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CULTURA E MEDIAÇÃO

Políticas de visibilidade como fatos de afecção:


Que ética para as visualidades?1

RESUMO
O artigo relaciona o consumo das imagens às teorias da afecção de Spinoza. Assumindo
entonação ensaística, problematiza a dimensão política e pergunta se uma Ética é possível
para as visualidades. Como somos afetados e como, nós mesmos, afetamos as imagens? Qual
a natureza das paixões iconoclastas e iconófilas e em que medida dialogam com embates
epistêmicos fundadores do campo da comunicação? Imagens sensacionais, representações da
violência aumentam ou diminuem nossa potência de agir? Por que motivos alimentamos, no
consumo das visualidades, paixões infelizes?

PALAVRAS-CHAVE
Imagem
Consumo
Afecção

ABSTRACT
The article aims to analyze the relationship between image’s consumption and Spinoza’s
theoretical framework, leading to the affections. Adopting an essayistic intonation, put in
question the political dimension of Ethics, and also argues if an ethics is possible to analyses
visibility. How we are affected by images, and how does we affect them? What is the nature
of iconoclasts and idolaters passions and how they dialogue with the epistemic questions that
constitute the communication area? Sensationalist’s images, representations of violence add or
decrease our potency of action? Why we use to adopt, in the consumption of images, unhappy
passions?

KEYWORDS
Image
Consumption
Affections

Rose de Melo Rocha


Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da ESPM/SP/BR.
rrocha@espm.br

Revista Famecos • Porto Alegre • v. 17 • n. 3 • p. 199-206 • setembro/dezembro • 2010 199


Rose de Melo Rocha

Recentemente, motivada pelas reflexões Pós-Graduação voltado ao debate intelectual sobre


de um de meus orientandos2, que comigo Comunicação e Práticas de Consumo, busquei
se dedica a explorar os meandros do consumo construir ferramentas analíticas e metodológicas
(e da consumação) pertinente ao campo que fossem capazes de tratar as dinâmicas de
imagético, comecei a revisitar alguns de meus produção e consumo de visualidades. Coloco
antigos escritos, particularmente aqueles nos estes dados teórico-biográficos em evidência
quais buscava problematizar a contemporânea por um motivo bastante simples. Creio que há
esfera do consumo das imagens3 e, de modo muito mais em comum entre as, nem sempre
mais específico, a determinância da simbiose virtuosas, imagens da violência e os processos
mídia/sociedade em processos de estetização de consumação desencadeados pelo consumo de
da violência4. Em um destes momentos, que imagens do que, a princípio, eu mesma poderia
aqui retomo em assumida entonação ensaística, supor.
ocorreu-me propor, seguindo a inspiração do Vejamos: a forte dose “sensológica”5 que
filósofo holandês Benedictus (ou Baruch) de se pode identificar no processo de produção,
Spinoza (2008), que a discussão sobre políticas de circulação e consumo de boa parte das imagens
visibilidade poderia ser consubstanciada desde a midiatizadas da violência, do espetacular e do
