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JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 1


2 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015
carta ao leitor

Para driblar a
crise hídrica
U
m planeta cada vez mais quente. Essa é a realidade observada por pes-
quisadores e cientistas em todo o mundo. No Brasil e especificamente em
São Paulo, a elevação da temperatura e o registro de chuvas abaixo da
média em todos os meses de 2014 estão trazendo, como consequência, uma
grave crise no abastecimento de água para a população. Na matéria de capa
desta edição, “Seca: à sombra das incertezas climáticas”, é possível observar
que, durante os anos de 2012 e 2013, em apenas um mês a chuva foi acima da
média no Estado de São Paulo, o que impactou diretamente o abastecimento da
população paulista. Uma das consequências da pouca disponibilidade é a piora
na qualidade da água e aumento do número de doenças de veiculação hídrica.
Porém a água subterrânea pode ser uma opção viável para driblar a crise, já
que esta é uma fonte de abastecimento que possibilita soluções rápidas, com
qualidade, economia e autonomia. Esta afirmação foi feita por especialistas da
Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS) durante um workshop
promovido pela associação, voltado exclusivamente para profissionais da
imprensa. O evento colocou em pauta temas ligados à água subterrânea de
modo geral e repassou à imprensa alguns dados interessantes: a falta de água
em São Paulo aumentou em 30% a demanda pela perfuração de poços e, hoje,
95% das indústrias da Região Metropolitana de São Paulo contam com poços
próprios. Mais informações sobre o evento podem ser encontradas na matéria
“Água Subterrânea em pauta”.
A seção “Produção de água” desta edição dá uma importante dica para me-
lhorar a gestão dos recursos hídricos subterrâneos: o georreferenciamento de
poços. Este procedimento, muitas vezes tratado com negligência, é instrumento
de apoio dos órgãos gestores, através da geração de mapas hidrogeológicos
e análise de processos de outorga de uso. E o Estado do Ceará é um modelo
a ser seguido pelo país no quesito georreferenciamento.
Na seção Conexão Internacional, conheça a técnica e saiba o que as variações
de temperatura podem nos dizer para análise da água subterrânea em uma en-
trevista com o hidrogeólogo Peeter Pehme, presidente da Waterloo Geophysics
Inc. e pesquisador da Universidade de Guelph, no Canadá.
Veja também os preparativos para o IV Congresso Internacional de Meio Am-
biente Subterrâneo (IV CIMAS) e a IX Feira Nacional da Água, que acontecerão
em outubro, em São Paulo (SP). Vale ressaltar que várias empresas, referências
de atuação em seu setor, já confirmaram presença. Venha participar conosco do
principal evento técnico-científico em meio ambiente subterrâneo.

Um grande abraço e uma ótima leitura,

Claudio Pereira de Oliveira


Presidente da ABAS
Marlene Simarelli
Editora

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 3


sumário

5 Agenda
5 Núcleos Regionais 16
6 Abas Informa
Seca: à sombra das
7 Perfuração incertezas climáticas
Altas temperaturas e chuvas abaixo da média assombram diversas

14 Hidronotícias regiões. Alagoas e Califórnia, nos Estados Unidos, comparti-


lham suas experiências

22 Ambiente
28 Remediação 8 Primeiro passo para gestão
O Estado do Ceará é pioneiro e modelo em

29 Foco na Perfuração
georreferenciamento de poços no país

30 Opinião 26 CONEXÃO INTERNACIONAL


TÉCNICA CARACTERIZA TEMPERATURA AO LONGO
DA PROFUNDIDADE DO POÇO
expediente

DIRETORIA NÚCLEOS ABAS – PRESIDENTES CONSELHO EDITORIAL


Presidente: Cláudio Pereira de Oliveira (RS) Bahia: Zoltan Romero Cavalcante Everton de Oliveira, Gustavo Alves da Silva e Rodrigo Cordeiro
1º Vice: Ubiraci Moreno Pires (SP) Rodrigues – zoltanr@gmail.com –
2º Vice: Gustavo Alves da Silva (SP) (71) 9611–7222 EDITORA E JORNALISTA RESPONSÁVEL
Secretário-Geral: José Paulo Godoi Martins Netto (SP) Ceará: Carlos Borromeu de Passos Marlene Simarelli (Mtb 13.593)
Vale – chapadinha222@bol.com.br –
Secretário-Executivo: Everton de Oliveira (SP) DIREÇÃO E PRODUÇÃO EDITORIAL
(98) 3227–1069 / (98) 8896–3595
Tesoureiro: Rogério Pons da Silva (RS) ArtCom Assessoria de Comunicação – Campinas/SP
Centro–Oeste: Débora Perozzo –
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CONSELHO DELIBERATIVO 9971–8301 / 9221–6344 www.artcomassessoria.com.br
Carlos Alberto de Freitas (MG) Minas Gerais: Carlos Alberto de
Humberto Alves Ribeiro Neto (BA) Freitas – carlos.dfreitas@copasa. REDAÇÃO
Luciano Leo Junior (SP) com.br – Larissa Straci, Marlene Simarelli e Fernanda Faustino
Mauro Banderali (SP) (31) 3250–1657 / (31) 3309–8000
Paulo Negrão (SP) Paraná: Jurandir Boz Filho – juran- COLABORADORES
Saulo Cano (SP) dirfilho@suderhsa.pr.gov.br – (41) Carlos Eduardo Q. Giampá, Carlos Maldaner e Marcelo Sousa
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Pernambuco: Fernando Feitosa – SECRETARIA E PUBLICIDADE
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Euclides Luiz Brock (RS) Rio de Janeiro: Gerson Cardoso da COMERCIALIZAÇÃO DE ANÚNCIOS
Francisco de Assis Matos de Abreu (PA) Silva Junior – gerson@acd.ufrj.br – Sandra Neves e Bruno Amadeu – marketing@acquacon.com.br
José Lázaro Gomes (SP) (21) 2598–9481 / (21) 2590–8091
Marcelo Rodrigues de Sousa (SP) IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Santa Catarina: Heloisa Helena Leal
Mateus Simonato (SP) Gonçalves – abasscgestao20092010@ Gráfica Mundo
Mauricio Ribeiro Melo (PI) abas.org – (47) 3341–7821/2103–5000
CIRCULAÇÃO
Rio Grande do Sul: Mario Wrege – A revista Água e Meio Ambiente Subterrâneo é distribuída gratuitamente pela Associação Brasileira
CONSELHEIROS VITALÍCIOS/EX–PRESIDENTES wrege@gmail.com – (51) 3406–7330
de Águas Subterrâneas (abas) a profissionais ligados ao setor.
Aldo da Cunha Rebouças (in memorian), Antonio Tarci-
sio de Las Casas (in memorian), Arnaldo Correa Ribeiro, Distribuição: nacional e internacional
Carlos Eduardo Q. Giampá, Ernani Francisco da Rosa Tiragem: 5 mil exemplares
Filho, Euclydes Cavallari (in memorian), Everton de Oli-
veira, Everton Luiz da Costa Souza, Itabaraci Nazareno Os artigos assinados são de responsabilidade dos autores e não refletem, necessa-
Cavalcante, João Carlos Simanke de Souza, Joel Felipe riamente, a opinião da ABAS.
Soares, Marcílio Tavares Nicolau, Uriel Duarte, Waldir Para a reprodução total ou parcial de artigos técnicos e de opinião é necessário soli-
Duarte Costa Filho citar autorização prévia dos autores. É permitida a reprodução das demais matérias
4 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO publicadas neste veículo, desde que citados os JANEIRO
autores, a /fonte
FEVEREIRO
e a data da2015
edição.
núcleos regionais agenda

Minas homenageia Las Casas EVENTOS PROMOVIDOS


PELA ABAS
A ABAS Núcleo Minas Gerais realizou Chaves Beato também prestigiaram
no último dia 28 de novembro a ce- o evento.
IV Congresso Internacional
rimônia de descerramento da placa Antônio Tarcísio de Las Casas foi o de Meio Ambiente
em homenagem a Antônio Tarcísio segundo a presidir a ABAS Núcleo Subterrâneo – IV CIMAS
de Las Casas, ex-presidente e um MG, nos anos de 1985/1986, quan- e IX FENÁGUA
dos fundadores da ABAS, falecido em do realizou o 1º Simpósio de Águas Data: 5 e 6 de outubro
maio de 2014. Estiveram presentes Subterrâneas em Rochas Fraturadas, Local: São Paulo (SP)
colegas e familiares do ex-presidente, discutindo de forma pioneira a ocor- Informações: info@abas.org
inclusive seu filho, João Las Casas. rência deste recurso em um contexto
Waldir Duarte Costa Filho, presidente geológico complexo e pouco estuda-
da ABAS Nacional durante o biênio do. Também em 1985/1986, foi Se- EVENTOS APOIADOS
2013/2014, Carlos Alberto de Freitas, cretário Executivo da ABAS Nacional. PELA ABAS
atual presidente da ABAS Núcleo MG Presidiu a ABAS Nacional no biênio
e os ex-presidentes Antonio Carlos 1987/1988. Em 1992, foi presidente 26ª Feira Nacional de Sa-
Bertachini, Maria de Fátima Guima- da Comissão Organizadora do VII neamento e Meio Ambiente
rães Gouvea, Valéria Caldas Barbosa, Congresso Brasileiro de Águas Sub- (FENASAN)
Marcílio Tavares Nicolau, Celso de terrâneas. Voltou a presidir o Núcleo Data: 4 a 6 de agosto
Oliveira Loureiro e Décio Antonio MG no biênio 2005/2006. Em 2006, Local: São Paulo (SP)
organizou e presidiu o 1º Simpósio Informações: (11) 3868-0726
Latino-Americano de Monitoramento fenasan@acquacon.com.br
das Águas Subterrâneas, realizado
em Belo Horizonte.
42nd IAH International
Congress, AQUA2015
Data: 13 a 18 de Setembro
A partir da esq.: Antonio Carlos
Bertachini, Maria de Fátima Guimarães Local: Roma, Itália
Gouvea, Valéria Caldas Barbosa,
Marcílio Tavares Nicolau, Celso de
Oliveira Loureiro, Carlos Alberto de
Freitas e Décio Antonio Chaves Beato
Anuncie na Revista
Água e Meio Ambiente
Subterrâneo
Maranhão instala Comitê de Bacia
Hidrográfica com apoio da ABAS comercial@acquacon.com.br
No último mês de novembro, em reu- o poder público e, Marcone Vieira Cos- (11)3868-0724
nião realizada no campus da Universi- ta, professor da UFMA, foi eleito como
dade Federal do Maranhão (UFMA), na secretário executivo, representando a
cidade de Chapadinha (MA), foi eleita e sociedade civil e os usuários da água.
empossada a primeira diretoria do Co- A ABAS está representada no sistema
mitê da Bacia Hidrográfica do Rio Mu- de gestão das águas do Maranhão
nim. Carlos Borromeu de Passos Vale, também por Agenor Aguiar Teixeira
presidente da ABAS Núcleo Ceará/Ma- Jaguar, presidente da Associação dos
ranhão, foi eleito presidente do Comitê; Geólogos do Estado do Maranhão
Telmo José Mendes, superintendente (AGEMA) e membro do Conselho Es-
de Recursos Hídricos de Chapadinha tadual de Recursos Hídricos do Estado
foi eleito vice-presidente, representando do Maranhão.

