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religião e Campo
Simbólico
ISBN - 978-85-7739-595-8
2014
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro
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Maria Ivete Soares de Almeida Ângela Cristina Borges
Jeferson Betarello
Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e licenciado em Filosofia. Autor do livro UNIR PARA
DIFUNDIR-o impacto das federativas no crescimento do Espiritismo, editado pela editora da
Universidade de Franca - UNIFRAN. Co-Organizador dos livros: A Temática Espírita na Pesquisa
Contemporânea / editora CCDPE-ECM;Espiritismo visto pelas áreas de conhecimento atuais /
editora CCDPE-ECM.
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Religião e campo simbólico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 Símbolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Escolas simbólicas: a fenomenologia do sagrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Experiência do sagrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.2 Linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
3.4 Mito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.5. Mitologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.6 Rito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Apresentação
Caro (a) acadêmico (a): o presente material sobre Religião e Campo Simbólico tem como
proposta o estudo da relação entre a religião, a sua matriz cultural e o contexto que a expres-
sa; da reciprocidade entre o significado da religião/religião como significado, ou seja, as relações
entre a religião e os aspectos da cultura humana e os significados que a religião assume para os
seus adeptos. A experiência do sagrado e a sua explicitação por diferentes meios: as crenças e
ritos, as linguagens e os símbolos.
As unidades estão organizadas da seguinte maneira: unidade I, Religião e campo simbólico,
discute a relação entre Religião e Campo Simbólico, linguagem e símbolos. Além disso, fornece
os conceitos necessários para o entendimento do tema, situando-o no contexto brasileiro. A uni-
dade II, Escolas Simbólicas: a fenomenologia do sagrado, trabalha a maneira como em diferen-
tes contextos de pesquisa, relacionados à ciência da religião, trabalhou-se a questão do símbolo.
Apresenta e discute esses referenciais que podem ser considerados clássicos, elencando a crítica
feita a cada uma dessas perspectivas, apresenta a discussão das relações entre símbolo e religião,
ou da dimensão simbólica da religião, a partir de duas perspectivas contemporâneas: as possibi-
lidades abertas por meio da estética da religião e das relações entre expressões corporais e reli-
gião. E, por fim, a unidade III, Experiência do Sagrado, discute a ideia de linguagem, um possível
conceito de mito, a relação entre mito e rito. Além disso, apresenta a relação entre experiência do
sagrado e a expressão simbólica.
Os autores.
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
UNIDADE 1
Religião e campo simbólico
Admilson Eustáquio Prates
Claudio Santana Pimentel
Jeferson Betarello
1.1 Introdução
Prezados acadêmicos, esta unidade discutirá a relação entre Religião e Campo Simbólico.
Este tema é de grande importância para a área de Ciência das Religiões e também bastante com-
plexo. A proposta é fornecer os conceitos necessários para o entendimento do tema e situá-lo no
contexto brasileiro.
Antes de iniciarmos os tópicos da unidade, iremos dialogar sobre linguagem e símbolos, bus-
cando nos preparar devidamente para melhor entender as partes que compõem esta unidade.
1.2 Símbolo
Você já percebeu como as coisas do cotidiano nos parecem tão óbvias, tão “naturais” que
passam despercebidas? Entre elas queremos chamar a atenção para uma muito importante – a
linguagem, a capacidade de nos comunicarmos, fazemos isto o tempo todo sem nos darmos
conta! Porém, esta capacidade é algo muito complexo e específico dos seres humanos.
A linguagem tenta expressar o que pensamos, é claro que ela não consegue, é impossível
exprimirmos fielmente o nosso pensamento, então usamos frases que representam as ideias, as
frases são compostas por palavras, as quais são compostas por letras. E, quando queremos ex-
pressar algo profundo, que não pode ser adequadamente descrito em palavras, utilizamos sím-
bolos. E, para complicar um pouco mais, a linguagem pode ser do tipo simbólica, como ocorre
nos sonhos. Aquilo que vemos nos sonhos é um tipo de linguagem utilizada para nos comunicar
algo de forma simbólica, não necessariamente o que vemos no sonho (e quase nunca é) expressa
a realidade que vivenciamos quando acordados. No sonho recebemos mensagens transmitidas
por símbolos – a representação de um animal, alguém chegando ou indo, uma queda, etc. Coi-
sas que podem ser analisadas e interpretadas num contexto simbólico sociocultural particular a
cada indivíduo, como propõe Jung (1993).
Antes de continuarmos, vale a pena buscar por uma definição do conceito de símbolo. Na
visão psicológica de Jung:
[...] uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além
do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem têm um
aspecto “inconsciente” mais amplo, que nunca é precisamente definido ou de
todo explicado. E nem podemos ter esperanças de defini-la ou explicá-la. Quan-
do a mente explora um símbolo, é conduzida a idéias que estão fora do alcance
da nossa razão. [...] Quando, com toda a nossa limitação intelectual, chama-
mos alguma coisa de “divina”, estamos dando-lhe apenas um nome, que
poderá estar baseado em uma crença, mas nunca em uma evidência con-
creta. Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana
é que frequentemente utilizamos termos simbólicos [...] Esta é uma das razões
por que todas as religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem
através de imagens (JUNG, 1993, p. 20-21 grifo nosso).
Quando estamos no âmbito da religião, deparamo-nos com eventos que não conseguimos
descrever fielmente, assim como ocorre com as nossas ideias que não conseguimos exprimir na
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UAB/Unimontes - 3º Período
totalidade. Como podemos descrever na totalidade e fielmente o que sentimos diante de algo
que para nós é sagrado ou divino? Noutras vezes, precisaríamos de muitas frases para descrever
o significado de algo e, mesmo assim, não esgotaríamos as possibilidades do objeto descrito por
ser ele algo percebido, mas não dado de forma concreta. Eis o porquê da necessidade dos símbo-
los, utilizados para representar algo que transcenda o intelecto, algo que represente algo e, ainda
assim, não esgote aquilo que foi representado.
Glossário:
Divino: relativo a ou
proveniente de Deus ou
de um ou mais deuses
(HOUAISS, 2001).
Obs.: para nós da área
de Ciência da Religião
trata-se de um conceito
bastante complexo que
deve ser devidamente
definido, dependendo Veja o caso em que nos deparamos com uma cruz acima de uma mesa (Figura 1). O que isto
do contexto em que for
utilizado. No caso deste
significa? Podemos simplesmente dizer que se trata de um símbolo cristão, mas isso não esgo-
texto não há necessi- ta o significado desse objeto enquanto um símbolo. Poderíamos prosseguir explicando que foi
dade de se explicitar numa cruz que Jesus foi colocado para morrer, e que ele era o salvador da humanidade, que ela
o conceito, mas sim simboliza o sofrimento do nosso salvador, que a morte dele deu origem ao cristianismo, no qual
registrar a complexida- surgiu a Igreja Católica, da qual saíram as Igrejas Protestantes, e tantas outras.
de dele.
Inconsciente: [...]
Os símbolos podem ser diferenciados entre naturais, que são fruto dos conteúdos incons-
que ou o que não é cientes do indivíduo, e os culturais, que são criados para expressar “verdades eternas” e são utili-
consciente, mas pode zados nas religiões, passando por um longo processo de elaboração tornaram-se imagens coleti-
influenciar o compor- vas nas sociedades em que foram criados (Cf. JUNG, 1993, p. 93).
tamento sob forma Portanto, interessa-nos neste texto os símbolos culturais e, em especial, aqueles que com-
simbólica ou sublimada
(diz-se de processo
põem o campo simbólico brasileiro.
psíquico) [...] (HOUAISS, Após termos dialogado sobre a importância da linguagem e dos símbolos, enquanto possi-
2001). bilidade de expressar aquilo que as palavras não conseguem, iremos analisar nos tópicos a seguir
Sagrado: relativo ou as relações entre religião, campo simbólico, matriz cultural e cultura humana.
inerente a Deus, a uma
divindade, religião, ao
culto ou aos ritos [...]
(HOUAISS, 2001).
Obs.: para nós da área
de Ciência da Religião
1.3 Relaçao entre religião e campo
simbólico
trata-se de um conceito
bastante complexo que
deve ser devidamente
definido, dependendo
do contexto em que for
utilizado. No caso deste Neste tópico discutiremos a importância de explicitarmos bem os conceitos, para que pos-
texto não há necessi- samos entender os aspectos da nossa área de estudo. Em seguida explicitaremos os conceitos
dade de se explicitar necessários ao desenvolvimento do tópico, que são: religião e campo simbólico. Finalizaremos
o conceito, mas sim
registrar a complexida-
apresentando a relação entre religião e campo simbólico.
de dele. Comecemos pelo conceito de religião, uma palavra tão comumente usada. Para o senso co-
mum, ou seja, para as pessoas em geral, religião imediatamente nos remete a ideias como culto,
igreja, fiéis, Deus, ritual, padre, pastor e outras relacionadas com a materialização das religiões
12
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
13
UAB/Unimontes - 3º Período
Note que a citação nos fala de um conhecimento que escapa ao racional, e que está acessí-
vel em um território atingível apenas pelas “flechas de sentido simbólico”. Explicações que aquie-
tam a ansiedade dos seres humanos que necessitam de explicações que façam sentido para as
suas vidas e que não são possíveis pela via do conhecimento racional, mas sim pelos sentimen-
tos, enfim pela fé, um conhecimento simbólico, ou seja, que tem significado especial, aberto e
mutável conforme as situações e indivíduos, o que não é possível no nível do raciocínio lógico,
que deve sempre levar ao mesmo resultado.
Mas o que se entende aqui por campo simbólico? Campo simbólico é o conjunto dos sím-
bolos num determinado contexto. Aqui, no nosso caso, campo simbólico é o conjunto de símbo-
los existentes no contexto religioso brasileiro.
E qual seria a relação entre religião e campo simbólico? A religião tem forte e necessária li-
gação com o campo simbólico, ela utiliza e também produz elementos para o campo simbólico,
ou seja, tanto usa quanto enriquece o campo simbólico. Essa relação é riquíssima e complexa,
podendo ser observada em especial através dos ritos onde as religiões se expressam com grande
conteúdo simbólico.
Observe que as definições de Berger (1985) e Geertz (1977), junto com o que propõe Valle
(2008), estão intimamente ligadas, porque eles nos falam de significados dados pelos humanos
ao universo e coisas que nossa razão não consegue explicar, ou seja, religião como algo criado
pelos seres humanos para dar significado ao universo e coisas que nos afetam. A definição de
Geertz será revisitada e problematizada na Unidade 2.
