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20/12/2017 A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi uma inglesa loira – Observador

A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi


uma inglesa loira
20 Dezembro 2017 

Rita Cipriano

No último ano de vida, Fernando Pessoa escreveu uma série


de poemas sobre uma mulher misteriosa que lhe roubou o
coração. O mais recente número da "Pessoa Plural"
desvendou finalmente o mistério.

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20/12/2017 A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi uma inglesa loira – Observador

1 A última paixão de Fernando Pessoa


2 O último poema de Fernando Pessoa?
3 Um pessoano “absoluto” e “apaixonado”
4 A importância de ser Leal
5 Começar onde a Persona acabou

Fernando Pessoa conheceu Ofélia Queiroz em janeiro de 1920, numa


das casas comerciais onde costumava colaborar. Tinha 32 anos, ela
apenas 19. A primeira carta que lhe escreveu, datada de 1 de março
desse ano, foi a primeira de muitas que testemunham o “namoro
simples, até certo ponto igual ao de toda gente”, que durou até finais de
1920. Publicadas pela primeira vez em 1978 num só volume, as cartas
surpreenderam “sobretudo ao revelar um Fernando Pessoa
apaixonado como um adolescente”, como escreveu António
Quadros. Eram de tal forma “ridículas” — como todas as cartas de amor
têm de ser —, que levaram Carlos Queiroz, sobrinho de Ofélia que
privou com Pessoa, a questionar: “Como teria sido possível ao mais
poeta dos homens e ao mais intelectual dos poetas portugueses (e, aqui,
a palavra ‘portugueses’ tem uma importância muito especial) libertar a
tal ponto o coração de literatura?!”.

O fim daquela que é conhecida como a primeira fase do namoro entre


Pessoa e Ofélia deu-se em novembro de 1920, sobretudo pela
repugnância que o poeta sentia em integrar-se na família da namorada.
Como ela própria contou mais tarde, durante os sete ou oito meses que
durou o namoro, Fernando Pessoa nunca foi a sua casa. De acordo com
José Gil, o namoro entre Pessoa e Ofélia revelou a incapacidade ou
impossibilidade de o poeta “‘amar Ofélia à maneira de Ofélia’, de aceitar
a máscara correspondente a um homem ‘comum, casado e tributável’”.
“A aceitação desta máscara teria obrigado Pessoa – na opinião de
Eduardo Lourenço – a matar ‘o monstro sublime da nossa imaginação
que nós chamamos Literatura’”, escreveram os pessoanos Jerónimo
Pizarro, Patricio Ferrari e Antonio Cardiello, no quarto número da
Pessoa Plural.

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20/12/2017 A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi uma inglesa loira – Observador

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Nove anos depois, em princípios de setembro de 1929, o namoro


recomeçou, depois de Carlos Queiroz ter levado para casa um retrato de
Pessoa a beber um copo no Abel Pereira da Fonseca. Ofélia achou-lhe
graça e, passados uns tempos, Pessoa enviou-lhe uma cópia autografada
com a frase que depois se tornou famosa: “Fernando Pessoa em
flagrante ‘delitro’”. Esta segunda fase durou cerca de quatro meses — as
cartas cessaram a 11 de janeiro de 1930. Terminava assim a história
de amor entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz que, por se
desconhecerem outras aventuras amorosas, costuma ser
apontada como a única na vida do poeta. De tal forma que, em
1978, David Mourão-Ferreira, um dos responsáveis pela primeira edição
das cartas de amor do poeta, afirmou categoricamente que não se
conhecia nem era provável que tivesse existido qualquer outro “episódio
sentimental” na vida de Pessoa. Mas será que foi mesmo assim?

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Fernando Pessoa em " agrante 'delitro'" no Abel Pereira da Fonseca. Foi esta fotogra a que
desencadeou a segunda fase do namoro com Ofélia Queiroz (Wikimedia Commons)

Fernando Pessoa sempre foi conhecido como um homem reservado.


Apesar da dimensão da sua obra, conhece-se melhor a sua literatura do
que a sua vida. E isso sempre deu aso a especulações (algumas delas
infundadas). Exemplo disso é um grupo de poemas que se
refere a uma mulher “loura” e “casada”, o que levou a que
alguns estudiosos tentassem descobrir a identidade desta
mulher que Pessoa terá amado. Um dos primeiros terá sido o poeta
e ensaísta espanhol Ángel Crespo, cujas pesquisas acabaram por não dar
em nada. Um dos rumores lançados pelo espanhol, o de que Pessoa se
teria apaixonado por Fernanda de Castro, mulher de António Ferro, até
foi desmentido pela própria. Nas suas memórias, a poetisa considerou-o
“absurdo” e descreveu o poeta como “calado, ensimesmado, de uma
timidez que chegava a incomodar-nos”. Mas, de acordo com Manuela
Nogueira, sobrinha de Fernando Pessoa, o tio sempre sentiu “grande
admiração” por Fernanda de Castro.

A pesquisa, iniciada por Crespo, foi depois continuada por José Blanco,
que ponderou a hipótese de a mulher misteriosa se tratar da mulher do
advogado José de Andrade Neves, filho do primo e médico de Pessoa,

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Jaime de Andrade Neves. Quando Titita — como era conhecida entre os


amigos — se casou com José, Fernando Pessoa não compareceu à
cerimónia e enviou apenas um cartão. “Ciúmes talvez”, especulou
Blanco que, durante as suas investigações, descobriu que, quando os
dois foram apresentados, Pessoa disse a Titita que era “o bêbedo da
família”. Apesar da estranha apresentação, os dois acabaram próximos.
De tal forma que, quando a mulher do primo ficava doente, Fernando
Pessoa ficava sentado à sua cabeceira, lendo-lhe livros. Segundo conta
José Paulo Cavalcanti na sua biografia do autor da Mensagem, José
Blanco conheceu Titita quando esta já tinha os cabelos brancos e
perguntou-lhe se, quando era jovem, era loira. “Não. Os cabelos de
Titita, como também os da sogra Georgina Cardoso, eram escuros”,
escreveu o advogado brasileiro, lamentando-se que agora, também ele,
anda à procura da “loura” por quem Fernando Pessoa se apaixonou.

Loiras à parte, a verdade é que a escrita de poemas de amor se


intensificou no final da vida de Fernando Pessoa. Em 1935, ano da sua
morte, o poeta produziu um número invulgar de versos apaixonados, o
que faz levantar a hipótese de que, quando morreu, Pessoa estava
apaixonado. Mas quem seria o alvo desta paixão tardia? José Barreto,
historiador que se tem interessado sobretudo pelo
pensamento filosófico e político de Pessoa, descobriu, por
mero acaso, cartas inéditas que parecem ajudar a desvendar o
mistério. O resultado da sua pesquisa, “A última paixão de Fernando
Pessoa”, foi publicado no último número da Pessoa Plural – A Journal
of Fernando Pessoa Studies, uma revista online de Estudos Pessoanos
c-oeditada pela Universidad de los Andes, pela Warwick University e
pela Brown University, onde existe um importante núcleo de Estudos
Portugueses. Apesar deste último número ser dedicado à Coleção
Fernando Távora, uma das mais importantes sobre o modernismo
português, e incluir vários manuscritos inéditos — nomeadamente de
poesia e correspondência de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro,
Raul Leal, Alfredo Guisado e José Régio, entre outros —, o contributo de
José Barreto é um dos mais surpreendentes. É que, afinal, o último
grande amor de Fernando Pessoa não foi Ofélia. Foi uma inglesa de
cabelo “alourado” chamada Margaret.

