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§ 2. O popER PUNITIVO 1. Criminalizagdo primdria e secundéria \ 1, Todas as sociedades contemporaneas que institucionalizam ou formali- zam 0 poder (estado) selecionam um reduzido ntimero de pessoas que submetem & sua coagio com o fim de impor-lhes uma pena. Esta selegdo penalizante se | \ chama criminalizagdo e€ nao se leva a cabo por acaso, mas como resultado da | gestiio de um conjunto de agéncias que formam 0 chamado sistema penal!”, A | referéncia aos entes gestores da criminalizaciio comoagéncias tem como objetivo | evitar outros substantivos mais valorados, equivocos ou inclusive pejorativos (tais | como corporagGes, burocracias, instituigdes etc.). Agéncia (do latim agens, parti- | cipio do verbo agere, fazer) é empregada aqui no sentido amplo e dentro do pos- | sivel neutro deentes ativos (que atuam). O processo seletivo de criminalizagao se | desenvolve em duas etapas denominadas, respectivamente, primdria e secundd- | ( ria’. Criminalizagdo priméria é 0 ato e 0 efeito de sancionar uma lei penal | | material que incrimina ou permite a punigdo de certas pessoas. Trata-se de um | ato formal fundamentalmente programitico: odeve ser ‘apenado é um programa que deve ser cumprido por agéncias diferentes daquelas que o formulam. Em | geral, sio as agéncias politicas (parlamentos, executivos) que exercem a | criminalizagao primaria, a0 passo que o programa por elas estabelecido deve ser | | realizado pelas agéncias de criminalizagio secundaria (policiais, promotores, ad- vogados, juizes, agentes penitenciérios), Enquanto a criminalizagdo primétia (ela- boragao de leis penais) é uma declaragio que, em geral, se refere a condutas e atos/a criminalizagdo secundiiria é a agdo punitiva exercida sobre pessoas con- cretas, que acontece quando as agéncias policiais detectam uma pessoa que su- poe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na de sua liberdade de ire vir, submetem-na & agéncia judi- cial, que legitima tais iniciativas e admite um Processo (ou seja, o avanco de uma | série de atos em principio ptiblicos para assegurar se, na realidade, 0 acusado praticou aquela agio); no proceso, discute-se publicamente se esse acusado pra- ticou aquela agiio e, em caso afirmativo, autoriza-se a imposi¢3o de uma pena de certa magnitude que, no caso de privagao da liberdade de ire vir da Pessoa, sera executada por uma agéncia penitenciéria (prisonizagio). ae ane a , 2. A criminalizagao priméria € um programa tio imenso que munca e em nenhum pais se pretendeu levé-lo a cabo em toda a sua extensdio nem Sequer em Aniyar de Castro, Lola, El proceso de criminalizacién, pp. 69 ss.; Baratta, Alessandro, Criminotogia y dogmética penal, p. 26 ss. Schneider, Kriminologie, p. 82 ss.; Becker, Outsiders. 43 parcela considerdvel, porque é inimagindvel /A disparidade entre a quantidade de conflitos criminalizados que realmente acontecem numa sociedade e aquela Parcely que chega ao conhecimento das agéncias do sistema € tao grande e inevitave] que seu esciindalo nao logra ocultar-se na referéncia tecnicista a uma cifra oculta"®, As agéncias de criminalizacio secundéria tém limitada capacidade Operacional e sey « crescimento sem controle desemboca em uma utopia negativa. Por Conseguinte, Considera-se natural que o sistema penal leve a cabo a selegdo de criminalizagéio secundaria apenas como realizagdo de uma parte infima do programa Primdrio, IL A orientagdo seletiva da criminalizacdo secundéria 1. Apesar da criminalizagio priméria implicar um primeiro passo seleti- Vo, este permanece sempre em certo nivel de abstragiio porque, na verdade, as agéncias politicas que elaboram as normas nunca sabem a quem caberd de fato, individualmente, a selegdo que habilitam, Esta se efetua concretamente com a criminalizacdo secundéria®®. Embora ninguém possa conceber seriamente que todas as relagdes sociais se subordinem a um programa de criminalizagao fara- 6nico (que paralisasse a vida social ¢ convertesse a sociedade em um caos na busca da realizagao de um programa irrealizével), a muito limitada capacidade jOperativa das agéncias de criminalizagio secundaria nio tem outro recurso se- (ndo proceder sempre de modo seletivo. Desta maneira, elas esto incumbidas de |decidir quem sio as pessoas criminalizadas e, 20 mesmo tempo, as vitimas \potenciais protegidas./A selecdo nao sé opera sobre os criminalizados, mas também sobre os vitimizados| Isto corresponde ao fato de que as agéncias de criminalizagao secundaria, tendo em vista sua escassa capacidade perante a imensidao do programa que discursivamente Ihes é recomendado, devem optar pela inatividade ou pela selegiio. Como a inatividade acarretaria seu desapareci- — "Sobre cifra oculta, ef. Arai, em Roxin, Claus ~ Arzt, Ginther — Introduceién, p. 123; Cerqueira, Carlos Magno Nazareth, O Futur Sonho de uma Nova Policia, Rio, 2001, ed. F. Bastos, p. 290, Sobre seletividade, Chapman, Lo stereotipo del criminale, p.613 Sack, Fri t2, em Kritische Justic, 1971, p. 384 ss; Quinney, Richard, Clases, estado y delincuencien Riither, Werner, em CPC, n° 8, 1979. Um reconhecimento geral em Sandoval Huerta Emiro, Sistema penal, pp. 29 ssi Vazquez Rossi, El derecho penal de la democracia P. 89: Fernandez, Gonzalo, Derecho penal y derechos humanos, pp. 63 ss.; Muon Conde, Francisco — Garefa Aréin, Mercedes, p. 206; Zugaldia Espinar, p. 62. Estudos sobre seletividade racial ho sentencing inglés contra afrocaribenhos, Hood, Roger, Race and Sentencing, 1992; a mesma seletividade em condenagdes 3 morte nos Estados Unidos, Groce Samuel R- Mauro, Robert, 1989; para seletividade de género, Chadwick and Little Catherine, em Law, order and the authoritarian state, p. 254; especialmente sobre Justiga classista com anilises empiricas, Lautmann, RUdiger, Sociologia y jurisprudencia, pp. 94. —— Tiedemann, Klaus, ‘0 de uma Ilusio: 0 | mento, elas seguem a regra de toda burocracia” e procedem a selegio, Este poder corresponde fundamentalmente as agéncias policiais®” 2. De qualquer maneira, as agéncias policiais no selecionam segundo seu critério exclusivo, mas sua atividade neste sentido é também condicionada pelo poder de outras agéncias: as de comunicagio social, as agéncias politicas etc. A selegio secundéria provém de circunstincias conj ijunturais varisveis. A empresa criminalizante € sempre orientada pelos empresdrios morais®, que participam das duas etapas de criminalizagio; sem um empresério moral, as agéncias polf- ticas nao sancionam uma nova lei penal nem tampouco as agéncias secundarias selecionam pessoas que antes nao selecionavam, Em raz3o da escassissima ca. pacidade operacional das agéncias executivas, a impunidade é sempre a regra ea criminalizagdo secundaria, a excecdo, motivo por que os empresarios mo. rais sempre dispdem de material para seus empreendimentos. O conceito de empresirio moral foi enunciado sobre observagées relativas a outras socieda, des, mas na nossa pode ser tanto um comunicador social, apés uma audiéncia, um politico em busca de admiradores ou um grupo religioso a procuta de noto. riedade, quanto um chefe de policia & cata de poder ou uma organizagio que reivindica os direitos das minorias etc. Em qualquer um dos casos, a empresa moral acaba desembocando em um fendmeno comunicativo: nao importa o {ue seja feito, mas sim como & comunicado™. A reivindicagao contra a impu. nidade dos homicidas, dos estupradores, dos ladres e dos meninos de rua, dos usudrios de drogas etc,, ndo se resolve nunca com a respectiva punigiio de fato, ‘mas sim com urgentes medidas punitivas que atenuam as reclamacSes na comu. nicagio ou permitem que o tempo thes retire a centralidade comunieativa 3. A selegao criminalizante secundaria ni de outras agéncias como também se exerce condicionada a suas limitagSes perativas, inclusive qualitativamente: em alguma medida, toda burocracia avaba Por esquecer seus objetivos, substituindo-os pela reiteragdo ritual™, finalizando io apenas se orienta pelo poder 3° CE Weber, Max, Ensayos, Ip. 217; Buroeract. Una descrigio dos problemas bsicos em Miles, Tees control formal: plietay jiuscia, p37 8 Ee Becker toc. cit Malinowski, Bronstaw,Crimen y costmbre. E famoso “teorema de Thomas sobre isso, Merton, Robert, op. cts p. 419% De Leo, Gaetano ~ Patrzi, Paizia, La spiegasione del crimine. p. 27" cobne Phones wines George, Teoria sciolégica contempordnen, p. 62s. Sobie“gesors plo tae ef Silva Sanches, Jests-Marin, Expansio do Diteto Penal Wa 0. gee Paulo, 2002 ed. RT pp. 