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UM ENSAIO
SOBRE A VERDADE
CONVENIENTE
5. AS FALÁCIAS CLÁSSICAS
5.1. A questão lógica da ambigüidade
5.2. A estrutura do silogismo típico
5.3. Formas para-silogísticas das falácias
5.4. Outras formas de silogismos e falácias
5.5. A estrutura do dilema
5.6. Para ler mais
6. MANEIRAS HUMANAS DE PENSAR
Tópico 1: Juízos humanos são históricos
Tópico 2: Não há jogos inocentes
Tópico 3: O pensamento obedece a esquemas
Tópico 4: O fundamento da inteligência é a analogia
Tópico 5: O pensamento opera com proporções
Tópico 6: O conhecimento novo e as idéias antigas
Tópico 7: Há espaços em que a contradição se anula
Tópico 8: A verdade pode ser imposição ou deslumbramento
Tópico 9: A contradição dos sistemas perfeitos
Tópico 10: É a democracia um sistema godeliano?
Tópico 11: A quem interessa converter
6.1. Para ler mais
9. A ARQUEOLOGIA DO CENÁRIO I
9.1. Quando o mundo é americano
9.2. As bases da modernidade
9.3. A mecânica do golpe de 1964
9.4. Em busca do capital inexistente
9.5. O milagre dos eurodólares
9.6. O consumismo moreno
9.7. Os dólares e o sonho
9.8. À cena, os militares
9.9. Para ler mais
15. BIBLIOGRAFIA
SOBRE O LIVRO
Grupo 2: Santos Dumont projetou seu dirigível para contornar a Torre Eif-
fel; o contrato para construção de uma ponte em São José do Rio Pardo,
São Paulo, permitiu a Euclides da Cunha escrever Os sertões; a descoberta
de petróleo em Lobato levou técnicos americanos, que antes diziam não
haver petróleo no Brasil, a afirmar que as reservas eram poucas demais
para justificar a exploração.
Temos, até aqui, que uma proposição que se reporta aos fatos
pode ser verdadeira (conforme a realidade) ou falsa; que uma proposi-
ção que expressa versão de fatos pode ser mais ou menos adequada
(semanticamente, aos fatos; pragmaticamente, às circunstâncias de e-
nunciação). Pode-se, em termos formais, em ambos os casos, afirmá-las
ou negá-las. O mesmo não acontece com perguntas (interrogativos), que
podem ser respondidas ou ignoradas; com ordens (convites, conclama-
ções), que podem ser atendidas ou desatendidas; e com exclamações
(interjeições, vocativos), quer meramente expressem sentimentos, quer
pretendam afetar de alguma forma o meio circundante.
Em termos de conteúdo ou processo, admite-se, frente a uma
sentença declarativa, dúvida ou certeza, bem como desconfiança ou
convicção. É possível subordiná-la a suponho, (des)acredito, supõe-se,
(des)acredita-se; ou modulá-la por advérbios como talvez, eventualmente
ou, mesmo, frequentemente. Afirmar suposição, possibilidade ou proba-
bilidade difusa é formular proposição com valor de hipótese, mas com
grau menor de responsabilidade, já que não se intenta demonstrá-la;
não se espera do interlocutor que negue (“você não supõe”, “não se su-
põe”, “não-talvez”), nem se conta, em geral, que ele possa estabelecer
condições não-eventuais (“sempre”, “nunca”) ou não freqüentes (“raro”,
“improvável”).
Na linguagem das notícias de valor técnico e relatórios de
campo (os informes militares, por exemplo), a norma é excluir os dubi-
tativos por irrelevantes. Suposições e crenças tornam-se usualmente
ponto de partida para investigações que as confirmam ou desmentem;
frequentemente, eventualmente assumem valor técnico, referidos a ocor-
rências estatísticas ou graus de previsibilidade. Nesses casos, boatos ou
interpretações novas que se quer veicular podem ser subordinados a
sentenças negativas, tais como “as autoridades negam que ...” (comu-
mente um fato) ou “não há indícios de que ...” (comumente, uma ver-
são). Há milhares de exemplos em notas de chancelaria, informes plan-
tados por especuladores em bolsas ou campanhas eleitorais.
