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LIVRO 2

Corpo, T ra balho e Edu cação

Emerson Duarte Monte


Higson Rodrigues Coelho
Organizadores

RessignificaЯ / UEPA
Belém - PA / 2017
1
Corpo, Trabalho e Educação

© Todos os direitos reservados ao Grupo de Pesquisa RessignificaЯ.

Este livro ou parte dele pode ser reproduzido por


qualquer meio mantida a fonte de origem.

A responsabilidade pelas opiniões expressas nos


capítulos é exclusivamente incumbida aos autores assinantes.

Coleção Formação e Produção em Educação


Diretora da Coleção: Marta Genú Soares
Coordenação Acadêmica do Livro 2: Marta Genú Soares
Organizadores do Livro 2: Emerson Duarte Monte e Higson Rodrigues Coelho
Ilustração e Editoração: Emerson Duarte Monte
Revisão do Inglês: Carla Loyana Dias Teixeira
Comitê Científico:
Prof. Dr. Allyson Carvalho de Araújo (UFRN)
Prof. Dr. André Rodrigues Guimarães (UNIFAP)
Prof.ª Dr.ª Eugenia Trigo Aza (IISABER/ES)
Prof.ª Dr.ª Ilma Pastana Ferreira (UEPA)
Prof.ª Ma. Ivana Lúcia Silva (IFRN)
Prof.ª Dr.ª Joelma Cristina Parente Monteiro Alencar (UEPA)
Prof.ª Dr.ª Mirleide Chaar Bahia (UFPA)

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)


Sistema de Bibliotecas da UEPA / SIBIUEPA

P 963
Corpo, trabalho e educação / Emerson Duarte Monte e Higson Rodrigues
Coelho (Organizadores). Belém, PA: Centro de Ciências Sociais e Educação da
Universidade do Estado do Pará, 2017.
269 p.: Formato Digital. (Coleção Formação e Produção em Educação,
dirigida por Marta Genú Soares; n. 2).
Vários autores
ISBN Digital: 978-85-98249-29-2
1. EDUCAÇÃO FÍSICA – pesquisa. 2. EDUCAÇÃO FÍSICA – estudo e
ensino. 3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES. 4. DANÇA. 5. ACADEMIAS
DE GINÁSTICA. 6. PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA. I. Monte,
Emerson Duarte. II. Coelho, Higson Rodrigues. III. Série.

CDD 22. ed. 613.7072

Contato: Universidade do Estado do Pará | Campus III


Avenida João Paulo II, 817, Sala NUPEP | RessignificaЯ
Bairro: Marco | CEP: 66.095-049 | Belém - Pará
E-mail: gressignificar@gmail.com | martagenu@gmail.com | emerson@uepa.br
2
SUMÁRIO

Apresentação 5
Emerson Duarte Monte e Higson Rodrigues Coelho

1 Trabalho e produção de conhecimento no campo da Educação Física e a


9
relação epistêmica entre corpo e práticas corporais
Meriane Conceição Paiva Abreu
Carla Loyana Dias Teixeira
Marta Genú Soares

2 Educação Física no ensino médio e a formação de corpos para o consumo 19


Amanda Nascimento Modesto
Rayanne Mesquita Estumano
Vera Solange Pires Gomes de Sousa

3 A céu aberto: linguagem do corpo e trabalho como resistência na


31
Amazônia paraense
Emerson Duarte Monte
Giselle dos Santos Ribeiro
Rogério Gonçalves de Freitas
Marta Genú Soares

4 Falando sobre educação sexual nas aulas de Educação Física


49
em Altamira (PA)
Laíne Rocha Moreira
Pauline Valente de Souza

5 Trabalho docente na rede pública estadual de Alagoas: interfaces entre a


71
precarização e as dinâmicas biopolíticas
Geisa Carla Gonçalves Ferreira
Elione Maria Nogueira Diógenes

6 Condições e relações de trabalho dos professores de Educação Física nas


93
academias de ginástica de Belém (PA)
Fábio Amador da Cruz
Emerson Duarte Monte

7 O trabalho docente e as práticas educativas dos professores de Educação


115
Física da região Xingu: uma análise à luz do multi / interculturalismo
Laíne Rocha Moreira
Larici Keli Rocha Moreira
Marta Genú Soares

3
Corpo, Trabalho e Educação

8 A prática social como pressuposto crítico à formação / competência para a


139
intervenção do professor de Educação Física em saúde pública
Manoel do Espírito Santo Silva Júnior

9 O conteúdo de dança na Educação Física escolar: uma intervenção para a


161
formação crítica no ensino médio
Márcia Freire de Oliveira
Roberta Oliveira da Costa

10 O conteúdo lutas na formação de professores de Educação Física no


179
CEDF/UEPA para a intervenção no ensino escolar
Bruno Luiz Diniz Santa Brigida
Emerson Duarte Monte

11 As lutas como técnicas corporais e as contribuições para o ensino na


Educação Física escolar 205

José Pereira de Melo


Rodolfo Pio Gomes da Silva

12 Políticas públicas e educação: formação, profissionalização e intervenção


227
de professores de Educação Física em um país tupiniquim
Paulo Roberto Veloso Ventura
Rodrigo Roncato Marques Anes

13 A Base Nacional Comum Curricular e a Educação Física: alguns


249
apontamentos críticos
Marcos Renan Freitas de Oliveira
Marcely Pricila Rosa da Silva
Amanda Batista da Cruz

4
APRESENTAÇÃO

Eu invento tudo na
minha pintura. E o
que eu vi ou senti,
eu estilizo.
Tarsila do Amaral (1972)

A maturidade alcançada pelo Grupo de Pesquisa RessignificaЯ, no ano de


2017, revela a capacidade criativa desenvolvida ao longo de dez anos na ação
artesanal de formação de jovens pesquisadores no interior da Amazônia brasileira.
Nesse ato criativo, a necessidade de nutrir os novos a partir do acúmulo histórico dos
veteranos revela a transmissão/assimilação do que foi vivido e sentido.
O trajeto até aqui percorrido demonstrou que, para se manter erguido ante as
pressões destrutivas da ordem irracional do capital, é necessário ousadia para
ressignificar o real. Isso só tem sido possível por acreditar que há uma saída para a
libertação da humanidade e que, no interior das contradições do cotidiano da luta de
classes, intervimos nesse cotidiano com as ferramentas mais qualificadas, nos
campos teórico e prático.
Dessa forma, criamos as nossas fundações, com absoluta rigorosidade e
solidez, para sustentar os nossos projetos de formação e de prática pedagógica no
campo da Educação Física. A partir disso, inventamos novas bases para guiar a ação
dos professores e das professoras em seus cotidianos nos distintos campos de
trabalho que a Educação Física alcançou. Por isso, compartilhamos do sentimento
que impulsionou o Movimento Modernista da década de 1920, no Brasil, ao
abandonar as formas tradicionais no campo da arte e criar novas bases para
estabelecer novo marco no desenvolvimento artístico nacional, com autonomia e
identidade.

5
Corpo, Trabalho e Educação

Obra: Operários. Autora: Tarsila do Amaral (1886-1973).


Local: Acervo do Governo do Estado de São Paulo. Ano: 1933.
Técnica: Óleo sobre tela. Tamanho: 150 x 205cm. Movimento: Modernismo.

A tela que ilustra no Livro 2 do Grupo de Pesquisa RessignificaЯ, configura-


se como a expressão da atual época histórica em que nos inserimos. E é,
precisamente, sobre essa época que intervimos, nos espaços quadráticos do sistema
nacional de ensino, ao passar pela formação inicial dos seres humanos nas quadras
das escolas, ou ao iniciar a formação das valências superiores nas universidades,
relacionamo-nos com os filhos da classe trabalhadora que é, pelos fatos históricos da
sociedade brasileira, multifacetada.
O grupo carrega consigo os intelectuais, contudo são oriundos da própria
classe dos trabalhadores, em suas diversas formas de realizar trabalho. Esses
intelectuais assumem, pelo despertar de determinada consciência de classe, o projeto
histórico dos oprimidos nas relações espúrias da produção e reprodução da vida
material em bases capitalistas. Ao fazer isso, os intelectuais orgânicos da classe dos
trabalhadores se misturam ao conjunto da classe multifacetada e vivenciam as
condições de vida e de exploração do conjunto da classe; nas fábricas ou nas escolas,
no comércio ou nas unidades básicas de saúde.

6
Tarsila do Amaral ao criar “Operários” retratou o início do processo de
industrialização nacional, com seu conjunto de fábricas e escritórios, demarcados
pelas chaminés cinzentas e pelos prédios austeros. Dessas fábricas cinzentas nasce a
classe operária que, no seu conjunto, é composta pelo povo oprimido pela burguesia
nacional e internacional. De imediato, pela configuração fotográfica identitária dos
51 sujeitos retratados na tela, eles são diferentes, contudo, de fundo, os rostos
ausentes de corpos revelam a uniformização que o modelo fabril criou e que, por
longos anos, o sistema educacional incorporou. Além disso, os semblantes que aí se
veem estão saturados de seriedade, preocupados com o peso da carga de trabalho;
desfilam cansaço e tristeza nos olhares vazios; por fim, não se expressam as
profissões, mas sim como massa única de trabalhadores, como mera força de
trabalho, como mercadoria que vende a sua força de trabalho e, portanto, vende o
tempo de trabalho – quantidade e não qualidade.
Este Livro 2, que se configura como parte da Coleção Formação e Produção
em Educação, congrega 14 capítulos, produto de ensaios, pesquisas finais de
formação inicial e continuada, com e sem financiamento, demarcadores do lócus de
investigação e de intervenção dos membros do Grupo de Pesquisa RessignificaЯ e
demais pesquisadores, assim como dos pesquisadores que se inserem nas demais
regiões do Brasil em constante diálogo com o grupo de pesquisa.
Expressa, dessa forma, a produção sobre Corpo, Trabalho e Educação, de
modo profundo em cada tema, assim como em articulação entre os temas. Percorre o
espaço escolar ao desvendar a articulação entre a sociedade e os conteúdos do
ensino, quer seja no consumo da estética corporal ou no necessário debate sobre
sexualidade, objeto de grande polêmica na luta contra a lgbtfobia impulsionada por
posições dogmáticas. Caminha, ainda, pela ação docente, em distintos campos de
trabalho, ao investigar as condições de trabalho e os conteúdos desenvolvidos pelos
professores de Educação Física. E finda com exposições centradas nos processos
educativos, no trato com os conhecimentos da área, na necessária atualização das
Teorias Pedagógicas da Educação Física e na política nacional para a formação e a
intervenção, desde a educação básica até a educação superior.
Portanto, este livro se apresenta como ferramenta teórica nos marcos da
produção do conhecimento em Educação Física que resiste à reprodução do velho e

7
Corpo, Trabalho e Educação

que se propõe a ampliar a articulação entre os intelectuais da classe e os demais


indivíduos dela que, mesmo com a fisionomia cansada, ainda lutam em busca da
felicidade. Na atual conjuntura de golpe parlamentar que se vive no Brasil, com
massivo sequestro dos direitos da classe trabalhadora, o Grupo de Pesquisa
RessignificaЯ e demais pesquisadores tornam público a sua produção com o objetivo
de realizar o diálogo com aqueles que querem continuar a “modernizar” a produção
do conhecimento na área da Educação Física.

Belém - Cidade das Mangueiras, Pará, Amazônia, Brasil / 2017


Emerson Monte e Higson Coelho

8
Corpo, Trabalho e Educação

Trabalho e produção de conhecimento no campo da Educação Física e a


relação epistêmica entre corpo e práticas corporais

Meriane Conceição Paiva Abreu (SEDUC/PA) 1


Carla Loyana Dias Teixeira (UEPA) 2
Marta Genú Soares (UEPA) 3

Resumo: O estudo problematiza a constituição do campo da educação física, a partir da


produção dos docentes das Instituições de Ensino Superior Públicas, no Pará.
Metodologicamente, pauta a Teoria Praxiológica, de Pierre Bourdieu, na qual há uma
dialética entre as estruturas e os agentes (instituições e indivíduos). Analisa as produções dos
professores vinculados profissionalmente aos cursos de educação física das Instituições de
Ensino Superior Públicas do Pará, que discutiram campo e currículo na educação física. Para
a análise dos dados, adota a análise do discurso, recortando dos textos os discursos de
concepção de educação física, objeto de estudo e conhecimentos considerados específicos do
campo. Conclui que o campo da educação física, nas Instituições de Ensino Superior
Públicas do Pará, está constituído pela docência como identidade epistemológica da
educação física.
Palavras-chave: Educação Física. Trabalho Docente. Produção do Conhecimento.

INTRODUÇÃO

O estudo é parte de uma investigação dissertativa e usa os descritores campo


e currículo, para analisar no trabalho de produção do conhecimento dos professores
vinculados às Instituições de Ensino Superior Públicas no Estado do Pará, sobre a
sustentação epistemológica na formação inicial do Curso de Educação Física.
Com os nomes de todos os docentes disponibilizados na página do curso foi
realizada busca em seus currículos lattes, observando que, com as características
mencionadas, apenas quatro trabalhos foram apresentados, sendo uma tese e três
dissertações.
Nos estudos destacados, utilizou-se o discurso escrito, analisando nos
recortes textuais, a concepção de educação física, o objeto de estudo e os
conhecimentos considerados específicos do campo, a fim de compreender a
constituição do campo da educação física.

1
Mestra em Educação, Secretaria de Estado de Educação/Pará.
E-mail: meri_black@hotmail.com
2
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: loyanateixeira@gmail.com
3
Doutora em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: martagenu@gmail.com

9
Corpo, Trabalho e Educação

Para tanto, pautou-se na Teoria Praxiológica, de Pierre Bourdieu, na qual há


uma dialética entre as estruturas e os agentes (indivíduos e instituições), sendo que
para este estudo, procurou-se destacar os agentes indivíduos da relação, que se
materializam nas produções dos professores vinculados profissionalmente aos cursos
de educação física, das agências formadoras públicas, no Pará (Universidade Federal
do Pará e Universidade do Estado do Pará).
Problematiza o que os professores mencionados, que discutiram campo e
currículo em seus estudos, compreendem como educação física, objeto de estudo e
os conhecimentos específicos do campo.
O objetivo se baliza na análise dos dados, para compreender a constituição
do campo da educação física para estes agentes, que trabalham nos cursos de
educação física no Pará.
Analisa-se que a importância do estudo, versa sobre a compreensão destes
agentes sobre o campo da educação física, tratando-o na formação inicial, com os
futuros professores.

PRODUÇÃO DOCENTE COMO TRABALHO

Reunidos por vínculo institucional e de defesa de estudo, as produções


analisadas versam, de maneira geral, sobre a formação do professor, como ocupação
do trabalho docente. Os autores aqui apresentados têm tomado como objeto de
estudo as temáticas sobre formação de professores de Educação Física e que
merecem análise epistêmica frente ao desempenho do trabalho docente, quanto à
apropriação e produção do conhecimento e a prática pedagógica, pois perpassa pelo
conhecimento do próprio campo que tratam.
Nesta perspectiva, compreende-se que a produção do conhecimento, como
materialidade de parte do trabalho docente, possibilita a análise do campo, neste
caso, da educação física, para realizar os nexos necessários à formação e intervenção
docente.
Como temáticas do campo, o corpo e as práticas corporais, em relação,
passam a ser objetos de análise nestas produções, caracterizando o campo da
educação física epistemologicamente.

10
Corpo, Trabalho e Educação

Na Universidade Federal do Pará (UFPA), o estudo dissertativo de Aranha


(2011), intitulado “Currículos de formação de professores de educação física no
Estado do Pará: conteúdos curriculares, concepções pedagógicas e modelos de
profissionalidade”, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do
Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará
(PPGED/ICED/UFPA), na área de concentração “Currículo e formação de
Professores”, trouxe como objeto de estudo “[...] as propostas curriculares adotadas
pelos cursos de Formação de Professores de Educação Física do Estado do Pará,
implantadas na década de 2000” (ARANHA, 2011, p. 22), partindo do seguinte
problema: “Que concepções de Educação Física e modelo de profissionalidade
docente orientam os currículos prescritos adotados pelos cursos de licenciatura
em Educação Física?” (Ibid., p. 33).
Com o objetivo de “[...] analisar as concepções de Educação Física e os
modelos de profissionalidade docentes que orientam os currículos prescritos
adotados pelos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Pará”
(ARANHA, 2011, p. 34), o autor procurou tratar, pela análise de conteúdo e pautado
no materialismo histórico e dialético, as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Física (Resolução do Conselho Nacional de Educação n. 07, de 31
de março de 2004) e os Projeto Político-Pedagógicos de seis cursos de educação
física – UFPA, campi Belém-PA (2006) e Castanhal (em vigor desde 2000); UEPA,
Belém-PA (2008, que é lançado em 2007); Escola Superior da Amazônia
(ESAMAZ); Escola Superior Madre Celeste (ESMAC); Centro Universitário
Luterano de Santarém (CEULS-ULBRA) (2007), respectivamente, buscando
analisar os conteúdos curriculares, as concepções pedagógicas e os modelos de
profissionalidade nestes documentos.
Como o estudo não mencionou diretamente as categorias eleitas, trabalhou-
se com o subentendido, que considera o contexto, conforme Orlandi (2005). Desta
forma, destaca-se no contexto trazido no texto, que o estudo defende, como
concepção da EF, a prática pedagógica, balizada na cultura corporal, como objeto,
denotando os jogos, os esportes, as ginásticas, as lutas, as danças, como
conhecimentos específicos da EF, a partir da concepção crítico-superadora, de base
marxista, socialista e humanista, referendada em Soares et al. (1992).

11
Corpo, Trabalho e Educação

A tese de Nassar (2013), “A identidade profissional dos professores do curso


de licenciatura em educação física da Universidade Federal do Pará”, apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Educação, do Instituto de Ciências da Educação da
Universidade Federal do Pará (PPGED/ICED/UFPA), na área de concentração
“Currículo, epistemologia e história”, trouxe, como tese central, que a educação
física não tem “[...] um objeto de estudo próprio que sustente uma identidade
profissional [...]” (Ibid., p. 21).
Partindo de uma base fenomenológica, o autor se posiciona na defesa da
Motricidade Humana e na Ciência do Desporto, de Manuel Sérgio. Traz como
problema “Qual (is) identidade (s) profissional (is) os professores do magistério
superior de Castanhal/Pará, assumem no curso de EF? Qual (is) identidade (s)
profissional (is) o curso de EF de Castanhal/Pará, busca forjar nos seus futuros
egressos?” (Ibid., p. 23), e como objetivo, “Analisar a (s) identidade (s) profissional
(is) que os professores do magistério superior de Castanhal/Pará assumem no curso
de EF” (Ibid., p. 24).
Quanto às categorias eleitas, o autor apresenta nas entrelinhas que a
educação física é uma ciência, teoria e prática, balizada epistemologicamente na
Motricidade Humana, trazendo como objeto de estudo, o movimento humano.
Nada é dito sobre os conhecimentos específicos da área, porém, subentende-
se os jogos, os esportes, as lutas, as danças e as ginásticas.
Brito Neto (2009), em dissertação intitulada “O impacto das Diretrizes
Curriculares Nacionais nos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos de graduação
em educação física do Estado do Pará”, realizada no Programa de Pós-Graduação
em Educação, do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado
do Pará (PPGED/CCSE/UEPA), na linha de “Formação de Professores”, traz como
pergunta quais as contradições, antagonismos e ressignificações apresentadas no
processo de mediação das orientações das DCN nos PPP dos cursos superiores de
EF no estado do Pará, “[...] no que se refere à concepção de Educação Física, de
Formação e de Perfil Acadêmico- Profissional?” (Ibid., p. 20).
O estudo de Brito Neto (2009), balizado no materialismo histórico e
dialético, não diz, de maneira direta, a concepção de educação física, o objeto de
estudo e os conhecimentos considerados próprios, porém pressupõe que a docência é

12
Corpo, Trabalho e Educação

a identidade epistemológica da educação física, que o objeto de estudo é a cultura


corporal e os conhecimentos específicos são os jogos, esportes, lutas, danças e
ginásticas.
O estudo dissertativo de Aguiar (2009) “Análise do processo de
reformulação do projeto político pedagógico do curso de educação física da UEPA:
ação regulatória e emancipatória, realizada no Programa de Pós-Graduação em
Educação, do Centro de Ciências Sociais e Educação da Universidade do Estado do
Pará (PPGED/CCSE/UEPA), na linha de “Formação de Professores”, traz como
problema o que faz com que o processo de reformulação do PPP/CEDF/UEPA traga
possibilidades emancipatórias ou regulatórias?
O objetivo do estudo de Aguiar (2009) versa sobre a investigação,
compreensão e análise do processo de reformulação, buscando “[...] elucidar a
organização dos sujeitos, os diálogos estabelecidos e os principais obstáculos
identificados no processo, fatores estes que consequentemente influenciarão na
materialização do produto final” (Ibid., p. 16-17).
Não são ditas de forma direta, a concepção de educação física, o objeto de
estudo e os conhecimentos considerados próprios do campo. Entretanto, nas
entrelinhas do discurso, o estudo apresenta que a educação física é uma prática
pedagógica, pois a identidade do campo está na docência, a partir da licenciatura
ampliada.
Pressupõe-se que o objeto de conhecimento da educação física é a cultura
corporal, sendo os conhecimentos específicos os jogos, os esportes, as lutas, as
danças e as ginásticas.

RELAÇÃO EPISTÊMICA ENTRE CORPO E PRÁTICAS CORPORAIS NO CAMPO DA


EDUCAÇÃO FÍSICA

Ao interpretar Bourdieu (1989), pode-se dizer que um campo possui


características próprias, em que se trava um jogo de relações entre as estruturas e os
agentes. Aquelas imprimem força aos agentes, porém estes também se movimentam
diferentemente no campo, interferindo nas estruturas.
Os agentes assumem distintas posições no campo, decorrentes do acúmulo e

13
Corpo, Trabalho e Educação

do tipo de certo capital cultural, fazendo-os agir de maneira mantenedora das


estruturas ou subversivas.
As produções estudadas, nas duas Instituições de Ensino Superior Públicas
no Pará apresentam capital cultural, dotando o campo de características
constitutivas, e os agentes, da possibilidade concreta de obter este capital, para se
moverem por estratégias subversivas das estruturas ou mantenedoras.
Compreende-se que a produção do conhecimento, como produto de parte do
trabalho docente reflete essas posições dos agentes, pois de acordo com Saviani
(2007), há uma relação entre educação e trabalho, sendo esta uma relação histórica –
processo produzido e desenvolvido pela ação do homem –, e ontológica – o produto
da ação dos homens é o próprio ser dos homens, mas, também uma relação que
identifica o homem e fundamenta suas ações.
Para o autor, o desenvolvimento da sociedade de classes e a apropriação
privada da terra conferem a separação entre trabalho e educação, que foi
aprofundada com o desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Portanto, o campo da educação física precisa ser analisado no âmbito desta
sociedade de classes, que têm o mercado e o capital como fundamentos, para
compreender seu funcionamento e força envidada ao campo, a fim de restabelecer os
nexos e os sentidos entre trabalho e educação e, como orienta Mészáros (2005),
superar o controle do capital.
No campo da educação física, há agentes que buscam subverter a ordem,
indo contra as estruturas, e aqueles, que mesmo sem a intenção, estão mantendo as
estruturas.
Assim sendo, as categorias corpo e práticas corporais, que constituem o
campo da educação física, precisam ser problematizadas nestas relações entre
estruturas e agentes, que consideram a sociedade atual, a fim de ir além.
Para compreender essas relações, foram analisados os discursos sobre
concepção de educação física, seu objeto e os conhecimentos considerados
específicos, nas produções dos agentes vinculados profissionalmente aos cursos de
formação inicial em educação física, no Pará, e aqui produziram sobre campo e
currículo.
Compreender essas relações, também permite a análise da própria formação

14
Corpo, Trabalho e Educação

e intervenção do professor, pois este deixa suas impressões nos textos, expressando
que tipo de formação procura conferir em seu trabalho.
Ao analisar cada produção, a partir das categorias eleitas, compreende-se
que as dissertações de Aranha (2011), de Brito Neto (2009) e Aguiar (2009), trazem
elementos em comum.
Na base teórica do conhecimento, estes estudos são balizados no
materialismo histórico e dialético. De acordo com Marx apud Mészáros (2005), a
teoria por si só não basta, mas deve dialetizar com a realidade.
Nas produções analisadas, compreende-se que as dissertações mencionadas
buscam essa relação dialética entre seus objetos e a realidade, problematizando e
analisando as contradições, as forças convergentes e divergentes, nesta totalidade.
Isto significa, subverter as estruturas, ou como se pode interpretar em Mészáros
(2005), é uma maneira de contrainteriorização, pois as questiona em suas ações e
interesses, não se contentando em entender a realidade (acumular conhecimento),
mas em explicá-la (confrontar, contrainteriorizar).
Isto já remete a interpretar, que os recortes realizados nestes textos
dissertativos, embora sem apresentarem de forma direta as categorias eleitas,
buscam dialetizar com a realidade, com a sociedade, e é nesta interpretação, que são
compreendidos os sentidos epistêmicos entre corpo e práticas corporais.
Demonstram que para além das estruturas, as categorias corpo e práticas
corporais, constituintes do campo da educação física, não podem ser entendidos,
mas explicados, e é nesta conduta analítica, que também se compreende o sentido de
formação e intervenção docente, nas dissertações de Aranha (2011), Brito Neto
(2009) e Aguiar (2009), buscando confrontar e superar as estruturas.
Essa análise também se fundamenta no esforço dos intelectuais orgânicos,
que vêm historicamente se contrapondo ao poder das estruturas, que figuram no
sistema dos Conselho Federal de Educação Física/Conselhos Regionais de Educação
Física (CONFEF/CREF), o qual busca um campo formativo e de trabalho
fragmentado, entre o licenciado e o bacharel, ou seja, para o Conselho, a educação
física possui distintas identidades e isso se manifesta tanto na formação e no
trabalho do professor, que para o sistema deve se restringir ao âmbito escolar, e do
profissional, que deve alcançar os outros espaços de atuação da educação física.

15
Corpo, Trabalho e Educação

Esse olhar e postura fragmentada em relação à educação física, dificulta a


formação unificada e o sentido de trabalho, como princípio educativo, interferindo
na própria constituição do campo. Entretanto, os intelectuais orgânicos rejeitam essa
ação, fundamentando-se teórica, ontológica, metodológica e epistemologicamente na
docência como identidade do campo da educação física, e, portanto, agindo
subversivamente face às estruturas.
A tese de Nassar (2013), diz que a educação física é uma ciência, teoria e
prática, fundamentada na Motricidade Humana, na qual o objeto é o movimento
humano, e que a educação física não tem um objeto de estudo próprio que sustente
uma identidade profissional.
Neste sentido, o autor acaba por produzir um discurso que se encontra ao
que é dirigido pelas estruturas, pois estas partem de uma base epistêmica do
movimento humano, que para os intelectuais orgânicos é um fundamento idealista,
que retira os nexos entre o campo e a realidade.
Neste sentido, não problematiza, por exemplo, a postura estrutural do
sistema CONFEF/CREF, que interfere na compreensão e ação do campo da
educação física e de seu capital cultural. Em sua página, o Conselho cita categorias
corpo e saúde, mas não os problematiza diante da sociedade capitalista, dos desafios
impostos pelo capital, romantizando os termos, imprimindo-lhes visão acrítica e
ahistórica.
Por essa razão, os intelectuais insistem em questionar as estruturas, para
compreender e enfrentar seus desvios discursivos e ideológicos, sendo que para eles
a ideia de movimento humano, pautada em base fenomenológica, não tem
conseguido tal feito.

CONCLUSÃO

Como parte de um estudo dissertativo, o referente texto versou sobre a


análise do campo da educação física, a partir da produção dos professores
vinculados profissionalmente aos cursos de formação em educação física, e que
produziram sobre campo e currículo nas Instituições de Ensino Superior Públicas, no
Pará. Estes sujeitos são fundamentais ao estudo, pois são estes que vêm

16
Corpo, Trabalho e Educação

movimentando esta discussão no Pará.


Para além de compreender essas categorias analíticas, o texto possibilitou a
compreensão da produção do conhecimento como parte do trabalho do professor, do
sentido de formação que envidam, a partir de seus estudos, e o significado que
denotam ao corpo e às práticas corporais. Isso foi possível, pelos recortes
discursivos realizados nos textos integrantes da pesquisa.
Analisa-se que ainda há divergências nos estudos, não apenas nos sentidos
de educação física e no objeto de estudo, no significado de corpo e práticas
corporais, bem como na teoria do conhecimento que os estudos adotam para pensar
o campo da educação física.
Consequentemente, essas posturas divergentes, embora também apresentem
regularidades, como nos conhecimentos considerados específicos, interferem no
sentido epistemológico do campo, e no sentido de formação e trabalho docente, o
que possibilita a ação oportunista e enviesada das estruturas nesses sentidos.
Embora a maioria dos estudos denote a docência como identidade da
educação física e fundamente este sentido, é necessário continuar resistindo. Para
enfrentar e superar as estruturas, rompendo com suas forças, discussões e estudos
precisam ser permanentes e coletivos, adotados como tarefa política.

Work and knowledge production in the physical education field and the epistemic relation
between body and corporal practices

Abstract: The study problematizes the formation of the physical education field, from the
production of the professors of Public Higher Education Institutions in Pará.
Methodologically, it uses Pierre Bourdieu's Praxeological Theory, in which there is a
dialectic between structures and agents (institutions and individuals). It analyzes the
production of the professors who are professionally linked to physical education courses
from Public Higher Education Institutions of Pará and that discussed field and curriculum in
Physical Education. For data analysis, it adopts the discourse analysis, cutting from texts the
discourses about the concepts of physical education, the object of study and the knowledge
considered specific to the field. It concludes the Physical Education field, in Public Higher
Education Institutions of Pará, is constituted by teaching as an epistemological identity of
physical education.
Keywords: Physical Education. Teaching Work. Knowledge Production.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Eliane do Socorro de Sousa. Análise do processo de reformulação do projeto


político pedagógico do curso de educação física da UEPA: ação regulatória e emancipatória.

17
Corpo, Trabalho e Educação

2009. 102 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Ciências Sociais e Educação,


Universidade do Estado do Pará, Belém, PA, 2009.

ARANHA, Otávio Luiz Pinheiro. Currículos de formação de professores de educação física


no Estado do Pará: conteúdos curriculares, concepções pedagógicas e modelos de
profissionalidade. 2011. 270 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Instituto de Ciências
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SOARES, Carmen Lúcia et al. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo:
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18
Corpo, Trabalho e Educação

Educação Física no ensino médio e a formação de corpos para o consumo

Amanda Nascimento Modesto (UEPA) 4


Rayanne Mesquita Estumano (UEPA) 5
Vera Solange Pires Gomes de Sousa (UEPA) 6

Resumo: O estudo tem por objetivo analisar o processo de formação de corpos para o
consumo relacionado à educação física no ensino médio. A metodologia é um estudo de
caso. A coleta de dados se deu por meio de observação e de entrevistas com 20 estudantes do
ensino médio, divididos em 10 estudantes do 2° ano e 10 estudantes do 3° ano do Colégio
Estadual Paes de Carvalho, em Belém (PA). A conclusão do estudo demonstra como a
educação física ainda é objeto do capital e do mercado de trabalho, relação que se dá com a
ausência de ações pedagógicas fundamentadas na cultura corporal.
Palavras-chave: Educação Física. Corpo. Trabalho.

INTRODUÇÃO

No contexto em que se encontra a educação brasileira, frente ao novo


modelo de Ensino Médio, por volta dos 15 anos, os jovens do país são obrigados a
decidir seus objetivos profissionais, sendo cada vez mais cedo condicionados a
valorizar o mercado de trabalho, assim como o retorno financeiro frente a
experiência e vivência pura do conhecimento, bem como a manifestação de suas
características expressivas, emotivas, criativas, etc.
Num modelo de imposição de políticas educacionais que vai se constituindo
numa ditadura do poder invisível e se fortalece a partir da secção dos sujeitos ativos,
atuantes e militantes na sociedade, isso retira do jovem o seu protagonismo. Pode-se
observar a atuação deste poder na recente Reforma do Ensino Médio, que se
estabelece sem ouvir a classe estudantil, mesmo com todos os movimentos de
ocupação que ocorreram no segundo semestre de 2016.
O Estado utiliza-se do sistema de Educação para propagar seus interesses,
bem como atender as demandas do Capital. Por meio de um modelo educacional que
direciona o estudante para apenas desempenhar o seu papel no Mercado,
fragmentando a formação em áreas formativas e valorizando o Ensino Técnico em
4
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: anmodesto53@gmail.com
5
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: rayestumano@hotmail.com
6
Mestra em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: soldurui@hotmail.com

19
Corpo, Trabalho e Educação

detrimento da formação em nível superior. É nesse contexto que a Educação Física


Escolar, como disciplina curricular importante no processo de formação global do
sujeito histórico, avançando nos princípio da inclusão, as dimensões dos seus
conteúdos e os temas transversais (DARIDO et al., 2001, p. 6) ainda é posta como
ferramenta de formação de corpos para atender as demandas do Estado e do
Mercado.
A disciplina, apesar de mantida na Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) no ensino fundamental e ainda em suspensão no ensino médio, é abordada
a partir de um olhar que descaracteriza toda a luta por uma Educação Libertadora,
vindo de encontro a todo o movimento histórico da área que busca o fim da
Educação Física como mera reprodutora de movimento, a política do aprender a
aprender, a disciplina do esporte, do simples “dar a bola”. Soares (1996, p. 11)
afirma que a aula de Educação Física é “[...] um lugar de aprender coisas e não
apenas o lugar onde àqueles que dominam técnicas rudimentares de um determinado
esporte vão ‘praticar’ o que já sabem, enquanto aqueles que não sabem continuam
no mesmo lugar”.

METODOLOGIA

A metodologia se constitui em um estudo de caso, que consiste no estudo


profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e
detalhado conhecimento Gil (2008). Como sujeitos da pesquisa, foram selecionados
10 estudantes do 2° ano e 10 estudantes do 3° ano do Colégio Estadual Paes de
Carvalho, em Belém do Pará, e como critério de inclusão na pesquisa: aceitar a
participar da entrevista, ter frequência nas aulas e participar das atividades propostas
pelo professor.
Seguindo o enfoque do materialismo histórico e dialético, fundamentadas
nas palavras de Gil (2008), causas últimas de todas as modificações sociais e das
subversões políticas devem ser procuradas não na cabeça dos indivíduos, mas na
transformação dos modos de produção e de seus intercâmbios.
A coleta de dados se deu ocorreu por meio de entrevistas, e a análise de
dados se deu pela triangulação das entrevistas, fundamentação teórica e observação

20
Corpo, Trabalho e Educação

(MARCONI; LAKATOS, 2007, p. 94). Observação está que teve duração de três
meses, no período de agosto a novembro de 2016, com frequência de uma vez na
semana com duração de 4 horas no decorrer da disciplina Estágio Curricular
Supervisionado II que se encontra na grade curricular do Curso de Educação Física
da Universidade do Estado do Pará (CEDF/UEPA).

EDUCAÇÃO FÍSICA DO CORPO CONSUMIDO, CONSUMADO E CONSUMIDOR

Nas entrelinhas da década de 1980 a Educação Física enfrentava sua crise de


identidade, assim, discutiu-se qual seria o papel da Educação Física na Educação,
bem como o seu objeto de estudo. Diversos autores se reuniram para pensar essa
problemática. Em Soares et al. (1992, p. 41), conclui-se que “A Educação Física é
uma disciplina que trata, pedagogicamente, na escola, do conhecimento de uma área
denominada de Cultura Corporal” sendo, portando, a Cultura Corporal objeto de
estudo da Educação Física, pautada no estudo das diversas práticas corporais,
compreendidas no campo das danças, das lutas, dos jogos, da Capoeira, das
ginásticas e dos esportes.
Portanto, a Educação Física busca seu reconhecimento pela sua essência, ou
seja, como disciplina curricular responsável por atender o instrumento mais íntimo
do ser humano: o corpo; e se mostra como importante ferramenta de construção
social e de promoção de saúde. Contudo, a Educação Física que pensa o movimento
e problematiza seus conteúdos e práticas, o sistema a conduz de volta as suas
tendências tecnicistas.
E assim, a Educação Física perde seu caráter emancipador e retorna ao seu
papel de proporcionar ao Estado corpos sadios para o trabalho, atletas para os
espetáculos esportivos, e até mesmo para a falsa aparência de uma melhor
“qualidade de vida” para as populações mais desfavorecidas, utilizando desse
mecanismo para garantir o controle da massa, pois, negar o corpo, negar o
movimento, enfim, negar a Cultura Corporal é retirar do ser humano aquilo que lhe
compõem em totalidade, ou seja, tornar os sujeitos meros espectadores,
consumidores da realidade que lhes é vendida.
Freire (1982, p. 117) destaca que a educação popular é verdadeiramente

21
Corpo, Trabalho e Educação

libertadora, e se constrói a partir de uma educação problematizadora, alicerçada em


perguntas provocadoras com novas respostas, no diálogo crítico, libertador e na
tomada de consciência de sua condição existencial. No entanto, o que se encontra no
Ensino Médio é o retrato da Educação que se preocupa com as questões estéticas;
neste sentido, o estudante é apenas um produto a ser consumido, consumado nas
aprovações em exames de vestibular, consumidor ativo de sua realidade.
E a realidade da Educação Física, nesse contexto, é uma linha tênue entre
saúde e beleza, assim como entre o sedentarismo e o consumismo, ao mesmo tempo
paradoxos e sinônimos. O capitalismo desenfreado faz da educação o consumo, e
com isso os professores de Educação Física na escola são desafiados a enfrentar as
mídias e garantir a formação de cidadãos (OLIVEIRA; DELCONTI, 2010). Quando
o desafio vence, a Educação Física se torna ferramenta do capitalismo, vendendo a
imagem do corpo belo, sadio, apto ao trabalho, do mercado fitness, do estudante
mecânico. Desta forma, volta-se a reforçar a valorização do trabalho manual em
detrimento do intelectual, como se o ser fosse realmente dual, e “corpo e mente”
como duas unidades autônomas.
Com a manutenção desta dicotomia, afastam-se os estudantes do caminho
do autoconhecimento da sensibilidade e, portanto do protagonismo social que lhes é
de direito. É dessa forma que a Educação Física da moda fitness e hábitos saudáveis
mantém o plano econômico e social para a formação do cidadão trabalhador, o
consumo e a manifestação corporal passam a ser efetivos, o que justifica toda a
propaganda e iniciativas governamentais e do setor privado.
Com isso é possível compreender como a Educação Física, tão
negligenciada na Educação Básica, é ferramenta do poder invisível do Estado, pois,
de acordo com o pensamento de Foucault, algumas práticas corporais são
extremamente libertadoras, o que leva a sociedade a exercer um controle rigoroso
sobre a corporeidade para que esta se mantenha produtiva e passiva, ou seja, o corpo
é um lugar prático e direto de controle social. (BOURDIEU, 1977)
Assim, é possível observar o poder do corpo através de regras e práticas
consideradas banais (normas de alimentação, hábitos de higiene, modos de vestir,
formas de lazer), convertidas em atividades habituais, é que a cultura “[...] se faz
corpo” segundo Bourdieu (1977, p. 94). Portanto, a linguagem corporal é marcador

22
Corpo, Trabalho e Educação

da distinção social, e enquanto a Educação Física está guiando os estudantes do


Ensino Médio ao consumo do corpo belo, ela sustenta e reflete o poder das classes
dominantes, que se favorece da passividade das massas contidas nos diversos
espaços de educação informal do mundo fitness.

DO INVISÍVEL PARA O VISÍVEL: DA OBSERVAÇÃO A ENTREVISTAS, DIÁLOGO COM


OS SUJEITOS DA PESQUISA

Os estudos apreenderam para uma ação de sensibilização e conscientização


referente a disciplina Educação Física como componente do Currículo Escolar. No
período da observação foi possível constatar três situações: 1. a Educação Física era
negligenciada por parte dos estudantes como componente curricular; 2. a Educação
Física não era compreendida como fator relevante para a formação do sujeito crítico
e; 3. tanto os estudantes quanto os professores compreendem o horário da disciplina,
quando há aula, para reforçar as relações entre corpo consumido e consumidor.
As aulas para os meninos era o espaço da arena de basquetebol, do
espetáculo esportivo e para as meninas o desfile do corpo belo, afinal que valor há
no trabalho motor das diversas práticas corporais?
Com isso, no Ensino Médio a Educação Física é coadjuvante frente as

Foto 1 – Atividade de Crossfit


disciplinas dos exames de
vestibular, é o alongamento
durante as cinco horas de
realização do ENEM, é a dica
para o treino na academia, que
exigem corpos adequados aos
padrões.
A Foto 1 ilustra a
atividade que mais chamou a
atenção dos alunos do Ensino
Médio: a prática do Crossfit.
Durante o período de intervenção
Fonte: Arquivo pessoal (2016). foi sugerido a eles a prática de

23
Corpo, Trabalho e Educação

Foto 2 – Atividades diversas do mundo fitness dança, do jogo e até mesmo da


ginástica, no entanto nenhuma delas
foi tão atrativa, mesmo sem traçar
nenhuma discussão mesmo no campo
teórico, o que ilustra a força que as
tendências do mundo fitness possuem
frente a juventude.
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Na Foto 2, ao se sentirem
incluídos no contexto daquilo que é moda e, portanto condição de status, a Educação
Física se torna interessante. A escola apoia e incentiva as práticas que reforçam,
aparentemente, apenas o trabalho motor, além de ser performático. É importante
ressaltar que o trabalho onde as habilidades motoras estão em maior evidencia não é
um problema, corpo é movimento e, portanto deve ser experimentado, a questão é a
ausência da problematização acerca das diferentes práticas corporais.
Com o diário de bordo foi possível notificar ainda, que a Educação Física
não era tratada como espaço importante a ser garantido, isso foi constatado pelo
posicionamento da escola que garantia horários para a disciplina que nem sempre
possibilitava a presença dos estudantes (aulas em contraturnos). Ainda sobre o
assunto, foi possível constatar por meio das observações que existe a visão da
disciplina como evento, festiva para o cotidiano da escola. O horário não facilitava a
sua aplicação como aula efetiva, mas para os festivais esportivos, os jogos internos e
os jogos externos a escola parava sua programação diária em torno da Educação
Física: é a “bola da vez”.
Foto 3 – Estudantes expectadores
Sobre o cotidiano das aulas foi
possível pontuar duas ações
diferenciadas: a valorização da
formação de atletas para os eventos já
supracitados e a segregação de
gêneros. No que se refere a formação
de atletas, observa-se que a Educação
Física na Escola se detia, em muito, Fonte: Arquivo pessoal (2016).

24
Corpo, Trabalho e Educação

para o treinamento desportivo, e nisso excluía a participação dos alunos sem grandes
qualidades motoras, pois, o mais importante era caracterizar a aula de Educação
Física como espaço de celeiro de atletas, como explícito na Foto 3.
A segregação dos mais
Foto 4 – Segregação por habilidades
habilidosos é deduzida pelas imagens,
conforme Foto 4, ou seja, as
vestimentas, sapatos e suas ausências
retratam justamente a falta de interesse
nas atividades propostas pelo
professor. Tais atitudes são planejadas,
pois eles sabiam o dia e hora da
Fonte: Arquivo pessoal (2016). disciplina de Educação Física.
No que se refere a segregação
de gêneros, pontuou-se as atividades planejadas, o gênero masculino em sua maioria
tem maior atenção pela apresentação do basquetebol na maioria das aulas e também
por estes estarem vinculados aos jogos externos da escola.
Com isso, constata-se que as aulas pouco se voltam para a formação do
sujeito e insufla a ideia do forte, do belo, do bonito, em detrimento do partilhar da
participação criativa, da apresentação dos conteúdos e mais da Educação Física que
venha debater a Cultura Corporal como espaço de fortalecimento do Ser sujeito.
A prática volta-se para corpos atraentes, e os sorrisos são frutos de acertos e
alívios fora da sala de aula (como na Foto 5), ou melhor, fora de uma cadeira, sala
fechada e um quadro branco cheio de conteúdo. Pois, a Educação Física também
pode ser feita dentro de sala, na
Foto 5 – O espaço externo
verdade é um dos espaços que pode ser
debatido assuntos da Cultura Corporal.
O que se observa em sua
maioria são ações que tendem para a
manutenção e formação de seres
contidos e alienados, pela forma como
o corpo é tratado e, principalmente, na
maneira como são conduzidas as aulas Fonte: Arquivo pessoal (2016).

25
Corpo, Trabalho e Educação

de Educação Física. Dialogando com Bourdieu (1977), percebe-se que apresentação


de si, os cuidados com a beleza, a preocupação com o corpo, que se estampa, bem
como os comportamentos, escolhas das indumentárias e o senso estético
simplesmente respondem as aparências físicas de classes interiorizadas pelos
sujeitos.
O que se propõem aos jovens é que tomem seu papel de população
economicamente ativa, afim de garantir mão de obra e mercado consumidor, há uma
lógica clara nas práticas físicas, há uma correlação entre as condições sociais
(econômicas e educacionais). A escola do estudante-produto, está produzindo com
maestria consumidores abduzidos pela lógica do capital.
Sobre este assunto surge a necessidade de realizar entrevistas que viessem
destacar o que na realidade já estava posta no invisível. Nesse processo, foram
analisadas vinte entrevistas com os estudantes do segundo e terceiro anos do Ensino
Médio. Sobre sua relação com a Educação Física e sociedade.
E sobre as entrevistas em diálogo com as observações, constatou-se que para
a maioria dos estudantes a Educação Física é vista como um estudo prático e
mecânico e, nesse bojo, contraditoriamente, a maioria afirmou que a Educação
Física é uma disciplina importante no Ensino Médio, como se destaca na frase dos
sujeitos 1, 2, 3 e 4, respectivamente:

Eu posso ver que a Educação Física me ajudou a usar meu corpo de


maneira ideal.
[...] Ajuda a entender os fundamentos de cada esporte, ajuda nos
cálculos de matemática.
[...] Manter a saúde em dia [...].
Sim, tanto físico quanto psicológico quanto as atividades, pois as
atividades da Educação Física me possibilitaram melhor concentração
nas aulas, dentre outros benefícios.

Contudo, é clara que a relação de importância, não foge aos preceitos da


Educação Física como coadjuvante das disciplinas de exames de seleção, e prática
relativa a manutenção da saúde e do corpo belo e ativo. Nesse bloco de entrevistas
analisadas uma chamou atenção, quando o sujeito 5 diz: O Estudo da Educação
Física me ajudou muito na parte social [...].
Nesse prisma de análise, dialoga-se novamente com a questão da linguagem

26
Corpo, Trabalho e Educação

corporal como forma de manifestação social. O corpo é sim o centro das relações
sociais e, como se evidencia, faz-se urgente uma ação pedagógica comprometida
com a sociedade no que tange a relação sujeito-sujeito, sujeito-sociedade, sujeito-
Ser-Humano.
Sobre a análise das entrevistas é triste destacar que ao questionar os
estudantes sobre como se sentiam nas aulas, a maioria afirmou que não sente seu
corpo liberto nas aulas de Educação Física e isso possibilita refletir como a sua
essência está sendo flagelada de suas ações como conteúdo Curricular que deve
contribuir na formação de sujeitos históricos. Sobre o assunto, Soares et al. (1992)
chamam atenção para a apropriação dos conteúdos da Educação Física como
conteúdos de disciplina escolar compreendendo que estes têm fundamentos para
dialogar com o sujeito, sua realidade, seu corpo e sua ação transformadora.
A realidade da escola demonstra que, no Ensino Médio, a Educação Física
ainda é menos válida e desfavorecida do seu objetivo currícular como nas séries
anteriores, mas é interessante em processos ligados ao mercado de trabalho. Nesse
item é válido ressaltar que das vinte entrevistas, dezoito responderam “que o estudo
da Educação Física ajuda na inserção no mercado de trabalho” e, ainda mais,
como afirma o sujeito 10: “[...] a Educação Física ajuda a ter energia e nos motiva
para uma vida saudável [...]” o que não difere do sujeito 11: “[...] me ajuda a ter
energia e disposição para estudar e trabalhar [...]”.
Com isso se traça uma análise clara de que a Educação Física ainda é vista,
no Ensino Médio, como espaço propedêutico ao trabalho e, desta forma, cabe
assumir padrões de práticas que afirmem a sua utilização para a personificação de
um corpo consumidor, sem espaço para raciocinar, refletir, dialogar e questionar a
sua existência no mundo do trabalho e no interior das contradições da sociedade do
capital.
Daí constatar um ser sem Ser, ou seja, sujeito concluso e acabado, contrário
ao que diz Freire (1982) de que os indivíduos são sujeitos inconclusos e inacabáveis
e, por conseguinte, estão em constante aprendizado. Ao encontro dessas buscas de
tornar visível o poder invisível que assombra a juventude, destacam-se falas
referentes a indagação acerca da Educação Física ser considerada menos importante
que as demais disciplinas na Escola, registradas pelos estudantes 1, 2, 3, 4 e 5,

27
Corpo, Trabalho e Educação

respectivamente, a seguir:

Sim, no convênio agente nem faz Educação Física, o professor sempre


tá ensaiando alguma coisa com as crianças e a agente não tem aula.
Sim, porque agora o foco é o vestibular. Não dá pra ficar um horário
jogando bola enquanto a concorrência estuda.
O diretor chegou pra gente e disse pra esquecer a Educação Física no
Ensino Médio [...].
[...] Tudo acontece na aula de Educação Física, do ensaio a bronca da
coordenação.
Sim, porque ninguém atrapalha as aulas de física, matemática. Égua.

Vê-se nas falas acima o que de fato é real na Escola quando se trata das
aulas de Educação Física e, somado com as observações, afirma-se que ainda é
preciso uma longa caminhada de reconhecimento da disciplina. Isso está relacionado
com os profissionais que nela atuam, a formação que se dá de forma pronta e
acabada sem que os espaços municipais e estaduais tenham políticas de formação
continuada e ainda o arcabouço histórico que a Educação Física carrega como a
redentora do conceito “mens sana in corpore sano” que precisa ser dialogado com o
contexto regional, com a sociedade e suas feras capitalistas e, mais do que isso, ser
amplamente debatida e compreendida como um espaço de formação em que o
sujeito está diretamente em contanto com o seu eu, com o outro, outro-outro, eu-
sociedade.
E isso não se dá num processo de formação de corpos para o consumo de
uma realidade fictícia de corpos belos e sadios e sim numa ação contínua e
permanente comprometida com uma Educação que busque a libertação do Ser
sujeito iniciando seus passos pela compreensão do seu corpo, no seu corpo dentro de
um plano existencial que não tenha somente a via mental como chegada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas análises das entrevistas, na observação e no diálogo com os autores não


se pode eximir de colocar um posicionamento diante dos resultados do processo de
controle social por meio da manutenção da formação capitalista do indivíduo que se
dá a partir da disseminação do conceito do forte, do belo, do bonito e do saudável
que precisa ser apreendido e vendido cada vez mais aos jovens do Ensino Médio,

28
Corpo, Trabalho e Educação

como entrada para o mercado de trabalho.


Outro item a ponderar é a questão da racionalidade técnica que é dada ao
Currículo do Ensino Médio, “ou tú passas no vestibular, ou tú vais trabalhar”. Com
isso os conteúdos são direcionados para um exame que se torna seletivo e
segregador e expõe a exclusão da Educação Física como espaço de aprendizagem;
isso acontece com mais ênfase entre os estudantes do 3° ano, onde a Educação
Física não é, de fato, obrigatória. Visto que qualquer outra atividade ligada a faminta
busca pela inserção cada vez mais cedo no mercado, toma o lugar de um espaço de
formação.
Não há como ignorar o fato de que a cidadania plena somente poderá ser
exercida quando for garantido pelo Estado, condições adequadas de educação
suficiente, voltada a exercer direitos e deveres. Educação Física com espaço,
recursos materiais e profissionais qualificados é direito de cidadania, bem como
parar com a veiculação de produtos e serviços que visam lesar o processo da
construção de cidadãos, é necessário que a Educação Física tome posse de seu papel
transformador, e ajude a frear a linha de produção intensiva de milhares de corpos
sem identidade, postos nas vitrines das relações sociais, e vendidos a sua própria
existência.
Por fim, esse estudo possibilitou enveredar por caminhos tortuosos das
práticas da Educação Física, pois permitiu ver a olhos nus a cruel realidade que é
imposta aos professores de Educação Física. É preciso força para derrubar o muro da
ignorância que é engendrada a Educação Física, mas, para isso, a primeira ação é
trazer para o campo da crítica radical os professores que hoje atuam nas aulas de
Educação Física junto as escolas públicas da capital paraense. Portanto, é preciso
que a academia abra as suas portas para a realidade e também favoreça o processo de
formação continuada aos professores da rede básica de educação.

Physical education in high school and the formation of bodies for consumption

Abstract: The study aims to analyze the process of formation of bodies for consumption
related to physical education in high school. The methodology is a case study. The data
collection occurred through observation and interviews with 20 high school students, being
10 students of the 2nd year and 10 students of the 3rd year of the State College Paes de
Carvalho in Belém (PA). It concludes showing how physical education is still an object of

29
Corpo, Trabalho e Educação

capital and of the labor market, relation that happens with the absence of pedagogical actions
substantiated on corporal culture.
Keywords: Physical Education. Body. Labor.

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30
Corpo, Trabalho e Educação

A céu aberto: linguagem do corpo e trabalho


como resistência na Amazônia paraense

Emerson Duarte Monte (UFPA) 7


Giselle dos Santos Ribeiro (UEPA) 8
Rogério Gonçalves de Freitas (UFPA) 9
Marta Genú Soares (UEPA) 10

Resumo: Este estudo investiga novas acepções sobre o corpo na relação com o trabalho.
Objetiva compreender as sensações dos sujeitos da estiva sobre o trabalho na feira do açaí do
Ver-o-Peso na Cidade de Belém (PA). São tratadas as categorias degradação e resistência,
por meio de códigos de linguagem próprios, informados pelos sujeitos da investigação, em
entrevista aberta, e observados in locus, e que articulam as sensações do e com o trabalho.
Analisa, ao usar as categorias eleitas, o processo e o disciplinamento do trabalho nas falas
dos sujeitos e nas observações registradas sobre a organização e desenvolvimento das
atividades dos estivadores, e conclui que o corpo se indisciplina frente às sensações vividas
pelo trabalho, que se apresenta de um lado, com características pré-capitalistas pela ausência
de mecanização e modernização tecnológica, e por outro, com finalidade moderna, pelo fato
do produto açaí ter um lugar privilegiado na atividade econômica da região e na atual
evolução das exportações da fruticultura do Estado do Pará.
Palavras-chave: Trabalho. Corpo. Estivadores.

INTRODUÇÃO

Durante a madrugada, e a céu aberto, no Ver-o-Peso11 cotidianamente os


estivadores aguardam a chegada de barcos vindos das regiões próximas a Belém e se
organizam para sua atividade rotineira: descarregar o açaí dos barcos, vigiar o
produto e aguardar a venda para então receberem seu pagamento. O açaí, fruta do
açaizeiro, palmeira pertencente à região Amazônica (Euterpe oleracea) sustenta a
economia de mais de 20 municípios paraenses. É uma fruta de cor roxa, amplamente
consumida em forma de suco no estado do Pará em acompanhamento às refeições. O

7
Doutor em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: emerson@uepa.br
8
Mestra em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: giribeiroef@hotmail.com
9
Doutor em Sociologia, Universidade Federal do Pará.
E-mail: rogeriogonfrei@yahoo.com.br
10
Doutora em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: martagenu@gmail.com
11
O Ver-o-Peso é um dos maiores mercados de céu aberto da América Latina inaugurado em
1627 no antigo alagado do Piry, também conhecido como casa de “Haver-o-Peso”, o qual era
um posto de conferencia de mercadorias (pesagem) e de arrecadação de impostos.
(FLEURY; FERREIRA, 2011, p. 103)

31
Corpo, Trabalho e Educação

sabor singular do suco, responsável pelo alto consumo, faz com que o processo de
plantio, colheita, transporte e venda movimente, aproximadamente, 25.000 famílias
no Estado. (XAVIER; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2009)
O fruto, além de possuir alto valor nutricional e energético, é rico também
em antocianina, que tem ação antioxidante e pode agir na prevenção a uma série de
doenças. Isto fez com que o açaí, antes destinado apenas ao consumo regional,
ganhasse espaço fora do estado, em razão de suas propriedades bioquímicas, e
despertado maior interesse do mercado nacional e internacional, motivo pelo qual
tem sido amplamente exportado. (OLIVEIRA; FARIAS NETO, 2004)
Com a expansão da demanda de açaí, compreendida desde o plantio até a
venda, viu-se nos últimos anos, um significativo processo de modernização de sua
produção. A extração da polpa até meados de 1945, em Belém, era realizada através
das amassadeiras: mulheres que por meio de um intenso trabalho manual extraiam
do caroço a polpa do açaí. A partir de então, a produção passou a ser realizada por
máquinas, diminuindo assim o tempo de produção. Assim, as indústrias de polpas e
sucos de frutas foram ganhando espaço e apropriando-se melhor da comercialização
desta fruta. Atualmente já garantem todo o seu beneficiamento em alta escala, até as
condições adequadas para a distribuição nacional e internacional. (HOMMA, 2002)
Deve-se atentar também que a mercadoria açaí é um produto natural,
diferentemente de um produto fabricado industrialmente, as etapas de produção do
açaí que são o plantio e a colheita, assim como as etapas de transporte e venda,
acontecem em áreas abertas e de intenso contato com a natureza, não empregando
métodos altamente mecanizados, assim como os métodos, o espaço onde o trabalho
se desenvolve marca singularidades nas relações de trabalho e de produção.
Aspectos que mostram como essas singularidades serão destacados ao longo deste
estudo.
O produto natural açaí além de possuir essas particularidades tem seu fim
voltado a uma necessidade básica humana, isto é, de se alimentar. Não se destina a
um consumo que demarque posicionamento de classe social como se configura em
outros alimentos e pratos específicos.
Deste processo pelo qual passa o açaí, o interesse desta reflexão foi
investigar o momento em particular onde não se identifica um amplo processo de

32
Corpo, Trabalho e Educação

modernização, pelo contrário, onde se caracteriza formas pré-capitalistas de


organização do trabalho. O serviço daqueles, sujeitos desse estudo, que realizam a
descarga do açaí vindo da região das ilhas próximas à Belém – trabalho este
marcado pela importância do corpo – análise expressa pelo uso do corpo no trabalho
e pela leitura que os próprios estivadores fazem dele, na realização da atividade, em
que há degradação do sujeito e fortalecimento corporal, numa rotina em que as
várias sensações que estes trabalhadores têm dos seus corpos são relatadas e
observadas pelos procedimentos metodológicos adotados pelos pesquisadores.
Visitações à Feira do Açaí em Belém do Pará, no Ver-o-Peso, durante cinco
madrugadas entre 23h e 3h, fizeram parte deste estudo de campo onde foi utilizado:
questionários com 14 trabalhadores, e realizada entrevista com um destes sujeitos,
privilegiado por destacar-se da totalidade dos trabalhadores que responderam ao
questionário, devido sua insatisfação no trabalho e posto ocupado no grupo de
sujeitos, como o de patrão.
No decorrer do trabalho dos estivadores, sempre na madrugada, o
movimento é dinâmico na Feira do Açaí, entre carregamentos e empilhamentos, os
estivadores fazem pausas para o cafezinho, o gole de cachaça e o cigarro, momentos
de conversas sobre o trabalho, o pagamento, a vida em casa, o cansaço e o futebol,
sim o futebol, atividade que encerra a jornada às 6h da manhã. Às 9h começa a volta
para a casa ou para o descanso, e se reinicia o trabalho às 23h novamente.
Nesse sentido, o quadro metodológico se constituiu de instrumentos de
coleta com o questionário e a entrevista aberta, observação de campo e a análise dos
dados coletados foram feitas tendo como parâmetro as categorias corpo, trabalho e
resistência, categorias essas que se ampliam dos mesmos conceitos teóricos das
referências estudadas no aporte teórico sobre corpo, trabalho e resistências
sustentados em Gleyse (2006); Marx (1982; 2013); Faïta (2010) e os interlocutores
do estudo teórico, tendo como metodólogo Bakhtin (2006) e seus preceitos
metodológicos sobre discurso e linguagem.
O texto se organiza em três tópicos em que se discute o aporte conceitual ao
tratar de Corpo, trabalho e resistência para informar do lugar em que os autores
concebem as categorias. Para a mediação teórica entre os autores eleitos se
organizou o tópico Modos de interpretação e linguagem do corpo no trabalho e para

33
Corpo, Trabalho e Educação

fazer a escuta dos sujeitos da pesquisa reuniu-se em Sensações nos processos e no


disciplinamento do trabalho as falas e as análises interpretativas para responder ao
propósito do estudo nas conclusões sobre a caracterização do trabalho a céu aberto
na Feira do Açaí, no Mercado do Ver-o-Peso, na cidade de Belém do Pará segundo a
linguagem do corpo e atividades dos estivadores.

CORPO, TRABALHO E RESISTÊNCIA

A atual forma de configuração do mundo do trabalho, em sua etapa de


produção flexível oriunda das mudanças no regime de acumulação de tipo
fordista/taylorista para o padrão toyotista de produção, datada da década de 1970,
implicou em novas relações de trabalho e tipos de trabalho. A esse respeito Antunes
(2008, p. 24) destaca que “Direitos e conquistas históricas dos trabalhadores são
substituídos e eliminados do mundo da produção”. De igual modo, há um
crescimento do número de tipos de trabalho em virtude da descentralização da
produção, da ampliação da produção para novas mercadorias e serviços, e do
movimento particular da produção toyotista de ampliar a carga de inovação
tecnológica e, paralelo a isso, demandar novas funções laborais. (ALVES, 2001)
Nessa perspectiva, a ciência e a técnica como forças produtivas se afirmam
num patamar superior ao observado no que se denomina de período pré-capitalista.
É a utilização de modo sistemático e numa escala ampliada da maquinaria que a
produção artesanal se converteu em grande indústria. Ou seja, as relações
propriamente capitalistas se desenvolveram com o avanço, dentre outros fatores, da
maquinaria mediada pela ciência e pela técnica. Conforme destacou Marx (2013, p.
435), a manufatura “[...] mutila o trabalhador, fazendo dele um trabalhador parcial, e
se consuma na grande indústria, que separa do trabalho a ciência como potência
autônoma de produção e a obriga a servir ao capital”.
É importante ressaltar que a descentralização da produção no capitalismo,
que envolvem novas funções laborais e emprego de tecnologias, é acompanhada de
descentralização de sua manutenção, o sistema se torna estrutura do mundo e
alcança a própria vida, os pilares produção e consumo irrompem sociedade e
natureza, fazendo com que os trabalhadores que mantenham uma produção

34
Corpo, Trabalho e Educação

artesanal, um estilo pré-capitalista de produção, consumam produtos ou serviços, de


tal forma que a resistência é sempre parcial.
Ainda dentro das relações de produção pré-capitalistas, a forma de
organização no trabalho é uma categoria que se mantém no desenvolvimento da
produção capitalista. A cooperação é o modo pelo qual se estruturou as relações pré-
capitalistas, por exemplo, o trabalho nas pequenas fábricas de artesãos, assim como
se manteve na estrutura organizacional da grande indústria e permanece em cena
ainda no século XXI. Contudo, a cooperação simples expressa apenas uma relação
entre trabalhadores organizados em pequenas fábricas, sem estabelecer entre si
algum grau de dependência. A simples produção coletiva num mesmo espaço não
amplia a capacidade produtiva de uma dada produção de mercadorias.
Todavia, a produção numa escala ampliada, e sob novas relações, apesar de
partir da cooperação simples, ganha nova feição ao se combinar as diversas jornadas
de trabalho isoladas e individuais, próprias da cooperação simples e, dessa forma,
amplifica a capacidade produtiva do trabalho, com seus diversos ônus que disso
deriva. Conforme expresso por Marx (2013, p. 404):

Comparada com uma quantidade igual de jornadas de trabalho isoladas


e individuais, a jornada de trabalho combinada produz uma massa
maior de valor de uso, reduzindo, assim, o tempo de trabalho necessário
para a produção de determinado efeito útil. Se a jornada de trabalho
combinada obtém essa força produtiva mais elevada por meio da
intensificação da potência mecânica do trabalho, ou pela expansão de
sua escala espacial de atuação, ou pelo estreitamento da área de
produção em relação à escala da produção, ou porque, no momento
crítico, ela mobiliza muito trabalho em pouco tempo, ou desperta a
concorrência entre os indivíduos e excita seus espíritos vitais, ou
imprime às operações semelhantes de muitos indivíduos a marca da
continuidade e da multiplicidade, ou executa diversas operações
simultaneamente, ou economiza os meios de produção por meio de seu
uso coletivo, ou confere ao trabalho individual o caráter de trabalho
social médio - de qualquer forma a força produtiva específica da
jornada de trabalho combinada é força produtiva social do trabalho ou
força produtiva do trabalho social. Ela deriva da própria cooperação.

Nesse nível de cooperação as relações capitalistas de produção se


desenvolvem e se consolidam. Isso implica afirmar a particularidade que o trabalho
assume no modo de produção e reprodução da vida material sob bases capitalistas. O

35
Corpo, Trabalho e Educação

trabalhador se submete as formas particulares de exploração, assim como se


distancia do produto de seu trabalho, o alcance a bens de consumo básicos a
existência se tornam acessíveis apenas pela troca de força de trabalho por dinheiro,
esses bens básicos a existência se tornam, em larga escala, demarcadores de
posicionamento social, a exploração se metamorfoseia em consumismo,
promovendo-se como finalidade da própria vida, em que o corpo se amolda às
condições de vida e trabalho, silenciando as expressões essenciais que o animam, e o
reconfiguram de acordo com a prática social, a exemplo do

Corpo trabalhador ou laborioso e o corpo esculpido são fenômenos do


cotidiano social, em que estão consolidados hábitos da moral e higiene,
e que se fazem ocultos na aparente conduta social (GLEYSE, 2006), no
entanto, são os hábitos que determinam desde as práticas corporais bem
como o comportamento social. A leitura de Gleyse converge ao
pensamento de Foucault sobre a determinação da instituição social
sobre o corpo definido pela prática social. (SOARES; KANEKO;
GLEYSE, 2015, p. 70).