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A última paixão de Fernando Pessoa

No livro Fernando Pessoa, uma quase autobiografia, José Paulo


Cavalcanti relatou que um dos sobrinhos de Fernando Pessoa lhe
contou que o tio teria tido uma “relação misteriosa” com uma inglesa
chamada Madge. “Ao que consta, teria havido uma certa simpatia
recíproca”, admitiu João Maria Nogueira ao biógrafo brasileiro. “Mulher
muito inteligente, consta que durante a última Guerra Mundial
trabalhava na descodificação de mensagens cifradas dos alemães. Era
muito culta mas tinha um ‘feitio’ algo complicado. Talvez por isso
tivesse interessado ao meu tio Fernando.”

Não foi a primeira vez que o nome de Margaret Anderson — conhecida


apenas por Madge entre os familiares e amigos mais próximos — veio à
baila. Antes da publicação da biografia de Cavalcanti, em 2002,
Manuela Nogueira já se tinha referido “vagamente a Madge” nas Cartas
de amor de Ofélia a Fernando Pessoa, “identificando-a como ‘a inglesa’
de quem Ofélia falava numa das suas cartas para Pessoa”, refere José
Barreto neste número da Pessoa Plural. Na altura, a hipótese não
passava disso mesmo — de uma hipótese —, dada a falta de provas mais
concretas. Além do mais, o sobrinho de Pessoa tinha garantido a
Cavalcanti que a inglesa tinha “o cabelo castanho alourado”,
não se podendo tratar, por isso, da “loura” de que Pessoa
falava nos seus poemas. Só recentemente é que foi possível unir as
pontas soltas e ligar definitivamente Madge a Fernando Pessoa. Tudo
graças à descoberta de dois rascunhos de cartas, ainda na posse da
família do poeta, e de uma terceira missiva guardada na Biblioteca
Nacional de Portugal (BNP), em Lisboa.

Curiosamente, a descoberta não coube a nenhum especialista em


literatura, mas a um historiador. “Não sou um homem das literaturas
nem nada disso”, admitiu José Barreto em conversa com o Observador.
Mas quis o destino que fosse o investigador do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade de Lisboa, especialista em história social e
política portuguesa do século XX, a encontrar “umas cartas inéditas”
que desvendaram um dos muitos mistérios que pairam em torno de

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A rapariga inglesa, tão loura, tão jovem, tão boa


Que queria casar comigo…
Que pena eu não ter casado com ela…
Teria sido feliz
Mas como é que eu sei se teria sido feliz?
Como é que eu sei qualquer coisa a respeito do que teria sido Do
que teria sido, que é o que nunca foi?”
— Excerto de um poema datado de junho de 1930, atribuído a
Álvaro de Campos

Fernando Pessoa e a fazer uma “pequena digressão” pela vida amorosa


do poeta, dando continuidade ao trabalho iniciado por Ángel Crespo e
José Blanco, muitos anos antes.

Ángel Crespo foi um escritor, poeta e ensaísta espanhol “que se dedicou


muito a Fernando Pessoa”. No final dos anos 80, publicou a biografia A
Vida Plural de Fernando Pessoa, a primeira sobre o poeta escrita fora
de Portugal. Foi mais ou menos nessa altura que “formulou uma
hipótese que até então nenhum português tinha formulado, a
partir dos poemas dos últimos anos de vida, sobretudo de
1935 — que Fernando Pessoa, sobre o qual já se dizia que a
vida amorosa se reduzia a uma única história, a história de
Ofélia Queiroz, morreu apaixonado”, explicou o o investigador,
autor de Fernando Pessoa —Associações Secretas e Outros Escritos. Só
que, apesar das inúmeras tentativas, Crespo não conseguiu identificar
“o alvo da paixão”. “Depois dele, seguiram-se mais uns tantos,
nomeadamente José Blanco, que nunca chegaram a resultado nenhum.
Nunca conseguiram dados plausíveis sobre quem seria essa mulher
casada, essa mulher loira.”

Mas José Barreto teve mais sorte. “Com base nestas três cartas inéditas
que encontrei — uma encontra-se no espólio de Fernando Pessoa na
Biblioteca Nacional e as outras duas no espólio que está na posse da

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família —, formulo uma hipótese de identificação.” Segundo Barreto,


essa “mulher inglesa” seria nada mais nada menos do que a
irmã de uma das cunhadas de Pessoa, Eileen Anderson,
casada com o irmão mais novo do poeta, João Maria Nogueira
Rosa, um bancário que vivia em Londres. Entre 1929 — quando
já estava em vias de se divorciar do marido inglês — e meados de 1935,
Madge fez “um número indeterminado” de viagens a Portugal. “Não
consegui apurar se ela só veio duas vezes a Portugal ou se, entre essas
duas datas, veio mais vezes”, admitiu o investigador. “Parece que sim,
pelo que o sobrinho e sobrinha de Pessoa, ainda vivos, deram a
entender, mas não encontrei provas. Baseei-me apenas em provas
documentais. Não pretendi dar asas à imaginação. A minha investigação
foi feita com base na correspondência e não me interessa mais do que
isso.” O que é certo é que, algures nesse período, os dois começaram
uma troca de correspondência que durou até à morte de Pessoa, no final
de novembro de 1935. Pelo meio, o poeta escreveu dezenas de poemas
de amor.

"Ángel Crespo formulou uma hipótese que até então


nenhum português tinha formulado — que Fernando
Pessoa, sobre o qual já se dizia que a vida amorosa
se reduzia a uma única história, a história de Ofélia
Queiroz, morreu apaixonado."
José Barreto

Mas quem era esta Madge Anderson?

Margaret Mary Moncrieff Anderson nasceu a 7 de setembro de 1904, em


Cathcart, nos subúrbios de Glasgow, no seio de uma família irlando-
escocesa “com plaid” e “muito conservadora”, de acordo com Isabel
Murteira França, sobrinha-neta de Fernando Pessoa e sua biógrafa, que

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José Barreto cita no seu artigo. A sua irmã, Eileen, era três anos mais
velha. Depois de completar uma licenciatura geral de três anos na
University of St. Andrews, na Escócia, começou a trabalhar no Foreign
Office, em Londres, tendo sido nomeada junior assistant desse mesmo
ministério apenas três anos depois, em 1929. Aos 35 anos, depois de um
casamento falhado com um jovem inglês, casou-se novamente com
Frederick William Winterbotham, responsável por chefiar a Air Section
do Secret Intelligent Service (SIS), de 1929 a 1945.

Foi mais ou menos nessa mesma altura que, segundo conseguiu apurar
José Barreto, foi admitida em Bletchley Park (também conhecido como
Station X), nos arredores de Londres, onde funcionou, durante a
Segunda Guerra Mundial a Cypher School, onde eram decifrados os
complexos códigos alemães. Meses depois, foi transferida para a sede do
SIS, em Londres. Isto significa que o boato que circulava na
família era mesmo verdade — Madge trabalhou mesmo na
descodificação de mensagens alemãs durante a guerra. Depois
do final do conflito, continuou vinculada ao Foreign Office. O seu
casamento, contudo, terminou em 1946 e não existem indícios de que
tenha tido filhos. Morreu a 3 de julho de 1988, aos 83 anos. “Ou seja,
semanas depois do centenário do nascimento de Fernando Pessoa”,
frisou José Barreto.

O historiador acredita que a troca de correspondência com Fernando


Pessoa começou no verão de 1935, depois de o poeta ter recebido um
“enigmático postal ilustrado inglês” assinado por Madge. Ou melhor,
“aparentemente” assinado por Madge. É que, apesar de o nome da
inglesa aparecer no final da mensagem, escrita em inglês, a caligrafia
não corresponde à sua. O postal sem data, nome ou endereço do
destinatário, “foi aparentemente enviado de Inglaterra dentro de um
envelope e o destinatário terá sido, muito provavelmente, Pessoa, uma
vez que se encontra no seu espólio. A caligrafia poderá eventualmente
ser de Eileen”, avançou o historiador. Depois disso, sabe-se que foram
trocadas, pelo menos, duas cartas “em cada sentido”.