62 ss . Merton, op. ct. p. 202. Yates, Douglas, Andlisis; Misses, Ludwig von, 45 oo geralmente por fazer o mais simples, Aregra geral da criminalizacio scoundiy se traduz na selegdo: a) por fatos burdos ou grosseiros (a obra tosea ap criminalidade, cuja detecgio & mais facil), ¢ b) de pessoas que causem menog problemas (por sua incapacidade de acesso positivo a0 poder politico c econg, ‘ico ou a comunicagao massiva). No plano juridico, 6 6bvio que esta selecag lesiona o principio da igualdade, desconsiderado no apenas perante a lei may também na /er. O principio constitucional da isonomia (art, 5° CR) ¢ violavel no apenas quando a lei distingue pessoas, mas também quando a autoridade publica promove uma aplicagao distintiva (arbitraria) dela” IIL. Seletividade e yulnerabilidade 1. Os atos mais grosseiros cometidos por pessoas sem acesso positivo a comunicasdo social acabam sendo divulgados por esta como os tinicos delitos ¢ tais pessoas como os tinicos delinguentes. A estes iltimos ¢ proporcionado um, ‘acesso negativo a comunicagdo social que contribui para criar um estereéripo™ 1no imaginario coletivo, Por tratar-se de pessoas desvaloradas, é possivel asso- ciar-Ihes todas as cargas negativas existentes na sociedade sob a forma de pre conceitos® 0 que resulta em fixar uma imagem publica do delinquente com componentes de classe social, étnicos, ctarios, de género e estéticos. O estered- tipo acaba sendo o principal crtério seletivo da criminalizago secundaria; dai a existéncia de certas uniformidades da populagéio penitencidria associadas a desvalores estéticos (pessoas feias)”, que o biologismo criminolégico” consi- derou causas do delito quando, na realidade, eram causas da criminalizagdo, embora possam vir a tomarem-se causas do delito quando a pessoa acabe assu. ‘mindo o papel vinculado ao esterestipo (¢ 0 chamado/efeito reprodutor da criminalizagao ou desvio secundério™). 2. A selec criminalizante secundaria conforme ao estereétipo condiciona todo 0 funcionamento das agéncias do sistema penal, de tal modo que o mesmo ¥Lewisch, Peter, Vejassung und Saree, p. 162. % CL. Chapman, Denis, Lo steretipo del criminale. » Por todos, Maciver, RM. - Page, Charles H., Sociologia, pp. 426 a 435, CL infra, § 22. FE interessante observar os rostos do “Atlante” de Lomibroso; as obras de Ferri, Enrico, I delinquent nell'arte e Niceforo,Allredo, Criminal e degenerat, ees, 0 fisiognomonistas, Lavater, La physiognomoni, jos pés-glosadores tecomendavamn, Pants mus swpeis oes atrra pelo mas dame (Miylart de Vols Instruction eriminelle 2% Lombroso e outros. Cf infra, § 22. ” CE Lemert, Edwin M,,p. 87; bem proximo, Matza, David El proceso de desviacin;Picht, Tamar, Teoria de la desviacién social 46 se torna inoperante para qualquer outra clientela, motivo pelo qual: a) é impo- tente perante os delitos do poder econémico (os chamados crimes “do colarinho branco”)* ; b) também o é, de modo mais dramatico, diante de conflitos muito graves endo-convencionais, como o uso de meios letais massivos contra popu- lagdo indiscriminada, usualmente chamado rerrorismo; e ¢) torna-se desconcer- tado nos casos excepcionais em que ha selegdo de alguém que no se encaixa nesse quadro (as agéncias politicas e de comunicagao pressionam, os advoga- dos formulam questionamentos aos quais no sabe responder, destinam-se-lhes alojamentos diferenciados nas prisdes etc.). Em casos extremosf/os préprios clientes n&io-convencionais contribuem para a manutengdo das agéncias, parti- cularmente das cadeias, com o que o sistema atinge sua maior contradigao/ 3. Acomunicagao social divulga uma imagem particular da consequéncia mais notoria da criminalizac3o secundaria - a prisonizagGo — ensejando a su- posicao coletiva de que as prisdes seriam povoadas por autores de fatos graves (“delitos naturais”) tais como homicidios, estupros etc., quando, na verdade, a grande maioria dos prisonizados 0 so por delitos grosseiros cometidos com fins lucrativos (delitos burdos contra a propriedade e 0 Ppequeno trafico de toxi- cos, ou seja, a obra tosca da criminalidade)*. 4. A inevitavel seletividade operacional da criminalizagdo secundaria e sua preferente orientagdo burocratica (sobre Pessoas sem poder e por fatos gros- seiros ¢ até insignificantes) provocam uma distribuicdo seletiva em forma de epidemia, que atinge apenas aqueles que tém baixas defesas perante o poder punitivo, aqueles que se tornam mais vulnerdveis a criminalizagdo secundaria porque: a) suas caracteristicas pessoais se enquadram nos esteredtipos crimi- nais; b) sua educagao sé Ihes permite realizar ages ilicitas toscas ©, por conse- guinte, de facil detecgao e c) Porque a etiquetagem®® suscita a assungdo do papel correspondente ao esteredtipo, com o qual seu comportamento acaba correspondendo ao mesmo (a profecia que se auto-realiza)* . Em suma, as agén- cias acabam selecionando aqueles que circulam pelos espagos piiblicos com o JSigurino social dos delinquentes, prestando-se a criminalizagao — mediante Suas obras toscas — como seu inesgotavel combustivel. ® Sutherland, White collar crime, Giddens, Sociologia, pp. 266 ss. * O paralelo entre prisio e pobreza nao é novo, sendo assinalado no século XVI por Sandoval, Bemardino de, Tractado, p. 9. Sobre etiquetagem ou rotulagao, Lilly-Cullen-Ball, Criminological Theory, pp. 110 ss. Vold-Bernard-Snipes, Theoretical criminology, pp. 219 ss.; Latrauri, Elena, La herencia de la criminologia critica, pp. 37 ss.; Lamnek, Siegfried, Teorias, pp. 56 ss, Giddens, Sociologia, p. 237; Goffman, Erving, Estigma, trad. M.B.M. Leite Nunes, Rio, 1975, ed. 5 Thompson, Augusto, Quem sio os Criminosos?, Rio, 1998, ed. L. Juris. Cf. Merton, Robert K., op. cit., cap. 11; Horton, Paul B. - Hunt, Chester L., p.176. 8 47 _. 5. Na sociedade ha um adestramento diferenciat” , de acordo com o grupg de pertencimento, o qual desenvolve habilidades diferentes, segundo a respectiva ‘camada e posigdo social (classe, profissio, nacionalidade, origem étnica, local de moradia, escolaridade etc.). Quando uma pessoa comete um delito, cla utiliza os recursos que o adestramento ao qual foi submetida Ihe proporciona. Quando estes recursos so clementares ou primitives, 0 delito s6 pode ser, no minimo, grossciro (obra tosca). O estereétipo criminal se compée de caracteres que correspondema | ‘pessoas em posigiio social desvantajosa e, por conseguinte, com educago primi | tiva, cujos eventuais delitos, em geral, apenas podem ser obras toscas, oque sé | faz reforgar ainda mais os proconceitos racistas ¢ de classe, & medida que a comu- nicago oculta o resto dos ilicitos cometidos por outras pessoas de uma maneira ‘menos grosseira e mostra as obras toscas como os iinicos delitos™. Isto leva é coneluséo piiblica ce que a delinguéncia se restringe aos segmentos subalternos » | da sociedade, ¢ este conceito acaba sendo assumido por equivocados pensa- { mentos humanistas que afirmam serem a pobreza, a educasito deficiente etc, as causas do delito, quando, na realidade, sao estas, junto ao préprio sistema penal, fatores condicionantes dos ilicitos desses segmentos sociais, mas, sobre- ‘ido, de sua criminalizagdo, ao lado da qual se espalha, impune, todo 0 imenso ‘oceano de ilicitos dos outros segmentos, que os comelem com menor rudeza ou ‘mesmo com refinamento” 6. As agéncias de criminalizago secundaria ndo operam seletivamente sobre os vulneraveis porque alguma coisa ou alguém maneja todo o sistema penal de modo harménico. Esta concepedo conspiratéria é falaciosa e tranquilizadora, porque identifica sempre um falso inimigo e desemboca na cri- ago de um novo bode expiatério (classe, setor hegeménico, partido oficial, ‘grupo econémico, quando nao grupos religiosos ou étnicos). Identificar um fal- 50 inimigo é sempre util para atenuar a ansicdade provocada pela complexidade fenoménica e desviar do caminho certo os esforgos para remediar os males. Isto | nfo significa que o funcionamento seletivo do sistema penal nao sirva para uma desigual distribuigaio do poder punitivo que beneficia determinados setores S0- que deles se aproveitam e em razio disso resistem a qualquer mudanga, ciais, mas ndo é a mesma coisa dizer que um aparato de poder beneficia alguns ¢ pretender por tal razio que estes 0 organizem e 0 manejem. Tal erro leva-nos Z concluir que, suprimindo os beneficiérios, 0 aparato se desmonta, 0 que a (Sutherland, Principios, p. 13 8) ee 5 Sutherland-Cressey, Criminology, pp. 219 -223 JLuckman, La construceién social de la s Sobre realidade socialmente construida, Berger pralidad, Schutz, Allted, El problema de la realidad social, Gusfield, John, The culture OY public problems, Pitch, Tamar, em Int. Journal Sociology of Law, 1985, pp. 35 8. 