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CARUARU-PE
2010
ROSEMARY DA SILVA ALVES SOBRINHO
CARUARU-PE
2010
A474p Alves Sobrinho, Rosemary da Silva.
A psicanálise lacaniana: a questão do sujeito na psicose /
Rosemary da Silva Alves Sobrinho. -- Caruaru: FAVIP, 2010.
65 f.
Orientador (a): Anna Barreto Campelo Carvalheira Chaves.
Trabalho de Conclusão de Curso (Psicologia) -- Faculdade do
Vale do Ipojuca.
_____________________________________________
Profª. Anna Barreto Campelo Carvalheira Chaves (Orientadora)
_____________________________________________
Prof. Getúlio Amaral Júnior - FAVIP
_____________________________________________
Prof. José Daniel da Silva- FAVIP
DEDICATÓRIA
Psychosis is a fascinating topic and the question of the existence of subject of desire in this
structure in a psychoanalytic perspective is still subject of much discussion. There is a
controversy in affirming the the presence of a desiring subject in psychosis. The choice of this
theme can cause surprise and raise questions that seek to discuss this matter, but the issue
supported this work will not be exhausted, there is no intention to establish an absolute truth
on this subject. The concept of subject presented is of a being of desire, of lack (being
incomplete), permeated by the Field of language and signifiers inscribed by the Other. The
psychosis was the result of the failure to include the symbolization and the paternal metaphor,
a being subjugated to the desire of the Other, a being without any fault, inhabited by the truth
and whose unconscious ia an open sky. The importance of this work is to make a reflexion
about the subject's place in psychosis, in order to contribute to the clinic beyond the madness
(disease / pathology) and thus able to propose a place of existence to psychotic and not just
another object. The aim of this study was to review the parameters that are the subject in
psychosis, and then analyze whether it is possible the existence of the subject of desire in
psychosis through a Lacanian perspective. As specific objectives, which was proposed to
investigate the concept of self from Freud to Lacan; Understanding psychosis through a
Lacanian perspective and analyzing the meanings of the subject in psychosis. This qualitative
study is descriptive and explanatory. It is a literature review in which were used the following
theorists: Freud, Lacan, and other psychoanalysts renowned in Brazil and abroad. Also it is a
documentary research by making use of parts of the audio visual material – the documentary
Estamira: "Everything that is imaginary exists and is." as a source for case study. The
psychotics' brilliantness and the riches found in his disjointed speeches, say what they are, and
they are subjects! Psychoanalysis is one that is there, ready to accommodate the demand of
the psychotic, for bet and believe in this as a subject of opportunities, capabilities, and to
make different paths for stabilizing and enforcing the paternal substitute. Psychosis asks us,
breaks paradigms, requires constant reformulations and, as Lacan said, we should not kick in
front of her.
INTRODUÇÃO …………………………………………………………………................. 09
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 62
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INTRODUÇÃO
[...] descartar o psicótico deste lugar de sujeito, como querem determinadas teorias,
não se coloca para psicanálise. A psicanálise aposta no sujeito, aposta no fato de
que onde há linguagem há sujeito, há desejo e que portanto, há possibilidades de
construção, de fazer história, ainda que um pouco mais capenga aqui do que ali,
ainda que na psicose esta história seja mais afastada da realidade material, não
possa ser compartilhada socialmente, não faça laço social. Mas também na
neurose, quantas vezes não falamos de coisas que não existem. (“Informação
verbal”, FERNANDES, 1999).
A Psicose é vista por alguns críticos da Psicanálise, como uma estrutura impossível
de se analisar. Mas na realidade, o que se observa é que o olhar da psicanálise na atualidade
com relação ao psicótico, é um olhar para o sujeito, e não para as impossibilidades descritas
por seus críticos. Sendo assim, a partir da reflexão de uma clínica das psicoses e para as
1
Texto extraído de apresentação oral apresentado no fórum psicanálise e saúde mental pelo projeto de
extensão da UFPB, em 03 e 04 de dezembro de 1999 no estado da Paraíba.
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Lacan nos convoca a não recuar e nem desistir diante da clínica das psicoses, e nem
da problemática da questão do sujeito na psicose. Segundo Pequeno (2002, p.46): “O campo
do sujeito é coextensivo à psicanálise. Reconhecer no psicótico um sujeito é, portanto,
condição essencial para abordá-lo pela psicanálise.”. É nesta condição essencial citada a
cima, que se entende como fundamental o desenvolvimento do texto em questão.
A problemática que envolve a possibilidade da existência do sujeito de desejo e da
linguagem na estrutura da psicose tem sido alvo de algumas reflexões, dentre outros
psicanalistas, Fernandes (2006), ao afirmar que a
Toda produção do campo do sentido e da ordem simbólica, seja ela falada ou não.
Um gesto, uma expressão do rosto, do corpo, uma dança, um desejo, tanto quanto
uma narrativa oral, serão produções simbólicas regidas pelos significantes, e assim,
ditas verbais por estarem na dependência do verbo significante, e não por serem
expressos por via oral. Não “existiria, portanto, o „não verbo‟ no campo simbólico,
e menos ainda „pré-verbal‟. (ELIA, 2007, p.21).
A psicanálise não exclui a constituição do sujeito dos laços sociais e culturais, pelo
contrário, ela acredita que o contexto social tem grande participação nesta constituição. Como
bem descreve Elia (2007):
A afirmação anteriormente citada não quer dizer que a psicanálise e sujeito do desejo
são reduzidos unicamente à uma sociologia culturalista exagerada, mas sim, que há o
reconhecimento destes lugares para formulação constitucional do ser.
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Somos alienados na medida em que somos falados por uma linguagem que
funciona, de certa forma como uma máquina, um computador, ou um dispositivo de
gravação/montagem com vida própria; na medida em que nossas necessidades e
prazeres são organizados e canalizados em formas socialmente aceitáveis pelas
demandas de nossos pais (o Outro como demanda); e na medida em que nosso
desejo surge com o desejo do Outro. (FINK, 1998, p.10).
É através deste discurso, que se pode pensar as psicoses. Mas como pensar em um
sujeito na psicose, se nele, não há falta e nem desejo?
O termo psicose surgiu em meados do século XIX, para substituir o termo loucura,
que estigmatizava o “dito louco”, essa foi uma tentativa de definir a doença num viés
psiquiátrico, pois até então, o “louco” era visto como um “habitar de demônios”, ou seja,
como um ser possuído. Segundo Roudinesco e Plon,
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2
Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia.
(O caso de Schreber) de Freud Vol. XII. 1911-1913
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Metáfora paterna tem como agente o pai, este significante simbólico, com sua lei
vai interditar e vetar o gozo absoluto do desejo do sujeito impossibilitando a
plenitude, ao tempo que liga o sujeito à vida, e a vida do sujeito falante é a sujeição
à lei. Tal submissão à lei promove o gozo fálico e cria o desejo, é onde o sujeito se
coloca numa busca incessante pela completude impossível. (BUCHAÚL, 2008,
p.37).
A ausência da metáfora paterna nas psicoses deixa esta estrutura à vagar pelo mundo
sem direção, a mercê do desejo do Outro, havendo dessa forma, a quebra das cadeias
simbólicas dos significantes. “O sujeito entra num estardalhaço por sentimentos de perdição
e errâncias. Lacan vai chamar isso de processo de foraclusão do Nome-do-Pai, onde a lei é
chamada, mas não responde.” (BUCHAÚL, 2008, p.37). Dessa forma, a função paterna é
foracluída, e com isso não há simbolização da separação primordial do sujeito em relação ao
Outro. Assim, o psicótico fixa-se numa posição de objeto (falta-a-ser), ficando fora do
discurso fálico (discurso do mestre, discurso do universitário, discurso da histérica e o
discurso do analista). Pires (2005), cita que:
A psicose é uma estrutura inabitável pelo recalque, pela simbolização, pelo desejo,
pelo real, pelo discurso e pela falta. É uma estrutura desvelada, sem véu, sem máscara, que
tem a verdade e não a pede ao Outro, mas em contra partida, ela é habitada pelo campo da
linguagem, o psicótico é o mestre da linguagem! Como bem descreve Elia (2007):
O psicótico faz uso da linguagem por diversas vias e caminhos, seja, através da fala
desconexa e cheias de neologismos, ou até mesmo, por meio da escrita, da dança, da música,
da arte, do teatro, do surto e de toda sua criatividade. O que importa é que a linguagem está
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presente nesta estrutura e, pode funcionar ou não, como forma de suplência da metáfora
paterna.
Lacan ao utilizar o termo sujeito psicótico, levanta diversos questionamentos sobre a
questão, acende várias discussões e problematiza o assunto, por outro lado, a posição dele
possibilita uma nova maneira de entender e atender as demandas de tal estrutura. “Rompe”
com os paradigmas preconceituosos que rotulam os psicóticos como: doentes, dementes,
casos e objetos, como se fossem meros “animais” sem cura. Apesar de não haver “cura” para
as psicoses, existem sim, possibilidades de estabilização apaziguadora. Neste sentido, o uso
da linguagem no delírio “poderia” funcionar como sustentação e suplência paterna.
