Manovich e as hipóteses de elaboração de uma ciência da cultura
Rita Gomes Doutoranda do Programa de Materialidades da Literatura da FLUC MANOVICH, Lev “A Ciência da Cultura? Computação Social, Humanidades Digitais e Analítica Cultural, Matrizes, vol.9. núm.2, Julho-Dezembro, 2015, pp. 67-83 Universidade de São Paulo, Brasil. Em primeiro lugar, a escolha do título deste artigo deixa claro o seu assunto e os ângulos de abordagem que adota: a hipótese de elaboração de uma ciência da cultura apoiando- se no âmbito e definição dos conceitos de computação social, Humanidades Digitais e Analítica cultural. O aparecimento do computador levou não só a que repensássemos a nossa relação com a linguagem, mas também levou a que repensássemos a nossa relação com a cultura, devido ao grande volume de dados culturais disponíveis na rede onde o global e o local entrecruzam-se. Nesse sentido, Manovich desenvolve em 2005 o conceito de análise cultural, retomando a sua definição no início deste artigo: “ […] a análise de grandes conjuntos de dados culturais e fluxos usando técnicas computacionais e de visualização.” (Manovich,2015:68). De seguida o autor cita vários exemplos de questões teórico praticas, o que se nos afigura de fundamental importância, em virtude de não se tratar apenas do ato de forjar um conceito e aplicá-lo no laboratório de pesquisa que estabeleceu em 2007; há preocupações a ser expressas e problematizadas e perguntas a ser compreendidas, entre as quais uma das mais importantes: “O que significa representar a cultura por dados?” (Manovich,2015:68, itálicos no original). Este artigo é também uma reflexão sobre o estado da arte destes campos e, por consequência, sobre as mudanças que se operaram de 2007 para 2015, pois Manovich explica que o trabalho do laboratório de pesquisa que estabeleceu (Software Studies Initiative) foi apenas o começo, já que se tem verificado a análise de padrões em grandes volumes de dados, nomeadamente a atividade e interações dos utilizadores nas redes sociais mais populares (Flickr, Instagram, Youtube, Twitter…), bem como a análise de determinadas profissões e períodos históricos, trabalho que se inclui no âmbito de dois campos cujo desenvolvimento e muito recente: Computação Social e Humanidades digitais. Apesar disso, o autor argumenta que a Analítica Cultural continua a ser intelectualmente relevante porque os dados culturais que estuda não se limitam a domínios específicos ao contrário da Computação Social e das Humanidades Digitais. Deste modo, o autor reforça a pertinência do conceito e a pertinência da sua problematização crítica neste artigo, alertando, num outro momento, para a necessidade de combinar uma metodologia humanística com uma metodologia científica nos estudos culturais. Posteriormente, Manovich começa por descrever o trabalho dos estudiosos de Humanidades digitais que se baseia na análise de “artefactos históricos criados por profissionais” (Manovich,2015:69), dando como exemplo os romances de escritores profissionais do seculo XIX. O trabalho destes estudiosos é limitado às balizas temporais determinadas pelas leis de direitos de autor (no artigo podemos tomar como exemplo o caso dos EUA). Estamos então perante um problema de tempo e um problema de velocidade uma vez que a velocidade de avanço da tecnologia e de aumento dos volumes de dados inseridos na rede não ser a mesma das leis e do Direito. O problema de tempo ganha contornos ainda mais sérios pois a lei apenas permite que os estudiosos tenham por objeto de estudo apenas o passado, logo Manovich afirma que “os humanistas digitais se autoexcluíram de estudar o presente.” (Manovich,2015:69). Por contraste, o campo da computação social é bastante maior por estudar conteúdos criados por utilizadores e as respetivas interações online, o autor solidifica a sua linha de pensamento, advogando que a computação social pode ser também usada como um termo abrangente para toda a pesquisa de ciência da computação que analise o conteúdo e a atividade em redes sociais. Diferentemente das Humanidades Digitais, a Computação Social estuda a cultura popular e não conteúdo gerado por profissionais. Manovich é um autor com noção dos seus leitores, por isso realça a possibilidade de a escala da sua pesquisa ser surpreendente para praticantes das humanidades e das artes. Num outro momento, uma tabela esquematiza as diferenças entre ambos os campos, o que empresta ao artigo uma grande clarividência, pois o leitor consegue recapitular e, por essa razão, apreender com mais detalhe as ideias desenvolvidas ao longo do artigo. Ao mencionar alguns artigos de ciências da computação, verifica-se, na verdade, estudos das Humanidades ou da Comunicação numa escala maior, mais uma vez o autor reforça a sua argumentação acerca da relevância intelectual do conceito de Analítica Cultural. Mais do que a visualização de padrões a previsão de tendências, está em jogo nestes dois campos a exploração do meio, por consequência no artigo dá-se o seguinte exemplo: “Compreender a especificidade do Twitter como um meio é também um tópico das Humanidades” (Manovich,2015:71). Além disso, tomamos conhecimento também que um pequeno número de publicações reside no cruzamento entre as Humanidades e a Computação Social, assim estamos perante a combinação de um método científico com um método humanístico que Manovich preconizou no início do artigo. Manovich realça a abrangência da Analítica Cultural, fazendo deste artigo também uma declaração de interesses: “A Analítica Cultural está interessada em tudo o que seja criado por todo o mundo” (Manovich,2015:74, itálicos no original). Ao afirmar que esta perspetiva é semelhante àquela que é defendida pela Antropologia cultural, torna, em nosso entender o seu conceito um instrumento de conhecimento do humano. No final do artigo, após uma contextualização histórica, Manovich traça a possibilidade de pensarmos numa possível ciência da cultura no início do seculo XXI devido ao volume de conteúdo digital online e interações com o utilizador. Todavia, os modelos probabilísticos no estudo da atividade online não têm prestado atenção ao paradigma científico da simulação computacional, neste cenário como podem ser previstos padrões? Por fim, o autor defende que o objetivo da análise de wide data (o significado da palavra inglesa wide é bastante elucidativo por si: largo, variado, o que dá sentido à abrangência da Analítica Cultural). Portanto, este artigo é também uma chamada de atenção para o facto de o estabelecimento de uma abordagem interdisciplinar ser mais fecundo para a Analítica Cultural, para as Humanidades Digitais e a Computação Social.