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“Muito obrigado pela tua carta simpaticamente agressiva do dia… — não, não é de dia
nenhum, pois veio femininamente não datada”, escreveu Fernando Pessoa, em inglês, num
rascunho datado de 9 de outubro. Esta é a última carta que se conhece enviada pelo poeta a
Madge Anderson (Coleção Particular de Manuela Nogueira)

A primeira carta que se conhece (o seu rascunho encontra-se com a


família do poeta) foi enviada por Pessoa, no verão ou princípio do

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outubro de 1935. Nessa missiva, o autor da Mensagem pede desculpa a


Madge pelo seu “desaparecimento” durante a sua estadia em Lisboa, em
abril ou maio, justificando-se com uma crise depressiva. “Esta minha
carta será simplesmente um pedido de desculpas. Chegaste
aqui quando eu estava a afundar-me e por cá ficaste até eu me
ter afundado”, escreveu Fernando Pessoa. “Desde então, já voltei à
superfície, mas teria dificuldade em dizer que superfície se trata.
Lamento muito tudo o que se passou, isto é, a minha descortesia em ter
desaparecido, mas não perdeste nada com o meu desaparecimento, que
foi a melhor ação que alguns resquícios de decência poderiam ditar a
um homem praticamente perdido para tudo isso.”

Não se sabe qual foi a resposta de Madge a esta carta. “Sabemos, porém,
que ela realmente respondeu com uma ‘carta simpaticamente agressiva’,
como Pessoa lhe chama em nova missiva sua, datada de 9 de outubro de
1935”, escreveu José Barreto. Esta mensagem — também ela um
rascunho em posse da família — é a última que se conhece escrita pelo
poeta à sua paixão inglesa. Até à publicação do artigo de Barreto, esta
ainda não tinha sido identificada como sendo para Madge Anderson
porque não inclui nenhuma referência ao destinatário.

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Primeira página da carta enviada por Madge Anderson a Fernando Pessoa, datada de 14 de
novembro de 1935. Pessoa só a terá recebido alguns dias antes da sua morte, a 30 de
novembro (Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio 3)

Madge demorou várias semanas a responder a Pessoa. A sua resposta,


datada de 14 de novembro, encontra-se no espólio pessoano da BNP e já

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era conhecida de alguns investigadores. Contudo, nunca tinha sido


publicada, talvez por “ser muito difícil de ler”. “Escapou aos chamados
salteadores da arca perdida”, brincou José Barreto. Nessa carta, a
última que Madge escreveu a Fernando Pessoa, a inglesa diz que
“adoraria estar novamente de partida em visita” a todos em Portugal.
“Escreve-me outro pequeno poema em breve e ensina-me a
levantar o ânimo, tal como eu tentei fazer contigo!”, disse,
referindo-se ao poema “D.T.”, que Pessoa anexou à sua última carta.
Mas isso nunca viria a acontecer. Fernando Pessoa morreu poucas
semanas depois, no Hospital de S. Luís dos Franceses, em Lisboa. José
Barreto não encontrou indícios de que, depois disso, Madge Anderson
tenha voltado a Portugal, como tanto ansiava.

Não, nada é certo.


O teu amor poderia
Tornar-se melhor do que eu
Posso ser ou tentar.
Mas nunca poderemos saber —
Querida, eu não posso saber
Se o açúcar do teu coração
Não se tornaria rebuçado…
Deixo, pois, o coração doer
E bebo aguardente.”
— Excerto do poema “D.T.” (abreviatura de Delirium Tremens),
traduzido por José Barreto, com colaboração de Ricardo
Vasconcelos

Se as cartas não forem suficientes para convencer os mais céticos, ainda


existem os poemas de amor, alguns deles reunidos por José Barreto em
“A Última Paixão de Fernando Pessoa”. “Uma coisa que eu digo neste
artigo é que Fernando Pessoa era uma pessoa extremamente reservada”,
afirmou o historiador ao Observador. “Conhecia muita gente, mas

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amigos íntimos tinha muito poucos. Portanto, a vida privada era uma
coisa sagrada para ele. Ninguém sabia onde morava, etc. Preservava
muito a sua intimidade e a sua vida pessoa. É preciso notar que 90% da
poesia que ele escrevia era para a arca, não era para publicar. Nessa
poesia, ele abre-se mais em relação à sua vida afetiva”, como fez em
“D.T.”, um poema “alcoólico ou pós-alcoólico” que descreve
“sucintamente a encruzilhada psicológica do autor, posto perante a
escolha entre o alcoolismo e o amor, optando afinal pelo brandy,
embora saiba que lhe matará a alma”. Contudo, é sempre preciso ter
“um cuidado extremo” porque Pessoa tinha jeito para disfarçar.
“Introduz dados que, de certo modo, fantasiam um pouco. Esconde
aqui, esconde acolá. Nunca é completamente claro e aberto e há que ter
isso em conta”, disse José Barreto, salientando, porém, que “são tantas
as provas na poesia que escreveu em português, inglês e até em francês
nesse ano” que é difícil ignorar.

“De facto, a hipótese do Ángel Crespo era muito sólida”, admitiu. “Parti
desse princípio. Em 1978, quando foi editado pela primeira vez o
conjunto de cartas de amor de Fernando Pessoa a Ofélia, David
Mourão-Ferreira disse no prefácio que, tanto quanto se sabia,
era o único episódio sentimental da vida de Pessoa e que era
improvável que houvesse outra história. Nunca acreditei
nisso. De facto, a poesia de amor não é muito abundante, mas
há muita coisa que não encaixa na história da Ofélia.” Mas,
ainda assim, a interpretação de Barreto não deixa de ser apenas uma
sugestão e o investigador faz questão de deixar isso bem claro: “Não
posso provar [que Pessoa estava realmente apaixonado por Madge],
nem provavelmente alguém poderá. É uma hipótese que tem base, que
tem fundamento e que é preciso considerar”.

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“Quando foi editado o conjunto de cartas de amor de


Fernando Pessoa a Ofélia, David Mourão-Ferreira
disse que, tanto quanto se sabia, era o único episódio
sentimental da vida de Pessoa e que era improvável
que houvesse outra história. Nunca acreditei nisso.”
José Barreto

José Barreto acredita que ”a investigação ainda não está completa” e


que ainda é possível acrescentar novos pormenores à história. “Ainda
está em curso, digamos assim”, afirmou. Madge “foi uma mulher que,
aparentemente, não deixou descendência e, portanto, deve ter guardado
as cartas de Fernando Pessoa” que não chegaram até nós e que Barreto
acredita que ainda podem vir a aparecer, permitindo saber um pouco
mais sobre a relação, algo misteriosa, da inglesa com o poeta português.
“Também não consegui uma fotografia de Madge Anderson e
com certeza que haverá. Se ela não teve filhos, poderá ter tido
sobrinhos e é natural que existam fotografias na posse de alguém.” Por
essa razão, o investigador pretende, num futuro próximo, publicar o
artigo em Inglaterra, o que pode permitir a recolha de mais
informações. A tradução já está a ser finalizada. Só resta encontrar um
sítio para o publicar.

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O último poema de Fernando Pessoa?

Poderá ter sido com Madge em mente que Fernando Pessoa escreveu, a
22 de novembro de 1935, o poema “The happy sun is shinning” (em
português “O sol feliz brilha”). O texto em inglês não é inédito — foi
publicado pela primeira vez por Ángel Crespo, em 1989, e depois
incluído na edição de poesia inglesa editada pela Assírio & Alvim em
2000 (com organização de Luísa Freire) e na edição de 2016, da mesma

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editora, organizada por Richard Zenith. Mas sempre com erros ou


omissões, que José Barreto corrigiu para este número da Pessoa Plural.
Os versos, como explicou o investigador, são dirigidos “a uma amada
ausente ‘faraway’, por quem o coração do poeta anseia”. “Reforça o tom
realístico desse poema a circunstância de se somar a outros, de temas
afins, quiçá de ‘sinceridade’ variável, escritos no mesmo ano”, escreveu
o historiador no artigo “A última paixão de Fernando Pessoa”.