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 5


abas informa

Vem aí o IV CIMAS!
Um evento técnico-científico que Envio de trabalhos científicos
indica tendências futuras para o Os interessados em enviar trabalhos Serviço
setor de águas e meio ambiente científicos para o IV CIMAS devem fa- Organização: Carol Tapias
subterrâneo. Assim tem sido de- zer por meio do site www.abas.org/ cimas@abas.org - (11) 3868-0726
finido o Congresso Internacional cimas . A data limite para submissão Comercial: Bruno Bolívia
de Meio Ambiente Subterrâneo é 4 de maio de 2015. comercial@acquacon.com.br
– CIMAS, que este ano está em (11) 3868-0726
sua quarta edição. O evento será Agência oficial do evento:
realizado nos dias 5 e 6 de outubro,
na Fecomércio, em São Paulo (SP), Garanta sua Levitatur - +55 11 2090-0970
eventos@levitatur.com.br
com a presença de especialistas participação Website oficial do evento:
nacionais e internacionais, que de- As inscrições para o IV CIMAS já abas.org/cimas
baterão novas técnicas, legislação estão abertas e os valores são:  
e inovações para as questões do
meio ambiente subterrâneo.  
Categoria Até 18/08/2015 Após 19/08/2015
FENÁGUA
A IX Fenágua – Feira Nacional da Sócios R$ 550,00 R$ 650,00
Água - única feira exclusiva para Não Sócios R$ 720,00 R$ 800,00
exposição de produtos para a Estudantes Sócios R$ 370,00 R$ 450,00
água, acontece simultaneamente
ao IV CIMAS. Ag Solve, ALS Cor- Estudantes Não Sócios R$ 420,00 R$ 500,00
plab, Analytical Technology, Clean
Environment, EP Analítica e Trionic,
empresas de referência do setor que
atuam já estão com suas presenças Exposição “Venha conhecer o fundo do poço” ganha vida própria
confirmadas. Sua empresa também O sucesso da exposição “Venha conhecer o fundo do poço”, que teve sua
pode estar lá através das mais varia- primeira edição em Belo Horizonte (MG) durante o XVIII Congresso Brasileiro
das formas de patrocínio que vão de Águas Subterrâneas, vai transformá-la num evento independente. A ABAS
da compra de cotas até logos em está planejando novas edições em 2015, com datas a serem divulgadas em
aplicativos de smartphones. breve. A exposição contará também com novas parcerias. Programe-se e
Conheça uma das possibilidades associe sua marca a mais este evento de sucesso da ABAS!
no site abas.org/cimas/pt/index.php
e confirme sua participação com Bruno
Bolívia pelo telefone (11) 3868-0726.

6 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


Luciana Schneider, geóloga, presidente da Associação dos Perfuradores de Poços do Rio
Grande do Sul e sócia-proprietária da Caí Perfurações/Geoplanet Consultoria Geoambiental

PERFURAÇÃO
LOCAÇÃO DE POÇOS TUBULARES
POR IMAGEAMENTO AÉREO
A
s águas subterrâneas são seja, poços secos (sem produção
armazenadas no subsolo de água) e poços com vazão (com
preenchendo espaços vazios produção de água). Evidentemen-
dos solos, dos sedimentos e das ro- Este trabalho é uma te este trabalho especializado é
chas. Esses espaços vazios podem
ser chamados de aquífero, o qual
ótima alternativa recomendado para áreas críticas,
onde já existem poços secos ou de
tem a capacidade de armazenar e para orientar baixas vazões. Como etapa inicial,
transmitir quantidades significativas são retiradas as coordenadas dos
de água subterrânea. Para uma os pontos mais poços negativos e positivos bem
rocha ter capacidade de armazenar favoráveis para como algumas coordenadas de
água, terá que possuir porosidade, locais favoráveis aprovados in loco.
que são os espaços vazios existen- perfuração de A análise geológica é baseada em
tes entre as partículas constituintes
dessa rocha. Para ter capacidade de
seu poço lineamentos fotogeológicos, desta-
cados muitas vezes pelas drenagens
transmitir água, a rocha terá de ter e pelos alinhamentos das escarpas
permeabilidade, que é a propriedade e vales classificados em estruturas
de um meio, que indica a maior ou principais e secundárias.
menor facilidade para a passagem superfície do terreno,  diz-se que o O reconhecimento das áreas favo-
da água através dele. Nos sedimen- poço é jorrante ou artesiano. ráveis para captação de água subter-
tos e nas rochas sedimentares, os Atendendo à grande demanda de rânea é baseado no funcionamento
espaços vazios correspondem aos perfuração de poços no Rio Grande dos aquíferos, bem como na análise
poros, são os aquíferos porosos. do Sul e à grande deficiência do dos lineamentos expostos em ima-
Nas rochas cristalinas – ígneas e me- serviço especializado na área de gens orbitais e suas relações com
tamórficas – os espaços vazios são Locação de Poços, acreditei no meu as formações geológicas juntamente
representados pelas fraturas, são aprendizado universitário e resolvi com os dados hidrogeológicos de
os aquíferos fraturados. Para tanto, apostar que é possível ter 95% de poços tubulares inventariados. Para
os aquíferos são classificados como resultados positivos na perfuração os primeiros trabalhos geológicos
do tipo livre ou confinado, onde o de poços. Este trabalho é uma ótima com finalidade de locação de poços
primeiro tem seu nível da água cor- alternativa para orientar os pontos tubulares, eram utilizadas fotos aére-
respondente  à superfície superior da mais favoráveis para perfuração as e um estereoscópio onde as estru-
zona saturada, encontrando-se sob de seu poço. Em função da fraca turas geológicas eram evidenciadas
a ação da gravidade e da pressão potencialidade de armazenar e trans- em 3D. Em busca de um método
atmosférica. Já, os confinados estão mitir água subterrânea, a pesquisa mais rápido, passei a investir nos
“presos” por estratos sobrejacentes busca identificar descontinuidades ensinamentos de fotointerpretação
relativamente impermeáveis. Deste no embasamento. Pode ainda iden- geológica do Paulo Sergio Gomes
modo a água subterrânea estará tificar que um poço anteriormente Paim, doutor em Geologia, que dizia:
confinada sob pressão maior que a perfurado está fora da zona principal “Fotointerpretação é um treino.” Es-
atmosférica. Se um poço penetrar das descontinuidades. A avaliação é tou certa que este aperfeiçoamento
tal aquífero, a água subirá acima iniciada pela visita ao local na área e a rapidez na visualização dos linea-
da camada confinante até o nível do empreendedor interessado na mentos se deve ao treino, sim, mas é
de equilíbrio com a pressão atmos- perfuração. Na oportunidade da pri- preciso também treinar no escritório
férica. Se a pressão for suficiente meira análise buscam-se resultados e buscar os resultados in loco. Faço
para elevar o nível d’água acima da positivos e negativos próximos, ou isso todo dia!