Conforme Vilhena, a linguagem simbólica privilegiada da religião é o rito. Ele expressa aqui-
lo que o racional não conseguiria expressar. O rito tem significado profundo, elaborado para pos-
sibilitar a sacralização do tempo e do espaço, criando um lugar onde o humano se liga ao trans-
cendente. E também permite expressar o estar aqui entre aqueles a que pertenço, no lugar em
que vivo e que ,por um momento, se sacraliza para o nosso encontro.
O rito é algo que está presente o tempo todo em nossas vidas, não só no contexto religioso,
visando regrar o nosso cotidiano. Quando conhecemos uma pessoa, por exemplo, executamos
um simples ritual onde nos apresentamos dizendo nosso nome, a outra pessoa faz o mesmo, e
apertamos nossas mãos, seria algo muito estranho e desconfortável se alguém não fizesse isso
ao sermos apresentados.
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
[...] onde houver vida social, ali estarão os rituais. Cotidianos ou esporádicos,
marcados previamente ou aleatórios, simples ou complexos, sagrados ou pro-
fanos, ali estarão os ritos a permitir que os sujeitos individuais e coletivos ex-
pressem, socialmente, as articulações entre as subjetividades e as objetivida-
des de que são portadores (VILHENA, 2005, p. 157).
Glossário
Para nós, interessa aqui especialmente o rito religioso, onde podemos captar simbolicamen- Conceito: representa-
ção mental de um obje-
te o que as religiões expressam: seus conhecimentos, visões de mundo, relações entre seus adep- to abstrato ou concreto,
tos (especialistas e leigos), relações com o meio social, etc.. E tudo isso podemos captar, desde que se mostra como um
que devidamente aparelhados teoricamente e com o devido posicionamento diante do objeto instrumento fundamen-
observado. O ritual pode ser muito diverso, dependendo da religião onde se dá. Assim, temos a tal do pensamento em
missa católica, a gira da umbandista, a sessão espírita, o culto protestante e tantas outras formas sua tarefa de identificar,
descrever e classificar os
menos conhecidas de expressão ritual. diferentes elementos e
Há rituais que podem nos chocar, como, por exemplo, o sacrifício de animais, porém isso aspectos da realidade
tem um significado simbólico para a religião que pratica esse ritual, qual seria ele? Não é nosso (HOUAISS, 2001).
foco responder a esta questão, mas sim deixá-la em aberto para que possamos refletir sobre ela Rito: conjunto das
e a importância do que aqui estamos aprendendo para poder responder a esta e outras questões cerimônias e das
regras cerimoniais que
importantes sobre as religiões e suas práticas fundamentadas em conteúdos simbólicos. Da mes- usualmente se pratica
ma forma temos símbolos menos chocantes e que até nos passam despercebidos. Veja o caso numa religião, numa
do tamanho de uma igreja católica, a altura, a distância em que se encontra o altar, elementos seita, etc.; [...] série de
arquitetônicos que nos levam a sentir o quanto somos pequenos, visando expressar a grandeza procedimentos inva-
da igreja e do que ela representa. Assim, temos no contato com os ritos outros elementos sim- riáveis na realização de
determinada coisa [...]
bólicos que configuram o ambiente, por exemplo, separando os iniciados dos leigos, como no (HOUAISS, 2001).
caso do Candomblé e da Umbanda. As cores utilizadas, as oferendas e tantos outros elementos Ritual: [...] conjunto de
simbólicos. Muitos desses elementos expressam aquilo que não podemos ou não conseguimos atos e práticas próprias
dizer ou racionalizar, mas que podemos sentir através daquilo que simbolizam. de uma cerimônia ritua-
Cabe a nós, estudiosos das religiões, saber identificar nos rituais religiosos os significados lística; o culto religioso;
cerimônia, liturgia. [...]
simbólicos, o que nos permitirá determinar aquilo que contemple tanto a diferença quanto a conjunto de atos e prá-
aproximação entre as diferentes formas de expressão da religiosidade humana, sempre respei- ticas próprias de uma
tando na diversidade aquilo que é caro para cada ser humano – a relação com a transcendência cerimônia ritualística
que dá significado para suas vidas. Devemos estar cientes de que não há religião superior, assim [...] (HOUAISS, 2001).
como não existe religião primitiva. Religião boa, do ponto de vista do indivíduo, é aquela que Senso comum: [...] con-
junto de opiniões, idéias
atende aos anseios de seus adeptos. E, do ponto de vista social, é aquela que contribua para que e concepções que,
as pessoas vivam em paz. prevalecendo em um
Neste tópico expusemos a importância dos conceitos para um trabalho acadêmico e expli- determinado contexto
citamos os conceitos de religião e campo simbólico, vimos que a relação entre religião e campo social, se impõem como
simbólico é complexa e rica, esta relação pode ser observada no rito, que é a linguagem que naturais e necessárias,
não evocando geral-
a religião utiliza para expressar o seu conteúdo simbólico. Os ritos são um objeto de pesquisa mente reflexões ou
privilegiado para se observar as representações simbólicas de uma religião, o que nos possibilita questionamentos; con-
melhor conhecê-las. senso (HOUAISS, 2001).
A definição de religião voltará a ser discutida na Unidade 2, item 2.2, mais detidamente.
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UAB/Unimontes - 3º Período
DICA santos católicos ou das entidades espirituais) e, mais recentemente, chegaram elementos oriun-
Para saber mais sobre a dos das igrejas evangélicas e sua cosmovisão.
formação da matriz cul- As religiões são produto do meio cultural onde nascem e as religiões transplantadas vindas
tural brasileira sugeri- de outras matrizes culturais passam por um processo de adaptação e flexibilização, buscando
mos a leitura do livro O adequar-se ao contexto cultural onde se estabelecem, efetivamente fornecendo novas ou me-
povo brasileiro de Darcy lhores opções para os indivíduos expressarem a sua religiosidade. Caso isso não ocorra, elas pas-
Ribeiro.
Sobre como uma matriz sam a enfrentar dificuldades para se estabelecerem e crescerem no novo contexto sociocultural.
cultural pode impactar Isso explica o fato de uma religião que esteja presente em diferentes culturas tenha diferen-
uma religião acesse tes formas de expressão. Veja o caso do Espiritismo que, na França, nasceu com ênfase doutrinária
o livro Espiritismo a em seu aspecto científico e que, ao ser transplantado para o Brasil, passou a enfatizar o seu aspec-
brasileira de Sandra Ja- to religioso. Outro exemplo é o Catolicismo, que tem sua expressão mais voltada para os pobres
cqueline STOLL e o livro
Chico Xavier o grande na América Latina do que na Europa, devido ao contexto socioeconômico, e que sofreu grande
mediador de Bernardo sincretismo no Brasil, ao encontrar-se com os cultos africanos e, mais recentemente, com o Espiri-
Lewgoy. tismo. Esse sincretismo só foi facilitado pelo tipo de Catolicismo aqui implantado pelos coloniza-
Esses títulos foram dores portugueses, mais flexível do que o Catolicismo implantado nas colônias espanholas.
incluídos nas referências No Brasil existem outras religiões que para cá foram trazidas por imigrantes. O intuito aqui
ao final desta unidade.
não é detalhar as diferenças entre as diferentes religiões que compõem o campo religioso bra-
sileiro, o importante é saber que, quanto menos mudanças sejam exigidas para ser adepto de
uma religião, mais fácil será a conversão para ela em um determinado contexto cultural, além de
outros fatores que fogem ao escopo deste texto. Assim, uma religião terá mais chances de se ex-
pandir quanto menos rupturas ela implique com relação à matriz cultural de onde deseja se ins-
talar. Por exemplo: uma religião que exija o aprendizado de uma língua estrangeira de onde essa
religião surgiu exigirá um esforço não requerido por outra religião nascida no Brasil ou que tenha
sua proposta doutrinaria traduzida para o português e adaptada para o contexto cultural brasi-
leiro. Como já citamos, o Espiritismo foi trazido da França e conseguiu se estabelecer e crescer no
Brasil por causa de sua adaptação, seja pelas traduções das obras de Kardec para o português, ou
pelos esforços de aproximação com o Catolicismo, fortemente estabelecido desde a colonização
e grande formulador da matriz cultural brasileira (BETARELLO, 2010; LEWGOY, 2004).
Neste tópico vimos que a matriz cultural impacta diretamente o estabelecimento/cresci-
mento de uma religião, quanto mais próxima uma religião estiver da matriz cultural de um deter-
minado contexto mais facilmente essa religião se estabelecerá/crescerá nesse contexto. Quanto
menos elementos comuns com a matriz cultural estabelecida mais dificuldades uma religião en-
frentará para se estabelecer/crescer.
No caso do nosso povo é preciso ter presente que, desde o início do processo
histórico que lhe deu origem, existiram cortes radicais entre as vivências de raiz
e as das outras sucessivas socializações. A tentativa dos senhores de reorgani-
zar a personalidade com base na religião cristã era subterraneamente minada
pelas imagens e projetos engendrados naquela região mais vital e profunda.
Os símbolos e imagens de sua cultura original, embora reprimidos no fundo
do “porão” cultural, continuavam vivos e atuantes. Nos últimos decênios, o
pluralismo e a permissividade dos ambientes urbanos começou a possibilitar
o surgimento direto desses símbolos vitalmente ligados à experiência original
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
dos oprimidos [...] O homem e a cultura brasileira não encontraram ainda uma
forma cultural integrativa que não seja imposta de fora e de cima. Sua religiosi-
dade se ressente desse contexto alienante (VALLE, 2008, p. 132).
Assim, Valle nos alerta que mal conhecemos nosso campo religioso e ele nos oferece desa-
fios ao aplicarmos conceitos teóricos produzidos em outros países com diferentes culturas.
Vilhena também nos alerta para a complexidade existente naquilo que se produz no campo
da religião, em especial quando nos fala dos ritos:
Não basta assistir aos rituais, ler suas descrições, ouvir falar sobre o que aconte-
ce durante a ação que neles se desenrola, para que possamos, de fato, nos in-
teirar da riqueza de que são portadores, do sentido que os anima, da qualidade
das experiências que neles são vividas. De antemão, somos sabedores de que
o rito não pode ser decodificado jamais, que não nos é possível mergulhar nas
profundidades a que remete, que muito do que lhe é próprio permanecerá in-
devassável a nossos olhares, pois que é indevassável o mistério que o habita e
constitui, tais como são indevassáveis os recônditos da interioridade humana e
da vida social. Por isso dele nos acercaremos sempre com reservas e cuidados.
