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As verdades que devemos crer, onde as encontramos de fato? Acham-se nas duas
chamadas “fontes da Revelação”, a saber: a Escritura (Revelação escrita) e a Tradição
(Revelação oral), consoante a doutrina definida pelo Concílio Tridentino: fontes de toda
verdade salutar e da disciplina dos costumes, são os livros escritos e as tradições não
escritas que, recebidas pelos Apóstolos dos próprios lábios de Cristo ou a eles ditados
pelo Espírito Santo, até nós chegaram como que transmitidas pelas mãos dos mesmos
(cf. Denzinger 783).
Quando não é maliciosa, a objeção é ingênua, pois deveriam saber os protestantes que,
segundo a doutrina católica, a Bíblia não é a única fonte da Revelação. Na feliz
expressão de S. Tomás More: “A palavra de Deus é tão forte não escrita quanto escrita”.
De fato, Jesus nada escreveu e jamais disse a seus Apóstolos que escrevessem, mas
antes ordenou-lhes que pregassem. S. Paulo não se farta de apresentar como fonte
precípua da fé, a pregação da Palavra pelos Apóstolos (Rom 10, 14; l Cor 15, 11; Gál l,
8, etc.). Estabeleceu-se e prosperou a Igreja primitiva por obra do magistério oral; só
uns dois decênios após a morte do Senhor começaram a surgir os escritos apostólicos.
Estes, como é sabido, são muito incompletos. Os evangelhos conservaram parte
reduzida dos ensinamentos e milagres de Jesus, como atesta o mesmo S. João (21, 25).
Tampouco foi guardado tudo quanto escreveram os Apóstolos (S. Paulo alude a
epístolas suas perdidas). Ora, as verdades que eles de viva voz ensinaram, conservaram-
nas seus discípulos e os sucessores destes, segundo a Timóteo recomendava S. Paulo:
“O que de mim diante de muitas testemunhas ouviste, confia-o a homens l fiéis que
sejam idôneos para também a outros ensinar” (2 Tim 2, 2). O Apóstolo considerou os
seus ensinamentos como “depósito” a guardar fielmente (l Tim 6, 20), fugindo as
novidades, conservando com firmeza as verdades aprendidas dele (l Tim 4, 6-15; 2 Tim
l, 13; 3, 14). E assim formou-se a cadeia da Tradição dogmática.
Por certo, em tantos séculos que nos separam da idade apostólica, qualquer tradição
humana já se teria desde muito deturpado; mas nesse caso privilegiado garante-lhe a
fidelidade a perpétua assistência prometida por Cristo à sua Igreja (Mt 28, 20).
Dessa Tradição, encontramos expressão fidelíssima nos escritos dos Santos Padres e
Doutores, nos símbolos de fé, nos decretos dos Concílios, nas definições dos Papas.
Teremos ocasião de voltar sobre o magistério da Igreja. Quanto aos Padres, não se
cansam os teólogos de revolver-lhes as obras para encontrar nelas os monumentos da
Tradição. Os Padres são autênticos testemunhos da fé. Observemos, todavia, que uma
doutrina patrística só terá valor decisivo como porta-voz da Tradição dogmática, quando
refletir o consenso moralmente unânime dos Padres; não bastam, portanto, textos
isolados deste ou daquele, nem mesmo de um pequeno grupo. Neste caso só lhes
caberia a autoridade de teólogos particulares. Ademais indispensável é que os Padres
dêem tal doutrina como revelada por Deus e não apenas como simples opinião
teológica. Existindo essas condições, cessa qualquer dúvida: estamos positivamente em
presença de um enunciado que pertence à fé. Com efeito, se o conjunto dos Padres se
enganasse, ter-se-ia por força enganado a Igreja, pois eles eram os mestres em ortodoxia
e os fiéis apenas seguiam-nos. É contra a palavra de Cristo que a Igreja, na sua
totalidade, em qualquer época, estivesse no erro.
Também os fiéis — a Igreja discente — podem ser órgão da Tradição, por exemplo,
quando os teólogos ensinam em conjunto que tal doutrina é de fé, ou quando a
totalidade dos católicos professa uma crença (por exemplo, na Assunção de Maria). É
claro que nesses casos a Igreja discente reflete apenas o ensinamento que recebeu da
Igreja docente; o povo católico crê o que lhe ensinam seus pastores; logo um erro desta
sorte, em que incidisse o povo, revelaria um erro na Igreja docente, o que é impossível.
Escritura e Tradição constituem ambas o “depósito da fé” (l Tim 6, 20) que se acha, e
para sempre, completo com a morte do último Apóstolo. Motivo pelo qual as revelações
privadas que se produziram no decurso da história do catolicismo, ainda que feitas a
santos eminentes (por exemplo: do Sagrado Coração a S. Margarida Maria; de Nossa
Senhora de Lourdes a S. Bernadette) não podem exigir de nós um assentimento de fé
divina. Será simples crença humana, embora piedosa.
Seria errôneo considerar o “depósito” como um esboço ou mesmo um germe que se iria
desenvolvendo. Na realidade ele é uma plenitude; uma plenitude tal, que são necessários
séculos aos homens para aprofundarem a verdade das palavras de Cristo e dos
Apóstolos. O que se evolve e progride não é pois o depósito, mas nosso conhecimento
das riquezas nele entesouradas. Esse conhecimento se vai completando e determinando,
de geração em geração, por obra do Magistério da Igreja.
Guardar: conserva o que foi revelado, protege-o contra deturpações, jamais ensina
dogmas não contidos no depósito.
Severidade bem merecida; crer, ou mesmo esperar, em novas revelações, é fazer sumo
agravo a Deus, como se o Pai não nos tivesse dado o próprio Filho, pelo qual nos disse
tudo o que precisamos saber para realizar nosso fim sobrenatural. O mesmo Pai
solenemente declarou: “Este é o meu amado Filho, em que me hei comprazido, escutai-
o!” (Mt 17, 5). Donde: “Quem não crê no Filho, por mentiroso tem a Deus, porquanto
não crê no testemunho que Deus de seu Filho deu” (l Jo 5, 10).
deposito da fe
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maurilio texeira
teologia dogmatica
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Fonte: http://www.veritatis.com.br/teologia/teologia-dogmatica/1357-o-deposito-da-fe