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INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

CADERNO PARA EXAME DE QUALIFICAÇÃO DE


DISSERTAÇÃO

Intelectuais de extrema-direita e negacionismo do Holocausto: o caso


do Institute for Historical Review

Luiz Paulo de Araújo Magalhães.

2017

1
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

INTELECTUAIS DE EXTREMA-DIREITA E O NEGACIONISMO DO


HOLOCAUSTO: O CASO DO INSTITUTE FOR HISTORICAL REVIEW

LUIZ PAULO DE ARAÚJO MAGALHÃES

Sob a orientação do Prof. Dr.


Luís Edmundo de Souza Moraes

Material submetido a exame


de qualificação para o curso
de Mestrado em História.

Seropédica, RJ
Novembro de 2017
ÍNDICE

Apresentação....................................................................................................................1
1- Projeto de Pesquisa .....................................................................................................3
2- Plano de redação........................................................................................................40
3- Capítulo da dissertação .............................................................................................44

4
I- Apresentação.
Este caderno contém os materiais para a qualificação da dissertação “Intelectuais de
extrema-direita e negacionismo do Holocausto: o caso do Institute for Historical Review”.
Aqui estão distribuídos em três capítulos a) uma versão do projeto que coordena a
execução da pesquisa; b) o plano de redação da dissertação; e c) a amostra de um dos
capítulos que integram esse texto. Assim organizado, o caderno deve descrever e
demonstrar o processo e um ponto do processo de execução e sistematização da pesquisa
que agora submeto a exame.

O conjunto que apresento deriva das atividades que desenvolvi como bolsista de iniciação
científica do PIBIC/CNPq, entre 2013 e 2015, em função do projeto de pesquisa
“Intelectuais de extrema-direita e o problema da negação do Holocausto no Brasil”, do
Prof. Dr. Luís Edmundo de Souza Moraes. Esse projeto visava a investigação, o
mapeamento, a catalogação, a criação e a alimentação de um banco de dados e fontes que
cobrissem a análise de manifestações programáticas de grupos da extrema-direita em sítios
eletrônicos. Parte dos resultados desse trabalho foi sistematizada em uma monografia que
apresentei como trabalho de conclusão do curso de graduação em Relações Internacionais
nesta Universidade, em dezembro de 2015.

O que avaliarão é o segundo produto daquelas atividades. Sua primeira formulação tomou
corpo no projeto de pesquisa que submeti ao processo de seleção para ingresso no curso de
Mestrado em História deste Programa de Pós-Graduação. Algumas inconsistências daquele
texto e de suas proposições foram identificadas e corrigidas durante o curso, entre o
cumprimento de atividades de disciplinas, de tutorias e de orientações. Assim, o que
encontrarão no Capítulo 1 deste caderno é a versão do projeto que foi sendo construída e
revisada ao longo desse período. Antes o projeto propunha uma pesquisa que tinha o
objetivo de descrever histórias de vida através de uma investigação exclusivamente
prosopográfica dos agentes do negacionismo. O objetivo e o meio, bem como os
problemas que os teriam originado e as ferramentas que deveriam ser usadas para
viabilizá-los, eram, em grande medida, derivados de contatos incipientes e apressados com
as fontes, com a historiografia, com os instrumentos teóricos e com os procedimentos
metodológicos. Agora o problema é saber quais e como determinadas práticas e relações se
desenvolveram entre agentes em um ambiente institucionalizado durante certo período, e,
1
mais que isso, como essas relações e práticas foram informadas e influenciadas por
esquemas de percepção de mundo, ideologias formalizadas e programas políticos
particulares. Para tratar desse problema, eu estudo o caso de uma organização da extrema-
direita em torno da qual se reuniu um conjunto significativo de intelectuais entre 1978 e
2002. A hipótese que pretendo testar com este trabalho é a de que essa organização serviu
como um espaço organizador de interações e de relações que visavam a produção e a
reprodução de formas de perceber e agir no e sobre o mundo social.

É em razão da solução desses e de outros problemas que funciona o plano de redação que
encontrarão no Capítulo 2 deste caderno. O que será objeto de avaliação é a descrição de
uma possível estrutura formal e narrativa da dissertação. Como verão, é provável que o
texto da dissertação seja composto por três capítulos, cada um dos quais uma monografia
em que o desencadeamento interno e a sucessão estarão sujeitos a princípios lógicos
derivados das escolhas teóricas, metodológicas e, sobretudo, dos resultados do trabalho
empírico e das preocupações com a clareza dos procedimentos descritivos e explicativos
que comporão o texto base da dissertação e de seus anexos.

No Capítulo 3 desse caderno há a amostra de uma das monografias que deverão integrar o
volume da dissertação. Este texto sistematiza uma fase sintética da execução e
sistematização da pesquisa, o que justifica sua escolha como objeto de avaliação. Nele eu
trato de um conjunto restrito de relações que constituem um dos espaços de produção da
instituição que estudo como caso. Só poderei fazer isso bem se, no capítulo que deverá
anteceder este no volume da dissertação, eu tiver objetivado a estrutura organizacional e,
por assim, dizer, ecológica em que se ancora o caso. Da mesma forma, por tratar de um
conjunto de práticas correlatas e de outro espaço de produção do caso que estudo, o
capítulo que deverá ser o terceiro no volume, não poderá funcionar sem que este funcione.

Assim, nas próximas seções deste caderno a minha expectativa é a de mostrar e demonstrar
o que é a pesquisa e como ela tem sido conduzida.

2
1 – PPROJETO DE PESQUISA.

Intelectuais de extrema direita e negacionismo do Holocausto: o caso do Institute for


Historical Review (1978-2002).

I- Apresentação.

Este projeto fornece as diretrizes para a execução de uma pesquisa que tem o
objetivo de investigar como as práticas negacionistas fazem sentido. Para alguns cientistas
sociais, falar do negacionismo é falar da negação sistemática, consciente e programática da
política e do processo de exclusão e de extermínio de judeus e de outros grupos de
indesejáveis do III Reich. O mesmo é dizer que quando nos referimos ao fenômeno, nós
nos referimos a um movimento ou a um campo intelectual em que a produção e a
reprodução dessas práticas são instituídas e instituintes.

A negação sistemática do Holocausto visa remover as imagens sociais negativas


do passado nazista que pesam sobre a afirmação e a viabilidade dos projetos políticos da
extrema-direita no presente. Mais que isso, ela supõe uma série de instituições,
organizações, jogos e relações que, no espaço público, implicam em uma espécie de
politização radical do passado e das narrativas sobre o passado. Quais são as regras, a
sistematicidade, a dinâmica e as regras dessas relações? A tais questões a pesquisa que
proponho visa fornecer respostas provisórias.

Para tornar isso possível, a investigação que proponho será desenvolvida em torno
do estudo de um caso particular. O caso constitui um conjunto de relações e interações que
se desenvolveram entre produtores e divulgadores de narrativas negacionistas vinculados a
uma das mais representativas organizações do movimento: o Institute for Historical
Review (IHR). Talvez o IHR tenha sido a primeira organização negacionista a se
apresentar, de maneira estratégica, como uma instituição de pesquisa ou coisa parecida e,
assim, a acolher, desenvolver e cumprir práticas e funções propriamente programáticas,
organizativas, propragandistas, etc., enfim, estruturantes do negacionismo em determinado
período de sua manifestação. Assim as etapas da execução do estudo preveem a descrição
e a explicação da estrutura organizacional, do funcionamento, das funções e das
3
representações dessa organização, bem como as relações, interações, práticas e produtos
que a instituíram. Isso deverá permitir perceber como essas relações e práticas implicaram
e/ou foram implicações ou foram informadas e/ou informaram esquemas de percepção de
mundo, ideologias formalizadas, programas e projetos políticos.

A hipótese que pretendo testar através desse conjunto de procedimentos é a de


que o IHR forneceu uma estrutura de sociabilidade intelectual de extrema-direita aos
produtores e divulgadores das narrativas negacionistas. Em função disso, a investigação
será conduzida em três frentes correlacionadas através de i) uma abordagem ao mesmo
tempo micro e macrossociológica que visa capturar os detalhes da estrutura do
funcionamento da instituição no mundo em que a instituição funciona e tem sentido; ii) de
análises prosopográficas que visam criar meios de incluir os agentes nesse mundo; e iii) na
análise das práticas discursivas pelas quais os negacionistas dão sentido às suas
experiências e produzem sentido sobre o mundo.

II – Introdução: objeto e problema.

A negação de crimes contra a humanidade é uma prática relativamente regular no


mundo contemporâneo. Não é raro que ela seja constitutiva dos processos de execução dos
genocídios e atrocidades a que tenta fornecer guarita e/ou fazer esquecer. Os casos, os
agentes e os efeitos dessas “celebrações da destruição” são diversos 1. Entretanto, quando
falamos em negacionismo, nós saímos deste acidentado terreno das negações genéricas dos
crimes contra a humanidade e adentramos no domínio de um fenômeno particular.
Passamos a nos referir então a um “campo político-intelectual internacionalmente
articulado e a uma prática” 2.

1
Para uma tipologia do fenômeno c.f. CHARNY, I. W. Innocent denials of know genocides: a further
contribution to a psychologu of denial of genocide. Human Rights Review, vol. 1, n. 3, p. 15-39, abril/junho
de 2002; idem. A classification of denial oh the Holocaust and other genocides. Journal of Genocide
Research, vol. 5, n.1, p. 11-31, 2003. CHURCHILL, W. Denials of the Holocaust. In: CHARNY, I. (Org).
Encyclopedia of Genocide. Vol I. Santa Bárbara: Abc-Clio, 1999, p. 167-174.
2
MORAES, L.E.S. O negacionismo e o problema da legitimidade da escrita sobre o passado. In: Simpósio
Nacional de História, 26º, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História, julho de 2011 p.
3.
4
Negacionismo é uma palavra do final dos anos 1980. Com algum sucesso, o termo
passou a ser usado para descrever um movimento intelectual da extrema-direita do pós-
guerra que tenta negar e/ou fazer esquecer a política e o processo de extermínio de judeus e
de outros grupos de indesejáveis do nazismo. Os agentes articulados e articuladores desse
movimento, os negacionistas, produzem e divulgam diversos tipos de narrativas, nas quais
a representação de um tempo passado sem os crimes nazistas é uma constante. Quando os
negacionistas tentam estabelecer como verdadeiro esse passado falso, o que eles buscam é
tentar reabilitar as imagens sociais do nazismo que, no presente, pesam sobre a viabilidade
dos programas e dos projetos políticos da extrema-direita 3.

A negação ou relativização consciente do Holocausto também tem sido


instrumentalizada por grupos cujos programas políticos aparentemente divergem da
extrema-direita. Não é incomum que se interseccionem, nesse campo, extremistas de
direita, adeptos e militantes de pequenos grupos da extrema-esquerda, representantes do
judaísmo ultra-ortodoxo e do chamado nacionalismo islâmico. Um léxico, um conjunto de
referências comuns e estratégias retóricas, porta-vozes, publicações, editoras, figuras e
instituições públicas e políticas de destaque, programas e estratégias políticas servem,
neste domínio, como pontos de contato entre as aparentes oposições que separam estes
grupos no espaço público. O antissionismo e as manifestações do antissemitismo
fornecem, geralmente, o pavimento desses contatos e trânsitos 4.

Em ambos os casos, mantidas as variações e as idiossincrasias que não devem ser


nada desprezíveis, as proclamações que caracterizam a prática negacionista são
apresentadas através de diversos tipos de materiais textuais, audiovisuais, gráficos etc..
Para comunicar essas proclamações sobre um tempo passado sem os crimes nazistas, i.e.,
um passado falso como verdadeiro, os negacionistas mobilizam uma série de estratégias
retóricas e formais. Ainda que sejam variadas as formas que essas narrativas assumiram ao

3
Sobre o uso do conceito c.f. idem.; LIPSTADT, Deborah. Denying the Holocaust: the growing assault on
truth and memory. Nova York: Plume, 1993, p. 12-31; ATKINS, S. Holocaust denial as an international
movement. Westport: Praeger Publishers, 2003, p. 1-8.
4
Sobre as manifestações do negacionismo paralelas ou fora do campo da extrema-direita c.f. YAKIRA, E.
Post-zionism, post-Holocaust: three essays on denial, forgeting, anthe the delegimation of Israel. Cambridge:
Cambridge University Press, 2009; ATKINS, 2003, p. 211-220; MORAES, L.E.S. Negacionismo: a extrema-
direita e a negação da política de extermínio nazista. Boletin do Tempo Presente, Sergipe, n.4, agosto de
2013; VIDAL-NAQUET, P. Os assassinos da memória: um Eichmann de papel e outros ensaios sobre o
revisionismo. Campinas: Papirus, 1988.
5
longo do tempo, seus temas e motivos são relativamente regulares. No geral, as
proclamações que os negacionistas tentar afirmar como asserções podem ser resumidas
como o que segue:

I- a política e o processo de extermínio de judeus não teriam sido concebidas e executadas


pelo regime nazista;

II- se aconteceu, a morte em massa de judeus e de outros grupos de prisioneiros teria se


dado por conta de condições relativas ao estado de guerra, epidemias etc., e, portanto, em
baixa proporção;

III- os campos concentração nazistas não seriam uma particularidade da Alemanha do III
Reich;

IV- não teriam existido e seria impossível que tivessem existido câmaras de gás ou
qualquer outro dispositivo controlado para o extermínio de pessoas em massa, e, se assim
foi, campos de extermínio não poderiam ter existido;

V- o holocausto teria sido uma espécie de peça de propaganda usada pelos Aliados em
conluio com “os judeus” contra “o povo alemão”5.

Essas proclamações começaram a aparecer em panfletos e manifestos na Europa e


nos Estados Unidos já no imediato pós-guerra. Com alguma exceção, esses materiais
tiveram sua produção e circulação restritas a pequenos grupos da extrema-direita e da
extrema-esquerda6. Este relativo insulamento durou até meados da década de 1970, quando
os negacionistas passaram a se apresentar como especialistas, pesquisadores, cientistas etc.
e a alegar que suas declarações seriam produto de trabalho científico. Com isso, eles
conseguiram atrair atenção de jornais e meios de grande alcance e gerar alguma comoção
no espaço público. Desde então, organizações apresentadas como centros ou institutos de

5
C.f. VIDAL-NAQUET, 1988; LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003; MORAES, 2008, 2011, 2013; YAKIRA,
2009; KRAUZE-VILMAR, D. A negação dos assassinatos em massa do nacional socialismo: desafios para a
ciência e para a educação política. IN: VIZENTINI, P. (Org.). Neonazismo, negacionismo e extremismo
político. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000.
6
Me refiro ao caso do livro de Paul Rassiner na França. Sobre isso, c.f. MORAES, 2013.
6
pesquisa, associações acadêmicas, editoras, think-tanks etc. foram criadas para dar suporte
a essas estratégias do movimento7.

As narrativas negacionistas passaram a ser apresentadas através de textos que


falsificavam os referenciais de legitimidade da escrita científica, especialmente as do texto
historiográfico. E não é casual que assim tenha sido. Quando os negacionistas adotaram
esse tipo de estratégia, eles não visavam apenas tornar críveis as suas narrativas sobre um
tempo passado falso ou ocupar um espaço visível nas disputas públicas sobre a afirmação
das imagens do passado. Além disso, e provavelmente em função disso, o que eles
pretendiam era normatizar dois aspectos centrais dessa disputa: quais devem ser os porta-
vozes legítimos do passado e em que terreno deve se dar as discussões sobre o passado.
Assim, mais que historiografia falsa sobre um passado falso, o texto negacionista foi
mostrado e demonstrado como um caso de “politização extrema do passado” 8.

As manifestações do negacionimo provocaram e ainda provocam consideráveis


impactos no espaço público. Em resposta a elas, na Alemanha, na França, na Polônia, na
Áustria, na Bélgica e em outros países vigem leis que proíbem e punem a negação e a
relativização do Holocausto. Processos judiciais envolvendo certos negacionistas foram
amplamente mediatizados, tornaram-se sensações públicas e impulsionaram a produção de
filmes e livros de sucesso. Programas de TV com grande audiência já receberam alguns
dos mais famosos negacionistas e os apresentaram como figuras exóticas 9. Chefes de

7
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003; MORAES, 2013.
8
MORAES, L.E.S. O negacionismo e as disputas da memória: reflexões
sobre intelectuais de extrema-direita e a negação do Holocausto. In:
XIII Encontro de História Anpuh-Rio, 2008. Rio de Janeiro: Anais do
XVIII Encontro de História Anpuh-Rio, 2008, p. 7; C.f. ATKINS, 2003; LIPSTADT, 1993.
9
Sobre famosos processos judiciais envolvendo negacionistas e seus impactos jurídicos, c.f. KAHN, R.A.
Holocaust denial and the law: a comparative study. Nova York: Palgrave MacMillan, 2004. Sobre efeitos
mais amplos dos mecanismos legais contra o negacionismo, c.f. BENZ, W. Holocaust denial: anti-semitism
as a refusal to accept reality. Historein, vol 11, 2001; LASSON, K. Defending truth: legal and psychological
aspects of Holocaust denial. Current Psychology, vol. 26, n.3, dez. 2007; EVANS, R. Lying about Hitler:
History, Holocaust, and the David Irving Trial. Nova York: Basic Books, 2001; LIPSTADT, D. History on
trial: my day in court with a Holocaust denier. Nova York: Harper & Collins, 2004. Algumas produções
cinematográficas importantes são DENIAL. Dir.: Mick Jackson. Prod.: Garry Foster; Russ Krasnoff.
Roteiro: David Hare (Deborah Lipstadt). Los Angeles/Londres: Krasnoff/Foster Entertainment; Shoebox
Films, Participant Media; BBC Films; BleeCker Street Entertainment One, 2016. Amazon Streamimg Video
(110 mim.); NEVER forget. Dir.: Joseph Sargent. Prod.: Nimoy/Radnitz Productions; Turner Productions.
Roteiro: Ronald Rubin. Los Angeles: Warner Home Video, 2013. DVD (94 min.). Alguns dos arquivos de
programas de tv em os negacionistas foram atração estão disponíveis em populares provedores eletrônicos de
vídeo, onde somam milhares de visualizações. Alguns deles são: GAS CHAMBER DENIERS. The Fill
Donahue Show. Nova York:
7
Estado, políticos e destacados burocratas reagem ao movimento, sempre que alguma
questão ligada às manifestações do fenômeno torna-se pública a ponto de requerer deles a
atenção; por outro lado, alguns patrocinam e promovem o negacionismo como plataforma
e estratégia para seus projetos políticos 10. Enquanto escrevo, uma busca simples no Google
com a chave “holocaust revisionism” sugere que essa expressão pode aparecer em cerca de
100 mil páginas e sítios eletrônicos, número que cresce para aproximadamente 490 mil se a
chave usada for “holocaust denial”.