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 7


produção de água

Primeiro passo para

gestão

O georreferenciamento de
poços - procedimento muitas
vezes tratado com negligência
- é instrumento de apoio na
gestão de recursos hídricos
subterrâneos, geração de
mapas hidrogeológicos e
análise de processos de
outorga de uso, e tem no
Estado do Ceará um modelo
a ser seguido pelo país
Fernanda Faustino

8 ÁGUA
ÁGUAE EMEIO
MEIOAMBIENTE
AMBIENTESUBTERRÂNEO
SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015
O
Brasil vive um momento
bastante turbulento com re-
lação aos recursos hídricos.
O crescimento populacional desor-
denado e a falta de planejamento
colocam algumas regiões do país
em estado de alerta. Os reservatórios
que antes abasteciam cidades intei-
ras, hoje aparecem estampados em
capas de jornais operando com volu-
me mínimo e assustam a população.
Em meio a avisos de racionamen-
to e ameaças, inclusive de falta de
energia, alguns mecanismos simples
podem ajudar - e muito - a melhorar
a gestão de recursos hídricos, ame-
nizando o problema da escassez e
melhorando a distribuição e admi-
nistração desses recursos. É o caso
do georreferenciamento de poços. A
definição desse termo é simples se
separarmos as palavras “geo” – que
significa terra – e “referenciamento”
– tomar como ponto de referência.
Podemos entender que a definição
desse procedimento nada mais é
do que saber onde os poços estão,
detalhando o maior número possível
de características deles.
Itabaraci Cavalcante, doutor em
Empresas desempenham hidrogeologia e pesquisador do
papel importante ao informar
Departamento de Geologia da Uni-
a localização dos poços
Foto: Prominas versidade Federal do Ceará, explica
que além de obter as coordenadas
geográficas, o trabalho de campo
contempla parâmetros como medi-
das in situ de pH, sólidos totais dis-
solvidos (STD) e posicionamento do
nível estático, obtenção da cota da
boca de poço, entre outros fatores.
“Todos esses dados auxiliarão na
confecção do mapa de fluxo hídrico
subterrâneo”, aponta. Ele também
ressalta a importância de constar
o máximo de dados e informações
nessa etapa de campo.

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA


ÁGUAE EMEIO
MEIOAMBIENTE
AMBIENTESUBTERRÂNEO
SUBTERRÂNEO 9
produção de água

Mais detalhes, melhor gestão


O georreferenciamento, segundo Cavalcante, pode ser Estado do Rio Grande do Sul, na revitalização de poços,
realizado, de forma simples, com o auxílio de um GPS implantação de sistemas simplificados de abastecimento
que fornecerá as coordenadas do poço. A precisão do e auxílio de gestores na escolha mais adequada para o
trabalho depende do modelo de cada aparelho. Algumas uso e ocupação do solo.
vezes é necessário se utilizar um GPS de precisão ou Cavalcante afirma que é imprescindível manter os
mesmo um georreferenciamento com o auxílio de altíme- dados atualizados no sistema. O motivo é simples: não
tro, medidor de nível d`água, medidores de pH, STD, etc. dá para fazer a gestão de águas subterrâneas sem um
Pensando nisso, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) cadastro atualizado de poços, fato que, segundo ele,
dispõe, desde 1997, do Sistema de Informações de ainda não é compreendido pela maioria dos gestores de
Águas Subterrâneas (SIAGAS), uma base de dados recursos hídricos. “Esses dados é que permitirão o en-
online criada com o objetivo de armazenar, sistematizar tendimento maior de como o recurso hídrico subterrâneo
e disponibilizar dados atualizados e informações geor- está sendo utilizado, pouco ou muito, e do volume que
referenciadas de poços no Brasil. pode ser outorgado em função das reservas disponíveis
Rafael Rolim, geólogo da CPRM, declara que o pro- em subsuperfície”, explica.
cedimento é de suma importância para a gestão dos
recursos hídricos, pois sem a localização espacial de
cada poço, não se pode gerar mapas hidrogeológicos,
para uso e ocupação do solo, planejar obras hídricas
futuras, entre outras coisas.
Ele explica que vários especialistas foram consultados
para definir a estrutura da base de dados e os campos
de informação que fariam parte desse acervo. “Depois
de estabelecido, o SIAGAS vem sendo aprimorado Rafael Rolim,
constantemente pela Companhia, visando atender as geólogo da CPRM
necessidades dos usuários”, enfatiza.
Rolim observa que por causa da grande quantidade
de dados disponíveis no SIAGAS e, dependendo da
qualidade das informações fornecidas por cada empre-
sa perfuradora, as mesmas podem auxiliar na pesquisa
hidrogeológica. “Desta maneira podem servir como ins-
trumento de apoio na gestão de recursos hídricos subter-
râneos, geração de mapas hidrogeológicos e análise de
processos de outorga de uso das águas subterrâneas”,
ressaltou. Ele citou, também, como exemplo, o caso do

Um instrumento para prevenção de riscos


Muitos problemas podem ser evitados apenas fazendo conceber uma política hídrica preventiva e segura, per-
o georreferenciamento. Cavalcante ressalta que, através mitindo se falar em segurança hídrica subterrânea”, diz.
dele, o gestor terá à sua disposição os mapas necessários Rolim destaca que a base de dados cresce mais a cada
para realizar a administração das águas subterrâneas e dia, o que comprova a importância desse procedimento e
aquíferos de uma forma mais ampla e respaldada tec- com isso, o nível de detalhe aumenta. O geólogo aponta
nicamente por dados atuais, permitindo se antecipar a ainda que como os dados pertencentes ao SIAGAS estão
quaisquer impactos causados pelas ações antrópicas, georeferenciados, eles podem interagir com os principais
a exemplo de aterros sanitários e vazamentos de hidro- Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), permitindo
carbonetos em áreas estratégicas. “Com georreferen- desta maneira, solucionar problemas de recursos hídricos
ciamento e dados hidrogeológicos atualizados, se pode que envolvem a dimensão espacial.

10 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


Ceará, um modelo a ser seguido

A
lém das belas praias e do ar- que fornecem relatórios de poços”,
tesanato, o Estado do Ceará relata. Ainda há a promoção contínua
é lembrado e marcado pela de campanhas de cadastramento de
seca em todo seu território, onde poços, que contribuíram e contri-
abriga quase 10 milhões de habitan- buem para se atingir estes números.
tes, dos quais cerca de 80% na zona No estado, o georreferenciamento
urbana. Em sua história recente, a é uma importante ferramenta tam-
estiagem foi responsável por mor- bém por facilitar a análise e conces-
tes de pessoas e de animais e por são das licenças de outorga do uso
muitas perdas na agricultura. Nesse da água subterrânea e a elaboração
cenário, a água subterrânea, com de cartográfica hidrogeológica.
gestão eficiente, exerce papel pre- “Além de possibilitar o incremento
ponderante no abastecimento e le- na oferta de água através da identi-
vou o Ceará à condição de exemplo ficação e revitalização de poços em
no georreferenciamento de poços. áreas com carência hídrica”, afirma
Rafael Rolim, da CPRM, aponta que Robério Bôto de Aguiar, hidrogeólo-
no SIAGAS constam 21.405 poços go, da CPRM em Fortaleza. 
cadastrados (georreferenciados) Os 21.405 poços, segundo Rolim,
em todo o território cearense até o estão distribuídos por todos os 184
momento (final de 2014). “Muito do municípios do estado do Ceará.
que foi conseguido, foi porque além “Iniciamos 2014 com 20.901 poços
da parceria com a Companhia de e adicionamos 504 novos em nosso
Água e Esgoto do Ceará (CAGECE), banco de dados. Este número po-
Companhia de Gestão dos Recursos deria ser superior, mas por falta de
Hídricos (COGERH) e a Secretaria recurso, não foi possível”, acrescen-
de Recursos Hídricos (SRH), que ta. Aguiar observa que, em virtude
colaboram com informações de do prolongado período de estiagem
poços para alimentar o banco de no estado, é imensa a quantidade
dados, o SIAGAS também recebe
informações de empresas privadas

Região Metropolitana
de Fortaleza
possui 8 mil poços
georreferenciados

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 11


Poço de 100 m de

Foto: PROMINAS
profundidade e 6” de
diâmetro, com revestimento
em PVC geomecânico,
na faixa costeira oeste do
Ceará

Hidrosonda Ltda
de poços, que estão sendo perfurados. “Com isto, a água. No mínimo, é falta de conhecimento ou extrema
tendência é que o número de cadastrados aumente irresponsabilidade para com a população.”
significativamente este ano e nos subsequentes”, aponta. Cavalcante salienta que o cadastramento de poços, ge-
orreferenciados e com dados hidrogeológicos atualizados,
Uma ferramenta essencial são necessidade de qualquer estado que tenha respon-
Itabaraci Cavalcante, da Universidade Federal do Ceará, sabilidade com o conhecimento da água subterrânea. E
relata que o estado atingiu essa meta colocando em prá- declara que o Ceará deve ser usado como referência para
tica a implantação de projetos técnicos em hidrogeologia. a gestão de recursos hídricos em outros estados.
“O Ceará foi precursor no cadastramento de poços dentro O que precisa ser feito, indica ele, é que cada gover-
da CPRM no Brasil. Isso aconteceu no final da década de no implemente planos estaduais e diretores, dentro do
1990, por necessidade, para se entender a importância momento atual, antecedendo qualquer estado crítico
das águas subterrâneas como suporte hídrico para a de falta d`água, quadro em que a população paga um
escassez causada pela seca”, observa. alto preço. A metodologia a ser desenvolvida é peculiar
O pesquisador aponta para a relevância de um esforço a cada região, integrando os fatores técnicos ao desen-
conjunto na gestão dos recursos hídricos. No caso do volvimento socioeconômico e político. “O preço que
Ceará, o estado conta com a SRH, COGERH, a Superin- se paga por estudos hidrogeológicos e construção de
tendência de Obras Hidráulicas (SOHIDRA) - responsável poços é irrisório em comparação aos
pela construção de poços e barragens – e a Fundação Ce- custos de remediação dos problemas
arense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME) decorrentes da falta d`água. Desta
– que faz a coleta de dados hidrometeorológicos e tam- forma, o gestor deveria atentar para
bém desenvolve projetos de Hidrogeologia. “Todo estado o problema, que não se resolve só
brasileiro deveria ter, obrigatoriamente, uma Secretaria de com medidas emergenciais, inúmeras
Recursos Hídricos, responsável maior pelo conhecimento vezes paliativas.”
de suas águas em termos quali-quantitantivos”, enfatiza.
E se indigna: “Não entendo como existe política e mídia Itabaraci Cavalcante,
expressiva para todos os segmentos e esquecem o re- pesquisador da Universidade
curso mineral essencial à vida e ao desenvolvimento: a Federal do Ceará