A partir dessas relações os trabalhadores construíram, historicamente, as


suas distintas formas de resistência. Desde as resistências individuais no trabalho,
por meio de diversos artifícios, até as resistências coletivas, a partir dos sindicatos,
das associações, das federações e confederações de trabalhadores. Mas, há formas de
resistências no interior do modo de produção capitalista que não perpassam por
esses dois grandes exemplos; trata-se dos tipos de trabalho em sua configuração pré-
capitalista que permanecem vívidas em alguns locais geográficos do mundo.
Quando se pensa em resistência a partir da condição global de consolidação do
capitalismo, percebe-se uma negação parcial a reprodução da vida material
capitalista, pois se tem processos tradicionais que se fundiram ao capital.
Nessa perspectiva é que se analisa o trabalho realizado por estivadores que
atuam na Feira do Açaí, na cidade de Belém (PA). Esses trabalhadores permanecem
no que se caracteriza como relações de produção pré-capitalistas, em virtude da não
existência das relações particulares do modo de produção do capital. O essencial nas
relações capitalistas é a extração de mais valia que, nessa configuração de trabalho,
não se manifesta diretamente. Na pesquisa que se desenvolve junto aos
estivadores/carregadores é possível observar características que não estão presentes

36
Corpo, Trabalho e Educação

nas relações propriamente capitalistas. A produção de Açaí que é desembarcada


pelos barqueiros, todos os dias a partir das 19h, provém dos pequenos produtores e
coletores de Açaí da região das Ilhas próximas à cidade de Belém e das cidades
localizadas na Ilha do Marajó.
Os carregadores que trabalham na Feira do Açaí desembarcam as produções
da população ribeirinha que são desenvolvidas por meio de coleta ou por pequenos
processos manufatureiros, a exemplo da produção de Farinha de Mandioca, contudo,
o principal produto ali desembarcado é o Açaí. Os responsáveis por realizarem o
transporte desses produtos são os barqueiros, que cumprem a função de escoar a
produção dos ribeirinhos por meio das cidades. A execução do trabalho de
desembarque dos produtos trazidos pelos barqueiros é realizada pelos estivadores
que trabalham na Feira do Açaí. Esses trabalhadores se organizam em pequenas
equipes formadas por 4 a 8 pessoas e cada equipe possui, pelo menos, um chefe.
A produção do açaí da população ribeirinha que planta e colhe sem o uso de
maquinários, mantém o trabalhador em contato direto a natureza. Um ambiente que
lhe remete a liberdade espacial, as próprias influências climáticas e regularidades de
plantio e colheita dinamizam o trabalho. Esses ribeirinhos não se utilizam de
métodos tecnológicos que criem possibilidades artificiais de produção do açaí. A
organização da produção se dá em conjunto ao processo natural de desenvolvimento
do açaizeiro. O armazenamento do açaí em paneiros e o transporte em barcos
continuam como aproximação da atividade de trabalho a natureza, a paisagem de
liberdade.
Dentre os 14 trabalhadores acessados, que pertenciam a variadas equipes de
trabalho, haviam presentes alguns chefes. As informações coletadas por meio de um
questionário apresentam um panorama sobre o que é esse tipo de trabalho e o quanto
ele se localiza distante das relações capitalistas tradicionais de produção. A média de
idade dos estivadores da Feira do Açaí ficou na casa dos 36,5 anos, com idade
mínima de 25 anos e máxima de 59 anos. O nível de escolaridade desses
trabalhadores varia entre a 5ª e a 7ª série do ensino fundamental, com pequenas
variações para o acesso ao ensino médio, assim como a presença de um analfabeto.
Com exceção de um indivíduo, os demais possuem de 1 a 5 filhos, com o número
médio de 3 filhos; suas famílias são compostas pela quantidade média de 4 pessoas.

37
Corpo, Trabalho e Educação

A função do chefe dos estivadores é realizar o planejamento do trabalho de


descarregar os barcos, vigiar os produtos já descarregados que estão expostos à
venda na feira, receber o pagamento diário pelo descarregamento, pagar os
trabalhadores da equipe, recarregar os barcos e, ainda, realizar também o trabalho de
descarregar os produtos. Fica explícito que os chefes das equipes não apresentam
privilégios; pelo contrário, desempenham mais funções no dia a dia e não recebem
um quantum significativamente maior que os demais trabalhadores, a diferença na
remuneração é da ordem de 25 a 50%.
O trabalho que esses homens desenvolvem (a presença de mulheres na
execução desse trabalho é inexistente), cotidianamente, não está organizado dentro
das relações formais de trabalho, ou seja, não há contrato de trabalho, não há normas
formais a serem cumpridas, não existe exame médico admissional ou pré-requisitos
de nível de escolaridade, enfim, as relações de trabalho que se estabelecem entre os
membros das equipes, assim como entre as equipes e os barqueiros, são relações
destituídas do fundamento legal no âmbito dos direitos trabalhistas.
Logo, há particularidades nesse trabalho que moldam os corpos desses
trabalhadores por serem características peculiares ao local e a forma como as
relações trabalhistas de manifestam. A jornada de trabalho média dos sujeitos da
pesquisa está na ordem de 10 horas, com mínimo de 2 horas e máximo de 15 horas,
logo não há um tempo fixo para a jornada deles, o que implica afirmar que o
pagamento está correlacionado com o seu empenho na equipe e o tempo destinado
ao trabalho. O trabalho realizado na madrugada impõe um ritmo cansativo a partir
do momento em que o tempo de repouso se inverte.
A realização do trabalho é efetivada no ato de descarregar os produtos
transportados pelos barqueiros. Os paneiros e rasas de Açaí variam de 30 a 45 kg,
respectivamente, cada unidade, e são essas cargas que os trabalhadores organizados
por equipe transportam do barco para a área de venda na Feira do Açaí, assim como
as sacas de 30 kg de Farinha de Mandioca. Ao longo de uma jornada de trabalho
cada equipe transporta de 150 a 200 paneiros e rasas de Açaí.
A maioria dos trabalhadores afirma descansar durante o desenvolvimento da
jornada de trabalho, e o descanso apresenta uma relação com a chegada dos barcos,
com o fenômeno das marés e com as chuvas. No âmbito das sensações durante a

38
Corpo, Trabalho e Educação

execução desse trabalho, a maioria sente satisfação em desempenhá-lo, em virtude


de a remuneração ser suficiente para julgar a existência de possuir uma boa vida
com o que se aufere no trabalho que é pago diariamente.
Observou-se e registrou-se o misto de sensações de prazer e cansaço e de
prazer do cansaço. O ambiente de trabalho, na madrugada barulhenta é coberto pelo
céu estrelado ou pelo tempo chuvoso. A céu aberto e em plena noite adentro, os
estivadores trabalham carregando, descarregando, empilhando e vendendo quando o
dia vai clareando. É visível o cansaço, como também se percebeu o clima leve e
festeiro da tarefa diária, pesada e cansativa.
Apesar da ausência de regras formais, da liberdade para realizar descanso e
se alimentar durante o trabalho, há um esgotamento corporal no trabalho. Apenas
um trabalhador afirmou não sentir dores no corpo, os demais sentem dores
moderadas e em demasia, nas mais variadas partes do corpo. Portanto, o trabalho
dos estivadores da Feira do Açaí é permeado pela inexistência das relações de
produção capitalistas modernas, contudo carrega em si a degradação do corpo
promovida pelo trabalho. A resistência que esses trabalhadores realizam, mesmo que
inconsciente ao trabalho não consegue superar a degradação que o trabalho impõe ao
corpo.
Por outro lado, é importante destacar que a resistência no trabalho
mutuamente se desenvolve nas atividades de descanso em que consomem bebidas,
cigarros e outros produtos, por isso salienta-se que é uma resistência parcial, com
isso também se nota o alcance do sistema, as maneiras mais diversas de existência.
A aproximação do trabalho dos carregadores a natureza, o transporte do açaí em
barcos até a feira, marcam nas relações de trabalho a ausência de formalidades, as
roupas de trabalho são as mesmas de outros espaços, a força física é o mais
importante do trabalho de carregar. No movimento de carregar, o principal é ter
força. O tempo trabalhando com jornadas de até 15h se contrasta com períodos de
pouca produção de açaí, os momentos de descanso durante o trabalho em que se
voltam a jogos, fumam, bebem, entre outras atividades praticadas.
Nisso percebe-se que trabalho e vida parecerem se fundir. Não há
demarcadores fixos, pois, os hábitos, os comportamentos em casa e no trabalho se
complementam, repetem-se, imbricam-se. O corpo precisa de força para trabalhar,

39
Corpo, Trabalho e Educação

esse mesmo corpo trará consigo movimentos próprios de uma vida que acontece
num decurso sem grandes diferenciações de tempo no trabalho e tempo no não
trabalho. Assim, mediante a importância que o corpo assume neste processo de
trabalho caracterizado como pré-capitalista é que nas relações ali estabelecidas, a
leitura do corpo e de suas expressões são determinantes para os sujeitos pertencentes
àquele espaço desenvolverem suas atividades.

MODOS DE INTERPRETAÇÃO E LINGUAGEM DO CORPO NO TRABALHO

Faïta (2010) afirma que linguagem e atividade são inseparáveis. Sobre isso
dissertava Bakhtin, que compreendeu a linguagem como uma atividade sócia e
historicamente situada. O fato de sua ação [da linguagem] agir sobre nós mesmos e
os outros, como expõe a primeira autora, reforça o caráter inseparável entre
linguagem e atividade, pois as formas diversas de estabelecer uma linguagem
expressam possibilidades de atividades a determinados grupos sociais. As
atividades, por sua vez, no campo social em que são construídas podem adolescer
uma linguagem própria de seu desenvolvimento.
As atividades do corpo estão sujeitas a leitura, bem como a linguagem oral
pode expressar interpretações das atividades do corpo. Sobre essa relação dialética é
possível compreender a linguagem do corpo no trabalho dos carregadores da Feira
de Açaí de Belém. O desenvolvimento do trabalho realizado lá constitui, também,
uma forma de interpretar o corpo e realizar a sua leitura. Experiência comumente
feita por aqueles sujeitos, o qual consiste, dentre outras coisas, em julgamentos de
aptidão física para desenvolver a tarefa laboral de descarga dos barcos, isto é, uma
espécie de performance da prestação do serviço que remete as dimensões da
produtividade e da eficiência.
No relato dos sujeitos, o cansaço do trabalho é suportado pela ânsia do
pagamento, pela espera do início da manhã para o lazer - o futebol. Vê-se corpos
fortes, com contornos musculares definidos pela dinâmica do trabalho, no entanto,
isso não denota aparência saudável, são feições pálidas, suadas e, em alguns,
amareladas e desanimadas. Entre um carregamento e outro, o corpo se deita e se
estende no chão a contemplar o céu aberto, ribeirinho e com embarcações

40
Corpo, Trabalho e Educação

incontáveis.
Diante das modernas formas de exploração do trabalho e da ideia de
eficiência como caótica e deprimente, a ideia de eficiência se traduz, no caso dos
carregadores, em processos de hierarquia do trabalho baseada nas redes de confiança
e de motivação, mediados por uma linguagem própria que dá sentido e significado
ao trabalho realizado. Faïta (2010) expressa que, por meio da linguagem, o ser
humano pode, por exemplo, mobilizar-se, movimentar-se e também desestimular.
Os mesmos estímulos são possíveis por meio da linguagem do corpo, a qual se faz
imprescindível na leitura dos trabalhadores da Feira do Açaí.
As observações realizadas demonstram homens historicamente situados que
desenvolvem suas próprias formas de linguagem e interpretação do corpo, uma
forma de sentir o reconhecimento do trabalho e de si mesmo. Nesse sentido,
oralizam suas vontades, alegrias e estímulos; desenvolvem suas atividades num
lugar onde se pode beber bebida alcoólica, fumar, jogar e conversar no hiato entre o
descarregamento de uma carga e outra e, em meio a isso, ainda há realização de
leituras diversas sobre o desenvolvimento do trabalho e os demais sujeitos por lá
transeuntes.
Assim, reconhecer homens que se adaptam ao trabalho ou não, homens
sérios, dispostos e homens que não têm perspectivas, faz parte do campo julgamento
valorativo realizado por eles, na leitura por meio das expressões e das atividades do
corpo exposto. A expressão oral desse julgamento valorativo anuncia o que
Bakhtin/Volochinov (2006) expõe sobre a palavra como um signo ideológico, onde
por meio da leitura do corpo se realiza um julgamento, um posicionamento
ideológico com base nas acepções de homem construídas na sociedade do capital.
Compreende-se aqui, em comum acordo com Bakhtin (2006, p. 29, grifo do
autor), que “sem signos não existe ideologia”. O movimento que transpõe o mero
signo de um objeto qualquer em signo ideológico, ou seja, a apropriação da forma
material, física, que o signo expressa, consiste em denotar novo sentido ao signo,
momentaneamente, mas que se internaliza no signo de tal forma que a sua
característica original assume o segundo plano, e a carga ideológica do signo assume
a dianteira.
Ainda nesse sentido, o trabalho de carregar possui uma memória de

41
Corpo, Trabalho e Educação

movimentos coletiva e individual, uma simbologia tanto para os trabalhadores


quanto para os outros que acompanham ou observam essa atividade. Há uma
maneira de executar o carregamento do paneiro, assim como em outros tipos de
trabalho existe um modo de desenvolver uma tarefa, cabendo julgamentos dos
outros trabalhadores participantes de tal atividade.
O exemplo disto é o discurso do sujeito entrevistado quando questionado
sobre idade, gênero e ascensão no trabalho das pessoas que atuam desembarcando
açaí. Garante que crianças e mulheres não dão conta do serviço. Sobre a mulher, o
adjetivo frágil é ressaltado para justificar sua ausência. Afirma também que os bons
trabalhadores são facilmente identificados pela observação do desempenho que se
relaciona com os hábitos de vida, por exemplo, em que medida bebem, fumam e
qual a quantidade de rasas carregam por noite e se têm frequência assídua. O que se
percebe na fala do Er:

Eu trabalho aqui, e o Ver-o-peso tem uma outra historia por trás dele,
um exemplo, a droga, a prostituição, o vicio que talvez a gente chegue
nesse assunto depois. Mas em detalhe, ninguém quer isso para os seus
filhos. Aqui é muito fácil de a pessoa seguir esse caminho. Fácil
mesmo. Mas, é bom quando o filho fica mais maduro, trazer para
aprender a trabalhar; eu tenho esse pensamento, de trazer o meu pra
cá, pra ele dar valor no trabalho, mas não pra ele fazer um trabalho
fixo.

Embora já se tenha destacado o caráter pré-capitalista deste tipo de trabalho,


ao articular o processo de observação, a entrevista e os dados dos questionários,
constata-se a existência de um código implícito que diz respeito ao desenvolvimento
das atividades na Feira do Açaí, estas, permeadas por um processo de
disciplinamento que dizem respeito às leituras possíveis de serem realizadas lá, ou
seja, as condutas dos trabalhadores, mesmo não regulamentadas, importam, são
observadas e sentidas na organização dos estivadores, posto que para Er:

Somos chamados de carregador de açaí, só que tem três tipos de


carregador aqui na feira: tem o pessoal que carrega em saca; o
pessoal que carrega esses paneiros aí...; e, tem, no meu caso que a
gente carrega uns que são maiores do que esses, são rasas grandes,
são três desse paneiro num volume [...]. No meu caso eu trabalho com
o açaí da Ilha, e esse açaí que vocês estão vendo é do Marajó. O açaí
da Ilha é o melhor que tem, Ilha das Onças aqui na frente, e tem as

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Corpo, Trabalho e Educação

suas regiões aí, um exemplo: tem o Araraquara, o Arapiranga, o furo


grande, todos esses lugares, que é só atravessar aí, eles trazem o açaí
que eu trabalho, no meu caso que chama açaí da ilha.

Há uma organização histórica e cultural, em que o código de disciplina foi


se estabelecendo a partir da demanda de trabalho e convivência entre os
trabalhadores. As condições de trabalho são enfrentadas e transformadas no
cotidiano e se estabelece uma prática singular na organização social do cais, entre
hábitos, costumes, modos e sensações de corpos que trabalham e fazem do lugar o
âmbito de aprendizagem e princípios próprios, estabelecidos na forma de conviver,
entre o trabalho e a possibilidade de lazer e descanso.

SENSAÇÕES NOS PROCESSOS E NO DISCIPLINAMENTO DO TRABALHO

O processo de trabalho é, a priori, o elemento independente de qualquer


forma social e, por isso, o ser humano, na sua relação sócio metabólica com o
trabalho e com a natureza, põe em movimento as forças da natureza e as conjugam
simultaneamente com a própria corporalidade, utilizando seus braços, pernas, cabeça
e mão, isso fará com que haja uma transformação da natureza do próprio ser humano
(MARX, 1982). É nesse sentido que no interior do processo de trabalho se manifesta
a rotina dos carregadores de açaí e, por conseguinte, gera processos de cooperação
que dão sentido ao trabalho realizado. A rotina, elemento integrante de processo de
trabalho, não é entendida, nesse contexto, apenas como aspecto puro e conceitual de
burocracia, mas sim está ligada a uma constante mutação simbólica assimilada pelo
carregador de açaí, quando ele aprende a técnica da atividade de descarregar a
mercadoria que chega a feira para ser vendida e consumida posteriormente.
Essa reflexão retoma a ideia que Diderot defendia sobre o trabalho do ator
no ato de memorização de seu texto, ou de um músico na composição de uma
partitura, em que o ritmo e a repetição são a unidade manual e mental do trabalho
(SENNETT, 2009). A transição da manufatura ao sistema de fábrica foi um dos
fatores que alterou a rotina como elemento de apropriação do trabalho e sentido do
mesmo. Esse processo de transição fez emergir e legitimar a concepção da ética do
trabalho. Nesse sentido, a autodisciplina e o tempo, valorizam-se com a expansão do
sistema de retribuição.

43
Corpo, Trabalho e Educação

A ausência de tecnologia no trabalho possibilitou Marx fazer a distinção da


“fábrica de alfinetes” de Smith com o antigo sistema alemão Tagwek caracterizado
pela retribuição dada pelo trabalho a cada dia trabalhado. Isso possibilitou a
adaptação ao ambiente, ao planejamento e a compreensão do processo de trabalho
que era mediado por uma rotina que permitia maior controle do trabalho.
(SENNETT, 2009)
Esse disciplinamento do trabalho e da corporalidade do trabalhador, no
século XIX, foi tratado por Marx quando fez a alusão do nascimento do “monstro
mecânico” na maquinaria e grande indústria. Assim, o longo processo deste
disciplinamento, através do sistema de fábrica, veio a se verificar na incorporação do
operário (metamorfoseado) ao processo de produção, o qual eliminaria a construção
originária da produção do tipo artesanal, produzindo, com isso, o esfacelamento
moral e a degeneração existencial de milhares de homens, de mulheres e de crianças
daquela época (MARX, 2013). O disciplinamento do trabalho gerou formas hibridas
de exploração devido a vários sistemas que entraram em competição, produzindo
condições laborais terríveis.
No exemplo dos carregadores da Feira do Açaí do Ver-o-Peso, semelhanças
e diferenças, ou aproximações e distanciamentos aparentam não ter linhas
demarcatórias tão rígidas. Esse caso assemelha-se ao contexto supracitado, em
virtude de o sistema de retribuição pelo trabalho ser realizado diariamente, o qual
varia, por exemplo, de acordo com a estação do ano. No verão, aonde a safra do açaí
é maior, a retribuição tende a ser maior, porque há, nesse período, maior quantidade
de trabalho empregada, enquanto que no inverno a safra é menor e, por conseguinte,
há menos trabalho.
Portanto, o controle do tempo baseado na safra do açaí, permite ao
carregador conjugar o momento adequado para se inserir no processo de
carregamento existente na Feira do Açaí a outras atividades que complementem o
trabalho de estivador, já que a renda com esta ocupação é extremamente variável,
como diz Er:

Cada qual tem a sua equipe, aí tem equipe que tem 6 pessoas, tem
equipe que tem 8, no mínimo é 4. Não dá pra trabalhar menos, e o
máximo é 8 numa equipe. Aí, esses grupos têm os chefes. Eu vou falar

44
Corpo, Trabalho e Educação

em dois tipos de chefes, pode confundir um pouco. Têm dois tipos de


chefe, um exemplo, na nossa equipe eu sou o chefe da nossa equipe, aí
eu tenho mais quatro pessoas que trabalham comigo, só que eu tenho
um chefe, que é o rapaz q traz o açaí lá da Ilha (o patrão).

Esse ritmo de trabalho bastante variado permite certa integração e


sociabilidade entre os carregadores antes, durante e depois do trabalho. Antes do
descarregamento do açaí, que se dá a partir da meia noite, é comum ver carregadores
dormindo no próprio cais, bebendo cerveja, jogando, ou conversando sobre assuntos
variados. É nesse momento em que ocorre também o recrutamento de novos
carregadores, interação entre equipes, e também um processo de permuta dos barcos
que lá aportam.
O espaço do cais, a espera por um carregamento e a possibilidade de
“ganhar o dia” é fortemente marcante antes do descarregamento em si, o qual se
caracteriza como uma espécie de toque da campainha e “início dos trabalhos”. Com
os trabalhos iniciados, cada equipe com seu chefe se concentram em uma
embarcação para descarregar o açaí. Nesse momento não há mais quase nenhuma
interação com outra equipe; estabelece-se, assim, a presença de um
autodisciplinamento que converge para o objetivo final do trabalho.
Após a realização do trabalho, já pela manhã, os carregadores esperam o
pagamento do trabalho. A retribuição será efetuada de acordo com a produtividade
de cada trabalhador e de quantos volumes foram descarregados. Foi interessante
notar, durante a entrevista, que é subjetiva a retribuição dada aos trabalhadores pelo
chefe, pois não há um critério pré-estabelecido entre o chefe e os carregadores
quanto à retribuição no final do trabalho. É perceptível a existência de um sistema
de poder que se caracteriza por uma concentração variável de centralização na
retribuição dada pelo ‘chefe’ aos carregadores. É possível identificar que a relação
entre patrão, dono da embarcação e chefe é interdependente, motivada pelo acordo e
confiança mútua. Já a relação entre chefe e equipe é motivada pela confiança e
acrescida pela colaboração e pelo papel que o chefe desempenha na execução do
trabalho, mas, sobretudo por critérios implícitos de performance daqueles
trabalhadores, e o primeiro demarcador destes critérios é o corpo.
É nesse sentido que o corpo trabalhador se constitui no cotidiano social e no
processo de disciplinamento do trabalho. A consolidação de hábitos da moral e

45
Corpo, Trabalho e Educação

higiene, de rituais e códigos de convivência se faz oculta na aparente conduta social


(GLEYSE, 2006), no entanto, determina as práticas corporais bem como o
comportamento social. A leitura de Gleyse converge à determinação da instituição
social sobre o corpo definido pela prática social. Ao esclarecer os processos pelos
quais o corpo passa na relação com o trabalho, na evolução do tempo, Gleyse faz
uma arqueologia do corpo e configura uma estratificação que tem na base o corpo
artesanal ou poiético; seguido do corpo mecânico; e o corpo máquina situado na era
da industrialização da sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na análise aqui realizada, é possível afirmar que as sensações dos


carregadores de açaí do Ver-o-Peso podem ser entendidas como dialéticas: do ser e
não ser, do sentir e não sentir, do estar incluso e não incluso em relação às acepções
discutidas: corpo, trabalho, linguagem, disciplinamento e resistência estando
inseridos na sociedade de organização capitalista e não caracterizados como
trabalhadores organizados por tal sistema. O elemento de satisfação no trabalho
predominante se contradiz com a degradação exposta pelas sensações corpóreas e
pelo desenvolvimento social que os sujeitos apresentam.
O elemento que justifica tal satisfação diz respeito predominantemente à
retribuição financeira que recebem, pelo desenvolvimento de uma atividade que não
exige maiores elaborações, contraditoriamente, uma remuneração incerta e periódica
que exige a busca por outras ocupações além do desembarque de açaí.
A linguagem socialmente desenvolvida como a interpretação do corpo e sua
relação com o disciplinamento do trabalho, são elementos subliminares. Estão
presentes, mas não tão aparentes, e esta e uma particularidade determinada pela
instituição social que eles desenvolveram para si, de uma organização pré-
capitalista, que se impõe sobre as sensações do corpo de modo a ele se expressar
disciplinado ou não, degradado, ou não, e em todo caso, sujeito a julgamentos
valorativos definidos pela prática social. Como a céu aberto, o trabalho se sobrepõe
as demais dimensões de vida.

46
Corpo, Trabalho e Educação

The open sky: body language and work as resistance in the paraense Amazon

Abstract: This study investigates new meanings regarding the body in relation to work. The
purpose is to understand the sensations of the stevedoring workers on the work done at the
fair of açaí in Ver-o-Peso at Belém (PA). The degradation and resistance categories are
treated, through their own language codes, informed by the subjects of the investigation, in
an open interview, and in locus observed, and that articulate the sensations of the and with
the work. It analyzes, when using the chosen categories, the process and the disciplining of
work in the speech of the subjects and in the observations registered and photographed of
their activities' organization and development. It concludes the body indiscipline itself in the
face of the sensations experienced by work, which presents itself on the one hand, with pre-
capitalist characteristics due the lack of mechanization and technological modernization, and
on the other, with modern purpose, because the product açaí has a privileged place in the
economic activity of the region and in the current evolution of fruticulture exportations in the
State of Pará.
Keywords: Work. Body. Stevedores.

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2009.

48
Corpo, Trabalho e Educação

Falando sobre educação sexual


nas aulas de Educação Física em Altamira (PA)

Laíne Rocha Moreira (UEPA) 12


Pauline Valente de Souza (UEPA) 13

Resumo: A pesquisa objetiva analisar a importância da atuação do professor de educação


física acerca da educação sexual no ensino médio em Altamira (PA). Para coleta de dados
optou-se pela entrevista focal, pois este método auxiliou na interação social entre
entrevistando e entrevistado, sendo uma forma de diálogo assimétrico na qual se busca dados
e informações para a pesquisa. O estudo foi realizado com 13 alunos entre as turmas de 1º, 2º
e 3º do ensino médio. O estudo enfatiza que nas aulas de educação física, a educação sexual
é abordada de maneira informal, por isso poucos temas inerentes ao tema são
problematizados em aula. Conclui considerando a necessidade do desenvolvimento da
prática pedagógica voltada para a educação sexual nas aulas de educação física, pois ela
proporciona não só o aprendizado das dimensões corporais, mas auxilia alunos e professores
a confrontarem juntos problemas cotidianos sobre a sexualidade.
Palavras-chave: Educação Física. Educação sexual. Prática Pedagógica.

INTRODUÇÃO

A sexualidade assume uma questão central na vida de todos os seres


humanos, já que é uma dimensão que envolve gênero, identidade sexual, orientação
sexual, amor, envolvimento emocional, erotismo e reprodução (CASTRO;
ABRAMOVAY; SILVA, 2004). Além disso, é um processo cultural que engloba o
sentido do corpo na sociedade, o gênero e as possibilidades sexuais deste conjunto,
definido por relações sociais moldadas nesta sociedade. (LOURO, 2000)
No ambiente escolar o adolescente expressa a sua sexualidade por meio de
manifestações sociais e corporais, seja no jeito de se vestir, de conversar, de
interagir com o outro, nas brincadeiras e nos gestos. Assim, estas questões também
estão no ambiente escolar e, por isso, devem ser debatidas em sala de aula pelos
especialistas da escola, por meio da educação sexual. Nesse sentido, a prática
pedagógica da educação sexual trata de ações sistematizadas sobre temáticas da
sexualidade.
Para auxiliar toda a equipe pedagógica da escola, o Ministério da Educação

12
Mestra em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: laine.educacaofisica@hotmail.com
13
Licenciada em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: pa.valentesouza@gmail.com

49
Corpo, Trabalho e Educação

aponta os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001) como diretrizes que


facilitem a orientação sexual, por meio do ensino de temas transversais. Porém, com
a criação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a educação sexual não foi
inserida como um tema integrador, apesar de que alguns assuntos sobre sexualidade
são propostos em muitas disciplinas, mas de maneira simplificada e superficial
(BRASIL, 2017). Neste novo contexto curricular da educação básica a educação
sexual não será abordada de forma exclusiva, protelando o debate sobre este assunto
em sala de aula.
Diante de tal problemática, é válido ressaltar os índices do Sistema de
Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC), os quais apontam, claramente, que a
taxa de gravidez entre 10 e 19 anos, na região Norte do Brasil, é de 26,2%. Dados do
Ministério da Saúde detectaram um aumento alarmante em casos de Sífilis, entre
2014 e 2015 cerca de 32,7% de pessoas foram infectadas pela doença (BRASIL,
2016). Esses dados demonstram a necessidade da ação pedagógica eficaz para
minimizar esses problemas.
Assim, propõe-se o ensino da temática nas aulas de Educação Física,
justificando que esta área é privilegiada por trabalhar com a cultura corporal por
meio dos conteúdos das ginásticas, das lutas, das danças, dos esportes e dos jogos.
Dentro desta perspectiva, destaca-se o contato com o corpo que, segundo Santos
(2009), é o lócus da manifestação dos sentimentos referentes a sexualidade. É na
Educação Física que o aluno mais expressa sua sexualidade, por meio das
vestimentas, relacionamentos e da própria escolha de determinadas práticas
corporais. Assim, esta área de conhecimento tem um potencial para efetivação da
educação sexual na escola. (SANTOS, 2009)
Evidencia-se a relevância deste debate dentro de sala de aula por ser um
conteúdo pouco disseminado e também por se tratar de um tema problematizado de
forma esporádica pelos agentes da escola. Por isso, este estudo se torna importante
para o campo acadêmico, devido à necessidade de debater o assunto na educação
básica, especificamente no ensino médio.
Desta forma, as inquietações para elaboração deste artigo surgiram a partir
de vivências nas aulas de Educação Física por meio da disciplina de Estágio
Curricular Supervisionado do Curso de Educação Física da Universidade do Estado

50
Corpo, Trabalho e Educação

do Pará, na qual se pode perceber os riscos diários que os alunos sofriam, pois, casos
como pedofilia, gravidez na adolescência e preconceito com a diversidade sexual
foram observados. Constatou-se ainda, a falta da exposição da temática sexualidade
nas aulas de Educação Física por meio da educação sexual.
O presente artigo objetiva analisar a importância da intervenção do professor
de Educação Física acerca da educação sexual no ensino médio da rede de ensino de
Altamira (PA). A pesquisa reflete sobre o conceito de sexualidade e de Educação
Física, bem como a prática pedagógica do professor de Educação Física acerca da
educação sexual.

REFLEXÕES HISTÓRICAS ACERCA DA SEXUALIDADE

A sexualidade influi diretamente no comportamento de uma comunidade.


Ela é uma atividade social na qual o ser humano passa a estabelecer uma série de
relações determinantes para a constituição do mundo. Logo, pode-se dizer que a
sexualidade é uma invenção da sociedade que ao longo da história foi construída
com discursos e normas que promovem saberes e produzem “verdades”. (LOURO,
2000)
Quando se analisa a história da sexualidade e se conhecem os costumes dos
antepassados, podem-se compreender aspectos da cultura atual, já que a sexualidade,
ao longo da história, é marcada por mudanças políticas, culturais, econômicas e
religiosas (DUARTE, 2012). Nesse sentido, ela está ligada ao desenvolvimento da
humanidade e seus efeitos foram expressos ao longo de cada período histórico.
O período paleolítico foi marcado pela função “homem e mulher”; o homem
tinha a função de caçador e as mulheres de organização do grupo. Esta fase foi
representada pelo poder matriarcal e, por milhares de anos, a humanidade foi
organizada por mulheres, que trabalhavam em conjunto para a melhoria do grupo.
Portanto, “Eram as mulheres que tinham possibilidade de observação,
experimentação e pesquisa de novas tecnologias e subsistência na produção da vida”
(NUNES, 1987 p. 58). Desta maneira, a sexualidade se expressava pelo caráter
mítico sagrado, uma vez que neste período a mulher era símbolo de fertilidade.
Quando o homem deixa de caçar e se instala nas cavernas, os meios de
produção são dominados por eles. Esse período corresponde ao neolítico,

51
Corpo, Trabalho e Educação

configurado pelo início do patriarcado na sociedade. Observa-se a troca de papeis


nas tribos, quando a mulher perde sua função anterior de líder e sua atividade se
restringe a maternidade e o homem à liderança do grupo. (NUNES, 1987)
Logo após estes períodos se destaca o Hebreu, a qual sobressalta a formação
do patriarcado. A ideologia religiosa cristaliza este patriarcado, pois o mundo escrito
na bíblia é completamente patriarcal, passando a figura da mulher a um ser inferior e
sua função somente era de procriação e cuidado do marido (NUNES, 1987). Um
exemplo dessa hierarquização de gênero ocorreu na Grécia, pois o homem adulto
poderia gozar de plena liberdade, relacionando-se com outras mulheres e com outros
homens, evidenciando, assim, práticas de pederastia14 vistas como naturais.
(SANTOS, 2009)
Após estas épocas se destaca o avanço do cristianismo em várias
civilizações e se instaura a Idade Média. Neste período, a igreja católica se apodera
de muitos setores na sociedade e influencia, principalmente, no comportamento e
nas práticas sexuais. As manifestações sexuais eram reprimidas e punidas pela
igreja, justificava-se o sexo apenas para necessidade de procriação (DUARTE,
2012). A Igreja considerava essa prática pecaminosa, assim como a
homossexualidade, prostituição, autoerotismo e o adultério. (RIBEIRO, 2005)
A idade moderna é marcada por mudanças econômicas, pois a
desestruturação do feudalismo dá início ao capitalismo modificando, novamente, as
antigas classes sociais. A doutrina vigente neste período foi o puritanismo, no qual
as famílias sofriam rígidas exigências morais perante a igreja. Segundo Santos
(2009, p. 15) “o puritanismo apareceu com o advento que buscava integrar a
sensualidade e a espiritualidade”. A sexualidade nesta época é severamente
controlada, já que a concepção da procriação ainda se apresenta neste momento.
No século XVIII ocorre a era vitoriana, na qual uma nova moral sexual é
implementada. Destaca-se a repressão à sexualidade, que segundo Foucault (1988)
este momento se caracteriza pela hipocrisia da burguesia. Nesse período, a igreja

14
Pederastia refere-se ao relacionamento entre um homem adulto com um jovem, sendo esta
relação de envolvimento sexual e afetiva. Prática que significava um rito de passagem do
jovem para o homem adulto. (SPITZNER, 2005)

52
Corpo, Trabalho e Educação

pregava boas maneiras na tentativa de controle social, porém havia realmente uma
hipocrisia moral; enquanto as mulheres deveriam assegurar sua “pureza”, as
prostitutas desfrutavam livremente de sua sexualidade (WEEKS, 2000). A mulher
operaria não se importava com sua posição social, pois esta era escrava do trabalho
(SPITZNER, 2005). A era vitoriana foi marcada por imposições sobre a mulher,
pois ela não deveria sentir prazer, este fator era privilégio das prostitutas.
Já no século XX ocorre a revolução sexual, rompendo o ideal ascético
imposto pela era vitoriana. Segundo Spitzner (2005), a mulher conquistou seu
direito ao voto, ao estudo e o controle da natalidade. Assim, surgem movimentos
que defenderam a liberação gay, visto como anomalia pela medicina. Outro fator
importante desta época foi a apropriação do capitalismo por meio dessas
manifestações, na qual o sexo passa a ser produto de consumo (DUARTE, 2012). O
período pós-guerra foi marcado pelos movimentos hippies, que pregavam a
liberdade das normas sociais.
Perante todo o contexto histórico pode-se perceber que vários aspectos
sociais influenciaram na sexualidade. O ser humano pós-moderno busca
experiências prazerosas com mais liberdade, o que antes era reprimido (SPITZNER,
2005). Os papeis em cada época modificaram gradativamente, e as mulheres
conquistaram certa autonomia na sociedade. Percebe-se também que o contexto
político e econômico de cada época afeta na construção da sexualidade. Contudo,
todos estes aspectos históricos estão repletos de significados que concebem o
conceito de sexualidade atualmente.

PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA ACERCA DA


EDUCAÇÃO SEXUAL

A sexualidade é um tema de grande repercussão nas escolas, pois se trata de


um polêmico assunto no desenvolvimento do sujeito. Ao longo da história percebe-
se a preocupação com a saúde pública, principalmente com as questões de doenças
infectocontagiosas e sexualmente transmissíveis. Assim, o Estado se responsabiliza
pelo controle dessas doenças por meio de medidas sanitárias preventivas e a escola
se torna um meio de intervenção e de implementação de políticas públicas para

53
Corpo, Trabalho e Educação

promoção da saúde. (ALTMANN, 2001)


A educação sexual é qualquer experiência que o indivíduo adquire ao longo
da vida sobre a sexualidade (MAINSTRO, 2009). É um processo interrupto no qual
cada indivíduo constrói suas opiniões e atitudes, e é formada antes mesmo do
nascimento, pelas expectativas dos pais. (SPITZNER, 2005)
As primeiras propostas de implementação da educação sexual na escola
ocorreram em 1920, após o Congresso Nacional de Educadores, em 1928, sendo
apoiado pelos médicos higienistas (SANTOS, 2009). Contudo, essa proposta
permaneceu inexistente nas escolas até o final da década de 1960, entretanto o
ensino da educação sexual se resumia ao aspecto moralista e higienista, pois a
política vigente nesse período refletia na educação. Porém, na década de 1970,
novos projetos foram propostos mesmo sem êxito de inserção nas escolas, mas essas
ideias incentivaram a construção dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
A orientação sexual foi um tema transversal do PCN, no qual foi proposto
para todas as escolas e deveria ser tratado em todas as disciplinas. O tema
transversal tem como objetivo contribuir para que o aluno possa, de forma segura e
prazerosa, exercer sua sexualidade (BRASIL, 2001). A educação sexual trabalha
com temas além do caráter biológico e funcional, e discute a sexualidade que é
construída em cada sociedade. (BRASIL, 2001)
Desde 2015, ajustes do ensino básico começaram a ganhar forma e, com
isso, alguns aspectos sobre a educação sexual foram modificados, como o processo
de implementação da Base Nacional Comum Curricular. A BNCC é uma nova
proposta para o ensino básico que é constituído por um conjunto de habilidade e
conhecimentos que todos os estudantes precisam aprender.
Em sua terceira versão as questões sobre sexualidade são abordadas
parcialmente em algumas disciplinas. Na disciplina de ciências a unidade temática
que trata sobre sexualidade corresponde a “vida e evolução”, os conteúdos, ou
objetivos de conhecimento variam para cada ano. No primeiro ano do ensino
fundamental, o conteúdo abordado sobre “corpo humano” e “respeito à diversidade”
traz como habilidades adquiridas: aprender sobre a organização do corpo humano,
higiene do corpo, diversidade de características físicas entre colegas, bem como o
respeito pelas diferenças. (BRASIL, 2017)

54
Corpo, Trabalho e Educação

As questões sobre reprodução e sexualidade são abordadas nos anos finais


do ensino fundamental. As habilidades de modo geral a serem adquiridas são:
compreensão das transformações corporais com a puberdade, métodos
contraceptivos e prevenção às doenças transmissíveis e respeito pelas diferenças de
gênero. (BRASIL, 2017)
Na disciplina de Artes no ensino fundamental (5º ao 9º ano), uma das
habilidades diz respeito a reflexões sobre as diferentes experiências corporais, bem
como a problematização sobre gênero, corpo e sexualidade (BRASIL, 2017). Na
disciplina de História, as temáticas de gênero também são abordadas em diversos
conteúdos. As competências da Educação Física, compreendida para essa temática,
são as críticas e as análises sobre os padrões de beleza disseminadas pelas mídias,
discutindo sobre posturas preconceituosas e consumistas (BRASIL, 2017). Também
pode compreender nessa disciplina o combate a posicionamentos discriminatórios
em relação às práticas corporais.
A educação sexual não foi incorporada de forma específica na BNCC,
porém pode-se perceber que algumas questões foram integradas superficialmente
nas disciplinas supracitadas. Desta maneira, não há um direcionamento exclusivo
para a educação sexual, como aborda o PCN. Porém, as escolas podem utilizar
alguns programas que compreendem a educação sexual, conforme mencionados
abaixo.
O projeto proposto denominado por Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE),
elaborado pelo governo federal, em 2003, foi constituído a partir da parceria entre os
Ministérios da Saúde e da Educação, e traz como objetivos principais: Incentivar o
desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a promoção da saúde sexual e
saúde reprodutiva; Promover a qualificação dos profissionais da educação (BRASIL,
2006). A integração da saúde e educação é um meio de promover o diálogo contínuo
entre a comunidade escolar, a área da saúde e da família contribuindo para o
desenvolvimento do aluno.
A implantação desse projeto se mostra bastante relevante para a comunidade
escolar, porém ainda há pouca adesão do SPE nas escolas. Segundo Pereira (2013), a
inserção do SPE na escola é mais efetiva nos setores intermunicipais, porém, ao
adentrar na aplicação para os alunos se percebe que os profissionais ainda não estão

55
Corpo, Trabalho e Educação

capacitados para o ensino de alguns temas, como a sexualidade. Apesar dos pontos
positivos do SPE ainda se deve trabalhar muito para a qualidade do ensino em
relação ao grupo multiprofissional.
O trabalho nas escolas sobre educação sexual deve ser contínuo e não se
resumir a eventos de rápidas explanações. Assim, algumas ações nem sempre são
suficientes para a grande necessidade que se tem para discutir sobre a sexualidade.
Referente a discussão sobre sexualidade nas escolas, Marques e Knijnik (2006)
consideram que muitas instituições ainda acreditam na existência de bons resultados
em eventos esporádicos de cunho preventivo.
Brasil (2001), considera que para a implementação da educação sexual nas
escolas, primeiramente precisa-se problematizar as questões relacionadas a
sexualidade, em consonância com a realidade de cada comunidade. Neste aspecto, a
inserção da educação sexual na escola é de fato complexa, pois o professor deve ser
capacitado para trabalhar com crianças e jovens para melhor intervenção nas aulas.
A comunidade escolar deve inserir estas questões como pautas importantes e
urgentes. Nesse sentido, todos os autores da educação devem problematizar essa
temática nas aulas, não apenas como conteúdo integrador, mas proporcionar a
análise e a crítica sobre o tema em situações diárias.

FUNÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO SEXUAL

A educação sexual na escola é responsabilidade de todos, incluindo a


família, sendo debatida, diariamente, em sala de aula por toda a comunidade escolar.
Desta maneira, a educação física também deve trabalhar com a educação sexual por
ser uma área cuja sexualidade se materializa por meio das manifestações corporais.
Consequentemente, é uma área privilegiada para a intervenção da educação sexual,
pois este campo trabalha com “o corpo” e a “cultura corporal”.
Assim, o objeto de pesquisa da Educação Física é a cultura corporal, que
modifica seu sentido em cada período da sociedade. A cultura corporal manifesta-se
nas práticas corporais e cada comunidade ressignifica os aspectos culturais sobre o
corpo. Segundo Daolio (2004), por meio de seu corpo, o homem assimila e se
apropria de normas e valores sociais. Ainda segundo o autor, a cultura organiza o
universo por meio das regras dos valores sobre a natureza humana. A cultura

56
Corpo, Trabalho e Educação

corporal é a organização dos valores vigentes em cada sociedade, e no contexto


escolar esta cultura se manifesta nas práticas corporais por meio de jogos, esporte,
dança e lutas.
Todavia, a educação física foi marcada por eventos históricos ligados à
sexualidade e ao gênero. Dentro desse contexto histórico, as práticas corporais
foram marcadas pelo aspecto político. Essas marcas são compreendidas como
“pedagogia da sexualidade”, que segundo Louro (2000) é o conjunto de experiências
vividas por indivíduos em qualquer âmbito social. Desta forma, as questões de
gênero, sexualidade e corpo são manifestadas nas aulas de educação física, mesmo
não explícitas.
Nas aulas de educação física não é difícil exemplificar situações sobre
gênero e sexualidade, já que esta questão ocorre diariamente. Existem certos
estereótipos sobre determinadas práticas corporais, ou alguns discursos, como “ele
joga igual menina”, “ela anda igual menino”. Na educação física existe a cultura da
pseudo-superioridade masculina que proporciona mais práticas corporais para
meninos e maior desenvolvimento no repertório motor destes (CRUZ; PALMEIRA,
2009). Apesar dos vários programas voltados para romper essa questão, ainda há
prevalência dessa hegemonia nas aulas. De encontro a estas questões os mesmos
autores afirmam que nas aulas de Educação Física fica evidente a diferença de
tratamento sobre os corpos de meninos e meninas, isso resulta nos padrões impostos
pela sociedade.
Além destes aspectos, as situações de heteronormatividade são evidentes
diariamente, dentro e fora da escola. A heteronormatividade é a normatização dos
padrões da heterossexualidade, direcionando comportamentos pré-definidos por
sexo. Dentro deste contexto, qualquer manifestação fora dos padrões heterossexuais
é questionada, por isso sugere-se que o professor problematize as questões de gênero
em sala de aula, pois na sociedade existem diversidades sexuais, mas os direitos e o
respeito devem ser iguais. Dessa forma, o conteúdo sobre gênero pode ser
trabalhado de maneira lúdica, objetivando o respeito pelas diferenças nas aulas de
educação física. (VIANNA; SOUZA; REIS, 2015)
Outro ponto para o debate nas aulas são os aspectos sobre as mudanças que
ocorrem na puberdade, já que nessa fase a imagem do corpo vai se desdobrando, o

57
Corpo, Trabalho e Educação

corpo da primeira infância é desconstruído, e ocorre o mal-estar com a autoimagem


(MOIZÉS, 2010). Ainda segundo a autora, a mídia impõe padrões de beleza e o
indivíduo visa construir uma identidade dentro desses padrões. Neste aspecto o
adolescente encontra-se vulnerável aos transtornos psicológicos como a bulimia e a
anorexia.
Na nova proposta da BNCC, a Educação Física tem como competência
analisar e criticar padrões estéticos difundidos pela mídia. Dessa forma, a educação
Física pode ser propulsora de um debate sobre superação de conceitos e convicções
distorcidas do corpo e consequentemente sobre a sexualidade (SANTOS, 2009).
Conseguinte as afirmações, Moizés (2010) sugere que professores necessitam dar
subsídio aos alunos para a reflexão acerca da sexualidade e o corpo.
Deste modo, a educação física é uma área que materializa essas questões
acerca do corpo, por isso o professor deve trabalhar na formação crítica do aluno em
seu processo de aprendizagem respeitando as diferenças do próprio corpo e do corpo
do outro. (GONÇALVES; AZEVEDO, 2007)
No ensino médio a educação física é abordada de forma mais sistematizada
e científica. Neste período, os jovens devem receber informações sobre a saúde,
reprodução e direitos sexuais. A intervenção na área proporciona a vivência
saudável e satisfatória de sua sexualidade. (PONTES, 2011)
A Educação Física é uma disciplina de fato privilegiada para abordar as
questões da educação sexual, desta forma, o professor deve trabalha-las dentro dos
conteúdos da disciplina, como a ginástica, dança, esporte, jogo e brincadeira
(SILVA; SILVA, 2013). A educação sexual é um meio para proporcionar a
compreensão sobre alguns assuntos sobre a sexualidade observados e vivenciados
nas aulas de educação física e no dia a dia do aluno. Abordar essa temática com
alunos do ensino médio e propor novas formas de ensino e aprendizagem para a
educação física.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de campo, do tipo estudo de caso e pesquisa-ação,


exploratório, com caráter qualitativo. Teixeira (2010) afirma que na pesquisa de
campo o pesquisador se aproxima do fato ou fenômeno afim de buscar informações

58
Corpo, Trabalho e Educação

para análise posterior, visando aproximar a teoria dos dados a partir da iteração com
os sujeitos pesquisados.
A modalidade de estudo de caso foi adotada para esta pesquisa, pois a
pesquisa delimita-se para uma unidade-caso com determinado número participantes.
Segundo Gil (2008a), este método proporcionou uma visão global do problema do
estudo ou a identificação de possíveis fatores que influenciam ou são por eles
influenciados.
O procedimento metodológico seguiu o da pesquisa-ação, pois com este
método foi possível realizar ações educativas emancipatórias acerca da educação
sexual no ensino médio em Altamira (PA). Gil (2008a) ainda defende que a
pesquisa-ação é um procedimento técnico caracterizado pela interação entre
pesquisador e os sujeitos das situações investigadas tendo como objetivo a resolução
de um problema.
Gil (2008b) defende que a pesquisa exploratória objetiva esclarecer e
modificar conceitos e ideias, proporcionar uma visão geral de determinado fato,
possibilitando o surgimento de problemas e hipóteses pesquisáveis para estudo. É a
primeira fase da pesquisa quando se estuda temas pouco explorados.
Optou-se pela abordagem qualitativa por ser um procedimento que viabiliza
a discussão acerca da educação sexual nas aulas de educação física, não desprezando
o ponto de vista dos participantes da pesquisa. Desta maneira, a pesquisa qualitativa
procura compreender o fenômeno do estudo para interpretar a perspectiva do sujeito,
sem se preocupar com a representatividade numérica. (TERENCE; FILLHO, 2006)
Para a coleta de dados foi utilizado uma entrevista semiestruturada com
grupo focal contendo quatro perguntas e a captação da narrativa foi feito por meio
de um gravador de voz portátil. Esta técnica de coleta de dados permite a interação
social entre entrevistando e entrevistado, é uma forma de diálogo assimétrico no
qual busca-se dados e informações para a pesquisa. (GIL, 2008b)
A pesquisa foi realizada em uma escola estadual de ensino Médio da zona
urbana de Altamira. A intervenção foi aplicada com 13 alunos com escolares das
turmas de 1º, 2º e 3º ano das séries finas da educação básica.
A escolha da amostra foi feita por meio probabilístico, de forma aleatória
simples. Dessa maneira, todos os elementos tiveram probabilidade idêntica de

59
Corpo, Trabalho e Educação

participarem da amostragem. Para que estes sujeitos fossem selecionados


necessitou-se de uma lista completa dos elementos que formam parte da população
denominada de base da amostragem (RICHARDSON, 2014), nessa pesquisa
utilizou-se a lista de frequência de cada turma para a seleção dos alunos.
Não participaram da pesquisa alunos que não frequentaram ativamente das
aulas, com comprometimento da audição e na cognição com a fala, que não
entregaram assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o
Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) no período determinado.
A pesquisa-ação foi realizada por etapas, sendo elas: planejamento da ação,
desenvolvimento da ação, monitoramento e avaliação final.
O planejamento da ação foi realizado por meio da observação do local da
pesquisa, constatação acerca da disponibilidade de salas para aplicação da ação e
observação do local palco do estudo. Posteriormente, os alunos foram convidados
para participar das aulas e todos os procedimentos legais foram explicados a eles por
meio da entrega do TCLE e para os menores de idade a entrega do TALE.
Após o recolhimento dos termos assinados, iniciou-se a segunda etapa da
ação. Nesta fase foi realizado um encontro no qual foi desenvolvido uma dinâmica
de apresentação, logo após os alunos foram questionados sobre o tema da pesquisa e
cada um escreveu três aspectos que eles acham sobre educação sexual na educação
física. Então, houve um debate entre o grupo em seguida foi aplicada a entrevista
semiestruturada.
A fase do monitoramento da ação caracterizou-se pelas aplicações de aulas
teóricas e práticas sobre educação sexual nas aulas de Educação Física. As aulas
foram divididas em seis dias, cada dia um conteúdo, foram eles: sexualidade,
sexualidade e adolescência, sexualidade e gênero e sexualidade e saúde. Ao final da
aplicação das aulas outra reunião foi necessária para a reaplicação da entrevista
semiestruturada com intuito avaliar os saberes dos alunos sobre as aulas aplicadas.
Após a essas etapas, os dados foram analisados por meio da Análise Textual
Discursiva (ATD), seguindo o procedimento adotado por Moraes (2003). Os
procedimentos da ATD são minuciosos e compostos por desconstrução do corpus ou
unitarização, categorização e captação do novo emergente (MORAES, 2003). O
corpus da pesquisa constitui-se a partir da transcrição das narrativas, composta

60
Corpo, Trabalho e Educação

essencialmente da produção textual, matéria prima da ATD. Em conseguinte, a


desconstrução do corpus ocorreu pela desmontagem do texto, desenvolvimento
assim a montagem das unidades, descrita como unitalização, que é um processo de
interpretação e isolamento das ideias sobre os temas investigados. Após a
desconstrução, criou-se a organização das categorias que possibilitam um novo
emergente, sendo um momento em que se aglutinam as ideias das unidades para a
produção de um novo texto (metatexto) expressando a interpretação do pesquisador
sobre os significados do texto. (MORAES, 2003)
A pesquisa respeitou os aspectos éticos descritos nas Resoluções n. 466/12 e
n. 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (BRASIL, 2012; 2016). Os dados
dos entrevistados foram mantidos em sigilo e se utilizou nomes fictícios para
identifica-los. O participante pode tomar a decisão de recusar de participar da
pesquisa ou retirar-se de qualquer fase desta. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê
de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, Campus XII – Tapajós,
com parecer sob o n. 2.326.887.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para análise dos dados, buscou-se agrupar palavras ou pequenas frases


destacadas no corpus, no qual foram identificadas as relações que continham
significado em comum. A partir deste processo, foram eleitas categorias de análise
que expressam fatores relevantes acerca do tema que trata da educação sexual nas
aulas de educação física.
As categorias eleitas foram: 1) conceito de sexualidade; 2) conceito de
educação sexual; 3) prática pedagógica do professor de educação física para o
ensino da educação sexual; 4) a importância da educação sexual nas aulas de
educação física.
É válido ressaltar, que a análise dos dados considerou os resultados
apresentados pelos participantes da pesquisa antes e após a intervenção.
No que tange ao conceito de sexualidade adotada pelos alunos antes da
intervenção, constatou-se que eles tinham conhecimento limitado acerca do tema, já
que para eles, o conceito de sexualidade se reduz a “sexo” (MEL; BILADA;

61
Corpo, Trabalho e Educação

LOIRINHA; LINO, 06/09/17); “Educação sexual” (AMORA, 06/09/17);


“Orientação sexual” (EDU, 06/09/17); “Estudo para prevenir” (JADE, 06/09/17);
“Identidade sexual diferente” (CRIS, 06/09/17); “Estudo de doenças” (JADE,
06/09/17). Ainda enfatizam que o conceito está relacionado a “Escolhas e dúvidas”
(ANA CLARA, 06/09/17).
Nesta perspectiva, percebeu-se que antes da intervenção os alunos ainda não
tinham definido corretamente o conceito de sexualidade, associando-a ao sexo. Isso
talvez implica no olhar biológico sobre o corpo. Maistro (2009) enfatiza que apesar
de que sexo é um aspecto da sexualidade, porém não é seu conceito como todo, pois
a sexualidade abrange aspectos além do corpo, é uma dimensão do ser humano que
envolve gênero, identidade sexual, sentimentos, envolvimento emocional,
reprodução, costumes, cultura, crenças, valores, postura e nossa história.
Ficou nítido a evolução dos alunos em relação a primeira entrevista, pois o
conceito de sexualidade se tornou mais abrangente e consciente, já que os alunos
puderam compreender o que é sexualidade quando conceituaram que esta é inerente
ao ser humano por isso “nascemos com ela (CRIS; JADE; LINO; JUJUBA; MILA,
25/09/2017), e expressamos ela por nossas experiências, desejos, crenças, valores,
atitudes, emoções e pensamentos (AMORA; ANA CLARA; CRIS; MEL,
25/09/2017). Ainda relataram que sexualidade é: “A diferença entre homem e
mulher” (ZENTORNO, 25/09/17); “O entendimento da vida” (BILADA, 25/ 09/17).
“Aborda relacionamentos, gênero, identidade sexual” (DOCINHO, 25/ 09/17);
“Envolve contexto cultural, o gosto sexual, caráter, emoções, sentimentos” (MEL,
25/09/17). Desta forma, os alunos superaram a barreira de falar sobre o que é
sexualidade e carregaram para si esse conhecimento.
Em relação ao conceito de educação sexual apresentados pelos alunos antes
da intervenção, percebeu a partir da fala dos sujeitos que ela está relacionada a
biologia, como prevenção de doenças, gravidez e sobre a anatomia. Sabe-se que a
educação sexual é abrangente que envolve a discussão sobre vários aspectos da
sexualidade (PONTES, 2011). Na concepção dos alunos, a educação sexual é:
“Prevenção de Doenças” (JUJUBA; LINO; MILA; BILADA; ZENTORNO; JADE,
06/09/17); “Prevenção de gravidez” (AMORA, 06/09/17); “Aprender sobre gametas,
sobre identidade” (ANA CARA, 06/09/17).

62
Corpo, Trabalho e Educação

As ações educacionais, por muito tempo, limitaram a educação sexual a uma


visão medicalizada (MOIZES, 2010) e o reflexo desse ensino ainda está arraigado
no berço escolar, pois a maioria dos alunos responderam que a educação sexual é a
prevenção de doenças e da gravidez.
Após a intervenção, os alunos entenderam educação sexual como: “O ato de
ensinar os alunos sobre o gênero, as doenças anticoncepcionais, a gravidez na
adolescência (JADE, 25/09/17); “Aprendizado da sexualidade” (CRIS, 25/09/17;
JUJUBA, 25/09/17); “Respeito a orientação sexual (BILADA, 25/09/17); “Ensino
sobre a sexualidade (EDU, DOCINHO; MEL, 25/09/17). Assim, os alunos puderam
compreender um pouco mais sobre a educação sexual, ficando claro que a educação
sexual é uma construção diária de conhecimento que vai se perpetuar para toda a
vida, chegando a conceituar educação sexual como o processo de aprendizagem da
sexualidade.
Outro ponto relevante condiz sobre a educação sexual formal que os alunos
relacionaram como “ensinar os jovens sobre a sexualidade” (ZENTORNO,
06/09/17). Segundo Maistro (2009), a educação sexual nas escolas é importante para
compreender aspectos sobre a sexualidade, problematizando alguns assuntos
consequentemente refletindo e analisando sobre.
Quando indagados acerca da prática pedagógica do professor de educação
física, para o ensino da educação sexual antes da intervenção, os alunos afirmaram
que a aula do professor é “separada por homens e mulheres” (ZENTORNO; LINO;
AMORA, 06/09/17); “Diferente intensidade do esporte para meninos e meninas”
(BILADA; MILA, 06/09/17) ou ainda afirmaram que o professor “nunca trabalhou”
(CRIS; JADE; ANA CLARA; DOCINHO; JUJUBA, 06/09/17) nenhuma aula
voltada para a educação sexual.
Nessa primeira parte da coleta de dados, a maioria dos alunos respondeu que
o professor não aborda sobre educação sexual nas aulas de Educação Física.
Enquanto outros alunos responderam que os professores separam as meninas de
meninos e sua metodologia é diferenciada para meninos e meninas, chegando a
compreender que a abordagem da educação sexual nas aulas de educação física é
muitas vezes transmitida de maneira informal.
Quando o aluno citou que o professor trabalha de maneira diferente com as

63
Corpo, Trabalho e Educação

meninas ele então fez uma análise sobre o gênero nas aulas de educação física.
Segundo Furlani (2009), não deve existir segregação de gênero nos conhecimentos,
a prática pedagógica deve acontecer de maneira democrática para meninos e
meninas.
Após a intervenção, os alunos tiveram um novo ponto de vista sobre a
metodologia adotada pelo professor, passando a compreender que a professora de
educação física trabalha indiretamente a educação sexual, pois a maioria dos alunos
enfatizaram que a educação sexual está relacionada a separação entre homens e
mulheres nas aulas (EDU; LOIRINHA; MILA; JUJUBA; AMORA; CRIS,
25/09/2017), ou ainda a utilização de uma metodologia diferenciada para meninos e
a relação da professora com os meninos (ZENTORNO; MEL; BILADA, 25/09/17).
Todavia, alguns alunos ainda continuaram afirmando que a educação sexual
é enfatizada quando o professor faz separação entre meninos e meninas nas aulas.
Eles afirmaram que as aulas dos meninos são mais elaboradas, se referindo a
aplicação das técnicas nos jogos e nos esportes, sendo que para meninas as aulas são
mais “bagunçadas” (ZENTORNO; MEL, 25/09/17). Segundo Prado; Altmann e
Ribeiro (2016), quando se trata das manifestações de práticas corporais e esportivas,
não é difícil perceber essa divisão de atividades ditas “masculinas” e “femininas”. os
autores acrescentam ainda que ao indagar a educação física como problematizadora
das questões de gênero, esta permitirá questionar alguns regimes impostos sobre o
corpo, gênero e sexualidade.
Outro ponto muito intrigante é a relação professor-aluno, pois segundo
relatos do Lino (25/09/17) “no começo ela (professora) tinha que conquistar os
alunos pra depois impor”. Assim, a professora precisou cativar os meninos para
obter respeito, por ela ser mulher. Isto se explica pela construção social, sobre
homens e mulheres, que implica na hierarquização dos corpos, assim a desmarcação
dessa imposição é fundamental para a desigualdade de gênero. (PRADO;
ALTMANN; RIBEIRO, 2016)
Após a intervenção, os alunos foram indagados acerca de que temas
gostariam que a professora ministrasse nas aulas de educação física com assuntos
sobre educação sexual, eles afirmaram que era importante a docente trabalhar temas
voltados para “Gênero, prevenção, direitos sexuais” (CRIS; ANA CLARA;

64
Corpo, Trabalho e Educação

DOCINHO; JADE, 25/09/17); “Sexo” (LINO, 25/09/17); “Sobre a violência”


(AMORA, 25/09/17); “Prevenção” (ZENTORNO, 25/09/17; BILADA); “Gênero”
(MEL, 25/09/17; LOIRINHA, 25/09/17); “Violência contra homossexuais e
transexuais” (EDU; MILA; JUJUBA, 25/09/17). Para Furlani (2009, p. 45), “as
temáticas discutidas na educação sexual são conhecimentos imprescindíveis à
formação integral da criança e do/a jovem”. Fica explicito que, mesmo com a
intervenção, os alunos têm anseios para debater mais sobre esses temas propostos.
Quando indagados acerca da importância da educação sexual nas aulas de
educação física, antes da intervenção, constatou-se que os alunos achavam que o
ensino da educação sexual é relevante, pois: “Poucas pessoas sabem sobre
sexualidade” (JADE; JUJUBA, 06/09/17), ou ainda: “Aprender a aceitar a
sexualidade do próximo” (AMANDA, 06/09/17); “Descobrir mais sobre nosso
corpo” (ANA CLARA, 06/09/17); “Ajuda a entender algumas coisas” (MEL,
06/09/17).
A partir desses resultados, percebe-se que os alunos ainda têm uma visão
limitada acerca do ensino da educação sexual dentro da educação física, pois apesar
da educação sexual na educação física também envolver conhecimento acerca do
“corpo”, os alunos têm a possibilidade de “descobrir mais sobre o corpo”, já que
segundo Santos (2009), é necessário compreender que as aulas de Educação Física
devem viabilizar um estudo do corpo e de suas práticas, num processo de
compreensão histórico-social e cultural da sexualidade que envolvem o corpo.
Após a intervenção, quando questionados acerca da importância da
educação sexual nas aulas de educação física, os alunos afirmaram que ela contribui
para “Conhecer a sexualidade da pessoa” (ANA CLARA, 25/09/17); “Abrir a mente
das pessoas” (AMORA, 25/09/17); “É uma forma de incluir pessoas de gênero e de
identidade diferente” (EDU, 25/09/17); “Mostrando para meninas que não existe
diferença entre meninos e meninas para praticar esporte” (MEL, 25/09/17); “Por que
trabalha com corpo” (ZENTORNO, 25/09/17); “Aprendemos sobre sexualidade”
(JUJUBA, 25/09/17); “Ensinando os alunos a respeitarem a orientação sexual do
outro” (BILADA, 25/09/17); “A gente aprende a se cuidar” (MILA, 25/09/17).
As opiniões dos alunos quanto a relevância da atuação do professor se
modificaram relativamente em relação a primeira entrevista realizada antes da

65
Corpo, Trabalho e Educação

intervenção, já que para a maioria dos alunos ao ensino da educação sexual nas aulas
de educação física incentiva o respeito pelo próximo, como cita a aluna Loirinha
(25/ 09/17), “a gente aprende a respeitar o próximo. A educação sexual pode-se
discutir sobre valores como respeito, solidariedade e tolerância, as atividades devem
levar os jovens a refletir sobre a importância da aceitação do outro como ser
diferente. (FURLANI, 2009)
Aspectos de gênero relacionados ao respeito entre meninos e meninas
também puderam ser observados. Nas respostas das alunas Jade e Cris, quando
citam que o ensino da educação sexual é importante porque ensinam os meninos a
respeitarem meninas, pois “[...] as mulheres não são inferiores”. Segundo Furlani
(2009), quando meninos e meninas convivem mutuamente e compartilham
experiências é um modo de superar a desigualdade de gênero, com o respeito.
Desta maneira a educação sexual entra como ponto importante para o debate
de gênero, implicando assim no esclarecimento sobre a cultura construída sobre os
corpos de meninos e meninas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo verificou que a Educação Física é um espaço privilegiado para o


ensino da educação sexual. Sendo assim, adiar este ensino acerca da educação
sexual nas escolas só irá prejudicar os jovens e adolescentes na sua formação como
cidadão, já que ela contribui para a construção da sua sexualidade e para a
desmistificação de tabus acerca das questões relacionadas ao gênero, prevenção,
violência, entre outros.
Todavia, o estudo evidenciou que falar sobre a sexualidade nas aulas de
Educação Física durante o ensino da educação sexual ainda é um entrave nas escolas
e na prática de educação física, já que os alunos apresentaram conceitos limitados
acerca da sexualidade e da educação sexual. A prática pedagógica da educação
sexual nas aulas de educação física proporciona não só o aprendizado das dimensões
corporais, mas abrange um leque de possibilidades para trabalhar com os alunos,
conforme a realidade de cada escola. Deste modo, abordar educação sexual no
ensino médio é de suma importância para a construção do diálogo entre educador e

66
Corpo, Trabalho e Educação

educando, assim ambos enfrentam e analisam os problemas cotidianos.


Diante do exposto, o estudo traz considerações relevantes para o campo
acadêmico e para os professores da área, todavia, vislumbra a necessidade da
elaboração de outras pesquisas acerca da temática, com o intuito de tecer novas
análises sobre a educação sexual nas aulas de educação física, a partir de diferentes
contextualizações.

Talking about sex education in physical education in Altamira (PA)

Abstract: This research aims to analyze the importance of the Physical Education teacher's
work on sex education in high school in Altamira/PA. For data collection, it was used focal
interview, since this method helped in social interaction between interviewer and
interviewee, becoming a form of asymmetric dialogue in which data and information are
searched for the research. The study was carried out with 13 students from the 1st, 2nd, and
3rd high school classes. The study emphasizes that in physical education classes, the sex
education is approached in an informal way, which is the reason that few subjects inherent to
the theme are problematized in class. It concludes considering the need to develop the
pedagogical practice focused on sex education in physical education classes because it
provides learning of body dimensions and also helps students and teachers to confront daily
problems about sexuality.
Keywords: Physical Education. Sex Education. Pedagogical Practice.

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70
Corpo, Trabalho e Educação

Trabalho docente na rede pública estadual de Alagoas:


interfaces entre a precarização e as dinâmicas biopolíticas

Geisa Carla Gonçalves Ferreira (UFAL) 15


Elione Maria Nogueira Diógenes (UFAL) 16

Resumo: Este artigo versa sobre um tema bastante atual e preocupante, o trabalho docente e
suas metamorfoses, culminando com a precarização da profissão. As últimas décadas do
século XX e XXI foram determinantes no campo das políticas educacionais, no sentido de
reconfigurar o trabalho docente, de forma a provocar situações complexas no que diz
respeito à ação do docente no dia-a-dia escolar. A preocupação foi a de analisar o processo
de precarização do docente em seu exercício profissional. A metodologia privilegiou a
revisão da literatura, a análise documental e a pesquisa de campo sobre a temática. Estudei
como esse processo tem ocorrido na base territorial alagoana, não perdendo de vista as
relações entre o local e o global. As conclusões indicam que: a classe docente (em sua
totalidade) em Alagoas não tem encontrado estratégias significativas de mobilização para
mudar a perspectiva das políticas públicas educacionais desfavoráveis à ação docente.
Palavras-chave: Trabalho docente. Precarização do trabalho docente. Biopolíticas.