1+ Fisamito se observou tal seleividade; adiantando conceites de Sutherland, Fesriani, Lino, IL pp. 77 107. rem historia demonstra ser absolutamente falso: 0 poder nando do mesmo modo e, as vezes, mai: de atuar como um todo harménico (co: iria), 7 eriria) o sistema penal o faz de modo Parcelado e comparti i : Par aaa ipartimentali agéncia tem seus proprios interesse: oe ee S setoriais e as vezes i 7 eee seg Corporativos conseguinte, seus prdprios critérios de qualidade, seus discursos extemos cin, temnos, seus mecanismos de recrutamento € treinamento etc, Estas agéncias dis- putam poder e, Portanto, ha entre elas um equiltbrio inconstante, caracterizado mais por antagonismos do que por telagdes de Cooperagao. O esforgo de todas clas provoca 0 equilibrio precario que é percebido exteriormente como uma harmonia e, em consequéncia, estimula a concepeao conspiratéria. : Punitivo continua funcio- s Violenta e seletivamente ainda” - Longe MO a Concepeao Conspiratoria su; 7. O poder punitivo criminaliza ri selecionando: a) as Pessoas que, em re- gra, se enquadram nos estereétipos c1 a Timinais e que, por isso, se tornam vulnera- vels, por serem somente capazes de obras ilicitas toscas e Por assumi-las desempenhando papéis induzidos pelos valores negativos associados ao estere- tipo (criminalizagdo conforme ao esteredtipo); b) com muito menos frequéncia, as pessoas que, sem se enquadrarem no esteredtipo, tenham atuado com bruta~ lidade to singular que se tornaram vulneraveis (autores de homicidios intrafamiliares, de roubos neuréticos etc.) (criminalizagdo por comportamento grotesco ou trdgico); c) alguém que, de modo muito excepcional, ao encontrar- se em uma posi¢ao que o tornara praticamente invulneravel ao poder punitivo, levou a pior parte em uma luta de poder hegeménico ¢ sofreu por isso uma muptura na vulnerabilidade (criminalizagdo devida 4 falta de cobertura). 8. O sistema penal opera, pois, em forma de filtro” para acabar selecionan- do tais pessoas. Cada uma delas se acha em um certo estado de vulnerabilidade® a0 poder punitivo que depende de sua correspondéncia com um esteredtipo crimi- nal: 0 estado de vulnerabilidade sera mais alto ou mais baixo consoante a corres- pondéncia com o estereotipo for maior ou menor. No entanto, ninguém ¢ atingido pelo poder punitivo por causa desse estado, mas sim pela situagdo de vulnerabilidade, que é a posigao concreta de risco criminalizante em que a pessoa se coloca. Em geral, j4 que a selegéio dominante corresponde a esteredtipos, a Pessoa que se enquadra em algum deles nao precisa fazer um esforgo muito gran- de para colocar-se em posigdio de risco criminalizante (¢, ao contrario, deve esfor- $ar-se muito para evitd-lo), porquanto se encontra em um estado de’ vulnerabilidade Sempre significativo. Quem, ao contrario, no se enquadrar em um esteredtipo, “Foucault, Michel, Microfisica. A propésito, Pilgram, Amo, Kriminalitat. oe A atntclogi ‘e sulnorailidade pode ser reconstruida a partir do indo-europeu weld-nes (weld significa ferir, em latim vulnus, ferida), revelando a condig&o de ferivel. a 49 deverd fazer um esforgo consideravel para posicionar-se em situago de risco criminalizante, de vez que provém de um estado de vulnerabilidade relativamente baixo. Daio fato de que, em tais casos pouco frequentes, seja adequado referir-se uma criminalizagdo por comportamento grotesco ou trdgico. Os rarissimos casos de falta de cobertura servem para alimentar a ilustio de irrestrita mobilida- de social vertical, configurando a outra face do mito de que qualquer pessoa pode ascender até a ctispide social a partir da propria base da pirimide (self made ‘man), eservem também para encobrir ideologicamentea seletividade do sistema, ue através de tais casos pode apresentar-se como igualitario. 9. Existe um fendmeno relativamente recente, ou seja, a chamada administrativizagao do direito penal, que se caracteriza pela pretensio de um uso indiscriminado do poder punitivo para reforgar 0 cumprimento de certas obrigagdes piiblicas (em especial no Ambito fiscal, societario, previdencidrio étc.), 0 que banaliza o contetido da legislagao penal, destr6i o conceito limitati- vo de bem juridico, aprofunda a ficgdo do conhécimento da lei, pe em crise a ‘concepgio do dolo, vale~se de responsabilidade objetiva e, em geral, privilegia 0 «estado em sua relagio com o patriménio dos habitantes®, Nesta modalidade, 0 oder punitivo é distribuido mais por acaso do que nas areas tradicionais dos delitos contra a propriedade, tendo em vista que a situagao de vulnerabilidade ante o mesmo depende do mero fato de participar de empreendimentos licitos™ HA suspeitas de que recentes teorizagdes do direito penal sejam orientadas para explicar tal modalidade em detrimento do dircito penal tradicional. 10. Quando as seleges criminalizantes de diversos sistemas penais so comparadas, observam-se diferentes graus e modalidades das mesmas. A scleti- vidade é mais acentuada em sociedades estratificadas, com maior polarizagao de riqueza ¢ escassas possibilidades de mobilidade vertical, o que coincide com a atuago mais violenta das agéncias de criminalizagao secundaria. Entretanto, ‘a mesma coisa também se observa em outras sociedades que, embora nio correspondam a essa caracterizagao, internalizam arraigados.preconceitos raciais ou os desenvolvem a partir de um fendmeno imigratorio® CE Hassemer, Winfiied - Mulioz Conde, Francisco, La responsabilidad, p. 53; bem como teabaloscompiladas em Romeo Casabona, C. (or) La insstnbe saci del derecho «+ GE Sebi, Flipp, 1 mato ome rich scale p7 “Sobre se o captalismo conduz ao Holocausto ou se 0 caso alemdo espondeu a uma especial disposigdo aos preconceitosracistas, hi um amplo debate: a primeira tese em Otten, Karl, ‘Masses, Elites and Dictatorship, Christie, Nils, La industria del control del delito. a se. ‘gunda, em Vansitart, Robert G, Black Record; em geral sobre o debate, Burleigh, Michael ~ Wippermann, Wolfgang, Lo Stato Razziale; projetando 0 debate no capitalism tardo, Bauman, Zygmunt, Modemnidade e Holocausto, trad. M. Penchel, Rio, 1998, ed. Zahar. “ Dal Lago, Alessandro, Non persone. 50 De qualquer maneira, a seletividade é estrutural e, por conseguinte, ndo hd sistema penal no mundo cuja regra geral ndo seja a criminalizagao secun- daria em razdo da vulnerabilidade do candidato, sem prejuizo de que, em |_alguns, esta caracteristica estrutural atinja graus e modalidades aberrantes. Por isso, a criminalizacdo corresponde apenas supletivamente a gravidade do de- lito (contetido injusto do fato): esta s6 € determinante quando, por configurar um fato grotesco, eleva a vulnerabilidade do candidato. Em sintese: a imensa disparidade entre o programa de criminalizagéo primaria e suas possibilida- | des de realizagéo como criminalizagao secundéria obriga a segunda a uma | selecdo que, em regra, recai sobre fracassadas reiteragdes de empreendimen- | tos ilfcitos que insistem em seus fracassos, através dos papéis que o préprio poder punitivo thes atribui ao reforcar sua associagdo com as caracteristicas de certas pessoas mediante 0 estere6tipo seletivo. IV. O poder das agéncias de criminalizagdo secundaria 1. A seletividade estrutural da criminalizagao secundéria confere especial destaque as agéncias policiais (sempre tensamente condicionadas Aquelas polf- ticas e de comunicagao)"”. As agéncias judiciais limitam-se a resolver og pou- cos casos selecionados pelas policiais e, finalmente, as penitenciarias recolhem algumas pessoas entre as selecionadas pelo poder das agéncias anteriores. Isto demonstra ser a realidade do poder punitivo exatamente inversa sustentada no | discurso juridico, que pretende colocar em primeiro lugar o legislador, em se- gundo 0 juiz, e quase ignora a policia: na pratica, a policia exerce 0 poder seletivo ¢ 0 juiz pode reduzi-lo, ao passo que o legislador abre um espaco para (a selegdo que nunca sabe contra quem serd individualizadamente exercida. Embora os juristas possam elaborar discursos legitimantes deste Processo sele- tivo — e de fato 0 fazem ~ 0 poder exercido por eles mesmos (0 propriamente | juridico) € 0 dos juizes, advogados, promotores, funciondrios e auxiliares, posto ‘em pratica na agéncia judicial ou requisitado para seu funcionamento, O resto | do poder de criminalizagao secundéria fica fora do alcance de suas maos e é | puro exercicio seletivo, mais ou menos arbitrério e estruturalmente inevitavel, 2. Se o poder propriamente jurfdico € tao limitado dentro do quadro geral da criminalizagao secundaria, e se o poder seletivo das agéncias policiais, em- bora superior, atinge um ntimero muito reduzido de pessoas, quase todas vulne- raveis e protagonistas de obras toscas ~ proprias de seu baixo nivel de educagao social -, caberia concluir que, em geral, o poder das agéncias do sistema penal — “Cf. Lautman, Riidiger, Die Polizei. 