12 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


O papel da ABAS no Ceará
A Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (ABAS) –
Núcleo Ceará faz parte desse modelo em que o estado se
tornou no gerenciamento de Recursos Hídricos. Ao longo
dos últimos 20 anos, a associação contribui de maneira
significativa com debates constantes que disseminam
informação em todo o território nacional.
Carlos Borromeu, presidente da ABAS no estado,
relata que no Maranhão e no Ceará essa disseminação
de informação gerou avanços importantes. “O número
de georreferenciamento de poços é resultado de toda
uma articulação técnica com várias instituições, inte-
grando forças nos âmbitos administrativo e legislativo
para que a gestão dos recursos hídricos seja a mais
adequada”, aponta.
A atualização do georreferenciamento de poços
nesse contexto é fundamental, segundo Borromeu.
“Com isso, novas informações estarão disponíveis o
Poços
que possibilita a evolução na gestão das águas e no cadastrados no
âmbito das Bacias Hidrográficas que cobrem todo o Estado do Ceará.
Estado do Ceará”, finaliza. Fonte: CPRM

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 13


Carlos Eduardo Quaglia Giampá,
Diretor da DH Perfuração de Poços
hidronotícias

Por que está


acabando a água?
Nicole B. L. Sigaud, fundadora do Núcleo Caetê de Educação, Meio Ambiente e Cultura da cidade de Amparo (SP)

Desde que as primeiras estradas rasgaram a Flores- contram solos desprotegidos, devido à devastação da
ta Amazônica para permitir a colonização, há pelo vegetação ou impermeabilizados por concreto e asfalto
menos quatro décadas, a floresta vem sendo des- nas cidades. O solo desprotegido acaba sofrendo, ao lon-
matada. Atualmente a floresta foi reduzida em 20%, go do tempo, compactação pela expansão e contração,
uma área maior do que França e Alemanha juntas. provocada pelo umedecimento (chuvas) e secamento
A Amazônia bombeia para a atmosfera a umidade que (exposição solar).
vai se transformar em chuva nas regiões Centro-Oeste, Quando se tem plantas (árvores são as que melhor
Sudeste e Sul do Brasil, principalmente as chuvas que desempenham essa função) protegendo o solo, as fo-
ocorrem no verão (de longa duração), que são as res- lhas e galhos amortecem o impacto da água, e as raízes
ponsáveis por recarregar os principais reservatórios da envolvem a terra mantendo-a firme, evitando a erosão.
Região Sudeste. Isso acontece devido à existência da A água escorre pelos troncos até atingir as raízes, que
Cordilheira dos Andes, que barra a umidade trazida do abrem espaço na terra para a passagem da água, além
oceano pelos ventos e que acaba caindo na forma de de fornecer matéria orgânica que é o alimento para
chuva, fornecendo as condições ideais para a existência os “moradores” do solo (minhocas, insetos e outros),
da floresta. As raízes das árvores sugam a água da terra, que também abrem túneis para a passagem de água.
e pela transpiração uma árvore bombeia diariamente uma As raízes absorvem grande parte da água e também
média de 500 litros de água para a atmosfera. a liberam gradativamente, funcionando como filtros
A Amazônia inteira é responsável por levar 20 bilhões vivos, que retiram, isolam ou inativam contaminantes e
de toneladas de água por dia do solo até a atmosfera, recarregam os aquíferos, garantindo o abastecimento
A seção Hidronotícias/Recordar é Viver é de responsabilidade do autor.

3 bilhões de toneladas a mais do que a vazão diária do contínuo das nascentes.


Amazonas, o maior rio do mundo. Toda essa água bom- A maioria das espécies que compõe nossa alimen-
beada para o ar forma os chamados “rios voadores”, dos tação hoje em dia não é nativa do Brasil: das 20 frutas
quais inclusive se tem registro em filmagens. mais consumidas somente três são nativas, isso sem
Para comprovar esse dado, basta observar que nas falar em verduras e hortaliças. Grande parte não é nem
mesmas latitudes do planeta tudo é deserto, menos na do nosso continente, são espécies originárias de outro
América do Sul, pois a tendência dos ventos que vêm clima e ambiente. Tomemos como exemplo a alface e o
dos oceanos é atravessar o continente, de uma ponta à gado, que não são nativos do Brasil, mas são alimentos
outra. Porém neste caso, os ventos ao esbarrarem na muito consumidos aqui.
cordilheira, desviam para o Sul. Esses e outros exemplos demonstram nossa grande
Contudo, além de estarmos reduzindo a quantidade de desconexão com a natureza, além disso, utilizamos
árvores que realizam essa função na Amazônia, o que excessivamente água, adubo e agrotóxicos, para fazer
resulta em uma diminuição da umidade que é trazida espécies vegetais que são de época, produzindo fora de
pelos ventos, no estado de São Paulo, a devastação da época. Nem conhecemos mais a época dos alimentos.
Mata Atlântica permite a formação de uma massa de ar Estamos indo totalmente contra as leis da natureza.
quente na atmosfera, que é tão densa, que bloqueia a Precisamos expandir nossa visão, fomos ensinados a
chegada dos “rios voadores”, já enfraquecidos. Estes enxergar apenas as partes e estamos cegos para o todo.
ficam represados no céu e acabam desaguando no Por mais que custemos a aceitar, a realidade é: repensar
Acre e em Rondônia, onde foram registradas este ano nossa alimentação e postura como consumidores é a
as maiores enchentes da história. atitude mais importante, se quisermos economizar água.
As chuvas quando acontecem em nossa região en- Fonte: Água Online

14 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


RECORDAR É VIVER

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 15


CAPA

Seca:
As mudanças do clima
e os eventos extremos
criaram cenários difíceis,
com registro de elevação
da temperatura e de
chuvas abaixo da média em
todos os meses de 2014 no

à sombra das país, gerando crises no


abastecimento. Estados

incertezas
que enfrentam o drama
da seca, como Alagoas e
Califórnia (EUA), contam

climáticas
suas experiências
Larissa Straci

E
m termos de clima, 2014 foi um ano totalmente foram afetadas pela cheia recorde do Rio Madeira, em
atípico. Os habitantes da cidade de São Paulo Rondônia. Estas situações são reflexos das mudanças
(SP), responsáveis por gerar quase R$500 bi- climáticas que estão afetando o país, de Norte a Sul.
lhões por ano em riqueza, observaram com assombro Para Tércio Ambrizzi, pesquisador do Instituto de
suas torneiras secarem nos últimos meses. No Estado Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG)
de São Paulo, mais de dez milhões de pessoas estão da Universidade de São Paulo (USP), o aumento
sob ameaça de racionamento de água, grande parte do CO2 (dióxido de carbono) e de outros gases do
em razão dos baixos níveis no sistema de represas efeito estufa na atmosfera está contribuindo para o
que abastece a Capital e outras cidades paulistas. aumento da temperatura desde 1980. “Se alguém
Em Minas Gerais, 173 municípios solicitaram ajuda do tem dúvida que a atmosfera está aquecendo, eu diria
Governo Federal, em caráter emergencial, por conta que deve ser dissipada, pois está ocorrendo. Prova
da estiagem. A capital Belo Horizonte declarou a situ- disso é o ano de 2014, que bateu recordes de tempe-
ação crítica na maior seca em mais de 100 anos. Na ratura. Quando nós fazemos uma análise de eventos
região Nordeste, 1.484 municípios decretaram estado meteorológicos, hidrológicos e climatológicos dos
de emergência em função da seca, que teve início em últimos anos, vemos que há tendência de aumento
2013. A pior estiagem dos últimos 50 anos causou um dos eventos extremos (tempestades mais violentas,
prejuízo de US$8 bilhões para o Nordeste, segundo secas prolongadas, ondas de calor) em termos de
dados da WMO (Organização Mundial de Meteorolo- frequência e intensidade”. Segundo o pesquisador,
gia). Enquanto isso, no Norte do Brasil, 2.478 famílias o grande desafio é adaptar-se a essas mudanças.

16 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


Crise hídrica paulista: culpa da chuva?