O psicótico sai do lugar de exclusão e passa a fazer parte de um contexto, no qual ele
tem um lugar de sujeito, por está habitado pela linguagem e através da mesma, tenta fazer
valer a suplência para impedir o aprisionamento do Outro.
É esta tentativa de suplência que se vê no filme de Estamira, dirigido por Marcos
Prado (2006). Estamira é diagnosticada como psicótica, trabalha em um lixão e lá, faz
aparecer sua criatividade e linguagem através de ideias delirantes para barrar e impedir o
Outro, é preciso surtar para tentar sair das garras daquele que a aprisiona e sufoca, é a forma
que ela encontra para sanar o sofrimento. Sobre este caso e suas peculiaridades será retomado
com mais detalhe posteriormente, no terceiro capítulo.
A psicanálise Lacaniana, a partir de um olhar para o sujeito psicótico proporciona a
estes uma clínica diferenciada, na qual todo tipo de fala e linguagem é valorizada, seja ela
verbal ou não. Quando se pensa em um sujeito na psicose, pensa-se no conceito de sujeito
lacaniano. Eis aqui o ponto central que este trabalho se propôs analisar. Saber onde e de que
forma o psicótico é reconhecido como sujeito através da linguagem via suplência paterna, já
que a mesma é condição constituinte para o sujeito.
O primeiro capítulo deste trabalho faz um percurso desde o sujeito cartesiano, e o
sujeito do Inconsciente de Freud, até o nascimento do sujeito do desejo lacaniano.
O segundo capítulo trás um recorte da história da loucura e da paranóia. Logo após, é
dado um breve passeio sobre a visão de Freud a respeito da Paranóia e das psicoses, e por fim,
toda conceituação e paixão de Lacan no que tange as psicoses.
No terceiro capítulo faz-se um breve recorte do caso Estamira e as acepções do
sujeito presentes neste modo de estruturação através do delírio como tentativa de reconstrução
deste lugar, além da descrição da clínica psicanalítica das psicoses.
Este é um trabalho que não tem a pretensão de finalizar seus estudos e investigações.
Mas continuará sendo o alvo de estudos futuros.
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O „eu sou‟ em Decartes é a proposição que anuncia para o sujeito a certeza de si,
uma presença a si e que está isenta de qualquer conteúdo representativo. A certeza
de si é entendida ao mesmo tempo como sendo a própria certeza do sujeito. Essa
proposição em que o pensamento está qualificado como o pensamento do sujeito
constitui também o seu ser. [...] A certeza do „penso‟ vai implicar imediatamente, o
„eu existo‟, sendo a realidade substancial do ser pensante [...]. (BASTO, 2006,
p.47).
não suportaria o inconsciente, descrito mais a frente em Freud e Lacan. Ele apresenta um
sujeito ausente e distinto de qualquer função psíquica, o qual é o pensar que lhe permite
existir e resignificar sua existência em si. De acordo com Menezes,
Belo sonho este dos racionalistas, onde a verdade não passará de uma doce ilusão.
Bom seria se a realidade do sujeito em busca da tão sonhada verdade não tivesse gerado
tamanha angústia pelo vazio que existia diante do saber do não saber o sentido da verdade do
existir. A partir de então começa a descentralização do sujeito pensante para um novo
conceito de sujeito. Para Elia,
Surge então a psicanálise, que não se desfaz do sujeito pensante. Mas que segundo
Bastos (2006, p.43), declara: “O sujeito é também o do pensamento, mas inconsciente”. Ou
seja, ele é pensante mais não da ordem da consciência como enfatizava os racionalistas, e sim,
um ser pensante do inconsciente. Dessa forma o sujeito do pensamento objetivo racional e
consciente deixa de ser soberano e dá lugar a um sujeito do pensamento inconsciente.
Foi a partir da crise do sujeito Cartesiano que houve um corte epistemológico na formação
racionalista do ser pensante. Com este corte surgiu um golpe que veio a ferir a tradição cartesiana de
um sujeito ao qual se acreditava ser absoluto e centralizador de todas as coisas, e assim, o pensar seria
a única realidade constituinte. Dessa forma: “Freud veio destruir nossa ilusão de que a
consciência constitui o centro de nós mesmos. Com ele nasce um problema novo: o da
consciência como mentira, ou da mentira da consciência, pois a questão da consciência é tão
obscura quanto à do inconsciente.” (JAPIASSU, 1989, p.36 apud MENEZES, 1996, p. 263).
A psicanálise reconhece que foi a partir de Decartes que surgiu a primeira noção de
sujeito, mas também reconhece que foi a partir do mesmo que se fez necessário a quebra dos
paradigmas racionalistas para o surgimento de um novo conceito de sujeito.
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Foi através da descoberta do inconsciente freudiano, que fez advir e nascer uma nova
noção de sujeito, sujeito este, que é constituído pelas representações psíquicas primitivas, no
qual a verdade não é absoluta, a certeza e a soberania são inexistentes. Para Bastos (2006), é
necessário diferenciar:
A priori, Freud mostra que o psiquismo não é reduzido à consciência e que o mesmo
nos permite compreender os processos sobre a existência do sujeito. A descoberta freudiana
veio revelar que os processos de pensamentos inconscientes se constroem à margem da
consciência e dela independem ou se submetem.
“Freud coloca em cena a concepção de um sujeito dividido não centrado em torno
da consciência. O que ele descobre é a ausência de um eixo á volta do qual os processos
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Esta afirmação revela sem qualquer sombra de dúvidas que as expressões subjetividade e
sujeito
não fazem parte do quadro de conceitos, termos e formalizações construídos no vocabulário
presente na obra freudiana. “Ele empregou a palavra sujeito uma única vez na
„Metapsicologia‟ e, mais exatamente, quando aborda o estudo das vicissitudes da pulsão [...].
Neste contexto, utiliza um termo que já é, em sim mesmo, pouco comum e ainda de maneira
heterodoxa.” (CABAS, 2009. P.22)
O fato é que em toda obra freudiana existe apenas um único parágrafo no qual é
citado de forma explicita e clara a noção de sujeito. O mais interessante é que a obra freudiana
é reconhecida como referência que cita e introduz o sujeito de forma absoluta, necessário para
qualquer noção do ser humano. De acordo com Cabas (2009):
A Verdade é que o parágrafo é bem claro. Mais do que isso. Muito preciso.
Sobretudo porque situa a função do sujeito em relação à pulsão, dando a entender
que os avatares da subjetividade estão referidos às exigências e às imposições da
satisfação pulsional. Por esse viés desconsidera a tradição idealista. Uma tradição
na qual a influência do platonismo faz conceber o sujeito como um ponto ideal.
Uma idéia de si. Uma idéia. Mas também deixa de lado a tradição romântica. Uma
tradição para a qual o sujeito é um ímpeto, digamos vital, uma turbulência
passional. No fim, deixa claro que o sujeito freudiano não é nem idéia e nem
representação. [...]. (CABAS, 2009, p.24 e 25).
Foi somente a partir de Lacan que o termo sujeito foi introduzido de forma explicita
e mais definida na teoria psicanalítica. Jacques Lacan foi psicanalista e autor francês de
grande notoriedade, reconhecido pela contribuição que proporcionou a psicanálise e aos
psicanalistas contemporâneos. Ele fez uma releitura da obra freudiana e retoma os
fundamentos nela propostos. Este grande psicanalista trás à luz conceitos, termos e noções
que não estavam explícitos na obra de Freud. Lacan não só, se aprofundou em alguns termos
como também, os aprimorou. Ele trás o conceito da consciência, descrito pela psicologia,
filosofia e lógica, para contrapor com o sujeito do inconsciente e do desejo, para isto,
modificou a teoria saussuriana do signo lingüístico, ou seja, mostra a supremacia do
significante.
Para Roudinesco e Plon (1998, p. 742): “‟Um significante é aquilo que representa o
sujeito para outro significante‟. Esse sujeito segundo Lacan, está submetido ao processo
freudiano da clivagem (do eu)”.
Lacan acredita que quando alguém nasce encontra no Outro o campo da linguagem e,
assim, inicia suas primeiras significações. O outro, funciona como um espelho para criança, e
através deste, a criança irá se identificar e ir se estruturando como uma linguagem.