A escrita de “The happy sun is shinning” coincide com a chegada à caixa


de correio de Pessoa da última carta de Madge, datada de 14 de
novembro, dia das eleições parlamentares em Inglaterra, às quais a
inglesa se refere na missiva. Partindo do princípio que Madge enviou a
carta no dia em que a escreveu, esta terá chegado a Portugal a 20 ou 21
de novembro, supõe o investigador. Fernando Pessoa foi internado a 26
desse mês, no Hospital de S. Luís dos Franceses, tendo morrido poucos
dias depois, a 30 de novembro de 1935. Ao Observador, José Barreto
explicou que “Pessoa datava [sempre] os poemas”. “Ele escreveu
dezenas de milhares de poemas e 99% estão datados. Muitas
vezes não datava os outros textos, em prosa, mas a poesia
datava sempre. Este está datado de 22 de novembro, uma semana
antes de morrer, e não há nenhum poema que se conheça — a obra
poética foi toda estudada — com uma data a seguir.” Isto significa que
“The happy sun is shinning” é, “muito possivelmente, o último poema
que Pessoa escreveu em qualquer língua”. Não há nenhum no seu
espólio com uma data anterior.

Mas o que impressiona em “The happy sun is shinning” é o tom


apaixonado com que Pessoa fala da mulher amada, a única coisa que
“importa”. “É claramente um poema apaixonado”, salientou José
Barreto. “Como eu digo no artigo, estes não são sentimentos que se
fantasiem, que se inventem.” Além do mais, é “raríssimo” encontrar
versos deste tipo “na obra de um poeta como Pessoa”. “A poesia
amorosa, na primeira pessoa, não é vulgar, mas é ainda mais raro um
poema em que tão claramente manifesta a sua paixão. Foi isto que levou
o Ángel Crespo a dizer que era evidente que Fernando Pessoa estava
apaixonado.” Porque, apesar de Pessoa ser geralmente descrito como

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O sol feliz brilha


Os campos estão verdes e alegres
Mas o meu pobre coração anseia
Por algo que está longe.
Anseia só por ti,
Anseia pelo teu beijo
Não importa se és el
A isto.
O que importa és só tu.”
— Excerto de “The happy sun is shinning”. A tradução do
inglês,”tanto quanto possível literal”, é de José Barreto, com
colaboração de Ricardo Vasconcelos

um poeta racional, não quer dizer que não fosse capaz de se apaixonar
perdidamente por alguém.

De acordo com José Barreto, existem passagens nos fragmentos dos


diários que Pessoa escreveu por volta dos 20 anos que falam de questões
amorosas e do “conflito entre o amor e a obra”, que sempre o preocupou
e que acabou por ditar o final do relacionamento com Ofélia Queiroz: “O
meu destino pertence a outra Lei, de cuja existência a Ofelinha nem
sabe, e está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não
permitem nem perdoam. Não é necessário que compreenda isto. Basta
que me conserve com carinho na sua lembrança, como eu,
inalteravelmente, a conservarei na minha”, escreveu o poeta a jovem, a
29 de novembro de 1920, quando terminou a primeira fase do namoro.
“Ele achava, desde muito jovem, que tinha uma missão como escritor
que era relevante”, disse José Barreto. “Tinha uma grande opinião
de si próprio e achava que a vida rotineira, igual à dos outros,
seria destrutiva para a sua missão, para a sua obra poética.
Escreveu sobre esse conflito, o que já é indicativo de que não era um
homem desprovido de sentimentos e incapaz de se apaixonar.”

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20/12/2017 A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi uma inglesa loira – Observador

É que apesar de o autor de Mensagem ter “fama de fingidor”, não quer


dizer que fosse exatamente assim. “Adolfo Casais Monteiro chamou-lhe
o ‘insincero verídico’, que é uma coisa um bocado contraditória”,
afirmou o historiador. “Ele alertou que se deve ter muito cuidado
quando se interpreta a poesia a partir da vida de Fernando
Pessoa ou ao contrário. Mas a poesia não está desligada da vida.
Nunca está. E mais: todos os poetas se apaixonam e escrevem poemas
amorosos. Pessoa não foi exceção.”

“A poesia não está desligada da vida. Nunca está. E


mais: todos os poetas se apaixonam e escrevem
poemas amorosos. Pessoa não foi excessão.”
José Barreto

Apesar de “The happy sun is shinning” ter sido o último poema escrito
por Pessoa, não é, contudo, o último escrito atribuído ao poeta. Como se
sabe — a história é famosa –, antes de morrer, Fernando Pessoa terá
escrito num papel as palavras “I know not what tomorrow will bring”.
A última frase dita foi, porém, outra. Como relatou João Gaspar Simões
na sua biografia do poeta: “Agonizava, e no meio da sua agonia,
repuxando a dobra do lençol, teve, de súbito, uma pausa de estranha
inquietação. Abriu os olhos, olhou em roda, e vendo que não via,
serenamente, como quem não esquece que os míopes, para ver,
precisam de óculos, pediu que lhe dessem as suas lentes: ‘Dá-me os
óculos’, murmurou, semicerrando os olhos enevoados. Foram estas as
suas últimas palavras”.

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Um pessoano “absoluto” e “apaixonado”

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“A Última Paixão de Fernando Pessoa” é apenas um dos muitos artigos


que enchem o número 12 da Pessoa Plural, dedicado à Coleção
Fernando Távora. Apesar de ter ficado conhecido sobretudo pelo
trabalho de arquiteto, Fernando Távora foi um colecionador ávido, cuja
extensa coleção, repleta de preciosidades do modernismo português, já
permitiu desenvolver algumas novas leituras, divulgadas nesta edição
da revista de Estudos Pessoanos. Nascido a 25 de agosto de 1923, no
Porto, “o seu período de formação foi intenso e doloroso”, escreveu o
filho, José Bernardo Távora, para a Plural. “As descobertas de Le
Corbusier, Picasso e Fernando Pessoa marcaram o seu destino, a sua
vida. As leituras, a escrita, as reflexões, as viagens, as coleções, a
História ganham durante este período da sua vida uma maior solidez.”
Interesses que o acompanharam ao longo da vida, a par do desenho.

Começou a colecionar nos anos 40 — “tudo, tudo aquilo que os outros


ainda não colecionavam” —, quando os modernistas ainda eram uma
coisa de nicho. Apesar da revista Presença, fundada em 1927 por João
Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca, ter continuado, depois da
morte de Fernando Pessoa, a “disseminar um pouco” a sua imagem,
levando a “uma certa consagração no meio literário”, a verdade é que
Pessoa e os outros modernistas eram lidos e apreciados num meio
“relativamente restrito”. “Ainda havia muita gente que continuava a
escrever de costas voltadas para Pessoa, mas havia a nata de intelectuais
dessa época — dos anos 40, 50 — que o conhecia, o procurava e o lia”,
explicou ao Observador Ricardo Vasconcelos, que colaborou neste
número especial da Plural como editor convidado e também como
autor. Apesar disso, foi nesta altura que Fernando Távora começou a
aprender sobre Fernando Pessoa, o que mostra a perspicácia e
sensibilidade do colecionador.

