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São Paulo
2015
KELLY CRISTINA RUFINO
São Paulo
2015
Sumário
Resumo............................................................................................................................01
Abstract............................................................................................................................01
Verbo Itinerário...............................................................................................................02
REFERÊNCIAS..............................................................................................................18
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RESUMO
ABSTRACT
This article aims explore discussions about the linguistic phenomena from the beginning
of the second decade until the middle of the fourth decade of the twentieth century,
present in the active and passive correspondence of Mario Raul de Moraes Andrade
(1893 - 1945) with Manuel Carneiro de Sousa Bandeira (1886 - 1968), Pio Lourenço
Corrêa (1875 - 1957) and Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987). Polygraph, the
modernist writer preached the use of Brazilian variant of the Portuguese language,
writing it in his domestic correspondence with wide range of colloquial expressions.
Also will be presented results of the process of antedating of words that aims to obtain
more accurate data of language development along time as an effort to get accuracy in
etymological dating Brazilian Portuguese.
Verbo Itinerário
A obra nunca foi finalizada pelo autor, que deixou anotações e rastros, nas
correspondências e documentos dispersos do que seria a Gramatiquinha. Concebida
como obra fictícia, Mário não deixou qualquer metodologia de análise para elaboração
de uma gramática, somente a estrutura geral de um índice, envelopes com documentos
anotados, uma caderneta intitulada Língua Brasileira, folhas avulsas, recortes de jornais
com artigos a respeito da língua e autógrafos dispersos em livros de sua biblioteca.
Além da edição crítica elaborada pela Prof. Edith Pimentel Pinto, há uma edição
genética, feita a partir dos manuscritos presentes no arquivo de Mário de Andrade
pertencente ao IEB – USP que foi organizada por Aline Novais de Almeida, em sua tese
de mestrado orientada pela Prof. Therezinha A. Porto Ancona Lopez, em 2013. O
trabalho esmerado de Aline revela, assim como o texto da Prof. Edith Pimentel Pinto, a
intenção de Mário em criar uma gramática não gramatical e não normatizada, mas uma
obra de ficção, como parte de seu projeto de ideologia estética modernista com o intuito
de forçar a aceitação da variedade brasileira da língua e validar seu uso literário, assim
como ele próprio fazia em suas obras.
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Registrado datado mais antigo da palavra.
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necessita de fontes históricas datadas para que seja realizada com rigor, como orienta
Mário Eduardo Viaro:
(ANDRADE, 1927) 2. São cerca de 10.200 fichas com estudos de Pio Corrêa, muitas
delas com apontamentos linguísticos, hoje no fundo PCL.
2
Fragmento de carta de Mário de Andrade a Pio Lourenço Corrêa de 24 de janeiro de 1927 publicada na
edição anotada por Denise Guaranha e Tatiana Longo Figueira, Pio & Mário diálogo da vida inteira, p.
101.
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(...) Arre também! não vá pra Cumbuquira “concertar” o fígado que você se
estraga completamente, que coragem! Isso acho que é demais. Apesar de suas
razões que já conheço hoje, concertar com c, pra qualquer sentido da palavra
está consagrado definitivamente. Vamos: me retruque que o “hontem”, o
“geito” e o “precêgo” também estavam concertados definitivamente entre
escritores e que então eu não devia concertá-los. Você está certo, mas a
minha resposta é o “brinque-se”! Por enquanto. Porque se vier uma nova
reforma ortográfica mandando distinguir definitivamente consertar e
concertar, assim farei em nome da minha desindividualização teórica. Viva a
humanidade! (...) (Andrade, 2001, 26 jan. de 1935).
da Língua Portuguesa, criado em um dos Acordos da década de 30, para uso oficial até
que a Academia Brasileira de Letras estabelecesse vocabulário próprio.
Manuel Bandeira, visto como coautor e grande amigo por Mário de Andrade,
auxiliava-o também em questões linguísticas que geraram discussões frutíferas e
influenciaram até mesmo outros intelectuais do círculo intelectual mutuo dos
correspondentes. O conjunto das correspondências é vasto, proporciona grande campo
de pesquisa e fonte histórica reveladora da interlocução de dois grandes intelectuais
brasileiros.
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Grande estudioso autodidata da língua Pio Lourenço Corrêa, o Tio Pio, que
assim era chamado por Mário de Andrade por pura familiaridade, pois na verdade Mário
era primo de sua mulher, Zulmira, vivia em Araraquara e era 17 anos mais velho que o
modernista. Mário, acostumado a se corresponder com grandes intelectuais e escritores
de sua época, via em Pio Corrêa interlocutor especial para suas discussões linguísticas,
como revela a Manuel Bandeira em carta de 09 de janeiro de 1935, escrita em
Araraquara, na chácara Sapucaia, propriedade de Pio Corrêa:
(...) Aliás, por exemplo, nestas férias, aqui com meu tio Pio Lourenço nesta
chacra em que Macunaíma nasceu, vivemos falando diário no Sousa da
Silveira. Meu tio, abalizadíssimo em português, como creio já contei pra
você, venera o Sousa da Silveira, tem todas as obras dele em todas as
edições, ficha os escritos dele etc. Eu também, você já sabe. Ora, nossas
conversas aqui são exclusivamente de língua ou de história natural .(...) Em
língua, aliás, não nos entendemos, porém só na questão que se deve atualizar
a língua literária brasileira de acordo com a... psicologia linguística da fala
brasileira atual (...). (Andrade, 2008, 9 fev. de 1935)
A correspondência entre Mário e Pio estendeu-se de 1917 até 1945 e conta com
um acervo de 84 cartas. A “chacra” em Araraquara era refúgio do escritor modernista e
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foi o berço de Macunaíma, como o autor divulgou largamente que foi escrito em sete
dias, em uma de suas estadas na casa de Pio. A discussão linguística estabelecida entre
os dois correspondente contribuiu, também para a composição do léxico de Macunaíma:
A carta que contém o trecho acima é extensa, sobretudo para os padrões de Pio
Corrêa, que ao contrário de Mário de Andrade escrevia missivas curtas e diretas, traz o
título de “Uma dissertação contra o agá” e nela Pio discorre sobre sua preferência pelo
não o uso da letra h na mesóclise “perdoar-me-há” formada pelo verbo no infinitivo,
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Neologismo de Pio Lourenço Corrêa
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para isso recorre a seu amplo conhecimento linguístico, apresentando argumentos com
exemplos que provam o uso desnecessário da letra h, nesse caso.