51 > € pouco significative no quadro completo do controle social. A conclusio ¢ { corteta: o poder criminalizante secundério bastante escasso como poder dle } controle social, O nimero de pessoas criminalizadas é muito pequeno em rela. io & totalidade de qualquer populagao, inclusive no caso dos indices mais ele- vados, € 0 da populagdo encarcerada € comparativamente infimo. Se todo o oder das agéncias do sistema penal se reduzisse & criminalizagio secundéria, seria francamente insignificante. Um poder limitado a selegaio de uma pessoa fraca ¢ abandonada, entre cada mil ou mil e quinhentas, nao seria realmente determinante em termos de configuragio social. Ocorre que, na verdade/a criminalizagao secundéria é quase um pretexto para que as agéncias policiais exercam um formidével controle configurador positivo da vida social, que em nenhum momento passa pelas agéncias judiciais ou juridicas/a detengio arbi- tréria de suspeitos, a identificagdo de qualquer pessoa que Ihes chame a aten- so, a detengao por supostas contravengbes, o registro das pessoas identificadas € detidas, a vigilancia sobre locais de reunio e de espeticulos, de espacos aber. tos, o registro da informagio recolhida durante a tarefa de vigilancia, o controle alfandegétio, o fiscal, 0 migratério, o veicular, a expedigaio de documentagao pessoal, a investigagao da vida privada das pessoas, os dados pessoais recolhi. dos no decorrer de investigagdes distintas, a informagao sobre contas bancétias, Patrim6nio, conversas privadas, comunicagdes telefSnicas, telegrificas, pos. tais, eletrOnicas etc, ~tudo sob o argumento de prevenir e vigiar para a seguran- ou investigacdo com vistas & criminalizagio -, constituindo um conjunto de atribuigdes que podem ser exercidas de um modo tio arbitrdrio quanto desre. ‘grado e que proporcionam um poder muitfssimo maior e enormemente mais significativo que o da reduzida criminalizagio secundaria". Sem divida, este poder configurador positivo é 0 verdadeiro poder politico do sistema penal. 0 que interessa politicamente slo as formas capilarizadas e invasivas pelas quai as agéncias policiais exercem seu poder, e nfo, por certo, a prevengao eo casti. 0 do delito” 3. Cabe esclarecer que o referido poder configurador positivo do sistema Penal € exercido pelas agéncias policiais em sentido amplo, ou seja, pot funcio. narios do poder executivo em fungdo poticial e, de modo algum, restrito as olicias militar e civil. Por outro lado, em quase toda sua extensio é wn poder {egal, ou seja, conferido de maneira formal através de leis das agéncias po cas. Nao € possivel, porém, omitir que todas as agéncias executivas exercem tum poder punitivo paralelo,independentemente das linhas institucionais pro- gramadas € que, conforme o proprio discurso do programa de criminalizaglo {A vigilanci polical na era da informatizasao em Whitaker, Reg, El in de la privacidad. “Cl. Foucault, Michel, Bisogna difendere la societd, p. 36 52 primiria, seria dfinido come ilegal ou delituoso. Este conjunto de deltos co- Inetides por operadores das prépriae agéncias do sistema penal & mois ou menos amplo na roado direta da volencta dar agencias execute 200 Insersa do controle que sofam da parte de outras agencies. Ele é conhecido pelomome genéric de sistema penal swberrdnco, Quanto maior 364 volume, ‘menos desconhicido cle para os operadores das ours agtacias , por conse= gine, sistema penal subtertneo, posto em movimento po alguns funcions~ Fos das agéncias exccutiva, conta com a patcipa ava ox omissva das ‘operadores das demas agincias: isto significa que, em termes jurdico-penais, lnte wn ssfoma poral sublerrneo de consdertvelextnsdo, todos 08 Opera doves de agéncias do sistema penal inorrem, de alum mado, em defingdes ‘ahercadar formaimente na criminaizagao primar, inclusive os prOprios ‘sores das defngdes, canforme o erterio de aribuigto que se adote, / V,Selecao vitimizante |, Assim como a sella criminalizante resulta da dingmica de poder das astnciag, também a viimiaago Gum process seletivo que corespende& mes ‘a fone reconhece uma capa primiva. Na sociedad sempre pessoas que ‘xercem poder mais ou manos arbtio sobre outa, sea de forma brutal © Violeta, seja deforma stile encobeta, Enquano este poder for perecido ‘Como norm no avers vinaapto priméria (no existe near ato formal das agéncaspoltcas que confram ostrus de tina ao subjugado). Quando a percep pblica deal poder pase a consder-io anormal (desnommatiza-se stuagio) urge oreconhecimento dos dios do subjuyado eredfinese a Situaglo como confliva, As agencias poiteas podem resavertais coats Inediante a habltago de uma coagio stata que mpeg 0 execicio dese poder abit (coergdeadministativa dicta) ou que obrigue quem oexergaa fama reparago ou resi (coer repaadora cv). Mas quando as agén- ‘as poiteas~ por qualquer motivo ~ ao pedem dspor de medidas que reso- ‘am confit, elas se valem da renormotizayo da stung conflitiva: esta no Seesolvesmagserenormeiza por meio da formalizagio dum ato programsitico tas quo os operadores dover far Em parts os execs do caso sistema pata subterines se destin a suprir 0 orgamento esata, chepando-e 20 paradoxo de que a agéncn de provensdo do deli sefinancia através da pratica fe alguns delton. to gra uma deteriorapdo dic ede auo-sti, atm de ‘uma perma imagem que mina ensferida par os responsive ela sustn- ‘apo das etutura nstiucionas determinants dessescompetamentos 2.0 operado da aginciaplicial deve aresetarum discurso dopo, que conserva emevala para plea jostcador(acionalizador mera tment, Erte imo diseurso (ema) incrpora components de desvaloragio ‘is vitimas, apart de sua cna, classe social e mesmo de preconcitos em ‘rand part confltivos quanto ace propos papas sciis dos quai proveo ‘operadrpolicl, Quanto ast eft, submete-seooperador uma disciplina ‘litarzad,proite-e-besindalizar-ao (em sso he € vedada a possbiida- jsolamento no que concerne a seus grupos originarios de pertencimento, bem como 0 desprezo das classes médias, que mantém a seu respeito uma posi¢gao completamente dubia. As exigéncias quanto ao papel policial se originam em umimaginario alimentado grandemente pela difusdo de entretenimentos (filmes ou seriados de ficgdo) aos quais nao pode a realidade adequar-se nem seria conveniente que tentasse fazé-lo, e o contraste com 0 comportamento concreto provoca frustrago e reptidio que se associam aos estigmas estereot{picos. 3. Em suma, este setor se vé instigado a assumir atitudes antipaticas e inclu- sive a ter condutas ilicitas, a sofrer isolamento e desprezo, a sobrecarregar-se de umesterestipo estigmatizante, a submeter-se a uma ordem militarizada e inumana, a passar por uma grave instabilidade no trabalho, a privar-se dos direitos traba- Jhistas elementares, a correr consideraveis riscos de vida, a incumbir-se da parte mais desacreditada e perigosa do exercicio do poder punitivo, a expor-se as pri- meiras criticas, a ser impedido de criticar outras agéncias (sobretudo as politicas) e, eventualmente, a correr maiores riscos de criminalizagiio que todos os demais operadores do sistema. Embora convenha descartar uma vez mais qualquer tenta- tiva de explicagao conspiratéria, hd poucas diividas acerca de que também a policizagdo é um processo de assimilagdo institucional violador dos direitos humanos e tdo seletivo quanto a criminalizagdo e a vitimizagao, que recai preferentemente sobre homens jovens das camadas pobres da populagio, vulnera- veis a tal seletividade na razdo direta dos indices de desemprego” . VIL. A imagem Délica e sua fungao politica 1. A civilizagao industrial implica uma inquestiondvel cultura bélica violenta. E inevitavel que, apesar de nao ser formulada hoje em termos doutri- narios nem teéricos, a comunicago de massas e grande parte dos operadores das agéncias do sistema penal tratem de projetar 0 exercicio do poder punitivo 3” Lépez Garrido, Diego, El aparato policial en Espaita; Gabaldén, Luis, G., El desempefio de la policia y los tribunales dentro del sistema de justicia penal, pp. 147-168; Barker, Thomas - Roebuck, Julian, An Empirical Typology of Police Corruption, Springfield, 1973, ed. Ch. Thomas; Mingardi, Guaracy, Tiras, Gansos e Trutas, S. Paulo, 1992, ed. Scritta; Kant de Lima, Roberto, A Policia da Cidade do Rio de Janeiro, Rio, 1995, ed. Forense; AA. VV. A Instituigdo Policial, em Rev. OAB-RIJ, Rio, 1985, ed. OAB-RJ, n° 22; AA.VV,, A Policia na Corte ¢ no Distrito Federal (1831-1930), A Policia e a Forga Policial no Rio de Janeiro e A Guarda Municipal no Rio de Janeiro (1831-1918), nos volumes 3,4 e 5 da série Estudos PUC/RJ, Rio, mimeo; Holloway, Thomas H., Policia no Rio de Janeiro, trad. FC. Azevedo, Rio, 1997, ed. FGV; Bretas, Marcos Luiz, A Guerra das Ruas, Rio, 1997, ed. Arg. Nac.; Neder Gizlene, Discurso Jurfdico e Ordem Burguesa, P. Alegre, 1995, ed. Fabris; Dornelles, Joo Ricardo Wanderley, Conflitos e Seguranga, Rio, 2002, ed. L Juris. 