o campeão absoluto. Em
todos os meses as chuvas fi-
caram abaixo da média, uma
diferença de mais de 600
milímetros. Essa estiagem faz
uma diferença muito grande
em toda nossa vida: na eco-
nomia, no abastecimento, na
política e na questão social.
2014 é um ano que deverá
ficar para a história”, alerta
Rui Brasil Assis.
Tercio Ambrizzi explica
Em 24 meses, durante os anos de 2012 e 2013, apenas que a evolução urbana de São Paulo (crescimento popu-
em um mês a chuva foi acima da média no Estado de São lacional e demográfico) aumentou a temperatura média
Paulo. É o que comenta Rui Brasil Assis, da Secretaria da cidade. “Desde 1980 até os dias atuais, a temperatura
de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São média na capital paulista aumentou em torno de três graus.
Paulo. “Em 2012 e 2013, já tínhamos uma situação com- Estamos falando de aquecimento urbano e isso acontece
plicada em termos de reservatórios. Em janeiro de 2014, na maioria das grandes cidades.” Outra observação im-
em algumas regiões choveu de zero a 60 milímetros, em portante, segundo Ambrizzi, é que “eventos extremos das
um mês que deveria ser chuvoso. No verão normalmente chuvas em SP ocorrem nas várias estações do ano, mas
temos de 60% a 70% da precipitação de todo o ano. Em não acontecia antes da década de 1980. Eventos extremos
fevereiro de 2014 deveria ter chovido, mas não choveu. de chuvas durante o inverno são uma observação recente.
Foi o pior mês de fevereiro de todos os tempos. Em ou- Também ocorrem chuvas mais intensas. Ou seja, nós já
tubro de 2014 algumas regiões do estado permaneceram estamos sentindo as consequências do aquecimento”.
com baixíssimas intensidades de chuvas. De janeiro a ou- Rui Brasil Assis reproduz a fala do pesquisador Orivaldo
tubro de 2014, é possível observar uma precipitação Brunini, do IAC: “Embora se pense e, infelizmente, muitos
inferior à média em diversos municípios acreditem que pelas suas características climáticas, São
paulistas”, especifica. Paulo está isento do fenômeno da seca, isto não é verda-
Estudo do Instituto Agronômico de de. Outros períodos de seca já ocorreram como em 1954,
Campinas (IAC) aponta que em 124 1961, 1963, 1974, 1985 e 2001. Os dados apresentados
anos (de 1890 a 2014), uma média de demonstram que este é, sem dúvida, um dos piores epi-
1.400 milímetros de chuva acumulava- sódios de seca registrados. Isto se intensificou pelo alto
-se anualmente. “Podemos ver uma grau de urbanização, aumento populacional, falta de pre-
série de anos bem ruins, mas 2014 foi servação dos recursos naturais, entre outros. Assim, é de
extrema importância o estabelecimento de Programas e
Rui Brasil Assis, da Secretaria Políticas Públicas que visem o estabelecimento de uma
de Saneamento e Recursos segurança hídrica.”
Hídricos de SP

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 17


CAPA

Estiagem afeta diretamente a qualidade da água


Quando há pouca disponibilida- alternativas de água - que muitas
de, a qualidade da água piora vezes não são seguras - e façam
consideravelmente e o número a estocagem em reservatórios e
de doenças de veiculação hídri- recipientes inadequados. Além
ca aumenta. Jamyle Calêncio disso, o aumento do abastecimen-
Grigoletto, da Coordenadoria de to por carros pipa eleva o risco
Vigilância em Saúde Ambiental sanitário”, ressalta.
do Ministério da Saúde, alerta Segundo Jamyle, a seca é um
que entre as principais conse- problema complexo e deve exigir
quências da estiagem estão as planos de resposta às emergên-
dificuldades no atendimento cias em saúde pública. “Quando
dos padrões de potabilidade da falamos em problema complexo,
Portaria n o. 2914/2011, pois as não podemos atuar em somente
concentrações de poluentes e um setor. Temos que pensar em in-
contaminantes causam grandes tersetorialidade, pois, do contrário,
dificuldades para o tratamento. não conseguiremos racionalizar
“O racionamento faz com que os Jamyle Calêncio Grigoletto, o problema e nem minimizar os
consumidores busquem fontes do Ministério da Saúde riscos para a saúde da população.”

Alagoas: seca é histórica, mas ainda traz consequências


Maria Elisabeth Vieira da Rocha, engenheira ambiental parecer longe, mas a seca também estava muito longe
e chefe da Divisão de Vigilância em Saúde Ambiental da dos paulistas e chegou. Então, peço para as secretarias
Secretaria Estadual de Saúde de Alagoas, afirma que de Saúde: comecem a olhar como estão os indicadores
em um dos estados mais pobres do Brasil, o fenômeno de saúde dos seus municípios. Houve alguma mudança
não é mais novidade. “A seca aqui é histórica, todos no perfil epidemiológico? É preciso ficar atento”, alerta.
os anos nós tivemos e todos os anos temos o exército De acordo com Maria Elisabeth, em 2012, o estado
transportando água. Contudo, em 2013, a situação se registrou índices de chuva abaixo da média histórica, prin-
agravou e se tornou bastante crítica, pois houve uma cipalmente no Sertão e no Agreste. “A queda nos índices
epidemia de Doença Diarreica pluviométricos chegou a 80% e mais
Aguda (DDA). Talvez o que eu diga de 50% dos municípios decretaram es-
pareça distante de uma região rica e A queda nos índices tado de emergência. Essa estiagem se
com condições diferenciadas como arrastou para 2013 e foi considerada
São Paulo. Nós, alagoanos, temos o pluviométricos a pior dos últimos 50 anos.”
pior índice de educação do país, ao
contrário de São Paulo, então, pode
chegou a 80% Ela comenta que a partir do Sistema
de Vigilância das Doenças Diarreicas
e mais de 50% (SIVEP – DDA) foram identificados
inúmeros surtos. “Desde 2012 até
dos municípios novembro de 2014, passamos de 72
decretaram estado mil casos de diarreia para 115 mil. Isso
chamou a atenção de todos e foi uma
de emergência correria geral. Os casos de diarreia em
nosso estado já são uma normalidade
e a situação está acima da média, visto
que mesmo na rede de abastecimento,
Maria Elisabeth a qualidade da água é ruim o ano todo. Na 13ª semana do
Vieira da Rocha,
da Secretaria
surto, passamos de dois mil para sete mil casos. O setor
de Saúde de da Saúde não estava preparado, principalmente nos mu-
Alagoas nicípios do Sertão. Mas os desafios e a seca continuam.”

18 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


Califórnia: seca está afetando sistema complexo de água
O Estado da Califórnia é a maior economia dos Estados “Nós tivemos em 2011 um ano de muitas chuvas, os
Unidos e a 9ª maior do mundo. São 30 milhões de habi- reservatórios estavam cheios, mas desde 2012 estamos
tantes em um estado extremamente seco, principalmente enfrentando uma grave seca. A neve, uma das maiores
na região Norte. Segundo Newsha K. Ajami, pesquisadora reservas de água, caia sobre as montanhas, a água der-
da Universidade de Stanford (CA, EUA), a instabilidade retia e corria para os rios. Com as mudanças climáticas,
hídrica fez com que, no início da década de 1930, fossem essa água vem em forma de pouca chuva e este reser-
projetados canais para distribuição de água em todo o vatório nas montanhas não existe mais. A bacia do Rio
seu território. A água chega para a agricultura, para as Colorado, ao sul do estado, é a região mais afetada. A
regiões costeiras e para onde a população decidiu se agricultura, numa área muito seca e quase sem chuvas,
estabelecer. “É um sistema bem complexo: no centro foi viabilizada através dos canais de água. A distribuição
do estado existe um delta para onde fluem vários rios e é um desafio constante, mas se considerarmos a seca,
a partir dali há a distribuição. A água vai do Norte para o temos um problema muito grande nas mãos”, ressalta
Sul e do Leste para o Oeste. A maior parte, 80%, é usada Newsha. Ela explica que o sistema de distribuição per-
na agricultura e somente os outros 20% vão para áreas de 17% da água tratada por vazamentos e ineficiência.
urbanas”, explica. “Apesar de a água infiltrar no solo, esse é um caso de
Para a pesquisadora, as mudanças climáticas estão investimento mal feito. Estamos trabalhando para rever
afetando o complexo sistema de água da Califórnia. essas falhas”, garante.

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 19


CAPA

Redução no consumo: de Transporte de água na Califórnia


voluntária à obrigatória Mapa da CDWR 2002
Paula Kehoe, diretora de Recursos Hídricos
da San Francisco Public Utilities Commission
(Agência de Água da cidade de São Francisco,
na Califórnia), órgão responsável pela distribui-
ção, tratamento de esgoto e águas residuais, e
geração de energia elétrica e solar, afirma que o
estado já passou por três secas muito graves: em
1976, em 1987 (que durou seis anos, até 1992) e a atual,
desde 2012. “Em 1987, não esperávamos que fosse
durar tanto. Todos reduziram o consumo em 25%. No
sexto ano, a redução chegou a 45%, uma economia mui-
to difícil de alcançar.” A diretora afirma que, em janeiro
de 2014, o governador declarou estado de emergência
e houve uma redu-
ção voluntária de
10% no consumo.
“Isso tudo graças
a uma forte campa-
nha de conscienti-
zação que fizemos água e, em novembro de 2014, finalmente conseguimos
junto à mídia.” Ela alcançar nosso objetivo. Foi uma redução lenta, mas que
explica que, em abril progrediu. Precisamos de uma economia a longo prazo
de 2014, a redução e os aparelhos domésticos devem responder à essa
passou de volun- demanda. Por isso, estamos fornecendo gratuitamente
tária à obrigatória. duchas, aeradores de torneiras e vasos sanitários com
“Foi uma economia dispositivos de baixo consumo. Até 2017, esses dis-
Paula Kehoe, da San Francisco total de cerca de oito positivos serão obrigatórios para os estabelecimentos
Public Utilities Commission bilhões de galões de comerciais”, garante Paula.

Água subterrânea: poupança para a crise


A pesquisadora da Universidade de Stan- reserva. Além disso, a água subterrânea
ford, Newsha K. Ajami, comenta que as na área central, que é uma região agrí-
reservas da Califórnia sempre foram as cola, é muito contaminada por arsênico
águas subterrâneas. “Se estamos com e nitrato”, declara.
pouca disponibilidade superficial, recor- Não existe oferta ilimitada de água
remos à nossa poupança.” Para Newsha, e é preciso repensar a demanda e a
essa é uma tendência constante e sau- oferta, destaca Newsha. “A qualidade
dável, se o usuário estiver consciente da água está ligada à disponibilidade.
sobre como fazer a gestão. “Mas tivemos Se falta disponibilidade, a qualidade
problemas na área de seca extrema, pois diminui. Por isso, precisamos pro-
muita água subterrânea foi extraída. Os teger os mananciais subterrâneos e
níveis de água subterrânea estão tão superficiais.” Newsha diz que a seca,
baixos que não são mais sustentáveis. Na na verdade, é uma oportunidade de
região central do estado, por exemplo, o aprendizado. “Aprenda e quando ela
Newsha Ajami, da
solo cedeu. O afundamento no local é de Universidade de Stanford voltar, você não será pego de surpre-
cerca de sete metros. A agricultura usou sa”, aconselha aos órgãos de recursos
toda a água subterrânea e não conseguiu repor esta hídricos brasileiros.