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A linguagem é algo pré-existente a cada novo ser que chega ao mundo. A criança
(filho) chega ao mundo inacabado, incompleto e extremamente prematuro de qualquer
significação da linguagem. A criança é este sujeito em construção e constituição psíquica, é
aquele enquanto ser desejante que se percebe em uma “falta-em-ser”. O nascimento do sujeito
ocorre a partir da introdução da linguagem e do acolhimento que inicialmente pode ser
realizado pelos pais. Para Petri (2009, p. 29): “Ao se curvar à linguagem, cada novo ser
perde assim sua própria possibilidade de plenitude em si mesmo em nome da ordem maior
que o obriga a ir ao encontro com o outro para além da mera afetividade comunicativa, [...]
com a introdução da criança na esfera propriamente humana instala-se a dimensão
psíquica.”
São os pais que criam condições para constituição da criança enquanto ser desejante,
ou seja, a priori é a relação parental primária que antecipa o Outro desejante como aquele que
é semelhante ao bebê, que funciona como via de acesso para representação simbólica do
mundo; pois, a criança chega ao mundo desprovida de uma carga pulsional satisfatória, para
sustentar sua sobrevivência enquanto ser existente no mundo. “É o encontro desse novo
organismo ainda inacabado com a linguagem já encarnada nos agentes responsáveis pelo
seu acolhimento, em geral os pais, que cria as condições para a constituição de seu
psiquismo, introduzindo-o no campo pulsional.” (PETRI, 2009, p. 29).
A pulsão seria a mola propulsora vivenciada no corpo, dos cuidados, do acolhimento,
e da falta dos adultos (cuidadores) que permanecem ao lado do bebê, ou seja, esse outro
instala e articula a pulsão no organismo da criança, permitindo que o mesmo, adentre no
universo da linguagem e da cultura, possibilitando dessa forma, resplandecer e nascer um
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Para que o desejo se volte para um objeto não natural, é necessário que se volte
para outro desejo. Aqui o desejo seria um vazio, pois é „desejo de desejo‟,
parafraseando Caetano, „Eu desejo teu desejo‟. Neste momento, o „desejo que visa
outro desejo‟ só é possível numa comunidade humana. O homem também visa a
objetos, mas enquanto objeto de desejo de outro, por isso Hegel diz que: o desejo
humano volta-se para o objeto na medida em que estes se constituem como objeto
do desejo de outros homens. (MENEZES, 1996, p.264)
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A perspectiva lacaniana acreditava que o sujeito só poderia ser concebido por meio
do campo da linguagem e a mãe, é este primeiro mediador a encarnar uma ordem significante
e não significativa, ela transmite algo primordial, que trata-se de uma estrutura significante e
inconsciente.
A mãe ao falar com a criança, transmite para, a mesma, o som da linguagem que
penetra o campo simbólico dela, e neste estágio, a criança ainda não se enxerga alienada ao
desejo, e ao corpo da mãe, um ser totalmente assujeitado ao desejo materno. Eis então, uma
relação simbiótica que necessita da intervenção paterna, para que esta relação, não se torne
algo desestruturante para a criança. Petri (2009), afirma que:
As funções de mãe e pai: mãe na medida em que seus cuidados levam a marca de
um interesse particularizado, ainda que pela via de suas próprias faltas, e pai na
medida em que seu nome é o vetor de uma encarnação da lei do desejo. Em outras
palavras, são necessários o desejo da mãe, por meio do qual a criança se aliena
como objeto, e o Nome-do-Pai, significante que barra o desejo da mãe abrindo a
possibilidade afetiva para o surgimento de um sujeito na operação nomeada de
Metáfora Paterna. (PETRI, 2009, p.30).
Os pais transmitem a falta, a partir de suas próprias funções subjetivas, a falta é uma
lacuna/ vazio estruturante para o psiquismo, ela configura-se como uma incompletude
inerente à condição humana. Para que a falta se instaure, é preciso que a mãe falte- a- ser, é
necessário que a mesma, permita a inserção do Nome-do-Pai/ Lei/ Castração, para que haja o
desasujeitamento da criança. “O desencontro inaugural é inevitável, advém do fato de a mãe
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falhar na sua matriz inicial presença/ausência, ou seja, não comparecer junto à criança no
exato momento em que era esperada, mas antes ou depois. (PETRI, 2009, p.32).
A constituição do sujeito, só se efetiva por meio do que a criança reproduz a partir
daquilo que recebeu nas relações primárias essenciais. O processo de apropriação de
linguagem, não é algo do qual cada ser vivencia de forma singular e subjetiva, “quase como
se o sujeito para adquirir a linguagem seja adquirido por ela.” (PETRI, 2009, p.30).
O sujeito dentro de uma perspectiva lacaniana está constituído e fundamentado em
instância lógica e não cronológica. Dessa forma, o sujeito do inconsciente, é atemporal, não
tem idade e nem cronologia fechada e determinada.
Com o passar do tempo, o sujeito enfrenta vários impasses subjetivos que podem
ocasionar transformações na sua leitura e ação no mundo e na organização de elementos
essenciais para constituição psíquica. (PETRI, 2009).
A mãe é sem dúvidas o Outro primordial e o bebê é o objeto sujeito à necessidade.
Neste sentido, a mãe enquanto objeto desejante do bebê, se oferta em forma de matriz
simbólica articulando assim, sua presença e ausência.
Petri (2009, p. 32) afirma que: “A criança vive uma primeira experiência de
satisfação nesse momento mítico do encontro com o leite/ seio materno, numa relação
ilusoriamente homeostática com a mãe”. Neste momento, é como se a criança vivenciasse a
possibilidade de se tornar um com a mãe; como em um encontro de plenitude com este Outro.
Para que tal situação se reorganize, faz-se necessário a inserção de um terceiro na relação dual
mãe/bebê. É o terceiro que permite a aparição do Falo e dos significantes do desejo materno.
É preciso que a criança se desvencilhe do jogo, a qual está alienada ao seio materno,
funcionando como aquele que é aprisionado ao desejo materno.
O bebê, sai do lugar de Falo da mãe, para se tornar um sujeito de desejo, a partir da
dialética da frustração, dos desencontros com a mãe, este episódio, ocorre por meio do jogo
da castração na relação com o pai, exigindo por parte da criança uma reordenação dos
elementos significantes. Longo (2006), afirma que:
[...] o pai intervém e priva tanto a mãe quanto a criança do falo. É importante
ressaltar que se trata do pai como uma função; as ocupações da mãe, seu trabalho
ou alguém que ocupe o lugar do pai poderão assumir a posição do pai biológico
para cumprir o segundo tempo do Édipo, que significa o encontro com a Lei do pai.
Em outros termos, o pai tem o Falo, a mãe não tem o Falo e seu filho não é o Falo.
O terceiro tempo é o da identificação com o pai: nesse momento opera-se a entrada
na ordem simbólica – a ordem da linguagem onde há necessariamente três
elementos: eu-tu-ele, ou seja, pai-mãe-criança. (LONGO, 2006, p.51).
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O Pai aparece para operar a castração liberando a criança do desejo voraz da mãe.
Este posicionamento é necessário, pois a castração apazigua os conflitos e desgastes da
alienação materna, o pai como figura da Lei fornece uma estrutura que regulamenta a
instauração da Lei. Dessa forma, legitima a incompletude que até então não havia, pois
enquanto a criança se via presa como objeto fálico da mãe, havia uma sensação de plenitude e
completude. O bebê é invadido pela falta que estrutura o psiquismo, não apenas uma falta na
qual existe um vazio a ser preenchido, mas essencialmente por uma falta simbólica.
respeito ao sujeito. “Perante o desejo, o sujeito faz uma escolha entre a responsabilidade e a
culpa. A culpa é sustentada pela sujeição aos ideais morais, diante do que o sujeito capitura
em face do desejo a responsbilidade, por outro lado, consiste em responder pelo desejo
inconsciente.” (PETRI, 2009, p. 35).
Lacan em seu retorno a Freud revela conceitos até então não explicitados, ele
observa que Freud valorizava a fala, as palavras e o modo de linguagem dos pacientes, pois
através deste meio emergia o sujeito e seus conteúdos inconscientes. “No final da década de
1950 e começo de 1960, Lacan buscou definir o sujeito da forma mais precisa possível, e
parecia manter firme uma esperança de que um significante de um sujeito poderia ser
encontrado nos enunciados, isto é, no que é dito.” (FINK, 2009, p. 57). Por este motivo, que a
psicanálise Lacaniana afirma, que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e é por
meio dela que se caminha em direção a revelação do inconsciente, do desejo existente no
sujeito. De acordo com Longo (2006):
A linguagem aqui descrita não é apenas a verbal, mas também às diversas formas de
expressões que funcionam como linguagem. É por meio destas espressões de linguagens, que
se adentra no mundo com todas suas vicissitudes, e assim, o sujeito funciona com um efeito
da linguagem, e se constitui a partir da mesma.