INTRODUÇÃO

Este artigo desdobra-se a partir da pesquisa de Mestrado17 realizada em


Alagoas entre 2015 e 2016 pelo Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal de Alagoas. Tem início a partir de uma leitura da categoria
trabalho enquanto categoria fundante do ser social numa perspectiva ontológica.
Discutimos a precarização do trabalho docente mediante o olhar dos sujeitos imersos
no processo na Terra dos Marechais. A cotidianidade do trabalho docente na
experiência alagoana, de acordo com a empiria, corporifica o processo social de
metamorfose das relações de trabalho quanto à precarização do trabalho da
categoria. O presente texto triangula a base teórica, as falas dos/as sujeitos e o
campo da pesquisa.
Quando se trata de discutir a questão do trabalho, não é possível passar ao

15
Doutoranda em Educação, Universidade Federal de Alagoas.
E-mail: geisacarla2420@gmail.com
16
Doutorado em Políticas Públicas, Universidade Federal de Alagoas.
E-mail: elionend@uol.com.br
17
O projeto da pesquisa em tela foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), por meio da Plataforma Brasil, e aprovado em
setembro de 2015, cujo nº do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) é
46990015.6.0000.5013.

71
Corpo, Trabalho e Educação

largo das ideias de Marx (1818-1883)18. O mundo dos/as homens/mulheres tem na


sua base constitutiva a reprodução social por meio do trabalho, considerado pelo
filósofo da práxis, Marx (1996, 2000, 2008, 2010), como categoria fundante do ser
social numa perspectiva ontológica. Lessa e Tonet (2011, p. 35) defendem que “a
reprodução social nada mais é do que uma síntese da singularidade em articulação
com a totalidade”. Essa síntese caracteriza-se pelo desenvolvimento da história das
sociedades organizadas por um conglomerado de indivíduos, em que organizam
modos de produção que a humanidade tem vivenciado até os dias de hoje.
Na dinâmica capitalista, o trabalho possui caráter duplo e contraditório. O
trabalho, que necessita de dispêndio produtivo de cérebro, músculos, nervos, mãos e
humanos, de forma perversa, é apoderado pela burguesia em condições degradantes
e aviltantes. É espremida da classe trabalhadora toda a sua capacidade produtiva, e
em troca são devolvidas migalhas do capital. Nesse projeto de sociedade, a categoria
trabalho se materializa na condição de trabalho estranhado, que se manifesta em três
dimensões: quanto ao produto, quanto ao processo e quanto ao gênero humano.
Ainda que o trabalho seja um elemento mediador e ineliminável de qualquer
projeto de sociabilidade humana, na experiência moderna, sob a batuta do sistema
sociometabólico do capital, ele aterroriza numa dimensão de sujeição uma classe
(trabalhadora) em detrimento da manutenção da vida perdulária de outra (burguesa).

DINÂMICAS BIOPOLÍTICAS: O TRABALHO DOCENTE E A PRECARIZAÇÃO EM FOCO

No campo da pseudoconcreticidade (KOSIK, 2010), a profissão docente tem


sido muito estudada, com vasta ênfase nos aspectos didáticos da prática docente.
Analisamos a realidade da prática docente a partir das políticas educacionais
implantadas em 1990, cuja reforma do Estado brasileiro foi determinante para
consolidar as transformações que permeiam os saberes e poderes que agem sobre o
corpo docente capilarizadas na teia biopolítica social.
Ao problematizar acerca da educação, com foco em Alagoas, recupera-se a
narrativa e as motivações que orientaram o modo como foi delineada a vivência

18
Maior filósofo da história da humanidade. Analisou, estudou e teorizou sobre a dinâmica
das relações do mundo dos homens tendo como guisa explicativa o trabalho enquanto
categoria fundante do ser social.

72
Corpo, Trabalho e Educação

histórica e, de certa maneira, é exercitar a memória dos fatos sociais que


compuseram ao longo dos anos a atual configuração educacional que temos
contemporaneamente na Terra dos Marechais (VERÇOSA, 1997). Este é o
pressuposto que orientou esta investigação acerca da precarização do trabalho
docente.
Pensemos na resposta desse entrevistado/a ao ser questionado sobre a
política educacional de Alagoas “Tem que mudar muito, principalmente no que diz
respeito aos valores desenvolvidos na escola e no Estado. Voltar para uma
educação mais humanista e não tão capitalista como está”. (ENTREVISTADO 4,
2016)
Para entender como foi constituído o estereótipo da má qualidade na área
educacional, foi preciso associar os diversos índices negativos que o estado de
Alagoas possui, em especial, quanto ao analfabetismo. Além do mais, se tem um
baixo índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e alta taxa de violência. Com
efeito, existe uma necessidade de analisar os processos e superar a realidade
concreta. A relação global versus local interfere diretamente na concepção
educacional do estado e corrobora para o objeto em tela. É este estreitamento que
produz diferenças e que Santos (1998) problematiza sobre as novas relações entre a
natureza e a ciência moderna.
Desde o século XX, o modo de produção capitalista, ao construir o novo
bloco histórico19 (conteúdo econômico-social e forma ético-política), mantém até os
dias atuais suas características essenciais. Das mudanças que vêm se processando
mundialmente no modo de produção vigente nas últimas décadas do século XX, aos
anos iniciais do século XXI, tem se materializado novas alterações na forma de
organização do trabalho e da produção. As relações de poder continuam dando
movimento à teia contraditória, inerente às relações sociais capitalistas. (NEVES,
2005)
As políticas públicas educacionais do país, em conformidade com os
ditames de organismos internacionais, apresentam-se como parte fundamental do
reordenamento do Estado-nação brasileiro, cujo resultado é a minimização de sua

19
Para Gramsci (2000), a categoria bloco histórico é a articulação interna de uma situação
histórica precisa.

73
Corpo, Trabalho e Educação

atuação na economia e a redução drástica de gastos nas áreas sociais. As formas de


flexibilização do trabalho têm demonstrado uma faceta perversa da precarização,
porque restringem, dividem e comprometem o trabalho, dificultando a mobilização e
a organização da luta das classes fundamentais da sociedade capitalista.
A precarização do trabalho do/a docente nas relações de trabalho é, em si,
imperativa do capital (reestruturação produtiva). A compreensão do constructo
sócio-histórico que deu origem à profissão docente faz-se essencial. A crescente
problemática investigada neste momento histórico caminha com a
afirmação/negação da profissão no imanente movimento assentado na contradição
que embasa a complexidade da vida em sociedade.
Sobre o trabalho docente, Schwartz (1988) explica que essa experiência não
se limita à produção de resultados, mas é um processo de formação e de
aprendizagem que modifica os conhecimentos e a identidade do/a trabalhador/a e
suas próprias relações com o trabalho. Foi possível perceber que a docência diz
respeito a uma atividade cognitiva, que fora pensada num plano abstrato/concreto. A
característica básica é a apropriação de conhecimentos, sendo seus pressupostos a
produção e a socialização. O circuito por inteiro valoriza as capacidades cognitivas
dos sujeitos envolvidos.
A escola é uma instituição histórica, na qual se estabelecem as práticas do
trabalho docente. Àquela é exigência das determinações do capitalismo, cuja
finalidade é a de qualificar a força de trabalho para o processo de produção. Essa
instituição configura-se de modo dual nas relações sociais. A construção da
sociabilidade está alicerçada sobre o trabalho social: “os homens passarão a se
encontrar para efetivar sua vocação de ser mais, de humanizar-se” (MORAES;
PAULA; COSTA, 2013, p. 102-105).
A educação é, portanto, uma mediação entre o indivíduo, a sociabilidade e a
história humana. “Na atual forma de organização social capitalista a educação
escolar se generaliza, mas continua a realizar-se predominantemente sob o caráter
conservador e reacionário de reprodução das relações sociais vigentes” (ibidem, p.
105). A vontade educativa personificada na consciência e na ação dos/as
educadores/as, movimenta-se no entendimento da realidade social.
Isso porque, apesar dos condicionantes históricos, o ser docente lida com a

74
Corpo, Trabalho e Educação

precarização de seu trabalho, que nesta conjuntura tem corroborado para que o
sujeito docente, na particularidade brasileira, e especificamente alagoana, conforme
salienta Alves (2000, p. 9), metamorfoseie-se “em insumo, e não um recurso
humano do processo de aprendizagem”. Isto é alarmante, sobretudo, em face às
necessidades concretas histórico-sociais que a educação e o trabalho docente
ocupam na sociedade numa perspectiva emancipatória. É por meio desse momento
conjuntural que se faz a análise acerca das transformações do mundo do trabalho
docente e os impactos que o assolam.
No transitar entre a análise conjuntural e a centralidade do trabalho docente,
é possível vislumbrá-lo à luz das transformações do mundo do trabalho, por meio do
processo produtivo que corrobora para a desvalorização do mundo dos homens em
detrimento do mundo das coisas.
Ao realizar o contato com os/as professores/as sobre a questão da
precarização do trabalho docente e como esta se manifesta concretamente no seu
ambiente de trabalho, sublinhamos a seguinte resposta “É um processo de
adaptações a várias situações. Não existem outras escolhas. Estamos prisioneiros
nesse sistema de faz de conta” (ENTREVISTADO 5, 2016). Este diálogo perpassa a
construção do espaço relacional e diz muito sobre a construção de crenças e valores,
que legitimam ou não determinada concepção de sociedade. A precarização do
trabalho permite compreender os processos que alimentam a vulnerabilidade social.
A compreensão favorece, com isso, o fortalecimento de uma proposta contra
hegemônica de organização societária. Para tanto, ir à raiz do conceito possibilita
desnudar a realidade aviltante das reformas estruturais do Brasil, no plano político,
responsáveis pela consolidação do projeto de formação do novo homem coletivo
(NEVES, 2005). Autogestionário, acrítico, e assistemático com as problematizações
acerca da mídia, da vida, do trabalho e da saúde.
A temática deste artigo demanda pela delimitação de uma das significações
da precarização, e, por isso, analisa o trabalho docente a partir do pressuposto de
que, com o fenômeno da mundialização do capital, em escala mundial, expandida à
reforma do Estado brasileiro a partir da década de 1990, torna-se necessário observar
o trabalho, não apenas em termos de condições objetivas – que podem atenuar os
efeitos da precarização –, mas, também, por meio das condições subjetivas, que

75
Corpo, Trabalho e Educação

dizem respeito ao modo como os interesses e desejos particulares dialogam com as


características do mundo do trabalho.20
Na década de 1990, no Brasil, ocorreu – por meio da disseminação do
consenso21 na sociedade civil22 – um retrocesso na luta da classe trabalhadora,
caracterizando-se como um período de composição, consolidação e aprofundamento
da hegemonia burguesa com ações neoliberais de terceira via que fundamentam a
nova pedagogia da hegemonia.
Para Duriguetto (apud NEVES, 2005, p. 97), “essa nova sociedade civil
organizada é concebida como uma esfera pública não estatal de cidadania, como
espaço de interação social que, também homogeneamente, aglutina esforços na
direção do bem comum, do interesse público”. Ocorre que o bem comum, postulado
a partir da disseminação dessa nova organização social, tem reverberado num
processo de desertificação da condição do trabalho frente às formas que oscilam
entre a superexploração e a própria autoexploração da força de trabalho em escala
global. Desta conjuntura, desponta o discurso falacioso em defesa da flexibilização
das relações no âmbito do trabalho, resguardadas pela lógica dominante enquanto
estratégia para a preservação dos empregos e da contenção do desemprego.
Fernandes (2010, p. 1) conceitua a precarização em relação “ao surgimento
de novas formas de trabalho a partir de um processo de mudanças estruturais no
capitalismo, que procura garantir competitividade às empresas por meio da
flexibilização das relações de trabalho”. Ou seja, sob o pretexto da preservação dos
empregos e da contenção do desemprego, redefinições significativas espraiam-se a
partir dos anos de neoliberalismo.
A nova pedagogia objetiva as novas formas de trabalho problematizadas por
Fernandes (2010, p. 2), que são resultantes das condições que a burguesia tem em
20
Chesnais (1996, p. 23-25) traz a discussão da mundialização em contraposição à
globalização, considerada como um processo que defende tal movimento como irreversível,
benéfico e necessário.
21
Trabalho aqui com a ideia de consentimento ativo, como um conjunto relativamente
autônomo de relações ideológicas e culturais que se modificam por meio da direção moral e
intelectual exercida pelas classes dominantes. (COUTINHO, 1996)
22
Como sociedade civil, Gramsci (2000) entende o espaço no qual as classes se organizam e
defendem seus interesses, de modo que projetos societários são confrontados e a luta pela
hegemonia ganha materialidade, por meio de organizações ou aparelhos privados
(associações, sindicatos, partidos, etc.) das classes ou frações de classe.

76
Corpo, Trabalho e Educação

atender, de forma parcial, os interesses das classes dominadas, ao resultar “num


equilíbrio que será interrompido a partir do agravamento e da precarização das
condições de trabalho e de vida”. Tal equilíbrio efetiva-se sob a:

Perda da razão social do trabalho, quando este, no contexto da crise do


sistema e do Estado neoliberais, começa a ser terceirizado e
flexibilizado, tendo como reflexos principais a ocorrência de novas
formas de gestão e de organização do trabalho e a perda de direitos
trabalhistas. (TAVARES, 2011, p. 21).

É bem verdade que a multiplicidade semântica do conceito permite


múltiplas interpretações, uma vez que as condições materiais de trabalho, por si só,
não se relacionam à precarização. No entanto, as condições de trabalho do dia-a-dia
são também marcadas pela falta de subsídios, como se percebe na seguinte fala
“Falta praticamente tudo, desde um simples papel a sala inadequada para o ensino
aprendizagem” (ENTREVISTADO 6).
De acordo com Oliveira (2006), se no campo material as especificidades do
trabalho forem contempladas, o processo que se inaugura é o de intensificação do
trabalho, como disse, comumente confundido com a precarização do trabalho. Para a
mesma autora,

Podemos considerar que, como o trabalho em geral, o trabalho docente


tem sofrido relativa precarização nos aspectos concernentes às relações
de emprego. O aumento dos contratos temporários nas redes públicas de
ensino, chegando, em alguns casos, a número correspondente ao de
trabalhadores efetivos; o arrocho salarial; ausência de piso salarial;
inadequação ou mesmo ausência, em alguns casos, de planos de cargos
e salários; a perda de garantias trabalhistas e previdenciárias oriunda
dos processos de reforma do Estado têm tornado cada vez mais agudo o
quadro de instabilidade e precariedade do emprego no magistério
público. (OLIVEIRA, 2006, p. 216).

Em concordância com Mancebo (2007, p. 470), a intensificação refere-se


“[...] as mudanças na jornada de trabalho de ordem intensiva (aceleração na
produção num mesmo intervalo de tempo) e extensiva (maior tempo dedicado ao
trabalho)”. Daí, decorrem análises sobre o aumento do sofrimento subjetivo: os
efeitos de neutralização da mobilização coletiva e o aprofundamento do
individualismo competitivo. Cada particularidade conceitual afeta de modo

77
Corpo, Trabalho e Educação

específico o mundo do trabalho, e cada uma delas atinge não apenas no sentido
objetivo a sua condição de emprego e salário, mas, também, no sentido subjetivo a
sua consciência de classe. (ALVES, 2000)
Para Pochmann (2001, p. 37), do ponto de vista técnico, “já é possível falar
dessa nova condição do trabalho, composta pela opção entre precarização e
desemprego”, no qual “a terceirização e a flexibilização da economia vêm causando
fortes impactos no mercado de trabalho”. Segundo ele, “o Brasil abandonou a
perspectiva do planejamento estratégico e o diálogo com o futuro, ficando
prisioneiro do curtíssimo prazo” (POCHMANN, 2001, p. 37). Imputado à lógica de
financeirização da riqueza, rumo, inevitavelmente, à precarização do trabalho.
Precarização esta que tem sido responsável pela difusão de uma concepção política
em relação ao mundo do trabalho que pormenoriza os problemas que decorrem do
fenômeno e exclui a possibilidade de conflito entre as forças hegemônicas
fundamentais rivais.
É sobre o agravamento na precarização das condições de trabalho de vida da
classe docente, na particularidade alagoana, que este artigo reflete, em razão de a
escola, aparelho privado de hegemonia (GRAMSCI, 2000). Apesar da precarização
do trabalho docente ser um conceito polissêmico, é possível pensar em uma noção
do termo que possa nortear a análise. Nesse sentido, trabalho com um conceito
dialético porque permite o processo de transformação social e histórico, dado o fato
de que é uma política educacional datada e concreta.
Por isso, o conceito com o qual trabalhamos trata-se de um amplo território
de relações sociais e trabalhistas, que vem sistematicamente contribuindo para a
desqualificação do trabalho docente, ao tempo em que o torna como uma ação
profissional desvalorizada, desrespeitada e, por consequência, precarizada. Pode-se
perceber tal fato no depoimento dos entrevistados “É uma das piores profissões!
Professor é visto como um desajustado social, tenho vários exemplos”
(ENTREVISTADO 9, 2016). “Com muita tristeza e dificuldade. Diariamente
encaminhamos turma para casa sem aula, porque o professor falta e não há
condições de articular outro trabalho” (ENTREVISTADO 10, 2016).
Por estas falas, é perceptível o desinteresse desses professores com a sua
profissão. Para estes, perdeu-se inclusive a alteridade nessa área de trabalho. Como

78
Corpo, Trabalho e Educação

responder de forma positiva a uma postura como esta? No que diz respeito à
pesquisa, são muitas as decepções, como vemos nos trechos subsequentes:

Uma profissão que precisa de mais respeito, investimento, estrutura.


(ENREVISTADO 12, 2016).
Claro, não é possível realizar uma educação de boa qualidade sem a
mínima infraestrutura, e garantir esta demanda pode tornar a profissão
menos dolorosa. (ENREVISTADO 13, 2016).
Um dos aspectos de precarização é a falta de formação continuada dos
professores, assim como, os monitores e demais contratados e
principalmente a falta de concurso público para amenizar a falta de
pessoal humano. (ENREVISTADO 14, 2016).
Sem investimentos em formação continuada, e mais vagas para a pós-
graduação aliada a valorização salarial teremos precarização.
(ENREVISTADO 15, 2016).
O professor da escola pública tem uma carga horária extensa, pouco
tempo para estudar salário insuficiente em relação ao tempo de
trabalho que exerce. (ENREVISTADO 16, 2016).

As circunstâncias históricas que enredaram a tessitura do contexto


educacional alagoano, num movimento balizado pelos ditames centro/periferia,
corroboraram para o desenvolvimento de um cenário atravessado por desigualdades
econômicas, que, ao interpelar os traços constitutivos da reforma do Estado da
década de 1990, culminando no âmbito da educação com a minimização das
responsabilidades dos Estados nacionais e dos recursos públicos, passou a enfrentar
os infortúnios decorrentes da racionalização dos investimentos com a finalidade da
execução do projeto de desenvolvimento neoliberal.
Cabe observar as metamorfoses que compõem o sujeito docente situadas por
Tardif (2002, p. 54), no que se refere aos saberes que diferenciam o docente dos
demais profissionais, “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das
instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática
cotidiana”. Esta pluralidade, conforme o exposto acima, é o subterfúgio da docência
para a interpretação das perspectivas sem encanto com que me deparei acerca da
profissão.
Para tanto, é fundamental compreender os estigmas desta profissão de
saberes plurais (TARDIF, 2002). As falas dos entrevistados são, nesse sentido,
reveladoras:

79
Corpo, Trabalho e Educação

Fantástica, apesar dos pesadelos. (ENTREVISTADO 7, 2016).


É maravilhoso, porém não é valorizada. (ENTREVISTADO 15, 2016).
Imprescindível para a formação de uma sociedade pensante e crítica.
(ENTREVISTADO 21, 2016).

Os recortes das falas corroboram para a análise referente à história recente


da profissão no Brasil, sobretudo, desde a década de 1980, quando a conjuntura
nacional inaugura uma fase atravessada por golpes, que podem ser caracterizados
pela paulatina desmobilização da categoria ao longo dos anos. A realidade que pude
observar fez-me assumir uma postura crítica diante das “falas” dos docentes
entrevistados/as, pois, a partir do desvelamento do objeto de estudo, foi possível
constatar que a maioria dos/as professores/as possui um sentimento de baixa
autoestima pelo desprestígio social que a profissão vem sofrendo. Desse modo, com
a crescente desvalorização da profissão, o ser docente passa a ser “vítima” de uma
lógica mercantil, em que a força de trabalho representa “o surgimento de novas
formas de trabalho a partir de um processo de mudanças estruturais no capitalismo
[...]” (FERNANDES, 2010, p. 1).
Por meio do Quadro 1, dimensionamos alguns traços dessas novas formas de
trabalho, observando como os sujeitos da pesquisa enfatizaram questões como: a
carga horária, a falta de capacitação, a infraestrutura, a monitoria, a política
educacional, o desinvestimento na carreira, a formação continuada, a avaliação da
aprendizagem e a valorização profissional, no tocante à precarização do trabalho
docente.
Com efeito, as falas dos/as docentes entrevistados/as dialogam com as
conclusões da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (TALIS 23),
realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), ao concluir que 90% dos docentes brasileiros/as sentem a desvalorização
real da profissão. A referida pesquisa coletou dados, comparados
internacionalmente, sobre o ambiente de aprendizagem e as condições de trabalho
dos/as professores/as, objetivando conhecer o perfil atual da profissão docente.

23
TALIS é o nome da sigla da pesquisa em inglês: Teaching and Learning International
Survey.

80
Corpo, Trabalho e Educação

Quadro 1 – Consequências das novas formas de trabalho para a docência


FALTA DE
CARGA HORÁRIA INFRAESTRUTURA
CAPACITAÇÃO
“Semanalmente “Sem investimentos em “Muitas escolas ainda
Entrevistado encaminho turma para formação continuada, não têm material
16 casa sem aula, porque não temos como didático suficiente para
não há condições de ingressar nas vagas da atender os alunos e nem
articular com o outro pós-graduação”. mesmo a estrutura
trabalho”. física”.
DESINVESTIMENTO
IMOBILIZAÇÃO
MONITORIA NA CARREIRA
SINDICAL
DOCENTE
“Considero uma “A impossibilidade de “Desafio diário diante
precarização manter continuidade de de um cenário nacional
esse sistema (digo trabalho e o inevitável falido e
Entrevistado modelo) de monitoria enfraquecimento da desinteressado”.
18 com tempo determinado capacidade
de contrato, sem tempo mobilizadora da
para formação, categoria devido à
planejamento, com divisão da classe”.
remuneração
diferenciada”.
FORMAÇÃO AVALIAÇÃO DA DESVALORIZAÇÃO
CONTINUADA APRENDIZAGEM SOCIAL
“Falta de condições nos “O processo de “Falta de visão política
Entrevistado processos de formação avaliação da forma que para a valorização do
19 na escola”. está acontecendo está professor visando a
equivocado, ausência de melhoria dos aspectos
professores (disciplinas sociais/econômicos do
não ofertadas)”. país”.
Fonte: Elaborado pelas autoras (2017).

Conforme os dados, somente 12,6% dos/as professores/as brasileiros/as


sentiam-se valorizados. A média internacional é de 30,9%. O levantamento indica
que os/as docentes do país são os que mais trabalham, com 25 horas semanais de
ensino. Além disso, os dados da pesquisa apontam que os/as professores/as
brasileiros/as ocupam um tempo pedagógico considerável para controlar a disciplina
em sala de aula e que não há quase nenhuma política de Estado para a formação
continuada.
Quanto à satisfação do profissional da área de educação em Alagoas, a
materialidade do trabalho aponta que os/as docentes estão insatisfeitos/as, tendo em
vista o desgaste laboral em torno de uma irrisória remuneração (de acordo com o

81
Corpo, Trabalho e Educação

especificado a seguir). Ademais, não se oportunizado o aperfeiçoamento da


formação, da valorização e da remuneração, fatores preconizados pelas metas 15, 17
e 18 do Plano Nacional de Educação. (PNE, 2014)
Como se percebe, existe um clima dominante de insegurança em relação à
integridade física e psíquica. Outra situação preocupante encontra-se no desinteresse
pelos cursos de licenciatura, tendo em vista a procura cada vez menor pelos
referidos cursos. No caso da Universidade Federal de Alagoas, esta realidade é
frequente, e a ausência de professores/as em sala de aula, devido às novas condições
de trabalho que decorrem da precarização, acarreta em um déficit de,
aproximadamente, 3.000 professores/as24 na rede pública estadual de ensino de
Alagoas. (SINTEAL, 2015)
A problemática que afasta os/as docentes da sala de aula e aprofunda esta
carência é motivo de preocupação por parte dos sindicatos que representam a
categoria. O Ministério Público do Trabalho de Alagoas (MPT/AL) relaciona várias
denúncias em virtude da baixa remuneração, razão pela qual o/a docente estabelece
vários vínculos empregatícios (formais ou não) com instituições privadas ou não, de
forma que a jornada de trabalho ultrapassa, algumas vezes, 60 horas-aula por
semana.
As novas exigências para os/as professores/as, sem a necessária adequação
das condições de trabalho, ressaltam que a precarização do trabalho não é uma
problemática inaugurada a partir da reforma do Estado brasileiro da década de 1990,
muito pelo contrário, tal característica perpassa a história do trabalho desde o limiar
do século XIX com o advento do trabalho livre assalariado. (MARX, 1996)
Para Oliveira (2003), o que se tem apresentado socialmente desde a década
de 1990 é, exatamente, um período em que a docência tem sofrido em virtude dos
dilemas contemporâneos, levando os professores/as a uma encruzilhada ante a
antinomia do ofício de saberes plurais. (NÓVOA, 1991)
Tal encruzilhada coaduna com as falas dos/as docentes a partir da análise
acerca da inscrição social da profissão, que é eivada por contradições peculiares a

24
Dado disponibilizado pelos representantes do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de
Alagoas (SINTEAL) durante a Audiência Pública para discutir a Saúde dos Professores em
Alagoas realizada em 17 de outubro de 2015 pelo MPT/AL.

82
Corpo, Trabalho e Educação

um “exercício complexo, composto, na realidade, de várias atividades pouco visíveis


socialmente” (TARDIF, 2002, p. 57). Os docentes, portanto, equilibram-se entre os
dilemas de sua prática profissional e sua íntima relação com o processo amplo de
relações da vida em sociedade. Atribuímos, também, a isso, o fato de a profissão ter
se revelado, para os sujeitos da pesquisa, como um trabalho árduo.
Observamos, por meio das entrevistas, que uma parcela dos/as docentes
compreende que sua ação interventiva contribui para a construção dos sujeitos, uma
vez que a descoberta do mundo do conhecimento implica na construção da
consciência humana e, consequentemente, da subjetividade. No entanto, as
dificuldades levantadas referem-se à objetividade reclamada pelo modus operandi,
que demanda pela reestruturação produtiva, e que, dentre outros elementos,
redimensiona, complexifica e racionaliza o fazer pedagógico. Contreras (2002, p.
40) salienta que:

Esse fenômeno relaciona-se não só com a degradação das condições de


trabalho, mas com a consequente composição social dos aspirantes a
essa ocupação. Com efeito, a base social de que se nutriu o trabalho dos
professores foi evoluindo também à proporção que este foi se
degradando.

Os docentes, neste sentido, agentes sociais ativos, ao se reconhecerem a


partir do protagonismo – ora positivo no campo da ação da subjetividade dos
sujeitos, ora negativo na objetividade da formação do sujeito para o mundo do
trabalho –, trazem à tona a problemática das fronteiras que a docência imprime
aos/as docentes. Mas, o que é a docência? E, ainda, o que é ser docente em Alagoas?
De acordo com a pesquisa, constatamos que até o ano de 2014 os docentes da rede
pública estadual de ensino de Alagoas eram, na verdade, professores-monitores e
representavam 56% do quadro da SEE/AL. Depois do concurso público25 realizado,
o cenário não mudou, e mesmo com a reserva técnica à espreita de uma possível
convocação, o estado, ano após ano, lança um processo seletivo simplificado26 para
provimento de vagas temporárias.
Essa nova condição do trabalho, na qual “a terceirização e a flexibilização

25
Edital SEE/AL Nº 003/2013.
26
Edital de credenciamento Nº 001/2016.

83
Corpo, Trabalho e Educação

da economia vêm causando fortes impactos no mercado de trabalho”


(POCHMANN, 2001, p. 37), subtrai da monitoria o cunho formativo e de dimensões
“política, técnica e humana da prática pedagógica” (CANDAU, 1986, p. 12). A
forma como o estado de Alagoas tem conduzido a política de apoio à produção de
vagas com vistas à ocupação das salas de aula por monitores/as iniciou-se há pouco
mais de duas décadas quando em virtude do Programa de Demissão Voluntária
(PDV) do Estado, em 1996, foi necessário suprir emergencialmente a carência
instaurada. Ocorre que desde então, o papel dos monitores, que realizam trabalhos
em grau equiparado aos/as docentes, perdura os vínculos precários e faz com que
esses, além de mal remunerados – em comparação como os salários dos/as docentes
efetivos/as, que, por sua vez, denunciem a problemática da baixa remuneração e do
descumprimento do piso nacional nas pautas gerais da categoria –, se submetam, por
meio de um vínculo flexibilizado sob a forma de precarização, à desobrigação do
Estado, no que tange às questões trabalhistas, devido ao regime de trabalho celetista.
Tal conduta tem se materializado por meio de sucessivos editais27, que têm
denunciado o modo como o estado de alagoas tem lidado com o déficit da categoria
docente, num contexto marcado pelo profundo sucateamento das condições de
trabalho docente. De acordo com os editais, graduados/as ou graduandos/as podem
candidatar-se, via processo seletivo simplificado, à regimes de trabalho que podem
ser de 20 a 40 horas semanais nas escolas. Regimes de trabalho caracterizados pelo
trabalho do/a monitor/a dentro e fora da sala de aula, exercendo todas as
especificidades da docência sob a supervisão da gestão e coordenação das escolas, e
não sob a orientação de um/a professor/a supervisor do funcionalismo público.
Ao final de vinte e quatro meses, o vínculo do monitor Secretaria Estadual
de Educação de Alagoas (SEE/AL) é concluído e o/a profissional deixa o cargo,
ficando desamparado e sem a proteção social de um Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) e do Seguro Desemprego. O/A monitor/a, sob o pretexto da
prestação de serviços, é substituído, na maioria das vezes, por outro/a monitor/a,
também selecionado via processo seletivo simplificado pela SEE/AL, ou seja, a
eventualidade desta forma de contratação rompe com a lógica da exceção e tem se

27
Edital SEE/AL Nº 001/2008, Edital SEE/AL Nº 002/2008, Edital SEE/AL Nº 005/2008,
Edital SEE/AL Nº 008/2010, Edital SEE/AL Nº 008/2012, Edital SEE/AL Nº 001/2014.

84
Corpo, Trabalho e Educação

instituído enquanto rotina. São esses fatores que, segundo Neves (2005, p. 93),
contribuem para a formação de uma “subjetividade neoliberal”. Com efeito, o acesso
ao magistério público por meio do concurso público na rede pública estadual
alagoana tem se tornado obsoleto.
A competência, a responsabilidade, o preparo, o compromisso e a
capacidade dos monitores que contribuem para o trabalho na rede pública estadual
alagoana, ressaltadas nas falas abaixo, dialogam ao mesmo tempo com a situação da
precariedade em relação ao vínculo dos mesmos, prejudicial à categoria, que vê na
volatilidade dos/as monitoras a impossibilidade da continuidade do trabalho
pedagógico e o preocupante enfraquecimento da capacidade mobilizadora da classe.

São muito importantes, fundamentais. (ENTREVISTADO 4, 2016).


São profissionais comprometidos. (ENTREVISTADO 9, 2016).
Nesta escola, vejo que os monitores são comprometidos com o processo
ensino-aprendizagem. (ENTREVISTADO 14, 2016).
Os monitores são, na maioria das vezes, profissionais muito
responsáveis. (ENTREVISTADO 20, 2016).

A dissolução das condições de trabalho, sob o pretexto do regime de


flexibilização das formas de trabalho, contribui para que as reivindicações da
categoria se esvaziem, e, com a fragilização da pauta reivindicatória e combativa à
docência na rede pública estadual de ensino de Alagoas, vão adaptando-se
violentamente aos impactos do contexto de reestruturação produtiva no sistema
educacional, dadas as exigências do desenvolvimento econômico. Essa dinâmica de
transformação permite a síntese de alguns elementos presentes nas falas dos/as
docentes, como no trecho a seguir “Não gosto. Nos últimos tempos somos escravos
do sistema, praticamente não temos voz que faça valer nossos direitos [...]”
(ENVISTRADO 18, 2016).
A fala denuncia aspectos nocivos ao trabalho docente elencados. A partir da
experiência deste sujeito, ganha ênfase à depreciação e a desvalorização de sua
condição de trabalhador/a, que o faz sentir-se como um “escravo do sistema”. Desde
a década de 1990, o processo contínuo de desqualificação do magistério, advindo,
também, pelas exigências da política educacional nacional e dos determinantes
estruturais inscritos, apresenta a realidade da política educacional alagoana. Não
obstante, tal política é caracterizada pelos/as docentes enquanto incômoda e, para

85
Corpo, Trabalho e Educação

eles, expressa a necessidade de ruptura, pois “Tem que mudar muito, principalmente
no que diz respeito aos valores desenvolvidos na escola e no Estado. Voltar para
uma educação mais humanista e não tão capitalista como está” (ENTREVISTADO
10, 2016).
Assim, a categoria docente, principalmente no curso da década de 1990, tem
observado:

Uma continuidade do descaso e descompromisso com a educação


estadual. Isso se estende à falta de estímulo do docente e, por extensão,
um desinteresse por parte do aluno. (ENTREVISTADO 14, 2016).
Uma política educacional e sim repetições de políticas para a
educação que não tiveram sucesso. (ENTREVISTADO 15, 2016).
Contribui para a desvalorização do campo de remuneração.
Fragmentação do reajuste salarial. (ENTREVISTADO 16, 2016).
Tem utilizado de alguns conceitos e concepções de forma solta, sem
amarrar concretamente para que possa acontecer a aprendizagem dos
estudantes. (ENTREVISTADO 17, 2016).

Tais depoimentos asseveram que as políticas evidenciam a lógica reformista


implementada desde os anos de 1990. Para Oliveira (2004), as políticas educacionais
das últimas décadas do século XX e início do XXI foram marcadas pela
homogeneização, massificação e regulação do trabalho docente. Perante o contexto
em que o mundo do trabalho tem sofrido com o processo de reestruturação produtiva
e a necessidade do Estado de sustentar a acumulação de capital, sob o mote
supraclassista e legitimando a si próprio, a categoria docente, impelida por tal
avalanche estrutural, defende que a política educacional tenha a perspectiva de
“Diminuir/tirar Alagoas dos baixos índices” (ENTREVISTADO 20, 2016). “Deve-
se começar com a nomeação de um secretário de educação da área, conhecer da
educação e dos problemas, e atento a ouvir/ resolver os problemas vindos dos
trabalhadores da educação” (ENTREVISTADO 21, 2016).
A política educacional tem sido parte constitutiva da modificação das
condições de trabalho docente. Em suma, não há condições dignas de trabalho para
o/a docente na rede pública estadual. A ausência de condições estruturais, reclamada
pelos/as docentes que participaram desta pesquisa, intensifica o processo de trabalho
e contribui para a degradação das suas habilidades e competências profissionais. O
docente tem reduzido seu trabalho à diária sobrevivência de dar conta de todas as

86
Corpo, Trabalho e Educação

suas muitas atribuições.


O discurso, quanto às condições de trabalho, aponta para a ausência de
condições estruturais, em face ao atendimento à alta demanda que se espraia a partir
da carência de condições. Além disso, a inexistência de uma política de formação
continuada também ilustra os desinvestimentos por não oportunizar escolhas
formativas para o docente que se encontra submisso a uma alta sobrecarga de
trabalho para o atendimento da sua subsistência. As consequências iniciais deste
processo corroboram, entre outras coisas, para a estagnação no campo do estudo e
para a desvalorização profissional – principal lacuna entre as pautas gerais da
categoria, o plano nacional de educação em voga e a política educacional.
Essas questões permitem a reflexão acerca da subtração progressiva de
elementos fundamentais para o trabalho docente dignificante, como tempo para
estudar e capacitar-se de forma permanente, de modo a se tornar um/a professor/a
pesquisador/a. Cada um/a, ao seu modo, descreve algumas das características da
precarização do seu trabalho. Semelhantemente, no limiar da reforma do Estado, tais
características traduzem-se em mecanismos pragmáticos para o desmonte dos
direitos sociais oriundos da desertificação decorrente da ofensiva neoliberal marcada
pelo “corte dos benefícios sociais, degradação dos serviços públicos,
desregulamentação do mercado de trabalho, desaparição dos direitos históricos dos
trabalhadores [...] (MONTES, 1996, p. 38).
Para os/as docentes, tal conjuntura corrobora para uma série de
problemáticas que afetam diretamente nas novas formas que o trabalho assumiu
“Processo de adaptações a várias situações” (ENTREVISTADO 1, 2016). “Não
existem outras escolhas. Estamos prisioneiros nesse sistema de faz de conta”
(ENTREVISTADO 6, 2016). “Falta de praticamente tudo, desde um simples papel
a sala inadequada para o ensino aprendizagem” (ENTREVISTADO 13, 2016).
Essas problemáticas são verdadeiramente eivadas pelas relações de poder
que privilegiam a lógica neoliberal, que tem organizado os princípios do trabalho
desde a década de 1970 em diante. O trabalho docente encontra-se sob a forte
influência das concepções taylorista-fordista, nas quais os indivíduos trabalham de
modo isolado e fragmentado, inibindo a capacidade de estabelecer relações em que o
“outro” seja descoberto como um ser humano, sujeito de direitos plenos (ARROYO,

87
Corpo, Trabalho e Educação

2004). Daí decorreu a dificuldade mobilizadora que a categoria tem enfrentado no


limiar da década de 1990, quando o descortinar das características centrais das novas
formas neoliberais, que oscilam entre a superexploração e a própria autoexploração
do trabalho, se tornaram cada vez mais obsoletas.
É importante salientar que a ofensiva neoliberal não culminou apenas na
precarização do trabalho docente, temática que dá sentido ao modo de ser desta
pesquisa, mas também, em direção a uma precarização estrutural da força de
trabalho em escala global, orientada não pela necessidade humana, mas pela lógica
alienante, desumanizante e degradante do lucro e da reprodução social do modo de
produção capitalista. (MÉSZÁROS, 2009)
A classe docente alagoana, representada pelos vinte e dois sujeitos
voluntários da pesquisa, possibilitou sair da superfície quanto à interpretação do
processo, pois apontaram, com base em suas realidades, os determinantes para os
infortúnios que a profissão vem enfrentando a partir das novas formas de trabalho
decorrentes do processo de precarização. Identificaram que a categoria educação
padece de um problema político e histórico.
Sendo as relações sociais fruto desta forma de sociabilidade, a
desvalorização do trabalho docente e a consequente precariedade quanto ao trabalho
atingem, sem precedentes, os docentes que labutam na mediação entre as
contradições sociais – reprodução do status quo e produção do saber científico
crítico. O processo investigado não ocorre naturalmente, ao contrário, ele faz parte
da incontrolável necessidade de reprodução das condições aviltantes de trabalho
nesta forma de sociabilidade.
Por isso, a precarização do trabalho docente diz respeito a um processo
arraigado na reestruturação produtiva do capital, num contexto político de doutrina
neoliberal, marcado pela desestruturação do Estado e pela retirada reformista de
direitos sociais que impõe orientações “na direção da flexibilidade, competitividade,
adaptabilidade e atratividade” para o mundo do trabalho (BEHRING, 2004, p. 127).
Conhecer as causas do processo de precarização do trabalho da classe docente em
Alagoas implica desvelar as principais problemáticas decorrentes desse processo de
mudança.
Desse sistema, caracterizado enquanto precário em relação às condições

88
Corpo, Trabalho e Educação

mais gerais, decorre: a falta de condição de trabalho; a falta de segurança; e a falta


de investimentos em recursos humanos. A falta de condições para os processos de
formação dentro e fora da escola tem levado os/as professores/as a avistarem-se num
horizonte de angústia, frustração, desconforto e carência, encontrando-se, assim,
cada vez mais vulnerabilizados socialmente devido à perda da sua credibilidade
profissional.
Tal conjuntura contribui para que o ensino saia torto, pois foi perceptível
durante a pesquisa que a classe docente se encontra emocionalmente frustrada. Esta
situação tem se tornado tão insustentável que o próprio poder público, na
responsabilidade do MPT/AL, preocupou-se com a situação dos docentes e realizou
uma audiência pública em outubro de 2015. Na ocasião, estavam presentes membros
da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (CODEMAT), da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/AL), do Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), do Sindicato dos Estabelecimentos
Particulares de Ensino (SINEPE/AL), do Sindicato dos Professores de Alagoas
(SINPRO/AL) e do (SINTEAL).
Os/as docentes demonstraram, por meio das intervenções, estar submetidos
à condições de violência (física e simbólica) e a uma carga horária desumana que,
dentre outras questões, contribuem para tornar a docência um trabalho perigoso. O
quadro é alarmante. O futuro profissional dessa área tem como perspectiva um rol de
desesperanças. Não à toa essa condição de angústia e frustração faz parte de um
mesmo processo em que o/a trabalhador/a perde, de modo desumano, o seu
“quefazer”28 pedagógico. O que esperar de uma situação em que o/a docente, de
antemão, encontra-se desesperançado por já conhecer a realidade que o aguarda?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de desilusão que perpassa a categoria, violentada pela


reestruturação do trabalho, coaduna com a concepção de Noronha apud Oliveira
(2004, p. 1132), por despertar “um sentimento de desprofissionalização, de perda de

28
Freire e Nogueira (1993) caracterizam tal expressão de acordo com trabalho do/a
professor/a num sentido social, ou seja, ser uma profissão que influencia e é influenciada por
todos que convivem com este/a professor/a.

89
Corpo, Trabalho e Educação

identidade profissional, da constatação de que ensinar às vezes não é o mais


importante”. A precarização do trabalho docente é verdadeiramente uma vilã para a
profissão.
Muito embora o trabalho docente tenha se complexificado diante das
metamorfoses reclamadas pela dialética realidade social, observo que em Alagoas,
frente aos resultados da pesquisa, as novas formas de trabalho a que os docentes são
submetidos denunciam elementos que vão para além das questões pedagógicas do
fazer profissional. Em Alagoas, as metamorfoses têm gerado, inevitavelmente, um
problema social sem precedentes: a precarização do trabalho e de acordo com o
exposto reverberações que agem sobre o corpo e o modo de ser da docência.
Salientamos que a precarização do trabalho docente no Brasil e em Alagoas
não se expressa somente por meio desta narrativa que ora sintetizamos neste artigo.
Com este, foi possível perceber o desdobramento deste fenômeno no Estado de
Alagoas e o quão amplo e devastador ele pode ser. A precarização, que se apresenta
em diversas facetas e assola a docência, faz parte de uma realidade etérea que
apregoa, por meio da reprodução das relações sociais, o sentimento de estar calçada
com sapatos de chumbo na classe docente.
Last but not least diante da conjuntura, ressalto o caráter de urgência do
desenvolvimento de uma cultura política de valorização do magistério que
verdadeiramente respeite o docente quanto às condições de trabalho, de vida e de
saúde, para que o seu trabalho, tão valoroso na educação e direito público subjetivo,
contribua para a superação das formas perversas e aviltantes de sociabilidade.

Teaching work in the state public network of Alagoas: interfaces between precariousness
and biopolitical dynamics

Abstract: The article deals with a very current and worrying theme, since it deals with
teaching work and its metamorphoses, culminating in the precariousness of the profession.
The last decades of the twentieth and twenty-first century were determinant in the field of
educational policies, in the sense of reconfiguring the teaching work, in order to provoke
complex situations regarding the action of the teacher in the school day-to-day. The concern
was to analyze the process of the precariousness of the teacher in his professional practice.
The methodology focused on literature review, documentary analysis and field research on
the subject. I studied how this process has occurred in the Alagoan territorial base, not losing
sight of the relations between the local and the global. The conclusions indicate that: the
teaching class (in its totality) in Alagoas has not found significant strategies of mobilization
to change the perspective of the educational public policies unfavorable to the teaching

90
Corpo, Trabalho e Educação

activities.
Keywords: Teaching work. The precariousness of teaching work. Biopolitics.

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92
Corpo, Trabalho e Educação

Condições e relações de trabalho dos professores de Educação Física nas


academias de ginástica de Belém (PA)

Fábio Amador da Cruz (UEPA) 29


Emerson Duarte Monte (UEPA) 30

Resumo: O presente artigo se insere entre as investigações que tratam da atual configuração
do mundo do trabalho e das condições de trabalho do professor de Educação Física no
interior do espaço não escolar. A pesquisa teve como objetivo analisar a realidade do
trabalho do professor de Educação Física nas academias de ginástica da cidade de Belém
(PA). Este estudo possui como base epistemológica o método dialético e a pesquisa se insere
no nível explicativo. Foi realizada por meio de um estudo de campo, tendo como lócus de
investigação as academias de ginástica que possuíam, no mínimo, duas unidades ou
academias que se caracterizam como grandes redes nacionais e/ou internacionais. Os sujeitos
da pesquisa foram todos os professores de Educação Física que possuíam vínculo
empregatício com as academias visitadas. Como instrumento de coleta de dados, utilizou-se
um questionário composto por 33 questões fechadas referentes às relações e condições de
trabalho nas academias. Após a análise dos dados, conclui-se que as condições de trabalho
oferecidas pelas grandes academias de Belém (PA) são precárias, haja vista que ainda
existem trabalhadores informais atuando nestes espaços, sem nenhum direito trabalhista ou
benefício assegurado. Além disso, fatores como o alto desgaste físico, a intensificação do
trabalho e a baixa remuneração também foram encontrados na pesquisa. Apesar disso, 70%
dos sujeitos classificaram como “boa” as condições de trabalho as quais estão submetidos,
evidenciando uma clara falta de entendimento sobre o funcionamento do sistema capitalista.
Palavras-chave: Professor de Educação Física. Condições de trabalho. Academias de
ginástica.

INTRODUÇÃO

De acordo com Netto e Braz (2006, p. 95, grifo do autor), o capitalismo e o


seu modo de produção “é dominante em todos os quadrantes do mundo,
configurando-se como um sistema plenário”, ou seja, atualmente, o capitalismo não
se confronta com nenhum desafio externo à sua própria dinâmica, como ocorreu ao
longo do século XX, quando teve a concorrência socialista. Segundo os autores
referidos, o capitalista possui como ponto de partida o dinheiro e, como ponto de
chegada, mais dinheiro. Portanto, seu objetivo é “a partir de dinheiro, produzir
mercadorias para conseguir mais dinheiro” (NETTO; BRAZ, 2006, p. 96). Ou seja,
a força motriz do modo de produção capitalista é o lucro.

29
Licenciado em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: fabio_cruzffc@hotmail.com
30
Doutor em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: emerson@uepa.br

93
Corpo, Trabalho e Educação

Para isso, o capitalismo trouxe diversas transformações ao mundo do


trabalho, onde o mercado de trabalho tornou-se uma noção ideológica que tem como
objetivo adaptar o trabalhador à precárias condições de trabalho e servir aos
interesses do capital, o qual, para continuar se reproduzindo, depende da intensa
exploração do trabalho (NOZAKI, 2004). Tal exploração é proveniente da mais-
valia, isto é, o valor excedente àquele equivalente ao pagamento da jornada de
trabalho do operário que o capitalista se apropria. Por exemplo: ao se contratar um
trabalhador, com o salário diário de R$ 30,00 (expressão do valor real da mercadoria
força de trabalho), a jornada de trabalho estipulada só fará sentido para o capitalista
quando, ao término dela, o operário produzir um valor superior (excedente) aos R$
30,00. (NETTO; BRAZ, 2006)
Com base nisso, conclui-se que o professor de Educação Física (EF) que
trabalha para uma instituição de propriedade privada, como as academias de
ginástica, caracteriza-se por ser um trabalhador produtivo, aquele que é responsável
pelo lucro do negócio, produzindo mais-valia, a qual o burguês se apropria em
detrimento de melhores condições de trabalho.
A partir do cenário imposto pelo capitalismo no mundo do trabalho, esta
pesquisa tem como objeto de estudo a análise da realidade enfrentada pelo professor
de EF no âmbito das academias de Belém (PA), e apresenta a seguinte pergunta
científica: Em quais condições de trabalho os professores de Educação Física estão
inseridos nas grandes academias de ginástica de propriedade privada em Belém
(PA)?
Para responder ao problema da pesquisa, formularam-se as seguintes
questões que norteiam este trabalho: a) De que maneira as atuais transformações
ocorridas no mundo do trabalho se expressam nas condições de trabalho do
professor de EF no segmento fitness? b) De que forma os direitos trabalhistas se
apresentam nos contratos de trabalho realizados pelos professores de EF nas
academias de ginástica de Belém (PA)?
A escolha do tema foi motivada pela necessidade de se compreender o
mercado de trabalho do segmento fitness no qual o professor de EF está inserido, a
fim de identificar quais condições de trabalho são oferecidas pelas grandes
academias de ginástica de Belém (PA) a este profissional, para constatar se há

94
Corpo, Trabalho e Educação

exploração do trabalho nestes ambientes.


Esta pesquisa apresenta grande relevância acadêmica, não apenas para os
discentes do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará (UEPA),
mas também para todos os acadêmicos de EF da Região Metropolitana de Belém,
haja vista que, para os recém-formados, desta década em diante, o campo não
escolar – academias, clubes, condomínios, hotéis, entre outros – apresenta-se como
um atrativo e uma alternativa, com relação à escola, de se conseguir rendimentos
superiores (FERREIRA; RAMOS, 2001). Partindo disso, esta pesquisa irá
demonstrar aos recém-graduados a atual realidade das condições de trabalho das
academias de ginástica em Belém (PA).
Esta investigação tem como objetivo demonstrar a realidade do trabalho
enfrentada pelo professor de EF no segmento fitness, para isso, será levado em
consideração o tipo de contrato; o salário mensal; a jornada de trabalho; a proporção
de aluno/professor; se há tempo e incentivo, por parte das academias de ginástica, ao
professor para o planejamento de aulas/treinos, assim como, à sua formação
continuada, por meio de cursos e formação em nível de pós-graduação; por fim,
questionar se esse professor possui um plano de carreira a ser seguido durante a sua
atuação no mercado de trabalho.
Para a análise da realidade, esta pesquisa utiliza como base epistemológica o
método dialético. Este método é formado por um tríplice movimento: de crítica, de
construção do conhecimento novo e da nova síntese no plano do conhecimento e da
ação (QUELHAS, 2012). Frigotto (1991) ainda afirma que, nesta perspectiva, o
maior desafio do pensamento é trazer, para o plano racional, a dialética do real,
almejando a essência do fenômeno, aquilo que está além da aparência, ou seja, o
caráter conflitivo, dinâmico e histórico da realidade.
O nível da pesquisa tem caráter explicativo, que busca identificar as causas
do fenômeno estudado, além do registro e análise da realidade (SEVERINO, 2007).
Pretende-se, dessa forma, identificar as relações que efetivamente expliquem a
dinâmica do objeto de pesquisa aqui investigado.
A pesquisa foi realizada no período de 01 à 30 de abril de 2017, em
academias registradas no Conselho Regional de Educação Física da 18ª Região
(CREF 18 PA-AP), que possuíam duas ou mais filiais e ainda em academias

95
Corpo, Trabalho e Educação

caracterizadas como grandes redes nacionais e/ou internacionais com unidades na


capital paraense. Assim, foram encontradas, na cidade de Belém (PA), 12
academias, das quais, 7 não aceitaram participar da pesquisa ou apresentaram um
lento processo burocrático, impossibilitando a realização da coleta de dados no
período determinado. Todavia, 5 academias aceitaram participar da pesquisa. Nelas,
foi realizada a aplicação do questionário (composto por 33 perguntas fechadas, sobre
o trabalho do professor de EF nas academias de Belém (PA)) com professores de EF
de todos os espaços de atuação, que possuíam vínculo empregatício com a academia
visitada. Foi coletado um total de 20 questionários de um universo composto por 26
trabalhadores, representando, assim, um percentual de, aproximadamente, 77% dos
entrevistados. Os sujeitos da pesquisa concordaram livremente em participar da
coleta de dados por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, conforme preveem as Resoluções n. 466/12 e n. 510/16 do Conselho
Nacional de Saúde (CNS) sobre os cuidados éticos em pesquisas com seres
humanos.
Antes da realização da pesquisa de campo, foi efetuada a aplicação de um
pré-teste do questionário, em professores de EF de academias aleatórias da cidade de
Belém (PA), para a revisão das questões e para observar as sugestões dos sujeitos
participantes, a fim de qualificar o instrumento utilizado nesta pesquisa.
A coleta de dados foi realizada em períodos aleatórios do dia, no próprio
local de trabalho dos professores participantes da pesquisa, alguns em ambientes
favoráveis e outros não. O tempo utilizado para responder o questionário, em média,
foi de, aproximadamente, 10 minutos, para cada sujeito. Com os dados obtidos, foi
feita uma tabulação dos resultados e realizada uma análise quanti-qualitativa do
conteúdo.

O PRECÁRIO MUNDO DO TRABALHO E O PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO


BRASIL

Segundo Alves (2007), fatores que contribuem de forma determinante para a


precariedade estrutural da força de trabalho no Brasil, está diretamente ligada à
natureza do modo de produção capitalista (MPC), que é: “[...] baseado na divisão

96
Corpo, Trabalho e Educação

hierárquica do trabalho e na propriedade privada, e, portanto, na divisão da


sociedade em classes sociais que se apropriam de modo desigual da riqueza social
produzida.” (ALVES, 2007, p. 259). Por tanto, o Brasil, por ser um país capitalista,
está inserido no mercado mundial.
O precário mundo do trabalho, o qual se faz necessário para a manutenção
do MPC, encontra-se presente nas diversas esferas do trabalho no Brasil. Em
pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o
trabalho no Brasil entre 2002 e 2005, citados por Alves (2007), revelam que cerca de
14,5% da população brasileira recebiam menos de R$ 300,00 por mês (valor abaixo
do salário mínimo da época), os quais, em sua maior parte, pertencem ao mercado
informal de trabalho, onde, geralmente, os direitos trabalhistas são desrespeitados. O
setor formal no cenário nacional, segundo o autor, também se apresenta de forma
precária:

[...] seja através das perdas de direitos e benefícios trabalhistas, muitos


deles por conta das novas formas de flexibilização do estatuto salarial;
ou ainda da intensificação e extensão da jornada de trabalho, com as
horas-extras não-pagas; seja através da insegurança no emprego e da
carreira, como demonstram as reedições constantes dos Programas de
Demissão Voluntária ou insegurança da representação sindical, abatida
pela queda do poder de barganha da categoria assalariada, etc. (ALVES,
2007, p. 258).

Entretanto, a precariedade do trabalho não afeta apenas os trabalhadores


assalariados do setor formal ou do setor informal, mas também os trabalhadores que
compõem o grande quantitativo de desempregados (exército industrial de reserva)
de longa duração. (ALVES, 2007)
Imbuído no MPC, em 1998, foi aprovada a regulamentação da profissão de
Educação Física, por meio da Lei n. 9.698/98, e constituiu-se, efetivamente, de cinco
artigos que instituíram a obrigatoriedade de registro de todos os professores de EF e
de indivíduos que não possuíam o ensino superior, mas que já trabalhavam nos
espaços de atuação da EF (os chamados leigos), nos respectivos Conselhos Federal e
Regionais de Educação Física, o sistema CONFEF/CREF. (GORDO; MOREIRA;
SANTOS, 2014)
Para os defensores da regulamentação, “novos caminhos e possibilidades se

97
Corpo, Trabalho e Educação

abririam para a EF, tendo em vista, uma melhora considerável na qualidade do


trabalho e garantia de reserva no mercado, ao profissional com formação
acadêmica.” (GORDO; MOREIRA; SANTOS, 2014, p. 68). Além disso, “houve
uma tentativa de considerar o trabalho do profissional como um trabalho autônomo,
na perspectiva de profissional liberal, prestador de serviço31, desconsiderando as
relações sociais de produção presentes nesta área” (QUELHAS, 2012, p. 90-91).
No entanto, nada disso foi garantido e muitas críticas foram feitas à
regulamentação da profissão de EF. Segundo Nozaki (2004), quando a lei entra em
vigor, restringindo o mercado ao trabalho do professor de EF, as instituições
privadas de ensino superior criam um grande mercado de formação profissional em
EF, haja vista que a obrigatoriedade do registro no conselho e, consequentemente, a
busca pelo diploma, foi de enorme procura, contribuindo para a criação de um
grande exército de reserva.
Outro ponto a ser discutido sobre a regulamentação da profissão de EF foi a
Resolução CNE/CES nº 7 de 31 de março de 2004, o qual instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação Plena (Licenciatura e
Bacharelado). Para Nozaki (2004), a resolução resulta em um modelo fragmentado
na formação em EF, significando um retrocesso para a área. Quando o profissional,
que teve sua área de atuação limitada pela fragmentação da profissão está sob
precárias condições de trabalho oferecidas pelas academias, o mesmo não tem a
opção de migrar para outro âmbito da EF em busca de melhorias trabalhistas, pois
está privado disso, ocasionando a sua permanência no trabalho precário. (NOZAKI,
2004; GAWRYSZEWSKI, 2008)
Conforme Gawryszewski (2008), o CONFEF/CREF não defende e não leva
em conta a exploração do trabalho sofrida pelos professores de EF, pois:

[...] a organização de professores de Educação Física, em torno de um


conselho corporativo, visa a atender interesses além daqueles que
trabalham na área, mas, principalmente, às corporações e grupos
empresariais que tenham investimento no mercado das práticas
corporais. (GAWRYSZEWSKI, 2008, p. 104).

31
A mera troca de dinheiro por trabalho (a prestação de serviço individual), produz um
valor-de-uso, que não o transforma em trabalho produtivo (produtor de mais-valia). O
profissional prestador de serviços produz trabalho improdutivo.

98
Corpo, Trabalho e Educação

Além das duras críticas feitas pelos opositores à regulamentação, Nozaki


(2004) afirma que a atuação do CONFEF/CREF se restringe apenas em fiscalizar a
posse ou não do diploma de graduação em EF, assim como se esse profissional está
ou não filiado ao conselho. Contudo, a regulamentação da profissão acabou
contribuindo ainda mais para a precarização do trabalho do professor de EF nas
instituições de propriedade privada que dependem da exploração do trabalhador para
a obtenção de lucro. (NOZAKI, 2004)
Corroborando com Nozaki (2004), Gawryszewski (2008, p. 168) afirma que
o sistema CONFEF/CREF contribui para a manutenção do MPC e
consequentemente a exploração de seus filiados, haja vista que, “quase toda
composição de conselheiros federais e regionais são coordenadores ou proprietários
de academias e afins”. Em meio a isso, a precarização do trabalho do professor de
EF se reflete nas mais variadas formas, como será visto no item seguinte.

A precarização do trabalho do professor de Educação Física nas


academias de ginástica no Brasil

Nesta sessão, serão apresentadas considerações importantes levantadas após


a realização de pesquisas em grandes cidades brasileiras que buscaram identificar o
cenário atual das condições trabalhistas que são oferecidas aos profissionais do
segmento fitness nas academias de ginásticas que, segundo Bertevello (2005), citado
por Quelhas (2012), absorvem a maior parte dos trabalhadores da EF recém-
formados.
Quelhas (2012), em pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro, em
academias que apresentam o mais elevado nível de desenvolvimento no segmento
fitness, como as das redes BodyTech, Smart Fit, Proforma e Curves, constatou que, a
jornada de trabalho do professor de EF que atuam nas academias de ginástica,
caracteriza-se por ser bastante elevada, ao ponto de ultrapassar as 8 horas de duração
por dia, fruto, muitas vezes, da sua dupla jornada de trabalho, como: empregado da
academia e trabalhador autônomo (personal trainer).
Corroborando com isso, Mendes (2010) observou que, por motivos
relacionado à busca pelo aumento do faturamento mensal, 54,7% dos professores

99
Corpo, Trabalho e Educação

entrevistados possuíam dupla jornada de trabalho, com a existência de professores


de EF com 4 empregos (9,4%). A elevada jornada de trabalho ocasiona grandes
desgastes à saúde física e mental, caracterizando um contrassenso à essência da
profissão (MENDES, 2010). Sobre isso, Quelhas (2012) afirma que:

Sabemos que o estabelecimento do limite de oito horas para a jornada


de trabalho diária, foi uma luta histórica dos trabalhadores contra a
exploração dos patrões e em defesa de uma vida menos brutalizada, que
contemplasse mais tempo para descanso, para a família, para o lazer,
dentre outras necessidades [...] Dessa forma, os trabalhadores do fitness
impõem a si mesmos uma jornada de trabalho que ultrapassa o limite
legal, historicamente conquistado pela classe trabalhadora.
(QUELHAS, 2012, p. 208).

Outro fator importante levantado nas pesquisas foi a elevada queixa de lesão
nos joelhos; calos nas cordas vocais; crises de stress; cansaço extremo e outros
fatores, provocados em função da exaustiva jornada de trabalho (QUELHAS, 2012).
Na pesquisa realizada por Hartwig (2012), verificou-se que 87,9% dos entrevistados
relataram alguma dor/desconforto em alguma região do corpo no último ano. Além
disso, Hartwig (2012, p. 91) destaca fatores como “cobranças por rendimento,
ausência de pausas e as próprias características das ocupações [que] podem gerar
transtornos psicofísicos alterando o estilo de vida dos trabalhadores.”
Quanto à relação empregador-empregado, constatou-se na pesquisa de
Quelhas (2012), que a principal forma de contratação nas grandes empresas do
fitness, é o contrato de tempo parcial32 que, segundo o autor, está relacionada à
grande oferta de atividades para os clientes. Com este tipo de contrato, o custo da
folha de pagamento das empresas apresenta redução de, aproximadamente, 10% ante
a proporcionalidade das férias para empregados que trabalhem até 25 horas
semanais, reduzindo sobremaneira o custo com as substituições de aulas. (ABREU,
2005 apud QUELHAS, 2012)
Esse é um dos motivos pelos quais é amplamente defendida pelas empresas

32
É considerado trabalho em regime de tempo parcial aquele cuja duração não exceda a 25
horas semanais (BRASIL, 1943). O emprego do contrato de tempo parcial é uma estratégia
para redução de custos largamente defendida pela Associação Brasileira de Academias
(ACAD) que, consequentemente, amplia ainda mais a precarização das condições de
trabalho. (QUELHAS, 2012)

100
Corpo, Trabalho e Educação

do fitness. Além disso, quando um professor também possui vínculo empregatício


com outra empresa, torna-se difícil a conciliação entre os períodos de férias,
impossibilitando que o trabalhador goze da melhor forma deste período.
(QUELHAS, 2012)
Concomitante ou não com o tempo de trabalho parcial, o trabalho autônomo
como personal trainer, também ocupa grande parte da jornada de trabalho destes
profissionais, os quais precisam fazer um “repasse”33, muito maior que o valor que a
empresa paga aos seus funcionários pela hora-aula trabalhada. De acordo com
Quelhas (2012):

[...] o “repasse” não poderia, em hipótese alguma, ser maior do que o


menor valor de hora-aula paga pelo dono da academia para um
empregado seu, pois neste valor estão contidos os valores dos meios de
produção e da força de trabalho e, obviamente, o valor excedente, a
mais-valia, o lucro do capitalista. (QUELHAS, 2012, p. 200).

No Rio de Janeiro, constatou-se que grande parte das empresas adota a


remuneração por hora-aula, pouco existindo a remuneração por jornada de trabalho.
Os valores da hora-aula variam de R$ 4,50 à R$ 40,00, a depender da função que o
professor exerce na empresa (entre R$ 8,00 e R$ 13,00 na musculação e entre R$
16,00 e R$ 25,00 em aulas coletivas). (QUELHAS, 2012)
Em Brasília-DF, a média salarial recebida pelo trabalho do professor de EF
no salão de musculação, por hora-aula, era de R$ 10,00 e de R$ 20,00 nas aulas
coletivas, como afirma Mendes (2010). Assim como no Rio de Janeiro e em
Brasília, a pesquisa de Borges e Santos (2015), realizada no município de
Ananindeua (PA), com professores formados que atuam com a musculação,
constatou-se que a maioria (81,2%) recebia entre R$ 10,00 e R$ 15,00 por hora de
trabalho. Diante disso, conforme Quelhas (2012), o valor da remuneração recebida
pelos professores é amplamente criticado pelos entrevistados e isso é constatada na
pesquisa de Borges e Santos (2015), em que 87,5% dos entrevistados se mostraram
insatisfeitos com a remuneração.
Em Ananindeua, a intensificação do trabalho do professor de EF também se

33
Taxa cobrada pelas empresas, referente ao uso do espaço físico e dos equipamentos da
academia pelo personal trainer, por hora-aula trabalhada.

101
Corpo, Trabalho e Educação

mostrou presente no âmbito das academias: quando perguntado a média de quantos


alunos são atendidos ao mesmo tempo em uma hora de trabalho no salão de
musculação, 62,5% dos entrevistados responderam que atendem mais de 10 alunos
ao mesmo tempo, remetendo-se ao conceito da mais-valia relativa. (BORGES;
SANTOS, 2015)
Além disso, na atuação no âmbito das grandes academias, observou-se,
também, que grande parte do proletariado do fitness exerce várias outras ocupações
e em diferentes locais de atuação na empresa, caracterizando-se como um processo
de flexibilização e precarização do trabalho – estratégia utilizada para a redução dos
custos trabalhistas e para criar novas formas de explorar o trabalhador. (BORGES;
SANTOS, 2015; HARTWIG, 2012; MENDES, 2010; QUELHAS, 2012)
Com base no que foi exposto até aqui, assim como qualquer outro
trabalhador proletário, o professor do fitness também está sob as condições impostas
pelo MPC, onde a exploração do trabalhador é o fator determinante para a
manutenção desse sistema, refletindo-se diretamente nas precárias condições e
relações de trabalho, por meio da sua intensificação e da flexibilização trabalhistas,
assim como em sua precarização que, em detrimento da saúde do profissional,
submete os professores à grandes estresses físico e mental durante o trabalho.