“Vê-se que havia uma sensibilidade estética muito forte”, comentou


Ricardo Vasconcelos, que se tem dedicado ao estudo da obra de Mário
de Sá-Carneiro. “Havia um apelo às questões estéticas, por ter sido o
arquiteto que foi, mas era evidentemente um grande leitor. Não
procurava apenas os materiais de alguém que era famoso — começou a
pegar num autor que apenas escritores conheciam e a sentir-se

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20/12/2017 A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi uma inglesa loira – Observador

fascinado por ele quando era ainda muito jovem.” No texto que
escreveu para a Plural, o filho, também arquiteto, conta que o
pai “lia muito, à noite, todas as noites”, enquanto ia tirando
pequenas notas que hoje podem ser encontradas um pouco
por todo o espólio. “Em todos os livros e objetos.” Estas
anotações incluem “várias informações — do que é que se trata, onde
comprou os materiais, a quem comprou, se há alguma característica
específica, se se trata de um achado”. “E depois ainda fazia muitas vezes
referência a artigos ou livros que podiam ajudar a compreender aqueles
textos”, explicou Vasconcelos. “Quem entrar [na coleção] com um
conhecimento mínimo dos Estudos Pessoanos ou Sa-Carneirianos e
quiser saber mais, ele deixou uma espécie de introdução teórica aos
manuscritos”, afirmou o editor convidado da Pessoa Plural, um dos
primeiros a consultar o espólio, que se encontra no Porto. “O rigor das
notas é interessantíssimo.”

“Havia um apelo às questões estéticas, por ter sido o


arquiteto que foi, mas era evidentemente um grande
leitor. Não procurava apenas os materiais de alguém
que era famoso.”
Ricardo Vasconcelos

Fernando Távora nunca foi egoísta. Apesar de as suas notas nunca


terem saído da sua casa, muitos dos objetos que colecionou saíram. Ao
longo de décadas — e principalmente durante o boom dos Estudos
Pessoanos, no final dos anos 70, inícios dos anos 80 —, Távora
“apoiou a divulgação de documentos na sua posse, quer em
edições organizadas por diferentes pesquisadores, incluindo
inéditos ou documentos raros, quer mesmo em eventos
públicos, como a exposição associada ao Primeiro Congresso
Internacional de Estudos Pessoanos, organizado no Porto em

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1978”, escreveu Ricardo Vasconcelos na nota introdutória do número 12


da Plural. Esta mostra foi, aliás, montada pelo próprio arquiteto, com a
colaboração do Centro de Estudos Pessoanos, que também ficava na
Invicta. “Era um pessoano absoluto, apaixonado e incrivelmente
informado”, comentou Vasconcelos, em conversa com o Observador.

Távora morreu em setembro de 2005, aos 82 anos. Colecionou


compulsivamente até ao final da vida, não só documentos ligados ao
modernismo português, mas muitas outras coisas. Em entrevista à RTP,
em 2001, disse que “viver é uma coisa que não tem preço”. “Vou deixar
uma coisa espantosa, vou deixar isto tudo aqui… Tudo isto que vê aqui…
Estas árvores, estas pinturas, estas amizades, o pedreiro, o carpinteiro,
sei lá! O que eu deixo de gente, de relações, de amizades, de quadros de
textos, de, de, de… Da obra que eu fiz.” Essa obra que, passadas quase
duas décadas, permitiu abrir uma nova porta para o modernismo
português. Foi por essa razão que os editores da Pessoa Plural lhe
quiseram prestar homenagem. A maioria dos artigos do novo número
da revista publicada pela Brown University, Warwick University e
Universidad de los Andes têm como base manuscritos encontrados na
coleção do arquiteto portuense. Esta Pessoa Plural tem mais de 740
páginas, mas os responsáveis garantem que ficou muito material para
analisar.

“Em termos de manuscritos, são mesmo milhares”, revelou Ricardo


Vasconcelos. “Digitalizamos, pelo menos, cerca de mil páginas
manuscritas e há muito mais que ficou por digitalizar. Talvez umas
duas, três mil páginas, com o Raul Leal a assumir uma dimensão muito
grande.” Mas há outros autores — Fernando Pessoa, Mário de
Sá-Carneiro, Luís de Montalvor, Alfredo Guisado, José Régio,
entre outros. Há manuscritos de poesia, correspondência,
muitas novidades e alguns textos já conhecidos dos
investigadores. Outra coisa que “é interessante notar é que Fernando
Távora foi reunindo o que o tempo foi dispersando”, afirmou Ricardo
Vasconcelos. Existem documentos de determinados autores, como é o
caso de Sá-Carneiro, cujo paradeiro era desconhecido, mas que Távora
reuniu na sua coleção. Exemplo disso é a correspondência do autor de

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Dispersão com o avô, que chegou às mãos do arquiteto em dois períodos


diferentes. “Fernando Távora acabou por fazer um serviço comunitário”,
afirmou o investigador.

O número de outono da Pessoa Plural, publicada semestralmente pela Brown University, já


está disponível para consulta. É dedicado à Coleção Fernando Távora e teve Ricardo
Vasconcelos como guest editor (editor convidado)

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Mas foi sobretudo a “dimensão e qualidade da coleção” que


impressionaram Ricardo Vasconcelos quando a visitou pela primeira
vez, quando estava a preparar a edição crítica da poesia de Sá-Carneiro,
editada pela Tinta-da-China em abril deste ano. “É riquíssima, muito
centrada em Pessoa e Sá-Carneiro, mas também com grande relevo para
o estudo de Raul Leal. Fernando Távora adquiriu o espólio de
Leal, que é uma espécie de nova arca — mas não no estilo de
Pessoa — com manuscritos maioritariamente originais e
alguns deles inéditos. Há cópias de correspondência,
rascunhos que Leal foi guardando e há coisas que são novas”,
disse o investigador, professor na San Diego State University. Materiais
que, até então, eram desconhecidos. “O espólio do Raul Leal andou
perdido durante 40, 50 anos”, referiu ao Observador Jerónimo Pizarro,
um dos editores e fundadores da Pessoa Plural, que garante que este
número da revista “podia ter sido apenas sobre Raul Leal”. Apesar de
não o ser, há uma boa parte que é dedicada ao autor de Sodoma
Divinizada.

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A importância de ser Leal

Raul Leal foi um escritor português que ficou sobretudo conhecido pela
participação no número dois do Orpheu — com uma “novela vertígica”
chamada Atelier —, e por ser o autor do ensaio polémico Sodoma
Divinisada, sobre António Botto, que foi publicado em 1924 pela editora
Olisipo de Pessoa. “Neste ano em que se celebrou o centenário da
Portugal Futurista, fizeram-se vários colóquios, no Rio de Janeiro, em
Pádua e em Lisboa. Leal acaba sempre por ser posto de lado porque foi
mais um autor de polémica devido aos seus ensaios filosóficos,
extravagância de comportamento e de discurso também”, afirmou
Ricardo Vasconcelos. Personagem controversa, a vida de Raul Leal (com
um enredo digno de um filme) acabou por absorver toda a sua obra —
em grande parte desconhecida — e o seu papel na introdução do
Futurismo em Portugal desvalorizado.

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Leal caiu no “esquecimento” e, por essa razão, existe a “necessidade de


se revisitar a sua obra e pensamento”. “Acho que tem ideias muito
interessantes e que são ilustrativas de um certo período da nossa
história literária”, frisou o investigador. E foi exatamente isso que a
Pessoa Plural tentou fazer — este número, inclui três artigos dedicados
a Leal. O primeiro, “um texto muito bom do Enrico Martines”, analisa a
troca de correspondência entre José Régio e Raul Leal sobre a
publicação de textos deste na revista Presença. “José Régio batalhou
mesmo com os outros membros da Presença para que publicassem o
mais possível de Raul Leal”, da mesma maneira que Pessoa, anos
antes, o tentou defender publicamente, publicando,
inclusivamente, o texto de Sodoma Divinizada, explicou
Vasconcelos. E isso fica claro nas cartas que trocaram, nas quais Régio
diz que “se a revista tivesse qualquer espécie de prurido moral, então
não tinha interesse”. “Fiquei fascinado com a coragem dele, de querer
publicar o que lhe apetecesse”, salientou ainda o editor convidado da
Pessoa Plural. Um outro texto, assinado por António Almeida, aborda a
escrita de Raul Leal sobre as as artes plásticas. O terceiro artigo é da
autoria do próprio Ricardo Vasconcelos, que examinou um rascunho de
uma carta escrita para Fernando Pessoa depois da morte de Mário de
Sá-Carneiro, a 26 de abril de 1916. Esta nunca tinha sido publicada.

