velmente boas por expressarem a excelência
de comunicação ou conhecimento da cria- do agente. Já que a bondade das ações é di-
tura) e extrínseca (como manifestação dessa retamente proporcional à excelência do
plenitude e suficiência intrínseca a Deus) agente e a excelência de Deus é máxima e
(MORGAN, 2010). Além disso, podemos infinita, segue-se que as obras de Deus são
adicionar que essa glória extrínseca pode infinitamente boas e podem compensar
ser objetivamente manifesta (estando ali qualquer mal (JOHNSON, 2016). Certas
comunicada, anteriormente ao reconhe- ações, aliás, como a condenação justa de al-
cimento humano, mas direcionado a este) guns com o fim de manifestar a graça em
e subjetivamente reconhecida (quando apro- outros e, ainda mais, os bens extraordiná-
priadamente reconhecida e respondida por rios da encarnação de Deus e da expiação
seres em relação correta com Deus). dos pecados pelo Filho, só ocorreriam no
Assim, embora Deus pudesse im- contexto da salvação da criação contra o
plantar conhecimento proposicional de mal do pecado, intensificando tal nature-
qualquer de seus atributos nas criaturas za compensatória com uma manifestação

49
mais plena do caráter de Deus. Assim, o 43
abrangência e persistência das crenças epis-
que é chamado de “história redentiva”, por têmicas), dado um relacionamento correto
si só e anteriormente a reação humana, já com Deus. Inclusive haveria um bem exis-
teria um valor substancial para contraba- tencial a mais por certas criaturas poderem
lancear o mal, ao ser um bem relacionado à “participar dos sofrimentos de Cristo” e
glória objetivamente manifesta. 44
assim se apropriarem, a um nível criado,
Por outro lado, as criaturas podem da própria glória manifestada e (re)torna-
aproveitar subjetivamente essa demons- rem a ser imagem de Deus (PLANTINGA,
tração com um valor moral (imitação das 2004). Aliás, o aprimoramento futuro de
virtudes apresentadas), estético (na bela nossas faculdades e a maneira com que en-
e proporcional diversidade de atributos cararemos nosso passado, assim como do
apresentados) e intelectual (reforço na futuro particular (compensador ou não)
de certo indivíduo, dada a visão cristã bá-
sica sobre escatologia, não permite auferir
43
Podemos adicionar que o mal natural poderia ser expli-
cado também nesta rubrica ao fazê-lo dependente da ação
que tais bens demonstrativos não seriam
representativa do ser humano, como vice-regente pactual “bons o suficiente”, pois, entre os critérios
da criação, e, da mesma forma, compensado pela redenção
completa da criação por meio da salvação de sua coroa: a hu- para se auferir a compensação, muitos es-
manidade. Novamente se nota uma contribuição da teologia capam o nosso saber, como o número de
pactual reformada. Por outro lado, uma teodiceia menos an-
tropocêntrica lida melhor com a questão da dor animal na espectadores (sobrenaturais, talvez) do
medida em que a glória de Deus pode ser manifesta mesmo acontecimento (como em Jó) (GREEN,
em seres não-livres como eles, os seres humanos (e os anjos)
podem contemplar a glória de Deus em qualquer dor e a re- 2016). Assim, há um outro bem demons-
denção cristã elimina qualquer mal, independentemente de trativo relacionada à glória subjetivamente
onde se encontre.
44
Esta dimensão da teodiceia é marcadamente semelhante
reconhecida.
a teodiceia O Felix Culpa de Plantinga (2004). Além da mera Desse modo, há boas razões para se
existência de Deus fazer um mundo possível muito bom, já
que o bem da sua (metafisicamente necessária) existência crer que bens suficientes para contrapor o
contrabalanceia qualquer mal (ou bem) a nível das criatu- mal, mas que tem por condição necessária a
ras, uma propriedade contingente que faz o mundo atual um
mundo possível apropriadamente bom seriam os incompa- ocorrência de uma quantidade significativa
ráveis bens da encarnação e da expiação (PLANTINGA, de mal, são assim fornecidos e efetivamente
2004), e poderíamos adicionar aqui todos os outros atos
salvadores de Deus na história da salvação. Em suma, “po- realizados. Os critérios para uma teodiceia
demos simplesmente dizer que todos os mundos em que de sucesso são cumpridos.
a encarnação e a expiação estão presentes são mundos de
mui grande bondade, alcançando aquele nível de bondade Porém, a objeção imediata é: Deus
L tal que nenhum mundo sem a encarnação e a expiação
alcançaria esse nível” (PLANTINGA, 2004, p.11). Para a
poderia realmente amar seres humanos
mesma abordagem no contexto da providência calvinista tratando-os como meios? Marilyn Adams
(e não molinista, como em Plantinga), ver Helm (2007, p.
173-194).
(2008) argumenta que não, na medida que

50
um Deus amoroso não concederia valor Outra objeção possível neste pon-
meramente instrumental a qualquer de to pode tomar a seguinte forma: se Deus
suas criaturas, particularmente quando es- desejasse o mal para manifestar a própria
tas não obterão nenhum benefício último glória, então o mal deixaria de ser mal, pois
para si. estaria de acordo com a vontade de Deus,
Em resposta, podemos argumentar isto é, o mal se descaracterizaria como mal
que é justamente a glória de Deus, o me- nesta teodiceia. Todavia, toda teodiceia
lhor objetivamente possível, que pode ser enfrentaria problemas parecidos ao propor
benéfico às criaturas. Juntamente a autores um bem maior desejado e implantado por
como Jonathan Edwards e John Piper, Da- Deus, que tem por condição necessária o
niel Johnson (2016) explica: mal, seja ele a glória de Deus, o livre-arbí-
Tratar alguém como um fim requer buscar o que é trio, o conhecimento moral, a regularidade
bom para ele. O maior bem para os seres humanos natural ou qualquer outra. Ademais, essa
46

com certeza é comunhão com Deus — presença com


conhecimento de Deus. Então se Deus busca como objeção não teria sucesso contra nenhuma
um objetivo trazer seres humanos a sua presença delas (e esta) porque a motivação moral de
com conhecimento dele, então ele busca o seu bem
como um fim […] Edwards é assustadoramente in-
Deus para o mal no mundo difere da moti-
sistente neste ponto: ele nega fortemente que Deus vação por trás das ações das criaturas, além
usa o seu povo como um meio para a sua glória, por- de Deus ser a autoridade legítima do uni-
que o florescer do seu povo parcialmente constitui a
sua glória (p. 47-48). verso e condenar as ações das criaturas em si
Além disso, como Plantinga (2004) su- ocasião. Também se mostra como a ofensa a Deus merece
gere, se tivéssemos o conhecimento das infindo castigo, bem como incita gratidão nos eleitos por
estes verem a natureza da alternativa a que estavam sujeitos
consequências do nosso sofrimento e se não fosse pela graça de Deus (HART, 2016). Mas por
uma ordenação correta das afeições, con- que tantas pessoas para o inferno? O maior número de con-
denados ao inferno (“porque estreito é o caminho…”) mostra
seguiríamos ver que a condição final da quão provável e frequente era a alternativa para os eleitos se
não fosse por Deus. Ademais, incentiva-os já nesta vida a
humanidade é melhor com o plano de sal- levarem (muito mais) a sério a sua salvação e a do próximo
vação proposto por Deus. 45
quando comparada ao inigualável ódio, ira, justiça e poder
de Deus ao pecado, bem como destacando-se na história a
soberana graça e prerrogativa de Deus sobre a salvação. Es-
45
O que dizer, então, da visão tradicional do inferno, dada ses bens são incrementados, ao invés de revogados, também
essa teodiceia? Matthew Hart (2016) responde, inspirado pelo parcialismo familiar de Deus para com a alegria de seus
em Edwards, que uma razão plausível para o decreto da re- filhos, os eleitos, o que, se é justificado em pequenas ações
provação seria “um senso mais rico do caráter justo de Deus humanas, a fortitiori com o Deus soberano (HART, 2016).
por parte dos eleitos, feito possível pela demonstração da 46
Na verdade, há uma vantagem comparativa em relação a
ira de Deus sobre os ocupantes do inferno” (p. 255). Porém, essas outras teodiceias nesse ponto por se colocar claramen-
isso já não foi contemplado no sacrifício vicário de Cris- te o bem maior na dimensão divina, e não na humana. Isso
to? Apenas em parte, pois no inferno estaria conectado aos também evita, conforme Spencer (2008, p. 13-15), o pro-
que realmente merecem a punição num espetáculo ao vivo blema do regresso infinito em recurso a ordens mais altas
e eterno, com variações proporcionais de justiça para cada apontado por Mackie (1955, p. 207-208).

51
mesmas (e não o planejamento do Criador “Se com ele sofremos, também com ele
da ocorrência dessas ações para propósitos seremos glorificados”: a perspectiva existencial
divinos). Mesmo no consequencialismo, da união com Cristo.
os fins visualizados ou propostos pelo agen- “Pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois
coparticipantes dos sofrimentos de Cristo, para que
te também tem a sua importância, e não também, na revelação de sua glória, vos alegreis exul-
apenas resultados fáticos não-intencionais. tando” (1Pe 4.13)“Qual é o seu único consolo na vida
O resultados de demonstração para a gló- e na morte? R.: Que não pertenço a mim mesmo,
mas pertenço de corpo e alma, tanto na vida quan-
ria de Deus são intencionados por Deus, to na morte, ao meu fiel Salvador Jesus Cristo. Ele
enquanto que o agente possui outras inten- pagou completamente todos os meus pecados com o
Seu sangue precioso e libertou-se de todo o domínio
ções (malignas). Logo, mesmo se assumido do diabo. Ele também me guarda de tal maneira que
o consequencialismo, a objeção não fun- sem a vontade de meu Pai celeste nem um fim de ca-
ciona. Em suma, o valor intrinsecamente
47 belo pode cair da minha cabeça; na verdade, todas as
coisas cooperam para minha salvação. Por isso, pelo
perverso do mal não é retirado por um va- seu Espírito Santo, Ele também me assegura a vida
lor instrumentalmente positivo (SPENCER, eterna e faz-me disposto e pronto de coração para
viver para Ele de agora em diante” (Catecismo de
2008, p. 23). Heidelberg, Questão 1)
A teodiceia da glória divina, todavia, Se essas linhas argumentativas podem inte-
não estará completa se não puder explicar ressar a alguns filósofos, seriam realmente
se o mal significativo exigido nesta teodi- relevantes aos sofredores do “mundo real”?
ceia comporta todo o horror existencial Ou talvez seria melhor uma “antiteodiceia”?
do sofrimento. Também não refletiria Não obstante o objetivo primário deste ar-
sua herança cristã plenamente sem a lem- tigo seja a discussão filosófica, mesmo nela,
brança do compartilhamento dessa glória como apontou Marilyn McCord Adams
pelos eleitos por meio de Cristo adentran- (1989), as dimensões existenciais do mal
do, assim, a própria comunhão mútua da e do sofrimento são inescapáveis e preci-
Trindade. A tradição reformada se apro- sar ser consideradas quando se levanta o
priou deste antigo tema ortodoxo com a problema do mal como interno ao teísmo.
sua doutrina da união com Cristo, a qual Males horrendos, aqueles cuja existência
iremos analisar. levantam dúvidas sobre um bem maior no
final das contas, levam a situações-limite
47
Pode-se alegar aqui que o determinista teológico não em que se pensa “pelo que tenho por mais
pode introduzir tais distinções entre a vontade divina e a
das criaturas, além de questionamentos ulteriores sobre a
felizes os que já morreram, mais do que os
responsabilização moral destas. Acreditamos que nossas que ainda vivem; porém mais que uns e
respostas nas seções anteriores pautadas no compatibilismo
poderiam, se levemente reformuladas, responder a tais obje-
outros tenho por feliz aquele que ainda não
ções. Nesse sentido, ver Bignon (2015, p. 187-213).