ACADEMIAS DE GINÁSTICA EM BELÉM: FACES DA EXPLORAÇÃO NO TRABALHO


DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA

A amostra foi formada por 20 professores que atuam em 5 grandes


academias de ginástica localizadas na cidade de Belém (PA). Com a pesquisa,
observou-se que a maior parte dos trabalhadores do fitness são do sexo masculino
(80%) e que 65% possuem até de 30 anos de idade. A graduação dos trabalhadores
se deu por 60% em instituições privadas e de 40% em instituições públicas, onde
100% foram formados na modalidade de ensino presencial. Quando inquiridos
acerca do registro no sistema CONFEF/CREF, 90% dos sujeitos afirmaram que
“sim”.

102
Corpo, Trabalho e Educação

A avaliação dos professores sobre o espaço de trabalho nas academias de


ginástica de Belém

Em uma escala subjetiva de avaliação, 45% dos sujeitos consideram como


“bom” o conforto proporcionado pelas academias aos professores de EF, 25%
classificaram como “excelente” e um total de 30% como “regular” e “ruim”. Para
Ferreira (2011), o conforto proporcionado no ambiente de trabalho faz parte dos
elementos constitutivos e essenciais para o bem-estar no trabalho, e isso, se reflete
como fator de saúde que os trabalhadores vivenciam no ambiente de trabalho.
Levando em consideração os aspectos do Ambiente Físico de trabalho que,
segundo Ferreira (2011), são fatores que influenciam na qualidade de vida no
trabalho (QVT), observou-se que:

Tabela 1 – Condições sobre o Ambiente Física das Academias de ginástica


Espaço
Excelente Bom Regular Ruim Insuficiente
Físico
Conforto 25% 45% 20% 10% -
Tamanho 35% 45% 20% - -
Iluminação 65% 30% 5% - -
Som ambiente ocasiona Sim Não
Estresse 40% 60%
Dificuldade 50% 50%
Perda da audição 60% 40%
Temperatura Sim Não
Incomodo 50% 50%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

A organização espacial (tamanho) da academia foi avaliada como


“excelente” para 35% dos professores e como “bom” para 45%, para a realização
das aulas; a iluminação do ambiente de trabalho, foi considerada “excelente” para
65% dos participantes e 30% classificaram como “boa”; na avaliação da temperatura
do ambiente de trabalho, observou-se que houve um equilíbrio nas respostas, em que
50% dos sujeitos afirmaram já ter sentido algum incomodo (calor ou frio excessivo)
e os outros 50% não apresentaram queixas sobre este fator.

103
Corpo, Trabalho e Educação

Acerca da intensidade sonora da academia (acústica), foi o item em que se


apresentou maior insatisfação dos professores, pois 40% dos participantes já
sentiram algum tipo de estresse proveniente da alta intensidade do som ambiente e,
ainda, metade dos professores (50%) já precisaram forçar as pregas vocais com a
intenção de vencer a intensidade da música durante a aula/treino. Além disso, uma
importante parcela (60%) acredita que a intensidade do som durante o trabalho nas
academias pode afetar, em longo prazo, o aparelho auditivo.
Do ponto de vista sobre as condições instrumentais de trabalho, que diz
respeito às máquinas, ferramentas, aparelhos, equipamentos, postos de trabalho,
mobiliário complementar (ex. armários) e etc., (FERREIRA, 2011), obtiveram-se os
seguintes resultados expressos na Tabela 2.
Foi observado que, apesar da maioria dos sujeitos considerarem como
“excelente” (20%) e “bom” (50%) a variedade e o quantitativo de aparelhos, 100%
dos sujeitos já precisaram revezar algum aparelho entre dois ou mais alunos da
academia, podendo-se inferir que a qualidade do treino decaia sob essas
circunstancias.

Tabela 2 – Condições Instrumentais de trabalho e improvisação no trabalho


Disponibilidade Excelente Bom Regular Ruim
Aparelhos 35% 55% 10% -
Ferramentas 40% 55% - 5%
Improvisação do professor Sim Não
Revezamento de aparelhos 100% -
Utilização dos próprios acessórios 65% 35%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Outro fator que também chama a atenção é a preocupação das academias em


manter a disponibilidade das ferramentas de trabalho (ex. halteres, barras, caneleiras,
steps, etc.) como prioridade, em detrimento de ferramentas que oferecem segurança
para o trabalho dos professores de EF como o monitor cardíaco, esfigmomanômetro,
estetoscópio, entre outros, haja vista que a maioria dos professores (65%) já
precisaram utilizar ferramentas particulares durante o trabalho.
Sobre a oferta de ambientes e mobília complementar ao professor de EF, os
dados apresentados na Tabela 3 indicam uma relativa variedade de espaços que são

104
Corpo, Trabalho e Educação

oferecidos aos funcionários, entretanto se faz necessário uma nova pesquisa para
avaliar a qualidade desses espaços, haja vista que houve divergência nas respostas
de entrevistados que trabalham na mesma academia.
Tabela 3 – Ambientes e mobília destinada aos professores de EF
Espaço Espaço
Sala de
destinado aos para Vestiário Armário Outros
descanso
professores refeições
Total 35% 65% 90% 85% 5%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

As relações de trabalho e as dificuldades enfrentadas nas academias de


ginástica de Belém

A fim de investigar se os direitos trabalhistas, previstos pela CLT, estão


presentes nos contratos realizados entre patrões e empregados do segmento das
academias de ginástica, a Tabela 4 apresenta um conjunto de dados coletados no
processo de pesquisa.

Tabela 4 – As relações de trabalho nas academias de ginástica


Trabalho Formal Sim Não
Carteira Assinada 85% 15%
Direitos previstos pela CLT 85% 15%
Outros Plano de Hora Adicional Não
Bonificação PLR Outros
Benefícios carreira extra noturno Possui
Total 5% 15% 20% 5% 10% 5% 50%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Os resultados obtidos revelam que, apesar de baixo (15%) o número de


trabalhadores sem carteira assinada (bonificações contratuais), a informalidade ainda
está presente no âmbito das academias de ginástica, fato que expõe os trabalhadores
à precárias condições de trabalho, haja vista que, dessa forma, os direitos
trabalhistas (ex. 13º salário; férias remuneradas; aviso prévio; seguro desemprego;
FGTS; etc.) deixam de ser assegurados. Além disso, a metade dos sujeitos (50%),
não possuem outros benefícios trabalhistas expressos em seus contratos.
No que diz respeito ao incentivo ao aperfeiçoamento profissional e ao
oferecimento de tempo para o planejamento das aulas, a Tabela 5 destaca que a
maior parte das academias (75%) oferecem tempo para o professor de EF planejar as

105
Corpo, Trabalho e Educação

aula/treinos, entretanto, 25% dos professores ainda precisam fazer o planejamento


em meio ao salão da academia ou mesmo em sua residência, situação característica
da produção de mais-valia (no primeiro caso, pela mais-valia relativa; no segundo
pela mais-valia absoluta).

Tabela 5 – Disponibilização de tempo aos professores de EF


Disponibilização de tempo para
Sim Não
elaboração das aulas
Total 75% 25%
Incentivo ao Não
Cursos e Incentivo à pós- Incentivo à
aperfeiçoamento oferecem
palestras graduação pesquisa
profissional incentivo
Total 75% 15% 20% 10%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Além disso, o aperfeiçoamento profissional incentivado pelas academias se


resume em minicursos de atualização de curta duração (75%), normalmente
realizados aos finais de semana, assim como foi observado na pesquisa de Quelhas
(2012) e apenas 10% das academias não oferecem nenhum tipo de incentivo.
Verificou-se, ainda, que a função mais exercida pelos professores de EF nas
academias, ainda é a de professor de musculação (90%), conforme dados contidos
na Tabela 6. Além disso, 35% dos professores de EF exercem mais de uma função
na academia, em que 30% trabalham com a ginástica e 20% também com a
dança/ritmos, o que implica em acúmulo de funções.

Tabela 6 – A relação entre as ocupações e desgaste físico


O trabalho
Musculação Ginástica Dança/Ritmos Spinner Outro
do prof. EF
Total 90% 30% 20% 10% 5%
Nº de Funções Uma Duas Três
Total 65% 15% 20%
Desgaste Físico Alto Moderado Baixo
Total 55% 30% 15%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Em decorrência das diversas funções ou da intensificação do trabalho, 55%

106
Corpo, Trabalho e Educação

dos sujeitos consideram como alta a intensidade do desgaste físico durante a jornada
de trabalho. Tal fato pode levar o trabalhador desde a um enfraquecimento do
sistema imune, até lesões graves, devido o esforço repetitivo.
Entre os dados apresentados na Tabela 7, destaca-se uma característica
marcante na pesquisa é que 80% dos professores de EF das grandes academias de
ginástica de Belém possuem jornada de trabalho de tempo parcial, assim como foi
visto e discutido as desvantagens dessa modalidade de contrato no capítulo anterior.
Além disso, analisou-se a relação entre a jornada de trabalho e o salário recebido.

Tabela 7 – A relação jornada de trabalho, remuneração e considerações


Jornada de Mais de 8
4 horas De 5 à 7 horas 8 horas
trabalho horas
Total 35% 45% 5% 15%
De R$ 1.000 à De R$ 2.000 à Mais de R$
Remuneração Até R$ 1.000
R$ 2.000 R$ 3.000 3.000
Total 25% 55% 15% 5%
Consideração sobre o salário recebido Justo Injusto
Total 40% 60%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Ao comparar os resultados encontrados na pesquisa com os dados


levantados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (DIEESE, 2017) sobre a distribuição salarial entre os
trabalhadores da Região Norte do Brasil, constatou-se que 80% dos professores de
EF, mesmo possuindo uma graduação de nível superior, estão inclusos entre os
77,4% dos trabalhadores que recebem até dois salários mínimos.
Esses valores médios de salários, articulados com a remuneração média da
maioria dos trabalhadores da Região Norte, expressam-se no posicionamento de
60% dos trabalhadores do fitness que não consideram justo o salário que é recebido
em troca do seu trabalho, o que demonstrando uma insatisfação coerente, haja vista
que são produtores de trabalho excedente, essencial para o lucro da empresa.
Corroborando com isso, observou-se que 65% dos professores das
academias de ginástica atendem, em média, por hora de trabalho, mais de 10 alunos
ao mesmo tempo, como expresso na Tabela 8. De modo que, reflete uma

107
Corpo, Trabalho e Educação

característica emblemática da intensificação do trabalho.


Tal evidência, característica da intensificação do trabalho, também é
encontrada na pesquisa realizada por Borges e Santos (2015), em Ananindeua (PA).
Segundo Gentil (2014), citado por Borges e Santos (2015), há diversos estudos que
confirmam que a supervisão profissional é essencial para se alcançar com êxito os
resultados. Entretanto, quando o quantitativo de alunos se amplia, a qualidade da
supervisão decai e, consequentemente, comprometem os resultados. (GENTIL, 2014
apud BORGES; SANTOS, 2015)

Tabela 8 – A intensificação do trabalho


Distribuição Até 5 alunos por De 6 à 10 alunos Mais de 10 alunos
Aluno/Professor hora por hora por hora
Total 10% 25% 65%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Outra forma de precarização do trabalho é a grande contratação de


estagiários pelas academias. Para Reis e Monte (2014), a alta contratação34 de
estagiários é uma medida altamente lucrativa para as empresas, pois, além de ser
uma mão de obra barata, o capitalista não precisa garantir os direitos previstos pela
CLT para um profissional. Contudo, torna-se atrativo ao capitalista contratar um
indivíduo que deva estar assegurado apenas pela Lei do Estágio n. 11.788/08,
visando custos menores. Na Tabela 9, pode-se observar que o quantitativo de
estagiários é 40% superior ao de professores participantes desta pesquisa (em
número de 20).

34
Segundo Reis e Monte (2014), as empresas do fitness buscam contratar estudantes de EF já
como possíveis trabalhadores. Portanto, apesar de ser contratado como estagiário, o
estudante de EF exerce, muitas vezes, as funções de um professor com graduação na área,
contribuindo para o aumento do exército de reserva de professor das academias de ginástica,
assim como para a ampliação da precarização do trabalho dos professores de Educação
Física nesse campo de trabalho. Nessa direção, a pesquisa desenvolvida pelos autores
identificou que 65,3% dos estagiários que participaram da pesquisa são cobrados por
desempenho no estágio, e que 49,5% deles veem a realização do estágio como trabalho, o
que indica a materialização da troca de professores formados por estudantes para a realização
da função de um professor de Educação Física. (REIS; MONTE, 2014, p. 33)

108
Corpo, Trabalho e Educação

Tabela 9 – O alto quantitativo de estagiários nas academias


Número de Nenhum Um Dois Três
Total
estagiários/professor Estagiário estagiário estagiários estagiários
% Professores 20% 35% 30% 15% 100%
Nº Absoluto
4 7 6 3 20
Professores
Nº Absoluto Estagiário - 7 12 9 28
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Como forma de complementação salarial, foi observado que apenas 20%


dos professores encontram como alternativa o trabalho assalariado em outra
academia, como demonstram os dados contidos na Tabela 10. Entretanto, 90% dos
sujeitos se utilizam do trabalho autônomo de personal trainer como forma de
complementação salarial, como se observa na Tabela 11.

Tabela 10 – O vínculo empregatício com outras academias de ginástica


Nº Academias em Nenhuma Apenas outra Outras duas Outras três
que trabalha academia além academia academias academias
Total 80% 10% 5% 5%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Tabela 11 – O trabalho autônomo como complementação salarial


Personal Consultoria Treinamento Não
Escolar Outro
Trainer Esportiva Funcional Possui
90% 25% 30% 5% 15% 5%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).

Quando foi perguntado aos sujeitos sobre como avaliam as atuais condições
de trabalho oferecidas pelas grandes academias de Belém aos professores de EF, foi
observado certo contentamento, haja vista que 70% dos professores classificaram
como “boa” as relações de trabalho que estão submetidos. Entretanto, quando
perguntado sobre a intenção de permanecer como trabalhador no âmbito das
academias, apenas 30% manifestaram interessem em permanecer, trabalhando de
carteira assinada, só na academia; permanecer nas academias e manter paralelamente
outra atividade (professor escolar, treinador esportivo, hospitais, etc.), 20%; e sair do
âmbito fitness, 50% (entre eles, 20% pretendem migrar para outra profissão). Tal
evidencia pode ser observada na Tabela 12.

109
Corpo, Trabalho e Educação

Tabela 12 – Avaliação sobre condições de trabalho e a intenção do professor de EF


Avaliação Sobre as
Excelente Bom Regular Ruim
condições de trabalho
Total 20% 70% 10% -
Permanecer nas
Permanecer Partir para Partir para
academias e
Intenção de: apenas nas outro âmbito outra
explorar outros
academias da EF profissão
âmbitos da EF
Total 30% 20% 30% 20%
Fonte: Pesquisa de campo (2017).
Devido a certa contradição entre as respostas da tabela anterior, faz-se
necessário novas pesquisas, que tenham como instrumento de coleta de dados a
entrevista, para que seja possível identificar a subjetividade nas respostas de cada
sujeito, a fim de compreender, da melhor forma, a sua percepção sobre as atuais
condições de trabalho nas academias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização desta pesquisa, em que se procurou identificar as atuais


condições e relações de trabalho que são oferecidas aos professores de EF pelas
grandes academias de ginástica da cidade de Belém, foi possível concluir que, como
qualquer outro trabalhador das instituições do setor privado, o professor do
segmento fitness, está sujeito às práticas de exploração e precarização do trabalho
utilizadas pelo capitalista. Entretanto, mesmo sob estas condições precárias de
trabalho, 70% dos trabalhadores das academias consideram como “boa” as
condições as quais estão submetidos, evidenciando uma clara falta de entendimento
sobre o funcionamento do MPC.
Tais afirmações podem ser exemplificadas pelo fato de que, mesmo
trabalhando nas grandes academias de Belém, ainda há trabalhadores informais
nesse meio, onde não possuem carteira assinada e nenhum outro direito assegurado
pela CLT. Com isso, infere-se que tal situação pode ser ainda mais grave nas
academias de pequeno porte, que não fizeram parte desta pesquisa.
Além disso, identificou-se um grande desgaste físico e mental promovido
pela natureza do trabalho do professor do fitness, pois a alta intensidade do som
ambiente (do salão de musculação ou da sala de ginástica aeróbica); a regência ativa,

110
Corpo, Trabalho e Educação

por meio da demonstração dos movimentos, nas aulas de ginástica e musculação; e o


alto número de alunos por professores (trabalho intensificado); contribuem para a
precarização das condições de trabalho dos professores de EF neste âmbito.
Com o contrato de tempo parcial (utilizado por 80% dos sujeitos desta
pesquisa) – amplamente defendido pelas grandes empresas do segmento fitness do
Brasil, as quais criam uma falsa ideia de que é a melhor forma de contrato para os
seus trabalhadores (QUELHAS, 2012) – e consequentemente menor valor salarial
recebido, uma grande parcela dos professores de EF necessita utilizar como
complementação salarial o trabalho autônomo de personal trainer, o qual precisa
realizar um “repasse” ao capitalista para a utilização do espaço e de equipamentos da
academia que pode chegar, aproximadamente, até 40% do valor da hora-aula
cobrado pelo serviço prestado pelo professor ao seu cliente, como foi visto no
trabalho de Quelhas (2012).
Dessa forma, pode-se afirmar que esta é uma nova estratégia capitalista de
obtenção de lucro, pois o valor pago pelo trabalho de um funcionário, além de
inferior à taxa do personal trainer, retorna para a academia através do próprio
“repasse”.
A partir destas considerações, pode-se concluir que os objetivos da pesquisa
foram alcançados, pois foi possível identificar todos os dados importantes que
influenciam diretamente nas condições e nas relações de trabalho oferecidas ao
professor de EF no âmbito das grandes academias de ginástica de Belém que a
pesquisa se propôs a observar.
Por ter se configurado como uma pesquisa que envolveu grandes empresas
privadas do segmento fitness e suas formas de contratação, houve uma grande
resistência da coordenação das academias para autorizarem a realização da pesquisa
dentro da empresa, haja vista que apenas 41,7% das academias visitadas aceitaram
participar da pesquisa. Além disso, infere-se que alguns professores também
recusaram participar da pesquisa em virtude do receio de sofrerem alguma punição,
mesmo garantindo o anonimato dos sujeitos, previsto pelo TCLE.
Para o aprofundamento e melhor compreensão sobre o assunto, agora se faz
necessário, não apenas ampliar a pesquisa, mas também compreender a
subjetividade de cada sujeito participante, pois a utilização do questionário como

111
Corpo, Trabalho e Educação

ferramenta de coleta de dados nessa pesquisa, não foi suficiente para esclarecer
todas as questões que envolvem o sujeito da pesquisa, abrindo novas lacunas para
serem exploradas como algumas contradições encontradas por meio da análise dos
resultados.

Conditions and work relations of Physical Education teachers in Belém (PA) gym
academies

Abstract: The research had as objective to analyze and show the work reality of Physical
Education (PE) teachers in the gym academies of the Belém (PA) city. This study has its
epistemological basis the dialectical method at an explanatory level. Developed by means of
a field study, the visited places were gym academies, located in Belém, that had at least two
units or that were characterized as great national networks. The subjects researches were all
PE teachers who had an employment relationship with the gym academies that were visited.
As a data collection instrument, a questionnaire composed of 33 questions regarding the
teachers' work in the gym academies was used. After analyzing the data, it is concluded that
the working conditions provided by the major gym academies in Belém are precarious, since
there are still informal workers in this field, without any labor rights or guaranteed benefits.
In addition, factors such as high physical exhaustion, work intensification and low
remuneration were also found in the research. Despite this, 70% of the subjects classified as
"good" the working conditions which are subject to, evidencing a clear lack of understanding
about capitalist system functioning.
Keywords: Physical Education Teachers. Working Conditions. Gym Academies.

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113
Corpo, Trabalho e Educação

114
Corpo, Trabalho e Educação

O trabalho docente e as práticas educativas dos professores de Educação


Física da região Xingu: uma análise à luz do multi / interculturalismo

Laíne Rocha Moreira (UEPA) 35


Larici Keli Rocha Moreira (IFPA) 36
Marta Genú Soares (UEPA) 37

Resumo: Este manuscrito trata do trabalho docente dos professores da Região Xingu que se
materializa por meio de práticas educativas que consideram a diversidade cultural que se
apresenta na escola. Para tanto, utiliza como suporte teórico o multi/interculturalismo, já que
tais vertentes contribuem para pensar acerca do Outro, reconhecido e tratado muitas vezes
como diferente. O estudo apresenta reflexões acerca da formação de professores, do
currículo e das práticas educativas, por entender que a formação e o currículo contribuem
para a efetivação de um trabalho docente que se configura por meio do desenvolvimento de
práticas educativas que atendem a pluralidade cultural. Os resultados apontam para a
importância de refletir acerca do trabalho docente, considerando a efetivação de práticas
educativas que acolhem e respeitem a diversidade cultural que se apresenta na escola.
Palavras-chave: Trabalho docente. Práticas Educativas. Multi/Interculturalismo.

INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta um recorte da dissertação intitulada “Formação de


professores na Região Xingu: interfaces do multi/interculturalismo na Educação
Física” que objetivou analisar como o Multi/Interculturalismo se apresenta na
formação inicial de professores de Educação Física na Região Xingu.
Por compreender que as correntes teóricas apresentadas se complementam,
optou por utilizar neste estudo, a terminologia multi/interculturalismo que visa dar
ênfase ao multiculturalismo e interculturalismo, devido o reconhecimento de que
ambas não podem ser estudadas separadamente, pois aliadas podem proporcionar
grandes discussões no campo educacional, no currículo, na formação do professor e
em suas práticas educativas.
Fleuri (2003, p. 27), distingue diferenças entre o multiculturalismo e o
interculturalismo. Para o autor, o primeiro “reconhece que em um mesmo território
existem diferentes culturas” e este “é uma maneira de intervenção diante dessa
35
Mestra em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: laine.educacaofisica@hotmail.com
36
Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior, Instituto Federal do Pará.
E-mail: larici.rocha@ifpa.edu.br
37
Doutora em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: martagenu@gmail.com

115
Corpo, Trabalho e Educação

realidade, que tende a colocar a ênfase na relação entre culturas”, ou seja, considera
a possibilidade de convivência e intercâmbio das diversas culturas numa mesma
sociedade.
Ainda Segundo Fleuri (2001) tanto o multiculturalismo como o
interculturalismo referem-se, aos processos históricos em que várias culturas entram
em contato entre si e interagem. Entretanto, a diferença encontra-se no modo de se
conceber a relação entre estas diferentes culturas, particularmente na prática
educativa. Ao passo que a educação multicultural considera que a sociedade é
apenas composta por diferentes culturas, a educação intercultural evidencia a
possibilidade de interpenetração cultural, isto é, aponta para o estabelecimento de
relação e comunicação dialógica entre indivíduos e culturas de grupos diferentes.
Desta forma, o estudo questiona: Como se materializa o trabalho docente
dos egressos do curso de Educação Física da Região Xingu, considerando as
perspectivas educacionais do multi/interculturalismo? O trabalho docente aqui neste
estudo é entendido como aquele trabalho desenvolvido pelos educadores de
educação física na educação básica, permeado de saberes construídos por meio da
interação entre os sujeitos de culturas diversas que se apresentam na Região Xingu.
Por isso concordamos com Tardif (2000, p. 121) quando diz que “[...] o trabalho
docente nunca é [deveria ser] uma relação entre uma teoria e uma prática, mas é
sempre, ao contrário, uma relação entre atores, entre sujeitos, cujas práticas são
portadoras de saberes”.
O trabalho docente é compreendido como um conjunto de atividades que
englobam, para além das aulas que os professores ministram, e envolvem entre
outras tarefas, o processo reflexivo que docentes imprimem a partir de sua prática.
(WITTIZORECKI; MOLINA NETO, 2005)
Por isso, para compreender os conhecimentos dos egressos vivenciado a
partir de suas atividades profissionais, que implicam em práticas pedagógicas que
remetem grande influência nas relações escolares e no modo como estudantes e
docentes lidam com a diversidade que se apresenta no contexto escolar.
Para tanto o estudo objetivou analisar o trabalho docente dos professores
egressos do curso de Educação Física da Região Xingu, considerando as
perspectivas educacionais do multi/interculturalismo. Por isso, tornou-se necessário

116
Corpo, Trabalho e Educação

indagar sobre as manifestações culturais que se apresentam na Região para, a partir


de então, analisar a linguagem utilizada pelos professores para acolher e respeitar a
cultura do outro que se apresenta nas aulas de Educação Física e se efetiva por meio
das práticas educativas dos docentes.
Assim, para compreender os conhecimentos dos egressos acerca do trabalho
docente, o estudo investigou a formação inicial em Educação Física, o currículo e
suas implicações nas práticas pedagógicas que remetem grande influência nas
relações escolares e no modo como os educadores lidam com a diversidade que se
apresenta no contexto escolar, já que para Moreira (2013, p. 82) “o currículo se
materializa no ensino, no momento em que alunos e professores vivenciam
experiências nas quais constroem e reconstroem conhecimentos e saberes”.
Na concepção do autor, falar de currículo envolve estudar a formação e a
prática pedagógica do professor. Por isso, o estudo apresenta adiante discussões
acerca da formação do professor, do currículo e das práticas educativas, por entender
a formação e o currículo contribuem para a efetivação de um trabalho docente que se
materializa por meio do desenvolvimento de práticas educativas acolhedoras, que
atendam a diversidade cultural da Região Xingu.
A Região Xingu foi palco do estudo. Ela foi demarcada pelo governo do
estado do Pará para fins de planejamento de suas ações governamentais, em busca
de facilitar a aproximação com a população local, a articulação institucional e
territorial no que tange a descentralização dos grandes projetos administrativos
implantados na região. Dentre 12 (doze) regiões de integração, a Região Xingu,
ocupa a maior parte da bacia hidrográfica do Rio Xingu e se estende desde as
margens do Rio Amazonas, até o limite do estado do Pará com o estado do
Amazonas. (BRASIL, 2010)
Ela é composta por 10 (dez) municípios, sendo respectivamente: Pacajá,
Anapú, Porto de Móz, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu, Altamira, Brasil
Novo, Medicilândia, Uruará e Placas, somando uma área territorial de 250.792,0
km2. O município de Altamira ocupa mais de 60% da área total da região, devido
seu reconhecimento como o maior município em extensão territorial do país, com
159.533,255 km2. (BRASIL, 2010)
Escolheu-se a Região Xingu para sediar o estudo, já que ela foi formada

117
Corpo, Trabalho e Educação

historicamente com a interpenetração de colonizadores europeus e indígenas, cujas


migrações de vários grupos contribuíram para modificar a paisagem cultural, social,
econômica e religiosa na região. Esses grupos cooperaram para disseminar várias
formas de manifestações culturais, expressas por meio da dança, do jogo, da arte, da
música, da letra, enfim, um hibridismo de manifestações culturais que originaram
em uma nova tessitura étnica e cultural no território.
Adotou-se um estudo de abordagem qualitativa por entender que esta
modalidade de pesquisa é mais adequada para o desenvolvimento de estudos
advindos das ciências humanas e sociais, já que “não segue um padrão único porque
admite que a realidade é fluente e contraditória” (CHIZZOTTI, 2014, p. 26).
Todavia permite ao pesquisador “descobrir ou comprovar uma verdade, coerente
com sua concepção da realidade e sua teoria do conhecimento” (CHIZZOTTI, 2014,
p. 27).
Optou-se pela investigação narrativa por compreender que essa técnica de
pesquisa aproxima o pesquisador às ideias e experiências práticas dos professores a
partir de suas próprias percepções. Na concepção de Silva e Diehl (2010, p. 110) “a
investigação narrativa proporciona uma dimensão social aos relatos, uma vez que
estão intimamente conectados à cultura do sujeito que narra”. Neste sentido, as
histórias narradas pelos professores são impregnadas de sentido construído a partir
das relações sociais e culturais. Essas histórias contadas ganham significado e
podem servir de sustentáculo para a produção de novos conhecimentos advindos de
experiências cotidianas.
Deste modo, narrando suas histórias, os professores não se limitam apenas a
recordar e relatar suas experiências, ao mesmo tempo em que reconstroem suas
próprias histórias, reorganizam e dão significado às suas práticas profissionais.
Por isso, surgiu a necessidade de ouvir as experiências vividas por
professores da Região Xingu, envolvidas pela produção de significados e valores
advindos dos conhecimentos adquiridos e transmitidos por meio do trabalho docente
que se materializa na prática educativa.
Fizeram parte do estudo 11 (onze) professores, egressos da Universidade do
Estado do Pará (UEPA), Campus IX Altamira, formados no período entre 2012 a
2015, respectivamente das turmas de Educação Física 2008, 2009, 2010, 2011, 2012

118
Corpo, Trabalho e Educação

e Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR) 2010, de ambos os sexos,


que estavam atuando na educação básica, ministrando aulas de Educação Física em
algum município que compõe a Região Xingu.
Optou-se em realizar a pesquisa com egressos que desenvolvem suas
atividades educativas na educação básica por compreender que suas experiências
pedagógicas são permeadas de sentidos e significados ricos de conhecimentos
advindos da prática profissional que surgem como uma grande fonte de pesquisa.
Com o objetivo de captar as histórias dos professores, passamos a ouvir as
vozes dos sujeitos por meio de narrativas orais, direcionadas por meio de entrevistas
semiestruturadas, com 7 (sete) questões centrais, em torno da relação entre a
formação inicial de professores e a prática pedagógica em Educação Física,
considerando as perspectivas do multi/interculturalismo no processo educacional.
Para garantir o anonimato dos partícipes e primar pela confiabilidade das
informações, os professores foram codificados por nomes fictícios, escolhidos pelos
próprios sujeitos. Ainda, todos os nomes de alunos e/ou professores citadas nas falas
dos sujeitos investigados foram transformados em nomes fictícios.
Todos os pesquisados assinaram um Termo de Consentimento Livre
Esclarecido (TCLE), a fim de garantir respaldo para participação voluntária no
estudo e esclarecer os sujeitos sobre informações primordiais e éticas pertinentes à
construção do trabalho.
Para análise dos dados, apropriou-se da Análise Textual Discursiva (ATD)
subsidiada pela metodologia proposta por Moraes e Galiazzi (2011, p. 07), a qual
“corresponde a uma metodologia de análise de dados e informações de natureza
qualitativa com a finalidade de produzir novas compreensões sobre os fenômenos e
discursos” por meio de um movimento interpretativo. No entanto, com o intuito de
tecer uma discussão reflexiva, crítica e coerente sobre o tema proposto, apoiou-se na
ATD com o propósito de construir novos conhecimentos pertinente à formação
inicial de professores a partir da compreensão dos fenômenos investigados com o
aporte de uma ferramenta analítica que cria espaços de reconstrução do
conhecimento por meio da interpretação da realidade.
A ATD pode ser compreendida como um processo auto-organizado de
construção e compreensão em que novos entendimentos emergem a partir de uma

119
Corpo, Trabalho e Educação

sequência recorrente composta por três etapas: desconstrução do corpus por meio da
(1) unitarização (desconstrução do material empírico) – aqui foram criadas unidades
por meio de palavras ou frases significativas; a (2) categorização – em que foram
juntadas e agrupadas as unidades semelhantes através da correlação entre um e
outro; e a (3) comunicação do novo emergente que expressa as compreensões
atingidas por meio dos resultados de análise – aqui foi apresentado a discussão,
produto da nova compreensão do pesquisador.

SITUANDO A FORMAÇÃO DE PROFESSORES, O CURRÍCULO E AS PRÁTICAS


EDUCATIVAS

Antonio Flavio Barbosa Moreira demanda esforços para traçar reflexões em


seus estudos em torno da relação entre currículo, formação de professores e prática
educativa, articulando aspectos políticos e acadêmicos. Por isso, Moreira (2001, p.
40) considera que as análises em torno do currículo devem necessariamente incluir
discussões sobre o professor e sua prática. Logo, para ele, “não se pode pensar o
currículo sem se pensar o professor e sua formação”.
Diligências assim conjecturam a pluralidade cultural, étnica e religiosa, por
entender a complexidade das relações provocadas por tensões e conflitos. Sugerem
respeitar, valorizar identidades plurais, refletir sobre mecanismos discriminatórios,
ou silenciadores da pluralidade cultural, que tanto negam voz a diferentes
identidades culturais, além de homogeneizá-las em conformidade com a perspectiva
monocultural.
Moreira (2001), dessa forma, discutiu em que medida os atuais currículos
dos cursos de formação de professores estão sendo apropriados para formar docentes
capazes de atuar como profissionais intelectuais, sujeitos questionadores do
existente, multiculturalmente orientados e preocupados em pesquisar suas próprias
práticas pedagógicas.
Defendeu ainda, que na formação docente se deve levar em consideração as
diferentes dimensões da prática pedagógica de forma que privilegiem a luta pela
inclusão e noção de cidadania a partir de currículos que acolham as diferenças
identitárias que marcam os indivíduos e grupos sociais, na medida em que primam

120
Corpo, Trabalho e Educação

pela transformação das relações de poder que socialmente produzem e preservam


tais diferenças.
Em seus estudos com discussões relacionadas ao currículo, à formação de
professores e às questões da diversidade cultural, o autor enfatiza a relevância do
multiculturalismo para o ensino devido colocar ênfase na cultura como centro dos
fenômenos sociais contemporâneos. Em suma, destaca a produção de significados na
prática social docente tanto para o currículo, como à cultura, pois contribuem para a
construção da identidade do sujeito.
Ao indagar o caráter multicultural das sociedades, o autor traz relevantes
contribuições para o currículo e formação de professores na medida em que prima
pelo desenvolvimento de uma postura multicultural docente, já que acredita que este
último tem possibilidade de articular a pluralidade cultural da sociedade ao contexto
da pluralidade que coexiste na sala de aula e com o acolhimento das diferentes
identidades dos alunos.
No que está relacionado à formação de professores, Moreira (2001) indaga
dentre outros questionamentos: Que professores deveriam ser formados pelos
currículos atuais? Professores sintonizados com os padrões dominantes ou
professores abertos à pluralidade cultural? Comprometidos com o arranjo social
existente ou professores questionadores e críticos?
Face aos questionamentos, Moreira (2001) aponta como necessário a
formação de um professor intelectual, que combine dimensões de ordem política,
cultural e acadêmica. Por isso, também se desdobra em analisar a associação entre
formação de professores e a perspectiva do intelectual transformador e do professor
pesquisador.
Para o autor, ao assumir-se como intelectual, o professor tem possibilidade
de se comprometer com as lutas particulares, no contexto em que atua, e, ao mesmo
tempo, com a construção de uma sociedade menos opressiva. Neste sentido, o
professor teria maior empenho para está em constante processo de aperfeiçoamento
de sua prática.
O professor, como intelectual, exerce um papel fundamental para a
construção de uma sociedade democrática, pois seu objetivo maior, será
instrumentalizar seus alunos para o questionamento de temas relacionados ao seu

121
Corpo, Trabalho e Educação

cotidiano, fazendo do ambiente educacional um verdadeiro palco de discussões e


análises críticas entre discentes e docentes.
Não se trata de limitar os conhecimentos escolares relacionados apenas a
hierarquia dos processos culturais, mas, de tratá-los e trabalhá-los dentro do
contexto educativo, de forma a garantir um entendimento plural acerca das
diferentes manifestações culturais. Tal prática implica em desafiar, por meio das
práticas pedagógicas, a complexa interpretação das culturas e da pluralidade cultural
que permeia o cotidiano escolar garantindo assim, o entendimento não só das
manifestações hegemônicas, como das silenciadas, pois estas necessariamente
precisam integrar o currículo e, sem dúvida, precisam ser confrontadas e desafiadas,
garantindo assim a expansão do horizonte cultural dos alunos. Por isso, é necessário
transformar o espaço da escola em um lugar de diálogo e participação coletiva.
Moreira (2001) defende ainda a formação do professor como pesquisador-
em-ação, com base na visão do professor reflexivo que pesquisa sua própria prática,
por isso, insisti na importância da dimensão acadêmica na formação do professor
reflexivo. Nesta concepção o autor argumenta que

Se explicite claramente o caráter político da prática reflexiva, se


examinem as relações de poder nela envolvidas e se busque entender
como tem sido usada para tornar professores instrumentalmente úteis
para determinados fins. Se não há práticas inerentemente repressivas, e
se qualquer prática é cooptável ou capaz de funcionar como fonte de
resistência, há que se estabelecer como permanente tarefa política o
questionamento das relações de dominação que se corporifiquem na
prática do professor reflexivo. (MOREIRA, 2001, p. 50).

Em análise, Moreira (2001) considera a necessidade de combinar as


dimensões de ordem política, cultural e acadêmica na formação e na prática do
professor, a partir de currículos que acolham as diferenças identitárias, e, ao mesmo
tempo, estabeleçam espaços em que se ensinam e aprendam os conhecimentos e as
habilidades necessárias à transformação das relações de poder que socialmente
produzem e preservem as diferenças.
Por isso, Moreira (2013) considera que falar de currículo, necessariamente
envolve falar de formação docente e de prática educativa. Ele exemplifica afirmando
que:

122
Corpo, Trabalho e Educação

Quando se considera que o currículo só se materializa no ensino,


momento em que alunos e professores vivenciam experiências nas quais
constroem e reconstroem conhecimento e saberes, compreende-se a
recorrente referência à prática e à formação docente nos estudos que
tomam o currículo como objeto de suas atenções. (MOREIRA, 2013, p.
82).

Implica dizer da relação fecunda entre o currículo, formação docente e


prática educativa, pois, para o autor, ambos processos estão inter-relacionados e não
devem ser estudados separadamente já que o currículo define as diretrizes de uma
formação docente sólida e esta implica em práticas pedagógicas comprometidas com
as questões sociais.
Em outro estudo, Moreira (2013) se propõe ampliar a discussão remetendo a
uma das preocupações das sociedades contemporâneas dos estudiosos do currículo
que envolve a relação entre o multiculturalismo e a formação de professores. Neste
sentido, o autor defende a formação docente aliada a uma proposta multicultural,
comprometida política e academicamente com a diversidade cultural.
Cabe desenvolver um olhar acerca do currículo multiculturalmente
orientado, capaz de introduzir práticas educativas conscientes sobre as questões que
perpassam no contexto da formação de educadores, de modo que “A intenção é que
a organização dos currículos permita aos futuros professores entender melhor, como
indivíduos e grupos são oprimidos, por fatores relacionados à raça, classe social e
gênero, focos centrais do discurso multicultural” (MOREIRA, 2013, p. 89).
O professor, nesse sentido, tem possibilidade de abrir espaços para a
manifestação das diversas vozes que, de certa forma, foram silenciadas em
currículos e práticas pedagógicas anteriores, desafiando preconceitos e promovendo
um horizonte emancipatório e transformador, fazendo com que o seu aluno tenha
autonomia, saiba agir coletivamente e tenha capacidade para analisar e compreender
a estrutura social que o oprime. Tal formação capacita-o para alcançar seus
propósitos, ser bem-sucedido tanto nas instituições educacionais como em outras
instituições sociais.
Quanto às vozes silenciadas em currículos monoculturais, Canen (2010, p.
178) considera que o multiculturalismo crítico defendido nesse estudo, “desconfia
de discursos que se apresentam como meramente técnicos, buscando perceber neles

123
Corpo, Trabalho e Educação

vozes autorizadas e vozes silenciadas”. Por isso, no campo do currículo, a


perspectiva do multiculturalismo crítico, “verifica em que medida os discursos
constroem imagens estereotipadas do negro, da mulher, do deficiente físico,
daqueles grupos portadores de culturas, religiões e linguagens diferentes das
dominantes” (CANEN, 2010, p. 178-179).
Nesse sentido, o professor poderá compreender as relações de poder que
desempenham papel crucial, podendo auxiliar a conformar o modo como indivíduos,
grupos e instituições reagem à realidade cultural (MOREIRA, 2003). Estas relações
que causam disparidades e conflitos entre grupos e indivíduos, de forma a haver a
efetivação de uma educação participativa e consciente dos problemas e dilemas do
mundo moderno.
Assim, o futuro docente terá a possibilidade de interrogar as relações de
poder envolvidas na construção da diferença, pois em termos, estará capacitado para
desenvolver um trabalho em prol da coletividade e da justiça social, criando
oportunidades para o sucesso escolar de todos os seus alunos. Nesse sentido, o
professor poderá instigar seus alunos a desenvolverem o pensamento crítico e
atitudes voltadas para a participação e para o diálogo com o diferente.
A partir de tais reflexões percebe-se a necessidade de pensar em uma
proposta curricular de formação docente que considere outros propósitos básicos que
possam promover o respeito à diversidade, com vistas a reduzir preconceitos,
estimular atitudes positivas em relação ao “outro”, conhecido e tratado como
diferente.
Questionar a necessidade de um currículo aberto para às questões culturais
torna-se indispensável, pois por meio dele o docente terá a oportunidade de
estabelecer diferentes debates que desafiam os educandos quanto ao conhecimento
amplo das questões e artefatos culturais que circundam seu cotidiano, de forma
crítica e interativa.
Esta análise permite estabelecer um estudo crítico dos conhecimentos a
serem ensinados, clarificando a ideia do conhecimento hegemônico dentro do
currículo, de forma a desafiar as representações nele incluídas, aonde os futuros
docentes reflitam e construam uma visão do mundo no qual estão inseridos, no plano
atual e concreto.

124
Corpo, Trabalho e Educação

PRÁTICAS EDUCATIVAS DOS PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA REGIÃO


XINGU: INTERFACES DO MULTI / INTERCULTURALISMO

Imbuído de uma formação plural, ancorado nas perspectivas teóricas do


multi/interculturalismo, o docente tem possibilidades de desenvolver uma prática
educativa que leve em consideração à diversidade cultural existente no espaço
escolar e a identidade de cada aluno, de forma a respeitar suas diversas
manifestações culturais expressas por meio do jogo, dança, esporte, luta, ginástica
entre outras, típicas do campo da Educação Física.
Adquirir conhecimentos na formação que subsidiem o desenvolvimento de
uma prática pedagógica que reconheça a diversidade de culturas que se apresentam
na escola e nas aulas de Educação Física contribui para que o professor possa
transformar sua ação didática em uma prática permeada de sentidos e significados.
Por isso, torna-se de fundamental importância elucidar experiências
pedagógicas que evidenciem traços da educação multi/intercultural com foco nas
práticas educativas inclusivas e acolhedoras com base nas narrativas orais dos
docentes de Educação Física inseridos no contexto da Região Xingu.
Ao serem questionados como desenvolvem, na prática pedagógica,
atividades relacionadas aos temas diversidade cultural, diferença, identidade,
inclusão, raça, sexualidade, gênero, etnia, ou classe social nas aulas de Educação
Física, constatou-se:

O reconhecimento da diversidade cultural

Os docentes reconhecem a diversidade cultural que se apresenta na região,


pois cita: “aqui na nossa região principalmente, que nós temos os índios, os
indígenas que hoje eles também estão inseridos nas escolas públicas junto com os
outros alunos. Ano passado eu tive três alunos Curuais aqui trabalhando”
(ALBERTO ROBERTO, ATM, 12/02/2016). O mesmo professor também destaca a
diversidade que se apresenta nas turmas, especialmente na turma de Educação de
Jovens e Adultos. “Assim, principalmente porque eu trabalho com a EJA, a gente
tem uma diversidade muito grande de idade, de classes, e aí a gente acaba tendo
que trabalhar para que eles convivam em harmonia” (ALBERTO ROBERTO,

125
Corpo, Trabalho e Educação

ATM, 12/02/2016).
A professora Maria Joaquina contribui afirmando sobre a diversidade que se
manifesta na sala de aula. Ela narra:

Porque dentro da sala de aula há diversos tipos de pessoas, não só


daqui, e a gente tem que trabalhar essa diversidade, porque para eles é
diferente, a forma de falar, a forma de se vestir, porque tem uns que se
veste diferente do outro, essa cultura que a pessoa traz de si, das casas
a gente tem que está respeitando. (MARIA JOAQUINA, PMZ,
25/05/2016).

Conforme a professora reconhece a diversidade ela dialoga com seus alunos


durante as aulas sobre a necessidade de respeitá-la. Ela fala para os alunos:

Olha você deve respeitar tá, porque todos nós somos diferentes, nós
temos culturas diferentes, o jeito de falar, maneira de falar, o jeito de
conversar, de andar diferente do outro. Então a dança, a religião a
gente tem que respeitar dos colegas, cada um tem seu estilo de vida,
então é isso que a gente tem que estar trabalhando na sala. Eu acho
que esse tema é muito interessante e a gente está trabalhando quase
todos os dias. (MARIA JOAQUINA, PMZ, 25/05/2016).

A fala da professora contribui para entender que falar da diversidade


cultural, envolve, entretanto, falar sobre diferença e respeito, já que ao passo em que
o professor reconhece a diversidade, ele passa a compreender que a diversidade se
manifesta por meio da diferença entre os povos e os sujeitos da escola (professores e
alunos), que devem estar conscientes dessa conjuntura e desenvolver atitudes
respeitosas frente à cultura do outro, considerado como diferente.
A atitude reflexiva da professora colabora para o desenvolvimento crítico
dos seus alunos, haja vista a diferença manifesta no interior de dada cultura, por ser,
aquela, permeada por conflitos e interesses entre grupos diferentes, em virtude da
cultura ser esfera de lutas, de diferenças, de relações de poder desiguais. Tais
diferenças são sempre relacionadas à algo, são diferenças políticas, não apenas
textuais, linguísticas e formais. Elas são construídas com base em relações de poder
estruturais e globais que não devem ser silenciadas. (McLAREN, 2000)
A professora Maria Antonieta busca desenvolver aulas diversificadas que
cooperam para o envolvimento coletivo dos alunos nas aulas possibilitando a
participação de todos. Ela, diz: “a gente vai intercalando as atividades para que

126
Corpo, Trabalho e Educação

todos se envolvam sem ter aquele que fica sentado lá no cantinho mexendo no
celular, afastado” (MARIA ANTONIETA, PMZ, 25/05/2016).
Já o professor José Joaquim, além disso, procura incluir os alunos nas
atividades por meio da problematização da própria realidade do aluno, sempre
cultivando o respeito entre professor-aluno.

Quanto a questão da diversidade, inclusão eu procuro trazer as


atividades para a realidade dos alunos. Por exemplo: eu nunca cheguei
com o tema ginástica e despejei o assunto de ginástica, eu perguntava
se eles já tinham visto na televisão, escutado no rádio, se quando eles
foram na cidade viu algum exemplo de ginástica, jogos e brincadeiras,
eu procurei fazer com que eles criassem os jogos deles com suas
próprias regras, viessem com projetos de jogos pra gente executar
durante a aula, eu procurava também fazer com que eles pensassem,
desenvolvessem algo, não somente ficasse na reprodução e sempre
tratando eles com respeito. (JOSÉ JOAQUIM, VTX, 23/06/2016).

O desenvolvimento de práticas educativas respeitosas

Os professores, além de reconhecerem as diferenças que revelam em suas


aulas, desenvolvem práticas educativas respeitosas que contribuem para a inclusão
das diferenças. O tema é trabalhado de diversas formas no contexto escolar, com o
desenvolvimento de projetos educativos, aulas discursivas, reflexivas e durante a
aplicação dos próprios conteúdos das aulas de Educação Física, como as lutas.
Nesse contexto, a professora Joana diz que:

Através da discussão a gente conseguiu não só melhorar o


comportamento como a questão do respeito entre eles, respeitar as
diferenças. Então é uma coisa assim que a gente busca trabalhar no
dia a dia. A questão da inclusão também para que não tenha aluno que
exclua o colega porque ele é diferente de mim, aí a gente trabalha que
eles são diferentes, nós no corpo nós temos as nossas diferenças, mais
que nós devemos ser tratados igualmente. (JOANA, BN, 29/04/2016).

O professor Alberto Roberto desenvolve uma metodologia por meio de


projetos na escola, não como um processo pedagógico rotineiro durante as aulas. Ele
diz: “Esses temas eles são trabalhados em forma de projetos dentro das escolas, a
gente não tem exatamente inserido como uma forma mais disciplinar. Eu acho
assim, que a gente tem que trabalhar muito mais, até por conta das diferenças”
(ALBERTO ROBERTO, ATM, 12/02/2016).

127
Corpo, Trabalho e Educação

Entretanto, seria de grande importância o professor utilizar-se dessa


metodologia e trabalhar conjuntamente com a comunidade escolar, ao usufruir dos
projetos interdisciplinares para o ensino de valores como respeito a diferença,
inclusão, entre outros, já que segundo Moreira (2013, p. 84):

Quer rejeitemos ou aceitemos a diferença, quer pretendamos incorporá-


la à cultura hegemônica, quer defendamos a preservação de seus
aspectos originais, quer procuremos desafiar as relações de poder que
organizam, não podemos, em hipótese alguma, negá-la.

Adiante, o professor José Joaquim enfatiza por meio do ensino das lutas nas
aulas de Educação Física, a importância do reconhecimento das diferenças e a
necessidade de respeitá-las para evitar confusões e brigas entre colegas de turmas.

Todos eles são ribeirinhos, está apelidando, eu sempre cortei a questão


de apelidar, os meninos respeitarem as meninas e vice versa. É outros
problemas relacionados a diferença, pelo menos lá eu não tive esses
problemas. Eu já tinha trabalhado a diferença de lutas e brigas com
eles, eu tive que voltar o assunto todo, perguntar o que eles tinham
aprendido, eles falaram que luta não poderia brigar, porque briga é
violenta, não tem regras, eles falaram tudo mais na prática eles diziam
que não conseguiam, eu voltei todo o assunto com eles, eles falaram
que não iam fazer mais, que eles não ia mais brigar. (JOSÉ
JOAQUIM, VTX, 23/06/2016).

Percebeu-se que o professor ao reconhecer a diversidade de pessoas que


convivem na Região Xingu, concomitantemente, identifica a diferença entre os
povos e procura desenvolver mecanismos que possibilitam o respeito da diversidade,
seja ela de raça, cor, classe ou limitação física ou intelectual.
A professora Marina diz: “porque com essa vinda de várias pessoas para a
cidade, nós temos aí pessoas do Sul, do Nordeste e o aluno aqui ele precisa
respeitar o sotaque do outro, ele precisa respeitar o jeito do outro” (MARINA,
ATM, 15/02/2016).
O professor José Joaquim também fala:

Sempre nas aulas eu primeiramente preso pelo respeito entre os alunos


né, porque eu acho que toda prática se a gente tá formando cidadãos a
gente tem que prezar pelo respeito. Eles aprendem a respeitar uns aos
outros, a tratar cordialmente, com respeito as regras de boa maneira.
(JOSÉ JOAQUIM, VTX, 23/06/2016).

128
Corpo, Trabalho e Educação

A discussão acerca dos temas transversais

Temas como inclusão, identidade, raça, etnia, sexualidade, gênero, são


discutidos por meio dos temas transversais, nas aulas teóricas de Educação Física,
uma vez que a disciplina hoje é desenvolvida não apenas através de conteúdos
esportivos como o futsal, handebol, vôlei e basquete, não obstante, por meio de
aulas expositivas.

Hoje em Medicilândia a gente trabalha uma semana na sala, uma


semana na quadra, uma semana na sala, uma na quadra. Trabalho
hoje em dia qualquer tema que eu quiser levar para sala de aula, sobre
qualquer tema, eu trabalho na Educação Física. A metodologia de
trabalhar por meio dos textos, de qualquer tema se eu quiser falar
sobre sexualidade, drogas eu posso levar, trabalhar sem nenhum
problema. (ALCI, MDC, 09/06/2016).
É nós temos aulas teóricas e aulas práticas, então as aulas teóricas é
quando a gente desenvolve esses trabalhos. No conteúdo curricular nós
temos os temas transversais que eles devem ser incluídos, entendeu?
Devem ser incluídos dentro do contexto das aulas, então nesses
conteúdos dos temas transversais a gente trabalha tudo isso, a
identidade, a inclusão, a raça, a etnia, a sexualidade, gênero [...].
(JOANA, BN, 29/04/2016).

O professor Tião de Senador José Porfírio enfatiza a formação das aulas


teóricas e práticas. “A minha aula a gente divide em duas partes, por semana, eu só
trabalho quarta, quinta e sexta, então quarta quinta e sexta da semana passada foi
teoria, agora quarta, quinta e sexta vai ser prática” (TIÃO, SJP, 14/06/2016).
A concepção de aula, expressa pelo professor Tião é enfatizada no Projeto
Político-Pedagógico do Curso de Educação Física da UEPA (UEPA, 2007, p. 66-67)
quando ressalta que “a formação do professor de Educação Física deve assegurar a
indissociabilidade teoria-prática”, a correlação entre teoria e prática é um
movimento contínuo. Desta forma, o professor organiza suas aulas tendo por base
sua própria formação, a qual foi significativa e capaz de produzir reflexos na própria
atividade pedagógica do professor.
Os professores discorrem acerca da formação não apenas das habilidades
físicas, mas intelectuais. A professora Alci cita que a aula de Educação Física:

Não necessariamente precisa está voltada ao esporte, ao físico, a gente


trabalha a parte do intelecto do aluno, a parte do conhecimento em

129
Corpo, Trabalho e Educação

outras áreas, então os nossos alunos não sentem falta, porque eles
aprenderam que a Educação Física não é só correr atrás da bola.
Então na época que eu trabalhava eu brincava muito de futebol com
meus alunos, era mais futebol, futebol mesmo, tinha as outras coisas
mais o período terminava tudo em futebol, começava falando de
basquete e ia para prática ensinava, mais a aula encerrava no futebol.
E aí depois com a prática e o conhecimento da universidade eu pude
incrementar, a trazer uma nova roupagem. (ALCI, MDC, 09/06/2016).

É necessário frisar que a professora ressalta ter dado uma nova roupagem
para a Educação Física em seu município, após passar a ministrar aulas teóricas e
práticas. Tudo isso foi possível após ela adquirir formação na área. A prática da
professora contribuiu para a quebra de velhos paradigmas no campo da Educação
Física em entender que a mesma não é uma disciplina apenas esportiva, devido
muitos professores ainda cultivar a cultura da bola. Por isso, faz “questão de mostrar
para eles isso, que eu quero que eles têm um conhecimento na área da Educação
Física, que eles não vejam só como uma disciplina da bola, de brincar. Entendeu?
Eu estou procurando é desenvolver esse senso crítico neles”, conforme aponta a
professora Joana. (BN, 29/04/2016)
A Educação Física na região passa a ter seu reconhecimento como uma
prática capaz de produzir reflexões críticas, não apenas capaz de desenvolver a
coordenação motora e as habilidades físicas. Sobre isso, a professora Alci diz:

As pessoas têm que aprender, os nossos colegas de Educação Física


principalmente de achar que nós somos só professor da bola, que nós
temos a cabeça vazia, que nós não temos conhecimento. Debater,
discutir, mas, nós temos alguns colegas que tem a cultura de achar que
o professor de Educação Física é só pra dançar, só pra ensaiar uma
festividade, é só pra ensinar sobre algum esporte. Então é isso que eu
passo para os meus alunos, para eles quebrar essa visão, para eles
romper essa barreira até, porque futuramente alguns de nossos alunos,
eles podem ser professores de Educação Física e aí qual o
conhecimento que ele vai levar? Ele vai ficar com aquele pensamento
arcaico? Eu acho que ele deve ter um pensamento inovador, diferente,
tem que ser crítico, e sem dizer na questão do respeito. (ALCI, MDC,
09/06/2016).

A formação em Educação Física na Região Xingu colaborou de forma


específica para melhoria a prática da disciplina na região, pois os próprios
professores conseguem identificar a importância da formação para a ampliação de

130
Corpo, Trabalho e Educação

uma prática pedagógica respeitosa e acolhedora no que tange principalmente a


inclusão de alunos com necessidades educativas especiais nas aulas.
Portanto, a professora Lidinha reflete:

Antes da graduação eu passava noites sem saber o que fazer, inclusive


eu não sabia como fazer para trabalhar com ele, depois disso é uma
das coisas que eu faço com mais facilidade, esse aluno ele é cadeirante,
ele não fala, tem alguns movimentos e ouve e não temos certeza se ele
consegue entender, mais eu consigo trabalhar com ele, assim de forma
natural, coloco junto com todos os alunos. Eu perdi o medo, porque a
partir do momento em que você tem conhecimento, tudo muda não é
verdade? Então a gente amarra a corda na mão dele, por mais que ele
não consegui rodar a corda, aquela sensação da corda está passando
na mão dele e ter alguém pulando ao mesmo tempo é uma sensação de
alegria enorme. Estamos agora com ensaio da quadrilha esse aluno é
um dos alunos que puxa a quadrilha aqui na nossa escola.
(LINDINHA, BN, 20/04/2016).

A questão da sexualidade é do mesmo modo trabalhada das aulas de


Educação Física devido os professores reconhecerem que esse tema merece
destaque, devido a tendência de muitos alunos que já apresentam tal diversidade por
meio da diferença de gêneros. Por isso, acham que a sexualidade deve ser trabalhada
nas aulas, para que haja a aceitação das diferenças no contexto escolar.
O professor Alberto Roberto (ATM, 12/02/2016) relata sobre a sexualidade:
“[...] a gente encontra muito aluno aqui já com outra tendência isso também nós
temos que trabalhar junto com os outros alunos, para que haja essa aceitação das
diferenças dentro da sala de aula” (ALBERTO ROBERTO, ATM, 12/02/2016).
O professor Tião, destaca na sua narrativa que a questão da sexualidade
deve ser trabalhada, pois:

Como eles tão passando da terceira para a quarta infância é um


período meio complicado, e aí eu sempre vejo essa questão assim de
sempre tá conversando com eles chamando atenção pra aula em si.
Quando eu fui trabalhar com eles a questão dos órgãos reprodutores,
eu senti uma certa curiosidade. Mais a questão da sexualidade ela é
trabalhada na minha aula de Educação Física, só que para isso eu tive
que conversar com a diretora da escola, tive que fazer um
planejamento, eu gosto de fazer minha sequencia didática, faço meus
planejamentos e aí no planejamento eu coloco o passo a passo de como
vai ser desenvolvido na sala. E aí como eu to trabalhando o vôlei que é
um esporte olímpico, com toda uma sequência didática aí vem o passo

131
Corpo, Trabalho e Educação

a passo e lá entra a parte da sexualidade pra trabalhar com crianças


porque que as mulheres usam um short mais curto? Porque que no
voleibol as meninas usam a barriga de fora? E porque que no vôlei
normal não usa? Você tem que trabalhar essa questão da sexualidade
com muito cuidado. (TIÃO, SJP, 14/06/2016).

Na fala do professor fica evidente a necessidade do planejamento nas aulas


de Educação Física. Torna-se de fundamental importância o professor aplicar sua
aula tendo por base uma sequencia didática, facilitadora da sua prática, tornando a
aula mais interessante.
Sobre a sexualidade, a professora Maria Antonieta expressa ainda sobre a
adolescência e sua relação com a sexualidade, já que “[...] tem muitos adolescentes
que estão naquela fase de descoberta, que estão se mostrando homossexual, com 12
e 13 anos, então a gente tem mais esse problema com a sexualidade do que com o
racismo” (MARIA ANTONIETA, PMZ, 25/05/2016).
Por outro lado a professora Marina, destaca que “esses temas eles não são
levados bem a vigor na minha aula, não trabalho de forma tipo a sexualidade, é um
tema que ainda não trabalhei na minha aula” (MARINA, ATM, 15/02/2016).
A sexualidade marcada pela diferença entre sexos é frisada também nas
aulas teóricas e práticas da disciplina de Educação Física através do conteúdo
ginástica. “Esse último conteúdo eu trabalhei sobre a ginástica na escola, então na
ginástica eu trabalhei muito sobre a sexualidade, porque tem alunos que ficam com
vergonha de fazer alguns passos” (MARIA JOAQUINA, PMZ, 25/05/2016).
A professora Maria Joaquina adverte sobre a necessidade de trabalhar esses
temas nas aulas teóricas “esse tema ele tem que estar constante em todas as aulas. É
melhor trabalhar isso na sala de aula, quando eles já chegam na prática eles já
estão sabendo, como lidar com as diferenças de cada um” (MARIA JOAQUINA,
PMZ, 25/05/2016).
Na fala da professora Maria Joaquina fica explícita a necessidade dos
professores desenvolverem uma prática pedagógica que permita aos alunos não
apenas compreender a diferença entre os povos, mas saber lidar e respeitá-la no
ambiente educacional. Esses valores contribuem para que os alunos possam
conviver de forma respeitosa com seus colegas, tanto na escola, como no seio da
sociedade em que vivem.

132
Corpo, Trabalho e Educação

A diferença é enfatizada além das aulas teóricas, nas aulas práticas por meio
do diálogo entre professor-aluno.

Como nós temos aula teórica e prática, na sala de aula eu converso


com eles, eu passo o conteúdo tudinho, quando é na prática a gente vai
colocando em prática tudo que a gente estudou na sala de aula, a
questão do palavrão, a diferença entre sexo, a questão da deficiência.
(MARIA ANTONIETA, PMZ, 25/05/2016).

Atrelado ao diálogo sobre sexualidade, surge a necessidade de trabalhar o


respeito e a inclusão. Segundo o professor Luis:

A gente vê, alguns alunos eles tem, como podemos dizer, não um traço
homossexual mais uma atitude mais feminina e alguns alunos tem
muito preconceito quanto à isso, é eu tenho um aluno que ele tem esses
traços só que ele é uma pessoa extremamente participativa e os alunos
eles são muito preconceituosos realmente mais eu sempre procuro
fazer com que eles se incluem em todas as atividades. Então eu fiz o
que: eu comecei a trazer ele fazendo com que ele se tornasse o
protagonista da sala, ou seja, ele começou a ter funções onde ele tinha
responsabilidades e ele tinha que aparecer na sala, então ele começou
até a, como podemos dizer, se tornar um líder dentro da sala, então ele
deixou de ser aquele menino retraído para ser um menino ativo,
questionador, e que comanda as atividades dentro da sala de aula.
(LUIS, ATM, 15/07/2016).

A inclusão é um assunto bastante enfatizado pelos professores da Região


Xingu. Eles relacionam a inclusão principalmente a inclusão de alunos com
necessidades educativas especiais nas aulas. Percebeu-se que os professores já não
sentem tantas dificuldades para incluir tais alunos em suas aulas, pois procuram
desenvolver uma metodologia que permite sua participação nas aulas juntamente
com os outros alunos que não possuem limitações. Por isso, o diálogo entre
professor e aluno contribui para essa inclusão, conforme enfatizam os professores
Alci e Francisco:

Essa aluna deficiente auditiva ela é uma pessoa que me ajuda muito,
ela é muito esperta por ela ser esperta até agora eu não percebi
nenhuma dificuldade em ministrar aula para ela, porque eu explico
para ela, mesmo sendo nenhuma sábia em LIBRAS, mais eu explico pra
ela como é a atividade e ela vai lá e desenvolve aquilo que eu quero, e
ela faz igual os outros, por sinal, ainda faz melhor do que os ditos
normais. O deficiente visual eu não tive dificuldade alguma para

133
Corpo, Trabalho e Educação

ensinar aula pra ele e quando eu ministrei aula eu falei sobre alguns
temas, na época sobre esportes, eu desenhava, por exemplo, eu ia falar
sobre a quadra de determinado esporte, então eu desenhava a quadra
no papel, aí eu colocava é alguma coisa em relevo, barbante na quadra
de futsal e colei tudinho e aí expliquei a figura como é que era e aí foi
contornando desenhando, passando a sua mão pra sentir como é que
era. Também peguei todas as bolas que eu trabalhava e fui explicando:
olha para ele, bola de futsal é assim e dava a bola para ele e ele
tocava, via o peso e dimensão. (ALCI, MDC, 09/06/2016).
Na prática eu procuro usar muito a inclusão. Olha professora eu tenho
assim, uma metodologia específica para esses alunos [com
necessidades educativas especiais]. Então eu procuro socializar, a
incluir eles com os demais colegas e eu fico monitorando.
(FRANCISCO, PMZ, 25/05/2016).

A professora Joana, se apropria do diálogo para conversar com seus alunos


sobre diversos temas. Entre eles se destacam a sexualidade, o respeito e a inclusão.
Para ela, “isso é uma coisa diária, todas as aulas a gente busca falar sobre esses
assuntos. Há, uma roda de conversa que vamos expor as opiniões um dos outros”
(JOANA, BN, 29/04/2016).
O diálogo, neste sentido, apresenta-se como ponto de partida para a
concretização de uma a relação respeitosa entre os sujeitos culturais. A concepção de
diálogo em Freire e Buber nos ajuda a compreender as relações entre os seres
humanos. Adotou-se neste estudo o conceito de Buber (2001) para entender o
diálogo, que se revela como uma teoria da linguagem e a interação entre culturas
como processo dialógico e o conceito de Freire (2003) para apreender o diálogo
como forma de enriquecimento da relação entre os sujeitos, como forma de respeito
às ideias dos outros e como maneira de valorização da cultura do outro. Na visão do
autor, o diálogo envolve a escuta do outro.
Na sua obra Pedagogia do Oprimido, Freire (2003) enfatiza a materialização
do diálogo por meio da palavra, bem como suas implicaturas de ação e reflexão.
Assim, ele impera: “não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras, no
trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2003, p. 92).
Na concepção do autor, para haver o diálogo é preciso um componente
essencial que é a palavra. Assim, para ele, a palavra verdadeira, práxis, é composta
por meio da ação e reflexão. Sem esta relação, o diálogo se torna meramente
palavras jogadas ao vento, sem uma dimensão de ação, ou seja, falar por falar, sem

134
Corpo, Trabalho e Educação

autenticidade e a reflexão se configura em conversa sem conteúdo, oca. Além disso,


a palavra pode se tornar ativismo, ação pela ação, se minimizada a sua reflexão.
Para Buber (2001), o diálogo só ocorre por meio do encontro e da relação
EU-TU em sua totalidade e da reciprocidade entre os indivíduos. Essa categoria,
EU-TU, é a base do sentido de toda a existência humana. Deve-se acolher o outro
em sua totalidade, pois o outro é indispensável para o estabelecimento da relação, do
encontro e do diálogo em Buber. “Ele não vê o homem enquanto indivíduo, mas
como a relação entre o EU e o TU” (ZUBEN, 2001, p. 18).
O diálogo entre EU-TU, é caracterizado na filosofia relacional dialógica por
Buber (2009) como diálogo autentico, ou seja, diálogo por meio da reciprocidade
viva, de forma verdadeira na relação pessoal, no face a face, em que a presença do
outro é parte fundamental para que de fato o diálogo ocorra.
Na concepção do Buber, ocorre uma relação dialógica entre professor-aluno
na Região Xingu, já que o diálogo ocorre por meio do encontro na prática
pedagógica presente na relação entre professor e aluno. Por isso, o estudo se sustenta
nas perspectivas do multi/interculturalismo, visto que, além de reconhecer a
diversidade de sujeitos que se manifestam na Região, o interculturalismo pressupõe
o pensamento voltado para a existência do outro, no diálogo e no contato com o
outro, considerado como diferente. Para além de uma utopia que circula os discursos
educacionais, configura-se como uma possibilidade de um futuro coletivo, plural,
promissor, enquadrado na relação entre culturas.
A questão da raça é trabalhada segundo a professora Marina, por meio da
Festa Cultural da escola. Inclui-se na discussão sobre raça, um diálogo sobre
respeito e diferença. No entanto, há um entrelaçamento de conhecimentos que não
podem ser estudados separadamente, já que falar sobre diversidade, consiste em
discorrer sobre diferença, inclusão, respeito e diálogo entre outros temas que
permeiam a base de uma educação multi/intercultural.

