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61-75, setembro/2016
http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2016v28n48p61
RESUMO
6 A comissão do Ministério da Educação (MEC) tem utilizado a sigla BNC para se referir à Base Nacional Comum
Curricular. Por isso, utilizaremos a sigla BNC, em conformidade com o MEC.
7 Cf. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/base/por-que
8 [...] “a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos edu-
candos” (BRASIL, 1996, p. 01).
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Bases da Educação Nacional, cujo Art. 26 médio, porém algumas concepções ainda
determina que “os currículos da educação não ficam claras no manuscrito. Por isso,
infantil, do ensino fundamental e do ensino o estudo problematiza: qual a concepção
médio devem ter base nacional comum”8 de Educação Física, bem como de ser hu-
[...] (BRASIL, 1996, p. 01). mano, educação e sociedade são propostas
Entretanto, a BNC convida a socie- pela BNC?
dade a analisar suas propostas formatadas Para isto, o presente artigo tem
anteriormente por um grupo de especialistas como objetivo analisar a minuta disponibi-
ou protagonistas9, indicados pelas secreta- lizada pelo MEC, para o documento oficial
rias estaduais de educação e selecionados a da BNC, para compreender que concepção
partir de determinados critérios, como por de Educação Física é por ele proposto, além
exemplo “ter participação anterior em po- dos projetos de sociedade, de educação e
líticas do MEC voltadas à educação básica” de ser humano.
(BRASIL, 2015, p. 01). Metodologicamente, o artigo está
Perante tal realidade, surgem algu- fundamentado no tipo de pesquisa biblio-
mas questões que advêm deste panorama, gráfica e documental, opta pela dialética
tais como: solicitar a sociedade a opinar, como método e, para tratamento dos dados
diante de um manuscrito que se encontra se aplica a análise de conteúdo, inicialmente
pronto; sem explicitar em que bases teórico- organizando o material, posteriormente o
-metodológicas fundamentam a BNC; ou descrevendo analiticamente e, finalmente
ainda, que fundamentos epistêmicos, onto- interpretando os dados (BARDIN, 2011).
lógicos e históricos estão no cerne da BNC. Em atendimento ao objetivo pro-
Dadas as indefinições acima, a posto, o artigo está organizado da seguinte
compreensão suscitada é a de que a BNC forma: inicialmente, com uma análise da
necessita de reflexão e discussão, tendo minuta da BNC, disponibilizada no sítio
em vista que este manuscrito orientará os do MEC e em fase de socialização com a
projetos político-pedagógicos das escolas comunidade - conceito, função, objetivos,
do país, trazendo não apenas um currícu- justificativas, os agentes envolvidos, o pro-
lo básico comum, mas uma proposta por jeto de sociedade, de educação e de ser
áreas de conhecimento e seus elementos humano; em seguida, apresenta e analisa o
constituintes, além de um projeto que papel da Educação Física, a concepção, os
determina um tipo de ser humano, de elementos pensados e atribuídos pela BNC
educação e de sociedade. e, finalmente, traz os apontamentos e as
Quanto à Educação Física, especifi- conclusões correspondentes.
camente, como disciplina, a BNC menciona A relevância acadêmico-científica
respectivamente os PCN de 1997, que cor- está na análise crítica da BNC, como manus-
respondem ao ensino fundamental de 1ª a crito que pretende articular um currículo co-
4ª séries, os PCN de 1998 de 5ª a 8ª séries mum às diversas disciplinas e, mais especi-
e os PCN de 2000 que abrangem o ensino ficamente à educação física, atribuindo-lhe
9 Cf. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/base/os-protagonistas
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uma concepção e uma maneira determinada p. 1468) questiona a criação de uma “ne-
de pensar a área, buscando compreender cessidade educacional” de imposição de um
que projetos científico-epistemológicos são modelo curricular como gradualmente foi
defendidos por esse manuscrito. feito com o estabelecimento dos Parâmetros
Quanto à relevância social, propõe-se Curriculares Nacionais e, posteriormente
pensar que projetos de ser humano, educa- na imposição de um sistema de avaliação
ção e sociedade são justificados pela Base de estudantes e escolas por meio de provas
Nacional Comum Curricular, discutindo-os nacionais que culminam com as BNC.
analiticamente. Esse momento de internacionaliza-
ção das políticas educacionais é citado por
Alves (2014); Süssekind (2014); Macedo
Base Nacional Comum Curricular: um
(2014); Cóssio (2014); Price (2014); Edling
projeto à guisa de análise
(2014) em um Dossiê Temático intitulado
“Debates em torno da ideia de bases cur-
O debate acerca do estabelecimento
riculares nacionais”, publicado em 2014
de um currículo comum para a educação
na Revista Eletrônica e-Curriculum, do
brasileira remonta da década de 80, no
entanto, intensifica-se a partir do estabe- Programa de Pós-Graduação em Educação:
lecimento da Lei de Diretrizes e Bases da Currículo da PUC-SP, como a causa do
Educação Brasileira, em 1996, das Diretri- aumento do espaço dado aos modelos inter-
zes Curriculares Nacionais e dos Parâmetros nacionais, apontando para um movimento
Curriculares Nacionais e se materializa a crescente de incorporação de forças priva-
partir da política, para atingir as metas do das no campo do currículo. Freitas (2012)
Plano Nacional de Educação (PNE) (MA- já criticava esse movimento, apontando a
CEDO, 2014). ação dos “reformadores empresariais10” na
O manuscrito preliminar da BNC educação pública.
