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09/11/2016 ­ 05:00

Economista ataca modelo de assistência social do país
Por Marina Falcão

Economista e professor Sérgio Buarque: A PEC criou essa armadilha de criar uma
urgência para a reforma da Previdência, e essa armadilha é muito boa"
O economista Sérgio Buarque, 71 anos, pensa quase como o irmão mais velho, o senador Cristovam Buarque (PPS­DF),
mas tem a língua um pouco mais afiada. "O Bolsa Família é assistencialismo barato", dispara, ciente da enxurrada de
críticas que pode receber pela declaração, mas aparentemente pouco preocupado com elas.

Especializado em desenvolvimento regional, mestre em sociologia e professor aposentado da Universidade de
Pernambuco (UPE), Buarque acredita que o principal programa de transferência de renda implementado pelo PT no fundo
serve como álibi para não se fazer transformações estruturais no Nordeste.

Nas últimas décadas, diz o economista, não houve nenhuma política que atacasse a menor competitividade da região em
termos de qualificação profissional e inovação. O resultado dessa omissão é vergonhoso: desde os anos 1950, o Nordeste
permanece com apenas em torno de 13% de participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional. A renda per capita da
região é metade da média do país.

Sócio da consultoria Multivisão Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários, com sede em Brasília, Buarque é
completamente favorável à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 (agora, no Senado, rebatizada como PEC 55),
que, para ele, não fortalece desigualdades regionais e sociais, ao contrário do proclamam representantes da esquerda
tradicional no Brasil. De acordo com o economista, a concretização da PEC 241, que ainda precisa passar pela tramitação
no Senado, vai promover o que ele chama de "realismo orçamentário", que pressupõe disputa política.

Buarque refuta a ideia de Estado mínimo do ponto de vista tributário, mas é totalmente contra o Estado empreendedor.
"Mudei muito minha posição política, mas o que mudou mesmo foi a realidade do Brasil e do mundo".

Confira a seguir a entrevista concedida exclusivamente ao Valor, do Recife, onde o economista reside.

Valor: O senhor tem dito que é totalmente favorável à PEC 241/55, mas que o horizonte de tempo é discutível. Afinal, 20
anos é um prazo adequado?

Sérgio Buarque: Nós precisamos de um prazo longo para ajustar as finanças públicas. Ao contrário do que se diz
muitas vezes, o que o governo fez foi uma opção pelo ajuste suave. Dada a gravidade da crise, seria um desastre social
fazer um ajuste mais rápido. Se você considera que este ano temos de cara um déficit de R$ 170 bilhões e um nominal que
vai a R$ 600 bilhões, fazer um ajuste para ter um superávit esse ano seria um trauma. Devemos precisar de no mínimo
cinco anos para começar a ter algum superávit primário, sem criar um drama de curto prazo. Nesse sentido, dez anos seria
pouco. Posso até imaginar que pudesse ser 15 anos, mas eu terminaria concordando com um prazo longo mesmo.
Valor: Uma das críticas que se faz a PEC 241/55 é o fato de ela não estabelecer um teto também para o pagamento do
juros. O que o sr. acha disso?

Buarque: É para pagar dívida mesmo; não é pecado pagar dívida. O que a PEC faz é manter despesas primárias do
ponto de vista global fixas a preços de hoje para, se a economia volta a crescer acompanhada da receita, ter dinheiro para
pagar juros. E com isso impedir que a nossa dívida continue crescendo. Não é pagar aos banqueiros, porque a dívida está
distribuída de forma que todo mundo que tem dinheiro no banco é credor do governo. Quem tomou uma decisão drástica
de não pagar dívida foi Collor. Ao contrário de países como a Grécia e a Argentina, lá atrás, onde a dívida era externa, no
Brasil 90% da dívida pública é interna. O que eu acho grave é que a nossa dívida tem um componente de curto prazo
grande, em que 35% vence em dois anos. É exatamente nesses dois anos em que estamos nesse aperto. Precisaríamos rolar
a dívida mais dois ou três anos, com uma renegociação de prazo.

"Mesmo bem estruturado tecnicamente, o Bolsa Família é assistencialismo barato, um álibi para não
fazer transformações"

Valor: A PEC 241/55 não define que saúde e educação vão ter menos recursos, mas torna o crescimento de investimento
nessas áreas uma decisão política anual. Isso não representa um voto de confiança muito grande ao governo?