O recurso se presta à difamação. No começo da década de 60,
a mulher do Presidente João Goulart, Maria Teresa, era jovem. Bonita,
sempre a comparavam com Jacqueline, então casada com John Ken-
nedy. Na campanha que levou à deposição de Goulart da presidência,
um jornal publicou nota editorial dizendo mais ou menos isto (estou
citando de memória): “Não é verdade que D. Maria Teresa tenha compa-
recido à festa privê acompanhada de seu chofer...”; “esse boato pretende
denegrir a imagem da Primeira Dama...” O que estava fazendo era di-
fundindo a versão que, se existia (podia-se ter providenciado a existên-
cia), era restrita ao ambiente das fofocas de corte da capital. A forma
indireta valeria apenas para fabricar um álibi (a obrigação de informar)
para a violação ética (difamação, invasão de privacidade); munir o advo-
gado de algum argumento, no caso de, em eventual processo judicial,
ter-se necessidade de mascarar a motivação certamente política.
No período de vigência do Ato Institucional nº 5 (por dez anos,
a partir de 1969), os serviços oficiais de contra-informação brasileiros
utilizaram algumas vezes artifícios similares. Por exemplo: ao proibir a
publicação de qualquer nota sobre o desvio para Luanda (recém ocupa-
da pelo Movimento Popular para Libertação de Angola) de navio do L-
loyd Brasileiro que partira do Rio de Janeiro transportando suprimentos
para o IV Exército (no Nordeste), os militares da inteligência estavam
promovendo divulgação restrita (visando embaixadas estrangeiras e a
oposição esquerdista interna) dessa evidência do grau de compromisso
brasileiro com o partido do líder angolano Agostinho Neto.
Naturalmente, pode-se supor (?) a estupidez da censura, ou a
ingenuidade do editorial sobre D. Maria Teresa; pode-se também propor
que ela tenha comparecido a alguma festa ou que jamais um navio do
Lloyd se tenha desviado para Luanda (não sei se alguém se deu ao tra-
balho de apurar tais fatos), mas os efeitos políticos em nada mudariam.
Outro mecanismo, básico em propaganda, é dar aspecto de-
clarativo a um imperativo (ou seja, em série de intensidade decrescente,
a ordem, convite, conclamação, apelo ou sugestão). Para isso:
(a) arma-se um argumento chamado de silogismo, que consis-
te em extrair a conclusão de uma proposição abrangente (a
premissa maior) e outra mais restrita (a premissa menor). O
termo maior aparece apenas na premissa maior; o termo mé-
dio, nas duas premissas; o termo menor, na premissa menor.
Eis um exemplo:
O homem é [um ser] mortal (premissa maior)
Eu sou homem (premissa menor)
_______________________________
Eu sou [um ser] mortal (conclusão)
- Marcos parou junto à porta de casa. Tirou do bolso, um por um, vários
objetos: primeiro o isqueiro, depois o maço de cigarros, papéis, níqueis.
Encontrou, afinal, o chaveiro. Enfiou a chave na fechadura e torceu para a
esquerda, com força. Ouviu o barulho da engrenagem. Empurrou a porta.
Deu o primeiro passo em direção à mesa. Parou por um instante. Girou o
calcanhar no tapete. Súbito, correu para o banheiro. Seu corpo se contor-
ceu enquanto olhava o fundo do vaso. Vomitou.
- Junto à porta de casa, Marcos remexeu o bolso, de onde tirou vários ob-
jetos, a começar pelo isqueiro, antes do maço de cigarros, papéis e níqueis,
até encontrar a chave, que enfiou na fechadura e torceu com força; ouviu o
barulho da engrenagem, empurrou de imediato a porta, caminhou, à prin-
cípio em direção à mesa, depois, girando subitamente o calcanhar no tape-
te, para o banheiro, onde se curvou, contemplando o fundo do vaso, e vo-
mitou.
(i) que a cidade foi inteiramente reformada, teve grandes áreas reconstru-
ídas, abriram-se avenidas largas e procedeu-se ao saneamento em larga
escala, drenando mangues e instalando serviços de esgotos sanitários
que, ao lado da vacinação em massa, eliminaram epidemias antes fre-
qüentes;
(ii) que dezenas de milhares de pessoas foram expulsas de suas casas,
com a demolição dos imóveis do velho centro; provocou-se tal comoção
social que parte da população revoltou-se contra o inimigo aparente, a
vacina, e se firmaram as bases de uma ruptura entre estado e cidadania
que teve seu papel histórico por toda primeira metade do Século XX, e
deixa marcas ainda hoje.
Se todo M é P
e todo S é M
________
todo S é P
Se P = grego
M= homem
S = ateniense,
Se todo grego é homem
e todo ateniense é grego
___________________
todo ateniense é homem
Se P= brasileiro
M= latino-americano
S= nissei nascido no Brasil
No entanto,
* Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil
o Brasil acaba com a saúva
__________________________
a saúva não acaba com o Brasil.