20 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


Seminário Água e Saúde

Os temas desta reportagem foram discutidos por pes-


quisadores de recursos hídricos do Brasil e do exterior
durante o 4º Seminário Estadual Água e Saúde: Crise
Hídrica e Segurança da Água, que aconteceu nos dias
11 e 12 de dezembro, em São Carlos (SP). O evento é
uma realização da Secretaria Municipal de Saúde, do
Centro de Vigilância Sanitária de São Paulo e da Facul-
dade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
(USP). Seu principal objetivo foi abordar a segurança Adelaide Cássia Nardocci, da Faculdade de Saúde
da água ofertada à população considerando a estiagem Pública da Universidade de São Paulo, Ana Lúcia
e a crise hídrica que se apresentam de modo crítico no Spagnol Bose, do Grupo de Vigilância Sanitária da
território paulista, à sombra das incertezas provocadas regional Araraquara - SP, Jamyle Calêncio Grigoletto, do
Ministério da Saúde, Marcus Petrilli, Secretário de Saúde
pelas mudanças climáticas globais.
de São Carlos, Sergio Valentim, do Centro de Vigilância
Sanitária de SP e Paulo Sérgio Piffer, do Departamento
Autônomo de Água e Esgotos (DAAE) de Araraquara - SP

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 21


ambiente

Foto: Arquivo ArtCom A.C./DAERP


Poço Jorrando, em
Água Jandaia (SP)

Água
subterrânea
em pauta Em encontro
com jornalistas,
especialistas da ABAS
incentivam exploração
do recurso para
amenizar a crise no
abastecimento paulista
Larissa Straci

22 ÁGUA
ÁGUAE EMEIO
MEIOAMBIENTE
AMBIENTESUBTERRÂNEO
SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015
“A
água subterrânea é uma opção viável para a modernas para perfuração e cuidados com os poços,
crise hídrica e uma fonte de abastecimento que entre outros tópicos.
possibilita soluções rápidas, com qualidade, De acordo com a ABAS, a falta de água em São Paulo
economia e autonomia. Os poços são fontes legais, aumentou em 30% a demanda pela perfuração de poços.
que atendem às normas da Associação Brasileira de Ainda segundo a associação, 95% das indústrias da Re-
Normas Técnicas (ABNT) e às leis de recursos hídricos gião Metropolitana de São Paulo contam com seus poços
e são estratégicos para setores como abastecimento próprios e a procura do serviço pelos condomínios foi a
público, agricultura, indústria, entre outros. São eficien- principal responsável pelo crescimento do setor. “Esses
tes porque estão próximas aos locais de consumo e, poços são construídos, em sua maioria, para abastecer
normalmente, as redes de distribuição são pequenas, condomínios, indústrias e prefeituras”, analisa o geólogo
o que evita perdas de água. Em situações de escassez, Carlos Eduardo Quaglia Giampá, diretor da DH Perfura-
são as únicas soluções viáveis a curto prazo e, muitas ção e ex-presidente da ABAS.
vezes, as únicas disponíveis. São fontes seguras e, Marcelo Morgado, engenheiro químico e consultor da
em situações de calamidade pública, são as únicas GO Associados, afirma que a escolha de poços é uma
confiáveis.” Este foi o posicionamento da Associação opção viável como alternativa para a crise na capital
Brasileira de Águas Subterrâneas, colocado por seu paulista, visto que o prenúncio é que 2015 também será
presidente, o geólogo e diretor da Hidrogeo, Cláudio um ano de poucas chuvas. “Temos que pensar em um
Pereira de Oliveira, durante workshop promovido pela novo paradigma”, comenta. Segundo ele, “a exploração
associação, em dezembro, em São Paulo (SP). Voltado dos aquíferos deve estar associada a outras soluções
exclusivamente para profissionais da imprensa, o evento como o combate às perdas e ao desperdício, reúso
contou com especialistas da associação, que colocaram industrial, urbano e agrícola, reúso potável indireto, uso
em pauta temas como a água subterrânea como alter- racional da água e de outras fontes, como chuva, água
nativa de abastecimento para amenizar a crise hídrica, do mar dessalinizada, abrandamento de águas salobras
legislação e gestão, diferentes técnicas e ferramentas e condensação de umidade do ar”.

dificuldades na gestão potencializam a clandestinidade


Segundo os especialistas, as dificuldades de uma gestão rocrática e só no papel, na opinião de Oliveira, presidente
técnica adequada para a utilização da água subterrânea da ABAS. “Se não houver uma gestão técnica, ela não
potencializa a clandestinidade no setor de perfurações. precisa existir. Não pode ser uma gestão burocrática.” Ele
“O Departamento de Água e Energia explica que a legislação atual elimina
Elétrica (DAEE) tem trinta dias para a possibilidade da utilização de fontes
outorgar, mas a burocracia demora alternativas em áreas urbanas, o que
meses até publicar a decisão no A legislação atual prejudica os usuários. “A gestão da
Diário Oficial. Uma grande quanti- água subterrânea, cada vez mais, é
dade de usuários, na pressa, passa elimina uma gestão de papel. Alguns estados
por cima disso, o que possibilita a possibilidade da confundem com gestão ambiental.
poços clandestinos”, afirma Giam- Apesar de conexos, a gestão de recur-
pá. Dados não oficiais apontam utilização de fontes sos hídricos e a gestão ambiental são
que 80% dos poços existentes na
região metropolitana de São Paulo
alternativas em áreas feitas por legislações e organismos
diferentes, pois se regem por princí-
são clandestinos. Para ele, os poços urbanas, prejudicando pios distintos. O uso das águas é ob-
clandestinos, que não possuem jeto de fomento, o que não acontece
controle de exploração e qualidade,
os usuários com o meio ambiente, que é objeto
precisam de uma maior fiscalização de restrição. Portanto, as legislações
e esforço para regularização. “O ambientais fazem exigências que não
poço deve ser bem construído para contribuem para a gestão, protoco-
tirar uma água subterrânea com segurança e para pro- lam barreiras e dificultam o procedimento de avaliação,
teger o aquífero”, alerta. tornando-os lentos e complicados e contribuindo ainda
A água subterrânea está sendo administrada do mesmo mais com o acúmulo de papel”, considera Cláudio Pereira
jeito como se administra água superficial, uma forma bu- de Oliveira.

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 23


ambiente

Água subterrânea pode e deve ser tratada


O hidrogeólogo Everton de Oliveira, professor da Uni- água. Isso aconteceu há quase duzentos anos.” O es-
versidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho pecialista afirma que, atualmente, a água subterrânea
(UNESP) de Rio Claro (SP) e diretor da Hidroplan, sai do poço bem mais limpa do que a água superficial,
ressalta que, assim como a água superficial, a água mas não necessariamente potável. “A água subterrânea,
subterrânea é tratável. “Muitas pessoas partem do pres- muitas vezes, deve passar por um tratamento também.
suposto de que água subterrânea tem que sair potável O pressuposto que ela tem que vir 100% pura na boca
do poço. Este é um pressuposto histórico, que surgiu do poço e se não estiver, aquele poço está condenado
com o início das Vigilâncias Sanitárias no país.” Ele e deve ser fechado é o raciocínio da Vigilância Sanitária
relembra que ”no começo do século dezenove, poços do começo do século dezenove. Nós podemos pegar
eram construídos ao lado das fossas sépticas, levando um poço que tem uma água com qualidade passível
ao surgimento de doenças de veiculação hídrica. Naque- de ser utilizada e submetê-la a um tratamento mínimo
la época, uma a cada quatro crianças morria em razão para uso. Mas não simplesmente fecharmos o poço,
da falta de saneamento e destas doenças. Havia uma porque ele não está com a potabilidade garantida.
relação direta da mortalidade infantil com a qualidade Nós temos uma cultura difícil nesse sentido”, destaca
da água do poço, o que levou à proibição do uso desta Everton de Oliveira.

Da dir. para esq: Marcelo Morgado, Claudio Pereira de Oliveira, Everton de Oliveira e Carlos Eduardo Quaglia Giampá mostraram
as várias e importantes possibilidades das águas subterrâneas

Contaminação: falta de saneamento e má utilização do solo


A qualidade da água subterrânea é muitas vezes para universalizar os serviços é preciso duplicar os
questionada, devido aos índices de contaminação investimentos e aumentar a produtividade.
provocados pelo descuido no despejo de efluentes O Estado de São Paulo enfrenta um problema de
químicos e orgânicos. Nas áreas urbanas, o esgoto má utilização do solo, o que favorece o aparecimento
é o principal contaminante, justamente porque o sa- de pontos de contaminação, aponta o geólogo Carlos
neamento ainda é um dos segmentos mais atrasados Eduardo Quaglia Giampá. “O mapa da contaminação
da infraestrutura brasileira. Segundo o engenheiro da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CE-
químico Marcelo Morgado, cerca de 100 milhões de TESB), referente ao ano de 2013, mostra 2018 pontos de
pessoas não possuem coleta de esgotos no Brasil e contaminação registrados, a maioria postos de gasolina
120 milhões não têm o seus esgotos tratados. “Esse (1574 pontos). Esses números revelam as áreas contami-
déficit é consequência da falta de visão estratégica nadas e as que estão sob investigação ou monitoramento
dos governantes e é uma insanidade. Se pensarmos para remediação e reabilitação. De um total de 2018 áreas
nos benefícios futuros que o saneamento traz, tanto contaminadas, foram reabilitadas somente 150, ou seja,
no sentido social, pelas oportunidades de emprego, menos de 10%. Em minha opinião, a CETESB não faz
como em relação à saúde, em razão das doenças de uma ação muito forte em cima da reabilitação destes
veiculação hídrica e da redução da mortalidade infantil, poços para liberar o ponto considerado contaminado, o
só teremos benefícios”, explana. Morgado acredita que que restringe a perfuração de poços em áreas próximas.”