Lacan foi fortemente influenciado por Saussure para desvendar a estrutura da
linguagem. Dessa influência surgem conceitos linguísticos, como signo, significado e
significante, juntos, formam um conjunto inseparável, onde um, não existe sem o outro, como
se estivessem circunscritos. Embora, Lacan reconheça o algoritmo saussuriano e até tenha se
utilizado destes, ele faz questão de diferenciar o significante da linguística saussuriana e para
a psicanálise. Entre o significante e o significado da psicanálise não há nenhuma relação com
os conceitos saussurianos.
A psicanálise não desconsidera que tenhamos um organismo e que este é regido por
leis naturais e biológicas (O que seria louco), nem afirma que as vicissitudes deste
organismo não afetam o sujeito (o que seria impróprio). Ela evidencia e formaliza,
como, aliás, é de sua vocação fazer, o que todo mundo sabe pela experiência, mas
disso não tira, em geral, nenhuma conseqüência: que a experiência que temos de
nosso organismo, de suas exigências, proezas, debilidades ou doença, nós só a temos
através do campo das significações, do sentido, ou seja, pelo fato de que, por sermos
falantes, somos marcados pela linguagem, pelo significante, mesmo no mais extremo
nível de intimidade que possamos estabelecer com nossos órgãos e com o nosso
corpo. (ELIA, 2007, p. 47).
Por fim, Elia (2007), afirma que, o que Lacan formula enquanto noção de sujeito, é a
de um sujeito como efeito de linguagem, um sujeito que surge do enlaçamento pulsional, e
das relações com outro e com o mundo. Dessa forma, advém o sujeito do desejo, do
inconsciente. Um sujeito “completo” de faltas, faltas estas que levam o sujeito em busca do
objeto desejado (falo), é a tentativa de encontrar no outro e nos pares, esse algo a mais que o
complete. É uma busca constante para preencher o vazio. Essa procura pela completude dura
toda vida e vai estruturando o sujeito ao redor do vazio. É com este vazio que o homem deve
3
O termo o sujeito do ato psicanalítico se impõe como sujeito de linguagem, feito e efeito de palavras.
Fink (1998).
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se haver durante sua existência, pois entre o homem e o mundo, há um muro, o muro da
linguagem, da falta e das relações com o outro. Nesse momento, há o que os teóricos
lacanianos descrevem como interdição, a ordem humana funda-se assim, a partir de uma
interdição/ barra através da Lei.
Por isso, Fink (1998), declara que, Lacan elaborou a teoria do sujeito e esta
funcionou como uma de suas peças chaves. O sujeito lacaniano passeia / habita entre a
“linguagem e o gozo” (FINK, 1998), o sujeito é pontual, é evanescente e vislumbra um mais
além, ele não é uma forma e nem um mito. E dentro deste viés, a psicanálise introduz o sujeito
no campo social e cultural, não o isolando destes contextos como acreditam seus críticos.
Elia (2007, p. 72) diz que: “[...] o sujeito foi à peça chave, fundamental, não como
parte do desenho, mas como instrumento mesmo do ato de desenhar. Assim, do desenho
lacaniano, a categoria de sujeito não é a forma, mas o compasso”.
E neste compasso, o sujeito ressurge à cada instante, como um ser de
responsabilidades, desvinculando-se da sua suposta “morte” ou inexistência como
acreditavam alguns. Lacan (citado por FINK, 1998) restitui o sujeito e desmitifica a “Morte
do Sujeito”, ele trouxe vida ao mesmo através do nascimento do sujeito lacaniano.
Lacan (FINK, 1998), grandiosamente inaugura não só o novo conceito de sujeito,
como também, o conceito de psicose ou psicoses, como queira! A psicose é mais uma noção
que Lacan (2008), se dedicou e esmiuçou a luz da psicanálise. A psicose, assim como, a
noção de sujeito, não foi detalhada nos escritos freudianos, exceto, pelo caso de Daniel Paul
Schreber. E é sobre a psicose que se tratará o capítulo seguinte.
32
A loucura foi tomando cada vez mais, o lugar de exclusão e isolamento, pois para
muitos, era mais apropriado esconder e mascarar a loucura, do que deixá-la à mostra e
entender a verdade e o sentido da mesma. A sociedade acreditava que isolando os loucos,
impediriam a contaminação dos cidadãos pelo mau (demônios), que alguns religiosos da
época, afirmavam que os insanos possuíam.
Foucault (1997), descreve que, no renascimento, existiu uma concepção trágica da
loucura, na qual apesar de haver uma diferença simbólica à loucura, se representava no
universo da verdade. E após este período, o que surgiu foi à marginalização social.
A loucura é conceituada como furor, mania, delírio, fúria, insanidade, alienação,
frenesi, ou por termos mais populares (pejorativos e preconceituosos) como doidos, malucos,
birutas, tantã. O louco é tido como um ser da desrazão. As imagens descritas pelo senso
comum a respeito da loucura são: a extravagância, perda do juízo, perturbação de
pensamento, falta de domínio nas paixões e descontrole. Na visão cartesiana, acreditava-se
que a loucura fosse inerente ao próprio pensamento. No entanto, é necessário o
reconhecimento de que é difícil conceber a verdade da loucura, independente da razão que o
pensa.
Sobre todas as questões advindas a respeito da loucura, a partir das querelas,
paradigmas, crises de pensamentos, a respeito da mesma, até o ato da psiquiatria, é o que dá
conta o livro de Michel Foucault (1926-1984), intitulado História da Loucura na Idade
Clássica. Para Roudinesco e Plon (1998, p. 479): “Este livro não pretendeu fazer a história
dos loucos ao lado das pessoas sensatas, perante elas, nem tampouco a historia da razão em
sua oposição à loucura. Tratava-se de escrever a história da separação incessante, mas
sempre modificada entre elas”.
Saindo do discurso histórico a respeito da loucura, o que se pretende agora, é fazer
um breve passeio sobre a nosografia da paranóia, termo que vem substituir temporariamente o
termo loucura.
A palavra paranóia designa loucura, em um sentido da exaltação e do delírio, na
psiquiatria, o termo foi introduzido em 1842 por jonhann Christiam Heinroth (1773-1843),
contudo, vale ressaltar, que o termo paranóia é um empréstimo tomado ao grego clássico – “a
34
interesse estava voltado para os estudos das Neuroses. Não se pode dar unicamente a Freud, a
denominação da psicose, mas também é preciso reconhecer que, como pai da psicanálise, foi
o precursor nas investigações neste sentido.
através dos estudos e investigação das peculiaridades apresentadas neste caso, que os segredos
e incógnitas da paranóia foram se desvendando para Freud.
Os paranóicos revelam os segredos e mitos a seu respeito, e é aí, que está à grande
diferença entre eles e os neuróticos. A paranóia permite ao sujeito, contar sua história, seja
ela, falada, escrita, pintada, ou desconexa e desorganizada, como no delírio por exemplo.
Freud (1996) descreve o Dr. Schreber como: “homem de dotes mentais superiores e
contemplado com agudeza fora do comum, tanto de intelecto quanto de observação –
contraditou os esforços levados a efeito visando a coibi-los de publicar suas memórias [...].”
(p.22).
O Pai da Psicanálise faz a co-relação da paranóia com o complexo de Édipo, o
narcisismo, e a não inserção da castração. É a impossibilidade da inserção de ordem
estruturante na paranóia que faz eclodir a fuga da realidade, para construção de um mundo
“imaginário”, nele presente como delírios e alucinações. Há literalmente uma desconstrução
do mundo externo, que faz com que desmorone o mundo subjetivo, isto ocorre na modalidade
de comprometimento da realidade e causa as confusões alucinatórias. Dessa forma, a
realidade em virtude da impossibilidade da manutenção de uma fantasia de desejo desaparece!
É uma catástrofe que atinge a realidade que desvaneceu-se, ou seja, é uma degenerescência ou
desagregação mental em face da destruição do mundo externo.
O delírio na paranóia seria a tentativa espontânea de “cura”. “Será nesse processo
silencioso, que apenas pode ser inferido a posteriori, que Freud situará a especificidade da
repressão paranóica: afastamento da libido, de coisas e pessoas anteriormente amadas. [...].
O sujeito adoece em virtude de um amor objeto que se recusa a abandonar, o que marca bem
a oposição.” (SIMANKE, 2009, p. 161).
No delírio, o paranóico reconstrói um mundo próprio, não tão esplêndido, que o faz
voltar à viver dentro dele, ou seja, ocorre uma tentativa de restabelecimento e reconstrução.
Para a psicanálise, “o paranóico é fundamentalmente um intérprete, que em tudo vê
sinais que se referem a sua pessoa. O acaso que ele contesta, conspira contra ele. Nada
37
acontece por acaso, tudo adquire sentido, e esse sentido se refere a ele.” (QUINET, 2002,
p.07).