concepção spinoziana de “afecção”. Recorro assim grotesco, por exemplo, possui, de fato, algo de
a um dos mais notáveis postulados do pensador adição, uma adição que, por razões históricas
para, a partir dele, construir minha argumentação. e dimensões antropológicas, será socialmente
Discorrendo sobre a origem e a natureza dos reiterada. Valendo-me da precisa análise do
afetos, Spinoza propõe que “[o] corpo humano psicanalista brasileiro Jurandir Freire Costa,
pode ser afetado de muitas maneiras, pelas quais temos que, no caso das imagens da violência
sua potência de agir é aumentada ou diminuída, de natureza sensacionalista, o que se opera é
enquanto outras tantas não tornam sua potência verdadeiramente uma compulsão, uma paixão
de agir nem maior nem menor” (2008, p. 163). infeliz, se quisermos novamente dialogar com
Spinoza (2008). O olhar, violentado pela visão de
barbáries, insiste patologicamente no retorno às
Ética é justamente associada àquilo que representações sensacionais do horror. Seguindo
aumenta nossa potência de agir. à terminologia de Freire Costa (1984), adotada
em seus estudos sobre violência e narcisismo.
Este pilar fundante das teorias da afecção Existe nesta experiência algo do plano da neurose
permite-nos, segundo defendo, entender a traumática, patologia marcada, em uma de suas
dimensão em essência política do que nos é fases, por “um período de evocação repetitiva
dado a ver, via a profusão de imagens visuais, do evento traumático”. Nesta síndrome, o que
e, o que particularmente interessa ressaltar, leva- surpreende “é a repetição do acontecimento
nos a questionar aquelas que, ao nos afetarem, desagradável, defesa oposta ao princípio do
efetivamente aumentam ou diminuem nossa prazer” (Freire Costa, 1984, p.171). E aqui
competência corpórea-cognitiva de ação. Ou seja, podemos formular a seguinte afirmação: esta
é também nesta direção que lanço a pergunta, sensologia estetizante é inegavelmente paradoxal,
que intitula este artigo, sobre uma Ética possível discursiva e pendular, oscilando entre o pânico
para o campo das visualidades posto que, para anestésico e o gozo catártico. Ela, por exemplo,
o mesmo Spinoza (2008), Ética é justamente alimenta o ciclo da violência, ao invés de rompê-
associada àquilo que aumenta nossa potência de lo.
agir. Régis Debray (1993), teórico da midialogia,
defende que na origem de nossa paixão pelas
Como somos afetados e como afetamos imagens e atualizando-se ao longo dos séculos,
imagens? encontramos um fato de crença, mais do que
Não seria demais lembrar aos leitores que um imperativo da razão. Nossos sistemas de
por longos anos de minha vida acadêmica fui crença visual seriam fartamente ambíguos,
uma estudiosa das imagens da violência e dos circunstanciais e ambivalentes, mas, ainda assim,
aterradores processos de sua estetização cotidiana. engendrariam, com perenidade lapidar, sistemas
Também me parece necessário pontuar que, de poder que, curiosamente, pretendem-se da
posteriormente, já inserida em um Programa de mais radical objetividade. A esta altura de nossa