Raul Leal “tinha trocado correspondência com Sá-Carneiro, que dizia


que ele era doido, que era o mais Orpheu de todos, na pior maneira”.
Numa carta enviada a Fernando Pessoa, a 5 de novembro de 1915, o
autor de Dispersão escreveu que, apesar de Leal ter algum mérito, era
“muita pena que o rapazinho” fosse “um pouco Orfeu de mais” (com um
só “f”). “Como se Orpheu significasse só loucura”, explicou Vasconcelos.
Curiosamente, Sá-Carneiro era sempre, juntamente com
Pessoa, “o primeiro a querer a comoção pública, o choque”.
Apesar de ter começado por encarado Leal como um maluquinho, Mário
de Sá-Carneiro acabou por “valorizar o pensamento” do filósofo, e os
dois “acabaram por se corresponder um pouco”. “Ficou fascinado com o
que ele lhe dizia”, chegando mesmo ao ponto de remeter algumas das
suas cartas para Pessoa, para que este as lesse.

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Mário de Sá-Carneiro morreu a 26 de abril de 1916, em Paris. Os manuscritos que deixou no interior
do quarto de hotel onde vivia permanecessem desaparecidos

Quando Sá-Carneiro se suicidou em Paris, foi Fernando Pessoa que


informou Raul Leal da sua morte. “Ficou muito chocado. Ele próprio
pensou em suicidar-se numa altura de grande miséria em Espanha”,
contou Ricardo Vasconcelos. E reagiu de forma estranha — ao saber
da notícia, decidiu “fazer uma interpretação filosófica do
suicídio”, que depois terá enviado a Pessoa. Nesta teorização,
Raul Leal defende que o artista, ao pôr termo à própria vida,
“está a fazer uma espécie de autossacrifício, apontando uma
direção nova para os que o seguirão”. “A teorização de Leal
procura abarcar a sua própria espiritualidade, uma projeção astral das
suas emoções, que ecoa a então recém apresentada teoria da
relatividade, e a crença no valor redentor da obra artística”, escreveu
Vasconcelos em “Foi como se fôsse eu o Suicidádo”. “O mais marcante é
o esforço filosófico que ele faz para tentar compreender tudo e a forma
como distorce a linguagem de uma maneira ‘vertígica’”, disse o
investigador em conversa com o Observador.

Esta “interpretação filosófica” foi exposta numa carta dirigida a


Fernando Pessoa, hoje na Coleção Fernando Távora. A missiva foi
redigida quando Leal estava em Espanha, para onde foi obrigado a fugir
depois da publicação de O Bando Sinistro, um manifesto político-
literário sobre a revolução que depôs o regime ditatorial de Pimenta de
Castro, a 14 de maio de 1915, que é analisado por António Almeida neste
número da Pessoa Plural. A missiva está datada de 7 de maio de 1916 e
foi escrita, à mão, em papel timbrado do “elegante” Café Lion d’Or, um
importante centro de tertúlias da capital espanhola. Apesar de se tratar,
aparentemente, de um rascunho, “não se pode descartar por completo a
hipótese de que se trate de uma carta efetivamente enviada a Pessoa e a
que Fernando Távora possa ter tido acesso”, escreveu Ricardo
Vasconcelos. Contudo, o investigador acredita que existem “razões para
crer que se trata de um rascunho de uma carta, cuja versão passada a
limpo possa ter sido enviada ou não”.

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Além deste texto sobre Raul Leal, Ricardo Vasconcelos escreveu outros
dois artigos para este número da Pessoa Plural, também relacionados
com Mário de Sá-Carneiro. “Porque é que não escreve Cartas?” revela
correspondência inédita entre o poeta e o seu avô paterno, José Paulino
de Sá Carneiro, e “Uma Carta Inédita de Fernando Pessoa”,
também relacionado com a morte de Sá-Carneiro, fala sobre a
segunda carta de Pessoa ao gerente do Grand Hôtel de Nice,
onde Sá-Carneiro cometeu suicídio. Até agora, só se conhecia a primeira
carta escrita e enviada por Pessoa ao gerente do Nice, a 26 de setembro
de 1918, mais de dois anos depois da morte de Sá-Carneiro. Existe uma
cópia desse documento na Coleção Fernando Távora, juntamente com
uma anotação que explica que o original “pertence ao espólio de
F[ernando] Pessoa e foi cedido para figurar na Exposição Biblio-
Iconográfica realizada quando do I Congresso Internacional de Estudos
Pessoanos”.

No horizonte solene, É também ao


espólio do
No lívido horizonte
arquiteto que
Já estremece um vago horror do dia pertence esta
Do dia que vai ser aquela infrene segunda missiva
— anunciada na
Tortura de agonia
primeira,
A perturbar o mar, e vale e monte publicada Em
Toda a paisagem angustiada e fria Ouro e Alma:
Sente que lhe perpassa Correspondência
com Fernando
Pela verde da carcaça
Pessoa, volume
Uma luz irreal e de profecia.” organizado por
— Excerto do poema “No Horizonte Solemne” Ricardo
Vasconcelos e
Jerónimo Pizarro —, que deveria funcionar como “credencial” para que
Carlos Ferreira, amigo de Sá-Carneiro em Paris, pudesse levantar os
manuscritos que se encontravam no hotel. Juntamente com esta
carta, encontra-se uma declaração em nome do avô de Sá-
Carneiro, José Paulino de Sá Carneiro, aparentemente

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preparada por Pessoa, que reiterava as informações fornecidas pelo


autor da Mensagem ao gerente do hotel parisiense. Apesar de não
adiantar muito mais relativamente aos papéis de Sá-Carneiro, que
permanecem desaparecidos, o documento releva outros pormenores
sobre os esforços levados a cabo por Pessoa e outros amigos do poeta
para reaver os seus bens. “É mais um elemento do puzzle”, frisou
Vasconcelos.

O número 12 da Pessoa Plural, onde são apresentados pela primeira vez


vários documentos, inclui ainda, entre outros, dois artigos da autoria de
Carlos Pittella — uma revisitação do testemunho de Augustine Ormond,
que conheceu Fernando Pessoa quando este ainda vivia na África do
Sul, e uma análise dos fragmentos do poema “Juliano Apóstata”, de
Pessoa —, e uma discussão sobre a importância da caricatura no período
modernista, partindo da representação de Pessoa por António Teixeira
Cabral, da autoria de Nataliya Hovorkova. Patrícia Silva, cujo texto
encerra a secção da revista dedicada aos artigos, falou da estratégia
editorial de Orpheu e do contributo de Alfredo Guisado — poeta lisboeta
que participou com uma série de treze sonetos no primeiro número da
revista — para a divulgação do projeto literário, apresentando poemas
do escritor. Jerónimo Pizarro analisou vários documentos de Fernando
Pessoa na Coleção Fernando Távora e apresentou um poema inédito,
“No Horizonte Solemne”. A fechar a publicação estão três recensões,
uma delas sobre o Arquivo Digital Colaborativo do Livro do
Desassossego, apresentado oficialmente na semana passada.

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Começar onde a Persona acabou

A Pessoa Plural nasceu a 13 de junho de 2012, data de nascimento do


poeta que lhe dá nome, com o objetivo de servir de “veículo para a
divulgação de materiais inéditos recolhidos da vasta coleção de
documentos do espólio” de Fernando Pessoa, “assim como a correção e
revisão de outros já publicados”. Editada em conjunto pelos
departamentos de Estudos Portugueses e Brasileiros da Brown

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University, de Estudos Literários Comparativos da Warwick University


e de Humanidades e Literatura da Universidad de los Andes — a que
pertencem os professores e investigadores Onésimo Almeida, Paulo de
Medeiros e Jerónimo Pizarro, respetivamente, responsáveis pela sua
edição — é essencialmente uma revista académica internacional
dedicada a Pessoa e aos outros que, juntamente com ele, fizeram o
modernismo português. Ao contrário de outras publicações, que a
antecederam, a Pessoa Plural é exclusivamente online (até agora, foi
apenas publicado um número em papel). Não que a edição impressa de
edições críticas tenha perdido o interesse, mas porque a publicação
digital traz outras vantagens.

