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Bacharelando em Direito (UFPB)
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materialidade2. O Uno produz movimento, mas nada o move, assim como ele encerra
qualquer sentido essencial (o “motor imóvel” de Aristóteles).
Promovendo uma linguagem de adaptação, o Uno se torna, para Agostinho, o
próprio Deus, existencial, essencial e atemporal. A criação se liga de forma umbilical ao
Criador porque Ele fornece o substrato das questões da existência. É dentro dessa
analogia neoplatônica que Agostinho analisa o problema do bem e do mal, rechaçando
sua antiga vertente maniqueísta – que afirmava o dualismo naturalístico do universo. O
desvio de conduta (e de ideias) – o pecado, no cristianismo, representa um contexto de
distanciamento da divindade, o que leva a crer que o problema do mal nada mais expõe
do que um gesto de autonomia humana que se contrapõe ao conteúdo benéfico de Deus,
a frase clichê “Não há mal, mas ausência de Deus no coração dos homens”. Por outro
lado, Agostinho também entende que a bondade é uma conseqüência da intervenção
divina, o que leva a conclusões obscuras sobre a funcionalidade de sua teoria.
Mas é no discurso da razão que Agostinho parece deixar mais evidente o
direcionamento da práxis humana cristã como vertente de reconhecimento da própria
“condição humana”. Segundo ele, a razão, para cumprir o seu papel de busca da
verdade, deve buscar Deus, recaindo na ideia de que o racionalismo deve se aliar a
questões de fé; onde ele não existe, predomina a fé: esse sincronismo interporia uma
espécie de limitação ética da razão3. O sujeito racional é um foco de limitação
permanente que jamais alcançará a verdade última das coisas, não superando as meras
verossimilhanças, o que justifica o apelo constante nos escritos agostinianos à
curiosidade filosófica moderada e à posição de submissão ao conhecimento divino.
Aqui surge uma questão interessantíssima: o pensar, como postulado da razão,
porquanto reconhecimento da dimensão existencial humana. Agostinho adianta em
séculos a famosa frase cartesiana “Penso, logo existo!”.
Um outro aspecto profundamente explorado por Santo Agostinho é o da
“interioridade”. E aqui, também, ele se apóia no neoplatonismo. Por questões de ligação
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Também com a tomada de conceitos platônicos, Plotino entende que a turbulência da materialidade não
oferece um “porto seguro” para a aferição da verdade – embora ele admita a impossibilidade de contato
com a realidade última, o Uno em essência. A verdade se busca no “mundo das ideias”, em detrimento do
“mundo sensível”; este, a materialidade, aquele, o Uno, o Intelecto e a Alma. (BÚSSOLA, Cario. Plotino:
a alma no tempo. Vitória: FCAA, 1990).
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“Se as entidades fundamentais não podem ser descobertas pela capacidade de investigação do homem,
elas devem ser aceitas com base na fé, e o papel da razão é construir estruturas baseadas na confluência
da fé (...) e da razão. Fundamentalmente, Deus cria o cosmo e é o último obstáculo a qualquer tentativa de
buscar comprovações lógicas da existência; portanto, a verdadeira sabedoria é a sabedoria cristã.”
(WAYNE, Morrison. Filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 68).
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Roma foi saqueada por Alarico e os visigodos em 410, pouco tempo depois de o cristianismo ter sido
adotado como religião oficial do Império Romano. A crítica da época entendia que o abandono aos
antigos deuses romanos foi a causa do acontecimento. Profundamente irritado com os argumentos pagãos,
Agostinho vem a escrever “A Cidade de Deus” e, num esforço racionalizador, criar uma teoria historicista
cristã capaz de arrefecer a natureza daqueles argumentos. Para ele, os invasores (e todos os demais que
atuassem na conjuntura histórica contra as premissas divinas) seriam devidamente castigados por Deus.
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