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Políticas de visibilidade como fatos de afecção

argumentação parecerá evidente, o que de modo em sua lógica, três figuras centrais: imagem,
algum nos desagrada, perceber que retomamos, território, comunicação. Mons (1994) procura
neste ensaio acadêmico, os clássicos e fervorosos caracterizar o que chama “o processo metafórico e
debates entre iconoclastas e iconófilos, que suas variantes”, defendendo que ele nos introduz
mereceram, em terras brasileiras, os olhares em uma economia ficcional que se superpõe a
atentos de pensadores como Norval Baitello, uma economia material. Segundo analisa, as duas
Arlindo Machado e Alberto Klein, em inúmeras disposições “formam um entrelaçamento perfeito
de suas obras. É realmente das guerras entre na complexidade dos intercâmbios” (Mons, 1994,
razão e sensibilidade que falamos aqui. Assim p. 10; tradução nossa). Assim, ter-se-ia que,
como, ao debater a vinculação que estabelecemos
com imagens dotadas de visualidade, o fazemos (a)s metáforas visíveis dos “campos” nos
para perguntar sobre os liames possíveis entre projetam irresistivelmente para uma poética
olhar e produção do conhecimento. Mais do do social, através dos efeitos de colagem,
de superposição das representações, de
que de uma erudição obscurantista acredito ser
invisibilidade, de virtualidade, de estalido
auspicioso apreender do estudo das imagens do sentido. Esta “poética”, amplificada em
uma nova possibilidade de ver, perceber e narrar grau máximo e às vezes esterilizada pelas
o mundo em que vivemos. Este mundo, povoado técnicas mediáticas, tem efeitos reais [...]. (A)
de corpos. E povoado de imagens, com sua fiel característica de nossa época é que o sistema das
família de materialidades. representações, o modo simbólico, se convertem
em flutuantes, aleatórios, metafóricos... Trata-se,
então, de que descrevamos uma tendência
Nossos sistemas de crença visual seriam da simbolização, de que proponhamos uma
fartamente ambíguos, circunstanciais e espécie de fenomenologia de um processo
de expressividade social no qual ficção e
ambivalentes, mas, ainda assim, engendrariam, realidade se confundem inextricavelmente, no
com perenidade lapidar, sistemas de poder qual sistemas hiperracionais e acontecimentos
irracionais se interpenetram estranhamente
que, curiosamente, pretendem-se da mais (Mons, 1994, p. 10-11; tradução nossa).
radical objetividade.
Temas como os da representação, da simulação
Se nos detivermos nas investigações e da referencialidade são tão fundamentais
desenvolvidas por Jean-Marc Vernier (1988), às Ciências da Comunicação quanto o são ao
em suas originais análises da televisão (lugar debate antropológico. Todavia, no plano em que
midiático que opera no cruzamento entre, por particularmente atuamos, este embate epistêmico
exemplo, o real, o ficcional e o tecnológico), é determinante. Tal dilema, constitutivo de nossa
torna-se possível uma definição mais próxima área de conhecimento, foi problematizado por
da dimensão relacional estabelecida com as Lucien Sfez (1994) em seu hermético e não menos
visualidades. A proposição do autor refere-se inspirador livro Crítica da Comunicação. Sfez (1994)
especificamente à elaboração tácita de contratos observa que uma crítica à comunicação demanda
de visibilidade, “uma sorte de convenção que se a distinção primordial entre o que ele qualifica
estabelece entre o medium TV e o público sobre como sendo, respectivamente, o núcleo epistêmico
a natureza do que é dado a ver” (Vernier, 1988, e a forma simbólica da comunicação. Interpretar,
p. 10). Vernier defende ser adequado classificar a neste caso, implica em diferenciar o universo
imagem televisual a partir de três ordens6, cada representado do universo da representação,
qual “implicando em certa forma de crença, de enfrentando o fato de conceitos comuns às
adesão, um julgamento daquilo que se mostra, ciências da comunicação constantemente
visando um telespectador ideal e prevendo um migrarem para a vida cotidiana, constituindo-se,
modo específico de relação deste com as imagens” em suas palavras, como realidades do mundo
(Vernier, 1988, p. 10; tradução nossa). social e político. O equívoco a ser desmontado
Alain Mons (1994) vai além, perguntando- é justamente o da confusão, o fato de tomarmos a
se não apenas sobre os contratos que se firmam, realidade representada como realidade diretamente
mas problematizando a lógica macrossocial expressa.
que os ordena. Pesquisador da conformação Para desfazer o engano, e enfrentando o
contemporânea da economia ficcional identifica, que ele denomina a força centrípeta da espiral