Apesar das pistas e dos indícios sobre as implicações e a circulação do


negacionismo no espaço público, assim como é para o caso das manifestações da extrema-
direita no geral, a atenção dada pela historiografia ao movimento é relativamente pequena.
Há poucos trabalhos que tratam do negacionismo neste e nos demais campos das ciências
sociais. Os que existem tratam do fenômeno por dois caminhos que se encontram em um
ponto. Com diferentes graus de sistematicidade, em quais sejam os casos, os historiadores
lidam com as manifestações do negacionismo através dos textos e dos agentes
negacionistas. Através desses dados, eles analisam aspectos programáticos, táticos e
formais das manifestações do movimento. No geral, o que esses historiadores buscaram em
seus trabalhos sobre o fenômeno foi i) descrever e explicar o que é o negacionismo; ii)
demonstrar como são falsos o texto negacionista e o passado que ele representa; e iii)
descrever a operacionalidade dessas representações falsas sobre um tempo passado falso 11.

O texto negacionista é a prática que caracteriza a manifestações públicas do


fenômeno; ele é atividade mais visível e regular do movimento. Em parte, isso pode
explicar a ênfase da historiografia do negacionismo sobre ele. Nos trabalhos em que essas
manifestações são analisadas, esse tipo de prática é i) descrita como produto de um

Sindicalizado, 1994. (Talk-Show, programa de TV); FRED LEUCHTER. The Fill Donahue Show. Nova
York: Sindicalizado, 1992. HOLOCAUST DISCUSSION WITH DAVID COLE & MARK WEBER. Montel
Williams Show. Los Angeles: Sindicalizado; Paramount Domestic Television, 1994.(Tabloid Talk-show,
programa de TV); DAVID IRVING. Hardtalk. Londres: British Broadcasting Corp. Word News Channel,
2000. (Talk-Show, entrevista, programa de TV).
10
Um caso exemplar desse tipo de evento foi a controvérsia internacional que se desenvolveu em torno da
organização de uma conferência negacionista pelo governo iraniano em 2006, na capita Teerã. C.f. TAIT,
Robert. Holocaust deniers gather in Iran for ‘scientific’ conference. The Gurdian, Londres, 12 dez. de 2006;
KATRIN, B. Ties cut with Iran institute over Holocaust. The New York Times. Nova York, 16 dez., 2006, p.
A9.
11
Fora exceções que serão referenciadas, nos próximos três parágrafos eu me refiro ao seguinte conjunto de
trabalhos: ATKINS, 2003; LIPSTADT, 1993; VIDAL-NAQUET, 1988; MORAES, 2008, 2001, 2013. Em
quaisquer dos casos, eu apenas recorro a trabalhos publicados em língua inglesa ou em língua portuguesa.
8
conjunto de operações conscientes e/ou irracionais que visam tornar real um passado que
não existiu; ii) percebido como sendo motivado por ideologias ou projetos políticos tais
como os da extrema-direita; e iii) percebido como coisa que se torna viável graças a uma
atmosfera marcada pelo chamado pós-modernismo e pelas críticas ao positivismo em
História e nas ciências em geral, pelo desconhecimento sobre o Holocausto, ou ainda em
função do silêncio de quem pode falar sobre a política de extermínio nazista e sobre o
negacionismo12.

Em um significativo conjunto desses trabalhos, os agentes do negacionismo


aparecem apenas como móvel explicativo ou como parte de um contexto que informaria o
conteúdo do texto negacionista e das manifestações do movimento através dele. O trabalho
do historiador Stephen Atkins é, em parte, uma exceção a essa regra. Atkins tratou de
maneira mais ou menos sistemática dos agentes do movimento. Usando investigações e
descrições prosopográficas, ele propôs uma tipologia baseada que distribui esses agentes
no eixo relacional produtores-divulgadores-consumidores. Seu modelo quis sistematizar
alguns avanços em relação à historiografia sobre o negacionismo. E ele fez isso
demonstrando que falar do negacionismo era falar de um movimento internacionamente
articulado e em nada uniforme e monocromático. Apesar disso, Atkins não tirou
consequências das relações que subtendem a sua tipologia, i.e., o mundo de relações e de
referências das pessoas a que ela visa descrever. O que se perde aí, o no conjunto de
trabalhos sobre o fenômeno, é possibilidade de observar como, por uma via de mão dupla e
por vetores nem sempre horizontais e/ou verticais, os ambientes institucionalizados do
movimento, os seus esquemas de percepção de mundo, os seus programas e projetos
políticos influenciam e condicionam a vida dessas pessoas e, portanto, a forma pelas quais
elas percebem e agem e sobre o mundo produzindo, divulgando ou consumindo literatura
negacionista13.

12
Sobre o negacionismo e o chamado pós-modernismo, c.f. EAGLESTONE, R. The Holocaust and the post-
modern. Nova York: Oxford University Press, 2005; idem. Postmodernism and Holocaust Denial.
Cambridge: Icon Books, 2001. Sobre as outras variáveis, c.f. VIDAL-NAQUET, 1998; LIPSTADT, 1993;
ATKINS, 2003.
13
De maneira mais ampla, nos termos da sociologia política, o problema aqui poderia ser colocado como um
problema de tradução. O mesmo quer dizer que trata-se de investigar como variáveis constantes, clivagens
diversas, sejam econômicas, sociais ou culturais, são traduzidas e sistematizadas em formas de organização
do político e da política e então podem influenciar determinados comportamentos. Sobre isso, c.f. SARTORI,
G. From the Sociology of Politics to Political Sociology. Government and opposition: an international
9
É nessa vaga que se situa a pesquisa que proponho. A perspectiva que orienta o
trabalho nessa direção foi fornecida por um conjunto de trabalhos do historiador Luís
Edmundo de Souza Moraes e também pelo trabalho com as fontes. Ela supõe que o
negacionismo é um movimento institucionalizado, um campo político que tem porta-vozes
autorizados, limites definidos, que produz e reproduz esquemas de percepção de mundo
que se dão a perceber nas práticas de seus agentes.

Portanto, o problema não é mais saber como são falsos os textos negacionistas e o
passado que eles representam. A questão também não é a descrever por descrever
trajetórias ou histórias de vida dos agentes do movimento. Tampouco trata-se de analisar o
conteúdo dos textos negacionistas em relação tangencial a essas histórias. O meu interesse
é saber como essa dupla falsificação se institucionaliza e dura como coisa que é, que
funções ela cumpre, em suma, qual é a lógica das práticas negacionistas e como elas fazem
sentido no e sobre o mundo.

Para resolver esse problema de forma controlada e viável, fornecendo respostas


provisórias a essas questões, a investigação que proponho será baseada no estudo do caso
de uma instituição negacionista particular. As organizações formais do movimento são
relativamente variadas e uma história do processo de seu desenvolvimento ainda não foi
produzida. Elas começam a aparecer na década de 1970, e aí não só em função das
estratégias de legitimação das manifestações negacionistas no espaço público. Mais que
isso, essas organizações constituíram importantes espaços organizativos do movimento. A
pesquisa que proponho toma como caso de estudo uma das mais destacadas e
representativas dessas organizações, o Institue for Historical Review (IHR)14.

O IHR foi fundado nos Estados Unidos em 1978, e talvez tenha sido a primeira
organização de seu tipo. Por trás de sua criação e funcionamento estiveram destacadas
figuras da extrema-direita estadunidense e europeia. Um diversificado conjunto de agentes
do negacionismo se reuniu em torno da organização, especialmente do período que vai de

journal of comparative politics, vol. 4, n. 2, abril/1978, p. 195-214; MYER, Nona. How to study political
culture without naming it. In: ELGIE, R.; GOSSMAN, E.; MAZUR, A.G. (Orgs.). The Oxford handook of
French Politics. Oxiford: Oxford University Press, 2005, p. 329-348; BOURDIEU, P. O campo político. Rev.
Brasileira de Ciência Política, n. 5, Brasília, Jan./Jul. 2011.
14
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003; MORAES, 2013.
10
sua fundação até 2002, quando suas atividades diminuem em função de conjunções que a
investigação deverá demonstrar.

O IHR se apresentava, e ainda se apresenta, como uma instituição sem filiação


política e ideológica. Mais especificamente, segundo sua auto-apresentação institucional, o
IHR seria um “centro educacional” ou uma “editora” que “trabalharia para promover a paz,
entendimento e justiça através do conhecimento do passado, especialmente de aspectos
políticos e sociais relevantes da história moderna [...]e, em particular para aprofundar o
entendimento das causas, natureza e consequências da guerra e do conflito 15.”

A produção e a circulação de materiais impressos de diversos tipos, materiais


audiovisuais, conferências, entre outras coisas, estiveram entre as principais atividades
desenvolvidas pelos negacionistas associados ao IHR. A estrutura da organização permitia
a mobilização de um conjunto de editoras e organizações parceiras, próprias e/ou sucursais.
O principal produto do IHR foi um períodico produzido entre 1980 e 2002. Circulado com
peridicidade que variou entre trimestral e bimestral, o The Journal for Historical Review
(JHR) tentava emular não só os títulos das revistas científicas, mas também a sua forma. O
boletim IHR Newslleter também foi circulado com alguma regularidade por esse mesmo
período, anexo ao JHR ou em edição avulsa. Através desses dois canais eram apresentados
textos negacionistas, atividades dos agentes do movimento, catálogos editoriais e peças
publicitárias.

As International Revisionist Conventions (IRC) foram outro importante conjunto


de atividades promovidas pelo IHR. Apresentadas como eventos de divulgação científica,
essas conferencias tiveram edições anuais e foram realizadas entre 1978 e 2002. As duas
primeiras edições aconteceram em auditórios de colleges particulares. A partir da terceira
edição, quando o caráter da organização já havia se tornado público, os contratos com
organizações de educação não foram mais firmados e então as IRC passaram a ser sediadas
em centros de convenções de hotéis da costa oeste estadunidense. Esses eventos foram
importantes espaços de socialização entre negacionistas, serviram para arrecadação de

15
C.f. Institute for Historical Review. About the IHR: our misson and record. Disponível em <
http://www.ihr.org/main/about.shtml> . Acessado pela última vez em 15/05/2017. Os trechos citados são
tradução minha.
11
fundos e propaganda, alimentaram páginas do JHR e forneceram material para a produção
de materiais de áudio e/ou audiovisuais produzidos e comercializados através do IHR.

A importância do IHR para o negacionismo parece ser um lugar comum na


historiografia que trata do fenômeno16. Apesar disso, somente dois trabalhos da
historiografia do negacionismo lidam com a organização de maneira mais ou menos
sistemática. Um deles é o importante trabalho da historiadora Deborah Lipstadt e o outro é
o trabalho de Stephen Atkins. 17

Lipstadt quis descrever o modus operandi e o impacto cultural do negacionismo


nos Estados Unidos. Para fazer isso, ela traçou uma espécie de linha evolutiva das
manifestações do movimento no país. Nessa linha, o IHR ocupou um ponto especial. No
capítulo em que trata do IHR, Lipstadt propõe que a organização teria sido o resultado de
estratégias inovadoras das manifestações do movimento ou de um conjunto sistemático de
táticas que visavam mover o negacionismo do terreno das teorias da conspiração, do
antissemitismo e do extremismo político para o da respeitabilidade acadêmica. Através da
análise de conteúdo de materiais produzidos pelo IHR, Lipstadt viu na organização uma
espécie de conglomerado de conspiracionistas, neo-nazistas e racistas18.

As proposições de Lipstadt sobre o IHR e o negacionismo no geral dependem do


pressuposto muito aceito de que o movimento é um tipo de particular de manifestação do
antissemitismo. Assim, ele seria estrategicamente atrativo a grupos políticos extremistas,
nativistas, entre outros, em função de seus projetos políticos excludentes. Além disso, essas
proposições dependem de uma elaboração auxiliar que considera o negacionismo como
uma espécie de mito ou crença irracional, um tipo de sinal ou sintoma patológico de um
tempo marcado pela crítica ao positivismo ou ainda como uma possibilidade aberta pelo
chamado pós-modernismo19.

16
Vidal-Naquet fala do IHR como uma espécie de “internacional” negacionista; Kenneth Stern percebeu o
IHR como uma espécie de pilar do movimento; Deborah Lipstadt tratou do IHR como o maior disseminador
de materiais negacionistas; Atkins percebeu na organização um centro financiador e articulador do
negacionismo internacional. C.f. VIDAL-NAQUET, 1988, p. 129; LIPSTADT, 1993, p. 1-8; STERN, K..S.
Holocaust denial. Nova York: The Ammerican Jewish Committee, 1993, p. 29; ATKINS, 2003, p. 163-191.
17
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2003.
18
LIPSTADT, D. The Institute for Historical Review
19
LIPSTADT, 1993, p. 14-24.
12
Atkins usou outra perspectiva para tratar do problema. Como Lipstadt, ele propôs
que o negacionismo é uma variedade de antissemitismo; diferente dela, ele olhou para o
fenômeno como um movimento internacional articulado por agentes de tipologias variadas.
Atkins fez isso descrevendo manifestações geográficas do negacionismo, descrevendo
biografias de agentes e analisando o conteúdo de textos negacionistas 20.

Ele dedicou uma unidade de três capítulos de seu trabalho às manifestações do


negacionismo na América do Norte. No primeiro desses capítulos, ele descreveu
genealogias e processos, e apresentou pessoas e obras que contribuíram para a formação do
movimento. O segundo capítulo dessa unidade Atkins dedicou ao negacionismo nos EUA
e ao papel do IHR nas manifestações locais e globais do movimento. O terceiro desse
conjunto capítulos é sobre o negacionismo no Canadá e diz pouco sobre os propósitos
deste texto. Em todos os casos, as operações de Atkins e os seus resultados são baseados na
descrição de manifestações do movimento, de processos e histórias de vidas de agentes21.

Na seção do capítulo em que trata do IHR, Atkins começou a aplicar esses


procedimentos ao fundador e a outros destacados integrantes da organização. Depois disso,
ele descreveu algumas manifestações do movimento e apresentou o conteúdo do JHR.
Nesse nível do trabalho, os procedimentos e o caso serviram para duas coisas intimamente
dependentes. Com o caso do IHR, Atkins demonstrou uma das etapas da formulação da
tese que atravessa o conjunto do trabalho. Assim, o IHR (re)aparece como uma espécie de
centro internacional de articulção do movimento e seu caso torna-se representativo da tese
de que o negacionismo seria um movimento internacional composto por agentes de
tipologias variadas22.

Os trabalhos de Atkins e Lipstadt se complementam tanto pelas escalas que


usaram, quanto pelos resultados que produziram e pelas intenções que realizaram. Se esta
usou uma “lente de aumento” para fazer um tipo de varredura do negacionismo nos EUA,
aquele olhou para o fenômeno com uma panorâmica. Mas eu gostaria de sugerir outro
ponto de encontro: ambos se conjugam naquilo que não exploraram sistematicamente
como problema. Nem um nem outro se coloram a questão de saber como as práticas

20
ATKINS, 2003.
21
Idem., p. 145-207.
22
Ibdem., p. 163-192.
13
negacionistas fazem sentido, se institucionalizam e ganham durabilidade. O que equivale
dizer é que a lógica do modus operandi foi investigada nestes trabalhos, mas a do opus
operatum e a das tomadas de posição dos agentes do movimento podem não ter sido
escolhas desses historiadores. Decorre disso que uma questão fundamental neste terreno
ficou sem formulação: como a incorporação das práticas negacionistas se relaciona a um
universo político particular e lá encontra sua racionalidade e sua sistematicidade?

A pesquisa que proponho vai formular e começar a responder a essas questões.


Nessa altura devo dar ênfase à intenção do começar a responder. A estatura do
procedimento se deve aos limites e aos problemas que a execução da pesquisa deverá
encontrar. Dois desses problemas são fundamentais, estão intimamente relacionados e são
representativos de um quadro geral que indica certos riscos contra os quais a pesquisa deve
ser precavida. Um deles é o problema que diz respeito ao caráter relativamente disperso
das fontes auxiliares que disponho. Há um conjunto de arquivos pessoais sob guarda
institucional e certamente uma riqueza de outros conjuntos documentais anexados como
provas nos muitos processos judiciais que envolveram a organização e as pessoas que
estudo como caso. Eu não pude acessar esses arquivos e nenhum deles foi explorado pelos
trabalhos que lidam com o IHR23. Na dispersão do material que consegui coletar on-line em
sítios eletrônicos da extrema-direita e então constituir como fontes, apenas é coesa a série
composta por volumes do JHR, um dos produtos finais das práticas negacionistas
desenvolvidas em torno do IHR. Isso significa dizer que, no fundo, eu não tenho acesso
senão a fontes que já foram mais ou menos sistematicamente usadas nos trabalhos sobre o
negacionismo, ou, o que dá no mesmo, a minha fonte primária é o texto negacionista. Até
aqui não há nada de muito grave. No seu tempo, March Bloch já recomendava que aquilo
“que os textos dizem expressamente” já não era uma preocupação dos historiadores, e que,
ao contrário, o que interessava era o mundo dos textos: as mentalidades, as maneiras de
viver ou de pensar de uma época que se dão a ler neles. Mais grave é o que segue 24.