Freud chamava a paranóia de psicose intelectual, na qual podem ocorrer fenômenos
delirantes, fantasias megalomaníacas de redenção do mundo 4. Apresenta o delírio de
perseguição, a erotomania, o delírio de ciúmes. Na paranóia o narcisismo é absoluto, a
verdade impera, não admite erros e a falta. Tamanha presunção chega ao delírio de grandeza,
se acha o centro do mundo e dos olhares, está na mira dos outros, há espiões e perseguidores
por toda parte do mundo, todos falam dele, como se a traição fosse algo eminente.
“Não se trata, portanto, de uma psicose em não há sentidos, como na dissociação
esquizofrênica, na qual impera o non sense. A paranóia ao contrário é o império do sentido,
de um sentido que no fim das contas dirigi-se contra o sujeito.” (QUINET, 2002, p. 07).
Nos escritos freudianos, há referência de outro caso, no qual há uma hipótese de
paranóia: “O caso do homem dos lobos”, mas este, só foi investigado como possível caso de
paranóia, posteriormente pelos pós-freudianos. De fato, não havia na teoria freudiana aporte
suficiente para uma conclusão mais específica acerca da psicose.
Freud (1911) se confessa sem elementos para pensar a especificidade da paranóia a
partir do complexo paterno de Schreber. Ele não atualizou e nem retomou ao caso Schreber a
partir de desenvolvimentos teóricos posteriores. Todavia, permanece como exemplar para
interpretação psicanalítica da psicose, tendo sido com frequência, retomado por outros
psicanalistas e sofrido variadas reinterpretações.
Schreber, “o paciente de Freud que mais repercussão alcançou nos meios
psicanalíticos e fora deles.” (SIMANKE, 2009, p.155)
De fato, a psicose passa a receber um olhar e uma leitura mais específica e
diferenciada a partir de Lacan. Não há dúvidas de que Lacan aprimorou e enriqueceu o
conceito da psicose e tantos outros, dando à psicanálise a possibilidade de uma clínica
diferencial das psicoses. E é sobre a psicose na visão lacaniana, que se desdobrará o tópico a
seguir.
4
Termo referido no texto: Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia.
(O caso de Schreber) de Freud Vol. XII. 1911-1913.
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Enquanto o mestre vienense sempre procurava levar a loucura quer para o quadro
das neuroses, quer para o de uma concepção da psicose que escapava ao discurso
psiquiátrico, Lacan fez exatamente o contrário. Havendo abordado o freudismo pelo
caminho da clínica psiquiátrica de inspiração francesa e alemã, sendo ele mesmo o
grande clínico da psicose [...]. (ROUDINESCO E PLON, 1998, p.574)
Lacan definiu a foraclusão como uma falha, uma ausência no nível do Outro: a
ausência de um significante, o „Nome-do-Pai‟, e de seu efeito metafórico. Esse
acidente, diz ele, confere à psicose „sua condição essencial, com a estrutura que a
separa da neurose‟. O termo „condição‟ implica que a foraclusão não é um
fenômeno. Não faz parte do observado: é uma hipótese causal. É a hipótese pela
qual Lacan designa a causalidade significante da psicose. [...]. Se a foraclusão não
faz parte do fenômeno, não é pela foraclusão que se diagnostica a psicose. Não
identificamos a foraclusão mais seus efeitos. (SOLER, 2007, p.12).
Dessa forma, o sujeito psicótico não inscrito na função fálica, apresenta a foraclusão como a
falta de registro que o impossibilita de simbolizar e entrar no real de forma satisfatória, pois o
que não é simbolizado, ressurge no real, do lado externo como delírio.
Para Quinet (2009, p. 15): “A foraclusão, portanto, remete à noção da Lei e de sua
abolição. Na gramática francesa, o termo forclusion é também utilizado como uma das
formas de negação. A foraclusão se aplica a um fato que o locutor não considera como
fazendo parte da realidade, ou seja, algo que desconsidera completamente.”
O fato do psicótico não simbolizar, não metaforizar, não recalcar, o faz um ser de
inconsciente a céu aberto, no qual há um emaranhado de informações e discursos de Outros,
essas informações vagam sem nenhuma logicidade, não existem encontros metodológicos e
estruturados nestes conteúdos a vagar, mas existe sim, uma desordem cheia de neologismos e
desencontros lógicos.
42
Portanto, na psicose não há diferença se ele é homem ou mulher, ele é o que ele
quiser! Pois, não havendo uma relação com a castração e com o significante o Nome-do-Pai
que está ligado à inserção do significante super-egóico, também não há uma definição sexual
nesse tipo de estrutura.
O Outro coloca o psicótico na posição que assim desejar, fazendo deste, uma
marionete em suas mãos. Portanto, o psicótico não tem espaço para desejar, justamente por
não ter a contingência do gozo. Ele vivencia suas questões como se não fosse ele próprio.
O gozo, enquanto tal não se deixa aprender totalmente, ele está sempre
extravasando, transbordando, escapando. O gozo vasa como no tonel das danaides
que contendo um furo, as obriga a enchê-los sempre sem jamais o completarem. [...]
Não há limites para o gozo; ele não se deixa reduzir ao sexo, pois não se deixa
aprisionar pelo significante fálico. O que não quer dizer que seu campo seja
estruturado. (QUINET, 2006, p.27).
Portanto, o psicótico é um homem livre por natureza, porque ele não obtém o
controle e a vigilância presentes no Objeto a, e é por não haver a presentificação deste na
psicose, que ele surge no campo da realidade através do olhar ou como uma voz.
Ao se fazer um retorno ao Outro na psicose, o que é percebido e destacado pela a
psicanálise a respeito deste Outro, é o reconhecimento deste como o tesouro dos significantes,
já que o significante S2 (Nome-do-Pai) está foracluído, e o S1 é apenas simbólico. O S1 só é
inscrito através do S2. Dessa forma, não existe uma simbolização do S1, há na verdade o que
se chama de uma falha no significante S 1, ou seja, ocorre uma retroação e repetição do S 1. É
como se o S1 fosse uma letra solta que foi inscrita, mais ainda não é uma palavra formada, é
por este motivo que não existe uma amarração dos significantes, como também, não há na
psicose o controle sobre o gozo que é desenfreado.
O Nome-do-Pai, seria o significante primordial para barrar o gozo e fazer com que o
sujeito na psicose se estabilize, mas não é pela inexistência deste significante que o psicótico
desiste de buscar soluções no real para apaziguar e se organizar enquanto ser, mesmo que uma
vez dentro do real ele poderá ser engolido pelo mesmo.
[...] aquilo que especifica a alucinação psicótica é o fato de ela ser verbal. Trata-se,
pois, da alucinação do verbo e não do distúrbio ligado aos órgãos do sentido como
sua classificação parece sugerir: alucinações auditivas, táteis, etc. [...] É por não
ser auditiva, por situar-se em outros registros que os alucinados não a confundem
com outros ruídos ou falas não alucinadas, e que mesmo os psicóticos surdos-
mudos de nascença podem alucinar. Para estes a alucinação é verbal sem ser
auditiva. (QUINET, 2009, p. 16).
“Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual...
Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Maluco total
Na loucura real...
Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez...”
( Raul Seixas)
(estuprador). Saiu do prostíbulo aos 17 anos para casar-se, depois passou a ser traída pelo seu
marido, e separou-se deste. Após um breve momento de estabilidade (reorganização
emocional), casou-se novamente e foi morar no Rio de Janeiro, este segundo marido, além de
também traí-la, obrigou-a internar sua própria mãe, que também portava sofrimento psíquico,
em um hospício (Hospital Pedro II). Depois de vários momentos conturbados com seu
segundo marido, Estamira sai de Casa e toma providências para tirar sua mãe do hospital
psiquiátrico.
Estamira, foi uma mulher muito religiosa, até o dia em que foi estuprada depois de
adulta pela segunda vez. Durante o estupro, gritou por socorro e para que Deus a ajudasse,
mas diante de seus apelos desesperadores por ajuda, seu algoz e estuprador de forma
dissimulada, e cheio de cinismo, a contestava dizendo, que Deus não existia e que, portanto,
não a ajudaria. Depois deste acontecimento, ela passou a ter delírios e alucinações
persecutórias, ou seja, se dizia perseguidas pelos agentes do FBI, se achava observada, e que
as pessoas que se aproximavam dela possuíam uma câmera escondida para lhe filmarem, e
assim, causa-lhe mal. Estamira, parece ter encontrado uma trajetória escape de tamanho
sofrimento via alucinação.
Estamira indigna-se contra Deus, que não cuidou dela e nem do mundo, ela não
suporta que o citem perto dela, pois, acredita que Ele permitiu que tudo ficasse ao contrário,
por isto, se refere a Deus como “poderoso ao contrário”. Diante da revolta ao Deus do
“abandono”, ela se diz comunista e que, portanto, quer mais igualdade entre as pessoas.
Estamira trás consigo um discurso desconexo, mas eloqüente e cheio dos
neologismos. Sua voz é o fio condutor da narrativa de sua história de vida. Mergulhada na
pobreza, carrega marcas das diversas violências sofridas.