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comunicativa, o autor apresenta-nos uma nova à invenção de técnicas e, posteriormente, de


perspectiva teórica para a compreensão do tecno-lógicas. Antes, pondera Morin (2000), a
processo de comunicação, por ele identificado novidade estava colocada em nossas sepulturas
como sendo cada vez mais repetitivo e auto- e nas pinturas mais originais, residindo, enfim, na
referente. Lucien Sfez (1994) associa a esta forma capacidade de estruturar complexos imaginários
do objeto do campo da comunicação – a visão de de negociação da finitude, levando-nos a um
mundo da confusão – a metáfora do Frankenstein, plano de trans-mortalidade. Não por acaso, as
da criatura que se volta contra o criador, tornando- imagens, signos de ausência e de presença, eram,
se, para mais uma vez lembrar Spinoza (1994), nos primórdios da civilização, consideradas
uma paixão infeliz, que o atemoriza, o aterra, o mágicas, temíveis, poderosas. Poucos eram os que
apavora, submetendo-o. Ou, talvez fosse ainda podiam ser transformados em “representação”,
mais adequado dizer, que o deixa estupefato: considerada lugar de distinção social ímpar. A
história da iconografia religiosa apenas atesta a
O pavor [...] pode ser mais precisamente dimensão política essencial que está imbricada
definido como o medo que mantém o homem neste processo.
tão estupefato ou hesitante que ele não
pode evitá-lo. Digo estupefato, à medida que
Tais supostos não seriam estranhos a Spinoza
compreendemos que seu desejo de evitar o (2008). Segundo propõe, o homem é, na mais
mal é refreado pela admiração (Spinoza, 2008, clamorosa refutação das teorias cartesianas,
p.255). unidade de corpo e de alma. E este homem,
portanto, pode ser afetado com igual intensidade
Para o crítico da comunicação, o que se passa pelo encontro com um animal, um alimento ou
é uma inversão na qual a tecnologia (tecnologias com as representações daquilo que deseja, ou
da comunicação e do espírito) está na base do do que lhe causa alegria ou ainda do que lhe
agir, regendo a visão de mundo. Neste contexto, entristece. Debruçando-se sobre as relações entre
o homem não poderia existir fora do espelho que as condições da morte e o pensamento do filósofo,
ela lhe estende. Perda da realidade, do sentido, da Jean-Louis Cianni (2009) escreve: “pensamos ser
identidade, com o excesso de informação levando senhores das circunstâncias, quando na verdade
ao fim da comunicação e à morte do sujeito. elas zombam de nós; acreditamos ser uma rea-
Este tensionamento que mobiliza Lucien Sfez lidade sólida e concreta quando vemos apenas
(1994) merece, neste ponto do artigo, a acolhida de um reflexo ou efeito ótico” (Cianni, 2009, p. 44).
outro ponto de vista, que, não sendo propriamente Não seria demais afirmar, portanto – e neste
a refutação do anteriormente enunciado, irá caso não estou senão tomada por inspirações
ampliar-lhe a complexidade. Afinal, e aqui de Spinoza (2008) – que podemos desejar ou
recorrendo às leituras do antropólogo da cultura repugnar com intensidade as representações.
Edgar Morin (2000), temos que nosso modo de Podemos ir além: somos, em nosso indissociável
habitar e de fazer mundo responde à entrada vínculo corpo/mente, capazes de desejar com
em moradas simbólicas que utilizamos para fervor imagens de coisas e obviamente imagens
negociar com as incertezas: a casa da linguagem, de nós mesmos. O mito de Narciso apenas
as produções imagéticas, o universo imaginário, confirmaria um dos planos das paixões auto-
os sonhos, os ritos, os devaneios. Só podemos encantatórias e, por vezes, os sedutores desvios
ser racionais, insiste Morin (2000), porque somos do “auto-engano”.
também capazes de descomedimento, porque Mencionamos anteriormente as imagens
somos, define o autor, da espécie sapiens-demens. da violência. E o que dizer daquelas que sendo
Nestes termos, a novidade do sapiens é espetaculares não poderiam sequer ser facilmente
justamente sua capacidade, erigida ao longo taxadas de perversas? Novamente Spinoza (2008)
de séculos, de decalcar seu cotidiano com nos auxilia na compreensão e, ampliando as
todo um grandioso aparato cognitivo que proposições debordianas, enseja-nos a explorar
é imaginário e imageante. Vivemos, assim, o lado menos nobre de nossos afetos. Assim, a
sempre, em planos de dupla vinculação, em espetacular profusão das imagens de corpos
cenários existenciais ambivalentes, posto que “famosos”, admiráveis ou célebres, a torpe
são irremediavelmente objetivos e subjetivos. olimpíada de disputas e desqualificações que por
Em tal acepção, a originalidade de nossa espécie tantas vezes ocupa a cena midiática contemporânea
não está exatamente em nossa incrível propensão não seria de fato estranha ao nosso universo de

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Políticas de visibilidade como fatos de afecção