23
Na Universidade de Oregon, nos Estados Unidos, há um fundo composto por 56 pastas preenchidas por
séries de notas, textos, correspondências, livros e outros materiais que pertenceram a um dos mais longevos
editores e administradores do IHR, Keith Stimely. Esse fundo cobre um espectro importante das
manifestações do IHR. Um guia desse fundo pode ser acessado em <
http://archiveswest.orbiscascade.org/ark:/80444/xv98853 > .
24
BLOCH, M. Apologia da história ou o oficio do historiador. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2002, p. 78.
14
Relacionado à pouca diversidade de fontes, está o problema que deriva da forma
pela qual eu vou tratar do problema e do caso que estudo. Durante o trabalho preliminar
com o material empírico eu coletei evidências que sugeriram a viabilidade de tratar do IHR
como um espaço de sociabilidade intelectual da extrema-direita. Formulei essa alternativa
recorrendo à uma chave interpretativa fornecida pelo Jean-Fraçoise Sirinelli em um
programa de pesquisa sobre os intelectuais e a política. A chave tem seus dentes compostos
por variáveis sociológicas, culturais e políticas. Ela aciona a fechadura que abre espaço
para uma abordagem acurada das relações entre produtores e divulgadores do
negacionismo em um ambiente institucional. O funcionamento da chave será descrito na
seção deste projeto que trata da instrumentação teórica; por hora, o que interessa é
mencionar que, além do volume coeso de fontes que eu mencionei, o que eu tenho são
pistas e indícios sobre as variáveis que a fazem funcionar. Embora sem bons esses indícios
e pistas, se eu não proceder com eles de maneira controlada, eu posso acabar por incorrer
em deduções e intuições apressadas. De outra forma, para usar a metáfora de Carlo
Ginzburg sobre o trabalho do historiador, se eu conseguir integrar os rastros que possuo ao
fio que me orienta no labirinto da realidade do IHR, se eu conseguir fazê-los falar, valerá a
pena correr os riscos 25.

Com esses riscos e problemas, a pesquisa tem suas vantagens e pode produzir
avanços se os procedimentos forem cautelosos. Antes de qualquer coisa, ela me permite
tomar os produtos das práticas negacionistas como em nada auto-evidentes, auto-
suficententes, ou nada naturais. Isso decorre da perspectiva que indica que os produtos das
práticas negacionistas são resultado de processos que, no caso que estudo, são indiciáveis e
correlacionais a modos de estar, perceber e agir sobre o mundo. Se eu conseguir tirar
consequências dessa perspectiva, recolher do conjunto de fontes esses indícios e sinais e, a
partir deles, descrever e explicar de maneira provisória os modos pelos quais essas práticas
tem lugar no mundo e o que informa esse lugar, então eu terei cumprido os objetivos que
pretendo alcançar.

Dessa forma, aberto e provisório, o trabalho que proponho poderá contribuir com
a historiografia do negacionismo testando e confirmado hipóteses já sugeridas; poderá

25
SIRINELLI, J.F. Os intelectuais. In: REMOND, R. (Org.). Por uma história política. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Editora Fundação Getúlio Vargas, 2003. Cap. 9, p. 232-270; GINZBURG, C. Os fios e os rastros: verdadeiro,
falso, fictício. São Paulo: Cia. das Letras, 2007, p.7.
15
também experimentar perspectivas e caminhos ainda não explorados sistematicamente e,
assim, produzir resultados complementares. Deriva disso a relevância social de um
trabalho como o que proponho. Indicando as formas pelas quais esquemas de percepção de
mundo, ideologias formalizadas e programas políticos racistas e excludentes informam
determinadas práticas, esse trabalho pode se juntar ao de equipes de educadores e
pesquisadores que mobilizam esforços para promover a diversidade como valor e prática
constitutiva de uma sociedade plural e democrática. O exercício se justifica ainda mais
quando percebemos que, no nosso mundo, valores e projetos políticos como esses que
informam a escrita do texto negacionista tem se afirmado, se naturalizado e encontrado
para isso diversos vetores que tornam palatáveis as suas manifestações no espaço público.
Assim, o trabalho pode ainda contribuir para responder uma necessidade apontada pelo
cientista político Dietfrid Krause-Vilmar: a de esclarecer o fenômeno, de “mostrar que seus
objetivos não são genuinamente histórico-científicos [...] são políticos, por que eles (os
negacionistas) querem mostrar que não foi assim”; de mostrar os recursos e os jogos que os
agentes jogam para fazer o que fazem e de fazer “frente a eles”; e, no “contexto da
formação política e histórica, acionar uma argumentação clara em contraposição a esses
defensores da negação”26.

III- Objetivos.

a) objetivos gerais:

A investigação que proponho com este projeto toma um conjunto de práticas,


relações e interações entre agentes negacionistas reunidos em torno de uma instituição
particular do movimento. O exercício irá ser desenvolvido em três níveis. No primeiro o
IHR será investigado como um espaço instituído e instituinte de interações; nos dois níveis
seguintes a investigação se concentrará nas práticas e nas relações das pessoas ligadas ao
IHR; no segundo nível as IRC serão o objeto de análise e no terceiro o conjunto de edições
do JHR será o foco das investigações.

26
KRAUZE-VILMAR. A negação dos assassinatos em massa do nacional-socialismo: desafios para a ciência
e para a educação política. In: VIZENTINI, P. (Org.) Neonazismo, negacionismo e extremismo político. Porto
Alegre: Ed. UFRGS, 2000, p. 111-112.
16
À execução dessas etapas de trabalho prende-se o objetivo geral da pesquisa:

• Descrever e explicar a lógica das práticas negacionistas.

Derivados desse, os objetivos específicos são os que seguem.

b) objetivos específicos:

• Descrever e explicar os detalhes da estrutura organizacional e do


funcionamento do IHR;
• Descrever os princípios organizativos e a lógica de funcionamento da
organização;
• Demonstrar quem, como e em função de que esteve ligado ao IHR;
• Descrever e explicar as relações que se desenvolveram no espaço da
isntituíção;
• Descrever e explicar como a instituição enquadrou essas relações e as
informou;
• Demonstrar a sistematicidade, a ordem e o princípio dessas relações;
• Descrever e explicar os casos em que as relações agem sobre a ordem da
instituição e a transformam;
• Verificar e descrever vínculos que a instituição manteve com outras que
foram, por assim dizer, parte de uma mesma ecologia;
• Investigar e descrever as funções e as representações sociais da instituição,
das mais evidentes até as mais tácitas;
• Inventariar e analisar os materiais produzidos e distribuídos através da
instituição;
• Sistematizar, descrever e explicar as regularidades e as estratégias
discursivas realizadas nesses materiais;
• Descrever como nesses materiais são construídas imagens, representações
e conceitos que fazem parte de um mesmo universo linguístico ou de um
campo de referências comum;
• Descrever e explicar como esses materiais são instrumentalizados para as
lutas políticas da extrema-direta.

17
IV- Referencias teóricos.

A pesquisa que proponho lida com problemas relacionados ao universo da política


por dois ângulos distintos que se encontram em determinado ponto. Por um lado, ela supõe
que tratar do negacionismo é tratar de formas pelas quais o passado e a produção de
imagens ou de “visões do passado” e sobre o passado são, ao mesmo tempo, objetos de
disputas políticas e simbólicas. Nesse quadro, equivale dizer, usando as palavras de Pierre
Bourdieu, que se trata de uma “luta entre representações pelo monopólio de fazer ver e
crer, de fazer conhecer e reconhecer, de impor a definição legítima do mundo social e, por
essa via, de fazer e desfazer grupos [...] estabelecer o sentido e o consenso sobre o
sentido”27. Por outro lado, suponho que tratar dos intelectuais e das instituições
negacionistas é tratar de uma política da produção e da divulgação das representações que
caracterizam o movimento. Ou seja, é falar de posições diferenciadas e diferenciadoras que
correspondem ao princípio das tomadas de posição, das ações, das relações e de um sentido
de jogo particular, em suma, da produção e do funcionamento de uma competência
específica: a produção e a divulgação de materiais negacionistas que se realiza em um
espaço de posições que é o IHR28.

27
BOURDIEU, P. A força da representação. In: A economia das trocas linguísticas: o que falar quer dizer.
São Paulo: Edusp, 1998. Parte III, Cap. 3. p. 108. Sobre a política das visões do passado, c.f. SARLO, B.
Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Belo Horizonte; São Paulo: Editora UFMG, Cia.
das Letras, 2007, p 12-15.
28
Eu falo da Política em referência à perspectiva aberta que atravessa o programa de pesquisa coletivo
organizado por Renè Remond no volume de “Para uma História Política”. C.f. REMOND, R. Do político. In:
idem. (Org.). Por uma História Política. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, cap. 14, p. 441-450. Para
operar com essa perspectiva de maneira mais controlada, eu integrei a ela o modelo relacional e disposicional
fornecido pelos trabalhos de Pierre Bourdieu. Esse modelo propõe que a lógica do mundo social deve ser
compreendida a partir de uma "particularidade empírica, historicamente situada e datada”, construída através
do trabalho de pesquisa como uma “figura em um universo de configurações possíveis” e em relação ao
funcionamento dos mecanismos e das estruturas regulares e das variáveis que compõem o mundo social.
Nessa altura eu reconheço que posso correr o risco de supersimplicar o modelo, ao representá-lo com uma
aparência de rigidez em tudo contrária ao seu funcionamento. De qualquer forma, o modelo permite analisar
o mundo social a partir de espaços de posições relacionais diferenciadas e diferenciadoras. De maneira
contingente, o modelo correlaciona e integra as ações às circunstâncias e às condições em que elas são
desenvolvidas nesses espaços em que as formas de estar no mundo (determinadas em função da distribuição e
da posse desigual de certos capitais que determinam as posições e o jogo das posições num espaço particular)
se correlacionam com as formas perceber o mundo, e, por sua vez, com as maneiras de agir no e sobre o
mundo. C.f. BOURDIEU, P. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. 9 Ed. Campinas: Papirus, 2008, p. 13-
52; idem. O campo político. Revista brasileira de Ciência Política, n. 5, Brasília, jan./jun. de 2011; ibdem.
The logic of practice. Palo Alto: Stanford University Press, 1992; BOURDIEU, P. ; WACQUANT, L. An
invitation to reflexive sociology. Oxford; Cambridge: Polity Press; Blackwell Publishers: 1992.
18
À primeira vista essa premissa parece ser redundante, um tanto abstrata e obscura.
Entretanto, sua utilidade prática consiste não apenas na definição dos pontos de partida:
com essa proposição eu posso traçar o mapa do trajeto que pretendo seguir com a pesquisa.
Ela é derivada do modelo de análise social relacional e disposicional fornecido pelos
trabalhos de Pierre Bourdieu, da historiografia do negacionismo e dos trabalhos de Michel
Pollak sobre “os processos e atores que intervêm no trabalho de constituição e
formalização das memórias”. Nestes trabalhos, Pollak sugeriu que “essas operações
coletivas dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar” só
podem se estabelecer socialmente e cumprir funções propriamente políticas se funcionarem
de maneira sistemática com o passado. Se isso acontece, e só assim acontece, o que há,
para Pollak, são processos de enquadramento da memória: operações controladas,
especializadas e socialmente justificadas com os dados e interpretações do passado29.

A historiografia é um dos resultados dessas operações. Em função disso, ela é um


dos artefatos amplamente aceitos para a produção de imagens e interpretações do passado
socialmente válidas, como apontou o trabalho de Pollak 30. O negacionismo copia os
referenciais de legitimidade de um artefato desse tipo para poder capitalizar e tornar
viáveis suas manifestações públicas e, assim, tomar espaço nas disputas políticas sobre o
passado. Fazendo isso, o que o movimento busca é

Normatizar dois aspectos decisivos nesta disputa: em primeiro lugar, quem dever
ter o acesso a palavra, no sentido de estabelecer quem deve ser considerado o
legítimo porta-voz do passado; e qual deve ser o terreno no qual se dê a
discussão sobre o passado, o que desvela elementos centrais desse moviemtno
político da extrema-direita. 31

Como um movimento político que produz e reproduz determinadas representações


do mundo social e as comunica como naturais, auto-evidentes e trans-históricas, o
negacionismo emprega uma quantidade diversa de recursos, meios e pessoas para fazer o
que faz. Isso inclui fontes de financiamento, instituições e organizações de diferentes tipos,
redes de suporte, militantes, adeptos ingênuos, consumidores, “profissionais da casa” etc.
29
POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n.3, 1989, p. 3-
15; MORAES, 2011, 2008.
30
POLLAK, 1989, p. 9-12.
31
MORAES, 2008.
19
A investigação que proponho parte exatamente da perspectiva de que as práticas
negacionistas são, ao mesmo tempo, instrumentos e objetos de disputas políticas que visam
impor formas de representação do mundo social. A partir daí, ela persegue os modos pelos
quais essas práticas assim se manifestam – o que supõe uma política da produção desses
materiais, ordenada pelos princípios das representações institucionalizadas de mundo que
quer se impor.

A intenção do trabalho que executo é a de investigar como alguns agentes do


negacionismo, ligados ao movimento por laços e posições diferenciadas, se relacionaram
em torno de uma instituição para produzir e divulgar narrativas negacionisstas. Isso
implica investigar os princípios que ordenavam essas relações, com eles as ordenavam e
como eles puderam informar as práticas. No geral, o mesmo é dizer que aquilo que busco é
saber como essas relações faziam sentido como relações sociais associativas 32.

O trabalho preliminar com as fontes no processo de construção do objeto e


formulação do problema de pesquisa indicou um meio para atingir esses objetivos. Essa
alternativa passa pelo tratamento da instituição que compõe o caso que estudo como uma
estrutura de sociabilidade intelectual. Essa opção controlada não exclui certos riscos de
procedimento derivados dos conceitos que compõem a chave interpretativa. O conceito de
sociabilidade e o de intelectuais são polissêmicos, têm um histórico de usos variados e não
é raro que sejam tomados como auto-evidentes, auto-explicativos e auto-suficientes.
Apesar disso, em função da capacidade descritiva e explicativa da chave, é preciso encarar
tais problemas. Para não incorrer em maus usos, eu vou devolver esses conceitos aos seus
domínios e então buscar meios de instrumentalizá-los e fazê-los funcionar como
ferramentas descritivas e explicativas eficazes para o caso que estudo.

A noção de estruturas elementares de sociabilidade aparece como chave


interpretativa em um programa de pesquisa do historiador Jean-Françoise Sirinelli. Ela é
produto de uma abertura analítica que visou resolver problemas colocados por questões
relacionadas a analises das relações dos intelectuais com a política que usavam abordagens
exclusivamente microssociológicas, prosopográficas ou geracionais. Desenvolvidas por si
32
As relações sociais associativas, como definidas por Max Weber, seriam um tipo fundamental de relações e
interações instituídas, ordenadas, reguladas e produtoras de sentidos passíveis de serem interpretados. C.f.
WEBER, M. Economia e sociedade. Fundamentos da sociologia compreensiva. Vol 1. 4 ed. São Paulo;
Brasília: Imprensa oficial do Estado de São Paulo; Ed. UNB, 2004, p. 3-34.
20
e em si mesmas, essas abordagens impediriam que variáveis decisivas dessas
multifacetadas relações fossem levadas em conta e, assim, deixariam de fora as
contingências, as situações e as variações fortuitas ou não dessas relações localizadas no
tempo e no espaço.

Quando Sirinelli falou de estruturas elementares de sociabilidade dos intelectuais,


ele falou de duas coisas complementares. Primeiro ele se referiu aos meios ou práticas em
torno das quais os intelectuais se relacionariam; depois ele se referiu ao mundo onde essas
práticas, meios e relações adquiririam sentido e inteligibilidade. No primeiro caso, o que
Sirinelli identificou foram estruturas de relações entre intelectuais – redes – que se
desenvolveriam segundo formas regulares e diversas em tono de meios e práticas. No outro
caso, a chave abre espaço para os campos, espaços sociais ou “microclimas” que
informariam o movimento dessas redes. Esses dois componentes explicativos da chave
analítica mobilizam um conjunto de variáveis sociológicas, culturais e políticas que são
produtores dos fios das redes e dos movimentos e da forma de determinado campo
intelectual e de sua relação com o mundo da política em uma conjuntura particular. Mas do
que se fala quando se fala de intelectuais e espaços de sociabilidade de extrema-direita?33

O conceito de intelectuais, bem como o conteúdo semântico, seus usos, seus


problemas, as pessoas que ele descreve, ou melhor, as pessoas que se descrevem através
dele e também as disputas simbólicas sobre a definição do que são ou deveriam ser esses
agentes, as falsas generalizações e os fatalismos disso derivados são variantes e têm suas
próprias histórias. Inventariá-las aqui seria contraproducente, se o que busco é criar meios
de fazer o conceito funcionar como ferramenta explicativa e descritiva no caso que estudo.
Para isso, eu operei uma síntese de modelos amplamente aceitos e usados por cientistas
sociais que tratam dos problemas envolvendo os intelectuais e a política 34.

Em seus próprios tempos, circunstâncias e modos, Antonio Gramsci e Karl


Mannhein propuseram modelos analíticos para tratar de problemas relacionados aos
intelectuais. Ambos construíram enquadramentos amplos, sugeriram tipologias e processos

33
SIRINELLI, 2003.
34
Sobre os problemas envolvendo o conceito de intelectuais, c.f. BOBBIO, N. Os intelectuais e o poder:
dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 1997;
BAUMAN, Z. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e os intelectuais. Rio de
Janeiro: Zahar, 2010.
21
de desenvolvimento variados que se encontram em determinados pontos e se afastam em
outros. Um dos pontos de convergência entre os dois modelos está na proposição de que os
intelectuais formam uma categoria social originada de determinados tipos de
desenvolvimento sócio-históricos. Os modelos divergem, entretanto, quanto à natureza
desses processos e de seus efeitos sobre os tipos, as funções, posições sociais,
comportamentos, em suma, sobre o próprio desenvolvimento da categoria dos intelectuais
e dos tipos que ela abriga.