tem por objetivo definir, listar os conheci- Os reformadores empresariais ou
mentos fundamentais a serem ensinados nas grupos econômicos, denominação utiliza-
redes de ensino básico assim como guiar da por Macedo (2014), argumentam pelo
os processos de avaliação e formação de cumprimento às orientações dos organismos
professores. Essa construção se justifica na internacionais de priorizar políticas de alívio
redução das desigualdades e garantia do di- à pobreza e de redução da vulnerabilidade
reito à aprendizagem e ao desenvolvimento e desigualdades, com medidas compensa-
(BRASIL, 2015). tórias de implantação de modelos de países,
A implementação das bases se incor- como Estados Unidos, Austrália e Suécia
pora às medidas de adequação ao momento para países latino-americanos, como é o
internacional de surgimento do modelo caso do Brasil (PRICE, 2014); (EDLING,
de um currículo nacional. Alves (2014, 2014); (FREITAS, 2012).
10 O termo é usado pelo autor com base em Ravitch (2011), que designa acordo entre políticos, mídia, empresários
e empresas educacionais, institutos e fundações privadas e pesquisadores, alinhados à ideia de que o modo de
organizar a iniciativa privada é o mais adequado para “consertar” a educação (FREITAS, 2012).
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12 O autor também apresenta sua opinião sobre a BNC por meio de diversos textos em seu blog: http://
avaliacaoeducacional.com/.
13 Esse processo é apontado por Süssekind (2014) como a desmoralização e des-credibilização dos professores.
14 Essas consequências são apontadas por Freitas (2012, p. 389). Na caracterização da atuação dos reformadores
educacionais, o autor afirma que a implementação de políticas, como a BNC não compõem apenas uma “re-
forma educacional”, mas uma “reforma fiscal” da educação.
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pelo currículo e por isso, não pode ser pedagógica na educação básica, que tem
medida em testes de múltipla escolha. Nas como objeto de estudo as práticas corporais
palavras de Vygotsky (1998, p. 115) “uma e que na educação crítico superadora é ado-
correta organização da aprendizagem da tada como cultura corporal, não é apenas
criança conduz ao desenvolvimento” das uma linguagem corporal, mas um campo de
capacidades humanas ou o salto qualita- conhecimento específico e por isso, precisa
tivo na percepção da realidade. Por isso, ser contemplado em suas particularidades.
entendemos ser essa a função de uma base Compreender a cultura corporal,
comum que esteja comprometido com a tradutora das práticas corporais como ob-
formação humana das crianças e jovens. jeto de estudo da educação física implica
reconhecer a atividade prática do homem,
o trabalho, as relações objetivas materiais
A Educação Física em Foco: com a palavra reais dos homens com a natureza e com os
a Base Nacional Comum Curricular outros homens, para o centro do sistema
explicativo. Essa perspectiva é explicada da
A definição dos “direitos e objetivos seguinte forma por Micheli Escobar:
de aprendizagem” é o objetivo central da
elaboração do documento regulatório, re- A “cultura corporal” é uma parte do ho-
lacionada às quatro áreas do conhecimento mem. É configurada por um acervo de
— ciências da natureza, ciências humanas, conhecimento, socialmente construído
linguagens e matemática e seus respectivos e historicamente determinado, a partir
de atividades que materializam as rela-
componentes curriculares para todas as ções múltiplas entre experiências ideo-
etapas da educação básica —, sendo que lógicas, políticas, filosóficas e sociais e
o ponto de partida para a definição dos os sentidos lúdicos, estéticos, artísticos,
objetivos de aprendizagem são os direitos agonistas, competitivos ou outros, rela-
cionados à realidade, às necessidades e
de aprendizagem, isto é, um conjunto de as motivações do homem. O singular
proposições que orientam as escolhas feitas dessas atividades — sejam criativas ou
pelos componentes curriculares na defini- imitativas — é que o seu produto não é
ção dos seus objetivos de aprendizagem. material nem é separável do ato de sua
produção; por esse motivo o homem
Quanto à área de linguagens, que lhe atribui um valor de uso particular.
reúne quatro componentes curriculares: Dito de outra forma, as valoriza como
língua portuguesa, língua estrangeira mo- atividade, em si mesma. Essas ativida-
derna, arte e educação física, observarmos, des são realizadas seguindo modelos
socialmente elaborados, portadores de
por exemplo, que os objetivos gerais da significados ideais atribuídos social-
área de linguagens para a educação básica, mente (ESCOBAR, 2009, p. 127-128).
centralizam-se na língua portuguesa, especi-
ficamente na leitura e escrita, enquanto que Das atividades corporais historica-
os demais campos de conhecimento suge- mente criadas e socialmente desenvolvi-
rem uma interpretação de acessório ou meio das, em torno da relação entre múltiplas
para que aqueles sejam desenvolvidos. experiências e interesses subjetivos do ser
A Educação Física como área de humano, torna-se visível hoje, um acúmulo
estudo multidisciplinar e intervenção de conhecimentos sistematizados sobre
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ABSTRACT
This article analyzes the manuscript of the National Common Curriculum Basis and it
comprehends the conception of Physical Education. It identifies the concept attributed
to physical education by the National Common Curriculum Basis. Methodologically, it
uses a bibliographic and documentary analysis (National Common Curriculum Basis),
the dialectic as method and applying content analysis to process data. It verifies that the
National Common Curriculum Basis identifies the physical education in the language
field and it affiliates to an eclecticism regarding to their conception and specific body
of knowledge, generating inconsistency in content and the formative processes of this
knowledge field. It concludes that the manuscript materializes an alliance between
education and capital, defending the central hierarchical groups’ interests, transforming
the right to education in marketing service.
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