afecções. Afinal, se seguirmos Spinoza (2008) em p. 263). A crítica à reificação visual, portanto,
suas postulações, encontramos que os homens, exige, nestes termos, não se temer o mergulho
seus corpos e mentes, padecem de afetos de incessante na arriscada e ambivalente sedução
ódio, ciúme e soberba. Padecem de excessos, que das visualidades e dos próprios fetiches. E isto
podem, de fato, incapacitá-los de agir: tornam-se só se pode fazer em fluxo, na disposição mesma
presas de suas paixões, “pato-lógicos”. Tornam- para as metamorfoses.
se presas de um descomedimento desejante, que, W. J. T. Mitchel (1987), teórico da iconologia,
paralisando-os, fará com que permaneçam, por dedica-se a discussão similar, ao perguntar-se o
soberba ou terror, por exemplo, reféns da ordem que, afinal, são e desejam as imagens. Para o autor
paralisante de algumas de suas paixões. americano, imagem “[...] não é simplesmente
um tipo particular de signo, mas um princípio
Ética, estética, visualidades fundamental do que Michel Foucault chamaria ‘a
O antropólogo Massimo Canevacci (2008), ao ordem das coisas’” (Mitchell, 1987, p. 11; tradução
discutir os entrelaçamentos entre corpos humanos, de Rocha e Portugal). Neste sentido, a imagem é um
corpos objetais e corpos dotados de visualidade, acontecimento híbrido, exatamente porque mistura
recorre ao conceito de fetichismo e a uma teoria/ sujeito e objeto. É através dela, na verdade, que
método assumidamente “estupefatos”. Contando estes dois podem existir como “representação”,
com estes recursos advoga uma nova abordagem no sentido schopenhaueriano (Rocha; Portugal,
dos laços estabelecidos entre objetos, corpos e 2008). O “mundo como representação”, para
imagens, construindo uma linha argumentativa Schopenhauer (2001), surge na medida em que,
que, segundo analiso, pode ser interpretada a partir de estímulos (efeito), intuímos – talvez
como sendo de uma erótica, das visualidades. pudéssemos dizer “imaginamos” – objetos no
É novamente o desejo que se instala aí, nesta tempo e no espaço (causas). Assim, “toda noção
crítica da reificação visual que recusa análises de um objeto propriamente dito, isto é, de uma
pregressas, apreendendo o fetichismo para além representação perceptível no espaço, só existe
dos planos da alienação (Marx) e da perversão por e para o entendimento: longe de precedê-lo,
(Freud). deriva dele” (Schopenhauer, 2001, p.20).
Para Canevacci (2008), há uma lógica e um Edgar Morin, em seus precursores estudos
discurso publicitário sempre ali, costurando sobre a condição humana (2000) e o encanto
simbólica e literalmente as existências, como das imagens (1997), defende que a experiência
se, de fato, a idéia de uma automação tivesse da duplicidade nos constitui: somos natureza e
se deslocado dos corpos de metal, de madeira, cultura, sapiens e demens, finitos e eternizáveis.
de eletricidade e ondas magnéticas para o bios A imagem, na leitura moriniana, deverá
humano. E isto talvez possa ser atribuído à inexoravelmente ser percebida desde algumas
centralidade das visualidades na cena social e destas duplas fundações. Em primeiro lugar, ela
afetual da atualidade, imagens que, longe de serem existe na hibridação de sentimentos que mesclam
ideologizadas, expressam paradigmaticamente a um estar a um não-estar: a imagem é ausência
lógica sexualmente fantasmática que ordena o de uma presença e presença de uma ausência.
socius, mas, fundamentalmente, que rege, como Paralelamente, imagens são duplos dos próprios
sub-reptícia palavra de ordem, a dominância homens, numa gênese de materialização que é,
de mecanismos imaginários na regulação e des- em si, vinculada a experiências de negociação
regulação social. com planos de imaterialidade e invisibilidade.
Se uma esperança existe, sugere Canevacci As imagens dos sonhos, as imagens das sombras,
(2008), ela reside na sedução, nas iniciativas as imagens das visagens e as imagens das
intersticiais de cruzar e juntar improbabilidades – visualidades operariam, desta forma, em uma
estéticas, anatômicas, eróticas, teóricas. Mutações linha fronteiriça de irrealidade e de realização.
culturais sincréticas ganham visibilidade, E seria exatamente esta zona de hibridação entre
consolidando, no argumento do autor, algumas o visível e o invisível o berço e a efetiva matriz
proposições. Uma delas soa emblemática. da vida simbólica das imagens, estas que, muitas
Segundo o antropólogo, a experiência com os vezes, são decalcadas em objetos, corpos, suportes
fetiches e a fetichização, lança-nos um desafio a e midialidades (Rocha; Portugal, 2008).
um só tempo cognitivo e perceptual, impelindo o Jean Baudrillard (1992), com sua verve pro-
olho “a refinar-se em eróptica” (Canevacci, 2008, vocadora, defendeu, em algumas de suas mais

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polêmicas obras, a existência de um gênio cleo da problematização lyotardiana articulava-se