52
nasceu e não viu as más obras que se fazem do evangelho dos sofrimentos e glórias
debaixo do sol” (Ec 4.2-3). Trocando em do Redentor, encontra-se sentido deslo-
miúdos, “era melhor eu nunca ter nascido”. cado de si mesmo (“não pertenço a mim
Ora, mas se nenhum bem imanente pode mesmo”) abraçando com a sinceridade do
compensar tais males, já que eles se refe- lamento o sofrimento e se alegrando na es-
rem à negação da existência neste mundo, perança da glória, como filhos adotados do
só um bem transcendente pode compensar Pai, com o morrer de Cristo na carne para
tais males: “assim, o bem da intimidade be- que a vida de ressurreição do Espírito em
atífica face a face com Deus pode engolfar nós seja manifesta (BILLINGS, 2015).
[…] mesmo os males horrendos da expe- E é justamente com uma providên-
riência humana aqui embaixo e vencer cia “isenta de riscos” que essa figura pode
quaisquer razões prima-facie que o indiví- estar completa: o fiel pode saber que essa
duo tinha para duvidar se a sua vida seria ou benção certamente se consumará, pois não
poderia ser digna de ser vivida” (ADAMS, há modo de nem mesmo ele próprio impe-
1989, p. 218). Adiciona-se a isso o bem do dir o que Deus já determinou. Não só isso,
sofrimento ser uma maneira de identifica- mas a derrota final do mal é garantida pela
ção mística com os sofrimentos do Cristo restauração final de toda a criação, de for-
encarnado e a estranha ideia da gratidão ma que a mudança de situação tão ansiada
divina de Juliano de Norwich (ADAMS, pelo sofredor também é garantida.
1989).
Mesmo tal hipótese pode ser forta- A objeção clássica: Deus é o autor do pecado?
lecida pela tradição reformada. A doutrina “Se por ‘autor do pecado se refere ao pecador, ao gente ou ator
do pecado, ou ao feito de uma coisa perversa, então seria uma
da união mística com Cristo é considerada repreensão e uma blasfêmia supor ser Deus o autor do pecado
não só atualmente central para a doutrina […] Mas se por ‘autor do pecado’ se quer dizer o permissor,
ou aquele que não evita o pecado; e ao mesmo tempo dispõe
da salvação (MURRAY, 2010), mas tam- o estado de eventos de tal maneira para fins sábios, santos e
excelentes, esse pecado, se for permitido ou não impedido, irá
bém para a teologia de João Calvino e do certa e infalivelmente se seguir: eu digo, se isso for o significado
calvinismo posterior, se não para toda a de autor do pecado, eu não nego que Deus é o autor do pecado
(embora eu desaprove e rejeite a frase, pois o uso e costume
sua estrutura (PARTEE, 1987), pelo me- carrega outro sentido)” (EDWARDS, 1974, v. 1, p. 399) 48

nos, conjugada com a obra do Espírito, na


doutrina da salvação aplicada (MULLER, B. Hoon Woo (2014) tenta mostrar precedentes históri-
48

cos, da patrística até a Reforma, da teodiceia de Jonathan


2012, p. 205-206). Uma doutrina robusta Edwards, sem deixar de reconhecer a originalidade de suas
da Trindade e da união com Cristo, logo, é refutações do arminianismo. Cabe lembrar que o que se
convencionou chamar de seu“ocasionalismo” não será con-
também promissora para o problema pas- siderado aqui da interpretação reformada tradicional, muito
toral do sofrimento. Por meio da história menos a antropologia de Edwards refletindo em muitos
pontos um tipo de donum superadditum tomista.

53
Jonathan Edwards, como se mostra na ci- de Deus não rouba das causas secundá-
tação acima, expressa a distinção calvinista rias sua natureza própria de agentes livres
usual entre os diferentes sentidos da cau- (em algum sentido compatibilista) e con-
salidade divina. Embora Deus cause, em tingentes (BRUCE, 2016). De forma que
certo sentido, a ocorrência do mal (contra o decreto de Deus não é algo meramente
libertarismo), não lhe é imputável a cul- externo ou compulsivo à criatura, mas sua
pa da ação INJUSTA, e sim ao agente (daí providência possui um caráter constitutivo
não ser o autor do pecado, no sentido mais e intrínseco: Deus não causa que a ação X
usual). Isso não é uma contradição? aconteça em isolado, mas, como Criador, o
Tais objeções requereriam um foco agente S realizando a ação X (MCCANN,
mais detido em outra obra, já que nosso 2016; MCCANN e JOHNSON, 2015).
objetivo foi apontar as contribuições positi- Mesmo aqui, como aponta Helm
vas do calvinista na discussão sobre o mal. (2016) em analogia à fórmula de Calce-
Todavia, sabendo que as objeções comuns dônia, temos uma teologia apofática na
contra essas contribuições são as mesmas Confissão de Westminster 3.1 (acima) ao
das aqui em consideração, breves distinções mais negar do que afirmar sobre essa dis-
históricas podem ser feitas em resposta. tinção e lança um desafio ao libertarista:
Daniel M. Johnson (2016, p. 25) será que temos condições epistêmicas para
identifica três objeções sob a família do afirmar que é impossível Deus determinar
“autor do pecado”: Deus erra ao causar in- ações humanas e elas não serem responsá-
tencionalmente o pecado, Deus desejaria veis? Será que Deus não pode determinar
que o mal ocorresse e Deus falharia em de uma forma diferente do determinismo
amar os perdidos. A primeira falha ao es- intramundano?
tender uma analogia indevida entre seres Continuando com essa concentra-
humanos e Deus: já que é errado para nós ção cristológica, K. Scott Oliphint (2006)
intencionalmente causar o pecado, tam- argumenta que, caso se admita a coerên-
bém o seria para Deus. Além da defesa da cia da cristologia calcedônica clássica (bem
distinção Criador-criatura quanto à mora- como o diotelismo do Terceiro Concílio de
lidade e os “direitos autorais” de Deus sobre Constantinopla, adicionamos), todo o re-
a criação, a atividade de causação divina em lacionamento entre Deus e a criação deve
consideração é de uma ordem diferente do ser visto de tal forma que uma concorrên-
agente pecador. Daí a distinção reforma- cia e compatibilidade harmoniosa entre a
da tradicional entre causalidade primária vontade divina e humana ocorra, visto que
e secundária: a causação última e primária as propriedades de cada uma permanecem

54
íntegras em si, mas sem uma anulação mú- divina agindo diante de objetos contrários
tua (OLIPHINT, 2006, pp. 302-325). ao longo da História, sendo que os dois as-
A objeção de que Deus desejaria o pectos se convergem em uma só vontade
mal e, assim, deixaria de ser totalmente bom escatologicamente em Cristo (novamente
pode ser respondida também com a dis- poderíamos usar os argumentos cristo-
tinção clássica da divina vontade (voluntas lógicos de Oliphint). Afinal, se qualquer
libera Dei) entre vontade preceptiva (volun- distinção nas vontades de Deus for incon-
tas signi vel praecepti) e decretiva (voluntas sistente, então libertaristas estarão com
decreti vel beneplaciti) (MULLER, 1985). problemas similares, dada a diferenciação
Não se postula aqui duas vontades no Ser entre vontade antecedente e consequente
divino, mas como B. Hoon Woo (2014) usada por molinistas e arminianos.
aponta, segundo Jonathan Edwards, essa Quanto ao amor divino universal
seria a opção mais consistente diante de implicar na refutação do particularismo
objetos diferentes (por possuírem uma de- calvinista, há uso de termos equívocos,
limitação distinta) . Assim, fala-se de dois
49
pois há diferentes níveis ou aspectos do
aspectos diferentes da una e simples vontade amor de Deus, inclusive o de desejar o
50

bem da existência até mesmo para os que


49
Uma descrição mais robusta filosoficamente desta distin- estão no inferno (ALEXANDER, 2016)
ção: “Suponha que Y é um objetivo de Deus, algo que ele
deseja, mas que Y é incompatível com algum outro objeti- sem uma distribuição matematicamen-
vo Z que Deus determina ser digno de abrir mão de Y para te igual ser exigida para todas as criaturas
alcançar. Deus pode ainda verdadeiramente ser dito dese-
jar Y, mas ele também pode verdadeira ser dito não desejar (HELM, 2016). Não está claro também
Y à luz de seu desejo por Z e a incompatibilidade (por ele porque o amor geral de Deus pela huma-
reconhecida) entre Y e Z. A vontade decretiva de Deus é
apenas o conjunto de ações que ele decide sobre no final das nidade não chega ao ponto de não desejar
contas, todas as coisas consideradas. Ele (como qualquer qualquer tipo de mal (isso não é verdade
ser racional) ainda retém muitos desejos insatisfeitos (no
sentido não-decretivos) e precisa escolher trazer à tona (e nem mesmo pro que aconteceu com seu
portanto desejar no sentido decretivo) certas coisas que ele Filho!), até porque esse é o tipo de raciocí-
pode verdadeiramente ser dito não desejar (no sentido não
decretivo), porque eles são meios necessários pra algo que nio por trás do problema do mal (como se
ele deseja (no sentido não-decretivo). A vontade precepti- o desejo de bem-estar geral da criação não
va de Deus é alguma subcategoria de seus desejos em geral,
incluindo alguns desejos que ele escolhe satisfazer e outros pudesse ser trunfado por um bem maior).
que ele não o faz. Presumivelmente, o contexto conversa- Por fim, a liberdade graciosa desse amor
cional pode determinar que sentido de ‘desejo’ está sendo
usado […] A existência de uma vontade preceptiva em Deus pode ser, contrario sensu, diminuída se for
que não é idêntica com sua vontade decretiva pressupõe al- exigido como uma obrigação perante toda
guma limitação da parte de Deus, mas apenas a limitação
que é necessária para solucionar o problema ordinário do e qualquer criatura.
mal — as limitações impostas pela possibilidade metafísica”
(JOHNSON, 2016, p. 34-35) 50
Ver CARSON, 2000.

55
Portanto, a família de objeções sobre dar? Isso afronta tanto a nossa dignidade a
a autoria do pecado descansa numa série ponto de nos tornar descartáveis perante
de premissas falhas e não compromete ne- um Deus que não precisa de nós e se acha
nhuma das linhas respostas fornecidas na mais importante do que todo mundo!” Se
seção anterior. tal dúvida persiste mesmo depois das qua-
lificações das seções anteriores, parece
Conclusão razoável concluir sua natureza existencial e
emotiva em vez de rigidamente argumen-
Talvez, por fim, a objeção final a essa visão
tativa. Só temos, portanto, uma resposta a
seja profundamente existencial na medi-
tal insurgência do orgulho humano: “Sim, é
da em que se pergunta: “Isso quer dizer
isso mesmo. No final das contas, você pre-
que somos meros penduricalhos (“vasos”)
cisa colocar ou Deus ou você nesse lugar.
da glória divina e não temos um valor
E, com a sinceridade que só uma calvinista
próprio, independente e autônomo em re-
pode ter, a escolha hoje é sua (com o leve
lação àquele que o próprio Deus quiser nos
sussurro: só que primeiro foi de Deus)”.

UM LIVRO DE
CORNELIUS VAN TIL

56
RESENHA DE LIVRO ANYABWILE, Thabiti. 

o evangelho para muçulmanos


por Bruna Oliveira

Visão geral da obra


O Evangelho Para Muçulmanos foi escrito por
Thabiti Anyabwile, pastor da First Baptist Chur-
ch em Grand Cayman, nas Ilhas Cayman e
publicado em 2015 pela Editora Fiel. O livro
tem por objetivo demonstrar que o principal
instrumento do cristão na evangelização de
muçulmanos não é algum tipo de técnica ou
método especial, e sim um conhecimento sólido
das doutrinas fundamentais da fé cristã, afinal, a
doutrina islâmica ortodoxa não difere muito
das principais ideias do imaginário reli-
gioso ocidental, que afirma que Jesus
não era Deus, apenas um profe-
ta; que a salvação é alcançada
por meio de boas obras; que a
Bíblia não é totalmente confi-
ável; entre outras. Além disso,
o livro se propõe a encorajar os
cristãos a confiarem no poder do
evangelho para a salvação de todo
aquele que crê (Rm 1.16), inclusi-
ve dos muçulmanos.       
57
A obra é dividida em dez capítu- por exemplo o fato de tanto cristãos ára-
los, sendo os primeiros cinco destinados bes como muçulmanos usarem o vocábulo
mais especificamente à parte doutrinária, Allah para se referir a Deus, o entendimen-
delineando as diferenças entre a teologia to de ambos sobre o que isso quer dizer é
muçulmana e a cristã, e os demais destinados radicalmente distinto, principalmente de-
às questões mais práticas, desde o encora- vido à crença cristã na tri-unidade de Deus.
jamento de cristãos até observações sobre Sendo assim, o autor sugere que cha-
a cultura islâmica, apresentando algumas memos atenção aos atributos divinos da
sugestões para os momentos de conversas santidade e da justiça, firmemente defen-
evangelísticas com muçulmanos. didos pelos muçulmanos, pois se Deus não
Na seção introdutória, o autor con- pode deixar o mal impune isso significa que
ta sua experiência pessoal de conversão, nós precisamos ser salvos do julgamento,
mostrando como um estudo intelectual- e nesse ponto entra a necessidade da dou-
mente honesto do Alcorão demandou dele trina da Trindade, pois ela é indissociável
um estudo da Bíblia, pois, “o Alcorão, em da doutrina da salvação, visto que é o Pai
nenhuma de suas passagens, ensina que a quem nos elege, o Filho nos redime e o
Bíblia tenha sido corrompida ou mudada, Espírito sela toda essa obra em nós (Ef 1.3-
mas apenas que alguns encobriram seu sig- 14). Outro ponto sugerido por Anyabwile
nificado, entenderam-na de modo errado é a ênfase no fato de o islamismo ser uma
ou esqueceram a sua mensagem” (p. 20). religião revelada, e que por isso um mu-
Consequentemente, o estudo da Bíblia o çulmano intelectualmente honesto precisa
levou à conclusão de que o islamismo não aceitar a revelação da natureza trina de
poderia ser verdadeiro, pois, além de con- Deus, presente de maneira incontestável
tradizer a Bíblia em vários aspectos, como na Torá, nos Salmos de Davi e nos Evan-
por exemplo a deidade de Jesus, Anyabwile gelhos, livros cuja inspiração divina foi
percebeu que o seu pecado era uma realida- reconhecida até mesmo por Maomé (suras
de concreta e que o islamismo não oferecia 5.46-47, 6.91, 15.55, 21.103-105).
nenhuma solução para ele. No capítulo dois, o autor trata so-
Em seguida, no capítulo um, o au- bre as diferenças da teologia muçulmana
tor trata a respeito de uma questão muito e cristã a respeito da doutrina do pecado,
debatida popularmente: se cristãos e muçul- e mostra que o pecado é visto de maneira
manos adoram o mesmo Deus. Anyabwile muito mais pesada segundo o cristianis-
ressalta que, apesar de existirem algumas mo enquanto o islamismo o vê como um
similaridades entre as duas crenças, como mero erro ético, e não como uma rebelião