[...] não caiamos facilmente em generalizações indevidas, em reducionismos
falaciosos, em idealizações anistóricas ou preconceitos paroquiais (VILHENA,
2005, p.35).
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UAB/Unimontes - 3º Período
O campo simbólico brasileiro, fruto de um meio cultural que se constituiu a partir do en-
contro entre: a)portugueses e índios desde a colonização, b) outros povos ao longo do tempo,
c)elementos da globalização, é extremamente complexo e único, assim como outros campos
simbólicos em outros países com suas especificidades, deve ser abordado com cuidado, para se
identificar os seus conteúdos simbólicos adequadamente.
Evidente que devem existir elementos simbólicos comuns a toda a humanidade, o que já
Glossário foi explorado por Jung e outros psicanalistas. Mas, mesmo assim, esses elementos comuns, tais
Sincretismo: [...] fusão como Deus, sofrem uma nova leitura no caldeirão de cada contexto cultural. Dada a flexibilidade
de diferentes cultos ou do significado dos símbolos, estes irão refletir os aspectos culturais de cada contexto, até mesmo
doutrinas religiosas, porque a própria diferença de línguas implica uma diferença naquilo que o símbolo representa,
com reinterpretação mesmo uma diferença mínima pode implementar uma variável no conjunto dos elementos en-
de seus elementos [...].
volvidos e, sendo a linguagem uma tentativa de capturar o pensamento em uma forma repre-
(HOUAISS, 2001).
sentada, esta certamente afetará o campo simbólico.
Dessa forma, mesmo que consigamos identificar elementos culturais comuns ao ser huma-
no, ou seja, pertencentes a todos os povos, esses elementos terão diferente simbolismo em cada
cultura local, seja em maior ou menor grau (veja Unidade 2, item 2.2.2 para mais detalhes).
Isso nos leva ao fato de que símbolos, por causa da diferença de significados, podem ser
utilizados como ponto de convergência entre elementos distintos. Veja o caso do cristianismo
no momento em que se tornou religião oficial do império romano. Era necessário criar pontos
comuns entre o campo simbólico romano existente e a nova religião, de tal forma que o que fos-
se genuinamente romano fosse também cristão. Nesse sentido eleger o dia 25 de dezembro que
era uma data significativa para os romanos – quando se comemorava a festa Natalis Solis Invicti
(nascimento do sol invencível) uma homenagem ao deus persa Mitra, como a data de nascimen-
to de Jesus, foi uma maneira de integrar o que era romano a algo que seria muito importante
para o cristão. A aureola utilizada pelos cristãos em suas figuras santas tinha um significado para
os romanos, os quais representavam seus imperadores envolvidos por elas para destacar a sua
origem nobre ou divina. Assim, quando se olhava para a figura de Jesus com uma aureola o cris-
tão reconhecia uma divindade, enquanto o romano também tinha um elemento simbólico de
sua cultura e se identificava com a figura como sendo algo familiar. Posteriormente os santos e a
virgem Maria passaram a ser representados envoltos por uma aureola.
Figura 3: Santo ►
Antonio, São João e
São Pedro
Fonte: Disponível em
<http://www.msreporter.
com.br/junho-mes-marca-
do-por-tres-conhecidos-
-santos-catolicos-e-seus-
-simbolismos/>. Acesso
em 02 mai. 2014.
Não somente símbolos positivos foram usados oriundos do contexto romano, como no caso
da cruz, que passou de instrumento de suplício dos condenados a símbolo principal do cristia-
nismo, significando, entre outras coisas, a vitória pelo sofrimento dos cristãos. A cruz também foi
usada por Constantino para integrar a fé cristã ao contexto romano.
O mesmo movimento de integração de símbolos podemos ver nas religiões afro-brasileiras,
o processo de sincretismo fundiu elementos simbólicos e produziu representações simbólicas
novas. Na Umbanda temos a figura dos caboclos que simboliza o elemento indígena, os pretos-
velhos representando a presença dos negros, além dos santos católicos que foram associados
18
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
a orixás africanos, tanto na Umbanda quanto no Candomblé, assim temos, por exemplo, Ogum
como São Jorge e Oxossi como São Sebastião.
Pelo que vimos neste tópico, é importante lembrar a importância dos símbolos e a necessi-
dade de se buscar minimizar o impacto das religiões internalizadas por nós na leitura de outras
manifestações do campo religioso que sejam estranhas ao nosso contexto cultural. Os símbolos
são usados para consolidar religiões em matrizes culturais diferentes daquelas onde nasceram.
Referências
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Pau-
lo: Paulus, 1985.
BETARELLO, Jeferson. Unir para difundir – o impacto das federativas no crescimento do Espiri-
tismo. São Paulo: UNIFRAN, 2010.
GEERTZ, Clifford. The interpretation of cultures. New York: Basic Books, 1977. [tradução brasi-
leira: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989].
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
JUNG, Carl G.. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
LEWGOY, Bernardo. O grande mediador: Chico Xavier e a cultura brasileira. Bauru-SP: EDUSC,
2004.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
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VALLE, Edênio. Psicologia e experiência religiosa. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2008.
VILHENA, Maria Ângela. Ritos: expressões e propriedades. São Paulo: Paulinas, 2005.
19
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
UNIDADE 2
Escolas simbólicas: a
fenomenologia do sagrado
Admilson Eustáquio Prates
Claudio Santana Pimentel
Jeferson Betarello
2.1 Introdução
Prezado(a) estudante, nesta Unidade iremos estudar a maneira como em diferentes contex-
tos de pesquisa, relacionados à ciência da religião, se trabalhou a questão do símbolo. Em um
primeiro momento, veremos como se pensou a dimensão simbólica da religião na fenomenolo-
gia da religião (Mircea Eliade) e na antropologia cultural (Clifford Geertz).
Apresentando e discutindo esses referenciais que podem ser considerados clássicos, assim
como elencando a crítica feita a cada uma dessas perspectivas, apresentaremos a discussão das
relações entre símbolo e religião, ou da dimensão simbólica da religião, a partir de duas perspec-
tivas contemporâneas: as possibilidades abertas por meio da estética da religião e das relações
entre expressões corporais e religião.
21
UAB/Unimontes - 3º Período
modo, pois não implica nenhuma precisão suplementar: exprime apenas o que
está implicado no seu conteúdo etimológico, ou seja, que algo de sagrado se
nos revela. Poder-se-ia dizer que a história das religiões – desde as mais primiti-
vas às mais elaboradas – é constituída por um número considerável de hierofa-
nias, pelas manifestações das realidades sagradas. [...]. Encontramo-nos diante
do mesmo ato misterioso: a manifestação de algo “de ordem diferente” – de
uma realidade que não pertence ao nosso mundo – em objetos que fazem par-
te integrante do nosso mundo “natural”, “profano” (ELIADE, 1992, p. 17).
Eliade (1992) insiste na aparente contradição entre a natureza profana de todo objeto e a
sacralidade ou a transcendência que ele passa a manifestar. Ao mesmo tempo em que expressa
um significado religioso, continua a ser aquilo que é; uma pedra, um objeto. Uma observação
importante: para quem está fora daquele contexto religioso, o objeto é percebido apenas em
sua dimensão profana. A pedra é apenas uma pedra, enquanto para um sujeito religioso aquela
mesma pedra é a imagem de uma divindade. A seguir, discutiremos um exemplo tomado da
teologia.
Nosso exemplo vem de um pequeno livro do teólogo católico Leonardo Boff, Os sacramen-
tos da vida e a vida dos sacramentos (BOFF, 2004). Nele, o autor parte de situações cotidianas,
banais até, para desenvolver a noção de sacralidade, e convidar o leitor a compreender o papel
simbólico dos sacramentos na tradição cristã. De modo semelhante à Eliade, pressupõe que a di-
mensão “sagrada” encontra-se de alguma maneira negligenciada na vida moderna.
Vejamos como o sagrado pode estar presente no cotidiano. Boff o encontra na simplicidade
de um toco de cigarro:
Num momento inicial o que se tem é somente um “profano”, para usar a expressão eliadiana,
toco de cigarro. Algo que sequer vemos como um objeto, completo, mas como um resto, algo a
ser descartado, lixo, tão somente. Mas o que pode fazer algo aparentemente desprezível tornar-
se um sacramento (empregando aqui a linguagem que Boff busca na teologia tradicional católi-
ca) e, portanto, algo significativo? Voltemos ao autor:
[...] no envelope que me anunciava a morte [do pai], percebi um sinal da vida
daquele que nos dera a vida em todos os sentidos, e que me passara desper-
cebido: um toco amarelecido de um cigarro de palha. Fora o último que havia
fumado, momentos antes de um enfarto do miocárdio o haver libertado de-
finitivamente desta cansada existência. A intuição profundamente feminina e
sacramental de uma irmã a moveu a colocar esse toco de cigarro no envelope
(BOFF, 2004, p. 22).
A exemplo de Eliade (1992), o que é sagrado não é o objeto em si, mas a relação que ele
manifesta. No caso, a relação de um filho e de uma filha que, diante da perda do pai, “sacralizam”
ou “sacramentalizam” o objeto, que não é mais apenas o profano toco de cigarro, sem qualquer
valor em si, mas se encontra em um contexto que o reveste de um valor símbolo que remete à
figura paterna, para aqueles irmãos.
A maneira como Boff define a presença do sacramento na religião, além de remeter à pró-
pria concepção eliadiana, permite perceber algumas das críticas feitas posteriormente à perspec-
tiva fenomenológica:
Toda religião, cristã ou pagã, possui também uma estrutura sacramental. A reli-
gião nasce do encontro do homem com a Divindade. Esse encontro é mediati-
zado e celebrado no mundo, numa pedra, numa montanha, numa pessoa, etc.
O meio do encontro se torna sacramental. Estes objetos, pessoas ou fatos his-
tóricos se tornam sacramentos para todos aqueles que fizeram uma experiên-
cia de Deus em contato com eles (BOFF, 2004, p. 81).
Encontram-se na definição oferecida por Boff alguns elementos comuns à perspectiva elia-
diana: 1) a universalidade do sagrado, que se manifestaria igualmente em todas as religiões; 2) o
sagrado como hierofania que informa sentido àquilo que, em si mesmo, não o possui, o profano;
3) o sagrado como sinônimo de “Deus” ou “Divindade”.