maligno dos e nos objetos. Afinal, o mal estar da à derrocada filosófica em seu caráter de ciência
visualidade revela que algo nos olha sem que das ciências, embora o mesmo autor tenha incan-
disto suspeitássemos. Há algo ali que se disfarça savelmente buscado, até seus derradeiros escri-
e se revela, sem que nunca saibamos ao certo o tos, identificar os lugares ainda possíveis para seu
jogo que, em determinado momento, se está a exercício e suas legitimações possíveis.
jogar. São elas, as imagens, com sua alma irônica, A percepção do desmoronamento dos castelos
que estão a nos olhar. São elas, e não o inverso, de cristal acadêmicos seria associada à emergência
que desejam o nosso olhar, em uma cada vez mais avassaladora das novas tecnologias, aquelas
forte adição. Nós somos seu vício e elas o nosso que para o filósofo Lyotard (1986) incidiriam
destino fatal. radicalmente na lógica de produção do saber e
A guerra às imagens, que por séculos inflamou nas dinâmicas de divulgação e disseminação do
epistemólogos e teólogos, parece fragilizada conhecimento. Segundo analisava, a crise dos
ante o domínio inegável que elas assumem em relatos abalara os jogos de legitimação do saber
um mundo em franco estado de abstratificação, acadêmico, o que, para ele, estava diretamente
este universo do pós-espetáculo sobre o qual associado à entrada das sociedades na etapa
nos debruçamos e que, incessantemente, pós-industrial e na submissão do pensamento à
sedutoramente, nos faz capitular, bela palavra performativa lógica da racionalidade técnica.
para descrever o encanto caprichoso que nos As narrativas da pós-modernidade colocar-
oferecem algumas imagens. O mais difícil, neste se-iam nestes termos em um fio da navalha e,
aspecto, tem sido explicar como, cultuando as o que não é desimportante, levariam consigo a
abstrações, nos coloquemos fortemente engajados técnica, a arte, a sensibilidade e a racionalidade –
no terreno das literalidades. o projeto da razão iluminista na linha de frente.
Nas sociedades midiáticas, definitivamente Afinal, e por isto elas têm sido tão fortemente
operando graças a um sistema produtivo que questionadas, estas narrativas fragmentadas ou
lucra com o comércio de representações, os localistas, forjadas em um tempo de incerteza
humanos, ao mesmo tempo em que cultuam seus ontológica e crise das metanarrativas, questionam
deuses de símbolos e luminosidades, defendem, a existência de uma verdade única e essencialista,
com o descrédito digno de ascetas, uma demanda e expõem ou colocam em relevo o que consideram
por objetividades, por explicações as mais a inevitável constatação de um enfraquecimento
“concretas” possíveis, que supostamente, não se da interpretação, incidindo também na crescente
sabe exatamente por qual motivo, conduziriam incapacidade de o homem se auto-representar.
a uma solidez de explicações, a uma veracidade Aqui, no cerne do mal-estar, vários pensado-
etereamente clara, imune que estaria a toda e res assumiram como missão intelectual e ideo-
qualquer falibilidade. A gravidade de tal processo lógica denunciar alguns efeitos indesejáveis da
é insuspeita. Seres que a um só tempo crêem em modernidade, que teria nos brindado com o peso
imagens e crêem em uma essência das coisas, do “fazer sentido” a todo custo e, tendo-o feito
em uma literalidade do mundo, que, em última em tal descomedida proporção, terminou para-
instância, possuiria uma verdade inegável, vivem doxalmente por nos mergulhar em um mar de
no cerne de um fulcro humanístico radical. Tais sem sentido. Não por acaso, ganham força neste
sociedades poder-se-ia argumentar, restringiram contexto argumentações incisivas sobre a crise do
o mundo do espírito a um plano patologicamente sujeito, sobre o fim da história linear e a pulveri-
autônomo, tratando-o, a rigor, como uma segunda zação da ação política.
e irrefutável natureza. Zygmunt Bauman (1998), por exemplo, argu-
Jean-François Lyotard (1986), quando escre- menta que, em sua versão hegemônica, os gran-
veu sobre a condição pós-moderna, estava parti- des vetores da aventura moderna – materializa-
cularmente interessado em denunciar os limites dos pela tríade beleza (harmonia), pureza (lim-
que identificava na filosofia em relação à sua cres- peza) e ordem – significaram o pagamento a
cente impossibilidade de construir interpretações posteriori de uma conta profundamente incômoda.
de cunho universal e aproximações analíticas con- O excesso de ordem, polemiza o autor, nos condu-
sistentes do instável mundo contemporâneo, um ziu a uma escassez de liberdade. Assistindo nas
mundo que mudara muito intensa e rapidamente líquidas sociedades contemporâneas à emergên-
inclusive em seus fundamentos produtivos. O nú- cia de processos de desregulamentação, homens

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Políticas de visibilidade como fatos de afecção

e mulheres encarariam com vasta permissividade de enfrentamento político detectado desde os