24 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


Objetivo do workshop

Para Everton de Oliveira, o papel da imprensa é fomentar


o uso da água subterrânea. “Temos que mudar a ideia que
não podemos utilizar a água dos poços, o que é passado
pelos órgãos de vigilância e pelas próprias concessioná-
rias, por se tratar de uma reserva de mercado. O objetivo
da ABAS é ampliar a utilização da água subterrânea. O
que a imprensa precisa fazer é cobrar do governo para
que o uso seja feito de forma correta e dos órgãos para
que haja fiscalização. Nós precisamos usar sim e por-
que não trazemos isso para a legalidade?”, questiona o
especialista. Jornalistas de revistas especializadas e da
mídia em geral participaram do evento. Jornalistas de diversos veículos estiveram no workshop da ABAS

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 25


Peeter Pehme
COnexão internacional

Tá frio… tá frio...
tá quente!
O que as variações de temperatura podem dizer para
caracterizar o fluxo da água subterrânea em poços
Carlos Maldaner (Universidade de Guelph, Canadá)
Marcelo Sousa (Arcadis Logos, Brasil)

P
rofissionais das águas subterrâneas estão sempre buscando ma-
neiras mais eficientes e confiáveis para caracterizar o subsolo e
entender o fluxo em poços de abastecimento de água. Para essa
finalidade, uma técnica com grande potencial é a caracterização da tem-
peratura ao longo da profundidade do poço -- também conhecida como
“perfilagem com sonda de temperatura de alta resolução”. Quando a
temperatura da água nas regiões de fluxo é distinta das temperaturas da
rocha e da água do poço, esse tipo de investigação nos permite identificar
as regiões onde o fluxo subterrâneo é mais significativo.
Nessa edição, conversamos com o hidrogeólogo Peeter Pehme, que
dedicou boa parte de sua carreira para o desenvolvimento e aprimora-
mento desta técnica. Ele é atualmente presidente da Waterloo Geophysics
Inc. e pesquisador associado na Universidade de Guelph, no Canadá.

que nos levou à criação da técnica poço no fluxo subterrâneo.


“active line source” (ALS). Estes sucessos criaram o ambien-
Independentemente, Carl Keller, te necessário para avançarmos para
na empresa FLUTe, desenvolveu o próximo passo da técnica, que
um método para selar poços tubu- foi o desenvolvimento da sonda de
lares usando uma membrana im- vetor térmico, uma ideia que fiquei
permeável (FLUTe liner) e evitando alimentando por muitos anos, mas
o fluxo vertical em poços abertos, não tinha colocado em prática. A
Peeter Pehme, presidente da Waterloo em conjunto com os professores sonda de vetor térmico utiliza a
Geophysics Inc. e pesquisador John Cherry e Beth Parker, que sensibilidade dos sensores de tem-
associado na Universidade de Guelph,
estavam pesquisando o fluxo em peratura em combinação com mag-
no Canadá
rochas fraturadas. John e Beth netômetros para medir a magnitude
ficaram sabendo sobre o nosso e a direção do gradiente térmico e
trabalho com perfilagem de tem- como o gradiente se desenvolve
Quando começou e como foi o peratura e começamos a aplicar durante testes com a técnica ALS.
desenvolvimento da técnica de a técnica ALS em poços selados Isso permitiu o desenvolvimento de
caracterização de temperaturas? com FLUTe liner. Ao evitar o fluxo inúmeras técnicas que estão sendo
John Greenhouse e eu começamos a vertical em poços, a sensibilidade atualmente aplicadas.
explorar uma variedade de métodos da nossa técnica aumentou, permi-
para criar desequilíbrios térmicos em tindo medir a temperatura natural Como a temperatura da água
poços no final dos anos de 1980, o da água sem a interferência do pode ser usada para caracterizar

26 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


o fluxo das águas subterrâneas? ambiente natural, sem interferências. expectativa que funcionaria. Eu
A medição de temperatura da água Em termo de desafios, a região adoraria ter a oportunidade para
em poços foi uma das primeiras subterrânea próxima à superfície é um testar os métodos que desenvolvi
formas de perfilagem (medidas ao regime térmico extremamente dinâmi- no Brasil. De qualquer maneira, é
longo da profundidade do poço), co. Portanto, trabalhar em profundi- importante observar que a chave
sendo que os primeiros registros do dades de até 10-15 metros pode ser para o sucesso da técnica é a re-
seu uso aconteceram no século XIX. extremamente difícil. Rochas rasas solução do sensor de temperatura
Assim que a técnica avançou, em podem ser extremamente fraturadas e a criação de um desequilíbrio
meados dos anos de 1900, pesquisa- e quando o nível de água é raso, o térmico. Nós não observamos ne-
dores começaram a usar temperatura cenário pode ser altamente dinâmico, nhuma diferença óbvia na resolução
para caracterizar o fluxo, a recarga ou seja, a temperatura da água nas em regiões do Hemisfério Norte,
e a descarga da água subterrânea. fraturas é diferente da temperatura da situadas no Canadá, em relação a
Muitos projetos foram desenvolvidos rocha e, frequentemente, a resolução locais mais quentes como o sul da
durante os anos de 1960 e 1970. alcançada por nossa técnica não se Califórnia, onde as temperaturas
Porém o entusiasmo com a técnica faz necessária. ambientes são aproximadamente
diminuiu por conta da baixa precisão dez graus Celsius mais elevadas.
dos sensores e do fluxo de água no Como consultores trabalhando Considerando a alta temperatura
interior dos poços, que dificultava a em áreas contaminadas podem das rochas no Brasil, os contrastes
interpretação dos resultados e gerava se beneficiar da técnica de tem- naturais de temperaturas criados
resultados inconsistentes. peratura da água como traçador por eventos de chuvas devem ser
No final dos anos de 1980, a em- de fluxo? ainda maiores. Tipicamente as
presa IFG Corporation desenvolveu Eu acredito que muitas pessoas não anomalias térmicas criadas por nós
uma sonda de temperatura com tem conhecimento das ferramentas são da ordem de 5-10 centésimos
precisão de poucos milésimos de existentes. Por exemplo, muitos não de grau Celsius. Portanto, não há
grau Celsius, o que permitiu detec- sabem sobre a sensibilidade dos necessidade de grande variação
tar variações em temperatura muito sensores de temperatura, atualmente, da temperatura para o sucesso da
menores. Para identificar fraturas que e como podem evitar o fluxo vertical técnica, porém é fundamental uma
contribuem para o fluxo no poço, é dentro de poços. Além disso, muitas boa coleta dos dados em campo e
necessário que a temperatura da vezes, não percebem que em testes um pouco de paciência.
água na fratura seja diferente da tem- em poços abertos pode-se perder
peratura da rocha e da água dentro importantes zonas de fluxo, como Qual sua recomendação ou su-
do poço. também, enfatizar zonas erradas gestão a um jovem profissional
como críticas para fluxo. A literatura em águas subterrâneas?
Que tipo de poço é mais apro- recente apresenta alguns resultados Recomendo aos jovens profissionais
priado para testes usando a tem- de pesquisadores europeus usando que tenham uma mente aberta e
peratura da água subterrânea? sensores de temperatura de alta sempre questionem, questionem
Existem diversas formas de testes sensibilidade. Hoje existem muitos e, novamente, questionem. Porque
usando temperatura, que podem ser indivíduos trabalhando com cabos alguma coisa não funciona? Quais
aplicados em quase qualquer tipo de fibra óptica para superar a baixa são as suposições feitas para o
de poço. Em um poço aberto, com resolução espacial e relativa baixa desenvolvimento de alguma técnica
fluxo vertical, pode-se detectar zonas sensibilidade da técnica tradicional ou equação? Uma suposição pode
com fluxo de água subterrânea da de perfilagem de temperatura. ser sempre aplicada? Ela realmente
mesma forma que um perfilador de se aplica ao meu caso? Também
fluxo (flowmeter), porém sem poder Seria possível usar a temperatura questione rótulos e tecnologias. Este
quantificar a velocidade e a direção da água como traçador em paí- sensor é realmente bom como o fa-
de fluxo. Entretanto, a habilidade de ses tropicais como o Brasil? As bricante diz e em todas as circunstân-
restringir o fluxo vertical, selando o pequenas variações sazonais de cias? Por outro lado, não se prenda
poço com uma membrana imperme- temperatura seriam um problema muito a detalhes durante um projeto
ável (FLUTe liner), é o que realmente para este método? e até que você esteja completamente
aumenta a detecção e permite ca- Honestamente não sei com certeza convencido que está correto, sempre
racterizar o regime de fluxo em um a resposta, mas tenho uma alta seja um pouco cético.