58
pessoal contra Deus. envia seu filho como “o cordeiro de Deus,
Posteriormente, no capítulo três, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29). Isso
Anyabwile trata da doutrina das duas natu- significa que todo o complexo sistema de
rezas de Cristo, e sugere que incentivemos sacrifícios instituído por Deus na Torá era
nossos interlocutores muçulmanos a acei- um relance do vindouro, perfeito e defini-
tarem integralmente tudo o que Cristo tivo sacrifício de Cristo, sacrifício esse que
ensinou, pois, se Jesus realmente foi um sabemos ter sido aceito por Deus devido à
profeta que falava as palavras de Deus, ressurreição de Jesus, pois ela atesta a vitó-
como o próprio islamismo afirma, aquilo ria de Cristo sobre a morte e o pecado.
que ele falou sobre ele mesmo não pode ser O último ponto especificamente
negado, e em diversas passagens bíblicas, doutrinário é desenvolvido no capítu-
como João 17.1-5, Jesus afirma sua deida- lo cinco, e trata a respeito da questão do
de. Entretanto, o autor chama atenção para arrependimento e da fé. Anyabwile enfa-
a importância de enfatizarmos que a nossa tiza que, apesar de muçulmanos e cristãos
salvação depende também da humanidade se utilizarem dos mesmos termos, os sig-
de Cristo, pois, se a humanidade quebrou nificados atribuídos por ambos diferem
os mandamentos de Deus ao pecar, a hu- bastante.
manidade deveria sofrer a punição pelo No ponto de vista islâmico, fé pode
pecado. Dessa forma, a justiça e a miseri- ser definida simplesmente como obedecer
córdia divinas só puderam ser consumadas aos mandamentos de Allah. Quanto ao ar-
porque Jesus era plenamente humano e rependimento, o autor ressalta que
plenamente divino. os muçulmanos usam o vocábulo “arrependimento”
como referência à conversão de não muçulmanos ao
No capítulo quatro, o autor aborda islamismo (sura 5.36-37) ou aos próprios muçulma-
a questão do sacrifício e ressurreição de nos se voltando para Deus (sura 24.31). Homens e
Cristo, e afirma que, depois da Trindade, mulheres são chamados ao arrependimento porque
são muito fracos para obedecer a todos os manda-
a morte sacrificial de Jesus provavelmente mentos de Allah. O seu arrependimento tem de
seja o dogma cristão rejeitado de manei- ser genuíno para ser aceitável a Allah (sura 66.8),
mas é incerto quais coisas exigem arrependimento,
ra mais ferrenha pelos muçulmanos pois, visto que os teólogos muçulmanos fazem uma dis-
para eles, um inocente morrer no lugar de tinção entre pecados maiores e menores. Todos os
pecadores é uma terrível injustiça. Para muçulmanos concordam em que é necessário ar-
rependimento para pecados maiores. Mas alguns
responder a essa objeção, Anyabwile enfa- dizem que pecados menores não exigem arrependi-
tiza que o cristão deve mostrar que, por ser mento. (p. 89)
justo, Deus não deixa nenhum pecado sem Já do ponto de vista cristão, o arrepen-
punição, mas por ser misericordioso, ele dimento é uma decisão de abandonar o

59
pecado, que nasce após o entendimento de o evangelho. E sobre a questão da ousadia,
que qualquer pecado é uma ofensa e uma Anyabwile ressalta que ela nasce, em parte,
rebelião contra o Criador, digna da ira justa quando tememos a pessoa apropriada, no
do Deus santo. Entretanto, devemos deixar caso Deus e não os homens, como dito por
claro aos colegas muçulmanos que o per- Jesus em Mateus 10.28.
dão de Deus não vem por meio das nossas Ainda buscando encorajar os cris-
posteriores boas obras, mas sim através da tãos para o evangelismo, no capítulo
graça. Fé, por sua vez, é entender a verdade sete o autor trata da importância de con-
sobre Cristo e sua obra, repousando nele fiarmos na Bíblia e demonstrarmos essa
para sermos absolvidos do julgamento di- confiança durante a evangelização de
vino. A pessoa que tem fé não confia em si muçulmanos. Duas razões principais são
mesma para ser aceita no paraíso, mas sim levantadas: a primeira é que, sem reconhe-
em Cristo. Dito isso, é importante ressal- cermos e defendermos a confiabilidade, a
tar o aspecto principal que faz o evangelho inspiração divina e a autoridade da Bíblia,
ser verdadeiramente uma boa nova: a se- ficamos “sem âncora e à deriva num mar
gurança do perdão de Deus e a certeza da de relativismo” (p. 115), e a segunda é que
salvação por meio do Espírito Santo, certe- argumentar tendo como base as Escrituras
zas essas não disponíveis no islamismo. sugere implicitamente sua confiabilidade
A partir do capítulo seis, Anyabwile e autoridade. Além disso, para os muçul-
passa a tratar de questões mais práticas, re- manos, que buscam ser reconhecidos como
lacionadas ao encorajamento dos cristãos pessoas de fé sólida no Alcorão, um cristão
para o evangelismo. O tema inicial da seção é muito mais respeitável e digno de con-
é medo, o aspecto que, provavelmente, mais fiança quando mantém-se leal à crença na
impede cristãos de evangelizar. O autor Escritura como Palavra de Deus.
então comenta a respeito de uma coisa que, Em seguida, o autor retoma alguns
para ele, serviu de grande estímulo: perce- pontos já tratados no livro, sobre possí-
ber que mesmo o grande apóstolo Paulo, veis respostas às objeções mais frequentes
visto por muitos cristãos quase como um dos muçulmanos a respeito da Bíblia. A
super-humano, não era isento das diversas primeira objeção se refere às supostas con-
tentações as quais nos defrontamos hoje, tradições encontradas na Bíblia e, quanto a
inclusive o medo, como podemos ver, den- isso, é interessante afirmar que, apesar de
tre outros textos, em Efésios 6.19-20, onde algumas poucas passagens ensinarem que
Paulo pede à igreja que ore para que Deus a mensagem da Torá foi obscurecida por
o conceda ousadia e intrepidez para pregar judeus na época de Maomé e uma que ale-

60
ga que os cristãos esqueceram a mensagem na evangelização de muçulmanos, mas
dos Evangelhos, em nenhum momento o frequentemente negligenciada pelos cris-
Alcorão declara que a revelação de Deus tãos ocidentais: a hospitalidade. O autor
sofreu alguma alteração. Sobre esta ques- apresenta quatro elementos principais que
tão, também é conveniente que os cristãos colaboram para o declínio da hospitalida-
esclareçam que, por mais que a Bíblia pos- de. O primeiro fator é a individualização
sua textos difíceis, com interpretações da fé, uma característica do evangelicalis-
rivais, isso não caracteriza contradição, mo moderno que limita a vida cristã a um
pois uma contradição só ocorre quando “relacionamento pessoal com Deus”. Um
uma afirmativa é confirmada e negada ao outro aspecto é o frequente temor do ho-
mesmo tempo. mem, temor de rejeição etc. O terceiro fator
Uma outra objeção à Bíblia constan- é a também frequente passividade ante aos
temente realizada por muçulmanos é que a relacionamentos, pois familiarizar-se com
ela foi alterada ao longo do tempo. Nova- alguém, conhecer e ser conhecido por ou-
mente, é interessante ressaltar que Maomé tra pessoa e efetivamente participar de sua
não teria confirmado a mensagem da Bíblia vida é uma tarefa que demanda uma grande
seiscentos anos mais tarde se ele não acre- quantidade de tempo, energia e compro-
ditasse em sua confiabilidade. Além disso, metimento. Em último lugar está o pouco
pode-se afirmar com forte nível de segu- discutido, porém presente, fator da xeno-
rança que a Bíblia é o manuscrito antigo fobia. Não há como negar que os cristãos,
mais confirmado que existe. A última ob- muitas vezes, reagem com temor e descon-
jeção se refere a uma suposta interpretação fiança em relação às diferenças culturais.
errada dos ensinos de Deus por parte de O autor chama atenção para as fre-
muitos dos escritores da Bíblia. Sobre isso, quentes alegações por parte de cristãos de
Anyabwile comenta: que as comunidades islâmicas seriam de-
Os muçulmanos creem que os companheiros do masiadamente fechadas, ao mesmo tempo
profeta Maomé transmitiram fielmente seus ensinos
na forma escrita; e eles confiam nessa transmissão.
em que esses mesmos cristãos observam
De modo semelhante, não devemos nenhuma ex- de maneira distante o estrangeiro no meio
plicação por crermos que, sob a direção do Espírito deles. Anyabwile comenta a respeito de
Santo, os profetas e os apóstolos registraram os en-
sinos de Cristo e os ensinos sobre a pessoa de Cristo, algumas estimativas que mostram que a
como Deus tencionava (2Tm 3.16-17; 2Pe 1.20-21). grande maioria dos estrangeiros em luga-
[p. 124]
res como os Estados Unidos nunca entra
O capítulo oito, por sua vez, chama aten- em um lar nativo ou interage substancial-
ção para uma prática bíblica de muito valor mente com pessoas nativas.

61
Durante o capítulo, é constante- trar aos nossos vizinhos não cristãos que a nova vida
disponível por meio da morte de Jesus na cruz, é,
mente ressaltado que a hospitalidade cria também, o fundamento para uma nova sociedade.
oportunidades de evangelização, especial- Por viver o evangelho como uma comunidade dis-
mente entre muçulmanos, que gostam de tinta, a igreja local realiza a importante missão de
manifestar os efeitos transformadores do evangelho
ser conhecidos como um povo hospitaleiro, para que o mundo os veja. (Harris apud Anyabwile,
e por isso valorizam essas ações por parte p. 152)
de outros. E em se tratando de evangeli- Entretanto, o fato de a igreja muitas ve-
zação de muçulmanos, é ressaltado que as zes não conseguir alcançar seus objetivos
mulheres possuem algumas oportunidades faz com que, mesmo entre cristãos, sua
exclusivas, pois é feito um grande esforço reputação seja denegrida e suas falhas se-
para proteger a modéstia e a segurança das jam mais evidenciadas que suas qualidades,
mulheres muçulmanas por parte de seus mas não se pode perder de vista que, mes-
pais e maridos, o que acaba por privar essas mo com seus problemas, a igreja ainda é o
mulheres de algum contato social signifi- meio pelo qual Deus manifesta ao mundo a
cativo com outros homens. Entretanto, ao sua multiforme sabedoria (Ef 3.6-9).
final do capítulo, o autor nos lembra que a Tendo isso em mente, não devemos
hospitalidade não deve ser praticada pelo deixar de nos envolver com a igreja local
cristão apenas pelo fato de ela criar possi- pois, através dela, a obra de evangelização
bilidades de evangelização, mas, acima de se torna substancialmente mais fácil: nela
tudo, por ser uma ordenança bíblica. somos moldados à imagem de Cristo, abas-
Ainda tratando sobre aspectos tecidos de novos suprimentos da graça de
práticos de extrema importância na evan- Deus e habilitados a perseverar fielmente
gelização de muçulmanos, no capítulo na sua obra até que Ele venha.
nove o autor comenta sobre o papel da Finalmente, o capítulo dez trata de
igreja local. Algo que provoca bastante re- uma questão que parece ser levada muito
sistência dos muçulmanos ao evangelho é mais a sério por muçulmanos do que por
a suposta hipocrisia dos cristãos ociden- cristãos: o sofrer pela fé. Após elencar uma
tais, que vivem muito aquém dos padrões série de motivos pelos quais o sofrimento
morais pregados por eles. Isso se dá, em é importante na evangelização de muçul-
grande parte, devido à uma confusão por manos, Anyabwile nos convida, então, a
parte dos muçulmanos entre cristianismo e nos alegrarmos, pois a Palavra nos diz que
cultura ocidental. Por essa razão, é impor- nossa união com Cristo faz com que parti-
tante lembrar que lhemos de sua vida – tanto os sofrimentos
a coisa que uma congregação local faz melhor é mos-
quanto os consolos (2Co 1.5; Fp 3.10).