A vida desta mulher está carregada de significações e significantes, um destaque para
seu próprio nome, ESTAMIRA: ESTA- QUE-MIRA/ ESTA-MIRA= OLHAR QUE TUDO
VER, ESTAR- AQUI, ESTAR- ALI, ESTAR EM TODO LUGAR, ELA ESTÁ EM TUDO
QUANTO É CANTO. “Ninguém vive sem ela”. Eu sou a ESTAMIRA! O nome Estamira
marca o seu lugar de sujeito, pois nomear é reconhecer! Talvez por isto, ela insista tanto em
repetir seu próprio nome, mesmo que sempre na terceira pessoa, pois, o nome uma vez
reconhecido, faz a vida resistir e resignificar.
Estamira retrata a impotência e desamparo do homem a mercê do “Trocadilo” (face
perversa de Deus). Ela revela o quanto pode narrar (falar sobre) sua vida e resisti, mesmo no
meio dos escombros e dos detritos. Estamira se sustenta no testemunho de sua experiência.
47
Nasce ali também Estamira de sua tarefa, reveladora das verdades do mundo. [...]
do lixo do mundo, do descaso e da alienação. O corpo estranho num mundo que a
exclui, utiliza o próprio lixo do mundo, montanha imensa de exclusão para ordenar
o mundo, fazendo dela lugar de criação. Organiza o espaço e se organiza. Dá
significação aos objetos, ganha significado. Da periferia do mundo ao coração do
mundo. Reinventa sua vida, se inventa, cria e recria, brinca de criador. A dureza do
lixão, com seus odores azedos, fumaças poluentes não afasta sua tarefa. Ao
contrário, é ali, entre os detritos e cadáveres que encontrará sua chance de
salvação. (JACINTHO, p. 1e 2).
Estamira se apresenta como um espelho que revela fragmentos de sua vida e suas
revoltas contra o mundo e contra o “Trocadilo”. Nada, no entanto, parece desviar Estamira de
sua tarefa de redentora do mundo, e de sua trajetória para estabilização e organização
apaziguadora, e assim, se fazer emergir como sujeito. Estamira declara: “Minha missão além
de ser Estamira, é mostrar a verdade, capturar a mentira e tacar na cara”. A Senhora da
verdade! Ela se mostra como a reveladora das verdades do mundo, pois, não se vê como uma
pessoa comum, ela é especial! Ela se basta, ninguém é tão importante quanto ela mesma
(como é próprio da psicose). Por isto, ela diz que homens, são seres comuns. Mas ela
(Estamira), pode ver o além dos aléns, e os comuns, só podem ver o que lhe são permitidos.
“Ela é a visão de cada um, ninguém pode viver sem ela”, porque ela taca na cara as
verdades e as mentiras da vida e do Outro. Trás na sua linguagem um conteúdo rico e real,
sabe o valor que tem o dizer, e se sustenta em grande parte em suas palavras que restauram a
potência de verdade do significante.
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Algumas significações e significantes são impostos, por isso, são tão presentes na
construção da história do sujeito. A verdade para Estamira, faz parte de seu ser. É algo que
ela carrega como marca do grande Outro, assim, como seu nome. Em Estamira, as palavras
não se esgotam quando remetem uma significação, vão sempre além do que se esperam. Nos
delírios apresentados por Estamira, as palavras têm sempre um som desconhecido e
desconexo, mas sem perder o valor das significações.
O delírio de Estamira funciona como uma defesa contra o real assustador. Diante
disso, o “Trocadilo” se apresenta como um significante do esforço para colocar o ponto do
basta no Gozo. Assim, a palavra no delírio passa a ter um peso e um sentido. E é aqui que o
sujeito psicótico se apresenta. “Estamira para todos e para ninguém é o olhar que tudo pode
ver.”
A palavra na psicose adquire uma dimensão de salvação e de força, que surge para
revelar, essa é a posição singular de Estamira que pode recuperar um estatuto, para aquilo que
foi rejeitado e eliminado, o estatuto de sujeito.
O pensamento dessa mulher, faz distinções importantes e extraordinárias entre
trabalho e sacrifício, entre ser ruim e perverso, entre sofrimento psíquico (doença mental) e a
perturbação, entre o homem ímpar e a mulher par, entre os espertos e os espertos ao contrário,
entre o além e o “além dos aléns”.
Essa catadora de lixo de baixa estatura, desvela os horrores de sua vida, as mazelas
dos homens, através de suas palavras. Ela dá significação aos objetos, reinventa sua vida, se
inventa e recria, brinca de criadora e salvadora do mundo. É nesse lugar de criatividade e
reinvenção, que se encontram as condições de verdade do sujeito.
Estamira brinca com a realidade, cria fantasias que lhe permita suportar os
sofrimentos e a não inscrição da Lei do significante Nome-do-Pai, por isto, ela opera nesse
espaço de criar e constrói nele, um mundo imaginário, tornando extraordinária a realidade. Ao
fantasiar, Estamira se possibilita uma sensação de liberdade, a qual teve de renunciar, em
razão da realidade. Ela recusa-se a aprisionar-se ao Outro, não aceita dopantes
(psicofármacos) que a robotizem, mostra seu desejo de criar, a partir de seu universo. “A
criação e toda abstrata, a água é abstrata, o fogo é abstrato, a Estamira também é abstrata.”
(ESTAMIRA, 2006).
O “Trocadilo” significante que se repete no discurso delirante de Estamira, para
nomear o encontro suportável com o Outro gozador. Segundo ela: o “Trocadilo” faz as
pessoas viverem a ilusão de acreditarem em coisas que não existem”. Ela ainda acrescenta:
“Não tenho raiva de homem nenhum, tenho é pena. Raiva e nojo tenho é do Trocadilo, do
49
Estamira busca o controle e institui um mecanismo acionado pelo que ela chama de
controle remoto. Em momentos de crise ela se vê ameaçada em seu controle e ai
presenciamos uma fala enigmática, com sons incompreensíveis. Não sabemos o que
estar dizendo, mas neste contexto, talvez o mais importante seja como o diz. A voz
adquire sua potência de pura voz, e assim, esta mulher tenta narrar o inarrável. Sua
voz grita junto com trovões. (SOUSA, 2007, p. 54).
A clínica psicanalítica das psicoses é aquela que não tem recuado diante desse modo
de estruturação. É aquela que tem investido e acreditado no sujeito psicótico. É essa que tem
um olhar que não perpassa pela patologia, pois, não acredita que a psicose seja uma doença à
ser silenciada. Não acreditando em uma doença, também não acredita em uma possível cura,
assim, uma vez psicótico, para sempre psicótico. Entretanto, a psicanálise investe e propõe
vias diversas de estabilização, nas quais o sujeito psicótico possa conviver com as
peculiaridades do seu modo de existir sem que isto acarrete tanto sofrer.
As maiores dúvidas em relação à clínica individual psicanalítica das psicoses surgem
a partir das seguintes questionamentos: Como receber o psicótico na clínica individual, se ele
não entra em análise e nem tem o insight? Como acolher a demanda se o psicótico é dono do
saber e já possui todas as respostas? Frente a estas questões, surge à preocupação de como o
analista atuará diante das implicações dessa estrutura e principalmente ao se deparar com o
surto e a crise instalada.
O primeiro erro dos críticos da clínica psicanalítica individual com psicótico seria o
fato de enfatizarem que a psicanálise não daria conta do processo, e que dessa forma, seria
necessário apelar para outras áreas de conhecimento. Que bela lei do engano! Não houve na
obordagem psicanalítica, alguém que se dedicou mais aos estudos, investigações e análise das
psicoses, se não o próprio Lacan. A contribuição de Lacan neste contexto foi, de grande
importância para a atualidade, ele sempre demonstrou um fascínio e grande interesse pelas
questões da “loucura”. A psicose foi sem dúvida, aquela que mais aguçou a curiosidade deste
psicanalista, além de ser uma das responsáveis por sua inserção na psicanálise.
As vicissitudes presentes na clínica das psicoses, chamam os fascinados por esse
modo complexo, misterioso e ao mesmo tempo, encantador de estruturação, para o desafio
possível de acolher a psicose de forma diferencial. Não há nesse caso por parte da psicanálise
uma auto-afirmação, um egoísmo, uma prepotência ou a pretensão de um agir de forma
isolada a outros saberes. A psicanálise reconhece a importância da multidisciplinaridade. Ela
não tem nenhuma pretensão em ter respostas prontas e únicas para tal questão, não há a
intenção de desdenhar dos outros conhecimentos. Mas o que não se pode admitir, é que se
desfaçam de tudo que Lacan trouxe de contribuição para este campo até hoje, e de forma
irresponsável, afirmem que a psicanálise nada tem a dizer a respeito das psicoses. Reconhecer
é imprescindível, pois, sabe-se que ela tem muito a contribuir e a dizer sobre esta questão.