Buarque: Agora, como diz Cristovam, é que eu quero ver se os políticos e se a sociedade vão priorizar a educação. Agora a
gente vai discutir política orçamentária e acho que isso é muito bom. Até hoje o que tínhamos era um querendo um
pouquinho mais aqui, outro um pouquinho mais lá, daí vinham as emendas parlamentares, aquela esculhambação, uma
coisa caótica. Acho que a PEC vai criar o realismo orçamentário, que pressupõe disputa política na distribuição de
recursos. Na hora que dizemos que não vamos mais gastar mais nada que determinado valor, aqui embaixo tem que se
negociar tudo. Será que população que elegeu os seus deputados não vai brigar para que haja aumento do orçamento da
Educação?

Valor: O sr. concorda com a afirmação de que a PEC 241/55 reforça desigualdades sociais e regionais?

Buarque: Não vejo onde. Do ponto de vista regional, já não temos um política regional e vamos continuar não tendo. Ou
seja, não pode piorar algo que não existe e no qual nossos políticos nem estão pensando. Costumo dizer que o
desenvolvimento do Nordeste não é preciso muitos financiamentos, mas sim de investimentos para melhorar as
vantagens competitivas da região. Somos muito piores em educação, o nível de escolaridade é mais baixo, as notas do
Ideb são piores, somos muito mais fracos em inovação, universidades e centros de pesquisa. Nossa infraestrutura é pior.
Enquanto esses componentes forem ruins, o governo fica dando compensação como isenção imposto de renda e
financiamento subsidiado, mas acho que isso é secundário. O que deveríamos ter era uma política nacional que faça com
as regiões se equiparem dentro das vantagens competitivas. Se tivermos R$ 100 bilhões para educação, onde investir?
Onde a educação é mais fraca. Isso nunca se fez. Deveria haver pressão política, mas ninguém se mobiliza. Só há
mobilização por incentivo, por transferências de curto prazo e de impacto direto no empresário. O problema é que o que
muda o Nordeste não é o empresário ter menos imposto de renda. Hoje nossa política regional é refém de imediatismo e
individualismo.

Valor: Se a educação é crucial para o desenvolvimento Nordeste, não dá para dizer a PEC 241/55 é particularmente
pior para a região mais pobre do país?

Buarque: Temos que levar em consideração é que a educação no orçamento da União é majoritariamente ensino
superior. Se fala muito em educação como se orçamento da União representasse tudo que se faz em educação no Brasil,
mas é só universidade, escolas técnicas e o Fundeb. Escolas técnicas e universidades vão ter que se entrar na negociação
anual, mas Fundeb o está fora um pouco fora do teto porque está na alocação de recursos para os estados e municípios. O
Fundeb é 32% do orçamento da educação e representa o que no momento é fundamental, a educação básica.
Particularmente, não acho que é a grande prioridade do pais agora é o ensino superior.

Valor: Como o sr. disse, o que temos de política regional hoje para o Nordeste se resume a financiamentos. Eles serão
prejudicados pela PEC 241/55?
Buarque: Uma parte pequena. O Nordeste tem três instrumentos que funcionam para compensar parcialmente as
desvantagens competitivas da região: o FNE, o FDNE e a isenção de imposto de renda. O FNE, operado pelo Banco do
Nordeste (BNB), é extraorçamentário, então não sofre nenhuma implicação da PEC. Se nós voltarmos a ter aumento da
receitas, ele cresce também porque é um percentual sobre um grupo de impostos. O instrumento que talvez seja o mais
importante, a isenção ou redução de imposto de renda, também está fora da questão orçamentária. Já o FDNE, operado
pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), é orçamentário e é impactado pela PEC. Inclusive ele já
pequeno por causa disso: quando entra no jogo político na elaboração do orçamento, o Nordeste tem talvez menos peso na
negociação.

Valor: Na sua avaliação, o fortalecimento das políticas de distribuição de renda nos anos de governo do PT reduziram
as disparidades regionais?

Buarque: Muito pouco. O Nordeste tem convivido ao longo de décadas representando apenas 13% do PIB nacional e
50% do PIB per capita do Brasil, que já é baixo. É um nó, pois não saímos desse patamar nunca, apenas variamos um
pouquinho mais, um pouquinhos menos. No máximo, chegamos 13,5% do PIB do país, no auge do governo do PT, com
alguma melhora promovida distribuição do Bolsa Família, em que metade dos recursos vão para o Nordeste. Mas só que
isso muito pouco. O que são, na prática, R$ 11 bilhões por ano para o Nordeste do programa? Isso representa 10% do PIB
do Recife. Para um município que tem metade da população com Bolsa Família é importante, mas do ponto de vista do
impacto geral é muito pequeno, pois não é isso que enfrenta a desigualdade regional. Aliás eu chego a dizer, quase sozinho
nesse país, que o Bolsa Família é um assistencialismo barato. Tecnicamente bem estruturado, mas é um álibi para não
fazer as transformações. O que fez foi apaziguar o sofrimento de uma parcela da população, mas não é transformador. Não
se acaba com a pobreza distribuindo migalhas.