62
No epílogo, buscando encorajar os Apologética e evangelismo
leitores à evangelização, o autor comen- Nas seções introdutórias, Anyabwile en-
ta novamente a respeito de sua conversão fatiza que, apesar de a apologética ser uma
para reforçar o tema central do livro, que disciplina útil, o objetivo do livro não é a
os cristãos devem confiar no poder do apologética e sim a evangelização, ou seja,
evangelho para salvar o grego, o judeu e “esse livro se preocupa não com defesa e sim
também o muçulmano. com um bom ataque, com levar o evange-
O livro também conta com um lho a outros” (p.14). O autor não desenvolve
apêndice, que aborda algumas peculiari- este tópico, entretanto, é interessante abor-
dades dos muçulmanos afro-americanos, dar de maneira um pouco mais detalhada
especialmente a respeito da relação muito a relação entre apologética e evangelismo,
íntima entre o islamismo e a política e a não a tratando apenas como uma simples
cultura, pois os muçulmanos afro-ameri- dicotomia defesa versus ataque, e como se
canos em sua maioria veem a religião sob ambas não fossem interdependentes.
uma ótica de identidade racial. Por esse É fato que evangelismo e apologéti-
motivo, em conversas evangelísticas, é ca não são a mesma coisa. Richard L. Pratt
importante que os cristãos deixem claro (1980) distingue as duas a partir de uma
que não é necessário que um muçulmano definição de evangelismo como sendo a
“renegue” sua história e cultura ao se con- proclamação do juízo porvir e das boas no-
verter, “afinal de contas, o cristianismo vas da salvação em Cristo e apologética, por
tem raízes na África que são muito mais sua vez, como sendo a justificação dessas
antigas do que o comércio de escravos ou afirmações. Ou seja, segundo a definição
o islamismo” (p. 183) de Pratt, o evangelismo anunciaria o que se
O Evangelho para Muçulmanos é um deve crer, e a apologética, porque se deve
valioso instrumento de capacitação e en- crer.
corajamento da igreja de Cristo para a É importante que o cristão tenha
obra de evangelização, mas não apenas de essa diferenciação em mente, dessa for-
muçulmanos, pois o livro nos lembra que, ma, ele não cairá no erro de pensar que
apesar de o pecado assumir roupagens di- um descrente só pode se converter a Cris-
ferentes dentro de cada cultura, religião e to mediante uma longa e elaborada defesa
coração, sua essência, consequência e so- da fé cristã, mas também não cairá em ou-
lução as mesmas. tro erro, o de não responder às objeções de
seus oponentes.  

63
Mesmo alegando que seu objetivo A motivação para o evangelismo
com o livro não é a apologética, Anyabwi- Além da questão da apologética, um outro
le faz apologética em vários momentos em tema de extrema importância a ser tratado
que busca responder às objeções dos mu- quando se fala de evangelismo é a moti-
çulmanos à fé cristã. Essa é exatamente a vação. Mark Dever (2003) aponta alguns
postura que todo cristão deve ter, pois a Pa- dos motivos errados que, muitas vezes,
lavra nos diz em 1Pedro 3.15 que devemos levam os cristãos a evangelizarem: desejo
estar “sempre preparados para responder a de estar certo, vencer discussões, mostrar
todo aquele que nos pedir a razão da espe- aparência espiritual, ser conhecido como
rança que há em nós”. Pratt nos incentiva a um evangelista de sucesso etc. Contudo,
pensar na apologética como um “evangelis- é provável que os dois principais motivos
mo estendido”, pois defender o evangelho que impulsionam grande parte dos cris-
implica em declarar o evangelho. tãos à evangelização sejam a obediência à
A respeito disso, Martyn Lloyd Jo- Grande Comissão e o amor aos perdidos.
nes (2008) nos alerta quanto à questão da Essas duas razões são corretas, boas e im-
ansiedade por resultados, frequentemente portantes, mas devem estar subordinadas à
enfrentada pelos cristãos: motivação principal, que é o “zelo ardente
Esta é a obra do Espírito Santo de Deus. A obra dEle
é completa e duradoura. Portanto, não devemos nos
e cheio de paixão pela glória de Jesus Cris-
entregar a esta intensa ansiedade por resultados. to” (Stott, 2000, p. 55).
Não estou dizendo que esta ansiedade é desonesta.
Mas digo que é um engano. Temos de aprender a
Em diversas passagens as Escrituras
confiar no Espírito e depender de sua obra infalível. nos mostram que o objetivo de Deus em
(p. 262)        todas as suas ações é manter e demonstrar a
É essencial ter em mente que nem o evan- sua própria glória (Is 48.9-11, Ez 12.15-16,
gelismo e nem a apologética são capazes Ez 20.20, Rm 11.36). Por isso, “a Grande
de garantir a conversão do incrédulo. Um Comissão, mais que apenas pensarmos na
perdido só se renderá a Cristo mediante perdição dos homens, significa abrirmos
a ação do Espírito Santo. Contudo, deve- caminho na noite, tocados pelo fato de que
mos nos engajar na obra de evangelização nem todos dão a glória devida ao Cordeiro”
com alegria, pois “a fé vem pela pregação, (Martins, 2015, p. 56).
e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm Só há uma forma de desenvolver
10.17). esse zelo pela glória de Deus: conhecendo
a Escritura. John Piper descreve bem essa
questão ao contar a respeito de sua experi-

64
ência pessoal com a Palavra: [...] E é esse senso de ser fascinado pelo que está na
Eu acho que a maneira pela qual eu me tornei um Bíblia - pelo Deus que está na Palavra, pelo Espírito
pregador foi por ter sido apaixonadamente exci- que está na Palavra e pela vida que está na Palavra -
tado pelo que eu estava vendo na Bíblia através do sendo fascinado por isso, eu apenas digo, “Isso tem
seminário. Apaixonadamente excitado! Quando Fi- que sair!”. (2011, p. 40-41)
lipenses, Gálatas, Romanos e o Sermão do Monte Que busquemos, então, “conhecer ao Se-
começaram a se abrir para mim nas aulas de exegese
(não de homilética, mas de exegese), tudo em mim
nhor e prosseguir em conhecê-lo” (Os 6.6),
estava sentindo algo como: “Eu quero dizer isso para nos alegrando no fato de sermos privilegia-
alguém! Eu tenho que achar um jeito de dizer isso dos por podermos ser cooperadores com o
para alguém porque isso é demais! Isso é incrível!”.
próprio Deus na sua obra de redenção!

65
RE S EN HA
DE CHIRICO, Leonardo
a christian’s pocket guide to the papacy:
its origin and role in the 21st century
Jônathas Camacho

Após décadas em queda, o número de ca- só por parte dos fiéis católicos romanos,
tólicos em todo o mundo voltou a subir a mas também por parte de cristãos de ou-
uma taxa acima da expansão populacional tras tradições e representantes de outras
mundial. Esta foi a conclusão extraída do religiões mundiais.
último “Anuário Pontifício”, de 2016, com O crescimento do Catolicismo como
dados coletados no ano de 2014 . Confor-
1
religião mundial, o alto número de leigos,
me o anuário, a porcentagem de católicos pastores e missionários evangélicos con-
aumentou em 0,09% na última década, versos ao Catolicismo nas últimas décadas 3

sendo o ano de 2013 um período no qual a e a grande popularidade de seu represen-


tendência de batizados ganhou força . Não
2
tante maior, o Papa, requerem reflexão e
é coincidência, nem tampouco causa sufi- análise dos protestantes. Como entender
ciente para este crescimento, o fato de que as causas desse crescimento? Como deve
foi justamente em fevereiro de 2013 que ser a relação entre evangélicos e católicos?
Jorge Bergoglio foi escolhido para suce- E o Papa? Pode ser ouvido e admirado? É
der a Bento XVI no “Trono de Pedro”. O nesse contexto que Leonardo De Chirico , 4

popular Papa Francisco, com sua simplici- pastor da Igreja Evangélica Breccia di Roma
dade característica, foi eleito pela Revista e líder do Rome Scholars Network (RSN), se
Times como “Personalidade do ano” de propõe a fazer uma breve análise histórico-
2013, refletindo a simpatia que possui não -bíblico-teológica do papado, análise esta

66
que se encontra condensada na publicação dos no Vaticano. Utilizando-se do texto de
“A christian’s pocket guide to the papacy”. 1994 do Catecismo da Igreja Católica, o au-
Logo no prefácio do guia, o autor tor apresenta o que para ele é o resumo do
afirma que o intuito desta publicação é res- conceito a ser explorado em todo o livro:
O Papa, bispo de Roma e sucessor de S. Pedro, «é princípio
ponder a algumas questões introdutórias perpétuo e visível, e fundamento da unidade que liga, entre si,
sobre o assunto: tanto os bispos como a multidão dos fiéis» (408). Com efeito,
em virtude do seu cargo de vigário de Cristo e pastor de toda a
Quem são os Papas e como a Igreja Católica Apostó- Igreja, o pontífice romano tem sobre a mesma Igreja um poder
lica Romana define suas funções? Como uma posição pleno, supremo e universal, que pode sempre livremente exer-
de liderança na Igreja Cristã veio a se tornar um ‘im- cer» (409). (CIC, §882)
5

pério’? Por que Roma foi tão importante para esse


processo? Qual é o papel da história no desenvolvi- De acordo com o entendimento católico,
mento do papado? Qual era a visão dos reformadores diz De Chirico, o Papa herda sua posição
do século XVI e dos anos posteriores sobre este tema? de uma linha sucessória inquebrável que
O que dizer dos Papas atuais? Qual é o significado
ecumênico do papado e quais são suas prospecções remonta ao Apóstolo Pedro, arrogando
no mundo globalizado? (DE CHIRICO, 2015, p. VIII, para si, pela sucessão apostólica, a missão
tradução nossa).
de pastorear, com poder imediato e uni-
Porém, percebe-se desde o início que o versal, o rebanho de Deus.
autor não assume para si a missão de res- Esta compreensão reflete-se di-
ponder a essas questões prezando por retamente nos títulos oficiais ao Papa
uma suposta “neutralidade intelectual” ou conferidos pelo Anuário Pontifício de
buscando um caminho ecumênico que 2009: “Bispo de Roma”, “Vigário de Cris-
amenize o choque entre as duas tradições to”, “Sucessor do Príncipe dos Apóstolos”,
cristãs. Pelo contrário, De Chirico arroga a “Supremo Pontífice da Igreja Universal”,
missão de encorajar os evangélicos a serem “Primaz da Itália e Arcebispo Metropo-
críticos e autocríticos no cumprimento de litano da Província Romana”, “Soberano
seu chamado profético, real e sacerdotal, do Estado da Cidade do Vaticano” e “Ser-
ofícios estes que pertencem unicamente a vo dos Servos de Deus”. De Chirico dedica
Jesus e não ao Papa. Logo de início, por- alguns parágrafos à consideração de cada
tanto, o autor parece partir de uma visão um desses títulos, apontando justificativas
do Catolicismo (ou ao menos da instituição históricas e críticas a alguns deles. Contra
do papado romano) como uma ramificação o título “Vicário de Cristo”, por exemplo,
equivocada do Cristianismo. o autor afirma o dogma protestante So-
O primeiro capítulo do livro traça lus Christus e a doutrina calvinista Triplex
uma análise do Ofício Papal através dos munus Christ como resposta à prerrogati-
títulos a ele conferidos durante a história, va papal de agir in persona Christ. Contra o
assim como dos símbolos até hoje utiliza-

67
título de “Sucessor do Príncipe dos Após- base bíblico-exegética da afirmação da
tolos”, De Chirico menciona brevemente primazia de Pedro. Inicialmente, são apre-
a concepção protestante de continuidade sentados textos-prova que evidenciam a
apostólica que, diferentemente da concep- importância de Pedro no Novo Testamen-
ção católica de transmissão hierárquica, to e sua centralidade na recém inaugurada
conecta-se à fidelidade ao “ensino apostó- “fé cristã”. Após esse panorama das men-
lico” como localizado nas Escrituras. Por ções de Pedro nas Escrituras, De Chirico
fim, sobre o título “Servo dos Servos de faz questão de frisar que o Novo Testamen-
Deus”, o autor faz questão de mencionar to reconhece a centralidade de Cristo – não
que esse é o único título papal que eviden- de Pedro – na formação, expansão e lide-
cia as virtudes da humildade e do serviço, rança da Igreja, e que Pedro, mesmo sendo
porém, se visto sob o prisma dos demais um proeminente apóstolo, estava longe do
títulos que se destacam por sua opulência, poder papal que foi atribuído a ele – e à sua
corre o risco de ser encarado retoricamen- sucessão – séculos após sua morte.
te como mera aparência. A discussão sobre se a Bíblia dá ou
Ainda nesse capítulo, é apresenta- não suporte para a afirmação da autorida-
da uma série de símbolos do papado como de papal, localizada ainda neste capítulo, é,
evidência da essência sensorial e estética do talvez, a parte do livro que apresenta uma
Catolicismo Romano: o Trono de Pedro argumentação mais sofisticada em relação
na Basílica do Vaticano, a tiara e as vestes ao que se pretende defender, fugindo dos
papais repletas de simbolismo religioso e aforismos e das perguntas retóricas normal-
imperial, dentre outros. Todos estes sím- mente utilizados até então nas críticas aos
bolos seriam tanto uma evidência da figura pontos de vista católicos. Ainda que o au-
imperial representada pelo Papa quanto tor não apresente os problemas exegéticos
uma exemplificação da visão sacramental como contemporaneamente formulados
da Igreja Católica sobre a realidade, visão pelos apologistas católicos nem as res-
esta que afirma uma presença visível da postas católicas às alegações protestantes
graça na natureza. Isto leva o autor a ques- clássicas contra a doutrina da “infalibilida-
tionar os motivos da tendência católica de de papal” – o que provavelmente se justifica
subestimar os efeitos radicais da queda e de pela proposta de ser um livro-de-bolso e
estabelecer uma continuidade ambígua en- não por desonestidade intelectual do autor
tre natureza e graça (p. 10). – é apresentada a interpretação padrão do
No segundo capítulo do livro, De Catolicismo sobre a famigerada passagem
Chirico introduz uma discussão sobre a de Mateus 16:18 e a proposta de respostas