57 como uma guerra @ criminalidade e aos criminosos*. A imprensa Costuma mostrar inimigos mortos (execugdes sem processo) ¢ também soldados Caidos (policiais vitimados). O risco de morte policial na regido latino-americang ¢ altissimo em comparagao com os Estados Unidos ¢ ainda mais com a Europa, Entretanto, isso costuma ser exibido como signo de eficacia Preventiva, Por outro lado, as agéncias policiais descuidam da integridade de seus operadores mas, em caso de vitimizagdo, providenciam um estrito ritual funerario de tipo militar*. Se considerarmos que os criminalizados, os vitimizados ¢ os Policizados (ou seja, todos aqueles que sofrem as consequéncias desta Supos- fa guerra) sdo selecionados nos estratos sociais inferiores, cabe Teconhecer \ que o exercicio do poder estimula ¢ reproduz antagonismos entre as Pessoas desses estratos mais frageis*, induzidas, a rigor, a uma auto-destruigao, 2. Em décadas passadas difundiu-se outra perspectiva bélica, conhecida como seguranga nacional® , que compartilha seu carater de ideologia de guer- ra permanente (inimigo disperso que aplica pequenos golpes) coma concepgao bélica do poder punitivo hoje difundida pela imprensa. Por isso seria uma guer- ra suja, em contraposi¢ao a um idealizado modelo de guerra limpa, que seria oferecido pela I Guerra Mundial (1914-1918), curiosamente assimilavel ao cul- to do heroismo guerreiro dos autoritarismos que vicejaram antes da II Guerra Mundial” . Tendo em vista que o inimigo nao joga limpo, o estado nao estaria obrigado a respeitar as leis da guerra. Com este argumento se adestraram forgas terroristas que nem sempre permaneceram fi¢is a scus treinadores® . Com este argumento tomou-se por guerra 0 que nao passava de criminalidade politica Com este argumento os tratados de Genebra nao foram aplicados ¢ instalou-se oterrorismo de estado, que vitimizou setores progressistas de algumas socieda- des, tantas vezes por meros delitos de opinidio ou mesmo de convic¢ao politica. Na guerra contra a criminalidade nfo seria necessario respeitar as garantias penais e processuais por razdes semelhantes. Assim como a “subversdio” habi- litava o terrorismo de estado, 0 delito habilitaria o crime de estado. A subver- sdo permitia que o estado fosse terrorista ¢ 0 delito permite que o estado seja criminoso: em ambos os casos, a imagem ética do estado softe uma enorme degradagio e, consequentemente, perde toda legitimidade. Batista, Nilo, Politica criminal com derramamento de sangue; Martinez, Mauricio, pp. 26 ss.; Evans, Rod L. - Berent, Irwin M., Drug Legalization. Cf IDH, Muertes anunciadas, pp. 114 e 132. * Chapman, op. cit., p. 255; estudos empiricos em Baratta, Alessandro, Criminologia y dogmatica penal, pp. 34 ss. % Comblin, Joseph, Le pouvoir militaire; Equipe Seladoc, Iglesia y seguridad nacional. Cf. Mosse, George L., L'immagine dell'uomo, pp. 205 ss. Hagan, Frank E., Political Crime. ON 3. A chamada ideologia da Seguranga nacional Passou para a histéria como resultado das mudangas no poder mundial, e esta sendo substituida por um discurso piiblico de seguranga cidad r i como ideologia (nao como problema real, que é algo totalmente diferente). A esta transformac4o ideolégica corres- ponde uma transferéncia de poder das agéncias militares Para as policiais. Em- bora formulada inorganicamente, em vista do peso da comunicagao social sobre as agéncias politicas ¢ da competitividade de clientela das ultimas, esta difusa perspectiva pré-ideolégica constitui a base de um discurso vindicativo que se is; d) potencializar os medos (espagos paranoicos), as desconfiangas e os Preconceitos; e) desvalorizar as atitudes ¢ discursos de respeito pela vida e Pela dignidade humana; f) dificultar as tentativas de encontrar caminhos alternativos para solugao de conflitos; 2) 4. Em suma, esta imagem bélica, legitimante do exercicio do poder puni- tivo por via da absolutizagéio do valor Seguranga, implica aprofundar sem limite algum o que o poder Punitivo provoca inexoravelmente, que € a debilita- sti dos vinculos sociais horizontais (solidariedade, simpatia) e o reforgo dos verticais (autoridade, disciplina). O modelo de organizagao social comunitaria perde terreno perante o de organizagao corporativa®. As Pessoas se acham mais indefesas diante do estado, devido a redug4o dos vinculos Sociais e do desaparecimento Progressivo de outros loci de Poder na sociedade. A propria sociedade — entendida como Conjunto de interagdes - reduz-se € torna-se presa facil da Unica relagao forte, que é a vertical ¢ autoritaria. A imagem que se Projeta verticalmente tende a ser Unica, porquea tedugao dos vinculos horizon- tais impede sua confrontagdo com vivéncias alheias. O modelo de estado que corresponde a uma organizagdo social Corporativa ¢ 0 do estado de policia. * Sobre “comunidade”, Tonnies, Ferdinand, Principios de Sociologia; Comunidad y sociedad. 59 “. > da execu¢do ou da vigilancia punitiva em liberdade); e) as de comunicagdo , social (radiofonia, televisdo, imprensa escrita); f) as de reproducdo ideolégica \ (universidade cademias, institutos de pesquisa jurfdica e criminolégica); eg) as internacionais (organismos especializados da ONU, da OEA, cooperagao de paises centrais, fundagoes, candidatos a bolsas de estudo e subsidios). 3. Estas agéncias sao regidas por relagdes de concorréncia entre si e dentro de suas proprias estruturas. A competi¢zio é mais acentuada e abertaem algumas delas, como as de comunicagao social (através do mercado da audién- cia, do poder politico dos formadores de opiniao, dos lucros da publicidade etc.) eas politicas (a disputa entre poderes, ministros, partidos, blocos parlamenta- res, candidatos, aspirantes a cargos partidarios e de lideranga etc.) “amano grau de competicao abre as portas apelagiio de discursos clientelistas, embora se saibam falsos: 0 mais comum é 0 reclamo da repressio para resolver proble- mas sociais ¢ 0 temor de enfrentar qualquer retérica repressiva de efeitos proselitistas. Respaldado por este af competitivo, ganha corpo um discurso simplista que se reitera e cuja difusio é favorecida pela comunicagao: a mensa- gem jornalistica se assemelha a publicitéria quanto & sua concisao, simplicida- de, emotividade, impacto sobre a atengiio etc. Reduz-se 0 espago de reflexiio e, *| por conseguinte, os discursos que a exigem tornam-se desacreditados, 4, Deste modo a reiteracao reforga a falsa imagem do sistema penal e do poder punitivo como meio eficaz para resolver os mais complexos problemas sociais, que a preméncia das respostas de efeito impede analisar com seriedade. Tal competitividade discursiva simplista se estende as agéncias judiciais™ , cujos operadores também devem enfrentar disputas internas e sofrer presses verti- cais (dos membros de colegiados superiores do préprio poder) e horizontais (das outras agéncias)®. Quanto mais dependente das agéncias politicas for a estrutura da judicial, maiores serao estas presses e menor seu potencial critico: Orecrutamento de operadores tenderd a excluir potenciais criticos e o verticalismo a controlar quem pudesse ter dissimulado, por ocasiao de seu ingresso, sua capacidade de observagio da realidade. O produto final desta competitividade costuma resultar em leis penais absurdas, disputas por projetos mais repressi- Vos, sentengas exemplarizantes e uma opiniao ptiblica confundida e desinformada. o Cf. Debray, Regis, El Estado seductor. © Sobre elas ¢ eles, Zaffaroni, E.R., Estructuras judiciales; Guarnieri, Carlo, Magistratura ¢ politica in Italia; Guarnieri, C. - Pederzoli, Patrizia, Los jueces y la politica; Pacciotti, Elena, Sui magistrati; Garapon, Antoine, O Juiz ¢ a Democracia, trad. M.L. Carvalho, Rio, 1999, ed. Revan; Botelho Junqueira, Eliane — Ribas Vieira, José ~ Piragibe da Fon- seca, M. Guadalupe, Juizes — Retrato em Preto e Branco, Rio, 1997, ed. Revan; Werneck Viana, Luiz et alii, Corpo ¢ Alma da Magistratura Brasileira, Rio, 1997, ed. Revan, Cf. Picardi, Nicola, L’indipendenza del giudice. 