"Se tivermos R$ 100 bilhões para educação, onde investir? Onde a educação é mais fraca. Isso nunca foi
feito no Brasil"

Valor: Na sua opinião, o ajuste fiscal não teria que passar pelo componente da receita?

Buarque: Acho que tem que fazer a reforma tributária, que é urgente. Mas o erro não está no tamanho da carga
tributária, mas na estrutura tributária, que tem que ser mais progressiva e menos complicada. Os empresários vão ficar
muito satisfeitos, mesmo pagando o mesmo volume de impostos, se houvesse uma simplificação, porque existe custo
para empresa do ponto de vista da gestão fiscal. Além disso, sou favorável a mais imposto sobre patrimônio, que se cobra
muito pouco, e menos sobre renda. Agora, como a população rica que tem patrimônio é pequena, por mais que você taxe
não resolve a crise tributária no Brasil. Tem ser uma reforma geral, mais ampla. Aos meus amigos empresários que
reclamam muito da carga tributária, eu digo: o país para se desenvolver não tem que ter uma carga tributária menor que
35%. Isso é um pouco menos do que a Alemanha é hoje. Quando você compara o IDH é um desastre. A gente tem quase a
carga da Alemanha com as condições de desenvolvimento muito baixas.

Valor: Então, na sua opinião, o Estado brasileiro não precisaria ser menor?

Buarque: Sou contra essa história de que o Estado tem que ser pequeno. O Estado tem que ser melhor administrado. Se
medirmos o Estado pelo tamanho da sua carga tributária, eu diria que o brasileiro não deveria ser menor. Não deveria se o
país estivesse bem economicamente, muito menos na crise que a gente está hoje. Por outro lado, também não acho que a
carga tributária deve ser maior, porque daí a coisa começa a estrangular. Afinal, é poupança da qual o governo se
apropria. Abriria uma exceção para o aumento da contribuição da Previdência dos servidores públicos, que é o que
provavelmente vai acontecer no curto prazo, se não tivermos uma reforma da previdência mais ampla.

Valor: Então o alvo principal de uma reforma da previdência deve ser o setor público?

Buarque: Quando a gente fala da crise da previdência ela tem nome e endereço: é o setor público, onde 1,3 milhão de
pessoas geram um déficit de R$ 72 bilhões. No setor privado, 28 milhões de pessoas geram déficit de R$ 75 bilhões. A
desproporção é imensa. A reforma que Dilma fez já foi um bom passo, acabando com aposentadoria integral. O problema é
que quem já estava no sistema vai se aposentar com integral e o buraco da previdência é hoje. Tem que fazer uma adendo a
essa reforma, fazendo um programa de transição para quem vai se aposentar. A PEC criou essa armadilha de criar uma
urgência para a reforma da previdência e essa armadilha é muito boa.
Valor: Alguns políticos, como Cristóvão Buarque, passam hoje por um processo de desconstrução ideológica, sendo
questionado pela esquerda. Você também reviu posicionamentos?

Buarque: Eu mudei muito minha visão política, mas o que mudou mesmo foi a realidade do Brasil e do mundo. A gente
não pode pensar com a cabeça dos anos 50, que pregava o Estado empresário, uma mentalidade que surgiu com Getulio
Vargas e se fortaleceu na época da ditadura. Isso não é eficiente e não é progresso do ponto de vista social e econômico. O
Estado não deve ser um empreendedor, investidor, produtor e sim o provedor de serviços. Acho que o Estado pode ser
também um indutor, e nesse sentido o BNDES tem um papel muito importante.

Valor: Sua visão parece muito com a do seu irmão. Algum ponto de discordância entre vocês?

Buarque: A gente conversa muito pouco e pensa muito parecido. Mas há coisas pontuais na visão dele com as quais eu
discordo, como a proposta dele de federalização da educação. Acho que essa medida iria na contramão do pacto
federativo. Concordo que num grau de emergência, a federalização possa ser justificada. Mas você nunca vai fortalecer a
federação se você continuar fazendo com que o prefeito, para conseguir verba para toda e qualquer obra, tenha que ir à
Brasília negociar favores com ministros.

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