68
protestantes coerentes a essa interpreta- apenas após estabelecida a doutrina de ma-
ção. Sobre a indicação de Pedro como a neira extra bíblica. Aqui, pensa o autor,
Rocha sobre a qual a Igreja se fundamenta, pode-se perceber um revelador exemplo
De Chirico argumenta que a Igreja, que é a de como o “desenvolvimento da doutrina”
comunidade dos discípulos de Jesus, seria foi elaborado pelo Catolicismo Romano
edificada sobre a verdade da confissão de após Constantino. “A tradição desenvol-
Pedro, a confissão de que Jesus é o Cristo ve o que está implícito nas Escrituras […].
(Mateus 16:16), não sobre a autoridade do De acordo com essa visão, o texto bíblico
próprio Pedro ou de sua linha sucessória. implicitamente reconhece em Pedro o que
No mesmo ensejo, o autor localiza a pas- foi totalmente percebido posteriormente:
sagem sobre as “chaves do Reino dos céus” o ofício papal” (DE CHIRICO, 2015, p. 18,
(Mateus 16:19) dadas a Pedro por Jesus em tradução nossa).
seu “contexto bíblico” (p. 20): Outra questão brevemente analisada
Ao mencionar isso [as chaves], Jesus está se referindo pelo autor ainda neste capítulo é a alegação
à passagem de Isaías 22:22 na qual Sebna, mordomo
do Rei Ezequias, é mencionado como aquele que será católica de que João 21:15-19 é um texto-
substituído por Eliaquim, sobre cujo ombro a chave -prova no qual se encontra a escolha de
da Casa de Davi será colocada. Abrir e fechar portas
com chaves é o papel subordinado do mordomo em
Pedro para governar a Igreja de Cristo so-
nome de seu rei […]. Portanto, por receber as cha- bre a terra após a ascensão de Cristo. Para
ves, Pedro será um servo de Deus, o Rei, que o usará De Chirico, esse texto apenas define todos
como um mordomo da Igreja que Jesus irá construir.
(DE CHIRICO, 2015, p. 20, tradução nossa) aqueles que são chamados para servirem
Ainda argumentando, o autor tenta de- e liderarem a Igreja de Cristo, respon-
monstrar como a repreensão de Jesus a sabilidade esta que, seminalmente, não
Pedro nos versículos seguintes (Mateus pertencera somente a Pedro mas a todo
16:22-23) revela uma aparente ausência colégio apostólico.
de infalibilidade nas falas do apóstolo: “Pe- Os capítulos 3, 4, 5 e 6 do livro tra-
dro está firme quando segue a revelação tam sobre a história do papado. Em cada
de Deus e vive sob Sua autoridade. Pedro um deles o autor se utiliza da consolida-
está completamente instável quando age ção do papado ao longo dos séculos para
de acordo com seu próprio entendimen- apresentar e elucidar pontos relevantes
to, desejando prevalecer sobre a vontade da doutrina e da prática católica sobre a
divina” (DE CHIRICO, 2015, p. 20, tradu- hierarquia da Igreja, o Papado, e alguns
ção nossa). Nesse sentido, só seria possível dos dogmas relacionados a esses temas.
afirmar Mateus 16 como a base bíblica Quando necessário, são apresentadas, con-
para o Papado retrospectivamente, ou seja, comitantemente, críticas protestantes a

69
esses temas, especialmente no capítulo 4, sucessão inquebrável do Papado seria his-
capítulo no qual são consideradas algumas toricamente convincente?”.
das principais e mais conhecidas reações ao Como adiantado anteriormente, o
Papado na Reforma Protestante e em seu capítulo 4 traz a compilação das três prin-
posterior Escolasticismo. cipais críticas do Protestantismo clássico
O desenvolvimento histórico do pa- ao Papado, críticas estas que possuem em
pado até a Renascença é o tema do terceiro comum o fato de adjetivarem o Papa como
capítulo. Nele, é apontado o nascimento do o “Anticristo”. Esse entendimento, ainda
Papado em Roma e sua relação com o mar- que polêmico e alvo de constantes questio-
tírio de Pedro e Paulo, e algumas alegações namentos, encontra-se consolidado dentro
patrísticas (Irineu e Cipriano de Cárta- da Tradição Reformada de vertente calvi-
go) sobre o destaque dos Bispos de Roma nista-presbiteriana, como pode se perceber
como os representantes da ortodoxia na Confissão de Fé de Westminster , e é 6

apostólica. O autor trata ainda da “impe- apresentada por De Chirico nas penas de
rialização” da Igreja após Constantino, da Martinho Lutero, João Calvino e Francis
consolidação da autoridade do papa como Turretin.
o cabeça da Igreja Universal nos anos 400 e De Martinho Lutero, o autor destaca
500 d. C., e do refinamento da doutrina das seu distanciamento gradual do “Papismo”,
“Duas espadas” até a Idade Média, doutrina desde sua decepção com o clero da Igreja
esta que disciplinava as relações da Igreja Católica expressa em algumas das 95 teses,
com o poder do Estado e que fez do Papa, passando por sua excomunhão em 1521
gradualmente, um monarca universal. O d.C. até seus últimos escritos que classifi-
capítulo é finalizado com algumas conside- cavam o Papa como um “filho do Diabo”
rações sobre o Cisma Oriental, a história que deveria ser denunciado como um des-
dos antipapas, da condenação oficial ao truidor da Igreja (p. 52). Do reformador
Conciliarismo, do esforço das Cruzadas francês João Calvino, De Chirico desta-
para salvaguardar os interesses da Igre- ca algumas interações com o Catolicismo
ja diante de seus inimigos externos como Romano contidas na primeira edição das
os mulçumanos e da opulência dos Papas “Institutas da Religião Cristã”. Nelas, so-
da Renascença. Tendo esse pano de fundo bressaem-se não a crítica ao papa de sua
histórico, De Chirico (2015, p. 40), como época apenas, mas a toda a instituição do
de costume, faz questão de questionar re- Papado:
toricamente: “Deixando de lado a disputa Concedamos que Roma tenha sido outrora a mãe de
teológica, a afirmação católico-romana da todas as igrejas, mas desde que começou a ser a Sé do

70
Anticristo deixou de ser o que era. A muitos parece categórica, e é difícil não concordar com
que gostamos de amaldiçoar e somos atrevidos por-
que chamamos o Romano Pontífice de Anticristo.
sua conclusão: “estas visões estão distantes
Mas os que dizem isso, não se dão conta de que acu- do ‘ecumenicamente correto’ e podem ser
sam a Paulo de impudência, pois nós repetimos o que percebidos como totalmente fora da curva”
ele disse. […] Ora, é notório que o Pontífice Romano
se apropriou despudoradamente daquilo que é pró- (p. 58). Porém, ainda que pareçam ácidas,
prio de Deus e de Cristo, e, por isso, não podemos críticas como estas dão o tom da linguagem
ter dúvida de que ele é a cabeça deste reino ímpio e
abominável. (CALVINO, 1559, pp. 578-579)7.
dos ataques também recebidos pelos refor-
madores por parte da Contrarreforma (ou
Além das citações das Institutas, o autor
Reforma Católica, como esclarece o au-
menciona duas obras nas quais, segundo
tor).
ele, pode-se encontrar as melhores e mais
profundas análises do Papado por parte de É justamente a Contrarreforma o
João Calvino. A primeira chama-se Articuli tema inicial do quinto capítulo do livro.
a facultate sacrae theologiae parisiensi (1543), Tendo apresentado os principais argumen-
que condensa argumentos bíblicos e patrís- tos protestantes clássicos contra o Papado,
ticos contra o papado. Na segunda obra, De Chirico retorna à sua proposta de des-
Vera Christianae pacificationis et Ecclesiae crever o desenvolvimento histórico desta
reformandae ratio, critica-se o uso católico prática no seio da Igreja Católica. Desta
do texto de João 21 como uma defesa da vez, o autor parte das respostas católicas
primazia de Pedro e questiona-se a esco- ao Protestantismo, materializadas no Con-
lha de Roma como centro da Igreja tendo cílio de Trento, passando pelos Concílios
em vista localidades mais centrais para o do Vaticano (I e II) e finalizando com as
Cristianismo primitivo, como Jerusalém e principais contribuições destes concílios
Antioquia. ao Papado.
Por fim, de Turrentin, um dos maio- Do Concílio Vaticano I (1869-1870),
res teólogos protestantes do século XVII, De Chirico destaca a declaração da Infali-
De Chirico destaca seu mais abrangente bilidade Papal Ex Cathedra encontrada na
tratamento do Papa como Anticristo: “7th Constituição Dogmática Pastor Aeternus:
[…] ensinamos e definimos como dogma divina-
Disputation on the Antichrist”. Neste tratado mente revelado que o Romano Pontífice, quando
encontramos, afirma o autor (p. 57), o mais fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do
ministério de pastor e doutor de todos os cristãos,
detalhado e sistemático argumento para
define com sua suprema autoridade apostólica al-
a identificação do Papa como Anticristo guma doutrina referente à fé e à moral para toda a
já escrito por um protestante. De Chirico Igreja, em virtude da assistência divina prometida a
ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilida-
finaliza este capítulo com uma afirmação de com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando

71
define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, e humanitário de suas encíclicas e, nega-
portanto, tais declarações do Romano Pontífice são
por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso
tivamente, sua grande devoção a Maria,
da Igreja, irreformáveis. (CONSTITUIÇÃO DOG- evidente em todas as suas obras teológicas,
MÁTICA PASTOR AETERNUS, 1870)8. e posteriormente à sua morte, na cerimônia
Criticando esse dogma e a maneira como de sua canonização. De Bento XVI desta-
foi definido, De Chirico entende como ca-se sua envergadura teológica e seu papel
equivocada a interpretação do único tex- como combatente do Modernismo no seio
to bíblico utilizado para dar sustentação a da Igreja. Sua defesa da Ortodoxia Nicena
ele, a saber, Lucas 22:31-32. Sobre o Con- é digna de menção, assim como seu uso
cílio Vaticano II, o autor entra no mérito contínuo de Teologia Bíblica em suas falas
da discussão sobre o caráter doutrinário do e encíclicas, porém, seu biblicismo não se
Concílio: “seria ele progressista ou tradi- encontra descolado de todo o desenvolvi-
cionalista? Sua intenção era reformar ou mento doutrinário da Igreja Católica. Sendo
reforçar a Igreja? Era doutrinariamente ou assim, a defesa qualificada da Ortodoxia,
pastoralmente orientado?” (p. 73, tradu- para Bento XVI, é a defesa da Ortodoxia
ção nossa). Ratificando a visão majoritária Católica como presente nas Escrituras, na
dos teólogos romanos, De Chirico exalta Tradição e no Magistério. Francisco, por
a noção católica de aggiornamento (atua- sua vez, é considerado pelo autor como
lização) e sua capacidade de afirmar, nas uma figura transicional da Igreja. Falan-
palavras de Bento XVI, uma “hermenêu- do a linguagem do povo, transmitindo os
tica de reforma-em-continuidade” (p. 73, ensinamentos da Igreja com simplicidade,
tradução nossa). Esta capacidade fez com inaugurando uma nova geografia espiritual
que a Igreja mantivesse seu depósito de na América do Sul, Francisco é visto como
fé, atualizando apenas a linguagem e a co- um Papa que “julga o dogma menos impor-
municação de seus conteúdos no mundo tante que a atitude” (p. 91), ainda que não
contemporâneo. abandone os dogmas do passado e o depósi-
O penúltimo capítulo do livro traz to da fé católica. Francisco seria a expressão
uma descrição da atuação dos três últi- encarnada do aggiornamento pretendido no
mos papas (João Paulo II, Bento XVI e Vaticano II.
Francisco), destacando seus legados e suas No sétimo e último capítulo do li-
contribuições para o desenvolvimento do vro, De Chirico apresenta os desafios
Catolicismo contemporâneo. De João Pau- para a manutenção da primazia papal na
lo II, De Chirico destaca sua aproximação contemporaneidade, tendo em vista, prin-
com o evangelicalismo, o conteúdo bíblico cipalmente, os aparentes esforços da Igreja