53
A psicanálise primou, desde suas origens, por aquilo que não se destacava em
determinado contexto ou época. Suas investigações e descobertas, sempre foram alvos de
várias discussões e polêmicas, mas isto nunca abateu e nem desanimou o pai da psicanálise
(Freud), Lacan ou seus precussores. Ao contrário, Freud não se preocupou com tais questões
ou até mesmo com um possível reconhecimento científico da psicanálise, pois, a
cientificidade não era o alvo, afinal de contas, a psicanálise é subjetiva é aquela que analisa o
imensurável, o não quantificável: O inconsciente.
Em uma breve digressão, é importante ressaltar que a compreensão psicanalítica a
respeito das psicoses é necessária. A psicanálise parte do pressuposto de que o psicótico é um
sujeito com voz, capaz de dizer sobre si e produzir. Portanto, a psicose não é doença a ser
tratada ou curada, pois, é aquele modo de estrutura de uma produção plena de sentidos, que
possui lugar de existência subjetiva. No âmbito do sujeito, possibilita ao psicótico, o lugar de
contornos, amarrações e inscrição desse ser no mundo em que vive, e assim, viabilizem uma
localização, ou seja, cria meios para que o psicótico possa tecer redes e ter um lugar de existir.
A psicose não pode ser silenciada como um incômodo, como deseja a psiquiatria
tradicional. A psicanálise luta contra a pulverização do sujeito, dos sintomas e do descarte da
subjetividade presentes na psicose. A posição do psicanalista é de apostar no outro e em sua
subjetividade. E é esta clínica, que se faz presente no acolhimento ao psicótico, a clínica do
sujeito e para o sujeito.
Retomando aos questionamentos em relação ao atendimento individual das psicoses,
há que se destacar, que a preocupação com o surto e com a crise psicótica, é algo da qual a
psicanálise não recua e nem teme, pois, é diante da crise que o psicótico revela seu
sofrimento, e ao analista, cabe acolher este sofrimento. É através da crise e do surto que se
revelam os mistérios terrificantes das psicoses, mas se o surto ocorre durante o processo
analítico, há de se investigar se isto se deu devido às vicissitudes transferenciais ou contra-
transferenciais.
A crise psicótica é aquela que paralisa, impõe ou rompe com a realidade do sujeito,
como bem recorta Cassorla (1999) do texto de Resnik (1989, p.50):
54
A crise psicótica esgarça a trama tecida pelo tempo, irrompe, rompe, paralisa,
impõe seu tempo, sua realidade, seu princípio de „irrealidade‟. A psicose nos
defronta com o problema da ruptura: o diálogo interior entra em crise, está cindido,
feito em pedaços, fragmentados, desmantelado, disperso. A experiência psicótica de
um mundo que explodiu em pedaços é a exteriorização de um cataclismo interior, de
um tempo apocalíptico que viola as barreiras do exterior; há um momento em que é
difícil „situar‟ os fragmentos, saber se estão „dentro‟ ou „fora‟; alguns, ligados à
função lingüística, continuam seu discurso autônomo e dismórfico, mas „em outro
lugar‟, em outros espaços, em outros tempos, em outros „mundos‟ [..].
Dessa forma, entende-se que o psicanalista para entrar em contato com o mundo psicótico,
deve deixar-se invadir primeiro pelos aspectos deste, claro que de forma controlada, pois, esta
atuação, só será possível se houver uma cisão sadia, ou seja, uma parte se permite entrar no
mundo do psicótico, e a outra apenas observa o que acontece nesta estrutura.
A clínica Lacaniana das psicoses, se implica na escuta desse outro, estando
disponível para encontrar com este, assim, ouvi-lo, possibilita que encontre um lugar, mesmo
que o encontro com este, soe estranho. A clínica também aposta na fala do psicótico, com esta
postura, o sujeito sente-se a vontade para apresentar suas verdades. Verdades estas, que na
maioria das vezes, se apresentam nas construções delirantes. O Delírio pode ser apresentado
como uma forma de criação de um lugar de existência, é como se fosse uma versão de si e de
sua história, por isto que é imprescindível, que o delírio seja levado com toda consideração
pelo analista.
O analista ao apostar no sentido, faz a legitimação daquilo que o psicótico tem a
dizer, permitindo assim, que ele crie um lugar verdadeiro como sujeito. Através desta posição
a priori abre-se um leque de possibilidades para que o psicótico aceite adentrar no “mundo”
55
do tratamento analítico, mas o lugar a ser ocupado pelo sujeito psicótico, dependerá do lugar
que o outro (o analista) sustentará a seu respeito, ou seja, é aquele lugar de aposta e de
articulação. A psicanálise aposta no sujeito e na verdade que ele trás de sua condição.
Acredita que existe alguém, ali, capaz de desejar e de “construir” um psiquismo, de
relacionar-se e fazer laços sociais
A clínica das psicoses é essa clínica possível, demandada pelo sujeito, a prática
psicanalítica é chamada à introduzir o sujeito, introduzir na sua lógica inconsciente,
implicando-o em sua história, no seu gozo e no delírio que este, constrói para se sustentar e se
conter. Portanto, é necessário deixar o psicótico falar da vida que ele se faz protagonista,
revelando assim, a fixação do gozo, onde se condensa seu sintoma. Dessa maneira, a psicose é
a estrutura da linguagem, entretanto, cabe ao analista, proporcionar o sentido da análise para o
sujeito, colocando-o diante dos significados e significantes que marcaram e marcam sua vida
e o seu discurso. Essa é a possibilidade que se encontra para que o psicótico possa se nortear
na realidade.
É através das significações, que o sujeito constrói pela identificação imediata com o
Outro e sua realidade. O Outro, funciona como espelho no registro imaginário, pois, lhe
faltam referências simbólicas que lhe diga quem ele é. É neste sentido que Lacan descreve em
seu III seminário- As psicoses (1956), que este modo de estrutura, funciona como um
banquinho de três pernas, neste caso, o sujeito, pode até se equilibrar sobre este banquinho,
mas de forma precária e instável, ou seja, falta-lhe estabilidade segura. Sendo assim, o
psicótico procura identificações que lhe sirvam de bengala e lhe possibilitem maior
estabilidade.
É fundamental que o psicanalista não desista do atendimento inicial ao psicótico,
pois nessa fase inicial, poderá vir a fracassar frente aos desafios presentes na estrutura. Às
vezes, as sessões podem ser marcadas por certo vazio inalcançável da repetição, diante disto,
qualquer diálogo que o analista tente manter, pode vir a fracassar. Assim, se faz necessário
que o analista renuncie ao seu saber, buscando equilíbrio entre o tudo e o nada. O nada pode
ser dito pelo sujeito e o tudo, se perde por especificamente nada faltar.
O sujeito psicótico geralmente é levado à clínica por um terceiro, mas deve-se
atentar, que se este, continua indo, cabe ao analista identificar qual é sua demanda enquanto
sujeito, dando-lhe a oportunidade de falar o que quiser e se quiser.
Para Tolentino (2009, p. 4): “Quando nos referimos à clínica das psicoses, nos
referimos à transferência, não diferente de qualquer outra clínica, já que existe uma relação
56
com o saber. Na análise com o psicótico o saber equivale ao gozo, ou seja, o sujeito do
suposto saber equivale ao sujeito suposto gozar.”
É preciso que o analista utilize da técnica da manobra de transferência na clínica das
psicoses, como tentativa de barrar o gozo do Outro que invade o psicótico. Para que isto
ocorra, é necessário que o analista saiba exatamente qual lugar ele ocupa para o sujeito. O
psicanalista precisa se portar diante da psicose como aquele que diz não ao gozo, situando-o
como sujeito e não como objeto, buscando justamente emergir no sujeito a falta no
significante Nome-do-Pai, este significante que lhe falta, seria a ponta do iceberg no
atendimento ao sujeito psicótico.
Com esta afirmação a cima, não há nenhuma pretensão em se afirmar que possa
haver algum meio de fazer surgir o significante Nome-do-Pai, como possibilidade de cura
absoluta, pois, se assim o fosse, seria uma promessa de cura, e definitivamente esta promessa,
até o momento não existe. O que se afirma são tentativas de estabilização via suplência
paterna. Como bem descreve Quinet (2009):
Mas uma vez é preciso enfatizar que o analista tenha o entendimento de qual lugar
ele ocupa nesse processo, para que dessa forma, possa intervir de modo adequado no sentido
de facilitar a elaboração enigmática das psicoses e, assim, poder atentar para demanda e
acolhê-la.