22
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
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UAB/Unimontes - 3º Período
[...]. De minha parte, eu dirigi meus esforços para, seguindo Parsons e Shils, o
que estou referindo como a dimensão cultural da análise da religião. O termo
“cultura” tem adquirido certa má-reputação nos círculos da antropologia social
devido à multiplicidade de seus referentes e à deliberada imprecisão com que
muitas vezes tem sido invocado. [...]. Em todo caso, o conceito de cultura ao
qual eu aderi não tem nem múltiplas referências nem, até onde eu posso ver,
alguma ambiguidade não usual: denota uma origem historicamente transmi-
tida de significados incorporados em símbolos, como sistema de concepções
inerentes expressas em formas simbólicas por meio dos quais os homens co-
municam, perpetuam e desenvolvem seus conhecimentos sobre e atitudes em
relação à vida (GEERTZ, 1977, p. 89).
Desse modo, para Geertz, os “símbolos sagrados têm como função sintetizar o ethos de um
povo – o tom, caráter e qualidade de sua vida, sua moral e estilo estético e estado de espírito – e
sua cosmovisão – o quadro que se tem sobre a forma como as coisas são na simples realidade,
suas mais abrangentes ideias de ordem” (GEERTZ, 1977, p. 90). Sua importância se deve, como já
mencionamos, à capacidade de agrupar os aspectos cognoscitivos (intelectuais e afetivos) e prá-
ticos; a maneira como as formas de pensar e sentir convergem para a prática.
Comenta Guerriero:
Partindo dessas considerações, Geertz propõe sua desde então famosa definição de religião:
(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, persuasi-
vas e duradouras disposições e motivações nos homens por (3) formular con-
cepções de uma ordem geral da existência e (4) revestir essas concepções com
uma aura de factualidade em que (5) as disposições e motivações parecem sin-
gularmente realistas (GEERTZ, 1977, p. 90. Em destaque no original).
Neste sentido, o objeto da pesquisa já não é o “sagrado” como uma manifestação objetiva
de uma realidade transcendente, mas a forma como as representações religiosas implicam uma
mentalidade a respeito de como a realidade, a vida, se organizam, e de como essa forma de pen-
sar tem implicação no modo de agir de indivíduos e grupos.
Escolhemos o seguinte exemplo para ilustrar, na pesquisa brasileira, como essas interações
se realizam na prática religiosa. Ao analisar a dinâmica da religião popular no contexto urbano,
Passos (2005) explicita que, longe de uma mera e simples substituição do catolicismo pelo pen-
tecostalismo, é a continuidade de uma organização de mundo simbólica que permite ao católico
aderir ao pentecostalismo.
Acompanhando o autor, este diz que a transformação do espaço geográfico e social modi-
ficou a relação do fiel com os santos. Desenraizados, os santos tradicionais declinam em favor
de novos símbolos, mais adequados no novo contexto; “no sentido de produzir um santo gran-
de para o grande espaço, um santo forte para os efeitos incontroláveis da natureza radicalmente
transformada. Daí emergem os santos das causas impossíveis do catolicismo urbano e Jesus no
pentecostalismo” (PASSOS, 2005, p. 67).
Os símbolos religiosos são reorganizados, em um novo contexto. Na passagem do catoli-
cismo rural para o pentecostalismo urbano, Passos analisa essa reorganização na passagem dos
santos populares para a Bíblia:
A Bíblia é o santo que fala e faz, realiza o que pronuncia. A fala do santo, no ca-
tolicismo popular, condiz mais com a realidade cultural pré-urbana, um santo
para um local, um santo para uma especialidade. A palavra do santo católico é
pré-dada pelo imaginário religioso, consolidado pelos papéis definidos e pelo
território semântico restrito; trata-se de uma comunicação basicamente icono-
gráfica, quanto à forma, e fixa, quanto ao conteúdo. A Bíblia é o livro santo das
múltiplas falas (já contém todas as falas), capaz de produzir todos os efeitos, de
modo condizente com a cultura metropolitana, marcada pelas mensagens escri-
tas, pela imediatez da comunicação e pela necessidade da novidade. Enquanto
as relações desterritorializadas caducam o santo localizado, o livro santo é portá-
til e acompanha cada fiel em seus percursos, conectando-o, permanentemente,
com o poder da Palavra, com as bençãos de Deus (PASSOS, 2005, p. 68).
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
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UAB/Unimontes - 3º Período
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Explica Link que, na tradição ocidental, a nudez e também cabelos desgrenhados ou flame-
jantes foram elementos empregados para indicar o não pertencimento do diabo à ordem civili-
zada ( LINK, 1998, p. 77-78). Já no Oriente, o mesmo elemento (cabelo flamejante) podia signifi-
car algo completamente diferente; no caso do budismo, a fúria da divindade em relação ao mal:
27
UAB/Unimontes - 3º Período
Figura 6: Bumba- ►
meu-boi. A luta do
boi pela vida pode ser
lida como a luta do
escravizado por sua
liberdade.
Fonte: Fotografia dispo-
nível em <www.google.
com>. Acesso em julho
de 2014.
Redescobrir esses saberes estigmatizados passa pela leitura de memórias que têm nas lin-
guagens e na comunicação do corpo o seu lugar de expressão:
Dessa maneira, a autora propõe uma trajetória que busca a redescoberta de vozes, gestos,
performances, musicalidade, presentes, por exemplo, na literatura de folhetos (cordel) e nas prá-
ticas religiosas de penitentes nordestinos, assim como a crítica às leituras tradicionais construí-
das desde uma perspectiva predominantemente ocidental, como as de Gilberto Freyre (1900-
1987) e Câmara Cascudo (1898-1986); exigindo perceber suas contribuições, mas também suas
limitações e omissões (ANTONACCI, 2013b).
O que torna tão importante a expressão corporal para tradições africanas e diaspóricas? Por que
estas não podem ser simplesmente reduzidas e interpretadas a partir da lógica e dos valores ociden-
tais, em sua tendência a separar corpo e mente, e a ver o primeiro como passividade? Diz Antonacci:
28
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Referências
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Frank. (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013a, p. 525-537.
ANTONNACI, Maria Antonieta. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo: EDUC,
2013b.
BOFF, Leonardo. Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos: minima sacramentalia. 26.
ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
ENGLER, Steven. A estética da religião. In: USARSKI, Frank (org.). O espectro disciplinar da ciên-
cia da religião. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 199-227.
GEERTZ, Clifford. The interpretation of cultures. New York: Basic Books, 1977. [tradução brasi-
leira: A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989].
GUERRIERO, Silas. Antropologia da religião. In: PASSOS, João Décio; USARSKI, Frank. (org.). Com-
pêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 243-256.
29
UAB/Unimontes - 3º Período
LINK, Luther. O diabo: a máscara sem rosto. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
PASSOS, João Décio. A matriz católico-popular do pentecostalismo. In: PASSOS, João Décio.
(org.). Movimentos do espírito: matrizes, afinidades e territórios e pentecostais. São Paulo: Pau-
linas, 2005, p. 47-78.
SCHMIDT, Bettina E. A antropologia da religião. In: USARSKI, Frank (org.). O espectro disciplinar
da ciência da religião. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 53-95.
SUASSUNA, Ariano. Iniciação à estética. 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.
USARSKI, Frank. Constituintes da ciência da religião: cinco ensaios em prol de uma disciplina
acadêmica. São Paulo: Paulinas, 2006.
WIRTH, Lauro Emílio. Religião e epistemologias pós-coloniais. In: PASSOS, João Décio; USARSKI,
Frank. (org.). Compêndio de ciência da religião. São Paulo: Paulinas; Paulus, 2013, p. 129-142.
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
UNIDADE 3
Experiência do sagrado
Admilson Eustáquio Prates
Claudio Santana Pimentel
Jeferson Betarello
3.1 Introdução
Prezado(a) acadêmico(a), a presente unidade discutirá a ideia de linguagem, um possível
conceito de mito, a relação entre mito e rito. Além disso, apresentará a relação entre experiência
do sagrado e a expressão simbólica. Nós, autores, temos plena consciência de que os temas não
se esgotarão neste caderno, pois a nossa intenção é promover a discussão acerca dos assuntos
de forma sistemática, rigorosa, tendo como plataforma epistemológica e metodológica a Ciência
da Religião como disciplina multidisciplinar.
Glossário
31
UAB/Unimontes - 3º Período
DICA são regidos por leis biológicas fixas, existe uma programação biológica de cada espécie. Assim
sendo, os animais não são estranhos a eles mesmos.
Kaspar Hauser, desde Por outro lado, o ser humano é estranho à natureza. Ele nega a natureza. E esta negação e
a mais tenra idade, foi
privado do convívio
estranhamento é possível devido à capacidade de pensar, de possuir uma consciência, ou seja,
social. A partir daí sua possuir um mundo subjetivo.
triste trajetória nos Esta consciência, a capacidade de pensar produz, inventa um novo mundo: o mundo simbó-
aponta muitos resul- lico, o mundo da linguagem. E é neste mundo simbólico que o ser humano se realiza, se cons-
tados obtidos por sua trói, se inventa, tanto a si mesmo quanto o mundo que ele herdou. Segundo Pascal,
privação cultural, pelo
não desenvolvimento
O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um cani-
de sua linguagem. O
ço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um
fato de ter vivido muito
vapor, uma gota de água, bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o
tempo isolado de outras
esmagasse, o homem seria mais nobre do que quem o mata, porque sabe que
pessoas (até mesmo seu
morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo
alimento era deixado à
isso (PASCAL, 1961, p. 122).
noite, quando dormia)
trouxe-lhe graves
consequências em sua Dessa maneira, o ser humano produz sua existência sendo consciente da sua finitude. Ele
formação como sujeito, morre e tem consciência da própria morte.
como indivíduo.