o preço que devem pagar para a entrada no rei- interstícios da prática cotidiana. Assim, suas
no encantatório da liberdade individual. Neste, teorias – diagnósticas e indicativas de “profila-
a liberdade – individual – de busca do prazer a xias” possíveis – serão pensadas como im-
todo custo, toleraria uma segurança – também perativamente imersas neste dia-a-dia. Em sen-
individual – pequena demais. tido complementar, a contestação como modo
Com estas observações, chegamos à “pós-mo- de vida percorre com intensidade sua práxis.
dernização”, diretamente associada ao capitalis- E isto não se dá por acaso: a Debord (1967)
mo em sua etapa pós-industrial, tecnológica, de interessava denunciar a debilidade espiritual
serviços e tendendo à imaterialização. Este capi- das esferas públicas e privada por ele atribuída
talismo de última fase, pós-fordista, teria nas ima- às forças econômicas que dominaram a Europa
gens e nas visualidades sua grande mercadoria e após a modernização decorrente do final da
nos meios de comunicação seu grande ordenador Segunda Grande Guerra. Para Guy Debord, a
social. Na pós-modernização, o sistema produti- vida em tempos de espetáculo atomiza-se e se
vo é essencialmente midiático e a base financeira banaliza, com o encarceramento e isolamento dos
estritamente mundializada e tecnologizada. indivíduos, presas que estariam de uma rede de
Em um ponto de vista especificamente co- compensações cuidadosamente agenciada.
municacional, podemos destacar algumas tem-
atizações que mais fortemente caracterizam a
incorporação de discursos pós-modernos a esta
Uma Ética das visualidades é uma
área do conhecimento. Sem dúvida, há uma cartografia especular, assim como uma
recorrência de estudos que se apropriam das imagética é um exercício de reciclagem do
narrativas pós-modernas, e de seus críticos, para visível. Uma imagética não se filia de
analisarem a cidade, o corpo, as tecnologias e as
imagens. Em um sentido mais amplo, também
modo irrestrito a tradições iconoclastas
se pode perceber o recurso a tais teorias para nem a iconofilias românticas
analisar o status corrente da comunicação, tanto
em termos epistêmicos estritos, quanto em suas De Martín-Barbero (2004), empresto a embo-
dinâmicas produtivas e simbólicas, com inúmeras cadura cartográfica com seus “des-centramentos
atualizações de conceitos como sociedade do olhar” e rupturas epistemológicas: “a necessi-
do espetáculo, cultura do consumo e cultura dade de mudar o lugar desde onde se formulam
midiática. as perguntas” e o reconhecimento da comunica-
Se estiver correto Fredric Jameson (2002), ao ção como “um enclave estratégico do pensar”
apontar que a lógica cultural é, hoje, o capitalismo (Martín-Barbero, 2004, p. 26-34). Com ele pro-
tardio, podemos destacar, igualmente, que a ponho: uma Ética das visualidades é uma carto-
lógica visual é paradigmática das políticas de grafia especular, assim como uma imagética é um
significação contemporâneas. O “fazer ver” exercício de reciclagem do visível. Uma imagética
associa-se assim ao “fazer sentido”, ou, antes, não se filia de modo irrestrito a tradições icono-
ao “fazer sentir” inerente aos processos de clastas nem a iconofilias românticas.
estetização da vida cotidiana, tão próprios a esta Este exercício do olhar, e do como olhar,
que aqui denominamos uma cena pós-moderna. responde a uma proposição: só nos resta, enfim,
A tensa união entre Ética e Estética ainda é indagar. Melhor talvez possamos dizer: decupar
nosso remédio para enfrentar o cinismo. Agir, visualidades, desmembrar fragmentos não para
com nossos corpos desejantes, ainda é nosso lhes devolver, através do discurso científico,
destino menos fatal. Finalizo minhas provocações uma nova organicidade. Nesta experiência de
analíticas unindo, em um casamento um tanto interpretação bricoladora, o olhar detém-se na pele
inesperado, dois autores. De um lado, Jesus das superfícies. (Rocha, 2009). Nela, a potência de
Martín-Barbero (2004), o cartógrafo mestiço. De agir significa a visada fundamental para um ser
outro, tenho Guy Debord (1967), o pensador do no mundo que é, em última instância, um sujeito
espetáculo. de coletividade. Nela, a ação, contaminada pelos
Da compreensão dos textos debordianos é afetos felizes, é cartografada na estética cotidiana.
fundamental considerar que à crítica cultural Naquela em que, sendo tantos, podemos nos
por ele articulada associa-se um claro princípio reconhecer sujeitos. Em relação. Em comunhão. A