72
para obedecer a ordenança da unidade cris- cos elucidados – o autor consegue abordar,
tã. O autor critica esse esforço da Igreja com aparente conhecimento de causa,
Católica à medida que percebe que a única vários dos temas relevantes para um en-
maneira para se ter a unidade visível tão de- tendimento evangélico básico do que é o
sejada pela Igreja seria a aceitação do ponto papado e de sua relevância na história da
de vista católico sobre o que é ser Igreja, Cristandade. É de se elogiar a vasta biblio-
ou seja, a submissão à teologia sacramental grafia utilizada pelo autor, assim como as
e a natureza hierárquica do Catolicismo. indicações de leitura para aprofundamen-
Sendo assim, parece evidente que o pro- to presentes ao final do livro, indicações
testante evangélico deve manter-se cético estas que enriquecem o trato introdutório
em relação às possibilidades reais de unida- ao tema. Sendo assim, a leitura deste livro-
de cristã nestes termos. Ainda que seja um -de-bolso é recomendada para aqueles que
fato a crescente fascinação evangélica pelos pretendem introduzir-se nos estudos so-
três últimos papas, De Chirico afirma, eco- bre Catolicismo Romano a partir de uma
ando o entendimento evangélico clássico, ótica evangélica-reformada. Ainda que não
a impossibilidade de uma mera correção da traduzido para o português, sua linguagem
doutrina do papado como suficiente para a é simples, mas teologicamente acurada, e
reaproximação entre a Cristandade. Acei- sua abordagem, principalmente do ponto
tar a doutrina da infalibilidade papal, pensa de vista histórico, possibilita uma melhor
o autor, é negar o ensino das Escrituras, percepção entre evangélicos do que pensar
que são infalíveis e suficientes. Ainda que e de como avaliar a instituição do papado.
possamos dar boas-vindas às mudanças da Como citado na introdução desta
Igreja após o Vaticano II, uma verdadeira resenha, o crescimento contemporâneo do
aproximação entre evangélicos e católicos Catolicismo Romano requer um posicio-
só se dará com uma nova Reforma dentro namento protestante à altura desse avanço.
da Igreja Romana, uma reforma na qual a Caso se entenda que esse “posicionamento
Igreja Católica “volta às Escrituras e segue protestante” começa por um entendimen-
seus ensinamentos, custe o que custar” (p. to cada vez mais acurado e honesto, por
105). parte da tradição evangélica, do que seja o
Pode-se dizer que Leonardo De Chi- Catolicismo em suas bases históricas e te-
rico “cumpre o que promete” em seu livro. ológicas, os leitores de “A christian’s pocket
Ainda que seja uma obra propositalmente guide to the papacy” provavelmente estarão
introdutória – o que a priori restringe o no caminho certo.
aprofundamento dado a cada um dos tópi-

73
RESENHA DE CRAIG, WILLIAM LANE
APOLOGÉTICA PARA QUESTÕES DIFÍCEIS DA VIDA

Letícia Oliveira

O autor é doutor em filosofia pela Univer- de matriz judaico-cristã, manifestam sua


sidade de Birmingham, na Inglaterra, e em posição baseados em argumentos “fora da re-
teologia pela Universidade de Munique, na ligião”.
Alemanha. William Lane Craig, em Apolo- O autor se propõe discutir a problemá-
gética para questões difíceis da vida, trata de tica sob duas questões: O ser humano possui
assuntos bem polêmicos e atuais. valor moral intrínseco? O feto em desenvol-
A presente resenha possui como objeto vimento é um ser humano? (Ibid. p.124).
apenas um capítulo da obra, o que trata sobre Em relação à primeira questão, precisa-
o aborto. Nele, o autor trata a celeuma com o mos saber se o ser humano é apenas um meio
ponto de partida em duas perguntas. para um fim ou o fim em si mesmo. Caso seja
Segundo Craig (2010, p.124), é comum somente um meio, não teria valor inerente.
que as pessoas pensem e ajam como se a dis- Porém, sendo ele mesmo um fim, teria um
cussão sobre o aborto fosse simplesmente valor de per si.
algo relativo à religião e/ou ao discurso da Nesse tocante, lembra o autor que a
“direita”. Os que pensam assim, comumente Declaração Universal dos Direitos Humanos
descartam e desqualificam os argumentos da- e tantos outros diplomas legais que trouxe-
queles que, embora confessem alguma crença ram uma gama de direitos humanos exaltam

74
a própria dignidade do ente se baseando bido pelo esperma. A genitália somente irá
no valor intrínseco ao ser humano (Ibid. evidenciar o que já há ali, as informações já
P.125). Significa dizer, independente de vindas “de fábrica”.
quaisquer aspectos (raça, faixa etária, clas- Um argumento falacioso muito uti-
se, religião, dentre outros), as pessoas lizado é dizer que por se tratar de um “feto”
possuem direitos inalienáveis. Tais direi- e não de um bebê, não seria um ser huma-
tos, relembremos, foram conquistados às no. Isso significa suprimir um estágio de
duras penas. desenvolvimento para sustentar que “ain-
Então, nesta linha de raciocínio, da não é um ser humano”. Por semelhante
caso o feto seja reconhecido como um ser raciocínio, poderíamos desumanizar uma
humano, a consequência lógica é que ele criança por ainda não ser um adulto. Ou
seja considerado ser dotado de tais valo- então, um bebê, por ainda não ser uma
res morais intrínsecos. A vida seria direito criança e assim diríamos não se tratar de
decorrente deste entendimento. William um ser humano. (Ibid. P. 127).
Lane Craig relembra que o feto é o humano O referido capítulo (objeto desta
em seu primeiro estágio de desenvolvi- resenha) traz os seguintes dados médicos
mento. Ou seja, após a gestação, teremos e científicos: o embrião fertilizado é uma
ali um ser da espécie humana, e não de “explosão de vida”. Com dezoito dias, o co-
qualquer outra (Ibid. P.126). É necessário ração já começa a se formar. Três dias após,
relembrar algo básico diante de tanta tenta- já começa a bater. Neste estágio a maioria
tiva de desumanizar o feto, somente por se das mulheres sequer sabe que está grávida.
encontrar no estágio de desenvolvimento Também, muitos abortos são realizados
mais remoto, chamando-o de “amontoado neste estágio. Ou seja: o aborto interrom-
de células” ou coisa que o valha. pe o batimento de um coração humano!
Desde a concepção o feto já carrega (Ibid. P. 127).
todas as informações genéticas necessárias Com mais de trinta dias o bebê já
do ser humano completo. É sabido que tem um cérebro. Com quarenta, as ondas
um óvulo e um espermatozoide, sozinhos, cerebrais já podem ser medidas. Na oitava
são apenas células que em pouco tempo semana, mãos e pés já estão quase pron-
morrerão. “A partir do momento da con- tos. Na nona semana, as unhas das mãos
cepção, já existe um organismo vivo que é e dos pés já são vistas. Com dez semanas,
um ser humano geneticamente completo”. o bebê já tem impressões digitais e já está
(Ibid. P. 126). Ele já é homem ou mulher, em movimento. Os olhos também já estão
a depender do cromossomo X ou Y rece- praticamente formados. Inclusive, nas ex-

75
pressões faciais desta etapa já podem ser Retornando ao referido capítulo ob-
verificadas a semelhança com os pais. (Ibid. jeto desta resenha, o autor relata um caso
P. 128). chocante que ilustra bem as consequên-
O autor nos traz outro argumento cias do argumento de que o feto não é uma
falacioso que inclusive desafia os conhe- pessoa. Trata-se de um julgado de Con-
cimentos básicos da biologia e medicina: necticut, registrado pelo New York Times.
“o feto é parte do corpo da mulher, assim, Uma mãe drogada, que já tivera a guarda de
cabe a ela decidir sobre seu corpo”. Entre um filho retirada pelo estado, pouco antes
nós, algo bem conhecido como autonomia de dar à luz, injetou cocaína em seu cor-
da mulher. Ora, isso é tão surreal quanto po enquanto esperava para ir ao hospital.
dizer que alguém que está respirando com A bolsa já havia rompido. Quando, após
ajuda de aparelhos possui aqueles mecanis- o nascimento da criança, o estado tentou
mos artificiais como parte do corpo dele. retirar o bebê do poder da mãe, a lei libe-
Não parece absurdo? Pois bem, a situação é ral a respeito do aborto daquele estado não
bem semelhante. O procedimento do abor- permitiu, pois segundo ela, antes de nascer
to não é algo como uma apendicectomia, não havia uma criança ainda. Ou seja, pelo
é o correspondente a matar alguém. (Ibid. argumento, aquela mulher não era mãe
P.129). Lembra o autor que, ainda que quando injetou cocaína na corrente san-
“politicamente correta”, não passa de uma guínea, ainda que grávida. Assim, o que ela
grande besteira dizer que a mulher pode havia feito não violava nenhuma norma.
fazer o aborto uma vez que pode fazer o Não havia nenhum abuso infantil. Algo,
que bem entender ao seu próprio corpo. porém, que poderíamos nos questionar so-
Ainda, como exemplo, o ordena- bre o que dispõe aquela lei de Connecticut
mento jurídico brasileiro veda diversos é o seguinte: “como ser expelido através
atos de disposição do próprio corpo, a do canal próprio magicamente transforma
mercancia de órgãos e tecidos, invalidando uma entidade não humana numa criança
o argumento acima relatado. Ou seja, “meu humana?” (Ibid. P.130). É a pergunta que o
corpo, minas regras” não passa de frase de autor se faz.
efeito.1
custeio da medicação para tratamento de infertilidade,
1
Sobre os limites legais de atos de disposição do pró- com intermediação do médico, caracteriza uma forma
prio corpo, a Lei nº9.434/97 dispõe sobre transplante, de comércio de substância humana para fins de trata-
doação de órgãos e tecidos. Ainda, no PARECER mento, o que fere o estabelecido no §4o do Art. 199 da
CREMEC Nº 11/2005, o Relator entendeu que a do- Constituição Federal, o Art. 75 do CEM e a Resolução
ação de oócitos por pacientes carentes, em troca de CFM no 1.358/92.

76
Há diversos outros gravíssimos des- propostas no início (o valor intrínseco do
dobramentos pelos defensores desta lógica ser humano e que o feto é um ser huma-
abortista. A exemplo, o aborto por nasci- no em estágio inicial de desenvolvimento),
mento parcial, também citado por Craig. poderão surgir outros argumentos. Craig
Neste terrível procedimento, o bebê é ex- levanta a questão da autoconsciência, mas
pelido pelos pés. O médico então, com uma igualmente a refuta, trazendo exemplos
tesoura cirúrgica fura o crânio pela parte como o estado do coma ou o próprio sono,
de trás da cabeça, aspira o cérebro para fora no qual a pessoa está inconsciente, mas
causando o colapso do crânio antes que o claramente não deixa de ser considerado
parto seja completado. Assim, com a cabe- ente detentor de direitos por se encontrar
ça dentro do corpo da mulher, não haveria naquele estado. (Ibid. P. 132). Para os que
ainda um ser humano, não havendo então defendem o argumento da consciência (so-
um homicídio (tecnicamente). Os defenso- mente haveria pessoa quando pudesse falar
res do aborto nos EUA tem ultrapassado em consciência), temos um desdobramen-
barreiras e incentivado o infanticídio tam- to perigoso, uma vez que recém-nascidos
bém, fazendo oposição a leis que protegem não são autoconscientes. Isso justificaria
bebês de tentativas mal sucedidas de abor- inclusive o infanticídio.
to. Ou seja, a relativização da vida passou Lembra o autor que alguns pro-
do estágio interno do útero para a mesa de ponentes dos direitos do aborto tem
cirurgia após a saída do bebê. (Ibid. P.131). endossado publicamente o infanticídio,
Ideias tem consequências. a exemplo do ganhador do Nobel, James
O autor arremata bem a questão dos D. Watson. Se percebermos com cuidado,
estágios de desenvolvimento desta forma: não somente o recém-nascido seria alvo
O fato é que, desde a concepção até da desumanização, mas talvez até aqueles
a velhice, temos os vários estágios de de- que tivessem menos de dois anos, quando
senvolvimento da vida de um ser humano. ainda não haveria a autoconsciência. (Ibid.
Portanto, parece que os fatos médicos e P.133).
científicos tornam virtualmente inegável Até aqui não se falou de Bíblia. Não
que o feto em desenvolvimento é um ser que não tenhamos substrato para defender a
humano.2 vida. Ao revés, temos aos montes. Mas não
Ainda que consigamos que as pes- foi falado para ressaltar que a questão não
soas respondam sim às duas questões é (somente) religiosa, tampouco que os que
são religiosos não possam ou não devem ser
2
Ibdem, p. 131. ouvidos. Muitas vezes é usada a falácia ad ho-