No décimo segundo de seus Cadernos do Cárcere, Gramsci esboçou uma espécie


de programa de pesquisa para uma história dos intelectuais. De maneira mais ou menos
dispersa, o tema apareceu em outros de seus cadernos e trabalhos. Para usar o vocabulário
do marxista sardenho, o leit-motiv do modelo fornecido pelo programa e pelas
sistematizações de Gramsci é o problema da função pública do intelectual em relação às
classes fundamentais ou dominantes e o da formação de intelectuais nas classes
subalternas. A proposição que une as etapas da sistematização do programa de Gramsci é a
de que os intelectuais seriam agentes intermediários das classes, especialmente das
fundamentais. Em relação a elas, como empregados, os intelectuais cumpririam funções
organizativas “tanto en el campo de la producion, como en la cultura, com en el campo
administrativo-político”35.

Nesses campos, as variações dessas funções mediadoras seriam determinadas pela


relação das categorias de intelectuais com as classes em conjunções históricas e locais.
Gramsci identificou duas categorias de intelectuais como produtos do processo de
desenvolvimento capitalista: a dos intelectuais tradicionais e a dos orgânicos. A última
categoria é um desenvolvimento da primeira e, além de ambas serem produtos do processo
histórico de transformação de uma estrutura econômica e das classes em ternos dessa
estrutura, o que há de regular é entre essas categorias é o caráter mediador das funções e
das relações dos intelectuais que elas descrevem com as classes dominantes. O intelectual
tradicional seria aquele que, em determinadas circunstâncias, mediaria as relações dos
aparelhos da superestrutura (o Estado, a religião, a escola, a imprensa, a ciência etc.) com
as classes subalternas. Os intelectuais orgânicos, que poderiam também ser cooptados entre

35
GRAMSCI. A. Cuaderno 1. In: idem. Cuadernos de la cárcel. Tomo 1. Cidade do México: Edições Era,
1981, p. 103.
22
os intelectuais tradicionais, seriam aqueles que confeririam às classes dominantes “a
homogeneidad y consciência de sua própria función” no mundo da produção, e, a partir
daí, mediariam as relações delas com as classes subalternas nos níveis superestruturais. Na
sociedade civil, os intelectuais orgânicos atuariam em função das classes fundamentais
através de seus aparelhos privados, e, na sociedade política, através dos aparelhos de
Estado. O sentido dessa mediação especializada e técnica seria a produção e a imposição
do consenso necessário para manter o lugar das classes dominantes no mundo da
produção36.

A distinção tipológica-funcional entre intelectuais orgânicos e tradicionais, bem


como a tendência de cooptação dos últimos pelos primeiros no processo de
desenvolvimento dos blocos históricos, são pontos importantes no programa de sugerido
por Gramsci. Tanto uma quanto a outra se desdobram em relação aos problemas sobre o
lugar da atuação dos intelectuais no que seriam os aparelhos privados da classe. Para
Gramsci, o partido, as associações, as escolas, as revistas, as editoras, as bibliotecas, etc.
seriam lugares em que os grupos sociais fabricariam seus próprios intelectuais, em função
das suas próprias demandas de mediação e organização 37.

Mais ou menos de outro modo, o modelo de Mannhein foi construído a partir do


pressuposto de que o aparecimento de uma intelligentsia como camada social
relativamente autônoma e amorfa foi um fenômeno característico da fase final do processo
de desenvolvimento da autoconsciência moderna dos grupos sociais. Esse modelo foi
produzido através de uma sociologia do conhecimento e de uma história natural dessa
camada social. Ambos os procedimentos completares inscrevem a formação dessa
intelligentsia no processo longo de transformação dos modos de pensar herméticos,
estacionários e unitários que, no decorrer da modernização, deram lugar a outros
dinâmicos, plurais e reflexivos. O esquema desses modos de pensar que caracterizaram a
modernidade teria sido fornecido pela “razão” iluminista38.

Aparentemente, o modelo de Mannhein tem contornos mais maleáveis de o de


Gramsci. Sua estrutura depende de variáveis e matizes situacionais que não se reduzem à
36
Idem, p. 103; GRASCI, A. Cuaderno 12: apuntes y notas para um grupo de ensayos sobre la historia de los
intelectuales. In: idem. Cuadernos de la cárcel: Cidade do México: Era Ediciones, 1986, p. 353-382.
37
Idem., p. 359 ss.
38
MANNHEIN, K. Sociologia da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2004.
23
centralidade do mundo econômico e funcionam em correlação com os processos
simbólicos, ou, nos termos dessa sociologia, com os processos de ideação. O que
Mannhein quis propor com este modelo foi uma alternativa i) aos modelos fornecidos por
um idealismo que tratava das ideias em si mesmas e por si mesmas; ii) aos modelos
marxistas que tratariam dos fenômenos simbólicos em termos de classe e economia
material, e, assim, excluiriam o papel das pessoas nos processos de ideação; e iii) ao
nominalismo que tratava do simbólico em tomando os indivíduos como entidade única e
ultima39.

Os procedimentos que compõem o modelo informam a produção de uma tipologia


que depende do pressuposto de o que caracteriza e diferencia os intelectuais enquanto
grupo social é algum grau de contato com a cultura. Em relações subsidiárias a esse
contato estariam outras variáveis como o acesso a formas de trabalho, posições sociais,
erudição e outros critérios de distinção. A tipologia produzida por Mannhein descreve i) o
intelectual vocacional, que é o homem culto e cultivado que mais parece uma figura
escolástica por tender a se isolar com seus pares, como certos grupos de intelectuais
tradicionais em Gramsci; e ii) o intelectual moderno, que seria, ao mesmo tempo, produto
e produtor da secularização do saber que caracteriza a modernidade, dos esquemas de
percepção e das formas de pensar racionais, e aquele que se envolveria nos problemas do
mundo, deixaria de pertencer aos grupos herméticos, que seria dinâmico, aberto, reflexivo,
empático, crítico, investigativo etc., mas, ainda assim, relativamente isolado do mundo das
coisas práticas 40.

Essas tipologias foram complementadas por uma sociologia e por uma história
natural que enquadra os tipos de intelectuais intuídos por Mannhein no processo de
modernização das formas de pensar e de se organizar dos grupos sociais. No primeiro caso,
o sociólogo investigou quais eram as origens sociais dos intelectuais, suas solidariedades e
formas de associação, suas posições, suas mobilidades e suas funções sociais. Essas
variáveis apareceram como relacionadas a comportamentos, motivações, formas de pensar
etc. que fariam da intelligentsia essa camada amorfa e particular. Da história natural dessa
categoria, Mannhein deduziu taxionomias e possíveis formas de vida para os diferentes

39
Idem.
40
Ibdem., p 79-93.
24
tipos de intelectuais. Ele fez isso relacionando os dados produzidos pela análise
sociológica do processo de formação da intelligentsia com os tipos de engajamento do
intelectual na divisão social do trabalho. Os resultados dessa operação determinariam o
intelectual como pessoa que tende ao convívio isolado, introvertido, limitado a seus pares e
aos livros, à mistificação e à automistificação. As formas de vida correlatas a essa
psicologia de grupo seriam então as que enquadrariam o intelectual em uma intelligentsia
vocacional por conta de uma carreira percorrida; que produzem o intelectual dos momentos
de lazer, que seria aquele que manteria ocupações paralelas e dedicaria seu tempo livre às
atividades do pensamento; e o intelectual transitório, que seria o jovem ou o adulto que
não teria se estabelecido numa profissão e que tomaria parte de atividades que fugiriam aos
seus interesses imediatos 41.

As classificações e tipologias produzidas por Mannhein e Gramsci foram


operacionalizadas através de diferentes graus de generalização e, como os modelos a que
servem, têm alguns problemas. No caso de Gramsci, a aparente irredutibilidade do
intelectual aos negócios da classe pode levar a engessamentos e substancialismos drásticos,
especialmente se as relações em que o modelo se baseia não forem consideradas. Da
mesma forma, no caso de Mannhein, o intelectualismo que coloca os intelectuais como
produtores e produtos de um processo de secularização do saber pode fazer esquecer as
condições, as variáveis e os diversos agentes que contribuem nos processos de ideação ou
de produção do simbólico. Além disso, esse modelo acaba por incorrer nos mesmos
problemas que visou resolver. Se, por um lado, ele permite uma abertura ao considerar um
conjunto de variáveis situacionais mais amplo e flexível que o de Gramsci, por outro ele
produz tipologias não menos essencialistas, rígidas e fechadas que as do marxista
sardenho.

Apesar desses e de outros problemas, esses modelos podem funcionar como


instrumentos analíticos eficazes para a pesquisa que proponho. Antes de qualquer coisa,
com eles eu posso delimitar um domínio, na medida em que eles me sugerem que falar de
intelectuais é falar de trabalhadores culturais 42 que se movem por diferentes espaços do
mundo social e fazem diversas coisas nos processos de produção e de disseminação dos

41
Ibdem.
42
A expressão cultural workman é de C. Wright Mills. C.f. MILLS, C.W. The sociological imagination. Ed.
de 40º Aniversário. Nova York: Oxford University Press, 2000, p. 13.
25
objetos simbólicos ao longo do tempo. Além disso, eles indicam que as relações dos
intelectuais com o poder e com a política podem ser várias ao longo do tempo.

Esse grau de generalização ainda não me permite dizer o que eu quero dizer ou
fazer com o descritor intelectuais de extrema-direita. O mais evidente seria dizer que essas
pessoas a quem tento descrever através do conceito são trabalhadores culturais que tem
alguma relação com a política de extrema-direita e que, em função disso, escrevem,
editam, publicam e apresentam textos para plateias. Ainda assim eu não teria condições de
sair do terreno em que o descritor é ainda apenas um descritor sem capacidade explicativa
do fenômeno que tento investigar. Isso acontece por que ele me leva ao caso que estudo,
mas me diz muito, e, por isso mesmo, nada sobre os problemas e o material empírico que
sustentam o trabalho que proponho.

Eu encontrei uma saída para essa armadilha na série das Reith Lectures proferidas
por Edward Said sobre as representações do intelectual43. Nessas conferências Said
propôs uma forma de tratar dos intelectuais em que o universal se correlacionasse com o
local, com subjetivo e com situacional. Ele começou fazendo isso operando uma síntese
entre o modelo do intelectual como agente público, de Gramsci, e do intelectual como
vocação crítica, de Julien Benda. Através desse procedimento, ele produziu uma definição
descritiva e uma normativa. Eu vou me deter na primeira44.

Said define o intelectual como alguém que comunica imagens, ideias,


representações, pontos de vista etc. e que faz isso a partir de certas imagens que ele tem de
si e de seu grupo no mundo. A produção e a comunicação dessas imagens foram
observadas por Said como atividades que dependem das circunstâncias sobre as quais os
intelectuais agem. Assim, ele investigou essas práticas em um conjunto de textos literários
e sociológicos produzidos em conjunções particulares que seriam, por assim dizer,

43
SAID, Edward. As representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Cia. das
Letras, 2005.
44
Os dois aspectos da definição operada por Edward Said se correlacionam em diferentes graus ao longo das
conferências. Entretanto, o aspecto normativo não é operacional para o investigação que proponho. Isso se
deve não só a sua normatividade, mas também ao fato de que ele tem muito a ver com as tomadas de posição
assumidas por Saíd nas circunstâncias das produção e da divulgação das palestras e, em função disso, como o
lugar ocupado por este e outros trabalhos seus naquela situação. A ênfase reflexiva da definição normativa,
presente também na descritiva, não pode ser dissociada dessas conjunções. C.f. SAID, 2005, p. 9-19.
26
paradigmáticas. Com esse procedimento Said descobriu o mundo dessas práticas e, nele, o
sentido dessas práticas 45.

Se os modelos de Grasmci e Mannhein sugerem que tratar dos intelectuais é tratar


de trabalhadores culturais que agem no mundo e sobre o mundo de diferentes formas, o
modelo de Said me permite incluir uma variável importante a essa generalização e assim
precisa-la. O modelo me sugere que os intelectuais fazem as coisas que fazem segundo
certas imagens que eles têm de si no mundo e que essas imagens pertencem ao mundo dos
intelectuais. Acessar as representações dos intelectuais é acessar o que os intelectuais
fazem e o mundo que informa que essas práticas de uma maneira tal e não de outra.
Através de outros caminhos, é isso que Moraes indica quando fala sobre os intelectuais
negacionistas e suas práticas. Segundo o historiador, o texto negacionista permite ao seu
analista acessar não o passado que ele supostamente contém e declara conter. Mais que
isso, para Moraes, o texto negacionista dá acesso a quem o produz, uma vez que “a
falsificação do passado e o caráter de seus materiais denuncia o olhar de quem os constrói,
possibilitando identificar um tipo de intervenção política particular da extrema-direita no
mundo, bem como suas estratégias para se afirmar socialmente e para legitimar seu
programa político” 46.

Nesse sentido eu opero com uma definição de intelectuais que leva em conta tanto
o caráter geral da prática intelectual – a produção e a mediação cultural – quanto o caráter
local e restrito dessas atividades no mundo sobre o qual elas produzem sentido e no qual
elas se tornam inteligíveis como relações associativas. Assim, quando eu falo de
intelectuais de extrema-direita negacionistas do Holocausto, eu me refiro a um conjunto de
pessoas que percebem o mundo de uma forma particular e agem sobre o mundo de uma
maneira característica, através da produção e da divulgação de narrativas falsas sobre um
passado falso. Essas formas de perceber o mundo e agir sobre o mundo são, nesse caso,
informadas pelas posições que os agentes do movimento ocupam no mundo dessas práticas
e pelos projetos políticos através dos quais eles tentam afirmar que a ideia de que um bom
mundo é mundo racialmente homogêneo e excludente.

45
Idem., p. 19-54, 71-88.
46
MORAES, 2008.
27
No seu aspecto mais geral, essa forma de tratar do problema também foi sugerida
por Sirinelli em seu programa de pesquisa. E isso me leva ao segundo elemento da chave
proposta por esse historiador. Aí a noção de sociabilidade entra no jogo. Sua definição
aberta no programa de Sirinelli sugere que as práticas, as posições, as tomadas de posição e
os deslocamentos dos intelectuais em uma paisagem particular pode ser matizada por
solidariedades que unem esses agentes públicos em um determinado espaço e tempo.
Assim, mais que levar ao mundo de relações em que as práticas dos intelectuais fazem
sentido, a sociabilidade poderia contribuir para dar formato a esse mundo através das
dinâmicas de aderência, filiações, rupturas, centros de atração, fenômenos de transmissão
etc47. Mas o que e falar de sociabilidade?

Em seus estudos sobre “o lugar da política na vida e na cultura”, o historiador


Maurice Agulhon operacionalizou a noção de sociabilidade como uma categoria histórica48.
Agulhon começou a investigar o fenômeno associativo como uma forma de sociabilidade
em meados dos anos 1960. Nas formulações dessa época, ele supunha que a vitalidade e a
quantidade de grupos organizados expressavam um tipo de propriedade particular de uma
determinada população, uma espécie de temperamento regional que fazia do gosto pela
interação nos espaços públicos uma propensão característica 49.

No decorrer de suas investigações, e enquanto a noção de sociabilidade se tornou


uma espécie de moda e começou a receber usos indiscriminados, Agulhon reformulou sua
hipótese inicial e precisou a noção em torno da qual ela se desenvolvia. Para fazer da
sociabilidade uma categoria descritiva e explicativa, ele operou uma genealogia do termo
descobriu a variedade de seus usos e conteúdos semânticos em dicionários, em trados
filosóficos e trabalhos de historiadores publicados entre o século XVII e o XX. Mais que
inventariar significados, o que Agulhon quis e fez com isso foi situar a sociabilidade no
tempo e no espaço. E aí ele encontrou descrições de uma psicologia coletiva, de um

47
C.f. SIRNINELLI, 2003.
48
AGULHON, M. Historia Vagabunda: etnología y política en la Francia contemporánea. Cidade do
México: Instituto de Investigaciones José María Mora, 1994, p.12.
49
AGULHON, M. El Círculo Burgués: la sociabilidad en Francia, 1810-1848. Buenos Aires: Siglo XXI,
2009, p. 30.
28
temperamento típico da França iluminista, republicana e democrática, de um sinal dos
tempos modernos e da civilização burguesa 50.

Nesse ponto Agulhon começou a deixar de lado a história das mentalidades e da


geografia dos temperamentos para abraçar a uma história das associações como forma
possível de sociabilidade. Ele partiu das tentativas de Fernand Benoît em explicar a
sociabilidade provençal como sintoma intuído de uma psicologia coletiva, determinada por
variáveis demográficas, locais, sociais e econômicas. Para Agulhon, a intuição de Benoît
sobre o fenômeno tinha uma série de problemas derivados de seus vínculos com um
conjunto de outras que percebiam os temperamentos regionais como manifestações de
substancias etéreas (raça, nação, população etc.), ou ligavam os comportamentos políticos
diretamente ao que seria esse temperamento regional, quando não havia variáveis
sociologias e econômicas que os explicassem 51.

Agulhon considerava essas intuições empiricamente inviáveis, da mesma forma


como eram problemáticos os trabalhos historiográficos que usavam de maneira
indiscriminada a noção de sociabilidade, tratando-a ora como sinônimo de vida cotidiana,
ora mentalidade coletiva ou coisa parecida. Para não incorrer nesses problemas, o
historiador ingressou em um projeto restritivo e parcial, o de “identificar instituições e ou
formas de sociabilidade específicas e fazer o seu estudo concreto”. Fazendo isso, Agulhon
passou a tratar do fenômeno associativo como forma moderna e instituída de sociabilidade.
Não se tratava mais de uma psicologia coletiva intuída ou arrancada de onde ela poderia
não existir, mas de uma forma pela qual os grupos se constituíam e se realizavam politica,
cultural e socialmente, e, de maneira geral, de uma forma de interações reguladas,
governadas, dotadas de sentido no tempo e no espaço. Como categoria histórica válida, em
função de sua diversidade, a sociabilidade requeria definições “mais de acordo com as
épocas consideradas, ou seja, mais históricos, sem que deixem de ser, entretanto,
sociológicas por natureza” 52.