A raça a gente trabalha bem na nossa festa cultural, porque nós


trabalhamos as diferenças, as diferentes etnias, a cultura trazida para
a dança, a cultura de cada povo manifestado pela dança. Outro
assunto que é trabalhado não apenas na Educação Física é o respeito
com todas essas classes, com as etnias, com todos os povos. Eu trago

135
Corpo, Trabalho e Educação

bem na minha aula de Educação Física que eu preciso respeitar para


ser respeitado. (MARINA, ATM, 15/02/2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo constatou que os professores de Educação Física desenvolvem


em seu trabalho docente práticas que reconhecem a diversidade e pluralidade que se
apresentam na Região Xingu, e, por isso, aplicam estratégias educativas dialógicas e
acolhedoras que contribuem para a inclusão das diferenças e o respeito da
diversidade. Eles se apropriam do ensino de temas como inclusão, identidade, raça,
gênero, sexualidade e etnia por meio de aulas teóricas, principalmente com reflexões
que envolvem os temas transversais.
Desta forma, os resultados obtidos em campo apontam para a importância de
se refletir acerca do trabalho docente pautado em práticas educativas que efetivem o
acolhimento da diversidade cultural presente na escola.

The teaching work and the educational practices of Physical Education teachers from
Xingu region: an analysis based on multi / interculturalism

Abstract: This article deals with the teaching work of teachers from Xingu Region, which
happens through educational practices that consider the cultural diversity that presents itself
in the school. For this, it uses as theoretical support the multi/interculturalism, since such
strands contribute to thinking about the other, so many times recognized and treated as
different. The study presents reflections on teacher's formation, curriculum, and educational
practices, for understanding the training and the curriculum contribute to the accomplishment
of a teaching work configured through the development of educational practices that attend
to cultural plurality. The results reveal the importance of reflecting the teaching work,
considering the effectiveness of educational practices that respect the cultural diversity
presented inside the schools.
Keywords: Teaching Work. Educational Practices. Multi/Interculturalism.

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Regional Sustentável - PDRS do Xingu, o seu Comitê Gestor e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 dez. 2010. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7340.htm>.
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138
Corpo, Trabalho e Educação

A prática social como pressuposto crítico à formação / competência para a


intervenção do professor de Educação Física em saúde pública

Manoel do Espírito Santo Silva Júnior (UEPA) 38

Resumo: O presente artigo é fruto de pesquisa de dissertação de mestrado realizada no


Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará (PPGED-
UEPA) e aborda como temática de estudo “a formação de professores de educação física”.
Trata-se da análise sobre a relação educação física e saúde a partir da prática social dos
trabalhadores de educação física inseridos/atuantes nos Núcleo de Apoio à Saúde da Família
(NASF) do município de Belém (PA). Alicerçada pelo materialismo histórico dialético e
tendo como objetivo específico “levantar as acepções de professores de educação física do
NASF acerca de formação e competências para a atuação em políticas públicas de saúde”,
esta pesquisa de campo permitiu compreender que as categorias concepção de saúde,
competência e formação profissional são elementos indispensáveis ao debate para qualificar
a formação do professor de educação física.
Palavras-chave: Formação de Professores. Prática Social. Educação Física e Saúde.

INTRODUÇÃO

Com fins de compreender o que desvela a prática social acerca da formação


e competência para atuação no campo da saúde pública, este texto expõe o resultado
de pesquisa de campo realizada junto a trabalhadores39 de educação física que
atuavam nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família do município de Belém (PA).
A pesquisa de campo que fez gerar o presente artigo se alicerçou na teoria
do conhecimento do materialismo histórico dialético (FRIGOTTO, 2010) e se insere
num trabalho mais amplo, constituindo a pesquisa de dissertação de mestrado, no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado do Pará
(PPGED-UEPA), defendida em dezembro de 2016, que ao seu desfecho recebeu o
título de “Formação e Competência para Atuação do Professor de Educação Física
em Políticas Públicas de Saúde”.
Esclarecemos que, tendo que obedecer aos preceitos éticos em pesquisas

38
Mestre em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: silvajuniormes@yahoo.com.br
39
O termo “trabalhador(es) de educação física” foi utilizado neste trabalho como contraponto
ao termo “profissional de educação física”, o qual, por sua vez, fora cunhado e propagado
pelo Sistema Conselho Federal de Educação Física/Conselhos Regionais de Educação Física
– CONFEF/CREF, para abarcar os graduados em bacharelado em educação física,
representando assim uma das facetas do desdobramento da fragmentação da formação em
educação física em duas modalidades (licenciatura e bacharelado).

139
Corpo, Trabalho e Educação

com seres humanos, na ocasião da pesquisa de campo fora entregue o Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos trabalhadores de Educação Física,
solicitando que assim o lessem e o assinassem caso concordassem com as cláusulas
do documento, não tendo havido problemas quanto a este procedimento.
A entrevista semiestruturada foi o instrumento selecionado para a produção
de dados, onde elaboramos questões organizadas nos seguintes eixos de conteúdo: 1.
Identificação do sujeito; 2. Histórico do sujeito no e sobre o campo das Políticas
Públicas de Saúde; 3. O campo Formação Acadêmica; 4. O campo das competências
necessárias para atuação em políticas públicas de saúde; 5. Sobre Concepção de
Saúde e da Relação Educação Física/Saúde.
O universo da pesquisa contou com 10 professores de educação física
distribuídos em 10 NASF implantados no município de Belém (PA), sendo
selecionados 5 destes trabalhadores para amostra. Ao passo que, no sentido de
manter o sigilo quanto à identidade dos sujeitos participantes da pesquisa, utilizamos
a terminologia “P” para identificar professor, diferenciando cada professor
entrevistado por meio de numerais arábicos (de 1 a 5).
Dos cinco eixos de conteúdo, os de número 3 e 4 foram elencados como os
principais desta pesquisa de campo, sendo os demais eixos usados como subsídios
para auxiliar na compreensão e auxílio na análise dos dados das entrevistas durante a
análise. Desta forma é a análise dos eixos 3 e 4 que pretendemos socializar neste
texto.
A ida a campo não pretendeu provar nem aferir o nível de competência dos
professores de educação física que atuam nos NASF selecionados. Isto porque
defendemos que a competência profissional trata-se de uma práxis (KUENZER,
2002; 2004), de uma potencialidade do trabalhador engendrada a partir de sua
formação inicial, ou seja, no caso do professor de educação física, a partir da
graduação (ainda que esta venha a sofrer precarização); não se configurando como
potencialidade pronta e acabada após este processo inicial de formação, mas se
ressignificando constantemente à medida que o trabalhador de educação física vai se
apropriando de novos conhecimentos (empíricos e científicos) e se deparando com
novos desafios e experiências práticas no próprio contexto do trabalho.

140
Corpo, Trabalho e Educação

A RESPEITO DA FORMAÇÃO...

Neste sentido, quanto ao eixo 3, que trata da formação acadêmica,


procuramos captar elementos que pudessem contribuir com o debate da relação
dialética que existe entre formação e competência para atuação no campo da saúde
pública. Para tanto, elaboramos três perguntas com o propósito se acessar tais
contribuições. Ao passo que a primeira pergunta foi relacionada à percepção dos
professores sobre o fato de ter ou não, a formação superior inicial, atendida a base
de conhecimentos necessários para atuação no campo da saúde (no NASF). A
segunda pergunta se referia às possíveis lacunas sentidas pelos professores sobre os
conhecimentos necessários para atuar com melhor qualidade no NASF. Por fim, a
terceira pergunta relacionada a esse eixo de conteúdo tratou de saber quais eram as
sugestões dos professores para melhorar a formação superior para atuação no campo
da saúde pública.
Por meio das informações obtidas pelo eixo de conteúdo “Identificação do
Sujeito”, no roteiro de entrevista, constatamos que todos os professores participantes
da pesquisa haviam cursado licenciatura em educação física em IES privadas,
conforme sintetizado pelo quadro abaixo:

Quadro 1 – Dados sobre origem e ano de formação dos sujeitos participantes da


pesquisa
Informações obtidas pelo eixo de conteúdo “Identificação dos Sujeitos” da
Entrevista Semiestruturada
Entrevistado IES onde se graduou Ano da Graduação
P1 Escola Superior da Amazônia (ESMAZ) 2010
P2 Escola Superior da Amazônia (ESMAZ) 2012
P3 Escola Superior da Amazônia (ESMAZ) 2009
P4 Escola Superior da Amazônia (ESMAZ) 2012
P5 Escola Superior Madre Celeste (ESMAC) 2010
Fonte: Pesquisa de Campo (2016).

Sendo assim, diante da pergunta “Você considera que sua formação


superior garantiu a base de conhecimentos mínimos e necessários para que você
pudesse atuar no NASF? Porque?” obtemos quatro respostas positivas, sendo que
apenas um professor respondeu de forma negativa, tal como explicitamos abaixo:

141
Corpo, Trabalho e Educação

Olha a gente teve quatro anos... a gente teve uma boa base. Só que
quando a gente sai da faculdade nós temos que nos... a gente tem que
fazer curso, a gente tem que se especializar. (P1, 2016).
Sinceramente, não. A faculdade, a instituição que eu me formei, ela não
me deu nenhuma base teórica, muito menos prática de como eu deveria
trabalhar no campo da saúde. (P2, 2016).
Sim. Acredito que a universidade né, o curso de licenciatura, foram 4
anos... acredito que pude estudar diversas disciplinas como fisiologia,
cinesiologia, enfim, que me deram suporte pra tá trabalhando com
atividade física e como forma de promoção de saúde da população
como um todo. Porque a gente vê também as patologias como um todo
na universidade. Então, consegui ter subsídios, conhecimentos, que
puderam, que estão aí fazendo com que a gente consiga dar qualidade
de vida pra essas pessoas e acima de tudo perceber esses resultados
pelo trabalho que a gente desenvolve. (P3, 2016).
Com certeza. Eu acredito que na minha faculdade, diferente das outras
públicas, já tinha algumas grades voltadas sempre... anatômicas,
cinesiologia, fisiologia do exercício... então muito mais direcionada
para o ramo de saúde, que hoje tem esse grande impasse né. (P4,
2016).
Com certeza! Eu acho que assim... a minha formação contribuiu
bastante, porque o NASF necessita dessa postura do nível superior que
eu exerço também, assim com os demais usuários que precisam dessa
necessidade também. (P5, 2016).

De posse das informações contidas no quadro acima e considerando as


respostas acima explicitadas sobre a primeira pergunta do citado eixo 3,
identificamos que P2, apesar de ter se formado na mesma IES que P1, P3 e P4, tem
resposta antagônica a estes. Mesmo em se tratando de conclusão da graduação no
mesmo ano que P4, sua fala desvela que a formação superior inicial não lhe
preparou para atuar no campo da saúde, uma vez que alega que não teve acesso a
nenhuma base teórico-prática com relação a este campo. O que soa um tanto quanto
instigante, uma vez que existem conhecimentos obrigatórios e imprescindíveis na
formação superior de licenciatura em educação física que perpassa alguns dos
princípios das próprias diretrizes do NASF, como, por exemplo, os conhecimentos
inerentes à área estratégia do NASF denominada “Práticas Corporais/Atividades
Físicas”, como as disciplinas que tratam de conteúdos sobre o esporte, a ginástica, a
dança, o jogo, por exemplo.
Caberia aqui uma reflexão sobre a concepção de formação que tem sido
desenvolvida nestas instituições, em especial na instituição do sujeito P2. Entretanto,
os outros três professores egressos da mesma instituição que P2, além de P5 (egresso

142
Corpo, Trabalho e Educação

da outra instituição), responderam que sua formação garantiu uma base mínima e
necessária de conhecimentos para que eles pudessem trabalhar no NASF. Neste
sentido, como do total de professores entrevistados 80% responderam
positivamente, consideramos esse percentual favorável à constatação de que a
formação inicial em educação física foi condição primordial ao desenvolvimento de
competência para atuação na política pública NASF.
Todavia, chamou-nos a atenção alguns elementos apontados por parte de P3
e P4, quando se referem aos conhecimentos adquiridos na formação, os quais lhe
deram a base necessária para trabalhar no NASF. Conhecimentos restritos a
conteúdos como fisiologia, cinesiologia, patologias, anatomia, fisiologia do
exercício foram os citados por P3 e P4 para exemplificar esta base mínima de
conhecimentos na formação.
Constatamos, neste caso, que ambos professores restringem suas
exemplificações a conhecimentos da área das ciências biológicas para se referirem à
base de conhecimentos necessária (e por eles adquiridas) para atuação no campo da
saúde. Sendo que, ainda por parte de P4, ocorre a alegação de que, com essa base de
conhecimento este professor vinha conseguindo proporcionar melhoria na qualidade
de vida dos usuários, conforme indicavam os resultados que vinha alcançando no
desenvolvimento do trabalho em atenção básica à saúde.
Diante destes elementos apontados por P3 e P4 sobre uma base mínima de
conhecimentos para atuação no campo da atenção básica, ocorreram-nos certa
preocupação – apesar de reconhecermos a importância dos conhecimentos
relacionados às ciências biológicas para o desenvolvimento do trabalho
multiprofissional na Estratégia Saúde da Família (ESF) –, posto que a concepção de
saúde que estes professores desenvolvem, na relação educação física e saúde, aponta
para uma perspectiva reducionista e relacionada à ideia da patogênese, uma
concepção que destoa da concepção de saúde defendida pelas políticas de atenção
básica do SUS. Fato este que desvela uma contradição entre as falas desses
professores sobre sua formação e a competência necessária para atuar no NASF.
Coutinho (2011) também já demonstrara tal preocupação com esta posição
acerca da concepção de saúde defendida por parte de trabalhadores da área da
Educação Física. Ao observar nos textos da Lei n. 9.696/98 (lei que institucionalizou

143
Corpo, Trabalho e Educação

o sistema CONFEF/CREF e regulamentou a profissão de Educação Física) e no


Estatuto do CONFEF, este autor constata uma forma de conceber a relação educação
física e saúde, também, restrita a uma perspectiva predominantemente patogênica e
biologicista. De forma que o autor salienta que o material analisado (Lei n. 9.696/98
e Estatuto do CONFEF) ainda:

[...] necessita de investimento no sentido de promover uma discussão


ampliada sobre o mesmo, pois demonstra uma visão biomédica,
curativa e reducionista do processo saúde-doença quando: concentra
esforços, relativamente maiores, para as ações voltadas ao enfoque na
doença ou nos benefícios biológicos; não contempla, na discussão,
estudos que analisam a relação educação física e saúde, a partir da
incorporação de referenciais das ciências sociais em saúde, da saúde
pública e da saúde coletiva; concentra um direcionamento maior para os
processos avaliativos que enfatizam parâmetros fisiológicos, em
detrimento de uma maior consideração dos determinantes sociais de
saúde; e, não indica a necessidade de ações que favoreçam o
desenvolvimento da autonomia e do empoderamento dos usuários em
relação a sua saúde. (COUTINHO, 2011, p. 48).

Neste sentido, avaliamos como importante o esforço que estes sujeitos


(trabalhadores de educação física dos NASF) fazem para desenvolverem suas
atividades no contexto de trabalho multiprofissional da ESF implantada em Belém,
mesmo não apresentando coerência com as concepções propostas pela política da
ESF/NASF. Consideramos este fato como um problema que pode ser solucionado
com iniciativas de formação no contexto de trabalho, mesmo porque neste caso,
concordamos que

Enfrentar tais problemas não pode ser localizá-los em atitudes e


comportamentos individuais considerados inadequados. Individualizar
o problema nos levaria a um juízo moral, que recairia sobre os sujeitos
como prescrição de um “modo certo de fazer”. Na perspectiva dos
processos de formação isso redundaria em exercício de ação pedagógica
prescritiva, com oferta de estratégias de capacitação e treinamento.
(PASSOS; CARVALHO, 2015, p. 95).

Passos e Carvalho (2015) criticam as estratégias pedagógicas tradicionais do


SUS, as quais lançam mão de capacitações e treinamento para lidarem com a
“descapacidade” dos trabalhadores da saúde. Apontam que, neste caso, “a formação
torna-se, assim, correção (no sentido ortopédico do termo) daqueles trabalhadores de

144
Corpo, Trabalho e Educação

saúde supostamente inadequados: formar teria este sentido de adequar” (PASSOS;


CARVALHO, 2015, p. 95). Por outro lado, estes autores apostam em estratégias
promissoras do próprio SUS, tomando a inclusão como seu modo de fazer ação em
saúde e, portanto, desenvolvendo a formação para o SUS por meio de método de
inclusão onde a leitura de uma prática social ampliada favorece o reconhecimento da
importância dos usuários, dos trabalhadores e da gestão neste processo de inclusão.
Quanto aos trabalhadores de educação física que ainda não se apropriaram
de uma concepção mais avançada de saúde (tal qual já vem sendo reivindicada pelas
próprias políticas de atenção básica do SUS), poderão, ao longo de seu processo de
trabalho no NASF, se apropriarem dos elementos formativos que são propiciados
por uma prática social ampliada, a qual os possibilite compreender o processo
saúde-doença sob um prisma bem mais amplo, complexo e histórico-social. Se
libertando do imediatismo e do reducionismo quanto ao conhecimento da relação
educação física e saúde. Exercitando uma prática de inclusão em saúde pública que
se contraponha à separação entre gestão e a atenção em saúde (serviços de saúde
propriamente ditos). Posto que é de responsabilidade justamente da gestão prezar
para que este processo se concretize e se consolide.
Para isso é necessário compreender que

A práxis, ou a prática social, é unidade da teoria e da prática. É o


mundo material social elaborado e organizado pelo ser humano no
desenvolvimento de sua existência como ser racional. Esse mundo
material social, ou conjunto de fenômenos materiais sociais, está em
constante movimento, organizando-se e reorganizando-se
perpetuamente [...]. (TRIVIÑOS, 2006, p. 122).

A segunda pergunta a respeito da formação acadêmica – “Quais


conhecimentos você sentiu falta para que pudesse atuar com melhor qualidade no
NASF?” – rendeu duas posições por parte dos entrevistados. Uma que aponta que os
professores dos NASF não sentiram muita dificuldade (falta de conhecimentos) para
atuar no NASF, uma vez que eles desvelam o seguinte:

Eu não senti muita dificuldade não... muita dificuldade, porque eu


sempre fui um cara que estudei muito, sempre fiz cursos né, tanto de
core, de pilates, treinamento desportivo. E a vivência desses seis anos
de formado... que eu já atuo como estagiário já há oito anos já deu... eu

145
Corpo, Trabalho e Educação

fui ex jogador de futebol...então essa vivência toda que a gente trouxe


pra trabalhar com a saúde já serviu como base pra que a gente tenha
um alicerce muito bom nesse trabalho. (P1, 2016).
No momento assim eu não vejo necessidade... a falta de alguma coisa...
e sim uma questão de tempo de aprendizagem. Entendeu(?). Por que?
Tem algumas necessidades que a gente tem via materiais que a gente
precisa pra exercer algum tipo de atividade. A minha opinião é essa... é
assim... é mais a falta de recurso do que o próprio conhecimento. E tem
também às vezes direcionamentos que a gente tem que ter, que a gente
não teve total capacitação pra isso... entendeu(?)... essa é minha
opinião. (P5, 2016).

A propósito da resposta de P1, pode-se perceber que antes de assumir a


função de professor de educação física do NASF, já havia passado por outras
experiências tanto quanto profissional formado como também em sua época de
graduação (pois cita o contexto de estágio como fator determinante que também
contribuíra para sua competência no NASF). Neste caso, podemos trabalhar com a
hipótese de que a prática social, nos contextos de trabalho da Educação Física,
vivenciada por P1 antes de ser inserido no campo da atenção básica da ESF foi
decisiva para que ele se sentisse seguro no desenvolvimento do trabalho no NASF.
Mas não é um exemplo que pode ser tomado como um desenvolvimento de
competência que seja acessível a todos, garantido no processo de formação inicial.
As experiências pessoais de P1 é que o possibilitaram se sentir competente para
atuar no contexto de trabalho do NASF.
Já em se tratando de P5, apesar deste professor ter afirmado não haver
necessidade de conhecimentos para atuação no NASF, pois entende que os
problemas para o desenvolvimento do trabalho recaem na falta de infraestrutura
(recursos materiais) ao invés da falta de conhecimento, ele também produz uma
contradição em sua fala quando se refere a direcionamentos que ele próprio precisa
tomar em seu contexto de trabalho; posto que, ao afirmar que não teve capacitação
para tomar tais direcionamentos no âmbito do NASF, isso, por si só já demonstra a
necessidade de se apropriar de um dado conhecimento sobre o processo de trabalho
neste campo da saúde. Trata-se, pois, de um conhecimento que pode ser
desenvolvido tanto na graduação (considerando aqui uma perspectiva de formação
profissional que se concretize como educação pelo trabalho) como também no
próprio contexto de trabalho do NASF. Haja vista que a própria política pública

146
Corpo, Trabalho e Educação

ESF/NASF preconiza este procedimento, quando afirma que

O NASF deve atuar dentro de algumas diretrizes relativas à APS, a


saber: ação interdisciplinar e intersetorial; educação permanente em
saúde dos profissionais e da população; desenvolvimento da noção de
território; integralidade, participação social, educação popular;
promoção da saúde e humanização. (BRASIL, 2010b, p. 7, grifo nosso)

Quanto aos professores P2, P3 e P4, estes apontam que sentiram falta dos
seguintes conhecimentos na formação superior:

A questão do direcionamento de como a gente deveria trabalhar com


idosos de uma forma mais específicas, como a gente poderia adaptar os
exercícios pra eles, num âmbito onde eles teriam... sabendo que eles
teriam doenças crônicas como hipertensão, como diabetes, ou outros
tipos de doenças, e a gente na faculdade, na instituição não teve essa
base, nem teórica, nem prática. (P2, 2016, grifo nosso).
Bom, acredito que o que faltou mesmo pra gente conseguir caminhar
melhor foi a experiência prática né, porque os estágios eram muitos
voltados pra área do colégio né, voltados pra área da atividade física,
mas não realizando os estágios dentro dos postos de saúde, que é onde
a gente tá atuando diretamente, então quando entramos no NASF, nos
deparamos com coisas novas, vivências com a qual não tínhamos
experiência ainda, porém, o conhecimento tínhamos de exercício de
promoção de saúde, mas a vivência não tínhamos. (P3, 2016, grifo
nosso).
[...] as patologias... então, muitas patologias, a gente não trabalha
encima delas nas grades curriculares, então a gente não tem o
conhecimento amplo daquilo, problema ósseo patelar, problema
fosfoligamentar, o aluno ele tem esponjilistese, então muita coisa fui
tendo que buscar através de cursos, de especialização, que na grade
curricular não se implementa. (P4, 2016).

Fica nitidamente registrado nas falas de P2 e P3, tal como destacamos, a


necessidade de vivência prática no campo da atenção básica à saúde, como requisito
fundamental na formação do professor de educação física para atuação na ESF.
Percebemos implícita a ambas as falas a necessidade da vivência prática no campo
de trabalho como um mecanismo para o exercício intelectivo acerca da práxis do
professor de educação física no campo da atenção básica na ESF.
A influência da vivência prática no contexto de trabalho em saúde pública
sobre o conhecimento da relação educação física e saúde deve-se ao fato de que

[...] a prática é, ao mesmo tempo, um processo que se manifesta

147
Corpo, Trabalho e Educação

socialmente e como transformação da realidade objetiva. Sendo assim,


a prática é a base do conhecimento, isto é, que através dela, nós
podemos conhecer a realidade objetiva, captar suas relações, suas
propriedades, sua essência. Mas a prática não é só a base do
conhecimento, é ponto inicial dele, algo que o movimenta que é sua
origem. Desta maneira, o conhecimento não se opõe à prática, já que
esta o origina. (TRIVIÑOS, 2006, p. 135).

Reclamar a prática como elemento fundamental para apropriação de


conhecimento inerente ao campo de trabalho em que se deseja atuar configura-se
uma postura político-pedagógica necessária; sobretudo, no que se refere ao processo
de ressignificação da formação de professores de educação física, frente às
problemáticas sociais que se apresentam na ordem do dia com relação às condições
de acesso gratuito da população ao conhecimento da relação educação física e saúde
como determinante para a promoção da saúde.
No que tange à fala de P4, observamos outra vez que há estreita ligação
entre a forma de pensar a relação educação física e saúde (por parte do professor) e a
concepção biomédica de saúde, ao reclamar conhecimentos restritos á área
biomédica, como aqueles que faltaram em sua formação para atuar no NASF.
Situação que nos inquietou por dois principais fatores: o primeiro trata-se do fato de
que a identidade docente do professor de educação física parece se esvair dando
lugar a outras características que, em boa medida, se aproximam da identidade do
profissional médico; o segundo fator é que, esta forma de conceber saúde no
desenvolvimento da relação educação física e saúde no NASF destoa do que vem
sendo preconizado tanto por documentos das próprias políticas, como também por
parte de estudiosos da área da Educação Física que se dedicam ao tema.
No documento das Diretrizes do NASF, por exemplo, é possível identificar
duas passagens que comprovam nossa afirmação, sendo que uma dessas passagens,
apesar de referir-se ao profissional assistente social, pode ser relacionada ao
professor de educação física, dado que o princípio da interdisciplinaridade e a
interação multiprofissional se fundamentam num mesmo construto de concepção
ampliada de saúde:

[...] Compõe-se assim uma prática de integralidade, apoiada na


interdisciplinaridade e na intersetorialidade, facultando uma inserção
diferenciada do assistente social na área da saúde, de forma a superar

148
Corpo, Trabalho e Educação

o estatuto tradicional de profissão paramédica, típico do modelo


biomédico. (BRASIL, 2010b, p. 89, grifo nosso).

Sobre essa questão, Falci e Belisário (2013, p. 293), amparados em


diferentes autores, apontam que

A formação biologicista do PEF pode ser justificada em virtude de sua


história com a área médica, o que o fez se apropriar, de forma geral, do
conceito de saúde como ausência de doença (Freitas, 2007). A relação
da formação da EF com a base biológica foi também evidenciada por
Brugnerotto e Simões (2009), ao concluírem que a concepção de saúde
dos planos de ensino de graduações em EF no Paraná é norteada pelo
modelo biomédico, em que ficou claro que compete, ao PEF, avaliar,
prescrever e monitorar programas de atividade física através de bases
biológicas. Pasquim (2010), por sua vez, ressaltou a tendência da
formação biologicista da EF ao afirmar que a atuação do PEF, se não
está ligada diretamente à clínica e ao doente, está em função deles.

Todavia, a área da Educação Física já vem contribuindo significativamente


para que possamos superar estes entraves. Prova disso são os estudos de Alex Fraga,
Felipe Wachs, Alexandre Palma, Yara de Carvalho, Marcos Bagrichsvsky, dentre
outros.
Completando as contribuições acerca do campo da formação profissional,
quando perguntado “O que você sugere para melhorar a formação em educação
física no sentido de qualificar a atuação em políticas públicas de saúde?”, as
repostas apontaram para perspectivas diferentes de conceber a formação de
professores de educação física, a saber:
 Concepção de formação continuada, tanto por meio do próprio
contexto de trabalho no campo da saúde pública como em nível de pós-graduação,
uma vez que os professores entrevistados recomendam o seguinte:

Muitos cursos né. Eu acho que quando você sai da faculdade você
ainda sai um pouco cru. Se você não se especializar, se você não
estudar, se você ficar parado no tempo... porque a educação física é
dinâmica... todo dia aparece coisas novas... então você tem que tá se
especializando, você tem que tá estudando, você tem que fazer uma pós,
você tem que fazer um mestrado, pra que a gente possa transmitir
conhecimento pra população. (P1, 2016).
E sugiro capacitações de trabalhos em saúde pública, relacionados a
atendimentos, a procedimentos que a gente tem que fazer,
encaminhamentos... pra mim essa é minha opinião. Que tem que

149
Corpo, Trabalho e Educação

melhorar é isso, que é o profissional ter mais capacitação pra fazer


atendimento ao usuário, essa é minha opinião. (P5, 2016).

 Concepção de formação fundamentada na práxis através de


vivências práticas no campo da saúde pública, uma vez que os professores sinalizam
a necessidade de relacionar o conhecimento teórico com o conhecimento da prática
concreta no campo de trabalho em saúde, para assim se apropriarem do
conhecimento da realidade acerca da relação educação física e saúde na ESF. É com
este ensejo que os professores apontaram as seguintes sugestões para ressignificar a
formação em educação física:

As faculdades, elas deveriam fazer, por exemplo, o que a FAMAZ está


fazendo aqui com a gente né... pelo menos aqui no Tapanã eu recebo
uma ou duas vezes no ano, que vem saber, procurar entender como é
que eu trabalho, pra que de repente eles possam está inserindo no
currículo, na grade curricular do aluno. Eu acho muito interessante as
faculdades procurarem ter esse conhecimento, porque muitas das vezes
a matéria é optativa e o aluno acaba não escolhendo porque acha que
pode ser chato, porque acha que pode ser uma matéria entediante, e eu
acho que esse tipo de conhecimento deveria ser obrigatório. (P2,
2016).
Acredito mais é essa vivência. Essa experiência, esses estágios. Como
outros profissionais da saúde vivenciam, passam por aqui né. Então
acredito que é o ponto fundamental. É a gente viver, vivenciar e tentar
unir ali né, a experiência com o conhecimento. (P3, 2016).

 Concepção de formação alicerçada por uma perspectiva


imediatista/reprodutivista, pois até propõem mudança no currículo para adequar
novos conhecimentos que visam “capacitar” melhor o professor de educação física
para atuar no campo da atenção básica, mas baseia-se em uma relação educação
física e saúde pautada estritamente em aspectos biologicistas, na patogênese como
ideia de saúde, ao colocar que

A primeira questão que tem que capacitar o professor pra ele trabalhar
na área de saúde é na grade curricular, na faculdade. Por que? Pra me
ter... eu tenho que ter cinesiologia, eu tenho que ter fármaco, eu tenho
que ter fisiologia tanto aplicada como instrumental, eu tenho que ter
diversas, como eu poderia te dizer... diversas matérias vivenciadas, por
exemplo, termos de patologia, não só no fator anatômico pra dizer isso
é origem e inserção, patológicas mesmo, doenças que o médico estuda
que eu tenha a competência de no mínimo saber o que é aquilo na
grande verdade. Então pra gente entrar num ambiente de saúde, a

150
Corpo, Trabalho e Educação

gente tem que ter no mínimo o discernimento do que é uma


hipertensão, do que é uma palmática, o que é uma fibromialgia... isso
sim tem que ser implementado na grade curricular, por que?... se não
for, a gente sente muita falta, se eu não buscar esse conhecimento as
coisas não vão andar... é isso sim que a gente sente. (P4, 2016).

O professor pauta-se no que é mais imediato no senso comum sobre a ideia


de saúde e sobre o próprio contexto de trabalho. Dado que este professor se baseia
no que vem sendo (re)reproduzido na tradição histórica da relação educação física e
saúde alicerçada no aparato biomédico; uma tradição que já não atende aos novos
anseios por mudanças significativas na forma de ver e tratar o processo saúde-
doença e, por consequência, na forma de produzir serviços de saúde alinhados a
perspectivas mais amplas e integralizadoras de se fazer política pública de saúde.
Sentimos falta em P4 de algum registro que pudesse sinalizar certo avanço
inerente ao que a área da Educação Física já alcançou com relação a produções
teóricas críticas que apontam para perspectivas mais amplas de compreender tanto o
processo saúde-doença sob a influência de outras áreas do conhecimento como as
ciências sociais, políticas, econômicas, como a própria formação superior em
educação física para atuação no SUS.
Observamos coerência com a necessidade da construção de caminhos
promissores para a ressignificação da formação de professores de educação física e
sua relação com o conhecimento saúde/políticas públicas de saúde nas proposições
identificadas nas falas de P1, P2, P3 e P5. Porém, damos ênfase, principalmente, às
contribuições de P2 e P3, haja vista estes professores trabalharem com a ideia de
formação fundamentada na práxis, uma vez que reconhecem a importância da
relação entre conhecimento teórico e conhecimento prático (o conhecimento da
realidade concreta de trabalho) como condição sine qua non para a ressignificação
da formação em educação física com vistas à qualificação para o trabalho em
políticas públicas de saúde.
A respeito da questão sobre o conhecimento da realidade prática do trabalho,
Coutinho (2011, p. 40) contribui afirmando que “para atuar em uma determinada
unidade básica de saúde, o profissional de educação física precisa conhecer as
características próprias do local e da população que lhe é referenciada”. Por isso,
mais do nunca o reconhecimento do contexto de trabalho figura um elemento

151
Corpo, Trabalho e Educação

imprescindível no processo de formação do professor de educação física para


atuação em políticas públicas de saúde.
No caso de P1 e P5, estes professores também sugerem propostas para
qualificar a atuação do professor de educação física no campo das políticas públicas
de saúde, mas consideram que esta qualificação deva ser feita na perspectiva da
formação continuada (“pós-formação inicial”), já que não se referem à graduação
em suas proposições. Todavia, apesar de suas proposições versarem sobre a mesma
vertente de formação (continuada), estes professores apresentam perspectivas
diferentes na forma como a qualificação deve acontecer. Nas falas de P1,
constatamos que a capacitação (formação continuada) a qual ele se refere deve ser
desenvolvida em nível de pós-graduação, em que o próprio trabalhador de educação
física é quem deve se responsabilizar por ela.
Neste caso, ao restringir sua proposição acerca de formação em educação
física para atuação em políticas do SUS à esfera da pós-graduação, P1 desconsidera
que a formação inicial (graduação) também é campo de transformações necessárias à
melhoria da qualificação profissional para atuação nos distintos campos de trabalho
da educação física, inclusive no campo das políticas públicas de atenção básica.

A RESPEITO DA COMPETÊNCIA...

Quanto às contribuições pertinente ao debate sobre competência, as


perguntas do Eixo de Conteúdo 4 (“O campo das competências necessárias para
atuação em políticas públicas de saúde”) foram pensadas tanto para compreender
qual a concepção de competência sinalizada pelos professores, bem como esta vem
sendo reivindicada para atuação no campo da saúde pública.
Por isso, ao perguntar aos professores “O que você entende por
competências?”, as respostas apontaram, por um lado, para a aproximação deste
conceito com a necessidade de apropriação de conhecimentos por meio de estudos,
de qualificação profissional. Retomando, neste caso, tanto a dimensão conceitual
desenvolvida por Schwarts (1990 apud RAMOS, 2009), ou pela dimensão dos
conhecimentos desenvolvida por Durand (2000 apud COUTINHO, 2011), o que
pode ser constatado nas seguintes falas:

152
Corpo, Trabalho e Educação

Eu acho competente você tem que ser... um professor que saiba o que tá
fazendo né. Seja um estudioso da área. Você tenha domínio das coisas
que você possa a vim fazer, aonde você vai exercer, em qual área você
vai exercer... se você tiver estudo você vai se tornar um cara
competente. (P1, 2016).
Acredito que seja a questão da qualificação do profissional. O
profissional ele ser qualificado ao ponto de realizar ou tentar realizar
a sua atividade com o melhor conhecimento possível, da melhor forma
possível para conseguir ou tentar conseguir chegar no melhor
resultado possível, que no caso da saúde é a qualidade de vida. (P2,
2016).
Competência é tudo aquilo que você faz com embasamento do seu
conhecimento, isso é competência [...] A competência é o que lhe
permite fazer determinada coisa. Eu vou fazer uma coisa porque é
minha competência. (P4, 2016).

Por outro lado, a concepção de competência esteve mais ligada à ação


prática, a qual está vinculada ao ato de saber realizar alguma tarefa. O que pode ser
associado à dimensão experimental (SCHWARTZ, 1990 apud RAMOS, 2009),
como se pode observar nas seguintes falas:

Está apto a alguma coisa. (P3, 2016).


Competência é seguir os planejamentos adquiridos... não é nem que
sejam adquiridos... que foi a proposta adaptada pra gente dentro do
NASF. Eu acho que isso não deixa de ser uma competência, a gente
tratar dos devidos assuntos que o NASF tem de proposta ao usuário... é
a gente seguir isso à risca. (P5, 2016).

Nenhum dos professores entrevistados mostraram aproximação da noção de


competência enquanto práxis, tal como discutida por Kuenzer (2002, 2004).
Todavia, ao ser perguntado “Quais competências você aponta como imprescindíveis
para sua atuação no NASF?”, houve respostas que se inclinaram para diferentes
fatores como, por exemplo, o humanismo, primeiros socorros, a prescrição de
exercícios físicos, acolhimento, integralidade na socialização do conhecimento, tal
como podemos constatar nas falas a seguir.

Humanismo... eu acho que é primordial!... Atenção, o humanismo, é...


o estudo que você faz na faculdade, que você faz depois que sai da
faculdade são primordiais pra você trabalhar com a saúde. (P1, 2016,
grifo nosso).

O humanismo é visto pelo professor como um aspecto (potencialidade) que

153
Corpo, Trabalho e Educação

deve ser primordial para o desenvolvimento da competência para atuação no NASF.


Este professor também indica a continuidade da formação como importante aspecto
que irá compor a competência para trabalhar no campo da saúde.

Então eu acho que, por exemplo, uma das competências


extraordinárias, principal, é tu teres o conhecimento de primeiros
socorros, pra que caso venha acontecer alguma coisa, tu tá podendo
ajudar, porque muitas das vezes a gente não tem médicos por perto
também. Então, tu ali naquele momento, tu é responsável, e por tu seres
responsável tu não pode deixar com que o teu grupo, ou que o teu
paciente, ou que o usuário, perceba que tu estás ali inseguro a
qualquer tipo de conhecimento. (P2, 2016, grifo nosso).

O professor aponta o conhecimento de primeiros socorros como conteúdo


necessário a compor sua competência, em virtude tanto da ausência de médicos nos
espaços em que desenvolve o trabalho como também pela preocupação com sua
imagem profissional.
Uma proposta que soa controvertida, pois, há a necessidade de substituir a
função médica no que diz respeito ao atendimento de primeiros socorros ou o
conhecimento de primeiros socorros é que precisa ser proporcionado a outros
profissionais da saúde que, historicamente, não têm desenvolvido este tipo de
atendimento ou mesmo serviço em saúde? Todavia, entendemos que este
conhecimento precisa ser melhor discutido quanto a sua inserção tanto na formação
inicial como também na formação continua no próprio contexto do trabalho.

Primeiramente o profissional está apto a prescrever o exercício correto


pra determinado público, porque a variabilidade é muito grande, a
gente vê diversos públicos e o mais difícil é a gente ser específico com
determinado público, então acredito que, como coloquei anteriormente,
a vivência vai fazer com que a gente consiga enxergar de uma forma
melhor e faça a gente caminhar melhor no conhecimento na própria
universidade. (P3, 2016, grifo nosso).

Embora entenda que a especificação ou personificação no tratamento com o


usuário dos serviços de saúde não seja coerente com as diretrizes preconizadas para
atuação na área estratégica “práticas corporais/atividade física” do NASF, a
prescrição de exercício com especificação de público ainda assim é vista pelo
professor como um elemento essencial a compor a competência necessária para

154
Corpo, Trabalho e Educação

atuar no NASF. Apesar disso, reconhecemos a importância deste procedimento


como elemento a compor a competência profissional, desde que seja ressignificada a
maneira reducionista e pragmática como vem sendo desenvolvido na formação
inicial e continuada em educação física.
Em outra resposta o professor compreende o acolhimento e a integralidade
na socialização de conhecimentos como elementos imprescindíveis à compor a
competência necessária para atuar no NASF, quando diz o seguinte:

Bom... primeiramente é o atendimento. A gente tem sempre que ter um


atendimento eu acho à princípio com o usuário, diretamente com o
usuário. Segundo, a gente tem que ser aptos dos conhecimentos que a
gente vai passar ao indivíduo... a gente nunca pode passar a situação
pela metade, isso eu acho que é imprescindível... falta de informação...
a gente tem que tá sempre 100% de informação, nunca tá pela metade
porque isso deixa o usuário meio atordoado às vezes... ele já sai com
uma intenção de falar mal ainda do serviço público, que às vezes não é
tão correto, às vezes é por uma falta de informação... eu acho que isso
é o primordial pra gente. (P5, 2016, grifo nosso).

Uma das preocupações que tivemos em elaborar as perguntas que


compuseram o roteiro das entrevistas foi com o fato de entender o que se faz
necessário para o desenvolvimento de competência para atuação do professor de
educação física no campo da saúde pública, a fim de perceber se suas contribuições
se aproximam do que vem sendo apontado pela produção teórica que trata do tema.
Sendo assim, quando foi perguntado aos professores “O que você sugere para
melhorar o desenvolvimento de competência do professor de educação física para
atuar em políticas públicas de saúde?”, as respostas apontaram para diferentes
perspectivas.
Uma das perspectivas diz respeito ao aspecto humanista, que perpassa a
discussão sobre acolhimento em saúde, tal como já apontado em fala anterior. Mas
também considerando o fato de que estes aspectos são íntimos ao desenvolvimento
do trabalho do professor de educação física na ESF, e que são aspectos que devem
ser garantidos por meio de formação continuada. Posto que

Você tem que conhecer as necessidades dos seus alunos né. Você
conhecendo as necessidades dos seus alunos você pode vir a ter um
resultado melhor. Porque não só você vai trabalhar com a atividade

155
Corpo, Trabalho e Educação

física, mas você trabalha com a recuperação também aqui... você


trabalha em conjunto com a fisioterapeuta... então você tem que tá apto
a fazer essas duas coisas, então é preciso que você se especialize. (P1,
2016).

Outro aspecto levantado por dois professores quanto ao desenvolvimento de


competência, se refere às condições objetivas de trabalho que engloba desde a
aquisição de instrumentos e materiais de trabalho como também a capacitação
profissional promovida pela própria instituição, tal como podemos perceber nas
seguintes falas:

Como eu falei ainda agora... primeiramente as instituições terem a


mente mais aberta pra essa área né... pra que a gente possa vir a
receber instrumentos, pra vir receber conhecimentos, material, pra
que a gente possa trabalhar. E também acredito que a SESMA
poderia incluindo cada vez mais cursos para o professore de educação
física, porque é muito difícil a gente ter, por exemplo, em dois anos que
eu estou, já teve cursos pra TO, pra psicólogo, pra nutricionista e pra
fisioterapeuta e vários cursos... e em dois anos eu tive um curso
só...então eu acho que essa política poderia ser mudada e a nossa
profissão ser vista de uma outra forma e não só, ah ele tá ali só pra
fazer exercício. (P2, 2016, grifo nosso).
Bom, primeiramente é capacitação. Tem que ter uma capacitação
importante pra gente, porque é assim... eu, no meu ponto de vista, eu
tenho algumas, só que são muitas... então além de a agente não ter
tempo pra estudar isso, a gente lhe dá com o usuário direto, então a
gente precisa também dessa parte de capacitação, eu acho que isso é o
primordial. (P5, 2016, grifo nosso).

Outro aspecto importante foi levantado por outro professor a respeito da


relação dialética entre formação e competência. Trata-se do que já vem sendo
apontado por Silva (2016) quando este autor conclui em seu estudo que há
fragilidade nas estratégias de aproximação dos estudantes com os serviços de saúde.
Fato que pode ser reconhecido na seguinte fala

Como eu coloquei anteriormente... a gente, na universidade, vivenciar,


experimentar mais o SUS diretamente né, o sistema único de saúde tá
dentro da comunidade né. Então acredito que, pelo menos na minha
universidade eu não tive essa vivência, desde quando eu me formei...
não sei se já houve alteração, mas acredito que essa vivência, essa
experiência unida com todo o conhecimento que já está no
cronograma da educação física, acredito que fazendo essa união a
gente consiga fluir mais o trabalho. (P3, 2016, grifo nosso).

156
Corpo, Trabalho e Educação

Pode-se apreender a partir deste enunciado que a prática no contexto de


trabalho do SUS, enquanto elemento constitutivo do processo formativo, reforça a
relação dialética que existe entre teoria e prática quanto ao conhecimento da relação
educação física e saúde no contexto da formação superior inicial.
A proposta do professor remete à ideia de desenvolver a competência
enquanto práxis (KUENZER, 2002; 2004) no próprio processo formativo, o que se
configura como um avanço para potencializar o desenvolvimento de competência
para atuação no campo da saúde pública caso venha a se concretizar na formação de
professores de educação física.

CONSIDERAÇÕES FINAIS...

Percebe-se a partir das respostas dos professores entrevistados que três


grandes fatores devem ser levado em consideração para fortalecer o debate acerca da
temática aqui desenvolvida, quais sejam:
 A concepção de saúde trata-se, pois, de um conteúdo fundamental a
ser desenvolvido na formação superior em educação física, haja vista algumas falas
ainda terem apontado para compreensão reducionista da concepção de saúde
(concepção patogênica de saúde), se contrapondo à própria concepção ampliada de
saúde defendida pela política pública NASF;
 A formação profissional deve levar em conta, para além da
perspectiva continuada, a proposição da licenciatura ampliada, haja vista esta
concepção de formação além de se contrapor a fragmentação da formação inicial,
pauta-se numa formação generalista, humanista, omnilateral, de consistente base
teórica. Características que vão ao encontro da superação das problemáticas levantas
pelos professores;
 A competência profissional para atuação na saúde pública pode ser
potencializada considerando diferentes aspectos: melhoria das condições de
trabalho, formação continuada e formação inicial que possibilite a aproximação com
a realidade de trabalho em saúde pública. O que pode ser garantido por meio de
atividades como estágios supervisionados, projetos de pesquisa e de extensão,
programas institucionais, residência multiprofissional. Estratégias que precisam ser

157
Corpo, Trabalho e Educação

discutidas e socializadas no contexto da formação de professores de educação física


para que esta não se resuma ao simples segmento do ensino sem oportunidades de
consolidação da tríade ensino-pesquisa-extensão por meio da inserção profissional
no contexto de trabalho.
Por fim, pode-se dizer que a ida a campo (à prática social) se constituiu
como etapa fundamental da pesquisa para que pudéssemos compreender a realidade
concreta acerca da atuação do professor de educação física em políticas públicas de
saúde. Isto porque é o campo de trabalho que nos possibilita identificar os elementos
que podem desvelar (ou não) uma práxis coerente do trabalhador de educação física
em saúde pública.

Social practice as a critical assumption to formation / competence for job performance of


the Physical Education teacher in public health

Abstract: This article is a result of a master's dissertation research developed in the


Postgraduate Program in Education of the State University of Pará (PPGED-UEPA) and it
approaches "the Physical Education teacher’s formation". It is an analysis of the relation
between Physical Education and health from the social practice of the Physical Education
workers inserted/acting in the Family Health Support Center (NASF) of Belém (PA). It is
based on dialectical historical materialism and it aims to acknowledge the concepts of NASF
Physical Education teachers about formation and skills for working on public health policies,
this research allowed us to understand that the concepts of health, competence, and
professional formation are indispensable elements for the debate to qualify the Physical
Education teacher’s formation.
Keywords: Teachers’ formation. Social Practice. Physical Education and Health.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes do NASF: Núcleo


de Apoio à Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

COUTINHO, Silvano da Silva. Competências do profissional de Educação Física na


Atenção Básica á Saúde. 2011. 207 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Universidade de São
Paulo, Ribeirão Preto, 2011.

FALCI, Denise Mourão; BELISÁRIO, Soraya Almeida. A inserção do profissional de


Educação Física na Atenção Primária à Saúde e os desafios em sua formação. Interface,
Botucatu, v. 17. n. 47, p. 885-899, out./dez. 2013.

FRIGOTTO, Gaudêncio. O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa


educacional. In: FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (Org.). Metodologia da pesquisa
educacional. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 75-100.

158
Corpo, Trabalho e Educação

KUENZER, Acacia Zeneida. Competência como Práxis: os dilemas da relação entre teoria e
prática na educação dos trabalhadores. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 30, p.
81-93, 2004.

_______. Conhecimento e competências no trabalho e na escola. Boletim Técnico do


SENAC, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 3-11, 2002.

PASSOS, Eduardo; CARVALHO, Yara Maria de. A formação para o SUS abrindo caminho
para a produção do comum. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 24, supl. 1, p. 92-101, 2015.

RAMOS, Marise Nogueira. Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? 4. ed.


São Paulo: Cortez, 2011.

SILVA, Luiz Henrique da. A formação em Educação Física para atuação na saúde. 2016.
322 f. Tese (Doutorado em Ciências da Motricidade) - Universidade Estadual Paulista, Rio
Claro, 2016.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. A dialética materialista e a prática social. Motrivivência,


Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 121-142, 2006.

159
Corpo, Trabalho e Educação

160
Corpo, Trabalho e Educação

O conteúdo de dança na Educação Física escolar: uma intervenção para a


formação crítica no ensino médio

Márcia Freire de Oliveira (FGF) 40


Roberta Oliveira da Costa (FAMETRO) 41

Resumo: O presente estudo teve como objetivo analisar a dança e suas possibilidades de
contribuição para despertar a consciência crítica dos alunos no Ensino Médio, nas aulas e
Educação Física. Assim foi realizada uma pesquisa de campo exploratória, descritiva, com
abordagem qualitativa e quantitativa, fundamentando-se em pesquisa bibliográfica. Foram
aplicados questionários semiestruturados e feita uma intervenção com aulas de dança, a qual
participou 20 alunos da rede estadual do Ceará. Os dados finais apontaram uma melhora na
postura crítica dos alunos com relação a si mesmos e o seu meio, concluindo-se que a dança
tem o potencial de despertar a consciência crítica dos alunos.
Palavras-chave: Dança. Educação Física. Educação.

INTRODUÇÃO

A Dança é uma manifestação humana tão constante e natural na vida das


pessoas, que nem sempre se percebe os caminhos oportunizados por ela para revelar
as relações entre o homem e o meio, ou seja, como nos permite refletir criticamente
sobre nós mesmos; tanto no que diz respeito a subjetividade de cada indivíduo,
como no que se constrói em decorrência da vida em sociedade. Devido aos atributos
já mencionados, a dança hoje tem seu espaço reconhecido na educação formal. No
Brasil, especificamente a partir da década de 1990, a dança teve seu papel formador
reconhecido pelos os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) da educação básica,
fazendo parte dos blocos de conteúdo das disciplinas curriculares obrigatórias de
Educação Física e de Arte. (BRASIL, 1996; MARQUES, 2012)
Mesmo depois de ser considerada um conhecimento a ser tratado na escola,
estudos sobre a dança no contexto escolar mostram que ainda não foi possível
conseguir a sua efetivação na formação cidadã (SILVA, 2010; MESQUITA; LIMA;
PINTO, 2014) sendo abordada hegemonicamente de forma superficial e alienante.
Apesar dessa situação, o número de pesquisas voltadas para a abordagem do
conteúdo de dança na escola, de forma a preocupar-se com a formação crítica dos
alunos, por meio de intervenções pedagógicas, as quais configuram melhor a
40
Graduada em Educação Física, Faculdade Integrada da Grande Fortaleza.
41
Mestre em Ciências Morfofuncionais, Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza.
E-mail: rcosta.dance@hotmail.com

161
Corpo, Trabalho e Educação

realidade escolar, ainda é pequena (MUGLIA-RODRIGUES; CORREIA, 2013).


Logo, faz-se evidente a necessidade de transformação no ensino da dança no
ambiente escolar e de estudos que apontem possibilidades nas práticas pedagógicas,
para que os professores encontrem maneiras de despertar a criticidade dos alunos,
por meio dela. Portanto, tendo-se em vista a relevância do tema, para este estudo
delimitou-se a seguinte questão a ser investigada: “Será que o conteúdo de Dança
tem potencial para despertar a consciência crítica dos alunos nas aulas de Educação
Física?”
Levando-se em consideração a escassez de produções científicas na temática
“Dança e consciência crítica” e, a experiência pessoal das pesquisadoras com a área,
este trabalho se propõe analisar o conteúdo de dança e suas possibilidades de
contribuição para despertar ou aumentar a consciência crítica dos alunos no ensino
médio, nas aulas de Educação Física. E secundariamente objetivou-se: discutir a
importância de educar em bases críticas; promover a dança como uma manifestação
humana reveladora das relações entre o homem e o meio; comparar a postura crítica
dos alunos antes e depois da intervenção pedagógica com aulas de dança; identificar
o nível de afinidade dos alunos com relação à dança e apontar a dança como meio de
expressão do pensamento crítico.
Inicialmente, foi realizado um estudo bibliográfico, o qual proporcionou a
fundamentação e aprofundamento da temática e subsídio para as respostas
encontradas. Necessitou-se então de uma subdivisão representada: Dança para
despertar a consciência crítica; Possibilidades para despertar a consciência crítica a
partir dos conteúdos de dança. Essa pesquisa foi desenvolvida através de uma
pesquisa ação e de campo exploratória, descritiva com abordagem qualitativa e
quantitativa por meio de intervenção e questionário semiestruturado. A eleição desta
investigação configura-se devido à exiguidade de estudos relacionados à temática.
Apetecemos com este, contribuir com conhecimento para compreensão do conteúdo
dança para a formação crítica e emancipatório do educando.

DANÇA PARA DESPERTAR A CONSCIÊNCIA CRÍTICA

A consciência crítica pode ser entendida como a capacidade de refletir


profundamente sobre a realidade a qual estamos inseridos, de maneira que nos

162
Corpo, Trabalho e Educação

permite compreendê-la e transformá-la, quando necessário, de forma responsável.


Assim, ela é algo indispensável para a emancipação humana. Uma vez que, o
homem ao se apropriar da sua consciência crítica, ele passa a ter um novo
enfrentamento da realidade, permitindo-se admirar o contexto que lhe cerca, por fora
e por dentro, por vezes no todo, por vezes separado em suas partes, e desta forma,
ganha conhecimento profundo da sua real situação. Tudo isso implica no sujeito
reconhecer-se como homem que atua, pensa, cresce, transforma e não aceita
fantasticamente uma realidade desumanizante. (FREIRE, 2005)
Assim, torna-se claro a importância da educação acontecer em bases crítica
e ética, principalmente no Ensino Médio, fase em que os alunos se encontram na
última etapa da educação básica, a qual é responsável “[...] pela preparação básica
para o trabalho e para a cidadania, e pela prontidão para o exercício da autonomia
intelectual” (BRASIL, 2013, p. 40), onde na falta da consciência crítica, os alunos
que irão participar de forma direta na sociedade, poderão atuar de maneira leviana.
Nesse sentido, o compromisso de educar em bases críticas consiste em
proporcionar aos alunos caminhos que os levem a refletir sobre a realidade em que
vivem e como ela se construiu, analisando as ações humanas que delas participam e
reconhecendo-se como um ser que atua, transforma e faz história. Pensando nisso, a
dança possui vários caminhos para despertar ou aumentar a consciência crítica dos
alunos no Ensino Médio, pois o homem quando dança se percebe por inteiro,
exterioriza a sua subjetividade, corporifica a sua cultura, estabelece comunicação
através da sua linguagem corporal e, assim, entende, reflete criticamente, constrói,
interage, reinventa e transforma a si próprio e seu entorno, nos mais diferentes
espaços e tempo, fazendo história.

POSSIBILIDADES PARA DESPERTAR A CONSCIÊNCIA CRÍTICA A PARTIR DOS


CONTEÚDOS DE DANÇA

Em 1980, acentuou-se no Brasil a necessidade de mudança, almejando a


democratização do ensino, devido à reabertura política após o período da ditadura
militar no Brasil. E a partir de 1990 as contribuições de Paulo Freire para
transformação do ensino brasileiro foram e ainda são inegáveis, pois as suas

163
Corpo, Trabalho e Educação

metodologias e concepções educacionais influenciaram direta ou indiretamente


diversas propostas e estratégias de ensino (SAUL, 2012), onde elementos como
diálogo, problematização da realidade, temas geradores, reflexão, conscientização
crítica e a busca por transformações, estão presentes.
Assim, no intuito de despertar a consciência crítica por meio da dança, o
professor de Educação Física pode agregar os elementos da pedagogia freireana
(acima citados) à imensidão de conhecimentos que o conteúdo de Dança possui,
como: História da Dança; Dança nas diversas culturas; Dança e corporeidade;
Linguagem corporal na Dança; Dança e música; e outros. Com relação às atividades
práticas, o professor pode se valer das mais diversas formas, tipos, estilos, técnicas e
métodos de dança já existentes, incluindo as danças de mídia, desde que, seja um
trabalho direcionado, e também, criar a sua própria maneira de pensar e fazer dança.
E por fim os estímulos sonoros, os quais também devem ser pensados, onde
o educador pode utilizar: instrumentos musicais diversos (percussão, zabunba,
pandeiro, tambor, violão e outros) para orientar os seus alunos com sons ou ritmos
ao vivo; todas as formas, tipos e estilos de música, como as específicas de cada
dança, as do repertório da Música Popular Brasileira (MPB), paródias e outras; ou
ainda ensinar os alunos a produzirem sons e ritmos usando o próprio corpo. Para
Marques (1997) é nesta perspectiva da diversidade e da multiplicidade de propostas
e ações que caracterizam o mundo contemporâneo que seria interessante lançarmos
um olhar mais crítico sobre o conteúdo de dança na escola.
O presente estudo configurou-se numa pesquisa ação e de campo
exploratória, descritiva com abordagem qualitativa e quantitativa por meio de
intervenção e questionário semiestruturado, baseando-se na fundamentação teórica,
de pesquisa bibliográfica. Deste modo a pesquisa de campo é aquela empregada com
objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, ou
uma hipótese, que se almeja comprovar. (MARCONI; LAKATOS, 2003)
A pesquisa foi realizada numa escola da rede pública estadual da cidade de
Fortaleza (CE), sediada no bairro Vila Velha. No período que compreendeu entre
26/02 a 15/04 de 2017. A escolha se deu pelo fato da escola fazer parte de um
contexto social de criminalidade e violência (BRASIL, 2010), o qual necessita de
cidadãos conscientes para transformá-lo.

164
Corpo, Trabalho e Educação

A população da pesquisa foi composta por alunos do Ensino Médio,


participantes das aulas de Educação Física, da rede pública estadual do Ceará de
Fortaleza e desenvolvida com uma amostra inicial de 40 alunos de ambos os
gêneros, sendo a maioria do gênero masculino, com a faixa etária entre 14 a 16 anos,
pertencentes à turma do 1o B da referida escola. Devido aos critérios de seleção deste
estudo e a greve dos professores da rede estadual ocorrida no período da pesquisa, a
amostra foi reduzida à 20 alunos de ambos os gêneros, ainda com predominância do
gênero masculino e com a mesma faixa etária. Os critérios de seleção
(inclusão/exclusão) consistiam em estar devidamente matriculados na turma do 1o B,
ter entregado o termo de consentimento livre e esclarecimento assinado pelo
responsável e ter respondido os questionários pré e pós-testes.
Foram utilizados questionários semiestruturados para pré e pós-testes
(ambos iguais), e uma intervenção pedagógica com aulas de dança. Os questionários
foram compostos por 5 questões dissertativas e 4 fechadas, totalizando 9 questões
sobre a visão crítica da dança e de suas relações com a realidade dos alunos. A
intervenção aconteceu no horário das aulas de Educação Física realizada em quatro
encontros, totalizando em 8 hs/aula. Na metodologia da intervenção foram utilizadas
aulas expositivas e dialogadas, dinâmicas de grupo e aulas práticas com vivência de
diversos tipos e métodos de dança, sempre oportunizando momentos de reflexão e
problematização da realidade (pressupostos freireanos). O Quadro 1 mostra os
conteúdos e objetivos das aulas.
Os preceitos éticos regidos pela Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional
de Saúde, referentes às pesquisas científicas com serem humanos, foram priorizados
pela pesquisadora (BRASIL, 2012). Assim foi entregue aos voluntários o termo de
consentimento livre e esclarecido (TCLE), solicitando à assinatura e nenhuma
identificação dos participantes da pesquisa foi divulgada.
Os resultados, quando se trataram das questões objetivas, foram analisados
através da estatística descritiva e apresentados através de gráficos e quadros
programa Excel (2010) – Windows. As questões abertas, por meio da análise de
conteúdo das respostas, que foram categorizadas e discutidas a luz da subjetividade.
Também foram comparados entre si e confrontados com a literatura específica da
área.

165
Corpo, Trabalho e Educação

Quadro 1 – Conteúdos e objetivos das intervenções


Aulas Conteúdos Objetivos
Compreender a origem e evolução histórica da
dança, refletindo sobre as características do
1e2 História da Dança
homem e do seu contexto social de cada época
histórica.
Reconhecer o homem como um ser cultural e a
sua relação com a dança, bem como compreender
Dança nas diversas
3e4 o conceito, as classificações e característica das
culturas.
diversas cultural (erudita, popular, folclórica e de
massa).
Conhecer os conceitos de corporeidade e
compreender a sua importância para uma boa
5e6 Dança e corporeidade
interação com o mundo, percebendo a dança
como um meio de desenvolvê-la.
Conhecer e desenvolver os elementos da
Dança e linguagem
7e8 linguagem corporal e também estimular o seu uso
corporal
para expressar um pensamento crítico.
Fonte: Dados da pesquisa (2017).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados da pesquisa foram obtidos através dos questionários aplicados aos


alunos, que ocorreu antes (pré-teste) e após (pós-teste) a intervenção de dança, sendo
as respostas categorizadas por similaridade e dispostas em gráficos e quadros para
uma melhor visualização e entendimento do leitor. Toda a análise girou em torno de
uma visão da dança sob a ótica da consciência crítica.
De acordo com Freire (2005), a consciência crítica caracteriza-se pela
insatisfação com as aparências, pelo anseio de profundidade de analisar e pela busca
constante de reflexões acerca das relações existentes entre o que se propõe refletir e
a realidade. Ao contrário disso, temos a consciência ingênua, que segundo o autor
caracteriza-se por conclusões superficiais e apressadas, desprovidas de reflexões
críticas e que tendem a tomar como verdade as opiniões predominantes entre as
massas.
Os resultados referentes à primeira pergunta: Para você, o que é a dança?
verificou o percentual de visão (consciência) crítica e ingênuas dos alunos
relacionados ao seu conhecimento sobre o conceito de dança.

166
Corpo, Trabalho e Educação

Gráfico 1 – Opinião dos alunos sobre o que é a Dança


100%

100%
75%
90%
80%
70%
60%
50%
25%
40%
30%
20% 0%
10%
0%
Pré-teste Pós-teste

Visão crítica Visão ingênua

Fonte: Dados da pesquisa (2017).

Diante dos resultados obtidos no pré-teste, 75% dos alunos apresentaram


respostas com características de visão crítica e 25% com características de visão
ingênua. Já no pós-teste, os 20 alunos (100%) participantes, em unanimidade,
apresentaram características de visão crítica, ao conceituarem a dança. Por tanto,
após a intervenção, houve um aumento de 25% na visão crítica indicando que a
Dança pode contribuir para despertar a consciência crítica dos alunos.
A Tabela 1 mostra os resultados referentes a segunda questão, que
identificava o nível de afinidade dos alunos com a Dança.

Tabela 1 – Nível de afinidade com a Dança


Afinidade com a Dança
Pré-teste Pós-teste
Opções
(%) (%)
Gosto de dançar e assistir às apresentações de Dança 50% 55%
Não sei dançar, mas gosto de assistir às apresentações de Dança 35% 40%
Não danço e não gosto de assistir às apresentações de Dança 20% 5%
Fonte: Dados da pesquisa (2017).

167
Corpo, Trabalho e Educação

Nos resultados do pré-teste foi verificado que 50% dos alunos afirmaram
gostar de dançar e assistir às apresentações de dança, 35% alegaram que não sabem
dançar, mas gostam de assistir às apresentações de dança e 20% disseram que não
dançam e não gostam de assistir às apresentações de dança. Nos resultados do pós-
teste, 55% garantiram que gostam de dançar e assistir às apresentações de dança,
40% consideraram que não sabem dançar, mas gostam de assistir ás apresentações
de dança e apenas 5%, afirmou que não dança e não gosta de assistir às
apresentações. Assim verificou-se que após as aulas da intervenção, houve um
aumento de 5% no percentual das respostas “danço e gosto de assistir ás
apresentações de dança” e “não sei dançar, mas gosto de assistir às apresentações de
dança”. Também foi constatada uma diminuição de 15% no o percentual da resposta
“não danço e não gosto de assistir ás apresentações de dança”, indicando que foi
despertada a afinidade dos alunos pela dança.
De acordo com Tresca e De Rose Júnior (2000), a afinidade é uma forma de
motivação intrínseca, ou seja, vem de dentro de cada pessoa. Nesse sentido pode-se
dizer que além da afinidade ser particular de cada aluno, ela não pode ser imposta,
mas nada impede que o professor a desperte para tornar a aprendizagem mais
prazerosa e significativa, pois um aluno motivado ele busca o conhecimento com
mais ânimo e consegue utilizar o que aprendeu com mais proficiência nas situações
cotidianas.
A terceira pergunta buscou identifica o nível de apreciação crítica dos
alunos em relação à dança, onde as respostas foram categorizadas em apreciação
crítica ou superficial. Na categoria da apreciação crítica ficaram as respostas que
continham os elementos da linguagem corporal (expressões, gestos, mensagem e
outros), da sensibilidade (criatividade, percepções e outros) e da corporeidade
(relacionamentos corporais), os quais dão subsídio para ler a dança como uma
manifestação reveladora das ações humanas e para perceber a configuração da
realidade por meio da cultura corporal e da arte. E a categoria da apreciação
superficial foi composta pelas respostas que apresentaram elementos irrelevantes à
compreensão da relação entre a dança, as ações humanas e a realidade, como por
exemplo: unicamente precisão técnica, ocorrência de erros, o corpo do indivíduo que
dança, dança como elemento midiático. Dessa forma obteve-se no pré-teste 50% de

168
Corpo, Trabalho e Educação

apreciação crítica e 50% de apreciação superficial. Já no pós-teste foi conferido 60%


de apreciação crítica e 40% de apreciação superficial, onde se verifica um aumento
de 10% no percentual da apreciação crítica dos alunos.
Diante do resultado exposto, foi possível constatar que as aulas da
intervenção causaram mudanças nos alunos ao apreciarem uma apresentação ou um
espetáculo de dança, pois se tornaram mais atentos aos aspectos que os levam a
compreender o indivíduo que dança e às possíveis representações da realidade nela
presentes, onde a superficialidade deu lugar ao construtivo. Para Zancan (2012,
p.70), “Observar o corpo em uma prática artística requer um olhar atento sobre a
coexistência de diferentes vias de acesso à compreensão de nós mesmos e do mundo
em que vivemos”.
A quarta questão quando indagados: Por quais motivos você acha que o
homem dança?

Gráfico 2 – Percepção dos alunos sobre a motivação humana para dançar

70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Pré-teste Pós-teste
Percepção crítica 35% 55%
Percepção de massa 65% 45%

Fonte: Dados da pesquisa (2017).