77
minem, seja para tentar afastar a legitimidade de Jesus Cristo como expiação substitutiva
de um homem dizer sobre o abortamento3, foi para cada ser humano. O homem (e mu-
como lembrou Guilherme Cordeiro em sua lher) é a coroa da criação e assim, sua visão
exposição sobre o aborto, seja também para exaltada reforça o valor ao observarmos o
retirar validade do discurso pró-vida quan- thelos de Deus em relação ao homem.
do os que defendem a vida são cristãos. Tal Em relação à segunda pergunta, há
argumento não é válido uma vez que ataca diversas referências bíblicas indicativas
a pessoa e não o argumento daquele que o que a vida não começa no nascimento,
defende. Ainda, é sabido que ninguém está mas que Deus, onisciente, já cuida e cha-
isento de suas crenças, sejam elas quais forem ma as pessoas desde o ventre. Temos como
(humanismo, materialismo, naturalismo, exemplo o Salmo 139.13-16; o profeta Je-
cientificismo, dentre outras). É impossível remias (Jr. 1.4-5). Ou seja, podemos ver o
ser completamente neutro para ponderar plano de Deus e seu zelo com aqueles ainda
sobre qualquer assunto. Todos possuímos não nascidos, os nascituros. Não por outra
diversos valores que nos direcionam para razão não há mandamento explícito contra
um ou outro lado. Por isso é um erro tentar o aborto na bíblia. O “não matarás” basta,
desqualificar o argumento daqueles que não uma vez que o feto ou o ser humano ain-
escondem crer em Deus e defendem a vida. da não nascido é, claramente, uma pessoa
para os cristãos. (Ibid. p. 134, 135).
Ao final do capítulo sobre o aborto, Assim, o cristão tem inúmeras ra-
William Lane Craig explica por que a maio- zões para estar na vanguarda da oposição
ria dos pró-vida ou oponentes ao aborto ao aborto. Há base bíblica, filosófica e
são cristãos. Pois além das questões (filosó- científica. Mas mais uma vez repitamos:
ficas, morais, científicas e médicas) que ele a questão do aborto não é, de per si, uma
trata no capítulo em comento, os cristãos questão religiosa. E não deixemos que isso
tem razões bíblicas para responder sim às seja utilizado para retirar a validade da po-
duas questões propostas. Quanto ao valor sição de um cristão pró-vida. Não podemos
inerente à pessoa, é evidente pela criação permitir que o uso desta falácia ad hominem
do ser humano “à imagem e semelhança de anule os argumentos e reflexões profundos
Deus” (Gn 1.27). Por mandamento, amar o acima trazidos à lume.
próximo inclui o outro. Ademais, a morte Além da clara importância do tema,
entre nós brasileiros, tal problemática é
3
CORDEIRO, Guilherme. ABORTO. Disponível
em https://scaunb.wordpress.com/2016/02/02/abor- extremamente atual. Em 29/11/2016, a
to-2/. Acesso em: 29 mai. 2017. Primeira Turma do STF decidiu que a cri-

78
minalização do aborto até o terceiro mês de ceber alimentos desde a concepção; o Pacto
gestação fere os direitos fundamentais da de San Jose da Costa Rica, do qual o Brasil
mulher. O Ministro Luís Roberto Barroso, é signatário, que nos traz a previsão da pro-
Relator do caso referente ao julgamento de teção da vida desde a concepção (Art. 4º),
um Habeas Corpus cujo processo é oriundo dentre outros diplomas legais. Isso, claro,
do Rio de Janeiro decidiu o caso não com sem falar da nossa Lei Maior, que no caput
base na lei atual que rege o assunto, o Có- do Art.5º, CR/88, que trata dos Direitos e
digo Penal (que prevê o crime de aborto, Garantias Fundamentais e tem a vida como
ressalvadas duas exceções legais apenas), direito maior. Não sem razão. Sem vida é
mas em supostos direitos e autonomia da impossível falar em quaisquer outros direi-
mulher, que deveria ter tal “poder” sobre o tos. Assim, podemos afirmar, sem sombra
“próprio corpo”4. de dúvida, que muito embora tentem al-
Não obstante não ser objeto desta guns defenderem um suposto “direito ao
resenha uma análise jurídica do voto aci- aborto”, o Brasil possui toda a legislação no
ma citado, é de fundamental importância mesmo sentido: proteção à vida, inclusive a
(além do estudo do tema sob a perspectiva intrauterina.
filosófica, moral, ética, biológica) uma aná- Resta clara a importância da leitura do
lise crítica do que nossa corte decidiu, ainda referido livro, que auxilia no entendimen-
que neste caso concreto. Deixando de lado to adequado do assunto de modo a evitar
problemas como ativismo judicial, violação respostas simplistas e que tratem o aborto
do Princípio da Separação das Funções Es- como dogma religioso, posto que não é o
tatais (Art. 2º, CR), eventual atuação contra caso.
majoritária5, façamos uma breve análise so- A leitura é indicada a todos que dese-
bre o que diz a legislação brasileira sobre a jam compreender melhor algumas questões
proteção à vida. difíceis da vida sob a perspectiva da cosmo-
O ordenamento jurídico brasileiro visão cristã. Apesar da erudição que lhe é
protege o nascituro desde a concepção (Art. característica, nesta obra Craig utiliza lin-
2º, CC/02); a Lei dos Alimentos Gravídicos guagem e raciocínio que permitem a leitura
(Art. 2º), que confere o direito do feto a re- mesmo por aqueles que não detém robus-
to conhecimento prévio sobre os assuntos
4
Disponível em < https://www.stf.jus.br/arquivo/
cms/noticiaNoticiaStf/anexo/HC124306LRB.pdf> tratados. Obra rica e com uma pitada apo-
5
Sobre uma análise crítica sobre o ativismo judicial e o logética, é ferramenta de grande auxílio
ferimento da separação das funções do estado, também àqueles que buscam, sinceramente, algu-
conhecida como “separação dos poderes”, sugerimos o
artigo disponível em < http://npa.newtonpaiva.br/di-
mas respostas a dilemas que por vezes, nos
reito/?p=1441>. assaltam a mente e o coração.

79
80
Resenha de Lausanne Occasional
Paper 15. Relatório apresentado em:
Consultation on World Evangelization;
1980 Jun 16-27; Pattaya, Tailândia.
Marcel Cintra

Resumo gum declínio do pensamento budista em


Introdução alguns lugares, como a China, os concei-
O presente relatório surgiu em junho de tos budistas, juntamente com suas práticas
1980, na Consultation on World Evangeli- espirituais, ainda permeiam o pensamento
zation, realizada na cidade de Pattaya, na do povo. Começando na Índia com os ensi-
Tailândia. Foi redigido pelos membros da namentos de Siddharta Gautama (Buddha
“Mini-Consulta sobre Como Alcançar Bu- Gautama) no século VI a.C., a religião se
distas”1 sob a supervisão do Rev. Lakshman expandiu e fez morada em muitas terras
Peiris, que já servia em grupos de estudo asiáticas, assim como também houve sepa-
sobre os budistas. rações entre correntes do budismo.
Foi traçada uma pequena questão O relatório discorre sobre as ba-
demográfica e histórica do Budismo: mi- ses de crenças de duas grandes escolas do
lhões de pessoas em vários países da Ásia Budismo (Theravada e Mahayana), e como
são aderentes de alguma forma do Budismo cristãos podem entender e agir melhor em
(hoje em dia, o valor estimado pode chegar prol de testemunhar o evangelho para es-
a 535 milhões de pessoas ) e, apesar de al-
2
ses grupos. Assim, o objetivo deste estudo
é o de avaliar o trabalho já feito de alcançar
os budistas e determinar os princípios para
1
“Mini-Consultation on Reaching Buddhists”, no ori- o desenvolvimento de estratégias evange-
ginal.
2
HARVEY, Peter. An introduction to Buddhism: tea- lísticas que alcancem os povos budistas, em
chings, history and practices. Cambridge: Cambridge suas variadas formas, com o Evangelho.
University Press, 2013. 2 ed. p.5

81
Budismo Theravada
 c) uma visão circular, ao invés de linear,
da vida e da história;

Ao falar da cosmovisão budista, se faz
d) um conceito de não-alma ou não-eu
notar um fator importante que se encon-
(Anatta);

tra em alguns outros lugares desta obra:
e) uma esperança última no Nirvana,
o Budismo na Ásia, muitas vezes, atinge definido variamente como aniquilação
de maneira completa os valores de povos (não-existência) ou felicidade (beatitu-
em sua educação, filosofias e outras áreas. de).
Pessoas nestes ambientes nascem em so- Ainda que tais elementos sejam
ciedades religio-culturais, e não escolhem básicos à cosmovisão budista, a um nível
voluntariamente uma religião. Isso é de vi- popular as pessoas dependem e buscam
tal importância para entender a ação cristã ajudas em espíritos e objetos, assim como
em nações em que por mais que muitos possuem uma fé num pós-vida. Então, ao
não sejam compromissados com a religião elencar as questões teológicas cruciais do
budista seus valores sócio-culturais estão Budismo e do Cristianismo, é dito que,
impregnados de conceitos e valores reli- ainda que haja semelhanças éticas, tais
giosos budistas, diferente do que acontece semelhanças são superficiais a nível teoló-
no Ocidente secularizado. gico, isto é, a nível de como a cosmovisão
Os autores elencam alguns elemen- dessas duas religiões funcionam. A maior
tos básicos da cosmovisão budista, a saber: 

 diferença é na questão da salvação, ou
a) a falta do conceito do Deus judaico-cris- realização última: enquanto os budistas
tão (não-teísta)3;
 Theravada têm como princípio motor o
b) uma crença bem enraizada no Karma esforço próprio, a libertação mediante a
(causa e efeito) e renascimento (repetidas própria energia e habilidade humana, no
reencarnações);

Cristianismo, tal confiança em si mesmo
conduz à ruína, pois o homem é incapaz
3
Não quer dizer que o Budismo seja ateísta, por um ou- de ser salvo à parte da graça de Deus em
tro lado. Existe uma “Realidade Suprema”, melhor des-
crito nas escolas Mahayana e Vajrayana. O Corpo Eter-
Cristo somente.
no do Buda, da doutrina do Corpo Triplo, por exemplo, Assim, temos uma antropologia de
acolhe uma realidade transcendente e imanente com o
universo, como será descrito posteriormente. Isso po-
cada religião: da parte budista, o homem
deria ser chamado, de certa maneira, como “Deus” no não é necessariamente bom ou mau, sen-
Budismo, mas tal visão tem que ser destituída de qual- do capaz de alcançar a realização final sem
quer personalidade, como é comum em religiões védi-
cas. O Supremo Absoluto vai além de todas as coisas, ajuda alguma, tampouco de Deus, ou mes-
inclusive a pessoalidade, que é algo visto como limítro- mo ter tal realização alguma referência em
fe e efêmero no Budismo.

82
Deus. O Cristianismo, por sua vez, vem da punido como um substituto dos homens,
autorrevelação de um Deus pessoal à hu- para que estes sejam capacitados, pela fé,
manidade má desde a Queda, com o clímax a se apartarem do caminho mau, a serem
na encarnação de Jesus Cristo, para a re- santos. Assim, há perdão para o passado,
alização da obra de salvação de pecadores poder para o presente e esperança para o
por meio da morte na cruz; somente pelo futuro.
Espírito Santo os homens recebem esse Assim, com tais problemas teológi-
benefício da morte de Cristo e são trans- cos, os autores apontam para problemas de
formados até chegarem à realização última, comunicação desse relacionamento cristão
que é a vida eterna com Deus. e budista. Primeiramente, e talvez o mais
Outro elemento digno de nota é a importante para o funcionamento básico
rejeição da ideia de um Deus pessoal, ou dessa comunicação é ultrapassar as dificul-
de qualquer personalidade divina ou mes- dades linguísticas para uma comunicação
mo humana. A força que rege o mundo é a efetiva. Assim como o Ocidente foi marca-
força impessoal do karma, em sua corrente do em suas formas de pensar e comunicar
de causa e efeito que engendra o funciona- pelo Cristianismo, o Oriente o foi com o
mento de todo o universo, o que descamba Budismo. As dificuldades variam desde não
num fatalismo, em falta de esperança e haver entendimento pelo uso de conceitos
pessimismo para seus aderentes. Não há ocidentais alienígenas para a apresentação
possibilidade de perdão no Budismo The- do evangelho, até mesmo que palavras na-
ravada, pois o karma (especialmente nas tivas do oriental estejam carregadas demais
versões populares da religião) é a lei pétrea com conceitos da religião budista, sendo
a qual não há exceção ou escapatória4. Con- necessário um constante feedback dos seus
trastando com tal visão, no Cristianismo ouvintes para melhor avaliação do discur-
se tem um Deus amoroso que oferece per- so evangelístico.
dão, esperança e vida transformada, e isso Por fim, a credibilidade do comuni-
não por esforços próprios, mas pela obra cador e da igreja são vitais para a melhor
redentora de Jesus Cristo na cruz, ao ser comunicação do evangelho. Mais do que
uma precisão farisaica das doutrinas evan-
4
Algo diferente acontece no Mahayana, como será des- gélicas, a igreja e seus comunicadores do
crito em breve: Bodhisattvas podem conferir mérito aos
fiéis por compaixão a eles, para que alcancem a ilu- evangelho devem mostrar na prática do dia
minação. Curioso o caso de tradições Budismo Terra a dia o reflexo da fé que professam. Para
Pura no Japão, onde há uma grande ênfase na fé e na muitos, o Budismo Theravada é supre-
confiança no poder do Buda Amida por causa das limi-
tações humanas. mo em todas as esferas da vida, e religiões