61 ~~ 5. As agéncias de reprodugdo ideoldgica (especialmente as universitéri- as) nfo ficam alheias & competigao interna nem tampouco aos efeitos da combi- ago assinalada®, Correm o risco de perder peso politico medida que deslegitimem o poder punitivo; seus integrantes que contrariem 0 discurso do- minante diminuem seus pontos na briga por assessorarem os operadores politi- os ou para galgarem postos nas agéncias judiciais, etambém correm 0 riseo de se verem suplantados por seus opositores nos concursos académicos ou de per- derem financiamento para suas pesquisas etc, Como resultado disso, tais agén- jas selecionam seus proprios operadores preferentemente entre os que compartilham 0 discurso, racionalizando-o ou matizando-o, mas procuram evi- tar aqueles que o refutam. As agéncias internacionais devem respeitar 0s dis- cursos oficiais para nao gerar conflitos diplomiticos e obter os recursos para seus 6rgdos, propor programas compativeis com as boas relagBes € com os interesses de seus contribuintes; as cooperagdes devem evitar qualquer atrito com os governos com os quais cooperam: os programas devem resultar em boa Publicidade para o pais cooperador ¢ ser apresentados como exitosos aos opositores de seus respectivos governos. Cabe acrescentar que 0 crescente inte- resse de alguns governos centrais em reprimiratividades realizadas fora de seu territ6rio tende a propagar instituigdes punitivas em pafses periféricos, fazendo- 0 sob a forma de cooperagiio direta ou através de organismos multilaterais que financiam. 6. Asagéncias penitencidrias so as receptoras finais do processo seleti- vo da criminalizagio secundéria, Elas se encontram ameagadas por todas as demais agéncias e devem sobreviver enfrentando o risco de motins, desordens € fugas, que as arremetem para a imprensa e as colocam em situago vulnerével diante das agéncias politicas. Sua posicao € particularmente frdgil. Nao é raro acabarem privilegiando apenas a seguranga (aqui entendida como 0 conjunto de esforgos envidados para evitartais problemas) e postergando o resto. Carecem totalmente de capacidade de resisténcia ao discurso dominante. Qualquer um de seus operadores que ensaiasse tal resisténcia seria silenciado de imediato pela rigida verticalidade de tais organizagdes. Os operadores politicos condicionam sua atuagdo mediante altos investimentos na construgzo civil sobre um progra- ‘ma importado que fica & margem de seu ambito gestor e avaliador. O maior rnimero de prisdes provoca maior superpopulagio, multiplicando as dificulda- des € 0s riscos. F elissico o trabalho de Weber, Max, EI politico y el eleniico; ambém Bourdieu, Pier, Intelectuales, politica y poder; ainda Bobbio, Norberto, Os Intelectuais e 0 Poder, trad. M. ‘A. Nogueira, S. Paulo, 1997, ed. UNESP; ¢ o fundamental Gramsei, Antonio, Os Intelectu- aise a Organizagio da Cultura, trad. C. N. Coutinho, Rio, 1968, ed, Civ. Bra. 62 7. As agéncias policiais 56 se mani vé tam-se cuidadosamente bronuncamento de ses 88 cee infrequente conjuntura na qual alguma agéncia Politica ou judicial eee me praticas arraigadas e métodos tolerados, a despeito de sua ile alia ween, que as agéncias de comunica¢do concedem aos agentes polciais aren paraa sustentagao do discurso dominante. Fora dessa hipétese, : debi Steves similares (competitividade interna), a estrutura hierarquizada e nil vias agéncias policiais impede Possam seus operadores desenvolver oe ea térios independentes da reprodugao dos discursos cupulares, Tigidame apes onais ante sua elevada vulnerabilidade Perante as agéncias politicas oon } poder, costumam recorrer a projegao bélica real mediante execugdes sem pro- cesso, apresentadas publicamente como signos de eficacia preventiva® 8/0 discurso dominante é teforgado nas chamadas campanhas de lei e ordem (law and order, Gesetz und Ordnung), que divulgam uma dupla mensa- gem: a) romentaO. maior Tepressao; b) afirmam, Para isto, que nao se reprime suficientemente/ O discurso dominante esta tao introjetado entre aqueles que so clientes dessas campanhas quanto entre aqueles que cometem os ilicitos, de modo que a propria campanha de lei e ordem tem um eftito multiplicador, & guisa de incitag4o publica. 9. Todo o exposto ndo passa de uma simplificago exemplificativa da enorme complexidade das contradigdes de qualquer sistema penal e das relagdes que pretende organizar. A isto devem ser acrescentados outros elementos que se tormam imponderaveis: 0 quadro politico e econémico concreto em cada um de seus momentos; 0 cansa¢o piiblico provocado pelo excesso de informagiio nao- processada; a propaganda desleal (a opiniao “técnica” de improvisados “peri- tos”); a reiteragao de falsidades que adquirem status dogmatico; a manipulagdo dos medos ¢ a indugdo do panico etc. IL O poder dos juristas e o direito penal 1. O poder nao é algo que se tem, mas sim que se exerce, pode ser exercido de dois modos, ou melhor, possui duas manifestagdes: adiscursiva (ou de legitimago) e a direta. Os juristas (penalistas) exercem tradicionalmente =a Partir das agéncias de reprodugao ideolégica - 0 poder discursivo de keitinado do ambito punitivo, mas muito escasso poder direto, que esta a cargo de outras 6 IDH, Muertes anunciadas. 63 agéncias. Seu proprio poder discursivo sofre erosdo com os discursos parale- los das agéncias politicas e de comunicagao, condicionantes daquele elabora- do pelos juristas em suas agéncias de reprodugdo ideoldgica (universidades, institutos etc.). O poder direto dos juristas dentro do sistema penal limita-se aos raros casos que as agéncias executivas selecionam, abarcando 0 processo de criminalizagdo secundéria, e restringe-se 4 decisao de interromper ou ha- bilitar a continuagdo desse exercicio. Para cumprit fung6es no exercicio direto de poder, desenvolve-se uma teoria juridica (saber ou ciéncia do direito penal, ou direito penal pura e simplesmente), elaborada sobre 0 material basico que é composto do conjunto de atos politicos de criminalizagdo priméaria ou de deci- sdes programaticas punitivas das agéncias politicas, € complementado pelos atos politicos de igual ou maior hierarquia (constitucionais, internacionais etc.). O direito penal é, pois, um discurso destinado a orientar as decis6es juridicas que fazem parte do processo de criminalizacdo secunddria, dentro do qual constitui um poder muito limitado em comparagao com © das demais agéncias do sistema penal. 2. 0 direito penal é também uma programagio: projeta um exercicio de poder (0 dos juristas)®. Este poder nao pode ser projetado omitindo estratégias ¢ titicas, ou seja, desconsiderando seus limites ¢ possibilidades, o que implica incorporar dados da realidade sem os quais qualqner programagao seria absur- dae iria promover resultados reais impensados. Elabora-se o saber penal com 0 método dogmatico: ele é construfdo racionalmente, partindo do material legal, a fim de proporcionar aos juizes critérios nio-contraditérios e previsfveis de deci- sio dos casos concretos. Esta metodologia foi se desviando, até perder de vista, do fato de que um saber to aplicado ao poder, por mais que, como todo progra- ma, se refira ao dever ser, deve incorporar certos dados do ser, que sao indis- pensdveis para seu objetivo. Esta omisstio de informagao indispensével néio s6 ocorrett, como foi também teorizada até pretender construir um saber do dever ser separado de qualquer dado do ser, e considerou-se um mérito deste saber sua sempre crescente pureza ante 0 risco de contaminagao com o mundo real”. Tal pretensao nunca deixou de ser uma ilusto ou um objetivo inatingivel, por- que o dever ser (programa) sempre se refere a “algo” (ser ou ente) e n&io pode ser explicado em termos racionais sem incorporar dados acerca desse “algo” que pretende modificar ou regulamentar. Nao lhe resta alternativa sendo entre reconhecer o ente ao qual se refere ou inventé-lo (crid-lo). O resultado foi que toda vez que se invocava um dado da realidade, para refutar outro inventado, % Nao foi por acaso que a teoria critica do direito atribuiu grande importancia ao esclareci- mento do papel do operador juridico (Novoa Monreal, Eduardo, Elementos para una critica, p. 64), © Sobre esta metodologia neokantiana, infra, § 23. 