Um dos muitos e reconhecidos méritos do trabalho de Agulhon é a


operacionalização e a construção de seu objeto de pesquisa, i.e., o fenômeno associativo

50
Idem., p. 31-34.
51
Ibdem., p. 34-36.
52
Ibdem., p. 37- 43. A tradução é minha.
29
como forma de sociabilidade moderna, situado no tempo e no espaço. Entre muitas outras
coisas, além de ser um exemplar construtor de pontes entre as disciplinas pelo manuseio de
modelos sociológicos e antropológicos, Agulhon mostrou como as formas instituídas de
interação, as complexas redes de solidariedades que fazem com que as pessoas se associem
e as formas de agir e pensar compartilhadas podem estar atravessadas pela política. Mais
que isso, ele demonstrou que esses lugares de sociabilidade, esses lugares em que as
pessoas se reúnem por se reunirem, são lugares onde certos comportamentos políticos,
como a propensão republicana dos burgueses e a adesão democrática e socialista de grupos
médios e camponeses da Provença do século XIX, são gestados, produzidos e reproduzidos
por intermédio dessas relações que são, por sua vez e por uma via de mão dupla,
influenciadas e condicionadas por determinadas conjunturas.53 Dessa forma, a associação
como efeito e forma de interações, implica numa definição muito precisa e circunscrita de
sociabilidade como a “aptidão de viver em grupos e consolidar os grupos mediante a
constituição de associações voluntárias”54.

Além de recomendações metodológicas, a formulação de Agulhon me fornece


peças para produzir os instrumentos explicativos que preciso. Entre essas peças está a ideia
de que os programas políticos e as formas de percepção de mundo e de ação sobre o
mundo que os subtendem não existem num vazio sociológico: elas só podem existir através
de processos de socialização e de interação regulados e instituídos. De outro modo, por sua
noção de sociabilidade pertencer a um mundo, ela não pode ser transportada a outro sem
prejuízos. Ainda que eu a tome como suposto a ser investigado no caso que estudo, eu não
tenho condições de medir a aptidão que ele descreve e explica. Negar isso é uma dupla
negligência: desconsidera o trabalho empregado por Agulhon na construção de seu objeto e
instrumento de pesquisa e não leva em conta o material empírico do caso que estudo.
Apesar disso, as vantagens de partir da noção fornecida por Agulhon são maiores que os
problemas, os quais podem ser resolvidos se eu recorrer a um modelo diferente daqueles
que usou. Esse modelo é Georg Simmel.

53
C.f. RIOUX, J.P. A associação em política. In: REMOND, R. (Org.). Por uma história política. 2 ed. Rio
de Janeiro: FGV Editora, 2003. Cap. 5, p. 994-140; AGULHON, 1994, p. 17-87.
54
AGULHON, 1994, p. 55. A tradução é minha.
30
A sociabilidade tem um lugar de destaque nos trabalhos de Georg Simmel. Como
Everet Hughes sugeriu, ela foi uma das principais peças de seus “jogos sociológicos” 55. E
não é para menos. O problema da sociabilidade deriva da questão fundamental da
sociologia formal de Simmel: a natureza, os limites e a relação do conceito de sociedade
como um domínio particular da sociologia. Numa das etapas da solução desse problema
neokantiado sobre como é possível a sociedade, Simmel sugeriu que falar sobre ela não
seria falar de algo cristalizado ou de uma unidade abstrtata, mas de algo que acontece
quando as pessoas interagem através de processos dinâmicos e fluídos, em correlações e
situações diversas, em função de certas coisas e para fazer determinadas coisas 56.

A esses processos de fazer acontecer a sociedade, Simmel deu o nome de


sociação. As formas regulares desses processos, que se manifestariam através da
dominação, disputas, conquistas, jogos, etc., só seriam objetos legítimos da sociologia se
fossem separados dos conteúdos em que elas se realizam e ganham sentido, i.e., como
instinto, interesse, objetivos, etc57. Através de comparações e sínteses entre as diversas
formas de interação, Simmel reuniu as condições para abstrair uma forma pura de sociação
a sociabilidade. Como objeto de uma sociologia pura, a sociabilidade implica na separação
completa das formas dos conteúdos das interações: o sentido das formas estaria nelas
mesmas e, assim, as pessoas estariam uma com as outras, uma pelas outras ou contra as
outras por assim serem e estarem. A noção de sociabilidade em Simmel realiza, portanto,
uma abstração radical. De qualquer forma, como alertou Simmel, ela só pode existir como
instrumento analítico que mobiliza o próprio jogo das formas de sociação. A análise da
sociabilidade por essa sociologia pura deveria sistematizar, como uma figura geométrica,
as dinâmicas e as regras desse jogo independente e autônomo 58.

Assim, ao indicar que as formas dos processos de interação ou de sociação são


matérias brutas da sociabilidade, o modelo de Simmel me dá condições para tratar desses
processos de maneira menos cristalizada. Isso se eu não me contentar apenas com as forma

55
HUGHES, E.C. A note on Georg Simmel. Social Problems, vol. 13, n.2, Oakland, University of California
Press, outono de 1965, p. 117-118.
56
SIMMEL, G. The sociology of sociability. Trad. Evertt C. Hughes. American Journal of Sociology, vol.
55, n. 3, Chicago, University of Chicago Press, nov. /1949, p. 254. Idem. Questões fundamentais da
sociologia: individuo e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, p. 7-58.
57
SIMMEL, G. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 47-58.
58
C.f. Idem., p. 165-181; SIMMEL, 1949.
31
em si e por si mesma das interações, mas buscar, no caso que estudo, aquilo que é seu
princípio condicionante. E isso se torna possível na medida em que o modelo sugere e
opera com correlações e sínteses múltiplas, nos mais variados níveis das interações que
povoam, fazem e dão sentido ao mundo social e às coisas do mundo social.

Neste nível, a formulação leva-me de volta ao lugar da sociabilidade na chave


interpretativa proposta por Sirinelli e, inevitavelmente, ao caso que estudo. Em conjunto,
as proposições de Agulhon, o modelo de Simmel e a chave de Sirinelli me permitem dizer
o que quero dizer quando trato do IHR como um espaço de sociabilidade da extrema-
direita. Em relação às fontes primárias que mobilizo, eles me permitem tratar do IHR como
um espaço instituído e instituinte de relações, filiações, adesões, rupturas, práticas etc. que
subtendem solidariedades que contribuem para delimitar as fronteiras e o movimento de
um ambiente social em uma ecologia mais ampla, i.e., em um campo político.

Essa forma de tratar do problema coloca a pesquisa que proponho em um campo


no qual a história política e a história dos intelectuais se encontram com variáveis
sociológicas e culturais. É uma história desse tipo que Sirinielli propôs, de maneira aberta,
em seu programa. Essa abordagem aqui sistematizada impedirá que no decorrer da
pesquisa eu caia em problemas relacionados à analises puramente semióticas dos produtos
e das práticas intelectuais, ou problemas derivados das análises puramente prosopográficas
que podem incorrer em formas de “ilusão biográfica” 59. Isso por que o que ela leva em
conta são as relações e correlações entre os intelectuais e a política, no mundo que
estrutura a ação deles e sobre o qual eles agem. Assim, mesmo com os limites que já
indiquei, a chave pode abrir um espaço para a descrição e explicação eficaz do fenômeno
que estudo a partir de um caso.

Tentei fazer dessa seção não uma discussão exclusiva ou um inventário puro de
conceitos, uma “finalidade do sem fim”. Ao contrário, minha expectativa foi a de fazer
funcionarem as ferramentas conceituais que uso no trabalho de pesquisa que proponho. Na
próxima seção eu vou mostrar como eles funcionarão em relação ao material empírico e
aos processos de execução da pesquisa.

59
C.f. BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.M.; AMADO, J. Usos e abusos da história
oral. 8 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.
32
IV- Metodologia.

Os modelos e os conceitos irão funcionar como ferramentas descritivas e


explicativas em um processo de pesquisa que será executado em três níveis ou etapas. No
primeiro nível eu tomarei o IHR como um espaço instituído e instituinte do negacionismo e
investigo os detalhes e a estrutura de funcionamento da organização. O que estará em jogo
aí serão os aspectos normativos da organização, as funções que ela desempenhou e visou
desempenhar explicita e tacitamente, a trama de relações sociais e simbólicas que
constituía a instituição, suas representações sociais. Em suma, o que será central nesse
primeiro nível da pesquisa é o mundo do IHR e o lugar da organização nesse mundo. A
razão de ser desse nível é dupla: com ele é possível acessar a trama de relações que se
desenvolvia no espaço da instituição incorporando-a de sentidos, e, em decorrência disso,
acessar os efeitos da instituição sobre as práticas que caracterizaram as manifestações do
negacionismo de uma forma tal e não de outra. O mesmo é dizer que esse nível abrirá a
investigação para os princípios instituintes das práticas relações e das práticas que se
desenvolviam em torno do IHR.

Para tanto, aí eu recorrerei a tabelas e fichas prosopográficas e a organogramas


para estabelecer, descrever e explicar a configuração e o jogo de posições e, por assim
dize, o contexto humano que constituía o IHR. Ao mesmo tempo, e em relação a esse
primeiro conjunto de procedimentos práticos, os aspectos normativos da instituição serão
investigados através das representações que os porta-vozes da instituição faziam sobre ela
e sobre seus interlocutores, seus programas e seus projetos.

No segundo e no terceiro nível serão investigadas as práticas desenvolvidas em


torno do IHR. Farei isso em relação aos resultados colhidos na primeira etapa e buscarei
identificar, descrever e explicar os princípios regulares que organizam a diversidade de
práticas, relações e funções que fizeram do IHR uma instituição polissêmica. Aí irei me
concentrar em séries de produtos do IHR: as edições das IRC e os números do JHR.

Nestes níveis, os procedimentos serão ordenados em fases inter-relacionadas. Na


primeira fase o exercício será o de sistematizar, descrever e explicar a estrutura formal das

33
IRC e do JHR. Os materiais textuais e audiovisuais produzidos em tono das IRC e os
textos publicados no JHR serão analisados na segunda fase. Em ambos os momentos, os
procedimentos deverão ser baseados na situação desses textos em um seu contexto
linguístico, na análise das práticas discursivas e das intenções que eles incorporam 60. Para
encerrar esse conjunto de procedimentos e acessar o princípio de eficácia simbólica desses
textos, seguindo agora a recomendação de Pierre Bourdieu, irei buscar “estabelecer a
relação entre as propriedades do discurso, as propriedades daquele que o pronuncia e as
propriedades da instituição que o autoriza a pronunciá-lo” 61. Em suma, o que eu buscarei
aqui é descrever e explicar como essas práticas discursivas e essas “representações
(individuais ou coletivas, puramente mentais, textuais ou iconográficas)”, para falar como
Roger Chartier, constroem as “próprias divisões do mundo social” 62.

V- Fontes.

O conjunto documental que organizei como evidência e material empírico para o


trabalho de pesquisa que proponho é formado por séries de fontes mais ou menos
dispersas, reunidas em torno de um grupo, por assim dizer, nativo. Refiro-me às edições do
JHR, os catálogos editoriais, os materiais de publicidade, e os boletins informativos
publicados nos 102 números do periódico que foi publicado entre 1980 e 2002.

Esse grupo é composto pela totalidade de edições do JHR impressas em formato


digital (PDF). Alguns dos volumes do periódico estão disponíveis em formato hipertextual
virtual (HTML) no sítio eletrônico do IHR, onde é possível comprar determinados
números da revista impressos em papel, ou ainda a totalidade das edições digitalizadas e
gravadas em mídia digital (DVD). Outro trabalho de digitalização das edições do JHR foi
realizado e coordenado por Germar Rudolf, um importante editor e escritor negacionista.
Junto com um conjunto extenso e variado de publicações negacionistas, essas versões
digitalizadas dos números do JHR estão disponíveis para acesso no sítio eletrônico de uma
organização que foi desenvolvida a partir do IHR, o Committe for Open Debate on
60
SKINNER, Q. Visions of politics: regarding method. Vol 1. Nova York: Cambridge University Press,
2002.
61
BOURDIEU, 1998, p. 89.
62
CHARTIER, 2009, p. 7.

34
Holocaust (CODOH). Lá elas estão disponíveis como hipertexto (HTML) ou para serem
descarregadas como impressão digitalizada (PDF). O material que uso é derivado desse
trabalho de Rudolf pra o CODOH. Após descarregar esses materiais, eu os classifiquei, os
cataloguei e então distribui as edições em pastas ordenadas por ano/volume dos números.
Essa série foi incluída no conjunto como GRUPO-A_SERIE-A1.

As demais séries desse grupo foram sendo produzidas e alimentadas no decorrer


do processo de investigação. A SERIE-A2 foi formada por materiais de áudio (podcasts)
e/ou audiovisuais originalmente produzidas e comercializadas pelos agentes da instituição.
Esses materiais foram coletados do sítio eletrônico do IHR e de outras organizações
negacionistas, tais como o Vrij Historisch Onderzoek (VHO), a Association des Anciens
Amateurs de Récits de Guerres et d'Holocaustes (AAARGH) e o CODOH; os materiais
dessa série estão organizados segundo categorias tipológicas, autores/produtores e datas. A
SERIE-A3 é formada por trabalhos individuais tais como livros e panfletos publicados pela
editora do IHR ou por editoras parceiras, como a Noontide Press.

Outro grupo de fontes, o GRUPO-B, é formado por materiais produzidos por


indivíduos e instituições que tiveram alguma ligação com o IHR. Esse é o conjunto mais
disperso de fontes, exceto pelo dossiê de transcrições e provas documentais de processos
evolvendo agentes do IHR organizado por Greg Raven, ex-editor e membro do conselho
diretor do IHR. Esse dossiê foi originalmente disponibilizado em uma seção invisível do
portal eletrônico particular de Raven. Nesse grupo de documentos, os materiais desse
dossiê constituem a SERIE-B1. A SERIE-B2 e formado por textos de Robert Faurisson
que foram publicados em um blog a ele dedicado. A SERIE B-3 é formada por materiais
coletados no portal eletrônico do VHO, que contém um banco de dados e uma biblioteca
eletrônica que disponibiliza para acesso uma quantidade e uma variedade significativa de
textos negacionistas. A SERIE-B4 é formada por materiais coletados no sítio eletrônico da
AAARGH, que basicamente funciona como o anterior. A SERIE-B5 é formada de
materiais coletados do sítio eletrônico do CODOH. Os materiais de todas essas séries
foram organizados por temas/pessoas/datas originais de publicação.

O terceiro grupo de fontes é o GRUPO-C. Ele é composto apenas de uma SERIE-


C, que organiza um conjunto variado de documentos produzidos por instituições civis que

35
agem no espaço público estadunidense monitorando, prevenindo e combatendo atividades
de grupos extremistas. Para o cientista político George Michel, esses grupos formam uma
espécie de cena e são tão diversos em termos de estruturas organizacionais e posições
quanto os seus opositores. Da expressiva variedade e quantidade desses grupos, eu opero
apenas com materiais produzidos por dois deles, o Anti-defamation League (ADL) e o
Southern Poverty Law Center (SPLC).

Eu me deparei com esses grupos quando trabalhava num projeto de iniciação


científica em que investigava determinadas manifestações programáticas da extrema-
direita na internet. Para selecioná-los, eu me vali desse contato anterior e da classificação
desses grupos produzida por George Michel. A ADL é, nesse sentido, uma espécie de
grupo de pressão (pressure group) que combate manifestações do antissemitismo, através
de campanhas educacionais e assessoria política e jurídica a agências governamentais.
Mais ou menos da mesma forma, o SPLC se concentra no combate às mais variadas formas
de manifestação do racismo, da homofobia e de diversos outros crimes de ódio. Segudo
Michel, a ADL e SPLC compõem o primeiro nível da cena de ONG’s desse tipo. Os
materiais produzidos por essas organizações que estão nessa série são relatórios de
inteligência, perfis biográficos, surveys e dados estatísticos sobre as manifestações da
extrema-direita nos EUA.

O quarto e último grupo de fontes é formado por matérias de jornais diários


publicados entre 1981 e 2016. Esses textos cobrem manifestações públicas dos agentes da
organização durante esse período; neste GRUPO-D elas estão organizadas em séries por
jornal e por data original de publicação. A SERIE-D1 é composta por materiais publicados
nos Los Angeles Times; a SERIE-D2 é composta por materiais publicados pelo Washington
Post; e a SERIE-D3 é formada por materiais publicados no The New York Times.

VI- Planejamento e cronograma de execução.

Esta versão do planejamento e do cronograma de execução da pesquisa considera


um período de dois anos do curso de Mestrado em História oferecido pelo PPHR – UFFRJ.
Ela leva em conta também a incidência de, por assim dizer, fatores externos que

36
contribuíram para retardar os processos de trabalho. O planejamento das etapas já
cumpridas e das que ainda há para cumprir é que está representado nas tabelas a seguir.

TABELA 1 - 2016

Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Atividades

Levantamento de fontes X X X X X X X X X X X X
Classificação e catalogação de fontes X X X X X X X X X X
Produção de fichas biográficas/ X X X
prosopográficas
Tabulação de dados e construção de X X X
organogramas
Trabalho com instrumentos teóricos X X X X

TABELA 2 – 2017.

Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Atividades

Sistematização e análise das fontes X X X X X X X X X X X X


Preparação para material de qualificação X X X X X X
Revisão de material da qualificação X
Redação da dissertação X X X

TABELA 3 – 2018.

Meses 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12

Atividades

37
Redação de dissertação X X
Defesa de dissertação X

VII – Referências bibliográficas.

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Cidade do México: Inst. San Juan Mixcoac, 1994.

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42
2 - PLANO DE REDAÇÃO.

A dissertação que sistematizará os procedimentos e os resultados da pesquisa será


organizada em quatro capítulos que serão organizados em função da clareza dos
procedimentos descritivo, dos explicativos e do desancamento da argumentação no geral.
Cada um desses capítulos lidará com uma dimensão ou um conjunto de questões
articuladas à questão em torno da qual o projeto e a execução da pesquisa se desenvolvem.
A objetivação das representações, das tomadas de posições, das relações e das práticas
instituintes e instúidas do IHR será o fio em torno do qual a narrativa será organizada. O
esboço da estrutura de cada um deles e uma visão do conjunto é o que segue.

Introdução.

Na seção introdutória o material da dissertação será apresentado ao leitor. Mais que um


mapa de navegação sobre o conjunto do material, o leitor deverá encontrar, na seguinte
ordem: a) construção do objeto de pesquisa; b) elaboração do problema de pesquisa; c)
justificativas e objetivos da pesquisa; d) construção das hipóteses de pesquisa; e) proposta
de solução e procedimentos de solução para o problema; f) detalhamento da estrutura geral
do trabalho.