A demanda na psicose está diretamente ligada a foraclusão, o ponto de partida da
demanda pode ser descrito como significação em suspenso. O psicótico não leva nenhuma
questão como demanda para análise, ele leva as respostas, pois sempre tem a resposta já que
nada lhe falta. Outra forma de demanda é a ideia delirante que se apresenta ao analista, a fim
de torná-lo testemunha, ou para que o mesmo, avalize as significações presentes neste. A
demanda então, se apresenta como um pedido ao analista de fazer barreiras ao gozo do Outro.
O delírio prenuncia outra realidade na qual existe a exigência do significante. Lacan
orienta a escutar o discurso do sujeito com cuidado, já que é através desse discurso, discurso
delirante que o psicotico se dirige ao analista.
57
É importante deixar claro que tal discurso se torna mais aparente ou até presente
quando há certo desencadeamento da crise. No entanto, nós psicanalistas, seja no
consultório particular, seja na instituição, também recebemos psicóticos fora de
crise, portanto, sem a presença do discurso delirante articulado e claro. De
qualquer forma, devemos aceitar o que ele diz, mesmo que seja incomunicável e sem
sentido para nós, uma vez que há ai uma relação especial com a linguagem, o que
determina outra forma de se relacionar com o mundo. (MEYER, 2004, p.122).
É através de um viés mais amplo que se deve pensar a transferência na clínica com
psicóticos. A transferência é algo que está implicada na clínica, pois, se existe transferência na
psicose, é porque existe uma relação com o saber. Para isto, o analista precisa deixar o lugar
de suposto saber diante da psicose, se colocando no lugar do suposto não saber. Pois como já
foi visto anteriormente, na psicose, há um sujeito do suposto saber que lhe indaga, mas há de
se destacar que este , não é suposto à um terceiro, ele é encarado e presentificado. O saber
que dele se deduz não falta, ao contrário, na psicose não há suposição, há certeza. Dessa
forma, o psicanalista é interpelado como um saber sem um sujeito suposto.
Na clínica da psicose, é preciso operar a partir de um esvaziamento de um saber
sobre o paciente. A posição do analista de sujeito suposto, não saber é favorável para não
proporcionar uma relação intrusiva de transferência, e evitar assim, oferecer ao psicótico
elementos que permitam que ele coloque o analista como o Outro absoluto, fazendo com que
o psicótico permaneça a ser um objeto.
silêncio aqui ressaltado, é aquele que incita o psicótico a dirigi-se ao analista de forma, mais
explicita suas associações. Assim, o analista se faz guardião do limite do gozo.
O trabalho clínico com a psicose, desta forma, deve caminhar na direção de acolher
ou até produzir um possível endereçamento, criando condições para que o sujeito
que muitas vezes parece não estar lá, possa encontrar um espaço de existência.
Para que isto seja possível, é preciso acompanhar o psicótico na criação de meios
para barrar o Outro, sendo este trabalho o que Lacan chamou de secretariar,
quando aconselhou a ser secretário do alienado. [...]. O psicanalista ao ocupar o
lugar de secretário, para além de afirmar a posição de sujeito de testemunha aberta
do discurso do Outro, pode ajudá-lo a construir um sentido para isto que ele
testemunha. Assim, seu papel é ativo, o que significa não apenas registrar o que a
testemunha relata, mas tornar seu testemunho „ao pé da letra‟. (MEYER, 2008,
p.309 e 310).
Certamente pode parecer uma grande ousadia falar de clínica das psicoses, mas é
importante compreender que esta, é a clínica do sujeito. Lacan investiu nesta clínica, e cabe
aos amantes desta, ressaltarem sua importância no que se refere à psicose. Pois, o saber do
sujeito psicótico aliado a um não saber do analista, é responsável pela realização da clínica
das psicoses. Clínica esta, que abre as portas para as palavras do sujeito, que oferece uma
escuta ativa possibilitando ao sujeito um alívio e a liberdade. Uma clínica que acredita na
capacidade criativa do sujeito psicótico, que não rotula, não exclui e aposta na existência de
um sujeito nesse modo de estrutura. É uma clínica que possibilita a inclusão no laço social, e
que não faz promessas de cura e nem de silenciar os sintomas que dizem do sujeito, mesmo
que para isto, enfrente várias lutas, dificuldades, críticas e rejeições decorrentes de seus
críticos, ou até mesmo diante das próprias limitações. A clínica lacaniana da psicose é
diferencial porque não recua diante da estranheza e das complexidades desse modo de ser.
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A construção desse trabalho foi um presente apaixonante, foi um filho gerado com
muito amor e dedicação, falar de psicose é falar de algo que encanta, é acreditar que não há
impossibilidade quando se deseja. Este que aqui vos apresento, é o filho que nasceu e está
pronto para vida.
Este é um daqueles momentos dos quais deixam uma sensação de realização e
satisfação, proporcionando que o desejo de um grande sonho possa ser concretizado através
deste trabalho.
Explicitar os pressupostos que norteou a realização deste trabalho de conclusão de
curso, é estabelecer uma ligação direta com algo que trás fascínio, atração e que proporciona
aventura, tempestades e desafios. Estudar a questão do sujeito na psicose, é também se
colocar na posição de sujeito desejante, de um sujeito que fez suas próprias escolhas e que foi
em busca de realizações singulares.
Não há como fazer conclusões deste trabalho, porque este é um tema que terá
continuidade em pesquisas futuras, ele não finda aqui, apenas continua, continua. Sabe-se que
nem tudo foi possível pesquisar e apresentar, muitos elementos presentes no texto, poderão
melhor ser trabalhados em outro momento. Essa pesquisa bibliográfica é, portanto, o resultado
de uma inquietação devido às peculiaridades da linha pensamento presente na psicanálise
elaborada por Freud e apresentada por Lacan. Tal inquietação foi o que permitiu elaborar este
trabalho.
A que se pensar em considerações, pois, concluir significa fechar algo e na psicose
nada se fecha, sempre há novas descobertas, novos enigmas, novos mistérios. A própria
psicanálise não se apresenta como uma conclusão para todas as respostas a respeito desta e de
outras temáticas. A psicanálise é aquela teoria que convoca os interessados por ela a se
debruçar em conceitos, sem se deixar vencer pela alta complexidade presentes nestes, assim, é
como se cada momento de complexidade aguçasse ainda mais o desejo de ir em busca de
mais compreensão, ou seja, aprender e apreender.
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alguns, de perto ninguém é normal, ou seja, quem é mais louco, o psicótico ou quem o
segrega? Quem disse que ser “normal” é ser especial? Quem comete mais barbaridades, o dito
“normal” ou o louco?
A genialidade dos psicóticos e as riquezas presentes em seus discursos desconexos,
dizem do que são, e são sujeitos! A psicanálise é aquela que está aí, pronta para acolher a
demanda do psicótico, pois aposta e acredita neste como sujeito de possibilidades, de
capacidades e de tecer caminhos diversos para se estabilizar e fazer valer a suplência paterna.
Os objetivos deste trabalho foram alcançados através de todo aporte teórico
encontrado na psicanálise, bem como a problemática em questão. Pois, não há hipótese de um
sujeito para Lacan, ele foi o primeiro a afirmar, apostar e acreditar na presença do sujeito na
psicose. Dessa forma, não há dúvidas que para a Psicanálise lacaniana, existe um sujeito de
desejo nesse modo de existir psicótico.
Para o andamento e conclusão desta pesquisa, houve referencial teórico satisfatório
para descrever sobre a conceituação de sujeito, sobre a psicose e a sua clínica, esses estudos
foram concretizados a partir de Freud a Lacan. No que diz respeito às dificuldades que
surgiram durante o percurso da pesquisa, a priori é importante frisar, que a maior dificuldade
foi sem sombra de dúvidas, a complexidade presente nos textos pesquisados, pois,
anteriormente, tivemos pouco contato com a teoria lacaniana, este foi com certeza o maior
desafio, mas também, foi o desafio mais enriquecedor para a soma de conhecimentos. Além
das dificuldades das leituras dos textos, teve outro fator que gerou certa inquietação, a questão
do tempo de duração da pesquisa que impossibilitou maior aprofundamento, assim, como a
inserção da análise de mais um caso clínico no trabalho.
A psicose indaga, quebra paradigmas, impõe constantes reformulações e, como dizia
Lacan, não devemos retroceder. Desde o começo, tenta-se deixar claro que não há intenção de
esgotar este tema, ou de afirmar uma verdade única a este respeito, muito pelo contrário.
Tentamos margear algumas questões. Margear, contornar, fazer borda. Pois, no fim, sempre
haverá um resto. Até porque o estudos da psicose é algo que não cessa. A clínica lacaniana
não é uma construção fixa e imutável, ela se transforma em comunhão com o sujeito, está
sempre se atualizando e avançando para novos desafios. Esta é clinica diferencial, pois, não se
estagna, não retrocede, seus olhos estão fitos para além das querelas ao seu respeito.
Doravante, é a clínica dos desafios e paradigmas.
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