Quando Kaspar é BOX 1
retirado do cativeiro, e
mesmo muito tempo O homem e o animal
depois, já com a lin- O mundo do animal é um mundo sem conceito. Nele nenhuma palavra existe para fixar
guagem desenvolvida, o idêntico no fluxo dos fenômenos, a mesma espécie na variação dos exemplos, a mesma coi-
é possível perceber
através de seu olhar sa na diversidade das situações. Mesmo que a recognição seja possível, a identificação está
atônito, o espanto, o limitada ao que foi predeterminado de maneira vital. No fluxo, nada se acha que se possa de-
estranhamento frente terminar como permanente e, no entanto, tudo permanece idêntico, porque não há nenhum
à paisagem, frente às saber sólido acerca do passado e nenhum olhar claro mirando o futuro. O animal responde ao
pessoas e suas reações. nome e não tem um eu, está fechado em si mesmo e, no entanto, abandonado; a cada mo-
Fonte: Disponível em
<http://contextoshis- mento surge uma nova compulsão, nenhuma idéia a transcende. [...]
toricos.blogspot.com. A transformação das pessoas em animais como castigo é um tema constante dos contos
br/2012/05/analise-do-fil-
me-o-enigma-de-kaspar.
infantis de todas as nações. Estar encantado no corpo de um animal equivale a uma conde-
html> Acesso em 03 jun. nação. Para as crianças e os diferentes povos, a idéia de semelhantes metamorfoses é ime-
2014. diatamente compreensível e familiar. Também a crença na transmigração das almas, nas mais
antigas culturas, considera a figura animal como um castigo e um tormento. A muda ferocida-
de no olhar do tigre dá testemunho do mesmo horror que as pessoas receavam nessa trans-
formação. Todo animal recorda uma desgraça infinita ocorrida em tempos primitivos. O conto
infantil exprime o pressentimento das pessoas.
32
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
BOX 2
As meninas-lobo
Na Índia, onde os casos de meninos-lobo foram relativamente numerosos, descobriram-
se, em 1920, duas crianças, Amala e Kamala, vivendo no meio de uma família de lobos. A pri-
meira tinha um ano e meio e veio a morrer um ano mais tarde. Kamala, de oito anos de idade,
viveu até 1929. Não tinham nada de humano e seu comportamento era exatamente seme-
lhante àquele de seus irmãos lobos. Elas caminhavam de quatro patas apoiando-se sobre os
joelhos e cotovelos para os pequenos trajetos e sobre as mãos e os pés para os trajetos longos
e rápidos. Eram incapazes de permanecer de pé. Só se alimentavam de carne crua ou podre,
comiam e bebiam como os animais, lançando a cabeça para a frente e lambendo os líquidos.
Na instituição onde foram recolhidas, passavam o dia acabrunhadas e prostradas numa som-
bra; eram ativas e ruidosas durante a noite, procurando fugir e uivando como lobos. Nunca
choraram ou riram. Kamala viveu durante oito anos na instituição que a acolheu, humanizan-
do-se lentamente. Ela necessitou de seis anos para aprender a andar e pouco antes de mor-
rer só tinha um vocabulário de cinqüenta palavras. Atitudes afetivas foram aparecendo aos
poucos. Ela chorou pela primeira vez por ocasião da morte de Amala e se apegou lentamente
às pessoas que cuidaram dela e às outras crianças com as quais conviveu. A sua inteligência
permitiu-lhe comunicar-se com outros por gestos, inicialmente, e depois por palavras de um
vocabulário rudimentar, aprendendo a executar ordens simples.
◄ Figura 8: Kamala
recebendo biscoitos da
senhora que cuidava
dela, a Sra Singh.
Fonte: Disponível em
<http://www.mdig.com.
br/?itemid=5252>. Acesso
em 03 jun. 2014.
Glossário
Conceito: lat.conceptus,
ação de conter, concep-
Temos como exemplos de linguagens o mito, o rito e a experiência do sagrado. O mito é ção, pensamento.
uma linguagem sagrada, revelada, como veremos no próximo tópico. Representação geral e
abstrada (ex.: o conceito
de círculo, de virtude,
de justiça...) que possui
33
UAB/Unimontes - 3º Período
dica Para o filósofo Hegel, conceito “[...] é a totalidade das determinações, reunidas em sua sim-
O espírito humano, em ples unidade.” (HEGEL, 1995, p. 176). E para filósofo Bérgson, conceitos são “[...] idéias abstratas,
seu esforço para expli- ou gerais, ou simples” (BÉRGSON, 1974, p. 185).
car o universo, passa Dessa maneira, vislumbramos que conceito, além representar uma tensão de forças, também
sucessivamente por três é resultado de um momento histórico, assim como pode ser lido a partir de Hegel e Bérgson.
estados: Retornando a pergunta inicial, o que é mito? podemos entender, de maneira geral e pre-
a) O estado teológico
ou “fictício” explica os sente no cotidiano de algumas pessoas, como algo fabuloso, uma crença, uma mentira, história
fatos por meio de von- inventada pelos povos ágrafos. Enfim, mito representaria para estas pessoas envolvidas em seu
tades análogas à nossa cotidiano e para alguns pensadores, como Augusto Comte, uma categoria que estaria presente
(a tempestade, por nos primeiros estágios da história humana.
exemplo, será explicada Por outro lado, a partir das pesquisas etnográficas, descobriu-se que o mito não é uma ca-
por um capricho do
deus dos ventos, Eolo). tegoria unicamente daqueles que foram denominados de povos primitivos e atualmente são co-
Este estado evolui do fe- nhecidos como povos ágrafos.
tichismo ao politeísmo O mito é um tipo de conhecimento. O que é conhecimento? É uma relação entre o sujeito
e ao monoteísmo. e o ambiente, o meio no qual vive. Não uma simples relação. Mas uma relação de sobrevivência.
b) O estado metafísico Como assim, uma relação de sobrevivência?
substitui os deuses
por princípios abstra- Os seres humanos não são tão fortes quanto um javali, não são tão velozes como um leo-
tos como “o horror ao pardo, não têm a pele de um boi, nem as garras e as presas de um leão. Isso quer dizer que a
vazio”, por longo tempo espécie humana não sobreviveria, se dependesse unicamente do seu corpo. O ser humano é um
atribuído à natureza. A ser que não se garante, não consegue sobreviver no corpo e somente no corpo, como os animais
tempestade, por exem- encontrados na natureza, mas somente quando nega o corpo biológico, inventando um outro
plo, será explicada pela
“virtude dinâmica”do corpo. O corpo de conhecimentos.
ar (²). Este estado é no É com o conhecimento que o ser humano vive e sobrevive na natureza. Isto é, inventa mun-
fundo tão antropomór- dos, mundos simbólicos, produz ordem, encontra modelos e padrões que permitem a ele, o ser
fico quanto o primeiro humano, se proteger e dominar a natureza. Este desejo de conhecer e dominar o mundo, o ou-
(a natureza tem “horror” tro e a si mesmo surgiu quando os antepassados dos humanos desceram das árvores. Como o
do vazio exatamente
como a senhora Barone- ser humano pode dominar? Domina-se pelo conhecimento. E esta primeira forma de conhecer o
sa tem horror de chá). O mundo e dar sentido ao mundo chama-se mito.
homem projeta espon- Então já podemos entender que mito não é algo fabuloso, sem sentido, uma crença sem
taneamente sua própria sentido, uma mentira, não uma simples história inventada pelos povos ágrafos, sem sentido,
psicologia sobre a natu- mas, sim, um corpo de conhecimento também construído pelos povos ágrafos.
reza. A explicação dita
teológica ou metafísica BOX 3
é uma explicação inge-
nuamente psicológica. Tentativa de definição do mito
A explicação metafísica Seria difícil encontrar uma definição do mito que fosse aceita por todos os eruditos e, ao
tem para Comte uma
importância, sobretudo, mesmo tempo, acessível aos não especialistas. Por outro lado, será realmente possível encontrar
histórica como crítica e uma única definição capaz de cobrir todos os tipos e todas as funções dos mitos, em todas as so-
negação da explicação ciedades arcaicas e tradicionais? O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que
teológica precedente. pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares.
Desse modo, os revolu- A definição que a mim, pessoalmente, me parece a menos imperfeita, por ser a mais am-
cionários de 1789 são
“metafísicos” quando pla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada: ele relata um acontecimento ocorrido no
evocam os “direitos” do tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças
homem - reivindicação às façanhas dos entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o
crítica contra os deveres Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano,
teológicos anteriores, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi
mas sem conteúdo real.
produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou
plenamente. Os personagens dos mitos são os entes sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobre-
tudo, pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua
atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas
obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sa-
grado (ou do “sobrenatural”) no mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta
o mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos entes sobrenatu-
rais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural.
“Teremos ocasião de ampliar e completar essas poucas indicações preliminares, mas é
importante frisar, desde já, um fato que nos parece essencial: o mito é considerado uma histó-
ria sagrada e, portanto, uma história verdadeira”, porque sempre se refere a realidades. O mito
cosmogênico é “verdadeiro”, porque a existência do mundo aí está para prová-lo: o mito da
origem da morte é igualmente “verdadeiro”, porque é provado pela mortalidade do homem, e
assim por diante.
34
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Pelo fato de relatar as gestas dos entes sobrenaturais e a manifestação de seus poderes
DICA
sagrados, o mito se torna o modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas.
Quando o missionário e etnólogo C. Strehlow perguntava aos Arunta australianos a razão por c) O estado positivo
que celebravam determinadas cerimônias, obtinha invariavelmente a mesma resposta: “Por- é aquele em que o
espírito renuncia a pro-
que os ancestrais assim o prescreveram”. Os Kai da Nova Guiné recusaram-se a modificar o seu curar os fins últimos e a
modo de vida e de trabalho, explicando: “Foi assim que fizeram os Nemu (os ancestrais míti- responder aos últimos
cos) e fazemos como eles”. Inquirido sobre a razão de determinado detalhe numa cerimônia, “porquês”. A noção
o cantor Navajo respondeu: “Porque foi assim que fez o povo santo da primeira vez”. Encontra- de causa (transposi-
mos exatamente a mesma explicação para a prece que acompanha um primitivo ritual tibeta- ção abusiva de nossa
experiência interior do
no: “Como foi transmitido desde o início da criação da Terra, assim devemos sacrificar... Como querer para a natureza)
fizeram os nossos ancestrais na Antiguidade, assim fazemos hoje”. Essa é também a justifica- é por ele substituída
ção invocada pelos teólogos e ritualistas hindus. ”Devemos fazer os que os deuses fizeram no pela noção de lei.
princípio” (Satapatha Brâhmana, VII, 2,1,4). “Assim fizeram os deuses; assim fazem os homens” Contentar-nos-emos em
(Taittirya Brâhmana. 1, 5, 9,4). descrever como os fatos
se passam, em descobrir
[...] É inútil multiplicar os exemplos. [...] a principal função do mito consiste em revelar os as leis (exprimíveis em
modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas: tanto a alimenta- linguagem matemática)
ção ou o casamento, quanto o trabalho, a educação, a arte ou a sabedoria. Essa concepção segundo as quais os
não é destituída de importância para a compreensão do homem das sociedades arcaicas e fenômenos se enca-
tradicionais, e a ela retornaremos mais adiante. deiam uns nos outros.