64 tava-se que €SSa invocagio era espiiria, razo pela qual o saber juridico- al se arvorava em juiz da criagiio ¢ em criador do mundo. E evidente que um Per aplicado ao poder nessas condigbes,e dirigido a operadores sem levar emt “onsideragdo as caracteristicas do poder destes nem suas limitagdes e possibili- aus, ndo podia Ser muitoprtico, pelo menos quanto a reforgar o poder de sua respectiva agencia. Deixando fora de seu ambito qualquer consideragao acerca {ja seletividade ineludivel de toda criminalizagdo secundaria, admitiu-se, como pressuposto, que 0 direito penal devia ser elaborado teoricamente como se tudo serealizasse invaridvel enaturalmente na forma programada pela criminalizagio primdria. A partir deste falso dado, construiu-se uma elaboragdo precéria a servigo da seletividade, em lugar de voltada contra ela para rebaixar seus ni- yeis. Um saber penal que pretende programar 0 poder dos jufzes sem incorporar 9s dados que Ihe permitam dispor de um conhecimento correto a respeito do concreto exercicio deste poder, nem de sua meta ou de seu objetivo politico, tende a redundar em um ente sem sentido (nicht nitzig), 3. Costuma-se dizer que politica é a ciéncia ou a arte do governo, e um ds poderes de todo governo republicano € o judicisrio, Ninguém pode governar sem levar em consideragio qual o poder de que dispde para programar seu exercicio de modo racional. O legislador que sancionasse uma lei proibindo caries dentérias ou que se proclamasse onipotente diante da natureza seria ridi- cularizado, mas 0 discurso dominante ndo ridiculariza de igual maneira o juiz: que impde um ano a mais de pena porque “é necessério conter 0 avango da ctiminalidade", nem o legislador que protréi a excarceragdo de ladrées para conter a criminalidade sexual, porquanto o direito penal nao incorporou a seu horizonte os limites factuais e sociais do poder punitivo nem suas modalidades estruturais de exercicio seletivo. IIL O direito penal e os dados sociais 1. Eimpossivel uma teoria juridica, destinada a ser aplicada. pelos operado- {Ss judiciais em suas decisdes, que no tome em consideragio o que verdadeira- ‘mente acontece nas relagdes sociais entre as pessoas. Nao se trata de uma empresa Possivel, embora objetével, mas de um empreendimento tao impossivel quanto ‘ezermedicina sem incorporar dados fisiol6gicos:tentou-se fazé-la sem pesquisa Aisiologia, mas o que se fez foi uma medicina baseada em uma falsa fisiologia, Sve ndo é a mesma coisa que fazer medicina sem pesquisar fisiologia. O mesmo fomece quando se pretende construiro direito penal sem levar em considerago Paphmortamento real das pessoas, suas motivagdes, sua insergdo social, suas ‘elagoes de poder etc.,e como issoé impossivel, 0 resultado no é um direito penal 65 ee falsos. O des ido de dados sociais, mas sim construido sobre be fies Se vax © rove , mas sim 60) penalsmo termina por criar uma: sociologia Lae a ane ve es ese inclusive 4 experiéncia cotidiana, uma socieda’ ee ate eee ean comportam como nao 0 fazem nem poderiam faze- ee Giscursivamente um poder que nfo everce nem poderia ex: do reducionismo sociolégico do direito penal ere cartado: 0 direito penal, construido com método dogmatic nde srr cae nat ido nunca & sociologia. Nem por isso, porém, 8 adesconbes ias soci muit ancias sociais Ihe proporcionam ¢ multo fads 9s bos cm de toda sua construgao teorica. Odirei- falsos provenientes destas disciplinas toda vez que Ihe fazendo na dogmatica tradicional, sob pretexto de sco do reducionismo, foi mera ica e conjurar 0 Ti valor de verdade cientifica é falso. O mais curi- es dados cientificamente falsos, 2.0 fantasma to penal no é net inventasse dados aprouvesse. O que se andou preservar sua pureza jurldic invengao de dados sociais cuj so foi que nito se considerou soctologia es! : ‘mas sim direito penal. 5, Com isto consagrou-se a subordinagiio total do poder judiciério ao poder legislative. A partir de uma tese abertamente idcalista, um autor identificado com a wista (¢, doutrina da seguranga nacional sustentou que o dado social s6 interessa ao ju portant, 0 juiz) & medida que olegistadoro tenha previamente incorporado, e qual- quer outa incorporagio deveria considerar-se como ideologizagao politica do saber penal®. Tomada a sério, tal opiniao levaria & conclusio de que toda critica as institui- ‘6es totais ¢ pseudocientifica’*. Mais recentemente, ¢ em outro contexto ideolégico, observou-se que a incorporagio de dados sociais ao direito penal requer um momento valorativo”; embora seja uma tese discutivel, quem a admitir devera reconhecer que também a exclusdo de dados sociais requereria valoragao. E inevitvel que a constru- fo juridica importe numa organizagdo de ideias no marco geral da concep¢iio de ‘mundo, ou seja, numa ideologia em sentido positive que se formula persuasivamen- te”. “As penas mais graves diminuem 0 nimero de delitos”. “Punindi we tutela-se a propriedade”, “O: io perigosos”. Toindo 08 Indies aoa a me Mn s loucos so perigosos”. “O reincidente ¢ mais perigoso P “A pena dissuade”. “A execugdo penal ressocializa”. “Todos so ‘® Bayardo Bengoa, Fernando, Dog tica jur 7 Boe ~amitica juridico-penal, p. 28 Silva Sanchez, Jesiis-Maria, Aproximacién, € 7 cic 334. ™ Desde oe . a rerepetiva dos ein! legal studies, Duncan Kennedy afirma que a ideolopia & ar enc to dscuro juries, sobre asus e entdos da ide fa, Ricoe ee 4 Iolani Alona Cata desl Estado eDic, §.Pal, sna, A oe a que & Ide I B i se; Cerqueira Filho, Gisilio, Andlise Social da ideologies rae bee 66 iguais perante a lei”. “O legislador é 0 unico que estabelece penas”. “A intervengdo punitiva tem efeito preventivo”. “A prisdo preventiva nao é uma pena”. “Sc se tipifica uma conduta, sua frequéncia diminui”. “O consumidor de drogas proibidas converte- se em delinquente”. “Todo consumidor de téxicos é um traficante em potencial”. “A impunidade é a causa da violéncia”. “A pena estabiliza o direito”. Todas estas assertivas a respeito da realidade do comportamento humano nao esto submetidas a verifica- do, mas costuma-se considerd-las verdadeiras no direito penal sem esse requisito clementar de relativa certeza cientifica, no como mero complemento periférico do discurso, mas como proprio fundamento deste. Trata-se de proposi¢des que podem ser verdadeiras ou falsas (isso nao importa neste momento), mas cujo valor de verdade de qualquer maneira corresponde a ciéncia social pelos métodos que Ihe so préprios. Enquanto nao se questionar o valor de verdade de qualquer uma delas, nao serdo consideradas proposi¢des sociolégicas, porém tao logo se pretenda questiond-lo, refu- ta-se o argumento, alegando que se trata de uma indevida intromissao de uma ciéncia do ser no campo de uma ciéncia do dever ser. Esta é a melhor prova do erro metodolégico que consiste em inventar dados sociais falsos como préprios do saber juridico e refutar os dados sociais verdadeiros argumentando que sao sociolégicos, recurso que conduz 0 juiz a subordinar-se definitivamente a qualquer invengao arbi- traria do mundo que faca um legislador iludido ou alucinado. E natural que isto tenha sido defendido por uma dogmatica juridico-penal classificatéria, para uso de um po- der judicidrio que desconhecia 0 controle de constitucionalidade, como o do império alemao, porém é inadmissivel nos estados contemporaneos. 4. Através do erro metodolégico acima descrito incorporam-se muitissi- mos dados falsos acerca do comportamento real das pessoas, das instituigdes e do poder, entre os quais dois sdo mais importantes: a) a suposta realizagdo natural da criminalizagao secundaria ¢ b) a partir dela, a ilusdo de sua capa- cidade para resolver os mais complexos problemas e conflitos sociais. A pri- meira oculta o mecanismo seletivo de filtragem e distorce todas as consequéncias que pretende atribuir-se a planificagao criminalizante primaria” . Uma mutila- ao paralela da ciéncia social, mediante uma criminologia concebida como pes- quisa das causas do delito a partir apenas das pessoas criminalizadas, patologiza a explicacdo pretensamente causal e confunde as causas da criminalizagao com as do comportamento delituoso. O discurso juridico-penal nao pdde nunca en- frentar a realidade seletiva do poder punitivo, porque se converteria necessaria- mente em deslegitimante ao nao poder compatibiliza-lo com a igualdade perante a lei como premissa do estado de direito. Alids, a seletividade criminalizante evidencia o escasso poder dos juristas no jogo de agéncias do sistema penal. Por ® Os principios formais de igualdade e certeza nao so suficientes para advertir sobre a natureza seletiva e reprodutora de desigualdade do sistema penal (Cf. Pavarini, Massimo, em Cadoppi et alii, I, p. 308). 