Nesse sentido as respostas foram agrupadas em “percepção crítica” ou


“percepção de massa”, onde na percepção crítica foram considerados os motivos da

169
Corpo, Trabalho e Educação

necessidade de expressão e as necessidades particulares do homem na atualidade


(manutenção da saúde), e na percepção de massa foram consideradas as opiniões
baseadas em concepções do senso comum e da cultura de massa (preconceitos,
estigmas e outras). Assim nos resultados do pré-teste obteve-se 65% das respostas
com percepção de massa e 35% com percepção crítica. E no pós-teste, 45% com
percepção de massa e 55% com percepção crítica (Gráfico 2).
Assim recorreremos à história para exemplificar que, desde os primórdios da
civilização, os gregos sempre deram importância à dança, na qual ela aparece em
mitos, lendas, cerimônias, literatura e também como matéria obrigatória de
formação do cidadão (PORTINARI, 1989). Os achados evidenciam a capacidade
dos alunos em utilizar seus conhecimentos sobre a história da dança para perceber
criticamente o homem na realidade atual, pois embora a necessidade de expressão
tenha se feito presente como fator motivador em todas as épocas históricas, as
demais motivações para dançar se modificaram em decorrência do tempo e do
espaço.
De acordo com Marques (2012, p. 49) “Conhecer, compreender e trabalhar
corporalmente as diversas concepções de dança no decorrer da história da
humanidade abre perspectivas para que o aluno em contexto educacional possa
conhecer o passado, para compreender o presente e projetar o futuro”. Freire (2005,
p. 33) diz que “Todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje. De modo que o
nosso futuro se baseia no passado e se corporifica no presente. Temos de saber o que
fomos e o que somos, para saber o que seremos”.
Os achados da quarta questão nos remetem uma redução de 20% na
percepção de massa e um aumento 20% na crítica, o que indica conscientização no
período da intervenção, que oportunizou refletirem e compreenderem as
necessidades que motivam o homem de hoje, se reconhecendo como parte dessa
humanidade, baseando-se em seus próprios critérios e não em concepções
massificadas.
A quinta questão que se destinou: Quais as danças são mais presentes no
cotidiano dos alunos. Foram dadas aos alunos oito opções de escolha, onde
poderiam marcar quantas almejassem. Como alguns alunos marcaram mais opções e
outros menos, os resultados foram quantificados através do número de vezes

170
Corpo, Trabalho e Educação

recaídas sobre cada dança.

Gráfico 3 – Danças mais comuns no cotidiano: Pré-teste (a) e Pós-teste (b)

Pré-teste (a)

Forró
Hip-Hop dance
Swingueira
Funk
Ballet
Jazz
Samba
Outros
0 2 4 6 8 10 12 14
Swingueir Hip-Hop
Outros Samba Jazz Ballet Funk Forró
a dance
Pré-teste 4 1 2 1 12 5 4 13

Pós-teste (b)

Forró
Hip-Hop dance
Swuingueira
Funk
Ballet
Jazz
Samba
Outros
0 5 10 15
Swuinguei Hip-Hop
Outros Samba Jazz Ballet Funk Forró
ra dance
Pós-teste 3 10 2 6 15 5 10 15

Fonte: Dados da pesquisa (2017).

171
Corpo, Trabalho e Educação

Conforme o Gráfico 3, pré-teste (a) foi observada a predominância do forró


e do funk, seguido da Swingueira e outros tipos; enquanto o ballet, o jazz e o samba
foram os menos citados. No pós-teste (b) continuou a predominância do forró e do
funk, porém seguido do Hip-hop dance e do samba, onde se notou um aumento na
incidência do samba, que passou de 1 para 10 e do ballet que passou de 1 um para 6.
Isso significa haver mais estímulos do forró e do funk presentes no cotidiano dos
alunos, observados tanto no pré-teste quanto no pós-teste e, porém, as intervenções
realizadas oportunizou o reconhecimento de novos estímulos (Samba e Ballet),
indicando o aparecimento ou percepção de outras danças, antes ignoradas. O que
pode ser explicado pelo fato dos alunos estarem mais atentos aos estímulos
dançantes recebidos do meio.
A sexta questão investigou a posição de discordância ou concordância, ao
reconhecerem as danças da mídia como representantes de sua identidade cultural. Já
que esta é um meio de comunicação com alcance em massa permitindo aos
indivíduos compartilharem informações, mas sem vivenciarem a mesma realidade,
portanto nem sempre essas participam da mesma cultura ou condição social.
Conforme nos esclarece Santos e Lopes (2012), além do fato de ser a principal via
de manipulação para consumo, não se importando com a realidade das pessoas.
Dessa forma, os aspectos que caracterizam a organização dos indivíduos em virtude
da real convivência cotidiana (costumes, valores, comportamentos, posturas,
vestimentas, necessidades e outros) foram considerados aspectos da identidade
cultural. Assim, os alunos que responderam “sim” foram considerados
“concordantes”, os que “não” considerados “discordantes” e os que apresentaram
“sim e não”, ao mesmo tempo, denominaram-se “indecisos”; as suas justificativas
foram classificadas em “contraditória”, quando não foi estabelecida a relação de
semelhança entre as danças da mídia e a identidade cultural, e “relevante”, quando
as semelhanças foram estabelecidas.
Mediante a esses critérios foi obtido no pré-teste 20% de “concordância
relevante”, 30% de “concordância contraditória”, 25% de “discordância relevante”,
5% de “discordância contraditória” e 20% de “indecisos”. Já no pós-teste obteve-se
15% de “concordância relevante”, 20% de “concordância contraditória”, 40% de
“discordância relevante”, 25% de “discordância contraditória” e 15% de “indecisos”.

172
Corpo, Trabalho e Educação

Verificou-se que o percentual de “concordância relevante” diminui 5% e o de


“discordância relevante” aumentou em 15%, significando um aumento no número
de alunos que não consideram as danças da mídia como representação da sua
identidade cultural e sob justificativa relevante. Também foi observada uma
diminuição de 10% na “concordância contraditória” e um aumento de 15% na
“discordância contraditória”, resultando numa diminuição dos alunos que disseram
ter a sua identidade cultural representada pelas danças da mídia, sem saberem
explicar o porquê e, um aumento dos alunos que disseram não ter nas danças da
mídia a representação da sua identidade cultural, sem conseguirem explicar o
motivo. Isso revela as consequências de ações humanas sobre o mundo atual, onde
as sociedades estão sempre em processo de transformação, ocasionadas pelos
avanços tecnológicos, inclusive dos meios de comunicação em massa (cultura de
massa), e pelo incentivo ao consumo descontrolado (SANTOS; LOPES, 2012), onde
as pessoas não conseguem mais identificar-se culturalmente.
A sétima questão indica a opinião dos alunos sobre quais são danças de hoje
que melhor representam a realidade da sociedade em que vivem, onde as
justificativas foram agrupadas sob critério de semelhança (Tabela 2).

Tabela 2 - Danças e realidade da sociedade


Pré-teste Pós-teste
Respostas
Qt. Qt.
Danças urbanas (hip-hop dance e funk), porque retratam os
11 8
problemas da sociedade, principalmente das periferias.
Danças brasileiras (popular e folclórica), pois representam a nossa
4 5
cultura e fazem parte da nossa história.
Nenhuma, pois a maioria não condiz com a realidade da maioria
3 1
dos brasileiros.
Dança Erudita (ballet e dança contemporânea), porque expressam
0 2
melhor o que as pessoas da sociedade atual sentem.
Todas as danças, pois em todas as danças pode-se ver um pouco
0 2
de realidade.
Não sei. 2 2
Fonte: Dados da pesquisa (2017).

De acordo com os resultados, concluiu-se que as danças urbanas tiveram a

173
Corpo, Trabalho e Educação

maior incidência de escolha tanto no pré-teste quanto no pós-teste, sob a justificativa


de retratarem os problemas da sociedade. Em seguida vieram as danças brasileiras,
com a justificativa de fazerem parte da nossa história e representarem a nossa
cultura. Outro ponto relevante foi que, no pós-teste, diminuiu o número de alunos
que não reconheciam em nenhuma dança a realidade da sociedade atual, também
apareceram duas outras respostas, uma considerando a dança erudita (observação da
parte sensível) e a outra admitindo que todas as danças podem expressar a realidade.
O que pode ser justificado pela melhora da visão e da apreciação crítica verificada
nos resultados pós-testes da primeira e da quarta questão, indicando que a dança
aumenta a percepção crítica da realidade permitindo explorar possibilidades antes
ignoradas, pois ela “[...] tem como uma de suas características a representação, a
expressão do eu, do espaço, dos sentidos” (SANTOS; LOPES, 2012, p. 5).
A oitava questão aponta o posicionamento dos alunos quanto às
possibilidades da dança em expressar sensações, sentimentos, opiniões e outras
particularidades de um indivíduo, onde tiveram como alternativas as opções “sim”
ou “não”. Os resultados evidenciaram que tanto no pré-teste quanto no pós-teste que
100% dos alunos admitiram ser possível expressar-se por meio da dança, apesar
dessa possibilidade não ter ficado explicita, unanimemente, nas respostas das
questões anteriores em que também consistia na dança como forma de expressão.
Isso significa que os alunos também reconhecem a dança como forma de expressar
um pensamento crítico (expressão de opiniões). Para tanto ela precisa ser ofertada e
trabalhada com responsabilidade em sala de aula, de maneira que o aluno descubra e
aprimore a sua linguagem corporal.
Para Marques (2012) a escola teria, assim, o papel não de soltar ou de
reproduzir, mas de construir conhecimentos em/por meio da dança, pois é uma
forma de conhecimento essencial para a educação do ser social. Deste modo Gariba
e Franzoni (2007) entendem que o fundamental é compreender a dança como uma
linguagem que, para além de permear o processo de construção do conhecimento e a
inclusão da práxis social, prioriza não só esse processo de produção, mas também os
resultados dele advindos, remetendo-os a momentos preciosos, capazes de despertar
a consciência crítica de quem os vivencia.

174
Corpo, Trabalho e Educação

A nona questão implica numa autocrítica dos alunos com relação à própria
capacidade de criar uma coreografia de dança para retratar a realidade em que
vivem, tendo por opções “sim” ou “não”.

Gráfico 4 – Autocrítica dos alunos sobre a capacidade de expressar-se por meio da


dança

80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Pré-teste Pós-teste
Sim 40% 70%
Não 60% 30%

Fonte: Dados da pesquisa (2017).

Os resultados revelaram que no pré-teste apenas 40% dos alunos


responderam que “sim” e a maioria (60%) “não”. Já no pós-teste obteve-se “sim” em
70% das respostas e “não” em 30%, indicando um aumento expressivo de 30% nas
respostas “sim”, onde os alunos julgavam-se capazes de retratar a sua realidade por
meio da dança. Desta forma constatou-se que após a intervenção com aulas de
dança, os alunos descobriram suas próprias habilidades de expressão e comunicação
por meio da dança, bem como adquiriram autoconfiança para isso. O que pode ser
explicado pelo fato das aulas práticas terem sido direcionadas para a descoberta do
próprio corpo, explorando possibilidade de comunicação pela linguagem corporal,
proporcionando um fazer consciente e não uma mera repetição sem sentido. Essas
ações pedagógicas corroboram com os pressupostos para o ensino da dança na
escola, mencionados por Fernandes (2009, p. 6) quando diz que:

175
Corpo, Trabalho e Educação

A dança na escola não deve priorizar a execução de movimentos


corretos e perfeitos [...]. Deve partir do pressuposto de que o
movimento é uma forma de expressão e comunicação do aluno,
objetivando torná-lo um cidadão crítico, participativo e responsável,
capaz de expressar-se em variadas linguagens, desenvolvendo a auto-
expressão e aprendendo a pensar em termos de movimento.

Gariba e Franzoni (2007) descreve que a escola deve estar sensível aos
valores e vivências corporais que o indivíduo traz consigo, permitindo dessa forma
que conteúdos trabalhados se tornem mais significativos. Nesse sentido, Marques
(2012) aborda que, para se fazer escolhas significativas, seria relevante considera o
contexto dos alunos, respeitando suas próprias escolhas, opiniões, criações e
possibilidades, para a formação de cidadãos com uma visão mais crítica, autônoma e
participativa desta sociedade em que vive.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluímos que renegar o ensino da dança aos educandos é priva-los de


uma fonte riquíssima de conhecimento, visto que ela possui vários caminhos para
despertar a consciência crítica, por ser uma manifestação humana reveladora das
relações entre o homem e o meio, como comprovam os resultados desta pesquisa.
Foi possível verificar uma melhora na postura crítica dos discentes, onde as
aulas com o conteúdo de dança aumentaram o percentual de visão crítica, tornando-
os mais atentos às ações humanas e a sua realidade, percebendo-se como parte dela,
dando-lhes subsídio para atuar e transformar o espaço em que vivem; possibilitou
identificar uma melhora no nível da afinidade dos alunos com a dança; bem como
foi possível descobrir um aumento no nível de apreciação crítica dos alunos e
apontar a dança como meio de expressão do pensamento crítico, uma vez que foi
despertado nos alunos autoconhecimento para descobrir suas próprias habilidades de
expressão e comunicação por meio da dela.
Considerando os resultados desta pesquisa vê-se a necessidade de
transformação no ensino da dança nas aulas de Educação Física e em sua abordagem
no âmbito escolar e na sociedade, para que ela possa vir contribui para formação
cidadã dos alunos, pois este estudo comprova que a dança pode promover
consciência crítica, mas para isso é preciso o que os professores assumam o

176
Corpo, Trabalho e Educação

compromisso de sanar as suas deficiências perante o ensino da dança. Pois a


efetividade da dança na formação cidadã tem seu o ponto de partida em pesquisas,
diálogo e reflexões, proporcionando uma aprendizagem significativa para os alunos,
a qual estabeleça relações concretas entre eles e o meio, fazendo-os perceberem as
necessidades de mudança na sociedade em que vivem e assim agirem para
transformá-la de maneira responsável. Combater o preconceito e a banalização da
dança, na escola, favorecerá formação cidadãos, colocando-se de forma crítica as
influências, as apelações e a pobreza cultural das danças da mídia, que é um dos
motivos para banalização da dança na sociedade.
Assim, torna-se evidente a necessidade de mais pesquisas nesta temática
realizadas em contextos sociais diferentes, a fim de firmar o potencial da Dança em
formar cidadãos críticos e contribuir com práticas pedagógicas coerentes.

The dance content in school physical education: an intervention for critical formation in
high school

Abstract: The study aims to analyze the dance content and its possibilities for awakening
critical awareness of students in high school, in Physical Education classes. It is an
exploratory and descriptive field research, with a qualitative and quantitative approach, based
on bibliographical research. Semi-structured questionnaires were applied and an intervention
was conducted with dance classes, which was attended by 20 students from the state
educational system of Ceará. The data collected point to an improvement in the critical
posture of students in relation to themselves and their environment, concluding that the
dance content has potential to awaken students’ critical awareness.
Keywords: Dance. Physical Education. Education.

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Fortaleza. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará/LABVIDA. Relatório de Pesquisa,
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178
Corpo, Trabalho e Educação

O conteúdo lutas na formação de professores de Educação Física no


CEDF/UEPA para a intervenção no ensino escolar

Bruno Luiz Diniz Santa Brigida (UEPA) 42


Emerson Duarte Monte (UEPA) 43

Resumo: A pesquisa tem como objetivo geral analisar a realidade e as possibilidades de


organização do conteúdo lutas na formação de professores do Curso de Educação Física
(CEDF) da Universidade do Estado do Pará (UEPA) para o trato desse conhecimento no
ambiente escolar e apresentar indicativos para uma organização pedagógica superadora. Para
tanto, faz-se um resgate histórico do conceito de esporte e uma contextualização histórica de
algumas artes de combate (Karatê, Judô e Capoeira), apresenta-se fundamentações teóricas
sobre trabalho pedagógico de uma forma genérica e, mais especificamente, sobre artes de
combate. Foram analisadas entrevistas realizadas com os professores que atuam com a
disciplina Fundamentos Métodos das Lutas (FML) e as ementas dos Projetos Político-
Pedagógico de 1999 e de 2007 do CEDF/UEPA. As análises revelaram que a disciplina não
articula ensino, pesquisa e extensão, que os professores estão mais interessados com os
conhecimentos técnicos e não apresentam uma unidade que sintetize os fundamentos em
comum entre as diversas lutas, não fazem crítica ao esporte de rendimento e não enfatizam a
necessidade de diferenciar os esportes das lutas. Concluiu-se que a disciplina não é suficiente
para dar conta da complexidade do conteúdo lutas e aponta-se para a necessária organização
de uma disciplina que trabalhe os fundamentos das lutas em uma unidade, apresentando
aspectos comuns entre as diversas lutas e que critique a lógica do esporte de rendimento,
oferecendo subsídios para estudos mais avançados em disciplinas obrigatórias e/ou eletivas
que, por sua vez, devem preparar os alunos para a intervenção no ensino escolar e para
formações continuadas em cursos de pós-graduação.
Palavras-chave: Formação de professores. Organização do trabalho pedagógico. Trato do
conhecimento Lutas.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se insere no campo temático do trato com o conhecimento


lutas na formação inicial de professores do Curso de Educação Física (CEDF) da
Universidade do Estado do Pará (UEPA). Tem como objeto de pesquisa a
organização do trabalho pedagógico para o trato com o conhecimento lutas numa
perspectiva que amplie as possibilidades de organizar esse conteúdo no âmbito da
formação inicial.
A disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas do CEDF/UEPA está

42
Licenciado em Educação Física, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: brunosantabrigida@yahoo.com.br
43
Doutor em Educação, Universidade do Estado do Pará.
E-mail: emerson@uepa.br

179
Corpo, Trabalho e Educação

organizada na matriz curricular do atual Projeto Político-Pedagógico (PPP) no 3º


semestre, entre as disciplinas obrigatórias do curso. A sua carga horária é de 80h/a
para ser desenvolvida em um semestre letivo. Ela aborda, geralmente, quatro formas
de lutas (Judô, Karatê, Capoeira e Boxe) numa perspectiva genérica.
A disciplina não tem como intenção abordar profundamente todas as quatro
formas de lutas, tendo em vista a limitação da carga horária – são necessários, por
exemplo, cerca de cinco a seis anos para formação de um mestre de Judô ou Karatê.
Portanto, considerando a riqueza de conteúdos de cada arte marcial, não é possível
estudar, com profundidade, cada uma das formas de lutas oferecidas na disciplina.
Com isso, mais do que oportunizar uma visão geral de técnicas de artes
marciais, tendo em vista as limitações da carga horária, configura-se como maior
centralidade, na perspectiva de uma formação para atuação no ensino escolar, que os
acadêmicos entrem em contato com os conteúdos históricos, políticos e pedagógicos
que envolvem o trato do conteúdo lutas.
A partir dessa exposição é que se lança o seguinte problema de pesquisa:
Qual a realidade e as possibilidades de organização do conteúdo lutas na formação
de professores de educação física da UEPA para o trato desse conhecimento no
ambiente escolar?
Essa questão possibilita o seu desdobramento em perguntas que possibilitam
nortear a investigação, quais sejam: 1. Como o conteúdo Lutas está organizado
pedagogicamente no CEDF/UEPA? 2. O que é necessário priorizar no interior do
conteúdo Lutas para tratar numa formação inicial em Educação Física para a
intervenção escolar? Como é possível organizar, pedagogicamente, o conteúdo
Lutas na formação de professores de Educação Física?
De modo geral, objetiva-se analisar a realidade e as possibilidades de
organização do conteúdo lutas na formação de professores de Educação Física da
UEPA para o trato desse conhecimento no ambiente escolar. E de modo mais
específico verificar de que modo a disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas é
tratada pedagogicamente no CEDF/UEPA, identificar nas principais Lutas
difundidas no Brasil seus fundamentos e analisar e indicar uma organização
didático-pedagógica para o trato do conhecimento Lutas no CEDF/UEPA.
Para atingir esses objetivos a investigação utilizou informações dos

180
Corpo, Trabalho e Educação

professores que ministram a disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas no


CEDF/UEPA por meio de entrevistas semiestruturadas. Assim como, por meio da
análise documental, utilizaram-se as ementas da disciplina dos PPP do CEDF/UEPA
dos anos de 1999 e 2007.
Com o intuito de investigar o desenvolvimento histórico do ensino do
conteúdo Lutas no CEDF\UEPA, torna-se importante entrar em contato com os
docentes que ministram esse conteúdo no curso. Desta forma, para coletar
informações dos docentes que ministram a disciplina “Fundamentos e Métodos das
Lutas”, foram aplicadas entrevistas semiestruturadas.
A opção pelo uso de entrevistas semiestruturadas foi feita para que os
professores discorressem livremente, sem, no entanto, fugir dos objetivos da
pesquisa. Triviños (1987, p. 146) compreende que a entrevista semiestruturada “[...]
ao mesmo tempo que valoriza a presença do investigador, oferece todas as
perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a espontaneidade
necessárias, enriquecendo a investigação”. A escolha pela entrevista semiestruturada
também levou em consideração a pequena quantidade de professores da disciplina
“Fundamentos e Métodos das Lutas” que, no CEDF/UEPA, limitam-se ao número
de dois.
A pesquisa também conta com a análise das ementas da disciplina dos
Projetos Político-Pedagógicos (PPP) do CEDF/UEPA dos anos de 1999 e 2007. A
análise das ementas terá como suporte o referencial da área de lutas e da formação
de professores que fundamentam essa pesquisa, privilegiando o seu conteúdo
expresso no texto, assim como o conteúdo latente.
No processo de análise, faz-se uso da análise de conteúdo que Triviños
(1987, p. 160) conceitua como:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens.

Para o autor o método de análise de conteúdo serve “para o desvendar das


ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc., que à

181
Corpo, Trabalho e Educação

simples vista, não se apresentam com a devida clareza” (TRIVIÑOS, 1987, p. 160).
Nessa perspectiva, o conteúdo expresso nas ementas e objetivos das disciplinas de
lutas contribui para a análise desse conteúdo na formação do CEDF/UEPA.
A pesquisa está organizada da seguinte forma: na primeira seção, realiza-se
um resgate histórico sobre o processo de esportivização dos conteúdos da cultura
corporal. O objetivo dessa seção é demonstrar como os conteúdos da cultura
corporal se transformam ao longo da história, condicionados por determinantes mais
amplos como os sistemas político e econômico. Ao final dessa primeira seção,
explicita-se o processo de esportivização de algumas lutas, a partir de um resgate
histórico. Existem diversas práticas que podem ser caracterizadas como lutas, mas,
para esta pesquisa, foram priorizados o Karatê, o Judô e a Capoeira.
Na segunda seção da pesquisa, tem-se como objetivo apresentar a discussão
quanto à organização do trabalho pedagógico do professor, tendo como perspectiva
de análise a defesa de uma determinada concepção de educação e de ensino. Outro
objetivo desta seção é o de estabelecer a conexão entre o par dialético conteúdo-
metodologia e o trato do conhecimento lutas; ir à literatura sobre ensino de lutas
para verificar de que modo foi abordada essa relação e realizar análise sobre o
processo de esportivização das lutas e o comprometimento que disso deriva para a
definição dos conteúdos e da metodologia comumente utilizada no trato do
conhecimento lutas.
Por fim, na terceira seção, pretende-se analisar as entrevistas e as ementas da
disciplina Fundamentos e Métodos das Lutas dos PPP de 1999 e 2007, assim como
indicar proposições superadoras para o trato com o conhecimento lutas e a
organização do trabalho pedagógico desse conteúdo.

O CONTEÚDO LUTAS E A CRÍTICA AO ESPORTE DE RENDIMENTO

Nesta seção, tem-se como objetivo apresentar um breve desenvolvimento


histórico do esporte e das lutas. Está constituída de duas partes: na primeira,
apresenta-se como o esporte surgiu e se transformou ao longo do século XX,
paralelamente aos avanços do modo de produção capitalista e, na segunda,
demonstra-se a origem e o desenvolvimento histórico de algumas lutas (Karatê, Judô

182
Corpo, Trabalho e Educação

e Capoeira), explicitando como foram impactadas com o processo de esportivização.

Evolução do esporte e suas formas de manifestação

É fundamental compreender que o esporte não se explica por si só, que não
pode ser compreendido isolado das demais facetas da sociedade. O esporte
pertencendo a uma dada sociedade incorpora o substrato cultural e, em si, reflete
uma síntese da sociedade que o envolve.
De acordo com Bracht (2005), o esporte surgiu na Inglaterra do século XIX
a partir da transformação de jogos populares, onde eram usados para expressar a
cultura popular, para uma forma de organização mais institucionalizada e
burocrática, típico da sociedade capitalista. Esse tipo de transformação não é
inerente apenas ao esporte. A sociedade inglesa, como um todo, vivia um processo
de transformação econômica a partir do desenvolvimento urbano e industrial
provindos dos avanços do capitalismo em sua fase inicial.
Conforme Bracht (2005), o processo de transformação dos jogos, expressões
lúdicas no tempo livre, que tem como uma de suas principais características a
espontaneidade, em esportes é denominado de esportivização, que pode ser
compreendido como a complexificação das regras dos jogos e a incorporação de
conceitos organizativos oriundos do espaço da produção capitalista.
Como reflexo do momento histórico, o esporte absorve as condições da
época, incorporando, em seu desenvolvimento, características da sociedade
industrial, tais como a competição, o rendimento físico-técnico, a racionalização e a
cientifização. Bracht (2005), baseado em Guttmann (1979), identificou, nesse
esporte, características como secularização, igualdade de chances, especialização
dos papéis, racionalização, burocratização, quantificação e busca do record.
Ainda segundo Bracht (2005), autores como Eichberg (1979) e Rigauer
(1969), entendem que alguns princípios que passaram a reger a sociedade capitalista
industrial, como o princípio do rendimento, foram incorporados ao esporte. Outra
marcante influência do desenvolvimento capitalista é a transformação do esporte em
mercadoria. Transformada em mercadoria, as práticas esportivas se afastam do
poder da classe trabalhadora, não pertencendo mais a ela um papel criativo na

183
Corpo, Trabalho e Educação

construção do esporte, cabendo a ela a simples função de consumo. Dessa forma,


cada vez mais, essa classe perde sua autonomia sobre suas práticas de lazer.
A autonomia dos cidadãos sobre suas práticas esportivas perde espaço para a
indústria cultural, sendo os empresários, cada vez mais, os responsáveis pela gestão
de organizações esportivas. Bracht (2005, p. 19), ao citar Simson e Jennings (1992),
afirma que “nem sempre são as organizações esportivas que determinam os rumos
do esporte e sim empresas que atuam em outros setores da economia”.
O esporte, sob o domínio de empresários acaba se transformando em
mercadoria. Além de mercadoria, nas sociedades modernas, o esporte é utilizado
como meio de alienação coletiva. Como forma de combater as práticas esportivas
alienantes, uma alternativa ao esporte burguês, de acordo com Bracht (2005), foram
criadas, no inicio do século XIX na sociedade europeia, associações de esporte e
ginástica organizadas pelos proletariados.
Essas organizações, ancoradas no programa da 1ª e da 2ª Internacional
Socialista, tinham como objetivo se diferenciar do esporte burguês, negando
princípios como o rendimento, o record, a competição e colocando como princípio
norteador a solidariedade entre os trabalhadores. No início do século XX foram
organizados eventos internacionais de esporte pelos trabalhadores, conforme destaca
Bracht (2005):

As festas esportivas e as olimpíadas dos trabalhadores aconteciam sem


o uso do cronômetro, fitas métricas e tabelas de resultados, e ao
contrário, exploravam exercícios lúdicos, as atividades de grupo e
acentuavam gestos simbólicos de solidariedade. Esse movimento
chegou ao ponto de criar uma organização internacional socialista da
cultura corporal e a realizar três grandes olimpíadas de trabalhadores.
(BRACHT, 2005, p. 91).

Essas organizações desaparecem com a chegada da Segunda Guerra


Mundial e não foram retomadas depois, devido ao forte clima
anticomunista/socialista deixado pela guerra, assim como pelo combate às
conquistas dos trabalhadores ao longo da Guerra Fria.
Acompanhando o desenvolvimento da sociedade, o esporte se torna
complexo a tal ponto que é preciso diferenciá-lo em alguns setores. De acordo
Bracht (2005), o esporte foi considerado a partir de duas perspectivas: 1. esporte

184
Corpo, Trabalho e Educação

espetáculo ou de alto rendimento e; 2. esporte como atividade de lazer. O primeiro


praticado por profissionais, desenvolvido no mundo do trabalho e o segundo por
amadores como práticas de lazer, como práticas de expressão no tempo livre.
Bracht (2005) compreende que devido a complexificação do fenômeno
esportivo, a necessidade de estudos mais aprofundados também aumenta. De acordo
com o autor, até a década de 1960, estudos filosóficos e sociais sobre esporte eram
muito escassos. Entretanto, a partir de 1970, esse cenário muda, principalmente
devido à produção da Escola de Frankfurt, destacando-se entre eles Hebert Marcuse,
Theodor Adorno, Max Horkheimer e Jurgen Habermas. Bracht (2005) entende que
as críticas dessas escolas podem ser resumidas em duas teses: a tese da coisificação
ou da alienação e a tese da repressão e manipulação.
Para a tese da coisificação, também conhecida como tese da alienação, como
resultado das relações da sociedade industrial, principalmente no mundo do trabalho,
os homens não conseguem se desenvolver plenamente enquanto tal. Com essa forma
de organização social, as atividades humanas ficam restritas à racionalidade
instrumental, aprofundando o processo de coisificação das relações humanas.
(BRACHT, 2005)
Na tese da repressão e da manipulação, a sociedade moderna, altamente
tecnológica e industrializada, é considerada um sistema de repressão, dominação e
manipulação. Entretanto meios repressivos não são as únicas formas usadas pelo
Estado no processo de controle social. Bracht (2005), entendendo o esporte como
um fenômeno da modernidade, como uma expressão da modernidade no plano da
cultura, fundamentado em Foucault, ajuda a compreender sobre ferramentas
utilizadas pelo Estado no controle social.
De acordo com Bracht (2005), para Foucault, o Estado não controla
indivíduos somente por meio da repressão. O Estado também controla a partir de
estimulações, incitando, por exemplo, que pessoas fiquem nua, desde que expressem
o padrão estético dominante.
Vale destacar as análises desenvolvidas por Freitas (1994) a respeito do
esporte na modernidade. Para ele o esporte é utilizado como catalisador de energias
que poderiam ser utilizadas para o desenvolvimento de atividades libertadoras,
desviando a atenção dos espectadores dos reais problemas da sociedade, de modo

185
Corpo, Trabalho e Educação

que eles se concentrem em situações ocorridas em espetáculos esportivos como


campeonatos de futebol.
Para Freitas (1994), o esporte substitui, de modo precário, necessidades
fundamentais como sexo, alimentação e organização política. É nesse sentido que o
autor considera o esporte como ópio, ou seja, como um narcótico coletivo. Diz ainda
que “[...] A educação para o conformismo, através dos Desportos, pauta-se no
preenchimento do vazio ideológico deixado no psiquismo da juventude, surgindo e
se insurgindo como contra-ponto às insinuações materialistas, histórico-dialéticas, e
esquerdizantes [...]” (FREITAS, 1994, p. 86).
Segundo Bracht (2005), para o Marxismo Ortodoxo, o esporte de lazer pode
contribuir tanto para a reprodução da força de trabalho, tendo como efeito uma
maior adaptação à exploração capitalista, quanto para qualificar o trabalhador para a
luta contra a mesma exploração.
Oliven (1983 apud BRACHT, 2005) afirma que cultura hegemônica e
cultura popular, por vezes se misturam, de modo que uma incorpora a outra,
havendo momentos de difícil distinção entre elas. Para esse autor o processo de
incorporação se dá, basicamente, de duas formas, uma quando a classe dominante
incorpora elementos culturais antes restritos apenas às camadas populares,
transformando-os, posteriormente, em símbolos nacionais e outra, que ocorre de
modo inverso, em que as classes populares se apropriam de culturas originalmente
da classe dominante, transformando-as em símbolos nacionais.
Para ilustrar, destacam-se os exemplos do futebol e da Capoeira. O futebol
surgiu na Inglaterra como jogo de elite, transformando-se, posteriormente, em
cultura popular. No Brasil, o exemplo da Capoeira mostra o inverso. Na sua origem
foi uma prática de resistência, sofrendo, inclusive, repressões de forças policiais, e
hoje, após ter sido saneada socialmente, sofre um processo de esportivização, com
uma tendência para se tornar esporte-espetáculo, perdendo seu caráter de resistência
popular. (BRACHT, 2005)
Assim, pode-se afirmar que a hegemonia não é uma estrutura estática, ou
seja, é um processo dinâmico de transformação, incorporando, renovando e
reelaborando constantemente culturas hegemônicas e contra-hegemônicas.
Ainda segundo Bracht (2005, p. 88), “[...] o esporte enquanto atividade de

186
Corpo, Trabalho e Educação

lazer não pode ser apenas um arremedo, um simulacro do esporte de alto


rendimento; não precisa pautar-se por ele”. Com isso, o autor quer dizer que a
prioridade das políticas públicas de lazer não deve ser o esporte de alto rendimento e
sim o esporte como atividade de lazer. Dessa forma, e integrado com outras políticas
culturais e sociais, outros elementos da cultura corporal, ainda não esportivizados,
não precisam se subordinar e se moldar nos esportes de alto rendimento para receber
atenção do poder público.
Desta forma, pode-se perceber que para que o esporte seja uma expressão
autêntica da classe trabalhadora, os trabalhadores necessitam estar politicamente
bem organizados, como expresso por Bracht (2005):

A ideia aqui é como fazer com que a população construa a cultura e não
apenas a consuma, construa seu lazer, não apenas a consuma ou
compre, e, com isso, construa sua cidadania numa perspectiva crítica?
Consideramos essa uma tarefa importante na qual governos populares-
democráticos deveriam se engajar. (BRACHT, 2005, 91-92).

É uma proposta interessante, pois, desse modo, a prática esportiva de lazer


deixa de ser uma simples mercadoria disponível para compra. Essa forma de
organização garante uma maior autonomia da classe trabalhadora sobre seu tempo
livre e possibilita fazer com que ela se percebe como sujeito no processo de
apropriação e construção da sua cultura corporal.
Portanto, a partir da produção aqui expressa é notável o desenvolvimento do
esporte paralelamente ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. À
medida que o capitalismo avança, o setor desportivo incorpora elementos típicos
desse modelo de produção como o rendimento, a cientifização, a divisão do
trabalho/especialização do trabalho, a competição e outros.
Assim como a classe hegemônica se apropria de elementos culturais de
origem popular de acordo com seus interesses, a classe trabalhadora deve se
apropriar dos elementos da cultura dominante. Conhecimentos, para uma educação
libertadora, não devem ser negados, mas sim, incorporados e reelaborados de acordo
com os interesses políticos da classe trabalhadora.
A exposição histórica do esporte ajuda a compreendê-lo para além de suas
características técnicas. O desenvolvimento das capacidades técnicas são

187
Corpo, Trabalho e Educação

importantes, porém não se deve esquecer que elas ocorrem dentro de um contexto
político, econômico, histórico e cultural específico. Deve-se compreender que as
técnicas são construções humanas e não simplesmente dadas pela natureza. São os
humanos que, por meio do trabalho, ocorrido a partir de suas relações com a
natureza e com outros humanos, constroem as técnicas. Assim, deve-se compreender
o desenvolvimento técnico a partir de suas múltiplas determinações, de sua
totalidade.
É importante estar consciente de que compromisso político e a competência
técnica não estão separados, uma vez que movimentos políticos dependem de
desenvolvimentos técnicos e fundamentações técnicas são histórica e socialmente
determinadas. Por isso, aulas de Educação Física escolar devem possibilitar uma
compreensão global dos conteúdos, levando em conta os fatores históricos, políticos,
técnicos etc. Dessa forma, os professores de Educação Física precisam, além de
possibilitar a experiência prática com as técnicas, apresentar os percursos históricos
pelos quais os fundamentos técnicos, que compõem os vários conteúdos da
Educação Física, passaram até chegar aos formatos apresentados atualmente,
explicitando suas múltiplas determinações.

Esportivização das lutas

Esta seção tem como objetivo apresentar um resgate histórico das artes de
combate Judô, Karatê e Capoeira, explicitando como os significados das lutas
mudam de acordo com o desenvolvimento histórico da sociedade na qual se inserem
e como elas sofreram o processo de esportivização.
As considerações sobre a história do Judô que será explicitada a seguir tem
como referência a obra “Judô: ética e educação: em busca dos princípios perdidos”,
de Francisco Máuri de Carvalho Freitas.
Para compreender o Judô como fenômeno cultural é fundamental conhecer o
contexto histórico japonês no qual essa prática surge. O Judô não é uma prática
corporal neutra, pois não surgiu do nada e nem deixa de ser influenciado pelo
contexto social no qual está inserido.
Além da história, para Freitas (2007), o professor de Judô precisa da

188
Corpo, Trabalho e Educação

filosofia para compreender sua prática docente de forma crítica e livre. Para este
autor uma perspectiva ampla sobre a realidade humana é necessária para formação
de indivíduos de forma integral. O judoca verdadeiro precisa dominar mais do que
técnicas de combate, precisa da filosofia, da literatura, etc.
Freitas (2007) afirma que o Samurai, guerreiros japoneses da elite feudal,
cuja filosofia influenciou Jigoro Kano na criação do Judô, desenvolveram
habilidades diversas. De acordo com o autor, os Samurais “[...] conseguiram
desenvolver, a um só tempo, as habilidades de um guerreiro, a sabedoria de um
filósofo, a sensibilidade de um artista plástico e o desprendimento de um estoico.”
(FREITAS, 2007, p. 70).
Essa formação ampla dos guerreiros Samurai, denominada de Bushidô
(caminho do guerreiro), era incentivada pelos que líderes políticos do Japão. O
Terceiro Shogun (Tokugawa Ieyasu), incentivava a prática das artes intelectuais, a
vida sensual, a etiqueta e a estética, a apreciação do teatro, a arquitetura e a pintura,
bem como o estudo da poesia e do cultivo dos clássicos. Todas essas práticas e
conhecimentos perfaziam o remanso do guerreiro. Com isso, pode-se perceber que a
formação guerreira que influenciou, futuramente, o surgimento do Judô, não era uma
prática politicamente neutra, sendo profundamente influenciada pelos interesses
governamentais na época.
Na época imperial do Japão as artes de combate eram exclusivamente
destinada à elite guerreira, os Samurai, e proibida aos civis. Com as mudanças
históricas e políticas ocorridas, os Samurai perdem o grande status social e as artes
de combate popularizam-se. Jigoro Kano, tendo em vista as novas condições sociais,
a partir dos antigos sistemas de combate cria o Judô que passa até a fazer parte do
currículo escolar como disciplina obrigatória. Com a abertura do Japão para países
imperialistas, Jigoro Kano, em 1964, introduz o Judô nas olimpíadas. Em 1951, é
criada a Federação Internacional de Judô (IJF) e, em 1969, é criada a Confederação
Brasileira de Judô (CBJ).
O Karatê, por sua vez, é uma arte de combate que tem origens chinesas,
porém foi sistematizada e expandida no Japão. Várias formas de combate corporal
da China influenciaram a criação dos fundamentos técnicos do Karatê como Tô-Dê
(mãos de Okinawa) Kobu-Dô e Kung Fu. (FROSI; MAZO, 2011)

189
Corpo, Trabalho e Educação

Um importante fator para o desenvolvimento do Karatê foram proibições do


uso de armas pelos civis na China. Essa proibição tinha como objetivo diminuir o
potencial bélico da população de modo a evitar revoltas. Assim desarmado, o povo
precisou desenvolver outras formas para reagir às imposições do Estado. (FROSI;
MAZO, 2011)
A proibição do uso de armas fragilizou a resistência dos camponeses
chineses (Heimin), deixando-os mais vulneráveis às ações do Estado como
cobranças de impostos, uma vez que essas cobranças eram realizadas por membros
da classe guerreira (os Peichin) que, não raras vezes, utilizavam-se de medidas
truculentas. (FROSI; MAZO, 2011)
Assim, desarmados pelo Estado e sofrendo pressões que chegavam a
violências corporais, os Heimin entendem a necessidade de desenvolverem formas
alternativas para se defenderem, utilizando os materiais que tinham (seus próprios
corpos e ferramentas de trabalho). Dessa forma, percebem em algumas artes de
combate, como o Tô-de e Kobu-Dô, maneiras de se defender condizentes com suas
condições materiais de sobrevivência. (FROSI; MAZO, 2011)
As preparações guerreiras dos camponeses, embora precárias, deram algum
trabalho aos Peichin. A classe guerreira, para conter as revoltas camponesas, estuda
as técnicas de combate dos Heimin para enfrentá-los com maior eficiência. Esses
estudos foram importantes fundamentos para a criação do que futuramente seria
conhecido como Karatê. (FROSI; MAZO, 2011)
Esses fundamentos técnicos que futuramente dariam origem ao Karatê-Dô
foram, então, incorporados à preparação marcial da classe guerreira de Okinawa.
Vários escritos sobre técnicas de combate corpo a corpo para preparação marcial
foram produzidos e reproduzidos manualmente através de gerações guerreiras até ser
formalmente documentado em “Notas de Oshima”, por Ryosho Tobe (FROSI;
MAZO, 2011). Desse escrito, várias táticas de combate serviram como fundamentos
para o que mais tarde será conhecido como Kata¹ (sequências de movimentação do
Karatê preestabelecidas). (FROSI; MAZO, 2011)
Diversos mestres de Okinawa foram ao Japão continental ensinar a arte e
uma explosão do Karatê aconteceu no país. Por volta de 1940, iniciou-se um
processo de modernização que buscaria aproximá-lo de práticas como o Judô e o

190
Corpo, Trabalho e Educação

Kendô, as quais já possuíam sistemas competitivos e eram amplamente praticadas


em escolas em todo país. (AUGUSTO, 2009)
Apesar disso, o Karatê sofreria um forte abalo, junto com tantas outras
estruturas do Japão, devido aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial que
assolaram todo o país. A partir da década de 1930, Gichin Funakoshi empreendeu
diversas reformas e conseguiu abertura e aceitação do Karatê no Japão, e diversos
especialistas de Okinawa partiram ao Japão continental para ajudar na difusão da
prática, conforme se destaca abaixo:

[...] É sabido de alguns movimentos desde a década de [19]40 para que


o Karate se voltasse para uma forma competitiva a exemplo do que
ocorria com Kendo e Judo. [...] A Segunda Guerra Mundial trouxe
consequências catastróficas para o Karate. [...] Os bombardeios e
combates no Japão continental também trouxeram consequências, como
a destruição do Shotokan Dojo, o prédio onde Funakoshi ministrava
aulas [...]. Além de tudo isso, a artes de combate foram proibidas pelo
exército americano. (FROSI; MAZO, 2011, p. 302).

Nesse movimento de proibição das artes de combate o Karatê ficou isento,


porque os inspetores não chegaram a considerá-lo uma luta, pois viram movimentos
corporais misturados a ritmos de músicas populares daquela região, entendendo que
se tratava de uma manifestação folclórica dos habitantes e não de um treinamento de
lutas (FROSI; MAZO, 2011). Fenômeno semelhante ocorre com a Capoeira, em que
os negros se utilizavam de músicas e rituais religiosos para disfarçar a preparação
guerreira. (FALCÃO, 2004)
A partir de então, vários mestres japoneses e chineses encaminham-se a
países europeus e americanos para expandir o Karatê. No período que segue a
Guerra Fria, ocorrem grandes transformações na organização do Karatê mundial em
direção a sua esportivização, com o surgimento da Federação Europeia de Karatê
(UEK), em 1965, da World Union of Karate Organization (WUKO) e a
International Traditional Karatê Federation (ITKF). (FROSI; MAZO, 2011)
De acordo com Silva e Heine (2008), ao longo de sua história, a Capoeira
foi praticada em locais e contextos bastante diferentes, como nas senzalas, nos
quilombos, nas matas, nas ruas, nas praças e em outros espaços. Nos seus
primórdios, a Capoeira foi praticada pelos negros escravizados das fazendas de

191
Corpo, Trabalho e Educação

cana-de-açúcar no Brasil, nos poucos momentos em que não se dedicavam ao


trabalhado forçado.
Desde o momento mais remoto da história da Capoeira, pode-se observar a
transmissão de elementos culturais da geração mais velha para gerações mais novas.
A necessidade de transformação da realidade por parte dos negros que viviam na
condição de escravos era algo vital. Por isso, o jovem escravo crescia pensando no
seu adestramento corporal e no desenvolvimento da sua capacidade de ser vitorioso
na fuga. (SILVA; HEINE, 2008)
Silva e Heine (2008) afirmam que em cidades como Salvador, Recife e Rio
de Janeiro, após a abolição da escravatura, em 1889, muitos negros buscaram
garantir a sua sobrevivência fazendo pequenos serviços domésticos ou como
vendedores ambulantes nas ruas e praças. Muitos se juntaram em bandos ou maltas e
lutaram para defender seus territórios e outros tantos prestaram serviços para os
partidos políticos da época.
Em 1890, a Capoeira passou a fazer parte do Código Penal da República, e
uma grande caçada aos capoeiristas foi iniciada. A Capoeira era um crime, e pratica-
la significativa infringir as leis do país. Ainda assim, a Capoeira resistiu e soube
sobreviver frente a tantas ameaças e perseguições. (SILVA; HEINE, 2008)
De acordo com Silva e Heine (2008), em 1939, Manoel dos Reis Machado,
o Mestre Bimba, inicia uma nova era na história da Capoeira ao passar a ensiná-la
em um recinto fechado. Mestre Bimba fundou sua academia de Capoeira
denominada Centro de Cultura Física Regional (CCFR).
No entanto, para Silva e Heine (2008), nos últimos anos, tem-se observado
um maior reconhecimento do potencial educativo da Capoeira por meio de diversas
experiências práticas com essa modalidade no âmbito escolar e da aproximação
entre Capoeira e o meio acadêmico, tendo este último manifestado posição favorável
à inclusão da Capoeira como conteúdo do currículo escolar.
No âmbito internacional, a Capoeira, de acordo com Falcão (2004), vem
sofrendo uma intensa difusão aos países centrais do capitalismo. Em contrapartida, é
muito raro o resgate histórico, politicamente comprometido, que dá visibilidade à
cultura africana.
Esse movimento de exportação da Capoeira, transformando-a em

192
Corpo, Trabalho e Educação

mercadoria e à esportivizando, leva a um esvaziamento cultural e histórico. Para


Falcão (2004),

[...] a Capoeira vem se inserindo de forma cada vez mais abrangente em


vários setores da comunidade internacional. Como conseqüência,
algumas bandeiras cultivadas e defendidas por seus precursores, como a
oralidade, o improviso, a mandinga, a resistência cultural, são
subestimadas, para darem lugar a outras categorias consideradas mais
sintonizadas com o momento atual, tais como: “mercadoria étnica”,
“folia de espírito”, “malhação” e “espetacularização” etc. (FALCÃO,
2004, p. 254).

Assim, é possível perceber que o significado da Capoeira depende das


condições históricas da sociedade na qual está inserida e que ao longo do tempo vem
se transformando de acordo com as mudanças históricas e o próprio movimento do
mundo esportivo.

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO E O TRATO COM O CONHECIMENTO


LUTAS NO CEDF/UEPA

O objetivo desta seção é apresentar alguns elementos que norteiam a


organização do trabalho pedagógico. Esta seção está organizada em três partes: na
primeira, aborda-se sobre a organização do trabalho pedagógico de forma ampla,
explicitando aspectos gerais que o determinam. No segundo momento, são
abordadas implicações sobre a organização do trabalho pedagógico especificamente
sobre o conteúdo lutas, apresentando algumas indicações para organizá-lo na
formação inicial em Educação Física. E, na terceira parte, a partir da análise das
entrevistas e das ementas dos PPP de 1999 e 2007, sugerem-se indicativos para a
reformulação da disciplina FML do CEDF/UEPA.

A organização do trabalho pedagógico do professor

A organização da sociedade reflete na organização da escola que, por sua


vez, reflete na organização do trabalho pedagógico (OTP) em sala de aula. Assim,
entende-se que existem determinantes da OTP que estão além dos muros da escola e
a escola, situada no sistema capitalista de produção, incorpora alguns elementos do
processo de industrialização. Com isso, para compreender e transformar a OTP na

193
Corpo, Trabalho e Educação

sala de aula é necessário compreender e transformar os sistemas político, econômico


e cultural, uma vez que a escola não é um mundo em si mesmo, não existe por si só,
refletindo as várias determinações da sociedade em que está inserida.
Dessa forma, compreende-se que aqueles que lutam por um projeto de
educação socialista/comunista precisam travar lutas para além das paredes da sala de
aula e para além dos muros da escola.
A maioria das escolas públicas está organizada para a formação de cidadãos
servis ao Estado e ao capital. O aligeiramento e a superficialização de estudos, tanto
no ensino básico quanto no ensino superior, é uma estratégia do Estado e dos
grandes empresários que tem como objetivo a formação de homens e mulheres que
não elaboram histórica, critica, política, criativa e livremente, porque desejam
grandes reservas de mercado para baixar salários e aumentar a mais valia.
Ao que parece, o Estado quer destruir o ensino público e gratuito (básico e
superior) e não se preocupa com a formação de pesquisadores em suas diversas
facetas (cientistas, filósofos, artistas, políticos). Como destacou Taffarel (2003, p.
01) “Clama-se atualmente por uma ‘espécie em extinção’: os cientistas brasileiros.
Mas muito antes disso, fizeram-se outros clamores: clamava-se pelos professores”.
Portanto, não é interesse do Estado formar cidadãos críticos e criativos. Ele se insere
na dinâmica do setor produtivo e contribui apenas para formar força de trabalho
servil.
O Estado, concubinado com grandes empresários nacionais e internacionais,
deseja formar grandes reservas de mercado, baixar preços de salários, desqualificar
formações e controlar massas de trabalhadores. O descompromisso do Estado com o
ensino público e suas relações com os grandes empresários são expressas no
sucateamento da educação pública, por meio de cortes de verbas, dos baixos salários
dos professores, do fechamento de escolas públicas, da transferência de verbas
públicas para escolas privadas, etc. Taffarel (1993, p. 03) entende que “[...] a
situação precária em relação à formação acadêmica é historicamente determinada, é
comum à todas as áreas, e tem suas raízes para além da escola”.
Assim, fazem parte de suas estratégias, a separação entre concepção e
execução, entre pesquisadores e professores, entre trabalho manual e trabalho
intelectual, entre licenciatura e bacharelado, além do sucateamento, aligeiramento e

194
Corpo, Trabalho e Educação

superficialização da formação, ou seja, negação de conhecimentos. Isso faz parte das


estratégias de dominação social e de classe. Possibilitar que a classe trabalhadora
acesse o que há de mais avançado em conhecimento é um perigo para os privilégios
do Estado e da classe hegemônica.
A escola, inserida no sistema capitalista de produção econômica, incorpora e
reproduz alguns elementos desse sistema. Além de conhecer as condições internas
que determinam a organização da escola, é preciso compreender contextos mais
amplos como os sistemas econômico e político no qual a escola está inserida.
Assim, o professor, inserido na escola capitalista, precisa ter claro na mente
os limites da atual escola e o projeto de sociedade pelo qual luta. Para Freitas
(2010), o professor deve compreender que a escola é apenas uma das instituições
educativas em uma sociedade responsável pela formação da juventude e que os
conteúdos tratados na escola devem ter origem na vida, social e natural,
sistematizados pelas ciências em forma de conceitos, procedimentos e categorias e
não devem ter suas contradições negadas.
Entendendo o trabalho de forma ampla, como meio de construção da vida,
pelo qual o homem transforma a natureza e a si mesmo de forma criativa, a escola
deve contribuir para a formação de sujeitos para além do mercado de trabalho, de
modo que estudantes possam se fundamentar científica, política, filosófica e
artisticamente como preparação para o mundo do trabalho.

O par conteúdo/metodologia e o conhecimento lutas

Tendo em vista a perspectiva de sociedade socialista/comunista, apresenta-


se indicações para proposições no campo do par dialético conteúdo/metodologia
com o ensino das artes de combate na formação inicial em Educação Física.
Entende-se que, além dos fundamentos técnico-desportivos, é importante
compreender determinantes históricos, políticos e econômicos que influenciam na
organização do trabalho pedagógico em sala de aula.
Desta forma, a formação pedagógica e a formação científica devem andar
juntas, porque a pesquisa é a base para o ensino. Para ensinar é preciso pesquisar.
Não há docência, sem discência (FREIRE, 2009). Assim, cursos de formação de

195
Corpo, Trabalho e Educação

professores devem possibilitar o contato com fundamentações científicas e


pedagógicas para que os futuros professores não sejam meros reprodutores de
conhecimentos e tenham autonomia sobre suas práticas pedagógicas ao invés de,
simplesmente, reproduzirem aulas criadas por gestores escolares.
Para entender amplamente a OTP, historicizar as artes de combate deve ser
uma prioridade do ensino acadêmico, uma vez que possibilita a compreensão de
diversos outros aspectos como o político, o filosófico, o científico, o econômico, o
pedagógico e o técnico.
Mas é preciso levar em conta os limites da disciplina. Com uma carga
horária de apenas 80h/a, é impossível aprofundar tantas necessidades acadêmicas.
Todavia, essa disciplina é apenas um começo, uma vez que o presente estudo trata
da formação inicial. Estudos mais aprofundados são de responsabilidade de pós-
graduações. O dever da formação inicial é oferecer indicativos para futuros
aprofundamentos em formações continuadas.
Aqui se defende uma organização do trabalho pedagógico baseado num
outro projeto de sociedade, ou seja, entende que o ensino deve instrumentalizar os
educandos para lutas sociais mais amplas, procurando, como afirmou Medina (apud
TAFFAREL, 1993), interpretar a realidade dinamicamente, dentro de uma realidade,
sem considerar fenômeno algum de forma isolada. Entende-se que a educação deve
ser uma ferramenta para a instrumentalização e a posterior superação das lutas de
classes, como meio de transformação social, como um dos meios para a construção
de uma nova sociedade. Perspectiva que entende a necessidade de possibilitar aos
estudantes meios para desenvolver autonomia e criatividade, participando da gestão
escolar, produzindo conhecimentos e compreendendo as condições materiais
objetivas que determinam suas realidades.
Acredita-se na Pedagogia Histórico-Crítica (PHC) como a perspectiva
pedagógica mais avançada e, baseado nela, apresentar-se-á indicativos para a OTP
do conteúdo lutas na formação inicial em Educação Física. Para Saviani (1997, p.
102), “[...] a concepção pressuposta nesta visão da Pedagogia Histórico-Crítica é o
materialismo histórico, ou seja, a compreensão da história a partir do
desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da existência
humana [...]”.

196
Corpo, Trabalho e Educação

Dessa forma, o primeiro aspecto a ser tratado é a prática social, ou seja, a


compreensão das condições materiais objetivas às quais professores e estudantes
estão sujeitos. Nessa perspectiva, as Lutas se configuram como uma realidade que é
vivenciada desde o início do processo de desenvolvimento da espécie humana, como
condição necessária para a sua sobrevivência e instrumento primeira na ação
organizada da classe trabalhadora. (SAVIANI, 2009)
Em seguida, a etapa na problematização, tem-se a identificação dos
principais problemas postos pela prática social. É um momento de detecção das
questões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática social. Aqui se insere toda
a carga histórica que é negada aos indivíduos no que concerne ao conteúdo das
Lutas. O acesso aos seus fundamentos teóricos e práticos, assim como a sua história,
são conhecimentos distantes do espaço escolar e da formação em Educação Física.
Sabe-se pouco sobre as lutas, em geral apenas que se trata da mera disputa entre dois
indivíduos.
No terceiro momento, a da instrumentalização, tem-se a apropriação de
instrumentos teóricos e práticos necessários à resolução dos problemas identificados
na prática social. O conteúdo Lutas apresenta fundamentos comuns, produto da sua
formatação histórica, dentre eles cabe destacar: ataques e defesas, imobilização e
condução, domínio de ferramentas naturais e artificiais. Assim como, grande parte
das Lutas apresenta uma vinculação com conteúdos culturais de matriz filosófica e
social que garante certa unidade a elas.
O quarto passo é a catarse, “[...] momento da expressão elaborada da nova
forma de entendimento da prática social a que se ascendeu [...]. Trata-se da efetiva
incorporação dos instrumentos culturais, transformados em elementos ativos de
transformação social” (SAVIANI, 2009, p. 64). A organização do conteúdo Lutas
necessita a devida dosagem dentro da formação inicial de professores, com o
objetivo de garantir a assimilação necessária de seus traços fundamentais gerais e
sua carga teórico/histórica.
Ao final, tem-se a prática social como ponto de chegada, onde os estudantes
não mais compreendem o conteúdo em termos sincréticos, mas sim de modo
sintético. Nesse momento, os estudantes conseguem compreender a prática social de
modo tão elaborado quanto era possível ao professor (SAVIANI, 2009). O

197
Corpo, Trabalho e Educação

conhecimento acerca das Lutas deixa de ser, desse modo, uma correlação com as
práticas esportivas, nutridas de todos os valores que são particulares da sociedade
capitalista, e remete às Lutas uma carga histórico-social que fundamenta, em larga
escala, a sua existência, que moldou e está contido de modo essencial.

O CONTEÚDO LUTAS NO CEDF: INDICATIVOS PARA UMA NOVA PRÁTICA

De acordo com o atual PPP, de 2007, do CEDF/UEPA, a disciplina


Fundamentos e Métodos das Lutas (FML) está organizada no 3º semestre da matriz
curricular e possui uma carga horária de 80h/a. Os dois professores da disciplina que
foram entrevistados, serão aqui denominados de Professor I e Professor II.
Ambos os professores afirmaram que a disciplina do atual PPP oferece
pouco tempo para trabalhar com os conteúdos das lutas, principalmente no que se
refere às vivências práticas.
O Professor II afirma que os alunos, não apenas no que refere às lutas, mas
também às modalidades esportivas como futebol de campo, voleibol, basquete etc.,
têm poucas possibilidades de vivenciar esses conteúdos práticos da Educação Física
e se formam sem estar preparados para lecionarem tanto em academias quanto em
escolas. O professor sugeriu que os conteúdos voltassem a ser ministrados na
formação inicial como ocorria antes, onde os conteúdos práticos possuíam cerca de
um ano de vivências.
O Professor II propõe que, além da disciplina FML, onde são estudadas
várias lutas, deveriam existir disciplinas eletivas a partir de cada luta para que os
alunos tenham a oportunidade de escolher em que luta aprofundar seus estudos.
Exemplifica afirmando que um aluno, que escolhesse a disciplina Karatê ou Judô
como eletiva, receberia um certificado de faixa amarela no final da disciplina. Outra
proposição feita pelo Professor II é que, logo no começo do curso, os alunos
escolhessem uma luta para treinar, o que levaria o aluno, ao final do curso, além do
diploma de licenciatura, receber um certificado de faixa preta.
Constata-se que ambos os professores falam da pequena quantidade de
tempo que o curso oferece para as vivências práticas, porém nenhum deles fala da
necessidade de projetos de pesquisa para qualificar o ensino, assim como possibilitar

198
Corpo, Trabalho e Educação

maior inserção dos estudantes nas atividades de extensão universitárias.


O presente estudo não nega a importância dos fundamentos técnico-
desportivos para as aulas de Educação Física na formação inicial. Entende-se que a
universidade deve se desenvolver baseada no tripé ensino, pesquisa e extensão. Os
projetos de ensino e extensão, situados no ensino superior, devem ser pautados na
pesquisa. A pesquisa serve para qualificar o ensino dos professores universitários, e
o ensino, por sua vez, deve servir para instrumentalizar as vivências em projetos de
extensão que também funcionam como espaços para realização de pesquisas de
diversos tipos.
Compreende-se que uma disciplina como FML, onde várias lutas devem ser
tratadas em unidades, deve existir como preparação para estudos mais avançados em
disciplinas eletivas que, por sua vez, necessitam preparar os alunos para formações
continuadas. Além disso, a universidade precisa estimular o desenvolvimento de
grupos de pesquisa para fundamentar os projetos de ensino e extensão e estimular
estudantes e professores a publicarem em periódicos científicos qualificados.
Acredita-se que, inicialmente, as pesquisas históricas são fundamentais,
porque permitem uma compreensão ampla de aspectos políticos, econômicos,
epistemológicos, pedagógicos, técnico-desportivos e técnico-artísticos.
A análise das ementas de FML, em ambos PPP, não apresenta indicações de
quais lutas devem ser trabalhadas. Mas, nas entrevistas, os professores comentam
quais lutas são priorizadas. O Professor I afirmou que trabalha com o Karatê, o Jiu-
jitsu e o Judô, porque são lutas olímpicas e a Capoeira por ser brasileira. O Professor
II afirmou que trabalha com o Boxe, o Karatê, a Capoeira e o Judô, justificando que
elas foram aceitas pelo grupo de trabalho em ocasião da formulação do PPP, em
1999, e pela maior aceitação da comunidade de uma forma geral.
O Professor I organiza o seu trabalho pedagógico em duas partes. No
primeiro momento, aborda os fundamentos históricos e, no segundo, os alunos
entram em contanto com conhecimentos práticos sobre fundamentos técnico-
desportivos. Para ele, não cabe a esta disciplina a formação de faixas pretas e de
lutadores de Boxe e Capoeira. Ele entende que o objetivo da disciplina é preparar os
alunos para trabalharem na escola de modo que suas aulas sirvam para que os alunos
de ensino básico criem gosto pelas lutas e, posteriormente, procurem por academias.

199
Corpo, Trabalho e Educação

Para o Professor II, a disciplina não é voltada para a competição, então são
abordados principalmente os fundamentos técnico-desportivos. Na entrevista, o
professor afirmou que os fundamentos técnicos trabalhados são andar no dojô,
cumprimentar, amarrar a faixa, aprender a cair, aprender a derrubar,
estrangulamentos e chave de braço.
O Professor II é mestre de Judô e na fala sobre organização do trabalho
pedagógico acabou dando ênfase nos fundamentos técnicos desta arte de combate
japonesa. Entretanto, na pergunta sobre ementas, embora nas ementas não exista
indicação de quais lutas devem ser trabalhadas, o professor afirma que a disciplina
está organizada em unidades (Karatê, Judô, Boxe e Capoeira).
Fica explícito diferenças entre as organizações do trabalho pedagógico entre
os professores. O Professor I não trabalha com Boxe, mas trabalha com Jiu-jitsu,
enquanto que, no caso do Professor II, a situação é inversa, não trabalha com o Jiu-
jitsu, mas trabalha com Boxe. O Professor I afirmou que trabalha com fundamentos
históricos, enquanto que o Professor II falou apenas dos aspectos técnico-
desportivos. Foi o Professor II quem afirmou que o curso trabalha muito com teoria,
em detrimento da parte prática.
Ambos consideram importante oferecer aos alunos da formação inicial em
Educação Física conhecimentos sobre Capoeira, Judô e Karatê. Porém, nenhum
professor falou sobre a importância de apresentar as características técnico-
desportivas e históricas em comum entre as lutas trabalhadas na disciplina, ou seja,
não há, explicitamente, uma unidade entre os conteúdos.
Portanto, fica expresso no plano teórico que o conteúdo lutas, no
CEDF/UEPA, é desenvolvido sem realizar a devida articulação com a crítica ao
esporte de rendimento e de que modo a esportivização incidiu nas lutas, em especial,
nas artes de combate japonesas (Karatê e Judô) e na Capoeira. Assim como, é
possível constatar, que não há articulação do trato desse conteúdo com as suas
possibilidades de uso para o ambiente escolar, ou ainda, para o processo de iniciação
a esse conteúdo.
Abordar o conteúdo lutas na formação inicial com vistas a construir uma
base para tratar pedagogicamente esse conteúdo no espaço da escola implica em
identificar o que se configura como fundamentos das lutas. Compreende-se que uma

200
Corpo, Trabalho e Educação

disciplina de bases, como FML, precisa tratar o que garante unidade ao conteúdo, ou
seja, o que identifica esse conteúdo, que aqui se defende os seguintes conteúdos:
ataques e defesas, imobilização e condução, domínio de ferramentas naturais e
artificiais.
Essas formas gerais para o conteúdo lutas contribuem para consolidar a base
que identifica os seus fundamentos. Uma disciplina inicial precisa garantir essa
formação. Permeia, ainda, a necessária diferenciação entre os esportes e o campo das
lutas, que apresenta diferenças históricas e necessitam ser situadas. A base para
grande parte das lutas, e aqui se prioriza o bloco das artes de combate japonesas e a
Capoeira, perpassam por uma dada concepção de sociedade e apresentam densidade
histórico-social particular que são distintas dos fundamentos dos esportes.
Essa disciplina base precisa ser prosseguida por uma de aprofundamento,
que garanta uma subunidade do que foi abordado na disciplina de fundamentos.
Como são dois grandes blocos de disciplinas, um de caráter oriental e outro de
caráter nacional (há possibilidade de tratar lutas regionalizadas como a agarrada
marajoara), disciplinas de aprofundamentos garantiriam um detalhamento desses
blocos, em que seria possível abordar em profundidade as suas bases históricas,
sociais e culturais, assim como os fundamentos técnicos gerais, a partir dos
conteúdos unitários abordados na disciplina de fundamentos, com a garantia de se
visualizar bases metodológicas para tratar pedagogicamente esse conteúdo.
Por fim, em nível de especialização em cada luta, cumpriria o papel de
garantir a vivência em cada luta desses dois blocos com o objetivo de ampliar o
domínio técnico sobre as movimentações particulares. As bases universais já seriam
do domínio dos estudantes no processo de formação de professores, a esse bloco de
disciplinas a especialização consolidaria o domínio sobre a luta selecionada.
Elabora-se, dessa forma, o processo de construção do conhecimento lutas a
partir da crítica radical ao processo de esportivização, garantindo o resgate da sua
densidade histórico-social, assim como possibilita que o futuro professor saiba
organizar o trabalho pedagógico a partir de uma clara perspectiva pedagógica, em
que se valoriza o processo de problematização do conhecimento para aborda-lo no
ambiente escolar.

201
Corpo, Trabalho e Educação

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa se lançou à analisar a realidade e as possibilidades de


organização do conteúdo lutas na formação de professores de Educação Física do
CEDF/UEPA para o trato desse conhecimento no ambiente escolar e à apresentar
indicativos para uma organização pedagógica superadora.
As análises das entrevistas dos professores da disciplina FML e das ementas
dos PPP de 1999 e 2007 do CEDF/UEPA revelaram que a disciplina não dialoga
com projetos de pesquisa e extensão e que não apresenta uma unidade que sintetize
os fundamentos em comum entre as diversas lutas. Também deixa claro que os
professores estão mais preocupados com o aprendizado técnico-desportivo do que
com fundamentações filosóficas, históricas e pedagógicas.
Alem do mais, não deixa explícito a crítica ao esporte de alto rendimento e
de como a esportivização incidiu nas lutas. Assim como, não enfatiza a necessidade
em diferenciar os esportes das lutas, sendo que cada um apresenta densidades
histórico-sociais que precisam ser devidamente compreendidas.
Esclarece, também, que apenas a disciplina FML não é suficiente para dar
conta da complexidade do conteúdo lutas na formação inicial em Educação Física e
que há necessidade da existência de outras disciplinas, obrigatórias e/ou eletivas,
específicas em cada arte de combate para que os alunos compreendam com maior
propriedade os conteúdos específicos de cada luta.
Entende-se que, em um curso superior de formação inicial de professores,
fundamentos históricos, filosóficos e pedagógicos sejam conhecimentos essenciais,
sem negar fundamentações técnicas, técnico-esportivas e artísticas, no caso da
Educação Física. Da mesma forma, realizar e compreender a crítica ao esporte de
rendimento e a necessidade de resgate dos fundamentos das lutas articulado com a
organização do trabalho pedagógico no processo de formação de professores desse
conteúdo.
Assim, aponta-se para a necessária organização de uma disciplina que
trabalhe os fundamentos das lutas em uma unidade, que apresente o que há de
comum entre as diversas lutas, oferecendo subsídios para estudos mais avançados
em disciplinas optativas que, por sua vez, devem preparar os alunos para a

202
Corpo, Trabalho e Educação

intervenção no ensino escolar e para formações continuadas em cursos de pós-


graduação.