Capítulo 1 – O Institute for Historical Review: espaço de sociabilidade intelectual da


extrema-direita.

Este capítulo tratará de questões propriamente formais e normativas do Institute for


Historical Review (IHR). Intercalando procedimentos descritivos e explicativos, buscarei
dizer o que foi e o que representou o IHR. O seu pressuposto, situado no desencadeamento
argumentativo, é o de que, para parafrasear Loïc Wacquant, não se pode compreender as
práticas negacionistas e o negacionismo no geral sem que se estudo os detalhes da estrutura
e do funcionamento das instituições o sustentam e das relações que lhe conferem sentido.
Isso implica num conjunto de procedimentos que deverão servir para situar o IHR no seu
mundo, i.e., numa atmosfera de instituições e agentes da extrema-direita a qual ele
43
pertence, na qual ele se posiciona e correlaciona com outras. Dizendo de outra forma,
nesse capítulo a trama das relações sociais e simbólicas que fizeram do IHR uma
instituição complexa deverão ser objetivadas, se o que eu pretendo for acessar o “universo
relativamente fechado” da instituição e das práticas que lhe são instituintes”, e, assim, o
“contexto humano e ecológico na qual ele se ancora” e as “possibilidades sociais da qual
ele é portador”63.

Para chegar aos resultados que pretendo apresentar neste capítulo, eu elaborei e alimentei
tabelas prosopográficas/biográficas, construí organogramas e tabelas quantitativas e
qualitativas que mapeiam e descrevem relações dos agentes negacionistas em torno e em
relação ao IHR. Fiz isso a partir de fontes nativas, a materiais produzidos por organizações
civis que combatem o extremismo político e também recorri a materiais historiográficos
como auxílio. No geral, esses resultados deverão mostras que o IHR foi uma instituição
polissêmica, que estruturava e era estruturado por certas práticas e relações, que cumpriu
determinadas funções, etc.

Esses resultados serão demonstrados em quatro seções. Na primeira seção – O IHR e o


negacionismo – eu buscarei situar o IHR num universo da extrema-direita; lançando mão
de um jargão amplamente difundido, aqui as abordagens macro e micro se correlacionam
numa via de mão dupla. Na seção dois, que receberá o título de O IHR como instituição, eu
descreverei os detalhes da estrutura e do funcionamento da instituição. Na seção III – O
IHR e os negacionistas – localiza os agentes em relação à estrutura da organização. Na
seção IV – A lógica da organização e as funções do IHR – descreverei os princípios da
organização, as funções visadas e cumpridas, os programas, enfim, as possibilidades
sociais da instituição em relação ao seu mundo e ao seu lugar em relação a esse mundo de
produtores e divulgadores de narrativas negacionistas.

Capítulo 2- As IHR International Conventions.

Tendo estabelecido contornos, fronteiras variáveis e pontos de contatos diversos, em suma,


uma fisionomia e uma fisiologia do IHR no capítulo anterior, neste eu trato de um domínio

63
C.f. WACQUANT, L. Body and soul: notes of an aprentice boxer. Nova York: Oxford University Press,
2004, p. 13, 35.
44
de práticas desenvolvidas em torno da instituição. O objeto aqui serão as IHR International
Conventions (IRC), que foram uma série de encontros negacionistas realizados pelo IHR
entre 1987 e 2002. Esses eventos eram apresentados como fóruns de divulgação científica
e contavam com a participação de figuras destacadas do negacionismo internacional. O
objetivo deste capítulo será o de investigar a lógica e as funções desse tipo de produto de
prática desenvolvido em torno do IHR. Farei isso através da análise dos materiais
produzidos em função dessas conferências e dos relatos que existem sobre elas. O
pressuposto que orientará os procedimentos descritivos e explicativos será o de que as IRC
eram, mais que espaços de recrutamento, de arrecadação de recursos financeiros, entre
outras coisas, um meio de encontro, de socialização, de estabelecimentos de parcerias, de
discussões, enfim, um espaço de produção do IHR.

Este capítulo será dividido em quatro seções. Na primeira eu apresento os eventos, dando
ênfase em suas regularidades e rupturas formais e organizacionais ao longo de suas
edições. Na segunda seção o objeto será o conjunto de pessoas que participaram das
conferências e as circunstâncias de suas participações. A terceira e a quarta seção serão
dedicas às relações desenvolvidas nesses eventos.

Capítulo 3- O Journal for Historical Review.

Este capítulo funcionará em função dos dois primeiros. Ele se dedica ao principal produto
com marca do IHR: o periódico que imitava os formato das publicações científicas e que
foi produzido e circulado com o título de Journal for Historical Review (JHR). A
proposição do capítulo é de que também a produção do periódico cumpriu funções
socializadoras entre intelectuais da extrema-direita. O objetivo do capítulo será descrever e
explicar a dinâmica dessas relações e de suas implicações. Para tanto, um procedimento de
fichamento dos textos dos volumes do periódico seriam insuficiente. Mais que isso, um
histórico da publicação será apresentado no primeiro nível do capítulo; o procedimento aí
será descritivo e se preocupara com as transformações e permanências das estruturas
formais do impresso. No segundo nível eu farei esses mesmos procedimentos em relação
ao staff administrativo, aos editores e ao conselho editorial; o procedimento aqui também
deverá ser descritivo e me dar condições para os procedimentos explicativos que
45
corresponderão às seções se seguirão a esta. Na terceira seção do capitulo eu descrevo e
explico as regularidades temáticas, as práticas discursivas, as intenções e demais variáveis
que estão no domínio, por assim dizer, propriamente discursivo da produção do JHR. No
quarto nível eu observo as relações que de desenvolveram entre essas práticas discursivas,
objetivos, etc. situando-as em um contexto institucional linguístico. No quinto nível eu
aprofundo esse procedimento para falar de casos de relações que, de certa forma,
contribuíram para dar forma ao campo e ao contexto.

Considerações finais.

Nas considerações finais eu sintetizarei os processos da pesquisa e os resultados


produzidos através deles. Em uma espécie de balanço, feito à contrapeso da proposição
principal, eu vou descrever o que foi possível e fazer e sistematizar o que fica como
perspectiva futura ou hipótese a explorar.

46
3- Capítulo da dissertação.

CAPÍTULO II - As International Revisionist Conventions.

I- Introdução.

Como produtores e divulgadores de narrativas negacionistas se relacionaram em


torno do IHR?

Suponha que no capítulo anterior eu tenha começado a oferecer uma resposta


para essa pergunta. E que para fazer isso eu tenha partido do pressuposto de que, naquele
nível, falar do IHR era falar dos agentes do IHR. Concorde com a possibilidade de eu ter
descrito e explicado as relações sociais e simbólicas que se desenvolveram e se
estruturaram entre os “funcionários da casa”. E também que eu tenha sugerido, como
desdobramento disso, que tais relações contribuíram para dar corpo e movimento ao IHR
ao longo do tempo.

Continue e pense comigo que outra fase da elaboração dessa reposta provisória
tenha consistido na objetivação do espaço e da posição do IHR em uma ecologia
diversificada, e que esse espaço tenha sido objetivado e definido em relações a uma
espécie de rede de grupos da extrema-direita, formada em torno de um conjunto de
práticas, de representações, de um léxico, de referências comuns, de projetos políticos e de
opositores no espaço público.

Se eu tiver feito isso, terei conseguido elaborar a proposição de que, agora, falar
do IHR é falar de um microclima, de uma zona, ou de um plateau acidentado e polissêmico
em um relevo conveniente a essas propriedades. Assim, eu poderei ter sugerido que os
produtores e divulgadores de narrativas negacionistas em questão puderam, através do
IHR, puderam contribuir para formar paisagens e estados do negacionismo ao longo de
suas manifestações.

Esses procedimentos teriam me levado a um ponto do trabalho em que seria


preciso criar as escalas e os instrumentos de navegação necessários para transitar por este
acidentado terreno cujos contornos teriam sido só parcialmente traçados. No mesmo
47
caminho, seria necessário aprofundar e extrair mais consequências dessa sugestão de que a
organização teria contribuído para dar formas ao campo negacionista em estágios de seu
desenvolvimento.

É deste que parte este capítulo. Nele entram em jogo as representações, as


posições e as tomadas de posições dos agentes, as práticas instituintes e instituídas do IHR
e as relações que elas supõem. A objetivação da estrutura organizacional e do espaço
ecológico do IHR, tal como sugeri ter realizado no capítulo que antecede este, deve ter
aberto caminhos para acessar este mundo. Provavelmente há bifurcações nestes caminhos
que podem levar a outros espaços de produção do IHR. Neste capítulo eu quero tomar um
dessas verderas e explorar um destes espaços: o das International Revisionist Conferences
do Institute for Historical Review (IHR-IRC). Se eu conseguir fazer isso, eu consigo
demonstrar a viabilidade e a validade dos procedimentos e das proposições que deverão
articular não só este capítulo de amostra, mas toda a possível dissertação.

Entre 1979 e 2002, os agentes do IHR organizaram quatorze IHR-IRC e dois


outros encontros de caráter extraordinário que também foram apresentados como
conferências. Há dois conjuntos de narrativas sobre esses eventos. O primeiro inclui as
auto-representações produzidas e veiculadas pelo IHR, em que se fala das IHR-IRC como
se elas fossem uma espécie de experiência de comunicação particular, um tipo de espaço
de formação e aprendizado, como um evento de divulgação científica. O segundo conjunto
é composto pela historiografia do negacionismo que trata do IHR e que, quando olha para
estes colóquios, percebe-os como um dos aspectos da maquiagem ou da fachada científica
da organização, portanto, como uma farsa.64

Eu quero duvidar do primeiro conjunto e testar a proposição do segundo. As


evidências e os sinais fornecidos pelo material empírico sugerem que há mais coisas entre
um extremo e outro. Tentado fugir do exotismo e da imagem do objeto pré-construído
fornecidos por esses dois conjuntos de representações, é minha intenção aprofundar uma
visão sobre esta área de produção do IHR que são as IHR-IRC. Assim, eu vou sugerir que
mais que um produto, espaço de divulgação e propaganda do IHR, as IHR-IRC forneceram

64
LIPSTADT, 1993; ATKINS, 2009.
48
espaços e meios para a socialização, organização, disputas pela definição e consagração65
de agentes, de representações, de objetos, de práticas, de temas e, no geral, das
manifestações do negacionismo ao longo do tempo.

Assim, o objetivo deste capítulo será o de sistematizar os resultados dos


procedimentos analíticos que realizei sobre uma série de relatos, transcrições de palestras e
materiais audiovisuais relativos às IHR-IRC. Esses procedimentos intercalam etapas
descritivas e a explicativas que funcionam segundo as propostas de solução provisória de
dois conjuntos de problemas que se correlacionam.

No primeiro conjunto de problemas cabem questões, por assim dizer, mais


formais. O que eram esses eventos? Como eles organizados? Quem participava deles?
Como se participava das IHR-IRC? No segundo eixo de problemas estão que integram um
domínio mais amplo das relações sociais e simbólicas que subtendem as práticas
desenvolvidas em torno desses eventos. O que se falava nesses eventos? O que podia não
ser dito ou feito neles? Quem não podia falar? Quem não podia participar deles? O que se
falava desses eventos? Para que esses eventos eram feitos? Por que eles eram realizados de
determinadas formas e não de outras? Como os produtores e divulgadores de narrativas
negacionistas e seus consumidores e/ou pares davam sentido às suas experiências nesses
eventos? Qual são os princípios desses sentidos?

As respostas a esses dois conjuntos correlacionados de questões deverão


corresponder à descrição e à explicação do funcionamento, do princípio da eficácia e dos
efeitos das práticas e das relações sociais e simbólicas que se desenvolveram entre os
agentes em jogo e então constituíram esses eventos e, assim, o IHR e o lugar do IHR no
campo do negacionismo. Para fins do exame a que submeto este material, a amostra lida
com um conjunto restrito de relações em uma determinada situação que penso ser, por
assim dizer, paradigmática: nela se definem quem os fundamentos das auto-representações
da instituição que estudo como caso, as práticas que instituem essa instituição e os agentes
que podem ser porta-vozes da instituição.

65
C.f. BOURDIEU, 1998.
49
2.1 – Transgressão e consagração.

Setembro de 1979. No primeiro final de semana daquele mês, enquanto ia o


feriado estadunidense do Labor Day, algumas pessoas se reuniram para falar sobre o
Holocausto. As dependências de uma college localizada em um afluente subúrbio de Los
Angeles, na Costa Oeste dos Estados Unidos, foram o lugar escolhido para o colóquio.

Não tenho condições de saber se, como e por que o que aquelas pessoas fizeram
naqueles dias despertou ou não a atenção de jornais. E o mesmo fica valendo para o caso
de o encontro ter sido ou não arcano. Mas, ao que parece, o que aconteceu naquele final de
semana foi importante para alguém. O encontro recebeu coberturas diferentes de dois
veículos particulares. Do pouco que se pode saber sobre aqueles dias, sabe-se por estes
registros: um texto descritivo que se quer uma reportagem e um volume que reproduz as
transcrições de algumas das coisas que foram ditas naquele encontro.

O primeiro é um texto anônimo publicado no Instauration, um importante


periódico da extrema-direita estadunidense. O editor e diretor da revista, o escritor
Wilmont Robertson, escolheu aquele texto para abrir o volume do mensal que saiu em
dezembro daquele ano. A escolha, certamente, não se deu ao acaso. O escritor não
identificado teria participado do encontro, e, daquele lugar, distribuiu, entre descrições
mais ou menos minuciosas dos desenvolvimentos do colóquio, suas impressões sobre o
que se teria dito e feito naquele final de semana. Sua percepção sobre o que aconteceu
apontava para algo que seria revolucionário, digno da estatura de um marco histórico. O
que as pessoas fizeram durante aqueles dias, ele declarou, teria dado um fim ao “domínio
do mito dos seis milhões sobre a mente ocidental” e sinalizaria o começo de uma “nova era
de revisionismo que devolveria a verdade à história” 66.

Esta percepção atravessa a descrição que autor anônimo fez do acontecimento, ao


que anunciou no título do relato como “a primeira convenção anti-Holocausto do mundo”.
Sua descrição é uma descrição para convertidos. Nela ele falou sobre o que compôs o
evento e, nesta ordem, sobre quem e como participou; sobre quem falou, quando falou e o
que falou no evento; e ainda sobre quais foram os resultados daquele encontro

66
Anônimo. The world first anti-Holocaust convention. Instauration, vol. 05, n.1, Cabo Canaveral, dez.
1979.
50
internacional que tinha sua importância derivada, entre outras coisas, do fato de ser um
encontro e de ser internacional.

Apesar de o mote do autor comunicar uma ruptura, a descrição que ele fez
colóquio deixa ver que, para ele, o que aquelas pessoas fizeram e disseram não eram coisas
absolutamente novas e estranhas. A convenção tinha um patrono, o então já falecido
historiador Harry Elmer Barnes, de quem se celebrava a memória como a de precursor e
fundador do que aquelas pessoas faziam naquela ocasião e já há algum tempo antes. O que
faziam tinha, portanto, uma história. Uma história de desenvolvimento, de perseguidos, de
censurados, de mártires, de figuras destacadas e de decanos - história que foi contada pelo
escritor anônimo da Instauration através do que ele percebeu e do que ele escolheu relatar
do que se havia feito e dito no colóquio. Há ainda que se levar em conta a possibilidade de
que essas histórias e seus protagonistas fossem conhecidos dos leitores da Instauration. Em
uma seção do primeiro número do mensal, que saiu em dezembro de 1975, outro ou
mesmo escritor anônimo falava sobre o que ele percebia como um cenário de “decadência
da cultura ocidental” e apresentava um sintoma daquela situação. Entre um conjunto de
pessoas a quem ele chamou de revisionistas, havia aquelas que tentavam reabilitar figuras
de esquerda, e que seriam publicamente aclamadas por isso, e havia aquelas que
representavam o contrário. Estas últimas seriam os “revisionistas silenciosos”, censurados
e perseguidos por uma “minoria liberal” por terem questionado “a ideia de que seis
milhões de judeus teriam sido mortos pelos nazistas durante a II Guerra Mundial”. Depois
de declarar esta divisão, o autor passou a falar daqueles “revisionistas” e de suas obras,
conferindo ao conjunto uma ossatura de escolas e vertentes. Fazendo isso, ele declarava e
realizava uma das razões de ser da recém-lançada publicação: a de fornecer um canal e dar
voz aqueles negadores do Holocausto. Resenhas, relatos, comentários, textos autorais e
peças publicitárias sobre o que aquelas pessoas faziam passaram a ocupar, em um ritmo
ascendente, as páginas dos números do mensal que se seguiram.

A novidade revolucionária daquele final de semana de setembro de 1979 não


estava, portanto, em quem disse e no que se disse no púlpito do auditório do Northrop
Institute of Technology. O que era novo, para o autor anônimo da narrativa da Instauration,
era o encontro e o que ele realizava. O colóquio marcou o lançamento do Institute for
Historical Review. Por isso ele mereceu a pompa e os rituais cerimoniais descritos, o
51
lugar, as pessoas e as presenças internacionais que o caracterizaram e também a cobertura
que recebeu naquele prestigiado veículo, em um espaço de destaque.

Segundo a narrativa anônima, o evento teria começado na sexta-feira, 31 de


agosto. Após o credenciamento dos delegados, a abertura cerimonial teria sido presidida
por Willis Carto, a quem o autor da Instauration apresentou como um dos idealizadores do
IHR e a “força dinâmica por trás do Liberty Lobby”, que era então uma consolidada
organização da extrema-direita estadunidense. No dia seguinte, os procedimentos teriam
começado com um ciclo de palestrar integrado pelo historiador James J. Martin, por Arthur
Butz e por Udo Walendy67.