“A publicação tradicional, impressa, de edições críticas dos textos de


Pessoa e de estudos críticos sobre eles mantém-se absolutamente
necessária. No entanto, a publicação electrónica da revista trará
vantagens definitivas também”, explicaram os editores numa nota de
apresentação no primeiro número da Pessoa Plural. “Possibilitará
acesso fácil a novos materiais e estudos a investigadores internacionais,
que os podem ler ou descarregar a partir das suas instituições; permitirá
a publicação mais rápida de textos e materiais, sem os limites físicos de
tamanho, qualidade gráfica e custo normalmente associados com
volumes impressos; e permitirá ainda um grau maior de cruzamentos
interdisciplinares, uma vez que se espera que tanto os leitores como os
colaboradores possam ser estimulados pelas divergentes opções
metodológicas e teóricas.”

Curiosamente, a Pessoa Plural não nasceu em Portugal, mas na


Holanda. Ou pelo menos a ideia dela. Há cinco anos, Jerónimo Pizarro
deslocou-se até à Utrecht University — cujo Departamento de Estudos
Portugueses era então dirigido pelo português Paulo de Medeiros —, na
Holanda, para apresentar uma comunicação sobre Fernando Pessoa. Ao
almoço, os dois investigadores discutiram o que é que podia
ser feito para divulgar a obra de Pessoa. “Falámos sobre o que
é que poderíamos fazer, o que é que seria bom”, contou ao
Observador Paulo de Medeiros, atualmente professor na University of
Warwick, em Inglaterra. “A ideia surgiu desse almoço.”

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Até à publicação do artigo de Ricardo Vasconcelos neste número da Pessoa Plural, só se


conhecia a primeira carta de Fernando Pessoa ao gerente do Grand Hôtel de Nice, em Paris.
Esta faz parte do espólio do poeta da Biblioteca Nacional (Biblioteca Nacional de Portugal,
Espólio 3)

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A Paulo de Medeiros e Jerónimo Pizarro veio depois juntar-se Onésimo


Almeida, professor da Brown University, em Providence, e um dos
responsáveis pela criação, nos anos 70, do Centro de Estudos
Portugueses e Brasileiros daquela universidade. Além de ter sido o
primeiro do género nos Estados Unidos da América, o núcleo
de estudos portugueses da Brown permanece, ainda hoje, o
mais importante da América do Norte, desenvolvendo um
importante trabalho de divulgação da língua portuguesa. Para
Medeiros, a colaboração de Onésimo Almeida — que entrou para o
grupo mais ou menos na altura em que o investigador e professor saiu
de Utrecht para Warwick, depois de o Departamento de Estudos
Portugueses da universidade holandesa ter fechado — veio garantir que
“a revista saísse e que saísse com o apoio da Brown e do Onésimo”, que
foi responsável por encontrar as melhores pessoas para tratar de certos
aspetos mais técnicos.

A revista, que já esteve sediada em Utrecht, é agora de Warwick, Bogotá


e Providence, uma realidade que acaba por espelhar o “desejo de
ultrapassar os limites de abordagens estreitas à obra de Pessoa”, como
escreveram os três editores no primeiro número da revista. Foi
também por isso que se chamou à publicação Pessoa Plural
porque, tal como os investigadores, editores e diferentes
abordagens que a compõem, Fernando Pessoa também foi
sempre múltiplo. “São as três universidades dos três editores. É uma
espécie de triangulação anglo-americana-colombiana”, frisou por sua
vez Jerónimo Pizarro, que Paulo de Medeiros considera ser o grande
“motor” da Plural. “Procuro que [a revista] fique nos Estados Unidos da
América porque as bibliotecas norte-americanas fazem coisas
extraordinárias e há um centro digital dentro da biblioteca da Brown, o
que torna tudo muito mais fácil.”

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Na segunda carta escrita ao gerente do Nice, Fernando Pessoa refere que Carlos Ferreira é
capaz de dar “todas as informações necessárias e quaisquer garantias escritas” para que os
manuscritos “do falecido Sr. Mario de Sá Carneiro” lhe sejam entregues (Coleção Fernando
Távora)

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Jerónimo Pizarro considera que tudo aconteceu “numa altura” em que


os investigadores sentiam “muito a necessidade de ter uma revista
pessoana, não só sobre Pessoa, mas sobre a geração de Pessoa, dos
modernistas todos, mas focada em Pessoa e em tudo o que ele pudesse
abranger”. Desde que a Persona, publicada pelo Centro de
Estudos Pessoanos, no Porto, foi extinta, que não existe uma
revista académica focada em Fernando Pessoa e no
modernismo português. De 1977 — o ano de nascimento de Pizarro
— a 1985 — ano em que assinalou os 50 anos da morte de Pessoa —
foram publicadas “quase 900 páginas” e a Persona tornou-se “na
grande referência em termos de uma revista académica para os Estudos
Pessoanos”. “Quando era aluno, costumava trabalhar muito com a
Persona”, confessou o investigador colombiano. “E a Persona teve estes
números todos”, disse Jerónimo Pizarro, enquanto mostrava, uma a
uma, os 11 volumes (um deles duplos) da revista.

A Persona “durou muito tempo”, considerou Pizarro. “Nem sempre


conseguiu ser semestral, mas deixou quase 900 páginas com leituras de
Fernando Pessoa, deu a conhecer documentos, comentários sobre o
Livro de Desassossego, as cartas de amor, traduções e novidades.
Lembro-me muito bem disso tudo”, afirmou, acrescentando que
“algumas coisas da Coleção Fernando Távora tinham sido referidas e
tinham aparecido Persona”. “Arnaldo Saraiva fez algumas coisas a partir
da coleção. Ele tinha uma relação muito próxima com o arquiteto
Fernando Távora.” Ao ponto de levar documentos do seu espólio e
deixar pequenas notas a avisar “levei isto, deixei isto”, que os
investigadores encontraram no meio dos manuscritos.

Nesse aspeto, Jerónimo Pizarro sente que a Pessoa Plural está, de certo
modo, a dar continuidade ao “trabalho histórico muito importante da
Persona” e até ao “relacionamento” que a revista pessoana “tinha com a
Coleção Fernando Távora”, a que a Pessoa Plural presta tributo neste
último número. “A minha memória da Persona não é apenas da revista,
é de três ou quatro artigos que marcaram a minha leitura de Fernando
Pessoa. A minha esperança com a Pessoa Plural é a mesma — que
alguns artigos fiquem na memória de alguns leitores.”

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Apesar de ser uma revista académica, tal como era a Persona, a Pessoa
Plural não é apenas dirigida a investigadores. Essa é, aliás, a ambição
dos editores — que a revista chegue a todos os interessados em
Fernando Pessoa e no modernismo português, em todas as partes do
mundo. Nesse sentido, “é fundamental que a revista seja em open
access”. “Qualquer pessoa pode lê-la. Não é preciso assinaturas, não é
preciso pagar nada”, frisou Paulo de Medeiros. Todos os investigadores
— editores incluídos — trabalham sem receber “qualquer remuneração
seja do que for”. Tudo acontece por amor à causa e por solidariedade
para com o projeto. “Como dizia o Pessoa, ‘tudo vale a pena se a alma
não é pequena’.”