83
como Cristianismo são vistas como algo evangelho contra toda força das trevas tra-
estrangeiro, estranho, que se intromete ria esperança e libertação de tais influências
e perturba a ordem social estabelecida há maléficas, se tornando um importante
muito pelos ancestrais. E a melhor forma princípio ao alcançar os budistas.
de contrapor essa desconfiança é construir O terceiro princípio da comunicação
bons relacionamentos e servir humilde e do evangelho a budistas é o de alcançá-los
amorosamente. em seu próprio contexto social. Como des-
Ao oferecer alguns princípios para crito anteriormente, o Budismo Theravada
estratégias para comunicar o evangelho, ofereceu todas a base para uma construção
sobressalta-se três pontos, a saber: a preo- sócio-cultural, o que traz problemas para o
cupação social, a abordagem do “encontro convertido de alienação da sociedade pelos
de poder” e alcançar as pessoas no seu con- seus familiares. A melhor maneira de co-
texto social. municar o evangelho seria desenvolver um
Quanto à preocupação social, defen- modo de vida de adoração cristã que leve
de-se que haja demonstrações de atos de em conta o contexto cultural que ela está
benesse social nos povos budistas para que inserida, sem arrancá-la de seus laços fami-
se mostre os valores de justiça e bondade liares ou culturais, assim evitando muitos
cristãs, mas que devem vir junto do es- conflitos.
forço evangelístico de pregar o evangelho
que traz tais valores à tona. Ter somente Budismo Mahayana

o primeiro item abre porta para criar uma A segunda parte do relatório trata do
dependência de pessoas que se tornam Budismo Mahayana, escola encontrada
cristãs pelos benefícios materiais que se fortemente no Tibete, China, Coreia, e,
oferece; somente o segundo pode demons- como será o foco do estudo desta seção,
trar a falta do amor cristão. no Japão. O Budismo Mahayana compar-
Quanto à abordagem do “encontro tilha de várias crenças com o Hinduísmo
de poder”, discorre sobre o entendimento e o Budismo Theravada - conceitos como
de que a proclamação do evangelho traz as karma, renascimento e iluminação – mas
boas novas de libertação contra os pode- já começa a defesa de alguns elementos que
res das trevas, se torna um ponto poderoso já são sua parcela de desenvolvimento –
num ambiente budista, no qual pessoas como os Três Refúgios6, as Quatro Nobres
possuem um grande temor de demônios
e espíritos5. O poder absoluto de Jesus no tas que são absorvidas, sobretudo ao nível popular da
vivência do Budismo em várias regiões.
5
Tal temor vem principalmente de concepções animis- 6
Os Três Refúgios, ou Três Joias do Budismo são: o

84
Verdades7 e o Caminho Óctuplo8. Contu- no Budismo Mahayana. A ideia do anatta
do, haverá diferenças marcantes entre o funciona mais como um entendimento de
Mahayana e os mais tradicionais Thera- que nada existe por si só, e ainda que tran-
vada. sitório, tudo existe num sempre mutante
No que tange a visão do Buda e interrelacionamento de skandhas (coleti-
dos mundos búdicos, a escola Mahayana vos ou agregados). A virtude principal do
vê o Buda Gautama tanto como um san- Mahayana não é tanto bodhi (iluminação)
to quanto o reverencia como salvador. Ele como o é karuna (compaixão), que guia o
preferiu não entrar no Nirvana com a sua principal objetivo do Mahayana, o bodhi-
iluminação, mas preferiu compartilhar a sattva, que exerce compaixão, compartilha
sua mensagem. A doutrina do Buda Eterno mérito e desenvolve o poder do Nirvana
se sobrepõe a do Buda histórico, cujo rela- que já existe em cada um.
cionamento se dá de maneira que o último Com apresentação de uma estraté-
é a manifestação terrena, enquanto o pri- gia para alcançar os Mahayana, é marcado
meiro é um “corpo” transcendente e ainda três princípios: construir pontes com seus
assim imanente com todo o universo. Na ouvintes, modificar sua estratégia de
verdade, há vários Budas, que presidem acordo com as diferenças entres as várias
seu próprio mundo búdico, e há várias ma- escolas Mahayana, e dependência total do
nifestações do Buda nesse mundo. Espírito Santo.
A visão do homem e do mundo Sobre o mensageiro da mensagem
também funciona de maneira diferente bíblica, uma certa facilidade é que os budis-
tas Mahayana, de uma maneira geral, têm
Buda, o Dharma (os ensinamentos) e o Sangha (comu-
nidade monástica – o que pode diferir um pouco em
alta estima para aqueles que escolhem um
escolas Mahayana). “caminho religioso”. Contudo, faz-se ne-
7
Dukkha, o mundo é impermanente e insatisfatório; cessário um interesse genuíno no povo e na
Samudaya, a origem de Dukkha é a sede, o desejo pe-
los estados e coisas impermanentes, que gera karma, cultura para quebrar algumas barreiras.
deixando as pessoas presas no ciclo de renascimento e Quanto à mensagem bíblica pro-
insatisfação renovada; Nirodha, há uma cessação desse
ciclo de renascimentos, dor e mutabilidade, que é al- priamente dita, é mister uma explicação
cançando o nirvana, assim não produzindo mais karma; detalhada dos termos importantes para a
Magga, o caminho para a cessação de Dukkha, que é compreensão do evangelho, com compa-
através do Caminho Óctuplo, restringindo a si mesmo
para o contínuo desejo cessar e os renascimentos e a rações e ilustrações claras, para que não
insatisfação cessar. haja confusão e readaptação da parte de
8
Resumidamente: compreensão correta, pensamento
correto, fala correta, ação correta, meio de vida correto,
seus ouvintes (conta-se uma história de
esforço correto, atenção correta e concentração correta. um japonês que demorou seis anos para

85
entender o que era pecado!). Assim, tra- como comunicar a mensagem cristã para
zendo a mensagem cristã como um todo, esses grupos. Faz-se nota tanto para as di-
trazendo questionamentos mais profun- ferenças vitais das duas cosmovisões, de
dos da existência humana – além de um um infinito impessoal contra uma divin-
comportamento a ser seguido, e trazendo dade infinita pessoal9– e as consequências
respostas não apenas para questionamen- lógicas destes sistemas de ver o funciona-
tos, mas para as feridas que a vida traz e mento das coisas. Dessa maneira muito do
as suas soluções – como superar a solidão, proceder da evangelização cristã se baseia,
como perdoar e esquecer do pecado, etc. primariamente, em uma disposição de
E tudo isso associado, obviamente, com a atuar na construção de pontes de bons rela-
mensagem de criação, queda e redenção, cionamentos, respeito à cultura, e cuidado
com centro na obra de Jesus Cristo. com os termos empregados na mensagem.
Em relação à maneira de apresen- As semelhanças éticas podem ser um boa
tar o evangelho aos japoneses, pode-se forma de contato, visto que a teologia des-
resumir em algumas frases aqui a serem tas religiões são quase que alienígenas uma
demonstradas. “Preserve a majestade”, a à outra em sua estruturação, ainda que haja
grandeza de Deus e de seu evangelho deve algo que pode ser utilizado como uma pon-
ser preservada. Os japoneses são muitos te de contato, tanto quanto o foi um “deus
reverentes diante da grandeza e bondade desconhecido” para Paulo em Atenas10. A
dos seus Bodhisattvas, logo, os cristãos ao análise cultural da obra foi cuidadosa, em
comunicar o evangelho tem que ser reve- demonstrar tanto a abrangência da in-
rentes em sua fala e atitudes perante seu fluência da religião na sociedade asiática,
Deus. “Retenha o mistério”, transmitir o quanto à sua resistência cultural ao Cris-
mistério da mensagem cristã que agora é tianismo, rejeitando-o por vezes como um
revelada. É simples, porém profundo; am- elemento estrangeiro, novo, e contrário
bos elementos devem constar na pregação aos ideais bem fundamentados dos ances-
cristã para que os japoneses tanto a apre- trais. Ainda que haja uma ênfase em boas
ciem quanto a abracem. atuação perante a sociedade, dado o cará-
ter coletivista de muitas nações asiáticas, e
o bom testemunho cristão para com essa
Avaliação crítica
Mesmo com as diferenças entre esses dois
grandes movimentos budistas, os autores 9
Ver SCHAEFFER, FRANCIS. O Deus que se inter-
foram bem sucedidos em demonstrar com vém. São Paulo: Cultura Cristã, 2009. 304 p.
propriedade esta religião, e também em 10
Vide Atos dos Apóstolos 17.15-34

86
vivência coletiva, isso não acaba caindo do conhecimento adquirido da cosmovisão
para algum tipo de ênfase da Missão In- budista (seja qual for a vertente), mostrar a
tegral, como normalmente é difundida no incongruência de defender alguns valores
Brasil, confundindo atuação política e so- e ideias budistas com a própria cosmovisão
cial com pregação do Evangelho. budista. É uma ferramenta poderosa é essa
Um elemento digno de reflexão é que, abordagem schaefferiana de “tirar o telha-
visto a diferença gritante entre o Cristianis- do”, ou seja, de mostrar a incongruência
mo e Budismo, em territórios notadamente fundamental do que se defende, demons-
ocidentais há uma tentativa de ecletismo trando que apenas o Cristianismo consegue
pós-moderno entre esses sistemas de reli- responder plenamente às perguntas feitas
gião e muitos outros. Simplesmente não há pelo Budismo. Contudo, a própria des-
espaço para tal progressismo religioso com confiança com linguagem e palavras da
pretexto de piedade e sabedoria, senão para metafísica budista pode tornar mesmo isso
ser de modo tolo contrário igualmente às um desafio para o cristão, tendo que recor-
duas religiões, que não podem abarcar uma rer ao manifesto da sua própria vida como
a outra sem abandonar princípios sumaria- reflexo da doutrina que se defende.
mente básicos de suas visões de mundo. Umas das poucas faltas da obra que
A diferença, contudo, do Budismo foi sentida nesta obra foi certa ausência de
Theravada para o Mahayana, do rigor as- apresentar fontes primárias do Budismo,
cético para uma iluminação pedagógica, do como o Tripitaka11, o Sutra do Lótus12, en-
bodhi para o karuna, se faz necessário uma tre outras. Pareceu que tudo foi dado sem
melhor adaptação e estudo da parte dos muita referência às fontes, o que pode ser
cristãos para evitarem algum tipo de ge- explicado pelo fato de que talvez não tenha
neralização apressada em como se portar, sido o intuito do relatório desde o início.
e melhor entendimento de quais pontos Outro elemento que foi verificado certo
de contato focar ao pregar a mensagem defeito foi não ter elencado a escola Va-
cristã. Por mais que o Mahayana aparen- jrayana13, muito difundida no Tibete, e bem
temente tenha mais pontos de contato conhecida do Ocidente por figuras como o
com a fé cristã (graça, compaixão, etc.),
11
Para uma visão geral, ver MEGHAPRASARA, Mat-
está igualmente distante por uma série de
thew. New guide to the Tipitaka: a complete reference
interpretações próprias os budistas tem so- to the Pali Canon. Nova York: Sangha of Books, 2013.
bre estes pontos, alicerçados em um ponto 440 p.
12
Ver KUBO, Tsugunari; YUYAMA, Akira (trad.). The
de referência completamente diferente do Lotus Sutra: revisede edition. Moraga, CA: BDK Ame-
cristão. Uma boa forma de se desenvolver rica, 2007. 362 p.
essa artilharia apologética seria de, a partir 13
Ver RAY, Reginald A. Indestructible Truth: the living

87
Dalai Lama. Tal escola possui grande ên-
fase em alguns elementos mais místicos,
o que poderia oferecer mais uma grande
valia de análise dos problemas e diferenças
cruciais com o Cristianismo e como seria o
melhor proceder e estratégias com tal es-
cola.
Seja qual for a grande escola do
Budismo, esse estudo também tem sua im-
portância pelo fato de que, cada vez com
mais velocidade, religiosidades orientais
são absorvidas por ocidentais, ainda que
muitas vezes de maneira sincrética e des-
contextualizada das realidade originais
onde alguma vertente floresceu no oriente.
Assim, se torna importante não somen-
te para missões transculturais para fora,
mas também para preparação dos cristãos
para dentro do seu próprio território, mes-
mo que questões culturais já não sejam de
importância nesse sentido quanto o é os as-
pectos cosmovisionais da religião em suas
diferentes vertentes.
Na medida final da obra, pode-se
dizer que, ainda que com certas incomple-
tudes, o estudo descreve com fidelidade a
religião budista, sem espantalhos, e apre-
senta uma firme e conservadora abordagem
para que haja comunicação do evangelho
para os que desposam tal fé.

spirituality of Tibetan Buddhism. Boulder, CO: Sham-
bala Publishers, 2002. 512 p. e RAY, Reginald A. Secret
of the Vajra World: the tantric Buddhism of Tibet. Boul-
der, CO: Shambala Publishers, 2002. 544 p.

88
Bibliografia

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