Martin, que seria próximo de Barnes e teria círculos consolidados no campo da


direita ultra-liberal estadunidense, foi apresentado como o único historiador de formação
do evento. Desta posição, ele teria apresentado uma história do “revisionismo” nos EUA e,
entre outras coisas, teria aconselhado sua plateia. Segundo o relato do repórter da
Instauration, Martin teria dito aos presentes para não se preocuparem com o fato de não
haver entre eles historiadores profissionais, já que entre aqueles a quem ele teria chamado
de “promotores do Holocausto” a situação seria análoga. Dando prosseguimento ao
programa, Arthur Butz, que era então professor de engenharia eletríca da Universidade de
Northwestern e já um notório negacionista, teria falado sobre algo como que o estado da
arte do negacionismo desde o lançamento de seu The Hoax of 20th. Century, em 1976. O
comentarista da Instauration entendeu e deu a ver que, para Butz, falar do desenvolvimento
daquele campo era falar de censura e perseguição. Udo Wallendy, tradutor de Butz para o
alemão, prolífico editor da cena de extrema-direita alemã e menbro destaco do Partido
Nacional-Democrata da Alemnhã, teria encerrado o bloco falado sobre a falsificação de
fotografias de guerra para fins de propaganda e exibido casos supostamente relacionados
ao Holocausto.

Ao final do primeiro dia, os participantes da convenção teriam se reunido para


participar da projeção de filmes classificados pelo autor da Instauration como “propaganda
sobre o Holocausto”. Entre outras produções que teriam sido exibidas, autor menciona os

67
Sobre Butz, Martin, Faurisson, Barnes, App, Carto e o Liberty Lobby, e Udo Wallendy, c.f. ATKINS,
2009.
52
documentários “The Nuremberg Trials” e “Noite e Neblina”, que foram comentados por
Butz, Faurrison e Wallendy após a projeção.

Robert Faurisson, então professor de literatura na Universidade de Lyon II, teria


aberto a programação do último dia do evento com sua palestra. Ao repórter da
Instauration, a intervenção de Faurisson teria mostrado evidências sobre a impossibilidade
ter havido câmaras de gás em Auschwitz e de que seriam falsos os testemunhos e
confissões colhidos nos tribunais do pós-guerra. Louis FitzGibbon sucedeu Faurisson e
teria apresentado sua tese de sobre a existência de um conluio entre a União Soviética e
outros países Aliados para falsificar o número de mortos e apagar da história o episódio
que ficou conhecido como Massacre de Katyn. O escritor anônimo da Instauration achou
conveniente apresentar FitzGibbon como meio-irmão do escritor Constantine FitzGibbon,
tradutor de “Commandant of Auschwitz : The Autobiography of Rudolf Höss" e “escritor
pró-Holocausto”. O ciclo de palestras da manhã do último dia teria sido encerrado com a
de Austin J. App. Segundo a descrição da Instauration, o palestrante que foi apresentado
como um “antigo porta-voz do revisionismo”, teria falado sobre as retaliações e reparações
impostas à Alemanha, no pós-guerra, em favor de Isreael – medidas que ele considerava
injustas por serem produto de um “crime imaginário”, referindo-se ao Holocausto. Na
tarde do último dia teriam subido ao púlpito do Northrop Institute o editor estadunidense
de James J. Martin e também John Bennett, então um advogado australiano divulgador da
obra de Butz e do negacionismo em seu país.

Ao que parece, os encontristas, que foram nomeados como delegados, palestrantes


e membros do IHR, teriam se reunido para deliberar sobre coisas. Um box anexado ao
texto da Instauration apresenta uma resolução que teria sido aprovada no encontro. O
preambulo daquela resolução é apresentado como se fosse construído a partir das
discussões que teriam sido feitas durante convenção e se distribui em quatro pontos
condicionais em se que declaram a) que seriam falsas quaisquer alegações sobre a
existência de câmaras de gás na Alemanha Nazista; b) que o que é chamado de “teoria do
Holocausto” teria sido criado e explorado para fins políticos pelo sinionismo; c) que “a
propaganda do Holocausto” estaria contaminando a mente dos estadunidenses; e d) que
essa propaganda estaria impedindo o estabelecimento da paz no mundo ocidental.

53
Com base nessas declarações, teriam resolvido que o IHR deveria encaminhar ao
congresso dos Estados Unidos uma petição exigindo uma investigação que esclarecesse
questões relacionadas à culpa e à responsabilidade sobre a guerra, à “agressões militares no
século XX”, à violações movidas por interesses políticos e econômicos, “à propaganda de
guerra disfarçada de fato”, à “história distorcida” e outras coisas correlatas. No
encerramento da conferência, Carto teria lançado um concurso que premiaria com $50,000
a quem provasse que câmaras de gás não foram usadas para extermínio em massa de
judeus na Alemanha nazista. Outro ponto alto do encerramento teria sido o anuncio de uma
nova publicação, saudada por Carto como “uma plataforma” para “revisionistas de todo o
mundo”: o Journal for Historical Review (JHR).

Foi essa “plataforma” que serviu de registro e veículo para o conjunto que forma a
segunda narrativa possível sobre os acontecimentos que teriam marcado aquele final de
semana de setembro de 1979. O primeiro número do JHR, que saiu no segundo trimestre
de 1980, nos fala do que foi dito no colóquio. E faz isso por um caminho paralelo ao
percorrido pelo jornalista anônimo da Instauration.

Em ambos os casos se tratava de apresentar uma experiência de comunicação


extraordinária. Mas, em relação ao JHR, o jogo e os resultados do jogo são diferentes. O
número veio ao mundo como um journal composto por papers apresentados em um
colóquio especializado, por gente especializada e em uma reconhecida instituição de
ensino. Para além do nome, os aspectos formais do volume emulam o das publicações
científicas. A edição é sóbria, contém elementos pré e pós-textuais (capa indicando título,
conteúdo, data da publicação; folha de rosto, índice, registro catalográfico, endereço para
correspondência, lombada, informações biográficas); apresenta um conselho editorial
formado por pessoas apresentadas como doutores e/ou especialistas vinculados a
instituições de ensino e/ou pesquisa; e é composta por textos escritos em formato de artigos
científicos, com notas de rodapé ou de final de página e indicação bibliográfica. Tudo isso
indicava que aquela era uma publicação para especialistas.

Constam naquele primeiro número do JHR as transcrições de algumas das


palestras apresentadas na “primeira convenção revisionista” de setembro de 1979; o
54
primeiro texto de uma série intitulada “Auschwitz notebooks”, assinado por Ditlieb
Felderer; uma resenha assinada por Charles E. Weber sobre o livro Geschichte der
Deutschen (História Alemã) do historiador Hellmut Divald; e ainda um catálogo editorial
formado por títulos comercializados pelo IHR. Integraram o conselho editorial daquela
edição Austin J. App, Arthur Butz, Reinhardt K. Buchner, James E. Egolf, Robert
Faurisson, Ditlieb Felderer, James J. Martin, Udo Walendy e John Bennet 68.

Não tenho nenhuma evidência sobre o processo de editoração daquele número e


dos demais volumes do JHR; não há como dizer se a seleção do material passava por um
sistema de revisão por pares, como é comum entre as publicações de quais, por suposto,
tentava se aproximar, ou se executado pelo conselho editorial, ou se a partir de convites
abertos ou por escolha direta dos editores ou do quadro administrativo. E o mesmo vale
para o processo de adequação do material para a prensa. Apesar desses problemas, não
posso deixar de perguntar como e por que aquelas transcrições e não outras? Como e por
que naquele formato e não em outro? Como e por que naquele número e não em outros? Se
eu consigo formular e fornecer respostas a essas questões, eu entro no campo da lógica e
dos efeitos dos jogos sociais e simbólicos destes espaços de produção do IHR.

Inferir o funcionamento e as regras desse jogo sem o acesso determinados


movimentos do jogo restringe e complicada tarefa. Mas alguma coisa pode ser dita. Posso
sugerir que a escolha não estava relacionada à falta de material original inédito; o editor,
em nota no segundo número daquele primeiro volume do JHR, quando justificou a
continuidade temática entre os números e quis fazer ver que aquele era um campo de
pesquisas desenvolvido, se referiu, entre outras coisas, a uma quantidade massiva de
materiais carentes de publicação. Além disso, o catálogo editorial publicado naquele
volume serve como indício de que não se tratava de escassez de oferta de produtos e
produtores. Excluindo esta possibilidade, posso sugerir, com alguma firmeza, outra coisa.
Publicar o que foi dito naquele final de semana de setembro 1979 como papers
apresentados em um congresso de especialistas, e em um lugar de especialistas e de
produção e reprodução de conhecimento, serviu, de alguma forma, a uma estratégia de
legitimação e consagração. E aí o jogo e o sentido do jogo dão-se a ler.

68
Journal for Historical Review, vol. 1, n.1, Torrance, primavera de 1980.
55
As circunstâncias, os porta-vozes, o conjunto comum das referências, dos
aspectos formais, do léxico e das estratégias e regularidades discursivas que caracterizam o
material selecionado indicam que, também para os produtores e divulgadores do primeiro
número do JHR, aquele final de semana de 1979 realizou e significou uma espécie marco,
mas de um marco diferente daquele anunciado pelo repórter da Instauration. Vou
demonstrar a viabilidade dessa sugestão começando por uma análise das transcrições das
comunicações apresentadas na primeira IRC.

O texto que abre o número é a transcrição da intervenção de Arthur Butz, que


recebeu o título de “A controvérsia internacional sobre o Holocausto”69. Butz introduziu
sua palestra falando sobre o que não iria falar; para ele não seria interessante falar sobre “a
fraude do século XX” ou “a lenda do extermínio de milhões de judeus” por que esse era um
objeto já havia estabelecido e esgotado em seu “The hoax of 20th Century”; por que
caberia a Robert Faurisson falar sobre “a fraude” naquela ocasião; e por que à plateia do
evento seria conveniente dizer o que o que ele tinha a dizer sobre o que seria um objeto
complexo e ainda não explorado.

Quanto ao Holocausto, a ele interessava banalizar ou, nos seus termos, “reforçar a
simplicidade do que seria ‘a fraude’” (the hoax). Foi a isso que ele dedicou a segunda
seção de sua palestra. Para Butz, não haveria nada de complexo na definição do
Holocausto nestes termos e no geral; a complexificação do tema seria o sintoma de uma
doença cultural que teria engendrado, como uma espécie de terapia curativa, os esforços do
"revisionismo".

O problema sobre “a fraude” se resolveria e se esgotaria neste conjunto


estruturado de declarações que ele apresentou como asserções: os judeus não teriam sido
os únicos a serem perseguidos pelo nazismo; a documentação não falaria em extermínio,
mas em deportação dos judeus; judeus teriam morrido durante a guerra, mas como
consequência das conjunturas do conflito e, em parte, das medidas contra os judeus
executadas pelo governo nazista; estatísticas demográficas não diriam nada a respeito do
caso; as evidências e os testemunhos colhidos pelos tribunais do pós-guerra não teriam
validade por serem tendenciosas; o estado dos campos alemães no pós-guerra seria

69
BUTZ, A. The international “holocaust” controversy. Journal for Historical Review, vol. 1, n.1, Torrance,
primavera de 1980, p. 5-22.
56
resultado do colapso da Alemanha e da proliferação de epidemias; os nazistas não teriam
exterminado internos por que isso seria contraproducente para o esforço de guerra alemão;
crematórios eram regulares e funcionavam para incinerar corpos mortos naturalmente ou
em decorrência das epidemias; os campos que eram chamados de “extermínio” teriam
inexistido na Alemanha; as câmaras de gás seriam uma ficção. Afirmar essa simplicidade
seria parte do processo curativo da “doença cultural” a que Butz se refere.

Ainda falando sobre o que não falaria, Butz usou a terceira seção de sua fala para
justificar o título de seu livro e, portanto, a forma como ele tratava o Holocausto como
fraude. Ele acreditava que o tratamento do Holocausto como “a fraude” (the hoax) teria
provocado reações negativas, mas defendia que essas reações seriam desmedidas e que sua
escolha seria justa simplesmente por que o nome corresponderia à coisa nomeada, de
maneira auto-evidente e óbvia. São essas reações que servem de gancho para o momento
em que Butz passa a falar sobre o que havia intencionado falar. E aí ele entra no domínio
daquilo que seria o centro articulador de sua fala: a “controvérsia internacional sobre a
fraude”.

Para Butz, falar sobre tal controvérsia era, por assim dizer, estabelecer o quadro
geral da “doença cultural” a qual ele se referiu: uma espécie de fetichismo; um problema
social, enquanto “histeria coletiva provocada pela mídia”; e um “problema político”,
enquanto "instrumento de exploração" e "plataforma para a realização de interesses
particulares" que existiriam “enquanto houvesse um Estado judeu”.

Butz acreditava que um dos efeitos da controvérsia se manifestaria através de


formas de aberração e de contaminação das práticas cientificas como, por exemplo, a
suposta ausência de historiadores no campo de pesquisas sobre o Holocausto, incluindo aí
aqueles a quem chamou de “revisionistas da solução final”, e também em censuras,
perseguições e sanções a estes.

Na quarta seção de sua palestra, Butz começa a falar sobre o desenvolvimento


dessa controvérsia que ele considera como fenômeno e objeto de estudo. E aí ela se
confunde com o que ele descreve como o processo de formulação e de emergência daquilo
que seria a “tese” do Holocausto como “fraude” ou como “lenda”, i.e., o que ele chama de
“tese dos revisionistas da solução final”. Tal processo teria começado nos anos 1960, sem
57
chamar muita atenção, através das publicações de Paul Rassinier, na França. No início da
década de 1970, como que por um movimento naturalmente mágico e misterioso, esse
movimento teria começado a ganhar corpo, na medida em que inciativas individuais e
isoladas teriam se expandindo pelo mundo. Butz apresentou um elenco de produtores e
produtos negacionistas que teriam integrado esse processo; fazendo isso, ele os ordenou
em um movimento evolutivo e linear de desenvolvimento que termina na irrupção
polêmica desse corpus no espaço público.

Logo depois, as respostas e as reações a essas manifestações são colocadas em


jogo e passam a integrar a descrição, que toma o ritmo de um sistema circular de ações e
reações constantes, sempre marcadas, de um extremo ou outro, pela manifestação dos
negadores do Holocausto e pela censura, perseguição, sanções legais ou pelas recepções de
má fé destas manifestações. Dito de outra forma, a controvérsia é, para Butz, o que se
desenvolve entre as tentativas de afirmação das representações do Holocausto como
“fraude” e o que foi percebido como mecanismo de invisibilização e de impedimento,
mobilizado pelos “guardiões da lenda” contra o estabelecimento da “tese” dos
“revisionistas da solução final” no espaço público geral e no campo dos especialistas.

Neste ponto, Butz retoma o que disse e oferece uma conclusão aos seus ouvintes
e/ou leitores. Para ele, esse processo mostrava e confirmava coisas que ele já havia dito. A
primeira destas coisas é a que o grupo a que ele nomeia, e no qual se inclui à distância, o
dos “revisionistas da solução final”, seria formado por uma espécie de paladinos: mesmo
com poucos recursos, eles teriam feito coisas extraordinárias que não poderiam ser
medidas em termos qualitativos, mas em termos da penetração da “tese” do Holocausto
como fraude no espaço público. Ele termina deixando indicado que havia um espaço aberto
a ser conquistado: o de virar o jogo, o de estabelecer a banalidade e a possibilidade de se
questionar o Holocausto, e fazer isso de forma legítima, com qualidade científica, para que
a percepção pública sobre o Holocausto se transformasse e se afirmasse na “tese” da
negação do Holocausto como política e processo de extermínio nazista. Ocupando esse
espaço, a tal controvérsia chegaria ao fim. E esse espaço seria, para Butz, o espaço e o
sentido do IHR: foi para começar a preencher esse vácuo, antes ocupado por “publicações
ideológicas”, que aquelas pessoas as quais Butz qualificou como bem informadas e
versadas se reuniram naquele final de setembro de 1979.
58
O texto que segue o de Butz é o da transcrição da palestra de Faurisson, que falou
sobre o funcionamento de câmaras de gás. A fala transcrita de Faurisson se desenvolve
num movimento difuso em torno do argumento de que a existência de câmaras de gás para
extermínio em massa de pessoas seria uma coisa impossível e que, se assim fosse, seriam
inválidos e mentirosos todos os depoimentos e declarações que dizem o contrário,
incluindo aí os dos oficiais nazistas aos tribunais do pós-guerra.

A cadeia argumentativa em torno da qual ele tenta demonstrar essa proclamação


se desenvolve a partir de pressupostos e declarações que, aparentemente, conformam isso a
que ele apresenta como argumento central. O primeiro desses pressupostos é o de que, para
Faurisson, certas pessoas que falavam sobre câmaras de gás não sabiam o que falavam e
então falavam de forma errada. Falar sobre esses dispositivos nos moldes do que seria
comumente associado aos campos de concentração nazistas seria uma espécie de aberração
para Faurisson. Ele declara que soube disso através de investigações que teria realizado
sobre os métodos de asfixiamento por gás tóxico aplicados ao abate de martas e raposas e
no sistema prisional estadunidense. Nesta investigação, ele teria descoberto que, naqueles
casos, usava-se o mesmo composto químico à base de ácido cianídrico que se teria usado
para "fumigar" instalações de "campos de prisioneiros nazistas", o Zyklon B70.

Nesse ponto, Faurisson disse ter aprofundado sua investigação através de


documentos oficiais que regulariam o uso desse composto químico na Alemanha e na
França. Feito isso, ele teria contraposto os resultados dessa investigação às declarações e às
confissões colhidas de oficiais nazistas nos tribunais do pós-guerra. Apesar de apresentar
como auto-evidentes e óbvios, ele se disse chocado com o que esses procedimentos teriam
mostrado e sugeriu que com a plateia a reação não seria diferente. Faurisson passou a citar
e exibir o que seriam trechos da confissão de Rudolf Höss, tentando fazer ver que eles
seriam absurdos em dois níveis. O primeiro nível é o que seria do senso comum, em que o
exercício mental demonstraria, sem necessidade nenhuma de provas, que os processos a
que Höss se referia seriam impossíveis. O segundo é o que Faurisson diz ser científico, o
das propriedades químicas do composto, dos cuidados procedurais que elas requerem e o
espaço físico dos campos de concentração. Nesse domínio, da mesma forma que no caso

70
FAURISSON, R. The Mechanics of Gassing. Journal for Historical Review, vol.1, n.1, Torrance,
primavera de 1980, p. 23-30.
59
anterior, nada poderia atestar a verdade sobre o que Höss teria dito em relação ao
extermínio em câmaras de gás em Auschwitz. Disso Faurisson concluiu que seriam falsos
todos as declarações e confissões de testemunhos sobre as câmaras de gás, simplesmente
por que as câmaras de gás como dispositivo de extermínio em massa não poderiam ter
existido.