(a) Uma tribo odiava estrangeiros e sempre que capturava algum o execu-
tava. Mas a cultura determinava regras para a execução. O estrangeiro
capturado deveria enunciar uma proposição; se ela fosse verdadeira, se-
ria enforcado; se falsa, queimado na fogueira. Eis que um homem é
preso no território da tribo e levado ao conselho tribal para ouvir a sen-
tença. Informado sobre as regras, declara: “Sou mentiroso”. Coloca-se o
problema: se o homem é, de fato, mentiroso, disse a verdade, e não de-
veria ser queimado; se, pelo contrário, não é mentiroso, então mentiu,
e não deveria ser enforcado. Segue-se que o homem sobrevive, enquanto
a tribo mergulha em profunda crise de valores.
(b) O dono de uma tartaruga desafiou Aquiles, o dos pés ligeiros, para
competir com seu animal. Pediu, porém, alguns metros de vantagem na
partida. Atendido, passou a demonstrar: “Digamos que Aquiles tenha o
dobro da velocidade da tartaruga; enquanto ele andar um metro, a tar-
taruga andará meio metro; enquanto, em seguida, ele andar meio me-
tro, a tartaruga andará 25 centímetros; enquanto ele andar 25 centíme-
tros, a tartaruga andará 12,5 cm; enquanto ele andar 12,5 cm, a tarta-
ruga andará 6,25 cm; e assim por diante. Por mais que se esforce, Aqui-
les jamais passará a tartaruga.”
Tomemos um espelho. Sem dúvida, ele reverte a imagem: o que está a nos-
sa direita fica à esquerda. Um texto aparecerá com as letras não apenas
em posição contrária (os parágrafos à direita) mas também invertidas. Por
que essa inversão ocorre apenas no sentido horizontal, isto é, por que o
espelho não inverte também a imagem verticalmente, de modo a mostrar a
página de cabeça para baixo? Como ele sabe qual é o lado de cima?
Só uma opinião, o relato de um fato, pode ser falsa. O fato está simples-
mente lá... Quando nenhum juízo se formula, então nada há que se possa
predicar como verdadeiro ou falso. Certamente, os planetas se moviam,
antes mesmo de Newton, de maneira conforme a lei da gravidade. Contu-
do, antes de Newton formular sua teoria, não existia no conhecimento
humano proposição sobre estes movimentos. Após ter Newton formulado a
lei da gravidade como proposição, esta se tornou, devido a seu conteúdo,
verdadeira também para o passado.
O progresso é aristocrata. Isto não prova ainda que o nosso progresso so-
cial deve realizar-se, tal como o progresso animal, à custa da desigualdade
dos indivíduos; isto não prova ainda que as funções e os órgãos do Estado
devam ser desiguais. Todavia, tais verificações (N. do A.: sobre a diversida-
de biológica) não podem deixar de inspirar aos espíritos reflexivos, simul-
taneamente com as claras noções dos constantes passos da natureza, o
sentimento de que esses passos não são de modo algum os propostos pelos
dogmas revolucionários. Esses espíritos reflexivos são levados, portanto, a
hesitar entre duas conjecturas: talvez exista na natureza universal um rei-
no humano estabelecido como um império num império e cuja regulamen-
tação geral, diferente de todas as outras leis naturais, lhes seja oposta e
completamente contrária; talvez também, porque a primeira e pouco veros-
símil hipótese choque todas as idéias do tempo, talvez esse modo de ver
revolucionário seja falso e o estatuto do gênero humano deva ceder bastan-
te as leis de autoridade e de hierarquia que são a providência visível dos
outros seres.
Não é nos livros que o operário poderá haurir essa clara representação;
não a encontrará senão nas explicações vivas, nas revelações ainda quen-
tes acerca do que ocorre em torno de nós, em dado momento, de que a
gente fala ou cochicha e que se manifesta por este ou aquele fato, por tais
ou tais algarismos, veredictos e outros. Essas revelações políticas, que a-
brangem todos os domínios, constituem a condição necessária e funda-
mental para a formação das massas tendo em mira sua atitude revolucio-
nária.
Achamos que o plano visível da cena internacional está mais dominado pe-
lo conflito entre o mundo avançado e o mundo em desenvolvimento do que
pelo conflito entre as democracias trilateralistas e os estados comunistas, e
que as novas aspirações do Terceiro e Quarto Mundos, tomadas em con-
junto, representam, no meu entender, ameaça maior à natureza do siste-
ma internacional e, em definitivo, às nossas próprias sociedades.