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Rose de Melo Rocha

Ética de que falo é, em termos cabais, uma poética PERNIOLA, Mario. Do sentir. Lisboa: Presença, 1993.
da convivialidade. Tensa e conflituosa como toda ROCHA, Rose de Melo. É a partir de imagens que falamos do
união possível. Imageante e imaginária como toda consumo. In: BACCEGA, Maria Aparecida (Org.). São Paulo:
existência. É de uma utopia talvez que fale meu ESPM, 2009.
discurso sobre o consumo (ético) de imagens. É ______. Estética da violência. Por uma arqueologia dos vestígios.
1997. Tese (Doutorado) – ECAUSP, São Paulo, 1997.
assim, neste muito além dos cortes moralizantes,
que, talvez, possamos civilizar a dita civilização ROCHA, Rose de Melo; PORTUGAL, Daniel. Trata-se de
uma imágica? In: ARAÚJO, Denise; BARBOSA, Marialva.
das imagens. Conhecendo o que elas desejam de Imagíbrida. Porto Alegre: Editora Plus, 2008. (e-book).
nós. E nem sempre agindo movidos pela paixão
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação.
que nelas desejamos desejar. São Paulo: Contraponto, 2001.
SFEZ, Lucien. Crítica da Comunicação. São Paulo: Loyola,
REFERÊNCIAS
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SPINOZA, Benedictus. Ética/Spinoza. Belo Horizonte:
os fenômenos extremos. Campinas: Papirus, 1992.
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VERNIER, Jean-Marc. Trois ordres de l´image télévisuelle. In:
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
Quaderni, n. 4, primavera de 1988. Paris: CREDAP, Université
CANEVACCI, Massimo. Fetichismos Visuais. Corpos Erópticos Paris Dauphine. p. 9-18.
e Metrópole Comunicacional. São Paulo: Ateliê Editorial,
VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico. Rio de Janeiro: Editora 34,
2008.
1993.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1997.
NOTAS
DEBRAY, Régis. Vida e morte da imagem: uma história do olhar
no ocidente. Petrópolis: Vozes, 1993.
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação
e Cultura”, do XIX Encontro da Compós, na PUC-Rio, Rio
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: de Janeiro, em junho de 2010.
Martins Fontes, 2007. 2 Refiro-me aos estudos de Daniel Portugal, que recen-

FREIRE COSTA, Jurandir. Violência e psicanálise. Rio de temente concluiu, sob minha orientação, a dissertação de
Janeiro: Graal, 1986. Mestrado “A imagem entre vinculações e interpretações:
HARVEY, David. Condição Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992. consumo, mídia e estetização pelas lentes da Comunicação
e da Iconologia”, articulada à pesquisa “Consumo e cena
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo. Lógica Cultural do midiática: culturas juvenis e políticas de visibilidade no
Capitalismo Tardio. São Paulo: Ática, 2002. Brasil”, que desenvolvo junto ao PPGCOM-ESPM, na
KAPLAN, E. Ann (org.). Pós-modernismo. Teorias, Práticas. cidade de São Paulo.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. 3 Alguns dos mais relevantes apresentados em encontros

LYOTARD, Jean-François. O Pós-moderno. Rio de Janeiro: anteriores da Compós e sintetizados em Rocha (2009).
4 A esse respeito, ver Rocha (1998).
José Olympio, 1986.
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Ofício de cartógrafo. Travessias
5
Adoto o termo seguindo as proposições de Mario Perniola
latino-americanas da comunicação na cultura. São Paulo: (1993) que definirá a sensologia como um modo de sentir
Loyola, 2004. o mundo paradigmático das sociedades midiáticas. Tudo
é perpassado pelo sentir, que adquire uma dimensão
MITCHEL, Willian J.T. Iconology: image, text, ideology. anômica, primado de uma sensologia da exaustão e da
Chicago: The University of Chicago Press, 1987. monotonia. Tratar-se-ia de um sentir desprovido de
_______. What do pictures want? The lives and loves of images. surpresa, sentir obrigatório. O já-sentido é experiência
Chicago: University Of Chicago Press, 2005. jogada para fora de nós, através da qual o mundo chega-
nos já provado (Perniola, 1993, p. 14,16,17).
MONS, Alain. La metáfora social. Buenos Aires: Nueva Visón, 6 Imagem-profundidade, com um contrato de credibilida-
1994.
de, na presunção de uma objetividade pura; imagem-
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Lisboa: superfície, com a qual o contrato é o do espetáculo, baseado
Relógio D’Água, 1997. na primazia da mise-en-scéne; e imagem-fragmento, com
______. O paradigma perdido. A natureza humana. Lisboa: seu contrato energético, pulsante, ligado à pura sen-
Europa-América, 2000. sação.

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