Tal concepção do saber
desemboca diretamen-
FONTE: ELIADE, 2002, p. 11-13. te na técnica: o conheci-
mento das leis positivas
O mito é, por excelência, uma narrativa; palavra sagrada repleta de deuses, de encantamen- da natureza nos permi-
tos, de magia, de sobrenatural que anuncia, que conta, que relata, que nomeia como o mundo te, com efeito, quando
se originou e tudo o que há no mundo. “O pressuposto fundamental da compreensão filosófica um fenômeno é dado,
do mito é que ele, antes de tudo, é palavra ou, o que é o mesmo, uma das formas do discurso hu- prever o fenômeno que
mano” (PERINE, 2007: 69). Essa dimensão unicamente humana: a fala mítica – revelação divina ou se seguirá e, eventual-
mente, agindo sobre o
sopro sagrado –, a palavra revelada são traduzidas pela linguagem onírica, metafórica, simbólica. primeiro, transformar o
segundo. (“Ciência don-
O mito: é a expressão de um conhecimento primordial. Mito é a forma mais an- de previsão, previsão
tiga de narrativa e é, pois, apresentado como a epopéia da humanidade, por- donde ação”).
que ele contém a presença das origens místico-religiosas e éticas, revelando o Acrescentemos que,
oculto e os rituais mais secretos da humanidade [...] conhecer o mecanismo do para Augusto Comte, a
mito é conhecer a própria história do homem, já que suas implicações religio- lei dos três estados não
sas, culturais, psicológicas, mostram uma apreciação dos valores e revelações é somente verdadeira
de padrões de comportamento do homem desde os primórdios (CAMPBELL, para a história da nossa
1990, p. 76). espécie, ela o é também
para o desenvolvimento
de cada indivíduo. A
criança dá explicações
teológicas, o adolescen-
te é metafísico, ao passo
que o adulto chega a
uma concepção “positi-
vista” das coisas.
Fonte: Disponível em
<http://www.mundodos-
filosofos.com.br/comte.
htm> Acesso em 27 de
maio de 2014.
35
UAB/Unimontes - 3º Período
Atividade Esta narrativa sagrada possui uma maneira singular de apresentar o mundo e as relações
entre o ser humano e o mundo. A realidade expressa pela história mítica é a maneira primeira
Assista aos filmes O
Homem que Desafiou
que os indivíduos encontraram para responder algumas perguntas como: de onde vem o mun-
o Diabo e O Exorcista. do? Por que as pessoas morrem? Para onde vão os mortos? De onde surgiu o ser humano? O que
Reflita sobre a noção de é um trovão? Por que chove? O que é uma peste? Por que existe a escuridão? O que é o sol? Por
mal e bem em ambos que existe o dia?
os filmes. Lembre-se de Mito é uma resposta para aquelas e outras perguntas. É uma resposta em forma de história
que a noção de bem e
de mal é cultural. Preste
sagrada, com a finalidade principal de tranquilizar o ser humano em um mundo assustador. Por
atenção na forma como que o mundo assombrava os antepassados da espécie humana? Procure imaginar um grupo de
o mal é apresentado pessoas sem conhecimentos científicos e filosóficos. Continue imaginando como eles lidariam
em cada filme. Poste no com os fenômenos naturais tais como nascer, morrer, a germinação de uma semente, quando
fórum sua reflexão. olhavam para o céu à noite e viam as estrelas e a lua. A lua com as várias faces nunca era a mes-
ma e sempre a mesma. O que o trovão e os relâmpagos incitavam? No período antigo nenhum
fenômeno natural era visto como natural, mas sim manifestação das forças divinas. Todo e qual-
quer fenômeno era considerado sobrenatural.
DICA
Sinopse e detalhes
Zé Araújo (Marcos
Palmeira) é um homem
boêmio, que gosta de
frequentar cabarés e ou-
vir cantadores de viola.
Após tirar a virgindade Por isso, o mito é uma história sagrada que, além de tranquilizar, acalmar e sossegar as pes-
de uma turca, ele é
obrigado pelo pai dela soas em um mundo tenebroso, ele também explica a origem do universo e de tudo que nele
a se casar. Durante anos existe. Como o mito explica a origem do mundo? A pergunta sobre a origem é uma pergunta
Zé passa por seguidas ontológica. Sempre desejamos saber o princípio de tudo. Como foi que tudo nasceu, apareceu
humilhações, provoca- ou foi inventado?
das por sua esposa. Um A explicação mítica é uma narrativa, uma resposta em forma de histórias. Não uma história
dia, ao ouvir uma piada
sobre sua situação, ele qualquer, mas uma história sagrada, recheada de elementos sobrenaturais, divinos que expla-
se revolta, destrói o nam a origem de tudo.
armazém do sogro e Neste tópico trabalhamos a noção de conceito e apresentamos a concepção acerca de mito,
ainda dá uma surra na ou seja, como podemos conceituar mito. No próximo tópico, apresentaremos algumas mitologias.
esposa. Ao terminar, ele
monta em seu cavalo
e parte sem destino,
decidido a ter uma vida
de aventuras. A partir
desse dia Zé Araújo
3.5 Mitologias
passa a ser conhecido
como Ojuara, enfren-
tando inimigos e viven- Não existe um único mito, uma única mitologia. Existem várias e diferentes mitologias, e
do situações inusitadas. cada uma representa, registra uma realidade humana singular, porque os humanos são diferen-
Fonte: Disponível em tes, semelhantes e iguais. Como assim, o ser humano é diferente, semelhante e igual? Ele é sim-
<http://www.adoro- plesmente complexo. E ser diferente, semelhante e igual ao mesmo tempo não implica que uma
cinema.com/filmes/
categoria anula a outra, pois a igualdade pode ser percebida na estrutura biológica, estrutura
filme-202147/> Acesso
em 03 jun. 2014. anatômica, nos componentes físico-químicos. Podem ser semelhantes na tentativa de construir
sentido e significado para mundo. E são diferentes devido à estrutura subjetiva: sonhos, desejos,
paixões, pensamentos, cultura; e pelas respostas atribuídas aos problemas vivenciados.
36
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Segue abaixo exemplo do mito dos Guinche da Guatemala sobre a origem humana: DICA
Sinopse e detalhes
Eis aqui, portanto, o princípio de quando se decidiu fazer o homem, e quando Em Georgetown,
se buscou entrar na carne do homem. Washington, uma atriz
Havia alimentos de todos os tipos. Os animais ensinaram o caminho. E moendo vai gradativamente to-
então as espigas amarelas e as espigas brancas, Ixmucaná fez nove bebidas, e mando consciência de
destas provieram a força do homem. Isto fizeram os progenitores, Tepeu e Gu- que a sua filha de doze
cumatz, assim chamados. anos está tendo um
A seguir decidiram sobre a criação e formação de nossa primeira mãe e pai. De comportamento com-
milho amarelo e de milho branco foi feita sua carne; de massa de milho foram pletamente assustador.
feitos seus braços e as pernas do homem. Unicamente massa de milho entrou Desse modo, ela pede
na carne de nossos pais (SUESS, 1992, p. 32-33) . ajuda a um padre, que
também é psiquiatra, e
este chega à conclusão
de que a garota está
possuída pelo demô-
nio. Ele solicita então a
ajuda de um segundo
sacerdote, especialista
em exorcismo, para ten-
tar livrar a menina desta
terrível possessão.
Fonte: Disponível em
<http://www.adoroci-
nema.com/filmes/fil-
me-202147/>.Acesso em 03
jun. 2014.
Um vapor, porém, subia da terra, e regava toda a face da terra. E formou o Se-
nhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida;
e o homem foi feito alma vivente. E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden,
do lado oriental; e pôs ali o homem que tinha formado (BIBLIA SAGRADA, Gên.
2, 6-8: 02).
Duas narrativas diferentes com o mesmo propósito, explicar a origem dos seres humanos.
Sabemos que a realidade é construída conforme os problemas gerados pelo ambiente (re-
levo, clima, fauna, flora, água) e que são elaboradas possíveis respostas ao longo da história.
Região formada com grandes cadeias de montanhas apresentam um tipo de mito específico
relacionado a sua estrutura de relevo. Região fria constrói mitos diferentes das regiões quentes.
Ambientes de florestas têm mitos diferentes de ambientes desérticos. Moradores próximos aos
rios apresentam mitos diferentes daqueles que habitam próximos ao mar. Enfim, as construções
das narrativas míticas dependem das relações concretas com o meio no qual os seres humanos
vivem.
O presente subtítulo apresenta duas mitologias para exemplificar que, em cada tempo e es-
paço, os seres humanos se organizam e atribuem sentido à existência. Poderíamos mostrar várias
outras mitologias, mas devido ao espaço e sabedores que, em outras disciplinas, serão exemplifi-
cados fizemos um sobrevoo inicial.
37
UAB/Unimontes - 3º Período
BOX 4
Tipos de Mitos
Mitos cosmogônicos - Dentre as grandes interrogações que o homem permanece inca-
paz de responder, apesar de todo o conhecimento experimental e analítico, figura, em todas
as mitologias, a da origem da humanidade e do mundo que habita. É como resposta a essa
interrogação que surgem os mitos cosmogônicos. As explicações oferecidas por esses mitos
podem ser reduzidas a alguns poucos modelos, elaborados por diferentes povos.
É comum encontrar nas várias mitologias a figura de um criador que, por ato próprio e
autônomo, estabeleceu ou fundou o mundo em sua forma atual. Os mitos desse tipo costu-
mam mencionar uma matéria preexistente a toda a criação: o oceano, a escuridão ou a terra
(nas mitologias africanas). A criação ex nihilo (a partir do nada, sem matéria preexistente) já
reflete algum tipo de elaboração filosófica ou racional. A cosmogonia chinesa, por exemplo,
atribui a origem de todas as coisas a Pan Gu, que produziu as duas forças ou princípios univer-
sais do yin e yang, cujas combinações formam os quatro emblemas e os oito trigramas e, por
fim, todos os elementos. No hinduísmo, o Rigveda descreve graficamente o nada original, no
qual respirou o Um, nascido do poder do calor.