“A minha memória da Persona não é apenas da


revista, é de três ou quatro artigos que marcaram a
minha leitura de Pessoa. A minha esperança com a
Pessoa Plural é a mesma — que alguns artigos
quem na memória de alguns leitores.”
Jerónimo Pizarro

O que Jerónimo Pizarro nunca pensou foi que a revista, que começou
por ter menos de 500 páginas, acabasse por ter quase mil, tornando-se
num “monstro de muitas cabeças”. “É uma coisa que está a crescer de
uma forma difícil de acompanhar e que está a dar imenso trabalho.
Andamos a trabalhar com muitas imagens, a rever muitos
textos, a trocar muitos emails, e queria simplificar isso”,
admitiu o editor, acrescentando que não sabe se, no futuro, “dará para
manter este ritmo”. “Temos mantido um ritmo exagerado de mil
páginas porque ainda há muitíssimo material para dar a conhecer e, na
revista, sempre quisemos ter uma parte de artigos mais teóricos, críticos
e interpretativos, e uma segunda parte para documentos. E sempre
quisemos ter imagens. Existe esta sensação de que há tanta, tanta coisa

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20/12/2017 A última paixão de Fernando Pessoa não foi Ofélia, foi uma inglesa loira – Observador

que os números, que foram pensados para ter 200 páginas, cresceram
espontaneamente ao ponto de terem mais de 700.” O que acontece até
com ele.

Para este número, Pizarro contribuiu com um artigo chamado “Poemas


e documentos inéditos: o lote 31 e a Coleção Fernando Távora”, sobre
alguns dos manuscritos pessoanos que fazem parte do espólio do
engenheiro portuense. O texto — que inicialmente não era para ser da
autoria de Jerónimo, que acabou por escrevê-lo a pedido do editor
convidado, Ricardo Vasconcelos — era para ter entre 20 a 30 páginas,
mas acabou por ter quase 130 porque o investigador “continuava e
continuava a escrever”. Mas, por enquanto, os editores da Plural não
estão a colocar limites aos outros ou a eles próprios. Jerónimo Pizarro
pode continuar a escrever até se cansar.

E o que é que reserva o futuro à Pessoa Plural?

Para Paulo de Medeiros, a grande dificuldade de manter qualquer


revista passa por perceber “se tem fogo” para continuar mas, felizmente,
a Pessoa Plural tem “conseguido manter” isso. “Tem crescido
bastante em tamanho e também em qualidade. Além disso,
tem conseguido manter a regularidade, que penso ser
essencial para uma revista periódica e científica. Se não for
regular, rapidamente vai abaixo”, afirmou o professor
universitário. “Modéstia à parte — porque o trabalho duro é o que é feito
pelo Jerónimo —, penso que, dentro do campo dos Estudos Pessoanos,
não há nenhuma revista que se lhe equipare.” Essa é uma das razões
pelas quais não está preocupado com o futuro da Pessoa Plural e
também porque “há toda uma geração nova de pessoas que está a
trabalhar muito bem, como o Ricardo [Vasconcelos], o Carlos [Pittella
]”. “Penso que o futuro da revista irá ficar assegurado por essas pessoas
mais novas.”

Em 2018, Jerónimo Pizarro gostava de separar os números especiais


dos números regulares. “Temos tido muita coisa híbrida, entre temática
e números com contributos avulsos que chegam simplesmente por

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submissão.” Por essa razão, o pessoano gostava de separar as coisas e


ter “números com o que é submetido e números que são pensados desde
o início”. O próximo número da Pessoa Plural está agendado
para junho — altura em que se celebram os 130 anos do
nascimento de Fernando Pessoa — e o segundo deverá sair em
dezembro. “O que gostaria era de, em junho, termos um número
normal e, já no final do ano, termos novamente um editor convidado e
um número temático.” Além disso, a revista irá continuar “com um
grande compromisso com a Coleção Fernando Távora”, o que significa
que se voltará a falar do arquiteto. Em 2018, também deverá voltar a
revisitar a Coleção Hubert Jennings, que tem ainda muito material que
vale a pena dar a conhecer, e brincar com a questão da numerologia e
astrologia em Fernando Pessoa, aproveitando para isso o aniversário do
nascimento do escritor.

“Modéstia à parte — porque o trabalho duro é o que é


feito pelo Jerónimo [Pizarro] —, penso que, dentro do
campo dos Estudos Pessoanos, não há nenhuma
revista que se lhe equipare.”
Paulo de Medeiros

Já Carlos Pittela espera que a revista continue a trabalhar com arquivos,


como o de Fernando Távora ou o de Hubert Jennings. O brasileiro —
que começou por estudar jornalismo mas que se apaixonou
definitivamente por literatura quando estudou em Coimbra — começou
a colaborar regularmente com a Pessoa Plural a partir do número oito,
publicado no outono de 2015, onde participou como editor convidado.
“Até ao número sete, a Pessoa Plural não teve editores convidados. Os
editores eram sempre o Jerónimo, o Paulo e o Onésimo”, explicou. “A
ideia sempre foi a da revista ser internacional — foi feita de propósito
para estar fora de Portugal, para a internacionalizar, apesar de maior

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parte dos contributos sempre terem sido de portugueses. Mas, a partir


do número oito, foi tudo bastante orgânico. Foi quando foi descoberto o
espólio do Jennings” que, nesse ano, foi doado à Brown pela família do
investigador, um dos primeiros a interessar-se pela obra inglesa de
Pessoa. Nesse sentido, o número oito e 12 têm muito em comum —
tratam de “duas coleções particulares, dois espólios pessoas, que foram
encontrados” e que, apesar de terem “muita coisa diferente entre si”,
permitem realizar novas abordagens à obra de Pessoa.

“O que eu acho interessante é que a Plural está a tornar-se cada vez


mais numa publicação de literatura comparada que usa Pessoa como
centro. Está a tornar-se cada vez mais plural de diferentes
formas — por estimular a colaboração entre as pessoas (por
vezes aparecem dois autores), por ter editores convidados… É
plural nesse sentido — entende Fernando Pessoa como um ponto de
encontro de diferentes pessoas.” Em 2018, Pittela espera também ver a
revista a crescer de “outras formas”. “[Espero] que envolva mais vozes
que aparecem menos. Os Estudos Portugueses são muito dominados
por homens e eu e o Jerónimo queremos menos disso. Queremos
universidades da América Latina, da Ásia, vozes de mulheres, embora
este número não seja muito representativo disso, por outras razões. Isso
não é um problema da Pessoa Plural, mas dos Estudos Portugueses no
geral.”

A revista chama-se "Pessoa Plural" porque, tal como os investigadores, editores e diferentes
abordagens que a compõem, Fernando Pessoa também foi sempre múltiplo (Wikimedia Commons)

E depois há a parte técnica, que tem sido da responsabilidade de Carlos


Pittella. É ele que tem supervisionado a passagem da revista para o
Brown Digital Repository, da universidade de Providence, uma
mudança vai permitir associar Digital Object Identifiers (DIOs), isto é,
bilhetes de identidade para objetos digitais, aos artigos da Pessoa
Plural. Além de dar visibilidade e facilitar a publicação da própria
revista (antes de estar integrada no Brown Digital Repository, eram
precisas cerca de 40 horas para colocar a Pessoa Plural online, um

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processo que agora demora apenas um dia), esta passagem vai permitir
tornar as coisas muito mais interativas. “O repositório da Brown
permite fazer coisas que nunca pensámos. Podemos usar
som, transcrições digitais, publicar filmes. Pode tornar-se de
facto numa revista multimédia, e gostava de brincar muito
com isso”, admitiu o investigador, dando como exemplo o que foi feito
no Arquivo Digital do Livro do Desassosego, uma plataforma interativa
que permite comparar diferentes edições da obra de Bernardo Soares e
criar edições digitais. “Queria aproveitar o ano que vem e fazer uma
coisa muito diferente”, acrescentou Pittella. “Vou sempre querer que a
Plural seja mais plural.” E mais multimédia, claro.

Todos os números revista Pessoa Plural, incluindo o número 12, podem


ser lidos aqui

Texto de Rita Cipriano, ilustração de Maria Gralheiro.


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