67 isso preferiu-se manter a ficgéo de que o poder punitivo é manejado pri imeira. mente pelo legislador (que seria 0 nico que pode proibir e apenar), depois por eles — os juristas que realizariam o programado pelo anterior — ¢, por Ultimo, pela policia ¢ pelo corpo penitenciario que cumprem as ordens dos juristas. Ag agéncias universitarias, de comunicagao ¢ internacionais ndo aparecem neste esquema. 5. A comprovagao de que o poder punitivo opera de modo exatamente inverso ao descrito pelo discurso penal tradicional é verificavel pela mera ob- servagao leiga da realidade social. A defesa diante destes conhecimentos de comprovagao cotidiana consiste em atribui-los a distorgdes conjunturais do poder Punitivo, ocultando que se trata de caracteres estruturais, sendo conjuntural unicamente o seu grau. Esta comprovacao lesiona seriamente o narcisismo tedrico do direito penal, ¢ é explicavel que este optasse por ignora-la com todo seu arsenal metodoldgico disponivel. Em sintese, ha duas razdes fundamentais que obstam a percep¢ao do poder real de criminalizago na teoria penal: a) a contradi¢ao insoluvel com os principios do estado de direito; e b) a grave lesao ao narcisismo tedrico, que se veria obri igado a descer de uma virtual oni ipoténcia imaginada pelo discurso dominante até uma realidade de poder bastante limita- do. Partindo da falsa ideia da criminalizagéo como um processo natural, susten- ta-se a quimera da solugdo de gravissimos ‘problemas sociais que, na realidade, o direito penal nao resolve mas, ao contrario, em geral potencializa, pois sé faz \ criminalizar alguns casos isolados provocados pelas pessoas mais vulneraveis | ao poder punitivo. Este nao é um efeito inofensivo do discurso, porque a quime- ‘ ra da solugao neutraliza ou ‘Paralisa a busca de solugdes reais e eficazes. Além disso, essa ilusdo abre as portas do fendémeno mais comum no exercicio do poder punitivo, que é a produgéo de emergéncias. Pode-se afirmar que a histé- ria do poder punitivo é a das emergéncias invocadas em seu curso, que sempre sao sérios problemas sociais, A esse Tespeito falou-se, com acerto, de uma emer- géncia perene ou continua”, o que é facilmente verificvel: 0 poder punitivo pretendeu resolver o problema do mal césmico (bruxaria), da heresia, da pros- tituig4o, do alcoolismo, da sifilis, do aborto, da rebelido, do anarquismo, do comunismo, da dependéncia de toxicos, da destruigao ecolégica, da economia informal, da corrupgao, da especulagao, da ameaga nuclear etc, Cada um des- ses conflitivos problemas dissolveu-se, foi resolvido Por outros meios ou nao foi resolvido por ninguém, mas nenhum deles foi solucionado pelo poder puni- tivo. Entretanto, todos suscitaram emergéncias em que nasceram ou ressuscita- ram as mesmas instituigdes repressoras Para as quais em cada onda emergente anterior se apelara, e que nao variam desde o século XII até a presente data. % Moccia, Sergio, La perenne emergenza. 68 IV, Sistemas penais paralelos e subterraneos 1. Os discursos tém 0 efeito de centrar a atengdo sobre certos fendmenos e seu siléncio em relacao a outros os condena a i ignorancia ou a indiferenga. Isso Eo que acontece com a verdadeira dimensio politica do poder punitivo, que nao se radica no exercicio repressivo-seletivo da criminalizagio secundaria individualizante, mas no exerefcio configurador-positivo da vigilancia, cujé { potencial controlador é imenso em comparagdo com a escassa capacidade operativa da primeira. Igualmente, a atencao discursiva, centrada no sistema " penal formal do estado, deixa de lado uma enorme parte do poder punitivo exercido por outras agéncias que tém funges manifestas bem diversas, m: cuja fungio latente de controle social Punitivo nao é diferente da penal, do angu- lo das ci€ncias sociais. Trata-se de uma complexa rede de poder punitivo exer- cido por sistemas penais paralelos. 2. Os médicos exercem um poder de institucionalizag’o manicomial que, quando nao tem um objetivo medicinal imediato, aproxima-se bastante ao da prisonizacao. Algo parecido acontece com as autoridades assistenciais que deci- dem a institucionalizagao de pobres urbanos das ruas ou de pessoas idosas. As familias também tomam decisées institucionalizantes de pessoas idosas e de cri- angas em estabelecimentos particulares, Os juizados para criancas e adolescentes, inclusive fora de hipoteses delituosas, decidem sobre sua institucionalizagiio. As autoridades administrativas e as corporagées impdem sangdes que implicam desemprego ou interdigées, cujos efeitos costumam ser mais graves que os de uma pena (modificar ou extinguir o projeto de vida profissional de uma pessoa, por exemplo). Asfederagdes desportivas inabilitam uma pessoa, inclusive perpetua- mente, ao considerarem falta sanciondvel o recurso a um tribunal judicial, confi- gurando um verdadeiro sistema penal 4 margem dos estados, afetando sua soberania. A autoridade militar, quando incorpora obrigatoriamente os cidadaos as Forgas Armadas por certo tempo (0 chamado servigo militar obrigatério), além de exercer uma versio da velha pena de recrutamento para desocupados os expde @ uma segunda programagao criminalizante (0 Cédigo Penal Militar) e emprega um hist6rico poder punitivo disciplinar imune a revisao judicial. 3. Parece estranho que a teoria juridico-penal nao tenha destacado a ana- logia que estas formas de exercicio do poder mantém com 0 sistema penal for- mal, ainda que isto constitua efeito direto da metodologia que insiste em manter fora de foco os dados da realidade que o legislador nao incorpora, ou em consi- derar que sua incorporagao é um ato valorativo que s6 0 legislador pode empre- ender, como se fora ele o tinico enxergar o mundo. Deve-se aqui avaliar, outra Vez, 0 efeito do narcisismo do discurso penal, gravemente ferido quando se 3 sys 69 3 verte de que nfo etéprogranndo ~ como pretende—0exercici do poder mii equ, alm disso, nm sequer se refere a toalidade do mes, 0 gue ‘esti sua proclamagio dicursiva do monopélio dele por parted estado. Este lmpedmeao tem consequnia graves, pois mica una reninea a isputara incomporagodesses dmbitor do poder pai a seu dscursoe, com is, a ‘exereer qualquer papel limstadorarespeito dels. A preservagio do discurso Ltadicional tem, pois, eft de redusiodmbito do covhocimento eda aspire ‘0 ao exercieio do poder. E mals ¢comum o dscuso penal Iepitinar ess Sistemas penasparllos camo alloios ao dict penal elementos negatias dio seurse), com oq acaba son onic discuro de programagto do exer- ‘leo de um poder ea etratgia implica redo, a contramto do qu bus am fods of discurss de pode todas as corporages existent, 4-Todas as agtnias xeetivas exec algum poder pniivo margem 4 qualquer legalidade ow atrase de maros legals bem questions, mas Sempre fora d pode juio Ist susctao paradoxo de que o poder punitive = composts fosentando aussi. Eis um paradox do discurojurii- 0, dos dados das ica pias ou soca, para as qual, é claro qua! {quer apincis com poder disercinirio acaba abusando dee. Est €o sistema ‘Penal rubterranco™,queinstacionaliza a pen de morte (executes sm pro- eso), desaparcimentos, otras, sequestos, oubos, aque, trfico de dro- _s,explorato do jog, da postu ee. A magnitude eas modalidads do Sstma penal subterrino drpendem das earacteristicas de ada sociedadce de ada sistema peal da fore ds agtciasjudiils, do equllio de poder etre ‘Sas agincis, dos controle efetivorente or poderes et. Em nenhum cso, orem, isto significa que ostlema penal sublerranco scteunsereva 308 pai fs latin-amicans ou peifios do poder mundial, mas sim qu sua eis" ‘Gnciaéeconkecdaem todos sistemas peas Os campes de concentrapz, ‘os eraposparsofcias(Ku-Khn-Klane“contras”), as expulscs informs de estrangiros, a extradiges mediante sequesto, os grupos especais de intl inci falianos,norte-americanoseespanhsis qu operam fora da i, a arbi trariedades contra os irlandeses et., comprovam a universalidade ¢ ‘seruturlidadedofenbmeno, A medida quo discuro juridical poder punitive discriconri , por conseguints, nepa-sea realizar qualguereforgo 2m limitil, ele ests ampliand oespago para exereieio de poder punitive pelos sistemas pena ubtrrneos.

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