A água é o elemento primordial mais frequente das cosmogonias, sobretudo nas mitolo-
gias asiáticas e da América do Norte.
A criação a partir do nada, unicamente pela palavra de Deus, aparece claramente no livro
bíblico do Gênesis (associado, por sua vez, a mitologias mesopotâmicas) e em cosmogonias po-
linésias. Outro mito cosmogônico muito difundido (no Pacífico, na Europa e no sul da Ásia) é o
do ovo primordial. Na tradição hindu, a oração do mundo é simbolizada pela quebra de um ovo.
Alguns ciclos cosmogônicos se referem a um par ou casal primevo, geralmente o céu e a
terra, que tiveram de ser separados violentamente para tornar possível a vida no espaço inter-
mediário. Essa separação dolorosa se verifica em outros modelos, nos quais se menciona um
sacrifício inicial ou uma batalha entre seres superiores, de cujos membros esquartejados bro-
tam o cosmo e a vida terrestre. Na grande lenda babilônica da criação, o Enuma elish, Tiamat,
personificação do mar, é morto por Marduk, o deus protetor da Babilônia, que então constrói
o universo a partir dos despojos daquele e cria os homens com o sangue de Kingu, outro deus
rebelde. O “hino do homem primordial”, nos Vedas, fala de Prajapati - o senhor dos seres, mais
tarde identificado com o deus Brahma - como o homem cósmico cujo corpo é sacrificado e do
qual surge a variedade do mundo das formas. Outros mitos, por fim, descrevem o surgimento
da humanidade a partir das profundezas da terra (mitologia dos índios Zuni, da América do
Norte),ou a partir de uma rocha ou de alguma árvore de importância cultural.
Mitos escatológicos
Ao lado da preocupação com o enigma da origem, figura para o homem, como grande
mistério, a morte individual, associada ao temor da extinção de todo o povo e mesmo do de-
saparecimento do universo inteiro.
Morte: a filosofia platônica e o orfismo, seguindo tendências orientais, anunciavam a
reencarnação. Zoroastro falou de Chinvat, uma ponte a ser atravessada após a morte, larga
para os justos e estreita para os perversos, que dela caíam no inferno.
Destruição escatológica: os mitos retratam frequentemente o fim do mundo como uma
grande destruição, de natureza bélica ou cósmica. Como uma inspiração, para uma posterior
expiração. Antes da destruição, surge um messias (“ungido”) ou salvador, que empreende
uma batalha final contra as forças do mal e, após a vitória, inaugura um novo estágio da cria-
ção, um novo céu e uma nova terra.
Os mitos da destruição escatológica manifestaram-se tardiamente, na literatura apoca-
líptica judaica, que floresceu entre os séculos II a.C. e II d.C., e deixou sua marca no livro do
Apocalipse, atribuído ao apóstolo João. Exemplo típico de mito de destruição (embora não no
fim dos tempos) são as narrativas a respeito de grandes inundações. É bastante conhecido o
episódio do Antigo Testamento que descreve um dilúvio e o apresenta como castigo de Deus
à humanidade. Esse tema tem origens mais remotas e provém de mitos mesopotâmicos. Em
quase todas as culturas pré-colombianas encontram-se também mitos a respeito de dilúvios.
38
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
3.6 Rito
Entre os povos ágrafos a consciência mítica é coletiva. Como uma consciência é coletiva?
Coletiva porque todos estão ligados a uma unidade tanto cósmica quanto social. Enfim, não exis-
tia o indivíduo, mas a coletividade, a comunidade; tudo era comum a todos. O destino de um era
compartilhado por todos. Por isso, a punição não se restringia somente aquele que desobedecia,
mas a toda a comunidade, toda a tribo, todo o grupo era penitenciado.
Por quebrar o tabu, por romper com uma ordem que não é natural e nem social, e sim uma
lei sobrenatural, a repreensão recai sobre todos da comunidade, ou melhor, todo o universo é
castigado. Por exemplo, de acordo com a mitologia Cristã, no livro Gênesis, Eva é tentada pela
serpente e, por consequência, tem-se a queda do homem. A narrativa apresenta-se dessa manei-
ra nos textos sagrados do Cristianismo – a Bíblia:
Atividade
Ora, a serpente era a mais astuta que todas as alimárias do campo que o Se- 1. Apresente a seme-
nhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não co- lhança entre a magia
mereis de toda a árvore do jardim?/E disse a mulher à serpente: Do fruto das e os sonhos.
árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jar- 2. Quando a magia está
dim, disse Deus: Não comereis dele, nem tocareis, para que não morrais./Então presente na vida dos
a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que indivíduos?
no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, Não se esqueça de
sabendo o bem e mal./Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram postar no fórum suas
que estavam nus; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais (BI- respostas.
BLIA SAGRADA, Gên. 3,1-7, p. 02 ).
39
UAB/Unimontes - 3º Período
Por outro lado, o ritual é o mito em movimento, em ação. O ritual mantém o mito vivo na
comunidade na qual é vivenciado. Sem o ritual o mito é extinto, extirpado.
Por ser uma narrativa sagrada, o mito é uma verdade e é real. Não uma verdade cartesiana,
ou com base científica ou filosófica. Pelo contrário, é uma verdade intuída, espontânea que se
adere pela fé, pela crença.
[...] antes de mais nada tem de ser transformado, do caos para o Cosmo; isto
é, por meio do efeito do ritual, ele recebe uma “forma”, que faz com que se
tome real. Evidentemente, para a mentalidade arcaica, a realidade manifesta-
se como uma força, eficiência e duração. Daí que a realidade em destaque é
a sagrada; porque apenas o que é sagrado existe de maneira absoluta, agindo
com eficiência, criando coisas e fazendo com que elas perdurem. Os inúmeros
gestos de consagração de partes de territórios, objetos, homens, etc. revelam a
obsessão primitiva com o real, sua sede pelo ser (Eliade, 2002, p.18).
Os rituais, as cerimônias, os ritos são formas mágicas que buscam controlar os fenômenos
naturais por meio de intervenções mágicas. Todo ritual mítico se estrutura na magia. Ela é a ma-
nipulação de forças sobrenaturais que tanto ordena quanto produz o caos no mundo. Os antigos
controlavam tudo mediante a magia como as datas de plantio e de colheita, nascimento e morte.
Nada era natural, tudo era divino e mágico.
Da mesma forma que a criança é colocada no chão logo após o parto, a fim de
que sua verdadeira Mãe a legitime e lhe assegure uma proteção divina, tam-
bém os moribundos – crianças e adultos – são depostos na terra. Este rito equi-
vale a um novo nascimento. O enterro simbólico, parcial ou total, tem o mesmo
valor mágico religioso que a imersão na água, o batismo. O doente regenera-se
com esse ato: nasce de novo. A operação tem a mesma eficácia quando se trata
de apagar uma falta grave ou curar uma doença do espírito (e esta última apre-
senta, para a coletividade, o mesmo perigo que o crime ou a doença somática).
O pecador é colocado num tonel ou numa fossa aberta na terra, e quando ele
sai diz se que “nasceu uma segunda vez, do seio de sua mãe”. É por isso que,
entre os escandinavos, se acredita que uma feiticeira pode ser salva da dana-
ção eterna se for enterrada viva e, sobre ela, semearem-se cereais, ceifando-se
a colheita assim obtida (ELIADE, 2002, p. 72).
40
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
BOX 5
Os rituais Atividade
Após a oração do Cordeiro de Deus, e a resposta da Assembléia dos fiéis, o sacerdote é
o primeiro a receber a Comunhão. Ao comungar, ele diz em voz baixa: “O Corpo de Cristo me Poste no fórum os
rituais que mantêm a
guarde para a vida eterna”. Após receber o Sagrado Corpo de Jesus Cristo, o sacerdote toma em mitologia cristã.
suas mãos o Cálice com o Sangue de Cristo e diz: “O Sangue de Cristo me guarde para a vida
eterna”. Uma vez tendo comungado, o celebrante administra a comunhão aos ministros ex-
traordinários da Eucaristia e aos acólitos. Em seguida, ele e os ministros descem do presbitério
levando consigo as âmbulas com a Sagrada Eucaristia, para administrar a Comunhão aos fiéis.
Comungar significa “fazer-se um só com outro, em pensamentos, sentimentos e vontade”. Na
Santa Missa, Comunhão significa o ato de receber Jesus Cristo na Eucaristia, por meio do qual,
tornamo-nos um só com o Senhor. A Sagrada Comunhão pode ser administrada diretamente
nos lábios do fiel ou em suas mãos. Quando se dá a Comunhão na mão, o fiel deve colocar a
mão esquerda sobre a direita, formando um trono para o Senhor, em seguida, recolhe a Hóstia
Consagrada com a mão direita levando-a à boca. Quando se recebe a Sagrada Comunhão nas
mãos, é preciso que se verifique cuidadosamente se não ficou nenhum pequeno fragmento na
mão, pois cada pequeno fragmento permanece sendo o Verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo.
Aconselha-se aos fiéis que façam uma pequena reverência no momento da Comunhão, o que
pode ser um pequena vênia ou mesmo a genuflexão. Também pode-se receber Jesus na Euca-
ristia ajoelhado. A única regra nesta ocasião é a manifestação do amor e da reverência com que
recebemos Jesus neste Santíssimo Sacramento. O sacerdote ou o ministro da eucaristia ergue
a Hóstia Consagrada e diz: “O Corpo de Cristo”. E o fiel responde: “Amém”. Uma vez que o fiel re-
cebeu a Comunhão, retorne ao seu lugar, e faça alguns minutos de oração pessoal, pois nestes
minutos que se seguem após a Comunhão, acontece o momento de maior união entre nós e
Deus, e a nossa condição de sacrários de Cristo intensifica-se ainda mais de modo sobrenatural.
Cristo espera-nos a cada dia na Sagrada Eucaristia. Está ali verdadeira, real e substancialmente
presente, com o seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Encontra-se ali com o resplendor da sua
glória, pois Cristo ressuscitado já não morre. O Corpo e a Alma permanecem inseparáveis e uni-
dos para sempre à Pessoa do Verbo. Todo o mistério da Encarnação do Filho de Deus está con-
tido na Hóstia Santa, em toda a riqueza profunda da sua Santíssima Humanidade e na infinita
grandeza da sua Divindade, ambas veladas e ocultas. Façamos o firme propósito de que, a cada
Santa Missa, com a ajuda da graça de Deus que nunca nos faltará, recebamos Jesus neste San-
tíssimo Sacramento “com aquela pureza, humildade e devoção com que Vos recebeu a Vossa
Santíssima Mãe, com o espírito e o fervor dos santos”.