The fight content in the Physical Education teachers’ formation in CEDF/UEPA for
intervention in school education

Abstract: This study aims to analyze the reality and possibilities of organization of the fight
content in teachers' formation of the Physical Education Course (CEDF) at the State
University of Pará (UEPA) for the usage of this knowledge in the school environment and
show indications for an overcoming pedagogical organization. Thus, it rescues the historical
concepts of sports and it makes a historical contextualization of some combat arts (karate,
judo, and capoeira), it presents theoretical foundations about pedagogical work and combat
arts. It was analyzed interviews made with teachers who teach Fundamentals Methods of
Fights (FML) and the descriptions from the Political Pedagogical Project of CEDF/UEPA
(1999 and 2007). It reveals the discipline does not articulate teaching, research, and
extension, also that teachers are more interested in technical knowledge and do not present a
unit that synthesizes the foundations in common between different combat arts, they do not
criticize performance sport and do not emphasize the need for differentiating sports from
fights. It concludes the discipline it is not enough to approach the whole complexity of the
fight content and it points to a necessary organization of a discipline which develops the
foundations of fights as a unit, presenting common aspects between the various combat arts
and criticizes the logical of the performance sports, offering subsidies for more advanced
studies in other disciplines, in which should prepare the students for intervention in school
education and for postgraduate courses.
Keywords: Teachers’ Formation. Organization of Pedagogical Work. Fights Knowledge.

REFERÊNCIAS

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203
Corpo, Trabalho e Educação

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cidadania. São Paulo: Phorte, 2008.

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Campinas, Campinas, 1993.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa


qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

204
Corpo, Trabalho e Educação

As lutas como técnicas corporais e as contribuições para o ensino na


Educação Física escolar

José Pereira de Melo (UFRN) 44


Rodolfo Pio Gomes da Silva (UFRN) 45

Resumo: Analisamos o conhecimento luta enquanto parte de uma tradição cultural,


concebido nos costumes, valores e hábitos socialmente acumulados e desenvolvidos pelas
necessidades mais básicas até as mais complexas durante a existência humana. O artigo tem
como objetivo analisar as incursões teóricas e conceituais sobre a técnica corporal em Mauss
(1981) e o ensino das luta, a fim de contribuir para as aulas de educação física escolar.
Sistematizamos as reflexões em dois momentos: 1 - aproximações teóricas e conceituais
sobre corpo, a partir das discussões sobre técnica corporal em Mauss (1981); 2 - elementos
históricos, conceituais e teóricos da luta enquanto tradição simbólica e cultural.
Consideramos que a dimensão cultural da luta está relacionada com a forma da organização
social; que na luta toda técnica propriamente dita tem a sua forma de comunicação pela
linguagem do corpo; e que o corpo é o instrumento e objeto na luta.
Palavras-chave: Lutas. Técnicas corporais. Educação Física Escolar.

INTRODUÇÃO

A produção do conhecimento em torno da luta e das modalidades de


combate apresenta uma variada contribuição para a educação física escolar - EFE,
desde as discussões sobre a constituição do currículo e das diretrizes para essa
disciplina; dos sentidos e significados sobre os elementos históricos e filosóficos da
Luta; da legitimidade e compreensão dos símbolos da capoeira na caracterização da
prática escolar, enquanto defesa da cultura afro-brasileira nas escolas, por exemplo.
Nossa experiência profissional em cursos de formação inicial e em
assessorias pedagógicas de professores de Educação Física destaca que, embora os
professores considerem a luta um conteúdo de ensino da EFE e insistam na sua
importância para as experiências corporais dos alunos na escola, apresentam dúvidas
sobre as formas de sua materialização nas aulas. Os professores justificam que, por
terem pouca ou nenhuma formação técnica para a organização das aulas e as
demandas relativas ao uso do corpo como uma representação social vinculada a
briga e a violência, sentem dificuldade no trato pedagógico da luta. Constatamos que

44
Doutor em Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
E-mail: jose.pereira.melo@uol.com.br
45
Doutorando em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
E-mail: rodolfo.edfisica@hotmail.com

205
Corpo, Trabalho e Educação

a relação corpo e luta são questões que precisam de um aprofundamento teórico e


conceitual, no intuito de explorar possibilidades pedagógicas para o acesso das
experiências corporais dos alunos nas aulas de EFE.
Concordamos que os professores precisam de uma formação pedagógica que
garanta o uso das técnicas do corpo como expressão de linguagem da luta nas aulas
de EFE. Torna-se, premente, a nosso ver, que o conhecimento do corpo nas lutas
precisa veicular os sentidos e significados atribuídos pelos homens e mulheres na
dinâmica cultural. Entendemos que a técnica corporal de cada luta serve para
representar as tradições do uso do corpo num dado contexto social e sobre uma
necessidade cultural, bem como para diferenciar uma expressão corporal de outra no
momento pedagógico da aula, mas não para ser um referencial técnico que deve ser
vivido sem uma reflexão crítica.
Assim, tratar a luta na escola, como sinônimo de briga e violência é
desconsiderar toda uma dinâmica social que interfere na consciência coletiva e
individual de cada grupo social em torno dos motivos que levem às brigas e à
violência na sociedade. Embora haja brigas em algumas torcidas organizadas, dentro
e fora dos estádios de futebol, por exemplo, não é vinculado o futebol como uma
experiência que intensifica a violência, e muito menos o inibe de ser praticado na
escola e nas aulas de EF. Muito pelo contrário. Os alunos adoram o futebol. Se há
alguma desavença, rapidamente é resolvida, e o jogo continua. Os próprios alunos
criam e executam seus sistemas de regras para que o jogo de futebol não seja
interrompido. Na partida, há as experiências corporais, os problemas e os conflitos,
mas também há a criação e o controle das regras para o bom funcionamento do jogo.
E por que isso não acontece nas lutas? Pela falta das experiências corporais nas aulas
de EF? Ou pela ausência de reflexão teórica e conceitual sobre o corpo e as lutas nas
aulas de EF?
Nossa intenção, neste texto, consiste em discutir as experiências
pedagógicas dos professores no trato das lutas na escola, considerando as discussões
sobre o corpo, de modo mais particular o conceito de técnicas corporais defendido
por Mauss (1981), que parece ampliar as possibilidades de entender o uso do corpo
nas diversas necessidades sociais das pessoas no cotidiano, incluindo as lutas.
Analisamos, porém, o conhecimento luta enquanto fenômeno cultural,

206
Corpo, Trabalho e Educação

concebido nos costumes, valores e hábitos socialmente acumulados e desenvolvidos


pelas necessidades mais básicas até as mais complexas durante a existência humana.
A compreensão sobre os elementos históricos, epistemológicos e pedagógicos
investigados em torno do conhecimento Luta contribui para as reflexões sobre
educação física escolar, bem como ressignifica a compreensão do termo e suas
implicações para o trato metodológico nas aulas. Esse processo explica os
significados historicamente produzidos pelos seres humanos nas manifestações e
expressões corporais, nas relações com a natureza, com os homens e consigo
mesmo.

A NOÇÃO DE TÉCNICA CORPORAL DE MARCEL MAUSS

No campo da sociologia e antropologia, surge Marcel Mauss, tratando das


técnicas do corpo. Sua análise teórica possibilita compreender o homem nas
diferentes situações específicas do viver socialmente. É diante das características
culturais sobre as técnicas do corpo que explicamos as manifestações sociais dos
homens e mulheres. Podemos conceituar as técnicas corporais como “[...] maneiras
pelas quais os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional, servem-
se de seu corpo. Em todo caso, convém proceder do concreto ao abstrato, não
inversamente” (MAUSS, 1981, p. 401).
Usamos como subsídio as técnicas do corpo para explicar que a dimensão
cultural da luta está relacionada com a forma da organização social. Podemos
considerar que, na luta, “[...] toda técnica propriamente dita tem a sua forma. Mas o
mesmo vale para toda atitude do corpo, cada sociedade tem seus hábitos próprios”
(MAUSS, 1981, p. 403). Os modelos corporais da luta impostos socialmente não são
questionados de forma crítica, principalmente quando nos aproximamos das
questões voltadas para as modalidades esportivas de combate. Mesmo os padrões
técnicos da cultura esportiva de alto rendimento perpassam por uma técnica do
corpo. No entanto, o comum nessas práticas é a imitação prestigiosa, na qual,
segundo Mauss (1981, p. 405) “o indivíduo assimila a série dos movimentos de que
é composto o ato executado diante dele ou com ele pelos outros”, isso porque “o
corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. [...] o primeiro e o mais
natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é o seu corpo”

207
Corpo, Trabalho e Educação

(MAUSS, 1981, p. 407).


Dessa forma, é na relação cultural sobre as técnicas do corpo na luta que são
reveladas as expressões simbólicas, morais, intelectuais que os seres humanos
adquiriram no acúmulo de experiências consigo mesmos, com a natureza e com
outros seres vivos. Nesse processo, não podemos interpretar e confundir a noção de
técnica corporal diante da presença necessária de um instrumento que auxilie ou
reproduza o próprio movimento. No entanto, a técnica transcende a questão
instrumental e da reprodução do movimento pela ação corporal. Os seres humanos
devem ser analisados do ponto de vista social e cultural. O que acontece não é uma
reprodução da técnica corporal pelo movimento, mas uma ampliação do gesto
técnico pela necessidade expressada pelo contexto vivido. Por isso,

Chamo de técnica um ato tradicional eficaz (e veja que isso não difere
do ato mágico, religioso, simbólico). Ele precisa ser tradicional e
eficaz. Não há técnica e não há transmissão se não houver tradição. Eis
em que o homem se distingue antes de tudo dos animais: pela
transmissão de suas técnicas e muito provavelmente por sua
transmissão oral. (MAUSS, 1981, p. 401, grifo do autor).

As técnicas corporais devem ser observadas da mesma forma que “[...] um


historiador o faz ao trabalhar com um documento, isto é, trato-o como um ‘registro’
histórico. Assim, na observação do uso técnico do corpo, é possível identificá-lo
como um documento histórico em que registra uma história, a história do gesto”
(RODRIGUES, 2000, p. 66). É a dinâmica de compreender a evolução histórica do
gesto da luta pela condição humana.
Nesse processo, Rodrigues (2000), ao destacar a importância de pensar o
corpo social sobre os fundamentos de Mauss (1981) do ponto de vista da “imitação
prestigiosa”, “educação do sangue-frio”, “interdição” e da ampliação como
dimensões sociológicas da técnica corporal, constituiu bases teóricas para aproximar
as possíveis explicações da luta enquanto fenômeno da humanidade e que se insere
na dinâmica do jogo social e cultural. A noção de imitação prestigiosa, de acordo
com Rodrigues (2000, p. 67), “[...] significa educarmos o uso técnico do corpo tendo
com modelo alguém que possui prestígio, mas especificamente, a ‘autoridade social’
de quem realiza o movimento do corpo”, fato muito comum nas relações sociais das
práticas orientais japonesas.

208
Corpo, Trabalho e Educação

No que se refere ao âmbito escolar, o professor de Educação Física é a


autoridade social que contribui para a ampliação da técnica corporal dos alunos. De
forma alienada ou não, é na escola que boa parte dos códigos gestuais das crianças e
jovens é desenvolvida. É preciso que a luta seja tratada pedagogicamente no
cotidiano escolar, para que sirva de ampliação corporal, para levar à conscientização
crítica das novas demandas sociais da área da saúde, do esporte de alto rendimento,
da educação, etc.
A ideia de interdição de Mauss (1981) como uma dimensão da técnica
corporal pode justificar o controle do corpo na relação natural ou cultural do
homem. A capoeira e o Judô são constituídos de uma interdição política e cultural
diante dos fatores que compõem o conjunto de técnicas do corpo de cada uma dessas
modalidades de luta. A capoeira possui uma constituição política e histórica no
Brasil que lhe permite ser tratada por diferentes dimensões sociais. Seus elementos
estruturadores implicam o modo com que participa da luta na “roda de capoeira”,
denominada de jogo, de dança, uma vez que sua ideia de interdição se constituiu
historicamente e pela necessidade de disfarçar dos sistemas opressores empregados
nos diferentes momentos que fundaram a caminhada da capoeira enquanto um
elemento eminentemente da cultura do povo brasileiro.
No caso do Judô, os usos e costumes partem do acúmulo dos fatores
culturais do povo japonês. Algumas técnicas partem da posição de joelho, justificada
pelos momentos de refeição, de diálogo coletivo ou pela meditação. Por outro lado,
a preocupação com as questões filosóficas e prosperidade espiritual e mútua é um
forte aspecto que caracteriza a interdição na cultura japonesa, incidindo numa
educação do corpo e espírito para melhorar as relações com a sociedade. “Na
educação do corpo, a interdição ocorre simultaneamente com a ampliação de seu uso
técnico, pois o uso controlado é fundamental para aprendermos maneiras naturais
mais eficientes, por que não dizer, diversificadas de uso do corpo” (RODRIGUES,
2000, p. 68).
Na medida em que os seres humanos se constituem pela cultura, modificam
a natureza e ampliam as formas de se relacionar com o meio e consigo mesmos, por
isso “[...] o seu controle tornar-se necessário para o surgimento do universo da
cultura como condição de humanidade. Por outro lado, esse controle se dá também

209
Corpo, Trabalho e Educação

por meio da construção da própria noção de corpo e natureza” (DAOLIO, 1994, p.


37). Isso significa que as implicações sobre as práticas mais básicas sobre o ato de
lutar caracterizam o modo com que os fatores sociais vão interferindo na cultura
humana e vice-versa. Partindo da noção de natureza provocada pela técnica do
corpo, os seres humanos ressignificam a sua própria existência.

O homem, por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando dos


valores, normas e costumes sociais, num processo de inCORPOração (a
palavra é significativa). Diz-se corretamente que um indivíduo
incorpora algum novo comportamento ao conjunto de seus atos, ou
nova palavra ao seu vocabulário ou ainda, um novo conhecimento ao
seu repertório cognitivo. Mais do que um aprendizado intelectual, o
individuo adquire um conteúdo cultural, que se instala no seu corpo, no
conjunto de suas expressões. Em outros termos, o homem aprende a
cultura por meio de seu próprio corpo. (DAOLIO, 1994, p. 40).

Na luta, o aprendizado não é apenas pelo fator constituído historicamente


pelo conjunto de técnicas desenvolvidas em diversas necessidades sociais, que
muitas vezes compõe parte de conflitos intensos, mas incorpora as raízes culturais.
A necessidade de entender os costumes e os fatores históricos da luta perpassa pelo
profundo mergulho do estudo sobre a técnica do corpo. O “[...] mais importante do
que constatar, relacionar e classificar as diferentes manifestações corporais é
entender o significado desses componentes num contexto social”. O Karatê foi uma
prática que precisou ser modificada pelas condições objetivas do jogo social a que
estava submetida. Com a proibição das modalidades de luta mediante o uso de armas
em Okinawa, entendidas enquanto uma ameaça política dos lutadores pelas
autoridades ficou restrita, por todo o país, a prática das lutas que utilizavam armas.
Os adeptos mais antigos não pararam de praticar outras formas de luta. No
entanto, a técnica corporal empregada se estabeleceu por outro padrão: o uso das
mãos. Desde então, foram praticadas outras formas de exercitação do corpo, através
de ação de ataque, defesa e controle. Uma delas foi denominada de Karatê-do, que
significa caminho das mãos vazias. Foi na dinâmica sociocultural dos seres humanos
pela prática do Karatê que se mudou toda a técnica do corpo empregada na prática.
Consequentemente, ampliaram-se os fundamentos que compõem as estratégias dessa
luta.
A mesma situação aconteceu com a prática da capoeira diante da repressão

210
Corpo, Trabalho e Educação

política e ideológica que o Brasil subsidiava em sua construção cultural. Para essa
luta, as situações foram ainda mais intensas, pois segundo Cordeiro et al. (2005, p.
210) “uma das primeiras medidas do governo republicano brasileiro foi a proibição
das práticas populares, dando ênfase ao Código Penal de 1890 (Art. 402 do Decreto
nº 847, de 11 de outubro)”. Foi uma ação para impedir “[...] aos vadios e capoeiras,
que passaram a ser perseguidos pela polícia da época”, praticar, livremente, a
capoeira. No entanto, as técnicas corporais empregadas no uso dos escravos e/ou
adeptos dessa luta necessitaram de outras estratégias e formas que ludibriassem as
autoridades. Para isso, ocorreu uma ampliação dos códigos gestuais, possibilitando
que a capoeira tivesse uma visibilidade maior historicamente através da articulação
com outras manifestações populares presentes na cultura brasileira, como foi o caso
do frevo, do maracatu, do maculêle.
Dessa forma, o conhecimento é passado através das experiências do corpo e
compreendido internamente pelo corpo. Mesmo depois de várias décadas, há uma
condição de a luta da capoeira ser contextualizada e vivida organicamente. Muitas
das explicações sobre os costumes dessa luta são repassadas nas práticas diárias dos
capoeiristas com o seu mestre. Fato parecido tem sido no Judô, em que os princípios
filosóficos estão na essência de cada prática e transmitidos na intervenção do
sensei46 para o aluno. Segundo Kano (2008), aquele que pratica Judô na dimensão
mais ampla precisa contribuir com o seu treinamento físico e mental para o bem da
sociedade. Os princípios da suavidade (Do), da prosperidade e benefícios mútuos
(Jita Kyoei) e o melhor uso da energia (Seiryoku Zenyo) empregados na prática do
Judô são incorporados na prática cotidiana e nos intensos treinamentos, em que se
articula com as próprias técnicas aplicadas no momento da projeção, mas não é o
seu fim principal.
A arte marcial, enquanto prática de luta do Oriente, tomando como exemplo
o Judô, transcende a questão da técnica do corpo e de seus sistemas complexos de
ataque, defesa e controle na aplicação do movimento técnico durante a luta. As

46
Palavra que significa professor em japonês ou uma pessoa que acumulou várias
experiências a nível técnico, filosófico e das ciências médicas. Porque, segundo Reid e
Croucher (1983), sensei é um mestre e especialista nas práticas orientais antigas do Japão
que tinha domínio nas ciências médicas.

211
Corpo, Trabalho e Educação

razões e a constituição moral da cultura oriental47 que serviram de pressupostos para


o combate materializar-se na compreensão sobre a educação moral, intelectual e
filosófica dos seres humanos que viveram diferentes momentos históricos, e esse
processo, na Luta, caracterizam-se pela educação do corpo, ou, como revela Mauss
(1981), pelo movimento de interdição, simplesmente, pelo fato de que na Luta, “[...]
esses gestos são transmitidos de uma geração para outra, dos pais para os filhos,
enfim, de pessoas para pessoas, num processo de educação” (DAOLIO, 1994, p. 46).
O Judô se originou como uma luta que levou em consideração o respeito, a
solidariedade, a necessidade de pensar no outro, partindo do ponto de vista da
sensibilidade humana, da questão da moral e benefícios mútuos, fatores essenciais
para a consolidação de uma sociedade mais crítica e próspera.
Destaca-se que Jigoro Kano48 teve formação consistente nas estruturas
técnicas e táticas do Ju-Jutsu e experiências com mestres antigos do Japão, além de
uma rica formação intelectual e acadêmica que garantiu um pensamento humanizado
e pedagógico para o Judô. Isso lhe permitiu estar à frente de sua época. Essas
características contribuíram para a criação do Judô no emprego de princípios básicos
de aplicação das técnicas, na ampliação do sentido filosófico dos objetivos dessa
nova luta, diante da superação de si mesmo, no cuidado de selecionar as melhores
técnicas, a fim de envolver o maior número de adeptos.
No entanto, essas não foram as qualidades essenciais entendidas por Jigoro
Kano como principal meio para divulgar o Judô, mas a condição de levar a prática
do Judô como uma necessidade vital para as relações sociais. Esse processo se
materializou pela formação e conhecimento intelectual de Jigoro Kano49. Formado
pela Universidade Imperial de Tóquio, com graduação em literatura, ciência política
e economia política, teve em sua trajetória pessoal a formação acadêmica que o
ajudou a estruturar significativamente os pressupostos do Judô.

47
Tomamos como exemplo a cultural oriental, apenas porque o Judô está inserido nesse
contexto social, mas a análise sobre a transcendência dos sistemas de técnicas corporais da
luta, enquanto ações de ataque, defesa e controle materializam-se na dinâmica
epistemológica com outras modalidades de luta.
48
Jigoro Kano é o criador do Judô. Fundou, em 1882, a primeira escola de Judô, a Kodokan,
que significa Escola do Caminho Fraterno.
49
Para um aprofundamento maior sobre a formação profissional e pessoal do criador do
Judô, Jigoro Kano, consultar Kano (2008) e Virgilio (2002).

212
Corpo, Trabalho e Educação

Mesmo estando o Judô nas dimensões de uma modalidade olímpica, a


intenção não consistia na supremacia da técnica, imprimindo o uso da força física na
aplicação dos fundamentos do Judô. Mas sim de expressar o valor simbólico do ser
humano em suas conquistas e realizações sociais: o uso da melhor forma física e
mental dos homens e mulheres que viessem a contribuir com a sociedade antes de
qualquer encaminhamento.
Os princípios filosóficos revelados nas práticas das lutas orientais, segundo
Stevens (2007), Virgilio (2002) e Franchini (2010), materializam-se por uma
educação que estabelece sentidos na vida das pessoas, por meio de experiências que
contribuem para as relações sociais mais agradáveis. Em outras palavras, para o
viver bem socialmente. Consideramos que o homem

Moldado pelo contexto social e cultural em que o ato se insere, o corpo


é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é
construída: atividades perceptivas, mas também expressão dos
sentimentos, cerimoniais dos ritos de interação, conjunto de gestos e
mímicas, produção de aparência, jogos sutis da sedução, técnicas do
corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o sofrimento, etc. (LE
BRETON, 2010, p. 07).

O vetor semântico é caracterizado como a reflexão dos significados


construídos pelos homens e, na luta, o ponto de partida é a estrutura corporal como
linguagem. Incide sobre a relação entre significantes nas representações morais,
intelectuais e corporais. No caso das modalidades de luta, muitos adeptos se
aproximam do boxe, da capoeira, do Karatê, pelo sentido hegemônico de sobressair-
se em relação aos que menos habilidades técnicas possuem. No entanto, o vetor
semântico da luta está ligado à essência humana historicamente organizada e
transmitida. Em relação à compreensão sobre os motivos que levaram os seres
humanos a lutar, Le Breton (2010) amplia as reflexões, destacando que é pela
corporeidade que os seres humanos fazem do mundo a extensão de sua experiência.

REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DAS LUTAS

Consideramos que a história possibilitou a constituição cultural dos seres


humanos através dos conflitos e contradições sociais, expressando os sentidos e
significados corporais, a dimensão ética e filosófica da relação homem com o

213
Corpo, Trabalho e Educação

próprio homem, homem e sociedade, e homem com outros homens, levando a


estruturar certos conceitos das manifestações humana sobre a luta. No entanto,
“talvez não seja possível encontrar consensos em relação às definições de cada uma
das terminologias, porque, provavelmente, não é possível definir o que são lutas”
(RUFINO, 2012, p. 38). Os termos axiológicos e polissêmicos, empregados para
conceituar a luta, são a prova da constituição dos valores e produção cultural dos
seres humanos para tornar esse conteúdo da Educação Física um fenômeno. Para nós
é possível atentar para a compreensão e o objetivo dos termos utilizados para
caracterizar esse fenômeno sem cercear seus valores simbólicos.
Nossa intenção é trazer reflexões e inquietações aprofundadas para
enriquecer o debate sobre as implicações históricas e teóricas do ponto de vista
conceitual e epistemológico, assim como na organização de elementos pedagógicos
que auxiliem a luta nas diversas experiências corporais humanas.
Consideramos que a luta é um “[...] fenômeno tão dinâmico, tão múltiplo e
plural, que defini-la seria, em parte, uma forma de limitar o entendimento”
(RUFINO, 2012, p. 38). No entanto é imprescindível uma reflexão ampliada das
representações sociais do ato de lutar pelos homens e mulheres ao longo da evolução
da humanidade.
Nessa relação de pontuar e analisar profundamente os termos empregados
para o ato de lutar, considerando que

Na história da humanidade registra-se que o homem sempre expressou


gestos motores para mostrar superioridade frente às exigências do meio,
seja por sobrevivência, por superação de inimigos ou para manutenção
do espaço territorial. Os diversos momentos da evolução do homem
podem evidenciar, de certa forma, uma transição no aperfeiçoamento
dos gestos e sua organização no sentido de regulamentá-los em formas
mais elaboradas até caracterizar o que denominamos de artes marciais
na atualidade. (MELO et al., 2010, p. 105).

As representações que os seres humanos construíram ao longo da evolução


da espécie, incidindo na origem humana, nas características históricas de diferentes
momentos culturais, implicaram a constituição dos termos teóricos e filosóficos
denominados enquanto Luta, Arte Marcial e Esporte de Combate. A ideia não é
construir um conceito pronto, acabado e preciso, mas entender por que a

214
Corpo, Trabalho e Educação

humanidade caracterizou, em suas necessidades culturais, diferentes empregos


conceituais para denominar a luta.
A discussão adentra na necessidade de o homem construir sua identidade
cultural pela luta. É comum o termo Luta estar no diálogo recorrente e dinâmico do
jogo social, isso “[...] implica um investimento diversificado de representações e
significados, o que por sua vez, lhe confere uma dimensão polissêmica”
(FRANCHINI, 2010, p. 01).
Consideramos, segundo Gomes (2008, p. 01), que “[...] as Lutas trazem para
o mundo da educação física parcelas de tradição, religião, cultura, filosofia, rituais,
disciplina [...]” carregados de sentidos e finalidades que passam pelos “[...] aspectos
relacionados ao corpo, movimentos, passíveis de serem transmitidos, preservados e
reorganizados às necessidades de cada contexto” até aos conflitos e contradições no
jogo político e econômico.
Considerando que o fenômeno Luta abrange uma série de modalidades
institucionalizadas, regidas pela tradição histórica, passando “[...] pelo processo de
criação de técnicas baseadas nas regras de cada uma, isso foi aprendido pelos
praticantes, tornou-se tradição e vem sendo transmitido nas mais diferentes culturas”
(GOMES, 2008, p. 01). Houve a preocupação de as gerações primitivas revelarem
condições de ampliar as estratégias e motivos para o homem lutar. Esse processo
sofreu mudanças durante a evolução da humanidade. No entanto, “cada modalidade
carrega consigo sua história, sua origem, sua vestimenta, suas tradições e
características que competem a cada manifestação de Luta” (GOMES, 2008, p. 10).
Mesmo com os princípios condicionais integrados à cultura de cada geração,
no intuito de analisar as formas de sobrevivência ou compreensão dos hábitos
sociais dos seres humanos, “[...] existem fatores que diferenciam uma modalidade da
outra e até uma única modalidade pode ter diferentes vertentes. Porém, a dinâmica
interna e algumas técnicas tradicionais de cada uma, muitas vezes, podem ser
comuns a outras modalidades” (GOMES, 2008, p. 10). É diante dessa reflexão que
os pressupostos teóricos sobre a luta modificam constantemente, ora entendida
enquanto Arte Marcial e Modalidade Esportiva de Combate. Esse processo acontece
porque o homem está em constante processo de construção de si mesmo, e na
medida em que modifica a estrutura política e social, muda toda a relação do homem

215
Corpo, Trabalho e Educação

com ele mesmo e com a sociedade.


É dinâmica e instável a compreensão sobre o sentido da palavra luta, uma
vez que se direciona para “[...] diferentes significados, de acordo com o contexto na
qual é empregada, possibilitando várias possibilidades de uso” (RUFINO, 2012, p.
17), mas a articulação conceitual com referência filosófica e epistemológica
apresenta-se como condição imprescindível para a ampliação, não só do conceito,
mas também do sentido imposto. Diante disso, ainda que os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) da Educação Física sejam um documento legal e sirvam para
nortear a construção de algumas práticas curriculares e pedagógicas dos professores
da área, não podemos cair no puro relativismo ou engessamento conceitual,
compreendendo que o conceito de luta se restringe, exclusivamente, às “[...] disputas
em que os oponentes devem ser subjugados mediante técnicas e estratégias de
desequilíbrio, contusão, imobilização ou exclusão de um determinado espaço na
combinação de ações de ataque e defesa” (BRASIL, 2000, p. 48).
A luta, em sua dimensão ontológica, consiste na relação direta com a
cultura, com a natureza, com o movimento. Os conceitos e características do
conhecimento da luta têm estreitas afinidades com as esferas simbológicas
religiosas, antropológicas, éticas, morais. E isso é o que permite o homem ser
diferente do animal ou do ser irracional, porque, diferentemente do homem e da
mulher, o animal não atribui cultura e representações simbólicas às suas
manifestações com o jogo, com a luta e outras formas com que o homem organizou
e sistematizou valores e significados.
É nesse sentido que concordamos com Soares et al. (2009, p. 74), quando
afirma, por exemplo, que “a capoeira encerra em seus movimentos a luta de
emancipação do negro no Brasil escravocrata. Em seu conjunto de gestos, a capoeira
expressa, de forma explícita, a ‘voz’ do oprimido na sua relação com o opressor”.
Sem nenhuma intenção de gerir um conceito para a luta, ela avança no sentido de
estabelecer relações diante das dimensões sociológicas que vão além dos
movimentos técnicos que fundamentam a expressão corporal, pois dão sentido aos
significados corporalmente estabelecidos pelos negros na esfera política e ideológica
em que o país se encontrava no tempo da escravidão. Tal época expressa certa
discriminação e preconceito com algo cultural de homens e mulheres que viveram

216
Corpo, Trabalho e Educação

numa situação socialmente desprovida de regalias, em que o único bem material era
estabelecido na preservação das relações religiosas enquanto bem cultural.
Acreditamos que “seus gestos, hoje esportivizados e codificados em muitas
‘escolas’ de capoeira, no passado significaram saudade da terra e da liberdade
perdida; desejo velado de reconquista da liberdade que tinha como arma apenas o
próprio corpo” (SOARES et al., 2009, p. 75), que advinha de sua força a
possibilidade de tornarem-se livres enquanto seres de cultura, costumes e crenças.
Esses elementos apontam a própria história do povo brasileiro e de suas conquistas
pela luta. Nesse diálogo, diante da preocupação com os termos e com os usos
empregados para caracterizar as representações que a capoeira simboliza enquanto
uma luta, passa-se pela preocupação em resgatar a historicidade, de forma orgânica,
que cada manifestação de luta consiste, sua expressividade corporal com os seres
humanos na contemporaneidade, problematizando suas implicações atuais diante do
confronto da origem e história desse fenômeno, bem como nas ações fundamentais e
pedagógicas que levem a uma nova síntese dessa luta, criando e recriando novos
usos do corpo para lutar.
É preciso, segundo Santos (2009, p. 04), compreender que os estudos da
linguagem corporal, historicamente construídos e ressignificados pelos homens e
mulheres, contribuem na compreensão do corpo e das práticas culturais. Portanto
“tais estudos devem considerar que os sujeitos são situados num contexto histórico e
cultural específico, ou seja, os sentidos/significados das práticas corporais
estabelecem-se e desdobram-se num sujeito imerso em cultura”.
Sendo assim, consideramos que “o significado dos atos realizados por um
grupo é justificado pela cultura presente naquele grupo e naquele tempo. Nesse
sentido, as práticas surgem e manifestam-se segundo parâmetros da sua sociedade,
da sua cultura, do seu tempo (SANTOS, 2009, p. 05). Nessa relação “o corpo é uma
ponte entre o ser humano e sua cultura”. Podemos pensar que a luta é caracterizada
por “[...] um signo que se estabelece entre o sujeito e a cultura. O corpo é do ser
humano, assim como é da cultura. O corpo como uma forma de mostrar o sujeito e a
cultura, uma imagem que mostra a sociedade!” (SANTOS, 2009, p. 05).
A dinâmica de transmissão de experiências significativas de uma geração
para outra não tinha o intuito de sistematizar elementos de ataque, defesa e controle

217
Corpo, Trabalho e Educação

como um fator institucionalizado para a luta, mas de sobressair-se das situações


mais inusitadas e perigosas. Em seguida, os seres humanos se apropriaram dos
conhecimentos historicamente vividos e estabelecidos culturalmente, explicando os
fatores inerentes a sua proeminência enquanto seres históricos e racionais, diante da
compreensão do mundo vivido e sua existência concreta. Esse processo possibilitou
a sistematização de novas formas de lutas criadas pelos seres humanos.
A luta é uma fuga do contexto real, ou seja, daquilo que é vivido
cotidianamente. Os seres humanos não vivem em constante luta, no que se refere à
expressividade das técnicas corporais, do ponto de vista da linguagem corporal. Eles
travam uma ação corporal por algum objetivo ou necessidade histórica e social e
depois retornam para sua vida normal após um confronto. Nessa relação, existem
diferentes motivos que foram estabelecidos historicamente. Hoje, há motivos tão
diversos na luta, porque a sociedade é diversa. É diante da compreensão sobre esse
conceito que tratamos a luta enquanto conteúdo a ser tratado pedagogicamente na
Educação Física na escola.
No acúmulo de informações e das necessidades utilitaristas, de domínio dos
fatores culturais da natureza e dos animais pelos homens, pela sua forma de
organização e divisão de classe social pelo trabalho, pela exploração e conflitos
travados contra outras culturas em desenvolvimento, bem como a compreensão do
uso da luta em outras formas de ressignificar sua ação na contemporaneidade,
subsidiando outros fenômenos para explicar sua pertinência no campo da Educação
Física, foi que a luta se desenvolveu pelas funções culturais humanas.
Segundo Archanjo (2005, p. 05) a luta é caracterizada “[...] por interesses
individuais ou de grupos, para manutenção ou oposição a certos aspectos da vida
social [...]”. Os descendentes do homem, nos primórdios da criação da humanidade,
apresentavam função cultural à luta diante dos mecanismos estruturadores para se
perpetuarem enquanto espécie. Era um processo de sobrevivência. Segundo Rufino
(2012, p. 31), “em relação à luta pela existência, desde os homens mais rudimentares
observa-se que eles tinham que lutar pela sobrevivência”, sendo necessário
considerar que “esses movimentos eram aprendidos por meio da imitação, e foram
desenvolvidos pelo método de tentativa e erro, pois não havia um treinamento
consciente e sistemático, centrando-se nas atividades de atacar e defender-se”

218
Corpo, Trabalho e Educação

(RUFINO, 2012, p. 31).


Durante o processo histórico da humanidade, o homem evolui para o
domínio de vários tipos de armas, passam de coletores para caçadores. No estudo de
Archanjo (2005, p. 12), são apresentadas algumas hipóteses que justificam o
desenvolvimento dos seres humanos na história e a ampliação sobre a compreensão
de luta, como, por exemplo, “[...] preparar os guerreiros das tribos para o combate
contra os inimigos”. Houve um aumento na possibilidade sobre a manipulação e uso
de materiais e do trato com os animais. Consequentemente, na exploração e no
domínio das armas, resultando na ampliação das estratégias para conquistar campos
e/ou territórios inimigos em busca de melhor abrigo, alimento e moradia. A
representação principal foi a domesticação das plantas e de outros animais. Foi no
domínio e surgimento da agricultura que a relação homem sociedade mudou,
consequentemente, as razões culturais sobre os conflitos se ressignificaram. Houve,
então, “[...] a divisão social do trabalho e as categorias ou funções sociais”
(ARCHANJO, 2005, p. 13).
A relação política e as ideias sobre as estruturas ideológicas, políticas e
operacionais em torno do estilo de vida do grupo diversificaram pela necessidade,
talvez, de expansão, de maior nível de conhecimento sobre um grupo em detrimento
do fator cultural de outros grupos. Surgem daí os primeiros conflitos organizados,
cujo fim se materializa pela busca de território, da supremacia, do status, do avanço
territorial. É por meio das guerras que a luta servirá como manutenção da ordem, das
terras e conquistas.
Outro fator importante é evidenciado na organização e origem do estado,
visto que ocorreu pela ampliação dos conflitos travados na guerra, pois “quando
nossos ancestrais lutaram pelo poder de seu grupo, o fizeram inicialmente de forma
instintiva” (ARCHANJO, 2005 p. 17). Evidencia-se, no entanto, a não preocupação
em registrar um acontecimento social que servisse de elementos históricos e
antropológicos para a humanidade. O que mais interessava era a luta pela existência
e perpetuação da espécie, livrando-se de perigos constantes de predadores. A forma
instintiva na luta pelos ancestrais estava ligada à função utilitarista do modo de
produção humana. No entanto, apesar da sua utilidade guerreira e de toda essa
mobilização da luta enquanto um processo civilizador, ela passou a tomar outros

219
Corpo, Trabalho e Educação

significados e funções no acúmulo histórico, como, por exemplo, foram as festas


fúnebres (jogos fúnebres), festividades populares, a educação da nobreza. Segundo
Archanjo (2005), foi diante da organização das estruturas sociais e do ressignificar
da luta contemporânea, através das diferentes modalidades nos jogos olímpicos,
como também na prática de exercícios profiláticos e higiênicos, que a luta serviu
enquanto atividades diversas.
Entendemos que a luta envolve a relação de costumes e hábitos culturais dos
seres humanos provocados pelas atividades primitivas, religiosas, sagradas, bélicas,
profanas, utilitaristas e simbólicas, travadas nas contradições sociais do homem
consigo mesmo, com outros homens e com a natureza, caracterizando-se pelas
implicações corporais, explicadas nas necessidades históricas e ampliadas de
geração para geração. É um processo de transmissão cultural dos seres humanos
promovida pela exercitação das técnicas corporais.
Do ponto de vista das produções acadêmicas, muito tem sido discutido sobre
o termo Arte Marcial, como também nas mídias, em torno dos eventos artísticos,
principalmente da cultura estrangeira, mais especificamente nas práticas orientais.
Mas a compreensão do termo ainda não está bem clara do ponto de vista teórico,
histórico e filosófico.
Sendo assim, existe um complexo sistema simbólico dentro do termo Arte
Marcial, uma vez que, se as artes marciais envolvem certas representações do modo
que os seres humanos travavam na guerra, a própria guerra tem sua origem
ontológica e humana na luta. Podemos afirmar que toda arte marcial é uma luta?
Sim! E toda luta é uma arte marcial? Do ponto de vista, filosófico, não! Não
podemos caracterizar a luta como arte marcial, uma vez que sua essência existencial
não foi influenciada pela disputa planejada, estruturada por elementos estratégicos
para um combate pré-estabelecido, ideologicamente, pelos conflitos travados pelos
homens. Nem pelo fato de ser um meio para atingir certos prestígios políticos e
sociais, como é o caso da guerra, que resulta no avanço político e econômico de um
país, ou de prestígios culturais de uma tribo, ou pela soberania ideológica de um
partido ou movimento político.
O termo luta se justifica pelas necessidades mais básicas do homem: existir
e se desenvolver enquanto espécie humana. Ainda que haja certa representação de

220
Corpo, Trabalho e Educação

busca pela existência na guerra, que é mais comum na luta, na arte marcial, os
padrões políticos e culturais já estão desenvolvidos. O que há no processo da guerra
é a preocupação de repassar as formas mais desenvolvidas num combate, nas
experiências sobre as formas de conquistas territoriais, políticas e de honra, travadas
na guerra. O sentido mais amplo e antigo do termo luta é a própria luta pela
sobrevivência do homem e da mulher enquanto espécies humanas de maior
incidência cultural e intelectual. Ratificando, a intenção do estudo não consiste em
formular um conceito padrão a ser seguido ou rotular uma representatividade
epistemológica na Educação Física, diante da reflexão sobre os termos tratados a
priori, mas sim esclarecer qual a necessidade de os seres humanos estabelecerem a
luta sobre diferentes vertentes teóricas.
Conceitualmente, “as artes marciais são sistemas de combate de práticas e
tradições para o treinamento de combate, que serviram para treinamento dos
exércitos, preparando-os fisicamente e mentalmente para combates com armas ou
sem armas” (MELO, 2010, p. 105). Concordamos com Melo, pois o termo Arte
Marcial tem implicações do ponto de vista pedagógico no trato do conhecimento e
na aceitação dos alunos e da comunidade escolar nas aulas de Educação Física. Isso
facilitaria a organização de estratégias de ensino que viessem a trabalhar o lúdico, as
técnicas, as táticas de luta, as modalidades esportivas, as características de
solidariedade, trabalhando a cooperação, a diminuição da agressividade e da
violência como forma de promover o autocontrole dos alunos em situações de brigas
e/ou confusões na rua ou em qualquer outro espaço social. Percebemos que até o uso
do termo implica a ação teórico-metodológica dos professores na prática
pedagógica.
No que se refere à denominação Modalidades Esportivas de Combate “[...]
implica uma configuração das práticas de lutas, das artes marciais e dos sistemas de
combate sistematizados em manifestações culturais modernas, orientadas a partir das
decodificações propostas pelas instituições esportivas” (FRANCHINE, 2010, p. 01).
É a forma moderna do conjunto de lutas que se inserem no campo do esporte
institucionalizado. No entanto não perdem as características filosóficas e históricas
que lhe deram origem. E é esse aspecto que defendemos para a compreensão e
discussão da luta enquanto uma modalidade esportiva que deve ser amplamente

221
Corpo, Trabalho e Educação

vivida e refletida na escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A escola deve estimular os alunos a compreenderem o uso dos termos


empregados na vida cotidiana, na intencionalidade de questionar os costumes e
valores sociais. É a possibilidade de construir e produzir novos conhecimentos, sem
desconsiderar o existente. Nesse processo, subsidia outras gerações o conhecimento
acumulado, para que sirva de estratégias para novas transmissões e elaborações da
cultura. Por isso é imprescindível, numa relação pedagógica, levar em consideração
a realidade dos alunos, porque o trato da luta nas aulas de Educação Física escolar
consistirá na busca por novos significados para responder as necessidades e os
problemas imediatos pelos alunos na sociedade do consumo, na prática violenta e
destituída de fatores educativos nas lutas. Por isso que a experiência com a luta na
escola não pode ser uma prática que reproduz as contradições da prática social.
A complexidade de interpretações sobre a luta na contemporaneidade pode
subsidiar os professores de Educação Física a apontar meios para os alunos
criticarem e se apropriarem dos pressupostos desse fenômeno nas dimensões sociais.
Tratar da Luta e suas especificidades para a prática pedagógica consiste em
identificar seus elementos epistemológicos, do ponto de vista da origem, da
influência e do que se constitui o conhecimento, a fim de se estruturar enquanto
conteúdo, político e ideológico, aqueles que orientam as intencionalidades didáticas
na escola, dos usos e da organização sobre as formas com que se expressam
corporalmente – homens e mulheres – em relação aos atributos técnicos para o
combate, bem como pelo tratamento sistematizado de procedimentos que permitem
a transposição de uma reflexão ingênua para crítica.
A estética é outro elemento que se caracteriza pela mudança das estratégias
e valores que levam a humanidade a criar necessidades para lutar, bem como nas
implicações dos diferentes instrumentos que vêm constituindo outros conceitos para
esse fenômeno. É nas representações lúdicas ou de lazer, pelas práticas corporais
para fins de combate, guerra, divertimento, duelo e econômicas, durante a análise
dos problemas sobre a ausência de estruturas adequadas e oportunidades para a

222
Corpo, Trabalho e Educação

prática dos fenômenos da Educação Física, dentro e fora do âmbito escolar, em


especial, com a luta, que são revelados elementos importantes para compreender
melhor o trato desse conteúdo.
Outros elementos dizem respeito à técnica e aos aspectos pedagógicos no
processo de experimentar ações corporais das mais simples às mais complexas,
priorizando a criatividade, o diálogo e a historicidade como processo rico na
aprendizagem dos alunos. Consideramos que esses elementos qualificam e ampliam
os aspectos conceituais e teóricos, diante de uma abordagem pedagógica para o
ensino da luta. Os alunos precisam ter clareza de que o fenômeno tratado pode ser
desmembrado para uma maior compreensão além de sua expressão e
representatividade corporal, através das formas de apropriação do conteúdo.
A compreensão ampliada das questões teóricas sobre a luta possibilita, nos
problemas e necessidades da prática, incorporar significados para uma maior
utilização do fenômeno, fazendo com que os conceitos epistemológicos, políticos,
éticos, religiosos, estéticos, históricos, econômicos, técnicos, lúdicos, ideológicos,
educacionais sejam analisados criticamente e explicados nas ações do professor,
organizados metodologicamente, no intuito de promover a completa conscientização
sobre pressupostos dos fenômenos culturais da humanidade.
Na incorporação dos elementos filosóficos e educativos da luta, os alunos
terão atitudes de solidariedade com o próximo, da curiosidade e preocupação em
conhecer os usos e costumes dos diferentes povos, valorizando, preservando e
ampliando os conhecimentos acumulados pelos seres humanos, pois o currículo é
uma extensão da prática, estruturado a partir dos conhecimentos culturais a serem
desenvolvidos enquanto conteúdos de ensino na escola.
Inicialmente, consideramos importante a necessidade de conceituar a luta
como uma unidade de conteúdo do currículo escolar. Foi uma discussão intensa que
possibilitou fundamentar a luta a partir de um referencial teórico da sociologia do
corpo de Breton (2010) e a técnica corporal de Mauss (1981) para a constituição dos
fundamentos epistemológicos da luta na educação física escolar.
Compreendendo o que caracteriza esse conteúdo no universo cultural dos
seres humanos, temos a demanda de pensar e sistematizar elementos teórico-
metodológicos para o trato pedagógico da luta nas agências formadoras de

223
Corpo, Trabalho e Educação

professores, para que seja qualificada a intervenção na escola com argumentos e


pressupostos fundamentados, de forma que os alunos e alunas sejam levados a
incorporar os conhecimentos desse fenômeno numa visão ampliada, crítica e criativa
sobre a necessidade de diferentes meios para o ato de lutar – na dimensão da saúde,
do alto rendimento, da educação, do lazer, da inclusão.

The fight knowledge as body techniques and contributions to teaching in school physical
education

Abstract: We analyze the fights knowledge as part of a cultural tradition, conceived in the
mores, values, and habits socially accumulated and developed by the most basic needs to the
most complex ones during human existence. The article aims to analyze the theoretical and
conceptual incursions on body technique in Marcel Mauss (1981) and the teaching of the
fight content, to contribute to physical education classes in schools. We systematized the
reflections in two moments: 1 - theoretical and conceptual approximations on the body, from
the discussions about body technique in Marcel Mauss (1981); 2 - historical, conceptual and
theoretical elements of the fights as a symbolic and cultural tradition. We consider the
cultural dimension of the fight is related to the form of social organization; that in the fight
each technique itself has its form of communication through the body language; and that the
body is the instrument and the object in the fights.
Keywords: Fights; Body techniques; School Physical Education.

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225
Corpo, Trabalho e Educação

226
Corpo, Trabalho e Educação

Políticas públicas e educação: formação, profissionalização e intervenção


de professores de Educação Física em um país tupiniquim

Paulo Roberto Veloso Ventura (UEG) 50


Rodrigo Roncato Marques Anes (UEG) 51

Resumo: Este artigo apresenta como objetivo compreender como os direcionamentos das
políticas públicas brasileiras, especialmente aquelas voltadas ao campo educacional,
repercutem nos processos de formação e intervenção profissional de professores. Como
recorte para a produção da análise e investigação pretendida, tratamos o caso da formação
em Educação Física, justamente porque nesta área de conhecimento há um acumulo de
debates e reflexões sobre os dilemas que envolvem a questão da profissionalização,
sobretudo porque vem sofrendo nas últimas décadas com as ingerências e interesses
advindos do mercado e do setor produtivo, fortemente representados pelo conselho
profissional da profissão. O método materialismo histórico dialético é tomado como
sustentação epistemológica, teórica e política deste estudo tipo bibliográfico, o que nos
direcionou a compreender a realidade sem desvinculá-la da história, para evidenciar as
contradições e os interesses de classe que se fazem presentes.
Palavras-chave: Formação. Profissionalização. Intervenção profissional.

INTRODUÇÃO

Discutir a temática deste título coloca em pauta o questionamento do por


que e/ou até quando será possível suportar que uma minoria societária, mas
hegemônica, siga protagonizando de forma determinada as políticas públicas no
campo da educação para a classe trabalhadora, que constitui a maioria desta
sociedade, a fim de mantê-la acorrentada à aparência do conhecimento humano.
Essa problematização está alavancada a partir do que asseveram Lessa e
Tonet (2011), de não ser mais suportável, sob qualquer análise que, neste momento
histórico aceitemos que um grupo minoritário, porém hegemônico de homens, siga
na exploração de outro grupo maior. Não é mais possível que esses poucos vivam do
trabalho de outros. Não se justifica mais, a exploração do homem pelo homem.
O embate está posto no contexto da educação, atrelado com a injunção
político-econômica da ordem mundial e, mais especificadamente, no trato com as
políticas educacionais que nunca se institucionalizam como de Estado, mas como

50
Doutor em Educação, Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
E-mail: paulo.pinta@gmail.com
51
Doutorando em Educação, Universidade Federal de Goiás.
E-mail: rodrigoroncato@hotmail.com

227
Corpo, Trabalho e Educação

políticas de governo que falecem ao final dos mandatos. Isso tudo espelha a
sociedade de classes, base da ideologia burguesa para consolidar sua dominação
sobre a classe trabalhadora.
Buscamos elencar discussões que possam suscitar nos leitores um processo
de reflexão crítica, enveredando pela tessitura de materialidades que nos provocam
no dia a dia e que precisamos enfrentar, ainda que não estejamos dando conta de
resolvê-las, mesmo em se tratando de coisas inerentes às nossas necessidades
básicas de sobrevivência, como é o caso do conhecimento mais bem elaborado. Para
tanto, buscamos sustentação no Materialismo Histórico Dialético, matriz teórica que
orienta a episteme deste trabalho e a nossa postura política.
No Materialismo Histórico a realidade objetiva é concreta e seu movimento
é dialético, a partir das contradições que fazem parte da natureza desta realidade. O
ponto de partida deste movimento está nas aparências postas pela ideologia
burguesa/capitalista, nas necessidades do rigor idealista positivista que dá amparo
teórico à classe dominante. Importante lembrar ainda que no pensamento
materialista histórico a contradição está reconhecida como fundamental na análise
do movimento do objeto, levada em conta a unidade entre os contraditórios
analisados.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com abordagem qualitativa que faz
uso de estudos exploratórios e objetivos compreensivos (VENTURA et al., 2015),
centrados na revisão de literatura crítica sobre o tema central e categorias próprias
do Materialismo Dialético, para além de outras que surgiram durante a
sistematização do texto, a partir da discussão dos autores.
Nossa problematização parte do pressuposto de que o alto investimento na
profissionalização do trabalho docente nas últimas três décadas ocorreu em favor do
desenvolvimento do capital, atendendo às demandas oriundas do processo de
reestruturação produtiva a partir da década de 1990, passando a determinar aos
professores e aos processos formativos a necessidade de valorização de um novo
perfil profissional, necessariamente mais prático, ágil e adaptável as demandas de
mercado (RONCATO, 2015). E neste processo entendemos que,
concomitantemente, as diversas políticas públicas destinadas ao desenvolvimento da
profissionalização foram aceleradas, em alguns casos, por conselhos profissionais

228
Corpo, Trabalho e Educação

com o objetivo prioritário de garantir reserva de mercado para profissionais já


estabelecidos, mas passando também a imputar ingerências que não lhes dizem
respeito sobre o processo de formação.
Para tanto, este trabalho promove interlocuções com os campos da
formação, da profissionalização e da intervenção de professores das áreas que
constituem os conhecimentos componentes do ensino básico e leva em conta a
docência, entendida como ação balizadora da intervenção profissional nessas áreas,
as quais têm como princípio educativo o ensinar e apreender. Dentre elas, destaque
para a Educação Física52, que já acumula dados empíricos e produção teórica sobre a
temática problematizada, tendo em vista o processo histórico que instituiu a
profissionalização nesta área, com forte influencia de setores mais conservadores e
do próprio conselho profissional da área existente desde 1998.

DISCUSSÃO TEÓRICA

A gênese dos estudos em política, enquanto uma doutrina moral e social


remonta em Platão, para quem também a ética tinha sentido na ciência (política) e na
arte de governar a vida comunitária, na sua organização, na elaboração de seus
objetivos e nas decisões (políticas) sobre isso tudo (BRZEZINSKI, 2008). A autora
aponta ainda que para Aristóteles se deva primeiro, descobrir como se possa ter a
felicidade (humana) e, depois, que forma de governo e que instituições possam
assegurá-la.
As premissas lançadas por Platão (apud BRZEZINSKI, 2008) nos remete
pensar que homens e mulheres, enquanto seres políticos dariam os princípios para a
existência da sociedade e do Estado, levando em conta que eles, na condição de
humanos têm inerentes em si necessidades materiais e morais que lhes asseguram a
existência, necessidades essas que consideramos universais e, algumas delas,
ontológicas.
No entanto, a “evolução” humana fez que essas necessidades provocassem
transformações no mundo do trabalho e na sociedade de classes, com o trabalho
universal (calcado como essência para satisfazer nossas necessidades de

52
Por ser a área de formação dos autores.

229
Corpo, Trabalho e Educação

sobrevivência) se tornasse trabalho particular (trabalho capitalista nesta sociedade),


cujas relações se dão nas aparências coisificadas pelas práticas sociais determinadas,
controladas e manipuladas pela sociedade hegemônica. Na esteira disso temos a
divisão do trabalho, o aprimoramento do Estado e do Direito como aparelhos de
proteção da propriedade privada e o estranhamento entre as classes sociais
estimulado pela exploração de uma classe sobre outra, abrindo o conflito entre essas
classes; instala-se a luta de classes e uma organização conjuntural capaz de
protagonizar as políticas e determinar a forma do Estado contemporâneo.
A essência disso é a mesma nos diferentes tempos históricos, a
transformação de um modelo político para outro, de um modelo de Estado para
outro, de determinadas formas de governo para outras sempre se deu pela
determinação dominante sobre as classes mais frágeis na luta pela sobrevivência. No
entanto, na sociedade burguesa e capitalista se constrói uma exploração perversa, em
que a sobrevivência de uma classe não está posta como preocupação nas cercanias
da realidade do atual modo de produção. No entanto, esta é uma realidade histórica,
construída por homens e mulheres em diferentes tempos históricos, são relações
entre classes sociais, portanto, relações sociais, humanas e históricas.
Brzezinski (2011, p. 12-13), assevera que a luta de classes se coloca como
uma

[...] ação humana coletivamente organizada, constituindo uma


intervenção fundamentalmente política. Essa luta, todavia, não é
iniciada ou conduzida aleatoriamente. Ela ocorre diante das condições
materiais, historicamente definidas, considerando que a evolução das
forças produtivas assegura a existência das condições concretas para a
existência dos atores responsáveis pelos enfrentamentos políticos, por
meio da luta de classes.

Na Educação e na formação humana, os pressupostos do conhecimento


sobre Estado, Direito e Política geram diversos complicadores. Em alguns campos, a
profissionalização docente trouxe na sua esteira a criação dos conselhos
profissionais, segmentos que têm tido uma ingerência descabida no processo de
formação, extrapolando o papel que lhe é determinado na intervenção dos
profissionais da área, no campo das relações sociais do trabalho capitalista.
É fato que, enquanto humanos, homens e mulheres são todos políticos, o que

230
Corpo, Trabalho e Educação

nos falta é o processo de conhecimento sobre política, a politização. Ficamos muitas


vezes avessos ao tema pelo fato de que vemos todos os dias pela mídia um processo
de politicagem, entendendo-o como política, porque são protagonizados por pessoas
que conhecemos por “políticos”. Mas isso é um fetiche. Para a reprodução disso
tudo e de outras mazelas, a escola é a instituição mais indicada para dar uma
formação alienada e alienante. Trata-se de um processo humano cuja dificuldade
está na dimensão teórica da filosofia política, um conhecimento educativo que o
Estado capitalista dificulta o acesso, a apropriação e o consequente entendimento,
fundamentos básicos para que se possa explicar os ocultamentos históricos. Alguns
poucos sujeitos hegemônicos, em nível de rara intelectualidade, sabem que a
dimensão política do conhecimento é essencial para desvelar a realidade objetiva,
por isso dificultam sua apropriação por parte dos trabalhadores e seus filhos, cuja
única possibilidade seria a escola pública.
Os vários estudiosos sobre política colocam implícita ou explicitamente que
ela se consagra como uma ação transformadora. Corroborando com esse
pressuposto, entendemos que a política se materializa como um dos motores da
História. Brzezinski (2008, p. 1) parte do “[...] pressuposto de que política é, em
especial, uma ação transformadora da história”.
Nesses tempos, ao invés de termos políticas de Estado, o que vemos é uma
centralidade em políticas de governo, construídas a gosto dos “eleitos”, sem visar
interesses sociais. Como complicador, há uma produção do conhecimento com
aporte na “ciência moderna”, determinada para enfatizar esta transa, evidenciando o
fetiche de que a política seja um pertencimento dos governantes, que se acham o
Estado, contrariando o pensamento de Marx de que é o povo que deve educar o
Estado e não o contrário, porque a política é um bem social, que está dada nas e
pelas relações sociais.
No Materialismo Dialético o conhecimento é produzido por um método
científico, o que nos leva pensar a política como uma ciência, a partir de
pressupostos que lhes constitua a consciência a partir da realidade objetiva, ponto de
partida e de chegada, a partir da materialidade oculta no contexto das relações
humanas e sociais, porque a essência que nos explica o mundo está na concretude da
matéria e não no pensamento ideativo dos indivíduos. Marx (1982) justifica sua

231
Corpo, Trabalho e Educação

célebre frase de que o seu método dialético é o correto, porque pela sua
fundamentação não só se difere do método de Hegel, mas é oposto a ele. Esta
afirmação de Marx (1998, p. 117) assevera que Hegel se equivocou ... “ao conceber
o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se
move por si mesmo”. Na verdade, diz Marx, o correto é que ... “o método que
consiste em elevar-se do abstrato ao concreto ‘não é senão a maneira de proceder do
pensamento’ para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto
pensado” (MARX, 1998, p. 117).
O referido método foi criado para explicar a sociedade capitalista, o que
implica apropriação da dimensão política do conhecimento, do conceito de
liberdade, de entendermos os valores implícitos nas relações sociais do trabalho,
palco da exploração do homem pelo homem.
Lembramos que as relações sociais de trabalho não promovem
necessariamente práticas com teor político. Essas atividades da prática política,
quando ocorrem ganham o perfil de atividade social, mas as relações sociais no
processo do trabalho capitalista nem sempre têm o veio de atividade política. Os
princípios que norteiam essa diferença são dados pelo sentido e pelo significado
dados às relações sociais, o que implica uma interface necessária com a apropriação
do conhecimento, mediador das relações humanas desejadas para a uma sociedade
sem classes sociais.
A propósito, o que constitui esta determinação política posta pelo sistema
hegemônico para compor as relações sociais do trabalho está protagonizado pelas
determinações externas, aquilo que chamamos de “ordenamento mundial”. No
campo da formação profissional acadêmica, o que temos é uma continuidade da
desqualificação do trabalhador dada pela divisão na formação, pela reestruturação
produtiva, por ingerências na atuação profissional, pela demarcação do mercado e
pela regulamentação no/do exercício da profissão. Reitere-se que não se está a falar
da regulamentação do trabalho, mas da regulamentação do exercício profissional,
onde o parâmetro determinante não é a competência dada pela formação, mas a
certificação enquanto condição sine qua non para expedição da carteira expedida
pelo conselho profissional, esta sim, a toda poderosa chave para o direito à
intervenção do profissional. No Direito e na Medicina isso se materializa pelos

232
Corpo, Trabalho e Educação

exames de ordem e na Educação Física no impedimento do licenciado atuar em


campos não escolares.
Um paradoxo indigesto para o campo da formação se dá pelo total atropelo
que se faz hoje com a legislação elaborada e aprovada pelo Conselho Nacional de
Educação, órgão do Ministério da Educação do Governo Federal que tem respaldo
legal para proferir toda a orientação para o campo de formação, o que inclui dizer
formar quem, para que e para onde. A chamada “judicialização” da legislação
elaborada pelo CNE (e homologada pelo MEC) criou neste país um conflito pelo
acúmulo de decisões judiciais, que reforçam a lógica do contraditório: de um lado a
lei, de outro a justiça.
No centro disso, os diversos interesses em jogo eivados por uma ideologia
impiedosa que assola as “melhores” mentes deste país. Na ponta da corrente os
alunos, os docentes e as IES que, ao aprovarem um curso de graduação o fazem a
partir das orientações emanadas pelas Resoluções do CNE. Mas, isso fica atropelado
por decisões de tribunais, que judicializam a legislação em vigor, não apenas por
terem posições diferentes, mas também por interpretarem o espírito, a natureza da
legislação em vigor, de forma equivocada, absurda e burguesamente equivocada.
Isso equivale a justiça decidir que o legislador não disse o que quis dizer na sua
escrita, mas outra coisa. Pior, o legislador não é ouvido ou seus pareceres não são
levados em conta.
É o caso do momento por que passa a área da Educação Física, na
interpretação do significado do que seja um bacharel ou um licenciado, em que o
CNE explica e explicita que a formação pela licenciatura é mais ampla, mas a justiça
insiste em decidir que os legisladores dizem é exatamente o contrário, ou seja, o
curso de bacharelado é mais amplo que o de licenciatura.
O que ocorre neste país é uma clara dissidência dos três poderes constituídos
causada por uma disputa de força e poder onde vale atravessar as fronteiras que
determinam o papel social de cada um. Na esteira disso tudo, o estouro é sempre no
andar de baixo, onde mora a sociedade civil que carrega o país com sua força de
trabalho. Na essência, é o Direito unilateral e tendencioso a favorecer, sempre, a
classe hegemônica e suas propriedades privadas, porque como assevera Marx (1997)
com outras palavras, quem tem o poder econômico, tem também o poder sobre o

233
Corpo, Trabalho e Educação

conhecimento sistematizado. No Capítulo II do Manifesto do Partido Comunista ele


diz: “Que prova a história das ideias, senão que a produção espiritual se reconfigura
com a da material? As ideias dominantes de um tempo foram sempre apenas as
ideias da classe dominante” (MARX, 1997, p. 07).
Na essência, o que é a profissionalização da intervenção profissional no
processo educativo senão a reiteração do processo de fragmentação do objeto? As
políticas nos chegam apauladas na ideologia hegemônica, em que a parte é dada pela
aparência, mas nos fazem crer que seja o “tudo”, velando as possibilidades de que
compreendamos a essência das coisas (a sua totalidade), porque reificam o
conhecimento, a história e, por consequência, os homens e as mulheres. Impedem o
movimento do conhecimento mais bem estruturado, a não ser quando seja de
interesse do capital.
Gianotti (2000) aponta que Marx protagoniza a luta de classes como motor
da história e a classe proletária como o germe para subverter a sociedade capitalista,
reiterando a necessidade de que na luta de classes tenhamos consciência do papel
histórico da classe trabalhadora na luta contra a forma dada pelas políticas burguesas
e, concomitante, a busca de políticas que contemplem necessidades de sobrevivência
dignas do ser humano.
A luta de classes no atual cenário histórico coloca em oposição o trabalhador
e a classe burguesa, luta que teve início desde que esta deixou de ser revolucionária,
para ser hegemônica. Marx (1997) desnuda as dimensões para a emancipação
humana neste contexto e percebemos nisso que a política e a social são mais
determinantes. Nesse embate pesa o fato de que a burguesia falhou no seu objetivo
de emancipação social, ao sub-rogar o direito da classe proletária, sua parceira na
então luta de classes materializada na Revolução Francesa.
Nesse início de século XXI vivemos um quadro que se apresenta muito
explícito, porque a classe burguesa já fez sua revolução e não tem nenhum interesse
em outra, pelo contrário, luta para evitá-la. Cabe então à classe oponente (a classe
trabalhadora) a ela fazer a luta em busca de outra revolução, que desta vez possa
garantir, de verdade, igualdade, fraternidade e liberdade, para todos. Seria o fim da
sociedade de classes capitalista e inescrupulosa.
Os conselhos profissionais, “responsáveis” pela qualidade da intervenção

234
Corpo, Trabalho e Educação

profissional, fazem ingerências constantes na formação profissional: o Direito e a


Medicina com suas provas para cercear o acesso aos espaços de trabalho e assim
garantir uma reserva de mercado para quem já está dentro do sistema produtivo;
essas áreas, em especial a medicina, colocam obstáculos sobre a abertura de novos
cursos, como forma de também cercear o acesso ao campo de trabalho; o conselho
da Educação Física coloca o dedo nas discussões sobre a formação e “seleciona” os
espaços de trabalho a partir do certificado profissional, não pela competência
apropriada durante a formação, mas por um certificado que se torna determinante e
se sobrepõe ao conhecimento.
A Pedagogia teve a profissão reconhecida, mas não tem acordo sobre a
criação de seu conselho profissional, mantendo formação única (pela licenciatura)
com natureza generalista e, por enquanto, evita os problemas que são comuns às
demais áreas do conhecimento, em especial àquelas que constituem os conteúdos do
ensino básico no Brasil, todas sujeitas à decisão da justiça em 2014, no processo que
envolveu a Educação Física. Vale chamar a atenção dessas áreas componentes
curriculares da educação básica que, com esta decisão judicial53 proibindo o
licenciado de Educação Física intervir nos campos não escolares, todas elas correm
o risco de ganhar o mesmo problema, tendo em vista que esta deliberação, por ter
sido de terceira instância cria jurisprudência para todas as áreas que têm dupla
formação.
Na educação formal, uma estratégia que vige é a divisão da formação
profissional em licenciatura e bacharelado, um dos pontos muito discutido no campo
da Educação Física, mas que a Pedagogia tem também acúmulos importantes que
resultaram de discussões históricas. Neste momento histórico que vive a Educação
Física, em que temos uma discussão e posterior aprovação por parte do Conselho
Nacional de Educação das novas DCN para a área, há um apontamento de que se vá
voltar à formação única, com a extinção do bacharelado na graduação. Isso levaria a
Educação Física a uma aproximação com a Pedagogia e muitos problemas criados
pelo conselho profissional poderiam ser superados.
Diga-se que o contexto dicotômico na formação não é opção primeira, não

53
Decisão do STJ proferida pelo ministro Benedito Gonçalves em 2014, a partir do Recurso
Especial 1.361.900 – SP (2013;0011728-3)

235
Corpo, Trabalho e Educação

tem validade interna, mas externa, ou seja, os espaços de intervenção profissional


são determinantes para o modelo de formação, que passa a ser aligeirada no
processo de apropriação do conhecimento das profissões consideradas “não nobres”,
perdendo especialmente a consistência teórica e a possibilidade crítica, promovendo
uma aprendizagem pela informação, como se fosse conhecimento, pois o modismo
torna-se a referência para os “conteúdos” selecionados.
Mais do que isso, as determinações burguesa/capitalista ainda apontam isso
como competências e atribuem à escola a responsabilidade de “transmitir” aos
alunos tais conhecimentos. Kuenzer (2002, p. 16) desfaz esta intencional
transferência, defendendo que:

A escola é o lugar de aprender a interpretar o mundo para poder


transformá-lo, a partir das categorias de método e de conteúdo que
inspirem e que se transformem em práticas de emancipação humana em
uma sociedade cada vez mais mediada pelo conhecimento.