O New Standard nem bem chegou: funcionou, pois. Com todo o peso
intelectual dele me deu pra mim um ar de abalizado com bastante suficiência
e... conspicuidade. Desculpe o neologismo e o “pra mim”. Do neologismo
careci, por fatalidade de expressão. E o “pra mim”, se fosse excluído tornava
a frase ambígua e jamais que o sr. não sabia com certeza se a suficiência, a
base e o neologismo qualificavam o dicionário ou este seu criado. (Andrade,
2009, 18 jun. de 1928)
Para Carlos Drummond de Andrade, Mário foi mais que amigo, foi o professor
pioneiro em pedagogia à distância através das cartas. Engajado no seu projeto de
identidade nacional o autor utilizou de todos os recursos, incluindo os linguísticos, para
fazer Drummond “realizar o Brasil”. No inicio da correspondência, em 1925, Mário
recebe carta do escritor itabirano, que à época não entendia a cultura brasileira como
material para trabalho literário, e percebe naquele momento que o Brasil perderia um
grande escritor brasileiro.
O corpus das missivas dos dois escritores compreende o período de 1924 a 1945,
um longo caminho no qual Mário de Andrade colocou os pés com amor pedagógico
desde o começo. Em Drummond via o aluno, cheio de sede de saber literário e com o
passar dos anos o amigo, admirado por suas grandes qualidade humanas e literárias.
Entre os escritores, no espaço da carta, foram criadas e cocoricadas muitas das que
seriam as grandes obras da Literatura nacional.
A aventura que me meti é uma coisa séria já muito pensada e repensada. Não
estou cultivando exotismos e curiosidades de linguajar caipira. Não. É
possível que por enquanto eu erre muito e perca em firmeza e clareza e
rapidez de expressão. Tudo isso é natural. Estou num país novo e na escureza
completa duma noite. Não estou fazendo regionalismo. Trata-se duma
estilização culta da linguagem popular da roça como da cidade, do passado e
do presente. É uma trabalheira danada que tenho diante de mim. E possível
que me perca mas que o fim é justo ou ao menos justificável e que é sério,
vocês podem estar certos disso. Não estou pitorescando o meu estilo nem
muito menos colecionando exemplos de estupidez. O povo não é estúpido
quando diz "vou na escola”, “me deixe”, “carneirada”, “mapear”, “besta
ruana”, “farra", “vagão”, “futebol”. É antes inteligentíssimo nessa aparente
ignorância porque sofrendo as influências da terra, do clima, das ligações e
contatos com outras raças, das necessidades do momento e de adaptação, e da
pronúncia, do caráter, da psicologia racial, modifica aos poucos uma língua
que já não lhe serve de expressão porque não expressa ou sofre essas
influências e a transformará afinal numa outra língua que se adapta a essas
influências. Então os escrevedores estilizam esse novo vulgar, descobrem-lhe
as leis embrionárias e a língua literária, única que tem reconhecimento
universal (aqui sinônimo de culto) aparece. (...). (Andrade, 1982, 18 fev.. de
1925)
De acordo com os dados acima, o terminus a quo da palavra futebol, com grafia
abrasileirada é de 1933, porém o Mário de Andrade emprega a grafia brasileira em carta
de 1925 constando-se a retrodatação da data presente no dicionário Houaiss & Villar
(2001). O autor, perspicaz à psicologia da variante brasileira da Língua Portuguesa
notou o quanto os estrangeirismos enraizados na cultura brasileira necessitavam ser
abrasileirados.
Dessa forma o escritor experiente orientava o amigo a escrever cada vez mais de
acordo com o português do Brasil, incutindo nele o senso de amor à pátria. Por sentir
esse amor nacionalista, Mário, em longa carta de 23 de agosto de 1925 desabafa ao
discípulo Drummond o quanto sofre por seu posicionamento linguístico:
REFERÊNCIAS
Correspondência
ANDRADE, Mário de. Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. Org.;
intr. e notas de Marcos Antonio de Moraes. São Paulo. Edusp, 2000 (2 ed., 2001).
__________, Mário de; CORREA, Pio Lourenço. Pio & Mário: diálogo da vida inteira.
Estabelecimento de texto e notas de Denise Guaranha; estabelecimento de texto, das
datas e revisão ortográfica de Tatiana Longo Figueiredo. São Paulo: Edições SESC-SP/
Ouro Sobre Azul, 2009.
ALMEIDA, Aline Novais de. Edição genética d’A Gramatiquinha da fala brasileira de
Mário de Andrade/ Aline Novais de Almeida; São Paulo, 2013. 1211 f. Dissertação
(Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas , Departamento de
Letras Clássicas e Vernáculas . Universidade de São Paulo - S.P.
Estudos linguísticos