O texto que segue o da transcrição de Faurisson trata de um tema diferente, mas


com que pertenceria ao mesmo domínio dos demais. Trata-se da transcrição da palestra de
Louis FitzGibbon sobre Katyn, que recebeu o título de “Aspectos ocultos de Katyn/Os dez
mil desaparecidos”71. A fala FitzGibbon denunciava o silêncio público sobre o massacre, a
manipulação do episódio em favor da União Soviética e reclamava que um número exato
de pessoas fossem creditadas como vítimas do massacre. Para ele, enquanto isso não fosse
estabelecido, nenhuma “revisão histórica” poderia estar completa. Ele especulava que
cerca de 10 mil poloneses, entre militares e civis, teriam sido assinados em campos de
prisioneiros soviéticos. Quando FitzGibbon se juntou aos encontristas da IHR-IRC, ele já
tinha publicado alguns livros sobre Katyn. E, ao que parece, alguns destes livros teriam
causado algum impacto sobre as discussões públicas relacionadas ao episódio nos Estados
Unidos e na Inglaterra durante os anos 1970. Os dois primeiros destes livros, publicados
entre 1971 e 1972, respectivamente, Katyn: a crime without parallel e Katyn: the cover-up
teriam recebido alguma repercução. Entretanto, quando Fitzgibon falava sobre Katyn, ele
falava de um mundo em que havia mais especulações do que evidências sobre o massacre;
seu discurso sobre Katyn era um entre os outros que eram usados por políticos em
campanhas e discursos anti-comunistas e anti-soviéticos desde os anos 1950. Essa situação
só começa a mudar no processo de abertura e desmantelamento da União Soviética, a partir
de meados da década de 1980, sobretudo no início dos anos 1990, quando foram liberados
e publicados documentos oficiais, quando pesquisas sistemáticas começaram a ser e o
massacre foi reconhecido como um dos crimes stalinistas72.

71
FITZGIBBON, L. Hidden aspects of the Katyn Massacre/The lost 10.000. The Journal for Historical
Review, p. 31-43.
72
Sobre estes e outros aspectos massacre, os documentos e as disputas publicas pelas narrativas sobre Katyn
ao longo do tempo, e o lugar de FitzGibbon nesses processos c.f. CIENCIALA, A. M.; LEBEDEVA, N.S;
WOJCIECH, M. Katyn: a crime without punishment. New Haven: Yale Universty Press; Federal Archival
Agency of Russia; Head Office of State Archives in Poland, 2007, p. P. 242, 333,; SANFORD, G. Katyn and
the Soviet massacre of 1940 - truth, justice and memory. Abingdon; Nova Irque: Routledge, 2005.
60
A transcrição da palestra de Austin J. App, que recebeu o título de “O Holocausto
em perspectiva”, é a que se segue ao texto de FitzGibbon. A perspectiva em que App
percebe o Holocausto é fornecida pela declaração axiomática de que “a propaganda”, boa
ou má, é um elemento constitutivo e essencial de qualquer grande guerra; se é assim,
para o caso da II Guerra isso também é verdadeiro, e os agravantes que particularizariam
aquela experiência atestariam se tratar, neste caso, de má propaganda: os vitoriosos teriam
reclamado rendição total dos vencidos; teriam sido guiados a isso por aquilo que App diz
ser “as mais vingativas ideologias do mundo”, o “sionismo” e “o bolchevismo”; e, em
função desse mesmo enquadramento ideológico, agora refletido no slogan “jamais
esquecer, jamais perdoar”, teriam continuado a guerra contra os vencidos através da
propaganda. A própria guerra, os tribunais, os acordos, as convenções e uma crescente de
retaliações e, em extensão, todas as ações de política externa dos Aliados, especialmente as
dos EUA, contra a Alemanha são incluídos nesse processo de continuação da guerra por
outro meio73.

É nesse processo, como um ponto alto e decisivo, que o Holocausto teria sua
inteligibilidade e seu sentido como estratégia e instrumento de propaganda produzida por
uma política externa comprometida com aquilo a que se App se refere como “o sionismo”
e “o judaísmo mundial”. Esta é a tese que App apresentou em sua palestra. A transcrição
de sua intervenção, como no caso da de Faurisson, não foi sistematizada em um texto
formalmente seccionado, o que reforça o caráter de oralidade do texto e a dispersão dos
argumentos que lhe é característica.

Entretanto, a linha do raciocínio de App pode ser seguida em pontos nos quais ele
aparentemente tenta justificar a sua tese. Na parte introdutória de sua palestra, em um
movimento difuso, entre avanços e repetições em que se intercalam determinados pontos
que serão contemplados ao longo da palestra, ele apresenta sua tese; fala de si, de seu
trabalho e de sua formação, buscando autoridade para falar do que vai falar em sua
trajetória; e fala do lugar e da missão do que chama de “revisionismo histórico” e do IHR
em relação a isso.

73
APP, Austin J. The “Holocaust” put in perspective. Journal for Historical Review, vol. 1, n.1, Torrance,
primavera de 1980, p. 43-59.
61
App diz ter começado a perceber e a denunciar as violações cometidas pelos EUA
e por outros países Aliados contra a Alemanha logo no imediato pós-guerra. Essas
denúncias, segundo ele, teriam sido mal recebidas pela imprensa e isso não teria afetado
sua dedicação e preocupação com o tema da política externa estadunidense, que teria o
acompanhado desde o período de sua formação universitária, no entre-guerras. É essa
preocupação e dedicação que teriam permitido a App perceber como uma aberração a
participação dos Estados Unidos nas duas grandes guerras; para ele, a entrada dos EUA
nos conflitos teriam observado apenas interesses e influências externas. Para App, a missão
do "revisionismo" era mostrar isso e o IHR represetaria o reconhecimento dessa
empreitada.

No segundo ponto, ele começou a desenvolver seu argumento e a falar de forma


mais específica sobre um dos eixos do que seria sua tese. Também de forma difusa, aqui
ele falou sobre o que ele percebia como o papel da política externa estadunidense em
relação às guerras e do lugar de “o sionismo” ou de “os judeus” nessa política. Para App,
isso corresponderia à produção da propaganda contra a Alemanha nas duas grandes
guerras, no pós-guerra e no que poderia ser uma III Guerra-Mundial. Este foi o ponto em
que ele mais se demorou, intercalando casos, tomadas de posição de políticos e intelectuais
entre outras coisas que teriam sido, para ele, constitutivas daquele cenário e,
aparentemente, exemplos que demonstrariam seu argumento.

Segundo App, a boa política externa é aquela que é executada por nacionais e em
função dos interesses nacionais. A sua percepção, que atravessa a palestra, é a de que este
não seria o caso dos EUA. A política externa estadunidense seria uma aberração por que
seria conduzida por e/ou em função de interesses não nacionais de entidades como “os
judeus” ou “os sionistas”. App considerava que o fim da política de neutralidade, o apoio à
declaração de Balfour e a entrada dos EUA na I Guerra tenham sido orquestrados por “os
sionistas/os judeus” infiltrados no governo de Woodrow Wilson; declarava que essas
medidas teriam levado o mundo e os EUA à Segunda Guerra e a um acerto final
sionista/judeu/comunista desta, o que teria implicado na destruição da Alemanha e na
criação de recursos para fazer isso de maneira continuada e sistemática, tais como os
planos de ocupação, os julgamentos internacionais, o Holocausto e as reparações. Para
App, essa situação, mais a criação do “Estado Judeu” na Palestina e os seus efeitos
62
provocariam a eclosão de uma III Grande Guerra que, mais uma vez, seria uma “guerra
dos judeus”.

No terceiro ponto de sua palestra, App falou dos pioneiros da missão apresentada
por ele como sendo a “dos historiadores revisionistas”. Aqui ele referiu-se a trabalhos de
negacionistas Paul Rassinier, Butz, Josef Burg, Helmut Divald e David Irving, que ainda
não teria abraçado por completo a tarefa. App falou mais sobre o trabalho de Butz do que
qualquer outro, e isso por causa do caráter aparentemente conclusivo do livro de Butz (“os
judeus europeus não teriam sido exterminados por que não havia interesse da Alemanha
que eles fossem exterminados”) e pelas reações que ele teria causado.

App considerava que o livro de Butz tivesse provocado o interesse público pelo
tema do Holocausto e repostas como uma “História do Holocausto” de grande circulação
produzida pela Anti-Defamation League e a mini-série Holocausto, produzida e exibida em
1978 pela NBC, e que recebeu audiência massiva. Ainda neste ponto, ele volta no tempo e
passa a falar dos processos que se iniciaram com o Acordo de Luxemburgo, em 1952, e
que regularam o pagamento de reparações e indenizações prestado pela República Federal
da Alemanha à Israel. Quando falou desses processos, App falou como eles tivessem sido
orquestrados por Israel em conluio com os Estados Unidos e a Inglaterra, e, portanto, como
resultado dessa guerra continuada como propaganda contra a Alemanha, declarando que:

“Certamente a estória do extermínio de seis milhões de judeus tem sido e ainda é


a mais lucrativa invenção e embuste da história mundial. Tão organizada e tão
apoiada por perjúrio é este 'maná' que vem dos impostos dos alemães que alguém
pode suspeitar que virtualmente todos os sionistas do mundo ou alguém em suas
famílias sejam beneficiários de alguma pensão ou indenização baseada na
mentida dos seis milhões." 74

Depois disso, ele parte para a conclusão, onde declara que um “mundo decente e
justo” seria um mundo em que os danos causados por essa guerra continuada e a “mentira
dos seis milhões” que lhe seria constitutiva fossem extirpados. E isso começaria pelo

74
Idem, p. 57. Tradução minha de "Surely the atrocity story of the extermination of six million Jews has been
and still is the profitable invention and swindle in world history. So organized and so supported by perjury is
this ‘manna’ from the German taxpayer, that one might suspect virtually every Zionist in the world or
someone in his family of being a beneficiary of a pension or a indemnity based on the lie of the six million."
63
“estabelecimento da verdade” sobre a política nazista para os judeus. App então apresenta
o um de seus trabalhos como solução para esse problema. Em 1973, ele havia publicado
um panfleto intitulado “The six million swindle”; segundo ele, desde a publicação deste
trabalho, estudos haviam confirmado o que ele disse e então “destruído todos os
fundamentos do ‘Holocausto’ e exposto como uma mentira insolente a história dos seis
milhões asfixiados”. Nessa parte, querendo demonstrar isso, ele apresenta a seção mais
famosa do panfleto, a “as oito asserções incontestáveis sobre o Holocausto”, concluindo
com a declaração de que ele mesmo teria colhido provas que atestariam “a mentira dos seis
milhões”.

A última transcrição do volume é a da palestra de Udo Walendy. Ele falou sobre


seus livros “Faked Atrocities” e “Methods of Reeducation”, publicados e vendidos pelo
nos EUA pelo IHR e forneceu exemplos de fotos de atrocidades atribuídas à Alemanha,
mas que teriam sido adulteradas em função de propaganda.”. O ritmo de sua apresentação
foi marcado pela exibição e comentário de fotos que teriam sido publicados em lugares
distintos e com legendas indicando coisas diferentes; fotos que teriam sido supostamente
alteradas ou produzidas em estúdios; fotos de atrocidades cometidos pelos soviéticos e
erroneamente atribuídas aos alemães, e fotos que não provariam nada em relação ao
Holocausto. O pressuposto de sua fala é o de que algumas fotografias provam coisas e,
portanto, servem como evidências; outras, como as que lhe seviram de exemplo, já não
podem servir, visto que teriam sido adulteradas e manipuladas, e assim, teriam se tornado
instrumentos de propaganda e “lavagem cerebral do povo alemão"75.

Integram o volume, por fim, o primeiro texto da série “Auschwitz notebook”, de


Ditlieb Felderer, em que se usa de raciocínio e operações matemáticas para tentar
demonstrar que seriam falsas as confissões de Kurt Gerstein sobre o extermínio de judeus
em campos de concentração na Polônia ocupada. As confissões de Gerstein, que ficaram
conhecidas como “The Gerstein Report”, foram usadas como evidência nos Julgamentos
de Nurembeg. Por conta disso, interessava a Felderer desmentir esse documento. Há
também a resenha de Charles Weber sobre uma publicação alemã que teria sido vítima de
censura por ter tratado do Holocausto de maneira periférica, o catálogo editorial formado

75
WALENDY, U. The fake photograph problem. Journal for Historical Review,vol. 1. n.1, Torrance,
primavera de 1980.
64
por cerca de 40 títulos comercializados pelo IHR e a ficha biográfica dos autores que
assinaram os textos daquele número do períodico. O texto de Felderer, a resenha de Weber
e o catálogo só podem ser compreendidos em relação ao conjunto que compõe a edição.
Fora o segundo texto da série "Auschwitz notebook", que foi publicado no número seguinte
daquele volume, e apesar de ter passado a integrar o conselho editorial do JHR, Felderer
não teria mais nenhum texto desse tipo publicado no periódico, da mesma forma como não
foram mais publicados catálogos extensos como aqueles.

Entre uma narrativa e outra há diferenças consideráveis. A primeira tem a intenção de


narrar, de contar para um público particular o que houve naquela ocasião em que
determinadas pessoas teriam se reunido pela primeira vez para fazer certas coisas. A
segunda não se dá a ler assim. Aqui, mais que falar para neófitos e iniciados na prática da
negação do Holocausto, os porta-vozes do IHR traçaram e consagraram uma fronteira. E
fizeram isso com intenções e caminhos diversos daqueles do repórter anônimo da
Instauration que, através de um léxico familiar a seus leitores, significou as I IHR-IRC
como algo marcadamente extraordinário, produtor de uma ruptura, como a realização da
possibilidade do impossível e como algo que deveria ser apoiado e reconhecida como um
poderoso instrumento de transformação da realidade que ameaçava de destruição uma
“maioria branca” a quem se endereçava.

Esses sentidos não estão ausentes na narrativa organizada no primeiro JHR. Ela
também registra um ato inaugural e a operação de uma transgressão na ordem do possível.
Mas ela vai além e realiza, incorpora e comunica um ato de instituição que não se encerra
na performance, na liturgia e na enunciação solene. Ali começa a se delimitar o que seriam
os objetos e os porta-vozes legítimos daquele campo; o que se poderia e o que não poderia
falar, quem poderia ou não poderia falar, e de onde deveria se falar sobre o passado, no
geral, e sobre o Holocausto, especificamente 76.

Um jogo de oposições apresentadas como naturais e a-históricas atravessa esse


conjunto de textos. E faz isso usando de estratégias linguísticas, retóricas e formais que
invisibilizam a trama política a que elas servem. Dizer “revisionistas/exterminacionistas”,

76
C.f. MORAES, 2008.
65
“historiadores profissionais/historiadores não profissionais”, “verdade/mentira”,
“fraude/autenticidade”, etc., é, nesse caso, a manifestação do que Pierre Bourdieu chamou
de lutas de representações pelo “monopólio de fazer ver e crer, de fazer conhecer e
reconhecer, de impor a definição legítima do mundo social e, por essa via, de fazer e
desfazer grupos [...] estabelecer o sentido e o consenso sobre o sentido”77.

Assim, a narrativa daquele volume incorpora um processo de produção de


sentido do mundo e sobre o mundo que se desenvolve em três níveis que se inter-
relacionam. No primeiro nível, o material concretiza o trabalho da produção das
classificações que produzem e fazem ver como naturais e auto-evidente as fronteiras que
conformam o mundo do IHR. No segundo nível temos a consagração, a investidura das
credenciais e das competências dos porta-vozes autorizados e a distribuição deles em
posições diferenciadas e diferenciadoras que dão corpo ao IHR. No terceiro nível, temos as
práticas que materializam resultados, os sentidos e os efeitos da instituição, da consagração
e da investidura; nele se definem a seleção dos objetos, dos modos de representação
possíveis e convenientes, as estratégias retóricas e discursivas, enfim, aquilo que marca e
define as experiências que marcam o grupo que institui e é instituído pela organização.

Em um mundo em que se fala muito e de diferentes formas sobre o Holocausto,


tratava-se de fazer uma narrativa particular sobre a política e o processo de extermínio
nazista possível. Aqui, fazer isso passa pela banalização do fenômeno, pela instituição de
porta-vozes e veículos legítimos. E é aí que as IHR-IRC se realizam como espaço de
sociabilidade, de consagração, de instituição e de produção do IHR.

A historiadora Deborah Lipstadt estava correta quando situou o IHR e suas


atividades em um processo marcado pela institucionalização do negacionismo. Nesse
processo, os agentes do movimento buscaram sair dos círculos mais ou menos herméticos
da extrema-direita e tentaram conquistar o espaço público mais amplo. E eles acharam um
caminho particular para fazer isso: o de emular o discurso científico e sequestrar suas
credenciais de legitimidade. Mas há outra dimensão nesse processo. E aqui, mais uma vez,
e não como farsa, importava o que foi dito e o que foi feito naquele final de semana. E
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importava mostrar isto de uma forma particular, através de um journal, ou melhor, do
único journal, que reproduziu e apresentou, como resultado de um encontro de
especialistas, o material da primeira IRC.

Este mesmo Journal que representava, como em um anal, os resultados do que


foi dito na IHR-IRC foi remetido a historiadores cadastrados na lista de remessas postais
de sua associação de classe nos EUA. As repostas de alguns foram publicadas na seção de
correspondências dos números que se seguiram ao primeiro volume do JHR. As respostas
eram respostas negativas. Mas eram respostas dignas de serem publicadas. Eram o atestado
de que a representação do Holocausto como “fraude”, “mentira” ou “propaganda” tinha
sido reconhecida.

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