Assim, percebemos que a consciência mítica estrutura, organiza, explica todas as inquieta-
ções humanas.
Neste subtítulo desenvolvemos a noção de rito ou ritual como fenômeno que mantém o
mito vivo e significativo entre aqueles que experimentam. No próximo subtítulo, faremos um so-
brevoo sobre a ideia de experiência do sagrado e estado alterado de consciência.
41
UAB/Unimontes - 3º Período
Consoante com pensamento de Valle (1998), podemos entender que experiência seria a for-
ma primeira que os humanos têm para se relacionar com o mundo e consigo mesmos a partir
dos sentidos: visão, paladar, tato, olfato, audição.
Além dessa concepção de experiência, é possível perceber experiência como prática, jeito e
domínio para realizar alguma atividade como manejar um alicate, uma chave de fenda, uma cha-
ve inglesa para resolver o problema de encanamento na cozinha. Outra compreensão em torno
da palavra experiência refere-se a uma situação que a pessoa passou, ou seja, alguém que per-
deu o pai, foi traído. Isto é, passou pela experiência de perda.
Ainda explorando o conceito de experiência, Valle apresenta a ideia acerca de experiência a
partir de dois vocábulos alemães, como pode ser lido logo abaixo:
Os alemães traduzem essa palavra com dois termos até certo ponto intercam-
biáveis: “Erlebnis” e “Erfabrung”. A primeira é construída a partir da palavra “Le-
ben” (=”vida”). Sempre que a experiência é algo fundo, vivenciado desde ‘den-
tro’ e dotado de um sentido ou valor evidente em si para o sujeito, os alemães
dizem “Erlebnis”, palavra que traz em si um quê de emocionalidade e é tradu-
zida nos dicionários por “experiência”. Talvez fosse melhor traduzi-la por “expe-
rienciar”, para indicar que se trata de uma experiência que é mais “vivenciada”
pela pessoa do que “ensinada” ou “aprendida” a partir de fora, a partir dos sen-
tidos fisiológicos ou de pressões coletivas (VALLE, 1998, p. 26).
42
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Podemos entender, então, que, para visualizar o que possa ser experiência religiosa, é neces-
sário transitar pelos dois vocábulos alemães: “Erlebnis” e “Erfabrung”.
Imagine um ritual religioso, por exemplo, uma missa. O altar com o forro branco e com os
seguintes objetivos presentes na liturgia: Crucifixo, Círio Pascal, Turíbulo, Turíbulo Ostensório,
Hóstia, Caldeirinha e Aspersório, Âmbula, Manustérgio, Sanguíneo, Pala, Patena, Cálice, Âmbula,
Galhetas, Corporal, castiçais, candelabros, velas, a bacia e a jarra. O coro cantado. O padre com
batina branca a frente de todos levanta a hóstia. Várias pessoas participam, assistem à missa. To-
das recebem o mesmo estímulo. Estão dentro de uma igreja, o padre está de frente para todos,
o que o padre fala chega ao ouvido de todos. As músicas cantadas são as mesmas. Todos estão
lendo o mesmo folhetim. Uma pessoa pode estar apática, indiferente. Outra está envolvida, mer-
gulhada no ritual. Ou seja, alguém se sente atingido pela experiência transmitida pelas músicas,
pelos quadros presentes nas paredes, pela entonação da voz do padre, pelas letras das músicas,
enfim, pelo meio. Existe ainda aquela pessoa que somente assiste ao ritual e não se envolve ou é
tocada pela cerimônia.
Outro exemplo em que as descrições somente foram possíveis a partir das observações e
conversas com os fiéis que descreviam as sensações durante a cerimônia.
Assim sendo, sabemos que a experiência acerca do sagrado acontece dentro de uma rela-
ção entre o meio e o indivíduo. Isto é, faz-se necessário um estímulo externo no qual o mundo
subjetivo se abre para a viagem interior. Onde tempo e espaço não seguem as regras convencio-
nais do cotidiano.
No próximo tópico vamos aprofundar um pouco mais sobre a experiência do sagrado, sa-
bendo que o assunto não será esgotado neste material. Tal assunto será explorando também em
outras disciplinas, como Psicologia da Religião e Mística.
Os estudos acerca do Estado Alterado de Consciência não é tema simples e fácil. Existe nele
uma complexidade metodológica e epistemológica, e uma única ciência não consegue traçar um
cenário satisfatório, mas uma introdução nos apresenta pistas para a construção do cenário so-
bre a relação entre Estado Alterado de Consciência e a experiência do sagrado. Este estudo co-
meça de forma sistemática com o psicólogo e filosofo William James em sua obra As variedades
da experiência religiosa: um estudo da natureza humana.
43
UAB/Unimontes - 3º Período
comunicação com o que quer que se considere como “divino”. Segundo James,
caberia à Psicologia estudar os relatos que vivenciaram esse intenso sentimen-
to religioso. Sua obra As variedades foi uma concretização desse esforço em
uma impressionante coletânea de depoimentos, muitos deles envolvendo alte-
rações típicas da consciência (ZANGARI, MARALDI, MARTINS, MACHADO, 2013,
p. 424).
Fonte: Disponível em O conceito acerca da experiência religiosa construído pelo pesquisador ocidental Antonio
<http://www.livraria- Ávila nos satisfaz no momento. E, em outro momento, se fossemos detalhar a experiência reli-
cultura.com.br/scripts/
resenha/resenha. giosa africana, asiática (budismo, taoísmo, xintoísmo), matrizes indígenas teríamos que traçar um
asp?nitem=72793> Acesso conceito, tendo como foco a cultura que gerou o fenômeno religioso. Mas este trabalho será rea-
em 03 jun. 2014. lizado no transcorrer da graduação.
Para tanto vamos pensar, neste capítulo, experiência religiosa e experiência sagrada como
sendo um sinônimo do outro, pois ambas provocam no ser humano um sentimento de inte-
gração a algo maior que ele mesmo, ou seja, o encontro com o sagrado/ divino / cosmos. Enfim,
com aquilo que o retira da realidade cotidiana.
44
Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Existe uma relação intensa entre a experiência religiosa e os símbolos. Os símbolos são a re-
presentação do mundo que nos cerca. Os humanos não se relacionam com as coisas em si, mas
com a representação das coisas. Isto é, os símbolos são produções, construções humanas pelos
quais nos relacionamos com o mundo objetivo e com o mundo subjetivo.
Dessa forma, entendemos símbolo como união, junção que permite ao ser humano tornar
presente aquilo que está ausente, ou seja, nos possibilita representar o mundo. Por exemplo,
quando nos referimos à cruz, não significa determinada cruz, mas a ideia, abstração de cruz.
Quando o mundo é representado, isto é, quando a linguagem simbólica é inventada, ela se-
gue a convenção, aquilo que é aceito por todos do grupo. Enfim, o símbolo é uma convenção,
fruto de uma determinada cultura. Ele está circunscrito em um determinado tempo e espaço. E,
somente neste cenário cultural ele terá significado e sentido. (conforme já vimos na Unidade 1).
Assim sendo, os símbolos pertencem à dimensão da memória. A memória é um registro
daquilo que foi experimentado, vivenciado pelo ser humano. A memória é construída pelos sen-
tidos quando tocamos alguma coisa; quando escutamos um som, um ruído, uma voz; quando
sentimos um cheiro; quando sentimos o sabor de algo que nos toca os lábios, a língua; quando
enxergamos o mundo com suas cores e movimentos.
Atividade
Visualize você caminhado e, de repente, sente um cheiro que há muito tempo não sentia.
Assista ao filme Rata-
Era o cheiro do primeiro amor, da pessoa amada. O tempo e o espaço deixam de existir. A única
touille e poste no fórum
existência desse momento são as lembranças. Os sentidos evocam a memória. Um cheiro, não como os sentidos pro-
simplesmente um perfume, mas uma história é invocada nos porões mais profundos da vivên- vocam a memória?
cia. E quando a memória é provocada pelo olfato vivencia-se o passado. Ele torna-se presente. O
corpo passa a sentir o que sentiu no passado, os desejos pulsam no corpo. A realidade deixa ser
cartesiana e passa a ser uma realidade onírica. Isso também acontece com o toque, com a visão,
com a audição e com o paladar.
Imagine todos os sentidos sendo provocados ao mesmo tempo. A experiência será mais in-
tensa. A desarmonia corporal e emocional toma conta. Por isso, não existe experiência religiosa
fora de um contexto cultural e geográfico específico. Por exemplo, para um chinês nascido e edu-
cado na China e que nunca teve contato com o Cristianismo, é impossível ele ter uma visão da
Virgem Maria.
Assim os símbolos expressam a relação entre o sujeito e o mundo. A cruz tem um significa-
do para o cristão, um assentamento de exu tem significado para o povo de santo, o Alcorão tem
um significado para os mulçumanos. E cada objeto desses é sagrado e remonta a uma história
recheado de significados.
45
UAB/Unimontes - 3º Período
Referências
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Sites
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Resumo
Unidade 1: Religião e campo simbólico
A unidade discute a relação entre Religião e Campo Simbólico, linguagem e símbolos. Além
disso, fornece os conceitos necessários para o entendimento e também situa este tema no con-
texto brasileiro.
A unidade discute a ideia de linguagem, um possível conceito de mito, a relação entre mito
e rito. Além disso, apresenta a relação entre experiência do sagrado e a expressão simbólica.
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Referências
Básicas
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Ciência da Religião - Religião e Campo Simbólico
Atividades de
Aprendizagem - AA
1) Para a fenomenologia clássica, o termo “sagrado” se refere:
A) Ao deus cristão, exclusivamente.
B) À manifestação de uma realidade transcendente, por meio de um objeto que se torna seu sím-
bolo.
C) Às concepções religiosas dos povos da antiguidade, somente.
D) Às concepções religiosas orais, somente.
E) À distinção entre a mentalidade religiosa tradicional e a mentalidade moderna.
3) Questão dissertativa
Considerando as informações sobre a estética da religião e as expressões corporais na religião, dê
um exemplo de como essa abordagem pode ampliar o conhecimento em relação a uma prática
religiosa de seu interesse. [O estudante deve aplicar, de maneira básica, as informações recebidas
com a sua realidade].
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