Corroborando com o pensamento desta autora entendemos que a


competência humana tem dois pilares, a intelectual (competência teórica) e a tácita
(competência prática), sendo distintos os espaços em que se possa e deva apropriá-
las. A escola é um lugar de aprender coisas complexas, mais bem elaboradas (a
competência intelectual) e o mundo do trabalho é onde o trabalhador se apropria dos
postulados inerentes à sua atividade prática de trabalho (competência tácita)
(KUENZER, 2002). No entanto, o atual modo de produção remete o tempo todo, sua
responsabilidade à escola, pois assim feito ela não terá tempo para promover o
ensino dos conhecimentos críticos que possam emancipar politicamente os filhos de
trabalhadores.

O lugar de desenvolver competências, que por sua vez mobilizam


conhecimentos, mas que com eles não se confundem é a prática social e
produtiva. Confundir esses dois espaços, proclamando a escola como
responsável pelo desenvolvimento de competências, resulta em mais
uma forma, sutil, mas extremamente perversa, de exclusão dos que
vivem do trabalho, uma vez que filhos da burguesia desenvolvem suas
capacidades apesar do trabalho, que para muitos passa a ser apenas uma
instituição certificadora; para os trabalhadores, a escola se constitui no
único espaço intencional e sistematizado para com o conhecimento.
(KUENZER, 2002, p. 16).

236
Corpo, Trabalho e Educação

Com isso, o sistema garante a reprodução de sua hegemonia. Demarcado


então os espaços mercantis para a atuação profissional, a regulamentação do
exercício da profissão materializa as relações sociais no trabalho capitalista por uma
forma escravocrata muito desenvolvida na relação com o mundo do trabalho em
tempos anteriores; a regulamentação profissional, na prática, conforma ações
fiscalizadoras sobre os profissionais e, pior, com financiamento deles próprios, por
meio de suas anuidades. A intervenção profissional e as condições de trabalho que
lhe são dadas não têm maior importância. No campo da legalidade, a tática se
materializa na inversão da relação trabalho/trabalhador, ao invés de regulamentar o
trabalho, regulamenta-se o exercício profissional do trabalhador.
Saviani (2010, p. 50) aponta que o Sistema Federativo deve estar organizado
pelo conjunto dos Estados brasileiros (e DF) para “assegurar interesses e
necessidades comuns”. Mas, em uma Federação determinada pelo atual modo de
produção, interesses e necessidades se materializam para uma minoria, para uma das
classes sociais que constituem esta sociedade produtiva, a classe dominante, patronal
e hegemônica, que compra e explora a força de trabalho da outra, como fazem
conosco, trabalhadores da Educação que vendemos nossa força de trabalho, única
mercadoria que nos dá minguadas possibilidades de uma (nada boa) “negociação”.
O pensamento contra-hegemônico salienta a necessidade de se subverter
proposições que fiquem apenas no plano do discurso, que enleiam um idealismo
abstrato, em favor de que a massa de trabalhadores possa se apropriar, de fato, de
seus direitos sociais, expropriados historicamente para impedir que sejam capazes de
lutar por políticas públicas capazes de provocar mudanças na estrutura societária.
Assim, Política, Direito e Estado, a partir dos enunciados materialistas
dialéticos guardariam aporte nas condições materiais de vida, na realidade objetiva
presente nas relações sociais do mundo do trabalho. Marx e Engels (2006, p. 14)
disseram que,

[...] temos começar por constatar a primeira premissa de toda a


existência humana, e portanto, também, de toda a história, ou seja, a
premissa de que os homens têm de estar em condições de viver para
poder “fazer história”. Mas da vida fazem parte sobretudo comer e
beber, habitação, vestuário e algumas outras coisas. O primeiro ato
histórico é, portanto, a produção dos meios para a satisfação destas

237
Corpo, Trabalho e Educação

necessidades, a produção da própria vida material, e a verdade é que


este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história,
que ainda hoje, tal como há milhares de anos, tem de ser realizado dia a
dia, hora a hora, para ao menos manter os homens vivos.

Na prática social, isso é universal e ontológico. Na perspectiva do


materialismo histórico a consciência política é algo concreto, cuja fonte está na
realidade social e objetiva. Marx e Engels (2006, p. 9-10), no prefácio da crítica da
economia política asseveram a respeito que “Não é a consciência do homem que
determina o seu ser, mas pelo contrário o seu ser social é que determina a sua
consciência”, ou seja, não é a nossa consciência que determina as nossas relações
sociais, antes, são essas relações que determinam nossa consciência. Isso ocorre e se
explica pelas contradições inerentes ao conflito promovido pelas relações sociais do
trabalho capitalista.
Ora, por que as profissões se fragmentam e se multiplicam senão para que os
trabalhadores percam a força de organização coletiva, política e ideológica? Criada a
profissão, cria-se o conselho profissional da respectiva classe e os conselhos
regionais, aos quais, a depender de questões legais historicamente construídas,
estamos obrigados a nos filiar54.
Qual é o papel de um conselho de classe? Teoricamente é o de fortalecer a
classe profissional, proteger a sociedade contra serviços desqualificados (então, de
profissionais desqualificados), organizar, controlar e fiscalizar a intervenção e a
prática profissional (ética) dos profissionais e suas intervenções. Para tanto, os
profissionais que atuam nos campos não escolares se vinculam compulsoriamente ao
seu conselho e pagam uma anuidade por esta vinculação.
Existe certa confusão por parte dos filiados sobre o papel do conselho de
classe, no desejo que este assuma funções e ações sindicais, como lutar por base
salarial e outras questões. No caso da Educação Física, o sistema CONFEF/CREF
disse muito pouco porque veio, a não ser por ações que normalmente visam vigiar e
punir. Sua centralidade histórica tem sido dificultar a intervenção profissional do

54
No caso de docentes, por conta da regulamentação histórica que os coloca vinculados ao
MEC e não ao MT, no exercício profissional no interior de instituições de ensino, esses estão
facultados de se filiarem aos Conselhos, por decisões da justiça do trabalho, com
jurisprudência vigente.

238
Corpo, Trabalho e Educação

professor de Educação Física, com ações que colocam o conceito de ética em xeque.
Na relação formação e intervenção profissional, a Pedagogia e a Educação
Física apresentam algumas similaridades. A Associação Nacional pela Formação
dos Profissionais da Educação (ANFOPE) tem trabalhado com questões muito
próximas do que fazem os pesquisadores críticos que estudam o tema formação
profissional e intervenção no mundo do trabalho da Educação Física. O movimento
político nessas áreas faz com que seus pesquisadores tenham se debruçado sobre as
temáticas da formação e da intervenção, apontando contradições que têm ocupado a
produção do conhecimento e as discussões acadêmicas e os caminhos que devem
seguir as políticas públicas no campo da Educação.
A Pedagogia teve sua profissão criada/regulamentada oficialmente após a
Educação Física. Diferente desta, a Pedagogia não criou seu Conselho Profissional
(ainda) e tampouco optou pela fragmentação na formação, ainda que nas últimas
décadas o pedagogo tenha ampliado seus campos de intervenção profissional, para
além da sala de aula das escolas formais.
Nesse contexto a Pedagogia está em situação melhor que a Educação Física,
pelo fato de não ter um conselho profissional para protagonizar coisas que não são
de sua alçada, como o processo da formação profissional. Para, além disso, seus
sujeitos mantém uma forte resistência aos que defendem a dupla formação, o que
permite que o pedagogo seja o único profissional a ocupar os espaços de trabalho da
área, e isso se sustenta pela formação única, com sólida base teórica, para além das
competências necessárias para intervir em diversos campos laborais, conquistados
historicamente.
A Educação Física inseriu o bacharelado na formação pelas DCN de 1987,
com algumas implicações dadas pela LDB (1996), pela regulamentação da atuação
profissional (1998), pelas diretrizes curriculares para a formação de professores
(2001 e 2002), pelas atuais DCN da Educação Física (2004) e pela Resolução do
CNE que regulamentou carga hora e tempo para integralização dos bacharelados da
área da saúde (2009), com novos protagonismos dados pelas DCN das Licenciaturas
aprovadas em 2015 e pelo indicativo de novas DCN da Educação Física a ser
aprovadas ainda este ano de 2016. Constitui-se uma sucessão de fragmentos que
contribuíram e contribuirão direta ou indiretamente para com o atual impasse da

239
Corpo, Trabalho e Educação

intervenção dos licenciados nos campos não escolares, que rebate fortemente no
processo da formação profissional.
As diretrizes para as licenciaturas, aprovadas pelo CNE em 2001 e 2002,
trouxeram o impedimento para o bacharel atuar no ensino básico e, na sua esteira
uma dedução pensada a partir da ingerência do conselho profissional da área, de que
se o bacharel não poderia atuar na escola, o licenciado não deveria atuar nos campos
não escolares. Na verdade, essa inculcação dada por um processo ideativo e sem
sustentação não passa de uma representação que valora a certificação e não a
formação.
No Parecer que aprovou as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação de professores, em junho de 2015, o CNE reitera que o bacharel não pode
atuar na escola, o que está materializado pela exigência de que os bacharéis, para
exercer a docência devem frequenta um processo especial de formação, no campo
pedagógico, com carga horária específica. O Parecer torna claro que este é um
processo “emergencial e provisório”. O CNE reafirma categoricamente que a
formação pela licenciatura é mais ampla do que pelo bacharelado, ou seja, as
diretrizes específicas de cada área do conhecimento componente do ensino básico
dão sustentação para a formação de seus graduados, seja pelo bacharelado, seja pela
licenciatura. Porém, aos licenciados, para exercerem a docência no sistema escolar é
preciso que eles se apropriem dos conhecimentos pedagógicos e competências
explicitados neste Parecer, que serão inseridos no currículo de formação, integrando
o mesmo em patamar de similaridade com os conhecimentos específicos de cada
área.
É por isso que os bacharéis, de forma emergência e temporária devem fazer
uma carga horária de complementação no trato com o conhecimento pedagógico,
justamente o conhecimento a mais que os licenciados têm no processo da graduação
exigido aos graduados pelo bacharelado.
A ingerência do conselho profissional da Educação Física nos campos de
intervenção mexeu de imediato com a formação, trazendo na esteira a proliferação
dos cursos de bacharelado em grande parte das IES formadoras, a partir da
representação inculcada de que a licenciatura formaria professores para trabalhar na
escola e o bacharelado a profissionais para intervirem nos demais espaços

240
Corpo, Trabalho e Educação

apropriados pela área, como academias, hospitais, clínicas, logradouros públicos,


clubes esportivos e sócio/recreativos, dentre outros. Isso aponta com clareza duas
questões: a do campo de intervenção determinar a formação e a da sociedade
mercantil ser atendida no seu desejo de que as universidades formem profissionais
determinados às suas necessidades de lucro e de capitalização.
Isso materializa a intervenção ideológica e transforma o processo de
formação, a partir do que interessa à sociedade mercantil, forma-se um profissional
cuja competência seja dada pela habilidade de resolver os problemas imediatos.
Trata-se de um processo de regulamentação do mercado de trabalho, em que a
economia política é uma força diligente, reguladora mesmo de um processo histórico
que oculta em si, a realidade. A economia, orientada pela ideologia neoliberal dá o
teor para o mercado e este determina a supremacia de mecanismos que
protagonizam o funcionamento da sociedade capitalista, em seus diversos
segmentos. Neste contexto, não é diferente com a formação profissional.
Moraes (2002, p. 15) explica que “nesse imaginário, o mercado é matriz da
riqueza, da eficiência, e da justiça”, concretizando a hegemonia burguesa. Para este
autor,

O Estado também distorce o belo mundo dos mercados ao proteger


desarrazoadamente os direitos do trabalho – nas suas condições ou na
sua remuneração – ou ainda quando cria instituições que
“desmercadorizam” parte dos elementos necessários à sobrevivência da
escravaria assalariada. (MORAES, 2002, p. 15-16).

Não dá para não ser sarcástico, é preciso concordar com o autor quando os
cínicos reacionários mostram sua insatisfação com esse tipo de assalto que o Estado,
em doses mínimas e homeopáticas faz às reservas capitalistas, também conhecidas
como dinheiro público para suprir as necessidades de sobrevivência da classe
trabalhadora: o salário mínimo, a garantia dos tetos salariais, a oferta de educação
com alguma qualidade, o bolsa família, o FIES, a saúde, a previdência social, o
salário desemprego, as moradias populares, o transporte público com alguma
decência, a garantia ao trabalho, o lazer e outras “esmolas”, que mesmo neste
patamar ainda deixa os infaustos sectários, indignados. Isso para não falar daqueles
que nos furtam esses e outros recursos públicos, como forma de mais valia para as

241
Corpo, Trabalho e Educação

classes política e empresarial.


No campo da Educação Física, no entanto, há cursos que se mantêm na
contramão desta lógica capitalista, com oferta de uma formação crítica amparada por
um cabedal teórico robusto, via licenciaturas que se assentam por uma formação
ampliada com parâmetros teórico/metodológicos que se sustentam no Materialismo
Histórico Dialético. É nesta perspectiva que o campo da formação em Educação
Física se aproxima das discussões da ANFOPE, entendendo que esses parâmetros
podem subsidiar os egressos por uma base significativa de conhecimentos críticos
para suas futuras intervenções profissionais nos diversos espaços conquistados.
Ao invés de fomentarmos a criação de profissionalização para cada uma das
áreas que compõe os conhecimentos do ensino básico poderíamos ter criado a
profissionalização do professor, regulamentar o profissional da educação.55 Mais
preocupante ainda é pensar que a decisão do STJ em 2014, tecida historicamente por
segmentos que se utilizaram de rompantes ideológicos e alienantes, podem levar
outras áreas a passar pela mesma “realidade” da Educação Física, ou seja, seus
licenciados terão a mesma proibição para intervir em campos não escolares, por se
tratar de decisão de instância superior.
O que leva um grupo de sujeitos se organizarem no plano político e/ou
ideológico para buscar de forma coletiva a ruptura com determinações
protagonizadas pela classe hegemônica e seus representantes, em especial no campo
da educação? Como a classe trabalhadora pode se organizar coletivamente se a
forma cultural que lhe inculcaram foi de que ela tem seus representantes legais?
Como fazer isso num momento em que os sindicatos e as representações estudantis
estão grampeados por projetos partidários e repetem por outras estratégias aos
mesmos determinantes de silenciar os explorados?
Na universidade pública em que nos vinculamos, a comunidade construiu
outra forma de organização coletiva para darmos conta dos movimentos sociais
necessários na direção de repelir as inúmeras políticas públicas que contribuem para
negar à classe trabalhadora o acesso e/ou a apropriação do conhecimento mais bem
elaborado. Temos nos coletivizado por articulações que congrega os segmentos

55
Como defendia na década de 1990 a Profª. Drª. Ilma Passos Alencastro Veiga.

242
Corpo, Trabalho e Educação

discente, docente e dos servidores administrativos, dispensando as nossas


“representações legais” e articulando uma forma diferente de fazer oposição ao
descaso dos gestores governantes da universidade, do estado e do país. Descaso que
é sempre maior quando se trata da educação, da saúde e da segurança da classe
trabalhadora.
Por isso, a forma dada à nossa organização para ações coletivas não tem
forma, não tem cargos ou funções pré-determinadas, a não serem aquelas discutidas
e deliberadas por cada assembleia, em que cada sujeito, independente do segmento
que faça parte tem voz e voto na assembleia para a tomada de decisões; sem
hierarquias e com voto universal. Isso nos livrou das tendências partidárias de
sindicatos e diretórios acadêmicos, não nos envolvemos com processos eleitorais,
enquanto movimento social, nem mesmo nos que se referem à própria universidade.
Esta estratégia mostra de diferentes formas que a classe trabalhadora, e
agora não apenas os trabalhadores assalariados, vem percebendo com mais
profundidade as novas explorações que degradam as relações sociais de trabalho e,
na sequência, a humanidade, formas cada vez mais perversas que execram a
dignidade de cada um e de todos nós, como é o caso das políticas públicas para a
pós-graduação. O produtivismo em franco processo de atropelamento não leva em
conta mais apenas a quantidade, mas a velocidade em que ele se deva dar, como se
isso fosse qualificante para o conhecimento:
 Dois anos para se concluir um mestrado?
 A pontuação obrigatória de cada professor num quadriênio que não aceita
qualquer periódico, tem que ser os que fazem parte de Grupos melhor
ranqueados, ao melhor estilo do futebol;
 Nesse contexto, não vale mais dar aulas, orientar, estudar, coordenar, participar
de eventos, submeter produção em eventos científicos, etc.;
 E, não basta a produção dos professores, mas também dos mestrandos e
doutorandos, criando uma espécie de segunda divisão, ou seja, esses atores
podem publicar em periódicos menos classificados na tabela do mercantilismo;
 Pior, isso leva muitos professores pegarem carona com seus orientandos ou
alunos de disciplinas e mesmo que não tenham contribuído com o trabalho
efetivamente, pontuam; isso vale;

243
Corpo, Trabalho e Educação

 Mais próximo do caos, nos espaços de publicação mais elitizados não há espaço
para as/os docentes, caso todos produzam “convenientemente”. Como
consequência, descredenciamentos, o mesmo rigor fantasmagórico do mercado
de trabalho, é preciso uma quantidade de desempregados submeterem-se à
lógica deste palco tão iluminado, alguns que não produzem caem fora do clube,
para que os colocados em stand bye possam acessar sua participação nesta
“louca corrida”.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PARA UMA RESISTÊNCIA CONTRA-HEGEMÔNICA

A análise conjuntural que viemos produzindo até aqui, revela a


complexidade da realidade objetiva no campo da educação, nosso algoz e nossa
causa. O que, na nossa compreensão fundamentada no método ao qual nos filiamos,
implica na necessidade de práticas sociais contra-hegemônicas, que mantenham uma
perspectiva suficiente para os enfrentamentos. Neste cenário asseveramos que não
deveríamos acordar nenhum dia de nossas vidas sem ter o direito de nos
indignarmos com as coisas.
Indignação e luta criam um nexo importante para nos mantermos vivos e
buscarmos as mediações históricas que embalem a práxis libertadora, fruto de um
processo de transformação social. Conforme Frigotto (2010, p. 89),

A teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento


efetivamente se dá na e pela práxis. A práxis expressa, justamente, a
unidade indissolúvel de duas dimensões distintas, diversas no processo
de conhecimento: a teoria e a ação. A reflexão teórica sobre a realidade
não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da ação para
transformar.

Esta práxis se torna necessária nos mais diversos espaços em que se possa
intervir pela sua consolidação, mas existem pontos estratégicos para tanto. Nos seus
estudos, Marx centraliza para as relações sociais no interior do trabalho capitalista,
para o fim desta sociedade de classes. Compreendendo a escola como um desses
espaços, mais do que isso, o espaço com maiores possibilidades de qualificar os
indivíduos desta sociedade, ela nos traz um contraditório, a partir do interesse dessas
classes. Assim, sabemos que a escola criada pela burguesia em sua “revolução”

244
Corpo, Trabalho e Educação

tornou-se um aparelho reprodutor do modo de produção capitalista, com


possibilidades concretas de impedir que a classe trabalhadora tenha acesso ao
conhecimento mais bem elaborado, como denuncia Pistrak (2000): a escola tem que
estar a serviço da classe dominante ou não terá razão de existir.
Isso leva aos intelectuais materialistas históricos afirmarem com muita
precisão que a transformação da escola capitalista, fica na dependência da revolução
que transforme a sociedade de classes. Vejamos o que nos coloca Saviani (2008, p.
257):

[...] a sociedade capitalista se funda exatamente na apropriação privada


dos meios de produção. Assim, o saber, como força produtiva
independente do trabalhador se define com propriedade privada do
capitalista. O trabalhador, não sendo proprietário de meios de produção,
mas apenas de sua força de trabalho não pode, portanto, se apropriar do
saber. Assim, a escola pública, concebida como instituição de instrução
popular destinada, portanto, a garantir a todos o acesso ao saber, entra
em contradição com a sociedade capitalista.

No entanto, mesmo reconhecendo esta realidade objetiva recorremos a


Snyders (1981, p. 394): “Contudo, há tarefas pedagógicas que são possíveis e
necessárias na sociedade atual: não aguardaremos o dia imediato à revolução para
tirar da escola o máximo que ela possa dar”. Essas tarefas pedagógicas incluem
certamente os professores com interesse na transformação social, o que exigirá
trabalhar com a dimensão política do conhecimento, tendo em vista que, segundo o
próprio Snyders (1981) ser professor é atuar nas duas pontas da corrente, numa é
fazer uma revolução social e na outra é dar aulas amanhã cedo.
Tanto Saviani (2008) como Mészáros (2005) apontam para esta outra
possibilidade contra hegemônica no interior da escola capitalista. Chamamos ao
diálogo Mészáros (2008, p. 71-72), que nos diz:

A educação para além do capital visa a uma ordem social


qualitativamente diferente. Agora não só é factível lançar-se pelo
caminho que nos conduz a essa ordem como o é também necessário e
urgente. Pois as incorrigíveis determinações destrutivas da ordem
existente tornam imperativo contrapor aos irreconciliáveis
antagonismos estruturais do sistema do capital uma alternativa
concreta e sustentável para a regulação da reprodução metabólica
social, se quisermos garantir as condições elementares da sobrevivência
humana. O papel da educação, orientado pela única perspectiva

245
Corpo, Trabalho e Educação

efetivamente viável de ir para além do capital, é absolutamente crucial


para esse propósito.

Assim, enquanto professores, fazer chegar aos nossos alunos alguns


pressupostos que os estimulem pensar a realidade objetiva torna-se fundamental, o
que exige empenho também da parte deles para as devidas apropriações:
 Selecionar os conhecimentos mais bem elaborados;
 Ensinar aos nossos alunos como pensam os dominantes, para que eles possam
articular pela dimensão política, os conhecimentos estratégicos para os
enfrentamentos;
 Trabalhar com conteúdos que possam ser contextualizados para a realidade
onde se viva, conhecimentos esses com forte consistência teórica, já que esta é
a competência que a escola deva dar aos seus alunos via formação humana,
para que ele na atividade prática possa mediar a competência teórica com a
tácita. Em outras palavras, dar clareza ao papel do conhecimento teórico na
orientação da atividade prática, esta como fundamental para que se possam
materializar as transformações sociais.

Nesse contexto, seguimos acreditando que a escola seja determinante para


que possamos fazer as rupturas necessárias, ainda que ela esteja a serviço da
sociedade capitalista e seja funcional à sua reprodução. O que é um movimento
social, senão uma estratégia política da classe trabalhadora dentro de uma sociedade
de classes para romper com os determinantes hegemônicos? Nessa perspectiva, “ir
às ruas” tem significado da luta de classes nas suas amplitudes possíveis e
necessárias, o que infere que este ato se concretize também no interior da escola,
pois se é verdadeira a premissa de que ela seja um instrumento a serviço do capital,
também é possível que ela exerça um papel social que abra perspectivas contra
hegemônicas.
O que é o movimento social senão a forma mais autêntica de homens e
mulheres serem históricos nos seus protagonismos? Para Marx e Engels (2006), tem-
se que o primeiro ato histórico foi a produção dos meios que permitiriam aos
homens a conquista de suas necessidades básicas de sobrevivência, a própria vida
material.

246
Corpo, Trabalho e Educação

Este é um reconhecimento sobre o poder da escola e precisamos tê-la a favor


dos trabalhadores, por ser sua única possibilidade de apropriação do conhecimento
mais bem elaborado. Que significado isso tem no movimento que gera as políticas
públicas para a educação? Por que os governos, ao negociar com os trabalhadores da
educação nos negam sempre as condições objetivas para nosso trabalho, praticam
desmandos, desfazem as nossas conquistas acordadas com eles próprios? Por que a
formação de professores foi aligeirada?
Ocorre que, diante das condições objetivas estamos afunilando a próxima
revolução por uma condição que tem centralidade no conhecimento mais bem
elaborado, o qual não ocorre em outro local mais qualificado que a escola. Na contra
mão destas premissas contra hegemônicas, o atual modo de produção sabe que as
alterações no mundo do trabalho a partir das repetidas crises do capitalismo
mudaram o foco da luta e da resistência da classe trabalhadora. Diante disso, dar
uma formação não crítica, pragmática, sem consistência teórica para os professores,
é ação necessária para que o Estado burguês/capitalista possa se manter hegemônico.

Public policies and education: formation, professionalization, and intervention of physical


education teachers in a tupinikim country

Abstract: This article has as objective to understand how the directions of Brazilian public
policies, especially those related to the educational field, have an influence on formation and
professional intervention of teachers. As crop for the production of analysis and intended
research, we treat the case of training in physical education, precisely because in this area of
knowledge there is a build-up of debates and reflections on the dilemmas involving the issue
of professionalization, especially since it has suffered in recent decades with the interference
and interests arising from the market and the productive sector, strongly represented by the
professional career council. The dialectical historical materialism method is taken as
epistemological, theoretical and political support of this bibliographical study, which
directed us to understand reality without unlink it from history, to highlight the
contradictions and class interests that are present.
Keywords: Formation. Professionalization. Professional intervention.

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248
Corpo, Trabalho e Educação

A Base Nacional Comum Curricular e a Educação Física:


alguns apontamentos críticos

Marcos Renan Freitas de Oliveira (UEPA) 56


Marcely Pricila Rosa da Silva (SEMED – Bragança) 57
Amanda Batista da Cruz (SEMED – Bragança) 58

Resumo: O presente artigo analisa a inserção do componente curricular Educação Física no


projeto educacional do MEC, materializado na terceira versão da BNCC. A pesquisa é de
natureza bibliográfica e documental, a partir da análise crítica da terceira versão da BNCC
subsidiada pela produção do conhecimento sobre o tema. Constata que a inserção da
educação física no projeto educacional do MEC, se dá mediante a sua exclusão na educação
infantil, ao seu alinhamento a pedagogia das competências, a opção pelo movimento humano
como objeto de estudo, enquadrados nos cuidados com a saúde e lazer/entretenimento, a
superficialidade e linearidade das unidades temáticas e objetos de conhecimento, entre outras
contradições apresentadas no documento. Conclui que, a BNCC apresenta-se como síntese
dialética de projeto de formação humana em disputa, em que até o presente momento
encontra-se alinhada com as demandas e as necessidades do ideário neoliberal.
Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular. Educação Física. Formação Humana.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo analisar a inserção do componente


curricular educação física no projeto educacional do MEC, materializado na terceira
versão da BNCC. Tal objetivo surge do interesse de conhecer as novas políticas
educacionais propostas pelo Ministério da Educação (MEC), em um contexto
histórico permeado por retrocessos no campo da formação humana dos sujeitos que
estão na escola pública brasileira. Dessa forma, trazemos o seguinte questionamento:
Como o componente curricular Educação Física integra o projeto educacional do
MEC, materializado na terceira versão da Base Nacional Comum Curricular?
Silva, Pires e Pereira (2016) sintetizam o momento sombrio da sociedade
brasileira desde o golpe de Estado que culminou com impeachment da Presidente
Dilma Rouseff e ascensão ao Poder o ilegítimo Michel Temer como “assalto a
democracia”, tendo em vista que este governo não tem legitimidade política para

56
Mestre em Educação, Universidade do Estado Pará.
E-mail. marcosrenanef@yahoo.com
57
Graduada em Educação Física, Secretaria Municipal de Educação de Bragança.
E-mail: marcelyrosa20@hotmail.com
58
Graduada em Educação Física, Secretaria Municipal de Educação de Bragança.
E-mail: amandacruz2006@hotmil.com

249
Corpo, Trabalho e Educação

governar e está aprofundando uma política de ajuste fiscal que se materializa nos
cortes de políticas públicas e sociais, sobretudo no campo educacional:

[...] fim do pacto pela alfabetização na idade certa; fim do Pronatec –


Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego; fim do
programa Ciência sem Fronteiras na graduação; fim do Portal do
Diploma; cujo objetivo era evitar fraudes na obtenção e na revalidação
dos diplomas; corte de cerca de 90 mil bolsas de estudo do FIES –
fundo de financiamento estudantil; revogou e alterou nomeações para o
Conselho Nacional de Educação; acabou com a SECADI, secretaria do
MEC responsável pelas políticas de diversidade e inclusão; extinção do
programa de alfabetização Brasil Alfabetizado; e o mais grave: com a
pretendida mudança no regime de exploração do pré-sal, vai acabar
com o fundo social que repassaria à educação 75% dos recursos dali
advindos. Some-se a tudo isso o corte de 20% nas bolsas de PIBIC, a
não re-edição do edital PIBID e o corte de até 45% no orçamento das
universidades e IFs para 2017, abrindo caminho para a extinção do
ensino superior público gratuito, sonho neoliberal. (SILVA; PIRES;
PEREIRA, 2016, p. 10).

É nesse contexto complexo e contraditório que o Ministério da Educação do


Governo Temer assume a direção e condução dos trabalhos de elaboração da BNCC
que é um “documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao
longo das etapas e modalidades da Educação Básica” (BRASIL, 2017, p. 07, grifo
do autor).
A primeira versão da BNCC foi disponibilizada para consulta pública online
no site do MEC entre outubro de 2015 a março de 2016 e as contribuições foram
sistematizadas por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), além disso, recebeu parecer
crítico de diversos pesquisadores de Universidades públicas e privadas. As
contribuições e críticas feitas à versão preliminar subsidiaram a elaboração da
segunda versão que foi publicada em maio de 2016, a qual passou por seminários
realizados pelas Secretarias Estaduais de Educação em todas as Unidades da
Federação, sob a coordenação do Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME), além de ter tido a contribuição de especialistas de outros países. Em
abril de 2017 o MEC publicou a terceira versão do documento que foi entregue ao

250
Corpo, Trabalho e Educação

Conselho Nacional de Educação (CNE) para a realização de audiências públicas nas


cinco regiões do Brasil. (BRASIL, 2017)
Sabemos que os marcos legais imprime a necessidade para a elaboração e
implementação de uma BNCC para nortear a construção dos currículos nas escolas
pública, de modo que a Constituição Federal 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional n° 9.394/96 (LDB), as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Básica, o Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE) e diversas
políticas educacionais fazem referência a necessidade de construção de uma BNCC.
Apesar das legislações supracitadas preverem a necessidade de elaboração e
implementação de uma BNCC os questionamentos sobre a necessidade desse
documento movimenta a produção do conhecimento sobre o tema. Rocha e Pereira
(2016) analisaram as produções sobre a BNCC em periódicos científicos e
classificaram seus achados em três categorias nucleares: a) oposição à ideia de
BNCC; b) críticas ao processo de produção textual da política curricular; c) defesa
de uma BNCC. Tal estudo demonstra que, o movimento de elaboração de uma
BNCC é mediado por posicionamentos divergentes e contradições.
Entretanto, quando o Governo Temer assumiu a presidência do Brasil e
nomeou o ministro da educação Mendonça Filho do Partido Democratas (DEM),
iniciou o desmonte do processo de elaboração da BNCC:

[...] alterando o seu calendário, o ritmo dos trabalhos, excluindo o


ensino médio para discussão à parte e, sobretudo, mudando os
interlocutores, para incluir (mais) representantes do setor privado e
defensores de propostas anacrônicas, como o projeto Escola sem
Partido e a bancada evangélica, sempre contra discussões sobre gênero
e direitos das pessoas LGBT, por exemplo. (SILVA; PIRES;
PEREIRA, 2016, p. 12).

Além disso, Temer revogou os conselheiros do CNE indicados por Dilma e


nomeou membros que defendem a concepção educacional alinhada com sua política
de ajuste fiscal. Em seguida, o Governo redefiniu a composição do Fórum Nacional
de Educação (FNE), nomeando órgãos do governo e representantes do setor
educacional privado.
Diante desse contexto, o próprio comitê gestor e a comissão de especialistas
que atuaram na elaboração da BNCC lançaram nota manifestando críticas e

251
Corpo, Trabalho e Educação

preocupações com os encaminhamentos tomados em relação à BNCC a partir do


governo Temer59. A Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da
Educação (ANFOPE)60, a Associação Brasileira de Currículo (ABdC)61, a
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)62 e tantas outras
entidades educacionais também lançaram nota criticando o processo de elaboração,
discussão e a sua implementação, principalmente a partir dos encaminhamentos do
Governo Temer.
Tais fatos demonstram que a política educacional é marcada por conflitos e
processos de descontinuidade, em que cada legenda partidária imprime a sua
concepção de formação humana para os filhos e filhas dos trabalhadores. Por isso, é
de extrema relevância compreender o movimento a inserção do componente
curricular educação física na terceira versão da BNCC, a partir do projeto
educacional neoliberal do Governo Temer.
Para subsidiar a investigação, a produção dos dados deste estudo, foram
obtidos por meio da pesquisa bibliográfica e documental. Segundo Minayo (2000) a
pesquisa bibliográfica é a primeira tarefa do pesquisador, capaz captar a luz que o
objeto emite na realidade empírica. Tal investida possibilita o pesquisador traçar a
moldura na qual o objeto se situa, com vistas a buscar diferentes pontos de vista,
vários ângulos sobre o problema, assim verificar suas lacunas e regularidades, suas
conexões e mediações e demonstrar como a produção do conhecimento situa o
objeto em questão.
A pesquisa documental que se vale “de materiais que não receberam ainda
um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os
objetos da pesquisa”, como é o caso da BNCC, documento analisado nesta pesquisa
(GIL, 2002, p. 50-51).
Para Evangelista (2012, p. 03) a pesquisa em documentos oficiais para e
educação “expressam não apenas diretrizes para a educação, mas articulam
59
Disponível em: <http://www.mieib.org.br/wp-content/uploads/2017/06/BNCC-Nota-de-
Esclarecimento-Comite%CC%82-Assessor-e-Especialistas.pdf>.
60
Disponível em: <http://ced.ufsc.br/files/2017/09/Nota-ANFOPE-repudia-a-BNCC-.pdf>.
61
Disponível em: <http://www.anped.org.br/news/associacao-brasileira-de-curriculo-abdc-
encaminha-documento-ao-cne-no-contexto-das-audiencias>.
62
Disponível em: <http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/18261-cnte-
analise-a-terceira-versao-da-base-nacional-curricultar.html>.

252
Corpo, Trabalho e Educação

interesses, projetam políticas, produzem intervenções sociais”. Além do que, para a


autora é impossível qualquer investigação de políticas públicas para a educação
brasileira que desconsidere a conjuntura contemporânea, como informa Neves (2004
p. 01 apud EVANGELISTA, 2012, p. 53),

Os anos de 1990 do século XX e os anos iniciais deste século no Brasil


vêm sendo palco de um conjunto de reformas na educação escolar que
buscam adaptar a escola aos objetivos econômicos e político-
ideológicos do projeto da burguesia mundial para a periferia do
capitalismo nesta nova etapa do capitalismo monopolista.

Ainda no diálogo, sobre as políticas educacionais via documentos oficiais,


faz-se “necessário, então, captar as múltiplas determinações da fonte e da realidade
que a produz; significa dizer captar os projetos litigantes e os interesses que os
constituem, que tampouco serão percebidos em todos os seus elementos”
(EVANGELISTA, 2012, p. 59), assim sendo,

O que a fonte silencia pode ser mais importante do que o que proclama,
razão pela qual nosso esforço deve ser o de apreender o que está dito e
o que não está. Ler nas entrelinhas parece recomendação supérflua,
entretanto deve-se perguntar-lhe o que oculta e por que oculta: fazer
sangrar a fonte. (EVANGELISTA, 2012, p. 61).

As fontes documental e bibliográfica trazem uma compreensão de mundo,


de sociedade, de homem e educação. Então, permiti-nos captar as concepções
políticas e ideológicas dos documentos analisados, além das influências da
conjuntura que as produziu.
O trabalho está organizado em três tópicos. No primeiro, apresentamos os
posicionamentos divergentes em torno da BNCC. No segundo, discutimos sobre a
educação básica como direito e algumas contradições em torno da elaboração e
implementação de uma BNCC. No terceiro, analisamos a organização da Educação
Física na BNCC. E por fim, traçamos as considerações finais, como síntese dialética
do debate apresentado neste trabalho.

A BNCC EM CONFRONTO: CONCEPÇÕES E VISÕES CRÍTICAS

A criação de uma BNCC está relacionada aos processos formais que tangem
a educação nacional, haja vista que, é um documento elaborado pelo MEC sob a

253
Corpo, Trabalho e Educação

justificativa que está prevista nas legislações educacionais, que irá direcionar e
delimitar as aprendizagens essenciais para a educação infantil e para o ensino
fundamental.
O MEC tenta imprimir certo consenso em torno da criação de uma BNCC
afirmando que houve um amplo debate em nível nacional por meio de consulta
pública online, seminários estaduais, audiências públicas regionais e outras
iniciativas, e para tanto anuncia na apresentação do documento que “a BNCC é fruto
de amplo processo de debate e negociação com diferentes atores do campo
educacional e com a sociedade brasileira” (BRASIL, 2017, p. 05).
Entretanto, Arroyo (2006) compreende a BNCC como um conjunto de
“políticas outorgadas do alto” em que ser sujeito de direitos, principalmente por
parte dos educadores perdem-se sentidos e significados deste sujeito tão importante
no contexto educacional, pois “seu caráter impositivo, unificador representa um
controle dos avanços que vinham acontecendo nas lutas por direitos, pelo direito à
educação, à cultura, ao conhecimento, trazidos pela diversidade de movimentos
sociais” (ARROYO, 2016, p. 16).
Outra questão que os representantes do MEC tentam esclarecer é que BNCC
não é currículo, mas apenas vai subsidiar a construção dos projetos pedagógicos das
escolas:

Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das


redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das
propostas pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a
política nacional da Educação Básica e vai contribuir para o
alinhamento de outras políticas e ações. (BRASIL, 2015, p. 08).

O nota da ABdC (2017) sobre a terceira versão da BNCC nos instiga a


refletir que uma Base seria um ponto de partida e não o ponto de chegada. Porém, o
que documento apresenta e define são competências, habilidades, metas e resultados
que os estudantes terão que alcançar ao final do processo de escolarização e que os
professores terão que materializar em suas práticas pedagógicas.
Apesar de a BNCC anunciar que, as competências e diretrizes são comuns,
sendo o currículo diversos afirmando uma denominação já abordada pela LDB sobre
a importância do desenvolvimento das competências como saberes essenciais e não

254
Corpo, Trabalho e Educação

apenas como conteúdos mínimos a serem ensinados. Considera relevante esclarecer


os antônimos entre equidade e igualdade, o primeiro fazendo referencia a
diversidade dos currículos em cada rede de ensino e o segundo pressupõe os direitos
de aprendizagem essenciais que devem ser alcançados por todos os alunos
(BRASIL, 2017).

Se a igualdade é pactuada em nível nacional, a equidade é efetivada nas


decisões curriculares e didático-pedagógicas das Secretarias de
Educação, no planejamento do trabalho anual das instituições escolares,
nas rotinas e nos eventos do cotidiano escolar, levando em conta as
necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim
como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais. (BRASIL, 2017,
p. 11).

O documento esclarece que sempre haverá uma articulação para o


cumprimento da BNCC, mas os currículos serão organizados pelas redes de ensino,
sempre através de regime de colaboração para se alcançar os objetivos esperados.
A BNCC considera que os conteúdos escolares devem estar a serviço de
competências, relacionando as práticas de conhecimentos que são aplicadas “[...] de
forma ampla (conceitos, procedimentos, valores e atitudes). Assim, ser competente
significa ser capaz de, ao se defrontar com um problema, ativar e utilizar o
conhecimento construído.” (BRASIL, 2017 p. 16).
O documento também define dez competências a serem desenvolvidas,
quais sejam: “[...] valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos
[...]”, “[...] recorrer a abordagem própria da ciência [...]”, “utilizar os conhecimentos
das linguagens”, “utilizar as tecnologias digitais de comunicação [...]”, “valorizar a
diversidade dos saberes e vivencias culturais[...]”, “argumentar com bases em fatos
[...]”, “[...] cuidar da saúde física e emocional [...]”, promover o respeito pelo
próximo, “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade resiliência
e determinação[...]”. (BRASIL, 2017, p. 18-19). De forma resumida, esses são as
competências a serem desenvolvidas no processo da educação básica. “Em síntese,
esse conjunto de competências explicita o compromisso da educação brasileira com
a formação humana integral e com a construção de uma sociedade justa, democrática
e inclusiva.” (BRASIL, 2016, p. 19).
A defesa da pedagogia das competências é inaugurada na terceira versão, as

255
Corpo, Trabalho e Educação

versões anteriores traziam o conceito de direitos e objetivos de aprendizagem, o que


demonstrava que os estudantes são sujeitos de direitos –, mesmo que na
materialidade os direitos e objetivos de aprendizagem, estavam “alinhados” as
exigência do mercado de trabalho, além de reduzir a educação apenas ao processo de
aprendizagem. Entretanto, a terceira versão da BNCC “joga limpo”, isto é, afirma
que a educação deve estar a serviço de competências práticas ditadas pelo mercado
de trabalho em tempos de padrão acumulação flexível.
Essa nova lógica para a formação dos trabalhadores vem sendo instituída
por um conjunto de reformas estruturais via políticas educacionais oficiais para a
América Latina e o Caribe, a partir da década de 80 do século XX, sob a orientação
dos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o
Banco Mundial (BM), num projeto/processo de “mundialização da educação”
(MELO, 2003), tendo em vista ajustar a formação dos trabalhadores às novas
exigências do mundo do trabalho. Essas agências internacionais preconizam que, no
mundo do trabalho, a palavra de ordem é empregabilidade, matriz fundamental para
diminuir uma das principais consequências da globalização e das políticas
neoliberais: o desemprego. E, no campo educacional, a matriz formativa
fundamental é a construção de competências individuais e flexíveis, capazes de
tornar os trabalhadores mais empregáveis.
É possível perceber que a concepção de educação e os objetivos traçados na
BNCC são para reafirmar uma conjuntura está alinhada com as demandas de
princípios do sistema capitalista, apesar de estar repetidas vezes descrito na BNCC a
sua sintonia com uma sociedade democrática, igualitária, justa e inclusiva. Porém,
não fica explícito quais são os meios que serão mobilizados para atingir estes ideais
e como a educação poderá contribuir para a transformação da realidade social.
Martinelli et al. (2016, p. 79) afirma que “um documento nacional como uma base
curricular deveria centrar-se em uma educação que contribua para o
desenvolvimento pleno das capacidades humanas, afim de formar um sujeito que
compreenda a realidade social e suas contradições”.
O professor como o principal sujeito no processo de implementação da
BNCC é sempre visto sob um viés coadjuvante, chegando em algumas linhas nem
mesmo a ser percebido, desta forma verificamos uma concepção reducionista do

256
Corpo, Trabalho e Educação

verdadeiro papel do professor na BNCC.


Concordamos com Arroyo (2016, p.16) quando analisa que:

[...] essas autorias docentes são reconhecidas ou ainda os professores


são pensados desqualificados no que ensinar, como educar as crianças,
os adolescentes, os jovens-adultos com que trabalham? A BNCC e esse
conjunto de documentos vindos do alto se justificam em uma visão
extremamente negativa, desqualificada dos professores: entrega-lhes o
cardápio intelectual pronto e reduzir sua função a requentar a marmita.

A implementação da BNCC vai mobilizar quatro políticas centrais: 1)


política nacional de formação de professores; 2) política nacional de materiais e
tecnologias educacionais; 3) política nacional de infraestrutura escolar; 4) política
nacional de avaliação da educação básica (BRASIL, 2017). Diante desse contexto
cabe questionar: onde será incorporada a política nacional de valorização, salário,
carreira dos professores? Ao que tudo indica esse esquecimento é necessário para o
esvaziamento do trabalho docente e para responsabilização do professor quando as
notas das avaliações em larga escala não se enquadrarem nos ranques educacionais a
nível nacional.

A EDUCAÇÃO BÁSICA COMO DIREITO: ALGUMAS QUESTÕES PARA ALÉM DA


BNCC

A educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) é


disputada por concepções e interesses de diversos grupos políticos, sob a dualidade
de uma educação para os filhos da classe trabalhadora e outra para os filhos da
classe burguesa. Tal dualidade ganha materialidade em uma sociedade
historicamente marcada pela desigualdade social e econômica, consequências de um
modelo de produção social da vida sob a égide do capitalismo, que influencia
diretamente nas políticas públicas educacionais. Sendo assim, torna-se um desafio
tanto à oferta da educação para todos, como também a garantia da qualidade desta
oferta, voltada para uma sociedade de direitos mais justa e democrática.
(DICKMANN; PERTUZATTI, 2016)
A educação pública no Brasil foi construída por meio da luta dos
movimentos sociais, em que foi garantida na Constituição Federal de 1988 no Art.

257
Corpo, Trabalho e Educação

205 – “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho”. Da mesma forma, tal obrigação do Estado com a educação pública
também foi garantida na LDB n° 9.394/96 no Art. 2: “a educação, dever da família e
do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
De acordo com Dickmann e Pertuzatti (2016), a Educação Básica refere-se,
então, ao conjunto de atividades formais e não formais destinadas a suprir as
necessidades essenciais de aprendizagem dos educandos, em que o fator que garante
o direito à educação e a sua inscrição é a idade, estabelecida dos quatro aos
dezessete anos como obrigatoriedade.
A educação a nível nacional, estadual e municipal se materializa por meio
de políticas públicas, por esse motivo a implantação de programas educacionais é
imprescindível para a educação alçar um patamar que associe acesso gratuito e de
qualidade para todos, da mesma forma em deve estabelecer ações que garanta a
permanência dos estudantes na escola.
Para Freire (2001), a educação não é um processo neutro, não podendo ser
vista fora do processo político, ela precisa ser comprometida com a sua própria
qualidade, com a qualidade de vida das pessoas, ser semeadora de bons princípios, e
para ser uma educação democrática precisa respeitar a voz dos seus envolvidos,
descentralizando as decisões e democratizando o poder. Dessa forma, pode-se dizer
que para alcançar novas possibilidades e horizontes dentro da educação brasileira,
será necessário que todos os programas, políticas e leis que visam desenvolver o
setor educacional possam convergir para um mesmo caminho, onde se tenha
flexibilidade, tolerância e humanidade dentro e fora do ensino.
Considerando a complexidade histórica com que se consolidou a educação
brasileira, bem como a diversidade de documentos, leis e programas criados pelas
políticas educacionais em diversas esferas, podemos verificar que a BNCC
representa um documento que busca articular e enquadrar a totalidade de ações no
campo educacional aos seus princípios e fundamentos, imbricados pelas

258
Corpo, Trabalho e Educação

competências gerais que todos os estudantes devem atingir no processo educacional.


Os idealizadores das políticas educacionais veem na BNCC um agente de
alteração da precarização da educação, como se competências e habilidades dentro
de um currículo único, homogêneo, fechado e nacional garantissem a transformação
da realidade complexa e contraditória vivenciada nas escolas brasileiras, no sentido
de garantir a qualidade.
O processo de implementação de um projeto político educacional como a
BNCC, que define o conjunto de conteúdos e habilidades necessárias aos estudantes
da educação infantil e fundamental, para todos os componentes curriculares deve
enfrentar dificuldade tanto no processo de legitimação quanto de aceitação por parte
comunidade acadêmica e escolar devido não dialogar com os problemas e
dificuldades dos sujeitos que constroem a escola pública.
Nesse sentido, a BNCC ao invés de gerar o desenvolvimento e a qualidade
em que está descrita no documento, pode causar indignação e repulsa nos
professores que estão nas escolas, principalmente se outros obstáculos para o
trabalho docente não forem transformados para além de uma BNCC, como por
exemplo, melhorias na infraestrutura da escola, na formação continuada do
professor, na valorização profissional, salarial e de carreira, nas condições de
trabalho e transporte, na disponibilidade de materiais didáticos e tecnológicos, de
todos os sujeitos que compõem a escola.
Para Alferes e Mainardes (2014) a construção de uma base nacional
curricular pode se constituir como uma perspectiva emancipatória e formadora de
sujeitos críticos ou um mero instrumento de homogeneização curricular,
favorecendo uma padronização na ação educativa dos professores tendo a formação
competências e preparação para o mercado de trabalho.
Para tanto, Arroyo (2016) explica para que a BNCC possa constituir-se
como uma possibilidade superadora das desigualdades sociais e educacionais ela
precisa incorporar lutas dos trabalhadores empobrecidos, dos indígenas, negros,
quilombolas, mulheres, LGBT por afirmar-se como sujeitos de direitos e, portanto
ampliar e qualificar as lutas desses sujeitos por condições de vida digna e pela
emancipação humana.

259
Corpo, Trabalho e Educação

A EDUCAÇÃO FÍSICA NA BNCC: APONTAMENTOS CRÍTICOS

A Educação Física na BNCC para o ensino fundamental integra a “Área das


linguagens”, junto com língua portuguesa, arte e língua inglesa. Para tanto, vale
destacar que a BNCC define a educação física:

A Educação Física é o componente curricular que tematiza as práticas


corporais em suas diversas formas de codificação e significação social,
entendidas como manifestações das possibilidades expressivas dos
sujeitos e patrimônio cultural da humanidade. Nessa concepção, o
movimento humano está sempre inserido no âmbito da cultura e não se
limita a um deslocamento espaço-temporal de um segmento corporal ou
de um corpo todo. Logo, as práticas corporais são textos culturais
passíveis de leitura e produção. (BRASIL, 2017, p. 170).

Referindo-se à área de Linguagens, consta BNCC, que as atividades


humanas, geralmente, são vistas em dois eixos: o eixo da “produção” (a ação do
homem sobre as coisas pela qual transforma a natureza) e o eixo da “comunicação”
(a ação do homem sobre outros homens, desenvolvendo-se as relações
intersubjetivas fundadoras da sociedade). E, se a Linguagem é comunicação, infere-
se que a interação entre sujeitos que participam do ato comunicativo se dá com e
pela linguagem. Levando em consideração que “cada ato de linguagem não é uma
criação em si, mas está inscrito em um sistema semiótico de sentidos múltiplos e, ao
mesmo tempo, em um processo discursivo” (BRASIL, 2017, p. 59). Assim, o
conhecimento humano é entendido como o resultado das ações intersubjetivas,
concebidas pelas atividades coletivas, de modo que o conhecimento será sempre
construído por diversas formas de linguagens. (BRASIL, 2017)
Diante dessas definições, Martineli et al. (2016) apontam que a Educação
Física, dentro dessa área de conhecimento, integrada aos demais componentes
curriculares, tem como principal finalidade contribuir para a constituição da
subjetividade humana. Pois, a educação física tende a compreender o enraizamento
sociocultural das linguagens, aumentando as oportunidades de uso das práticas de
linguagens, conhecendo a organização das manifestações humanas e com elas
constroem essas relações.
Neira e Souza Júnior (2016, p. 196) declaram que a área de Linguagens na
escola refere-se ao estudo dos significados atribuídos aos códigos linguísticos,

260
Corpo, Trabalho e Educação

corporais e artísticos das diversas culturas, tendo como objetivo ampliar o potencial
de compreensão e produção textual e discursiva, da sensibilidade estética e dos
conhecimentos relacionados à cultura corporal de todos os alunos. Compreender a
Educação Física como um componente da área de Linguagens sugere-se que sejam
trabalhadas atividades didáticas que propiciem aos estudantes a ler e produzir as
manifestações culturais e corporais, elaboradas como textos e contextos idealizadas
pela linguagem corporal.
No entanto, Arroyo (2016, p. 21) faz alguns questionamentos e traz algumas
reflexões sobre a Educação Física na Base Nacional como:

Educação Física na BNC e nas práticas das escolas conseguirá educar


as outras áreas, os currículos, a prática pedagógica escolar para
reconhecer e trabalhar a plural riqueza de linguagens dos corpos? Nessa
direção teríamos de rever que linguagens dos corpos destaca a BNC e
as práticas da Educação Física, que visão destacam dos corpos dos
educandos. Os aspectos esportivos, competitivos, os movimentos não
são as linguagens corpóreas que esgotam o que os corpos de crianças,
adolescentes repõem a uma pedagogia que se pauta por manter os seus
corpos imóveis, silenciosos, disciplinados. Corpos ideais para
pedagogias de ensino, de transmissão de conteúdos para corpos que se
quer passivos, atentos ao mestre que ensina.

O mesmo autor também cita que a ênfase no Comum, no Nacional pode


induzir ao pensamento de que só há uma única linguagem corpórea, comum,
nacional a ser trabalhada. E, nessa visão seletiva de linguagens corpóreas como
comuns, nacionais poderia ser entendida como uma volta aos tempos de práticas
únicas impostas, militarizadas. (ARROYO, 2016, p. 21)
Para Neira e Souza Júnior (2016, p. 198) a BNCC vem propor a
compreensão sócio-histórica e política das diversas manifestações da cultura
corporal de movimento, por meio de objetivos de aprendizagem que visam
conquistar a participação crítica na esfera pública por todos os grupos da sociedade,
de modo que a BNCC defende não técnicas melhores ou piores de aprendizagem, e
que não se quer determinar um único modelo a ser seguido, visto que essa postura
não estaria de acordo com uma sociedade multicultural e democrática como a nossa
atual sociedade.
De acordo com Moreira et al. (2016, p. 68),

261
Corpo, Trabalho e Educação

[...] os objetivos gerais da área de Linguagens para a educação básica,


centralizam-se na língua portuguesa, especificamente na leitura e
escrita, enquanto que os demais campos de conhecimento sugerem uma
interpretação de acessório ou meio para que aqueles sejam
desenvolvidos.

Com isso, o componente curricular Educação Física, que tem como objeto
de estudo as práticas corporais, não é apenas uma linguagem corporal, e sim uma
área de estudo multidisciplinar e de intervenção pedagógica, entendida como um
campo de conhecimento específico que necessita ser beneficiado em suas
particularidades. (MOREIRA et al., 2016, p. 68)
Sobre essa questão, Martineli et al. (2016, p. 82) defende que a educação
física inserida na área de Linguagens, valoriza demasiadamente a subjetividade
humana, recorrendo a um método de ensino em que prevalece a vivência e a
experimentação da prática, desvalorizando tanto a mediação do professor na
transmissão do conhecimento quanto a apropriação, em sua totalidade, dos
conhecimentos da cultura corporal. E, essa situação pode ser observada na escolha
dos “objetivos de aprendizagens”, os quais, de certa maneira, desconsideram os
conteúdos de ensino.

A necessidade histórica de garantir acesso à especificidade da educação


física é fulcral, porque a assimilação do conhecimento da cultura
corporal contribui para nos tornarmos humanos, visto que este envolve
um complexo de ação, que permite elevar o padrão cultural e esportivo
dos indivíduos, mediante o desenvolvimento da capacidade humana de
entender, explicar, agir no enfretamento da realidade concreta.
(MOREIRA et al., 2016, p. 69).

O que pode ser visualizado na terceira versão BNCC que é a educação física
é apêndice da área das linguagens, tendo em vista não apresentado uma
caracterização convincente sobre a inserção da educação física nessa área. Tal
constatação pode ser visualizada nas competências gerais da área da linguagem que
não consegue estabelecer qualquer relação com as competências específicas do
componente curricular educação física.
Podem-se verificar também no documento que são estabelecidas três
características fundamentais comuns às práticas corporais: movimento corporal
(elemento essencial); organização interna (de maior ou menor grau); e produto

262
Corpo, Trabalho e Educação

cultural (relacionado ao lazer/entretenimento e/ou o cuidado com o corpo e a saúde).


Em vista disso, compreendem-se as práticas corporais como sendo aquelas
efetivadas fora do ambiente de trabalho, dos afazeres domésticos, dos hábitos
higiênicos e das práticas religiosas, as quais os sujeitos se incluem por motivos
específicos, sem caráter instrumental. (BRASIL, 2017, p. 171-172)
A concepção de educação física, vinculada estritamente ao campo da
promoção da saúde e do lazer, tendo o movimento humano como objeto de estudo,
tem acumulado diversas críticas no cenário acadêmico-científico. Pois, com base
nesta concepção, a educação física é sinônimo de educação do corpo,
eminentemente biológico, desconsiderando que a questão da saúde e do lazer é
síntese de múltiplas determinações e definidas pelas condições objetivas de vida.
A BNCC define a cultura corporal de movimento como objeto de estudo da
Educação Física, sendo que todas as práticas corporais tematizadas, constituem
umas das seis unidades temáticas tratadas no decorrer do ensino fundamental, sendo
elas: Brincadeiras e jogos; Esportes (marca, precisão, técnico-combinatório,
rede/quadra dividida ou parede de rebote, campo e taco, invasão ou territorial e
combate); Ginásticas (geral, de condicionamento físico e de conscientização
corporal); Danças; Lutas; e Práticas corporais de aventura.
Em relação a esse exposto Moreira et al. (2016, p. 70) citam que essa forma
de retratar a cultura corporal na BNCC,

[...] definem as práticas corporais como abstrações, sem nexo com a


realidade concreta e reduzindo sua concepção ao lazer e à saúde, que
também são tratados no manuscrito como idealizados, desconsiderando
a concretude da existência humana, tendo em vista que na sociedade
capitalista, o lazer e a saúde são tratados como mercadorias, que estão
acessíveis a poucos, ou seja, àqueles que concentram a riqueza e dela
podem usufruir, comprando este lazer e saúde, diferentemente da
maioria da população, alijada dos direitos anunciados na Carta Magna.

Para Neira e Souza Júnior (2016, p. 196-197), no que diz ao objeto de


estudo da Educação Física, admitem que a cultura corporal de movimento é o
próprio conteúdo das aulas, visto que se trata tanto do conhecimento específico que
qualificará a leitura que se fazem das práticas corporais disponíveis na sociedade,
quanto da sua reconstrução crítica na escola.

263
Corpo, Trabalho e Educação

Segundo consta na BNCC, de maneira inicial todas as práticas corporais


podem ser trabalhadas em qualquer etapa e modalidade de ensino. Porém, alguns
critérios devem ser considerados com relação à progressão do conhecimento como
os elementos específicos de cada prática corporal, as características dos sujeitos e os
contextos de atuação. Desse modo, a delimitação das habilidades privilegia oito
dimensões de conhecimento: experimentação; uso e apropriação; fruição; reflexão
sobre a ação; construção de valores; análise; compreensão; e protagonismo
comunitário.
Com relação a essas definições Moreira et al. (2016, p. 70) assinalam que
existe uma inconsistência dos critérios de progressão e conteúdos no decorrer dos
anos e dos ciclos e isso pode possibilitar que o professor aplique os mesmos
objetivos e conteúdos em todos os ciclos. Da mesma forma, que faltam
esclarecimentos sobre como se dará a associação entre os objetivos de aprendizagem
e as oito dimensões apresentadas na BNCC.
De acordo com a terceira versão da BNCC para garantir o desenvolvimento
das competências específicas, cada componente curricular apresenta um conjunto de
habilidades. Essas habilidades estão relacionadas a diferentes objetos de
conhecimento – aqui entendidos como conteúdos, conceitos e processos –, que, por
sua vez, são organizados em unidades temáticas. (BRASIL, 2017)
Nesse sentido, os objetos de conhecimentos e as habilidades elencadas
dentro dos objetos devem materializados de modo a garantir o desenvolvimento de
competências gerais da BNCC, da área do conhecimento e da especificidade do
componente curricular (Ver Quadro 1).
Da mesma forma que, as competências da área das linguagens não dialogam
com a educação física, as competências específicas desta não apresenta qualquer
relação com área a qual está inserida. Outra problemática que podemos visualizar é
que o documento não apresenta quais critérios foram estabelecidos para afirmar que
essas competências são as mais valiosas para serem apreendidas pelos estudantes no
decorrer do ensino fundamental.
O Ensino Fundamental – Anos Iniciais na BNCC, como proposta curricular
para a Educação Física, estão divididas em dois blocos, sendo o primeiro composto
pelo 1º e 2º ano, e o segundo pelo 3º, 4º e 5º ano. Desse modo, para o primeiro bloco

264
Corpo, Trabalho e Educação

(1º e 2º ano) a proposta como objeto de conhecimento a serem trabalhados são:


Brincadeiras e Jogos; Esportes; Ginásticas; e Danças. Já para o segundo bloco (de 3º
ao 5º ano) as propostas seguem as do bloco anterior, acrescida das Lutas.

Quadro 1 - Competências específicas da Educação Física para o ensino fundamental


1. Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a
organização da vida coletiva e individual;
2. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de
aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do
acervo cultural nesse campo;
3. Considerar as práticas corporais como fonte de legitimação de acordos e condutas
sociais, e sua representação simbólica como forma de expressão dos sentidos, das emoções
e das experiências do ser humano na vida social;
4. Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os
processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais;
5. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal,
analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas
consumistas e preconceituosas;
6. Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e
combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus
participantes;
7. Interpretar e recriar os valores, sentidos e significados atribuídos às diferentes práticas
corporais, bem como aos sujeitos que delas participam;
8. Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural
dos povos e grupos, com base na análise dos marcadores sociais de gênero, geração,
padrões corporais, etnia, religião;
9. Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento
em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde;
10. Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e
produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário;
11. Utilizar, desfrutar e apreciar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes,
lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo.
Fonte: Brasil (2017, p. 181).

Com relação aos jogos e brincadeiras, ao que foi definido na BNCC, pode-se
observar uma incoerência na interpretação da diferença entre os dois, levando em
consideração suas concepções e objetivos de aprendizagem, sendo que Jogos e
brincadeiras possuem suas particularidades, mesmo que ambos estejam inseridos na
cultura corporal. (MOREIRA et al., 2016, p. 70-71)
Nos anos finais do ensino fundamental a proposta da base é o conhecimento
mais aprofundado da EF, sendo que está organizada em dois blocos 6º e 7º, 8º e 9º

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Corpo, Trabalho e Educação

ano. As propostas temáticas para o 6º e 7º ano incluem jogos e brincadeiras (jogos


eletrônicos), esportes, ginásticas, danças, lutas, praticas corporais de aventura como
temática inédita para esse nível de ensino. Para o 8º e 9º ano as propostas incluem
todas as temáticas do bloco anterior excluindo apenas brincadeiras e jogos.
Podemos inferir que existe uma superficialidade e linearidade na
organização das unidades temáticas e objetos do conhecimento da educação física na
BNCC, em que não estão claros os critérios de para distribuição e nem os critérios
de progressos deste ao longo dos ciclos, isto é, nega-se os princípios de seleção e
sistematização dos conhecimentos, principalmente o da simultaneidade dos
conteúdos (SOARES et al., 2012). Uma hipótese para a delimitação e organização
pode ser que na a definição de que os conteúdos menos complexos devem ser
ensinados nos anos iniciais e mais complexos devem ser ensinados nos anos finais.
Alguns exemplos dessa assertiva podem ser visualizados quando a unidade
temática “jogos e brincadeiras” não constam no 8° e 9° ano do ensino fundamental.
Da mesma forma, que a unidade temática de “lutas” não consta no 1° e 2° ano do
ensino fundamental e as práticas corporais de aventura não deve ser ensinada nos
anos iniciais do ensino fundamental.
Uma questão que chama atenção nas habilidades a serem desenvolvidas nas
unidades temáticas é a negação do estudo da história das práticas corporais como
elemento fundamental para apreender o seu contexto do surgimento, o seu
movimento e seu estágio de desenvolvimento. Serem a conhecimento histórico da
ginástica é impossível compreendê-la em sua totalidade.
Para além das questões supracitadas, questionamos que: se considerarmos a
diversidade da cultura corporal construída historicamente pelos brasileiros nos seus
mais cinco mil municípios é possível delimitar um conjunto de práticas corporais
obrigatórias e universais para todas as escolas? Com certeza, não!
Também trazemos para a reflexão sobre a materialidade destes
conhecimentos na realidade da escola pública brasileira se consideramos a
precariedade dos espaços (em alguns casos estes não existem) em que os professores
de educação física ministram suas aulas, sem material didático para ensinar os
conteúdos. Alguns exemplos como jogos eletrônicos, e as práticas de aventura, visto
que demandariam materiais específicos e espaços adequados e que também

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Corpo, Trabalho e Educação

exigiriam um investimento em infraestrutura das escolas se contrapondo as reais


condições impostas no cenário econômico, político e educacional do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A terceira versão da BNCC publicada no Governo Temer aprofunda as


contradições e conflitos em torno da necessidade ou não de um documento com as
pretensões e intencionalidades nas dimensões evidenciadas no documento, para
educação básica. Diante de todas as modificações inauguradas da versão atual do
documento pela sua equipe de governo (não possíveis de serem analisada em um
artigo) não temos dúvidas que sujeitos que se colocam contrários à elaboração de
base possivelmente implementada nos moldes do atual Governo se multiplicam em
todos os Estados brasileiros.
Constatamos que o componente curricular educação física integra o projeto
educacional neoliberal do Governo Temer mediante a sua exclusão na educação
infantil, ao seu alinhamento a pedagogias das competências, a opção pelo
movimento humano como objeto de estudo, enquadrados nos cuidados e com a
saúde e lazer/entretenimento, a superficialidade e linearidade das unidades temáticas
e objetos de conhecimento, negando os princípios curriculares de seleção e
sistematização do conhecimento, quando não contempla a historicidade das práticas
como nas habilidades a serem desenvolvidas, entre outras questões que merecem ser
melhor analisadas.
Concluímos, afirmando a necessidade da comunidade acadêmica e escolar
se apropriar e posicionarem frente às concepções e opções que fundamentam a
projeto educacional imbricado na BNCC que se apresenta como síntese dialética de
projeto de formação humana em disputa, em que até o presente momento encontra-
se alinhada com demandas e necessidades do ideário neoliberal.

National Common Curricular Base and Physical Education: some critical considerations

Abstract: This article analyzes the insertion of the curricular component physical education
in MEC's educational project, materialized in the third version of BNCC. It is characterized
by bibliographical and documental research, based on critical analysis of the third version of
BNCC, subsidized by the knowledge production about the subject. It notes that the insertion
of physical education in MEC's educational project is done through its exclusion in

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Corpo, Trabalho e Educação

childhood education, its alignment with the pedagogy of competencies, the option for human
movement as study object related to health care and leisure/entertainment, the superficiality
and linearity of thematic units and objects of knowledge, among other contradictions
presented in the document. It concludes the BNCC presents itself as a dialectical synthesis of
a disputed project of human formation, in which, until now, it is aligned with the demands
and needs of the neoliberal ideology.
Keywords: National Common Curricular Base. Physical Education. Human Formation.

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