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 27


Profa. Dra. Denise Alves Fungaro – Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares, IPEN–CNEN/SP
remediAÇÃO

Estabilização de solo contaminado


com zinco usando zeólitas sintetizadas
a partir de cinzas de carvão

A
contaminação de solos por metais pesados pode cuja estrutura microporosa lhe confere propriedades de
ter consequências desastrosas para o ecossistema adsorção e capacidade de troca catiônica.
como a perda da produtividade agrícola, a redução A queima de carvão mineral em usinas termelétricas
da qualidade da cadeia alimentar com danos à saúde para a produção de energia elétrica gera grande quanti-
humana e animal e o envenenamento de corpos d’água dade de cinzas de carvão (aproximadamente 4 milhões
superficiais e subterrâneos. de toneladas/ano), sendo um dos resíduos sólidos mais
Em solos poluídos, os metais podem estar na forma significativos em termos de volume no Brasil. A sua
solúvel, adsorvidos na fração inorgânica, complexados principal aplicação é na fabricação do cimento Portland
com os componentes orgânicos ou pozolânico, mas isto ocorre em apenas
simplesmente precipitados. algumas centrais termelétricas do Brasil
O risco de solos contaminados e somente para as cinzas leves (cerca
não pode ser avaliado pela simples de 34% da cinza gerada). Já as cinzas
concentração total do metal, mas sim Recentemente, pesadas não encontram aplicação
pela fração móvel ou biodisponível
(fase solúvel) para o meio ambiente.
muita atenção comercial sendo usualmente dispostas
em minas abandonadas ou transporta-
Os contaminantes solúveis estão tem sido dada ao das para bacias de sedimentação por
sujeitos à migração para a solução bombeamento hidráulico.
do solo, assimilação pelas plantas ou
desenvolvimento Utilizando-se as propriedades das
organismos aquáticos ou volatilização de métodos de cinzas de carvão é possível convertê-las
para a atmosfera. em zeólita após tratamento hidrotérmico
Vários métodos têm sido desenvol- imobilização em meio alcalino.
vidos para a remediação de metais in situ ou Zeólitas sintetizadas a partir de cinzas
pesados em solos contaminados. leves e pesadas de carvão foram adiciona-
Recentemente, muita atenção tem sido estabilização das em um solo (horizonte A) para reduzir a
dada ao desenvolvimento de métodos
de imobilização in situ ou estabilização
química mobilidade e a biodisponibilidade do zinco.
O solo foi considerado poluído por apresen-
química, porque são economicamente tar concentração do zinco de 83 mg/kg, a
mais viáveis e não interferem na paisa- qual está acima do valor de referência de
gem, na hidrologia e no ecossistema qualidade do solo (60 mg/kg) segundo a
natural da região em comparação com as técnicas Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).
convencionais de escavação, tratamento e disposição. Os resultados da redução da lixiviação do zinco da amos-
O principal objetivo da técnica de remediação in situ é tra de solo foram aproximadamente iguais usando-se as
aumentar a fixação do elemento tóxico que está poten- zeólitas de cinzas leves ou pesadas de carvão. A redução
cialmente móvel ou biodisponível no solo pela adição de foi de 80% e 90% com a adição de 10% e 20% (m/m) dos
um estabilizante. estabilizadores, respectivamente.
A adição de zeólita em solo contaminado tem se mos- Assim, o material zeolítico preparado a partir das cin-
trado significante para reduzir a mobilidade e a assimila- zas de carvão poderá ser uma alternativa viável para a
ção de metais por plantas. As zeólitas são aluminossili- remediação in situ de solos contaminados ao redor de
catos hidratados de metais alcalinos e alcalinos terrosos, usinas termelétricas.

28 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO JANEIRO / FEVEREIRO 2015


João Carlos Simanke de Souza, hidrogeólogo

Leitor, envie sua opinião sobre o artigo e

FOCO NA PERFURAÇÃO
também sua sugestão para info@abas.org

Segurança Hídrica e Planejamento


A
o enfrentarmos a pior seca dos últimos cem anos, O resultado se traduz na nossa incapacidade de adminis-
chegamos à conclusão que, mesmo detendo cer- trar e solucionar crises que são advindas de fenômenos
ca de 13% da água doce do mundo, temos que naturais, passíveis de serem prevenidos e minimizados,
encarar a dura realidade que ganhou espaço na mídia ao menos. Por outro lado, a sociedade cobra da gestão
com um nome pomposo: segurança hídrica. pública uma eficiência e eficácia que exigem técnicos de
Há um mercado aquecido para perfuração de poços, gabarito, sem desvio de funções, capazes de responder
fruto de uma crise que reflete o nosso planejamento insu- com ações e concessões rápidas, precisas e seguras
ficiente para superar situações naturais. Não se pode – e (olha a segurança hídrica no destaque!). Concursos pú-
nem se deve - ignorar o aquecimento global e suas con- blicos mal elaborados, baixos salários, envelhecimento
sequências, o desmatamento, o efeito estufa e a tragédia da equipe técnica, planos de carreira inexistentes e falta
anunciada da ação antrópica. Só conseguiríamos prevenir de motivação são desafios a ser enfrentados pelos ór-
o momento atual, se tivéssemos feito um planejamento de gãos gestores que desejem corresponder aos anseios
longo prazo, fato que está hoje em evidência na pauta ins- populares. Na prática, a situação de morosidade e a
titucional e governamental. Nossos órgãos gestores estão baixa eficiência refletem a falta de planejamento do uso
recebendo uma avalanche de pedidos de perfuração de do recurso público que abundantemente abastecemos
poços e encontram-se, em sua maioria, desestruturados com uma carga tributária pesadíssima, a ponto de termos
para avalizar estas concessões com a presteza e o conhe- um impostômetro que já rompeu a barreira do trilhão.
cimento que a situação requer. Isto empurra o desesperado Falta segurança hídrica, segurança pública, segu-
consumidor para a clandestinidade. rança energética (que depende da hídrica), segurança
Constantemente denunciamos essa crise do desapa- econômica (é preciso crescer sempre – até quando?),
relhamento dos órgãos gestores, responsáveis por gerir segurança política, segurança alimentar e quase todas
o recurso hídrico superficial e subterrâneo. Em todas as seguranças que são direitos do cidadão e dever do
as esferas governamentais - e independentemente de estado. Sabem como me sinto? Inseguro!
siglas partidárias - há um planejamento de curtíssimo Só uma coisa me consola: a nossa água subterrânea pas-
prazo, mirando a reeleição ou a manutenção do poder. sou de proibida para opção salvadora da pátria educadora!

JANEIRO / FEVEREIRO 2015 ÁGUA E MEIO AMBIENTE SUBTERRÂNEO 29


Antonio Donato Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia, autor do relatório de avaliação científica “O Futuro Climático da Amazônia” (nov. 2014)
opiniÃO

As árvores, a água e os aquíferos

P
ara a audiência desta revista não é necessário para áreas continente adentro, longe dos oceanos. As
explicar os aquíferos. Mas para a sociedade – que árvores, em seus ecossistemas originais, também ma-
imagina o Guarani como um oceano inesgotável de nipulam e regulam a própria chuva, formando zonas de
água doce – torna-se urgentemente necessário explicar baixa pressão responsáveis pela sucção do ar úmido
o caráter finito e renovável desta riqueza geológica. Dou oceânico para dentro do continente. Na América do Sul,
minha opinião como outsider, buscando desta comuni- a Floresta Amazônica exerce papel fundamental no ciclo
dade um eco, para estabelecermos um diálogo acessível. das chuvas: ela é capaz de bombear e propelir os ventos
As chuvas fornecem a água que infiltra nos solos e se portadores de umidade nos chamados rios aéreos. Ao
acumula em fraturas e porosidades nas rochas, formando longo de dezenas milhões de anos esse efeito favorável
aquíferos. Aquíferos, portanto, não brotam do interior sobre o ciclo hidrológico acompanhou a floresta.
profundo da terra, não são fontes O desmatamento elimina de for-
infinitas de água, e precisam, como ma ignorante e brutal tais efeitos
em uma caixa d’água, das áreas de benéficos e interfere de maneira
recarga para se manterem vivos e aniquiladora sobre o ciclo hidroló-
perenes. A única fonte inesgotável
O desmatamento gico, incluindo-se aí a parte ligada
de água no planeta são os ocea- elimina de forma aos aquíferos. Segundo estudo feito
nos. Os terrenos nos continentes pelo JPL da NASA, na Califórnia, nos
se encontram acima do oceano, ignorante e últimos quatro anos de seca intensa,
assim a gravidade força a água de
superfície para baixo. Essas águas
brutal tais efeitos a água consumida de aquíferos sem
reposição por chuvas foi algo em
formam rios, lagos e os próprios benéficos e interfere torno de 40 trilhões de litros; a floresta
aquíferos, cujas águas tendem a Amazonica transfere, em apenas dois
fluir de volta para o oceano. Não
de maneira dias, uma quantidade equivalente
fosse o renovado fluxo de entrada aniquiladora sobre de água do solo para o ar e daí para
e reposição pelas nuvens e chuvas, chuvas à jusante dos rios aéreos!
os terrenos em qualquer continente o ciclo hidrológico, Obras emergenciais de transposição
terminariam, a seu tempo, comple- incluindo-se aí a de rios são preparadas, mas descon-
tamente secos. Mesmo os aquíferos, sideram a transposição naturalmente
que sobrassem com água, deveriam parte ligada aos oferecida pelas florestas. Sem os
ser considerados, caso explorados,
como recursos não renováveis.
aquíferos serviços do clima amigo que as flo-
restas oferecem, a sociedade corre
Trago para a vossa comunidade perigo porque afeta a produção de
uma nota de atenção para o elo alimentos, a produção industrial e o
atmosférico/biológico no ciclo geo- abastecimento das cidades.
lógico das águas continentais. Descobertas recentes É preciso um esforço conjunto, como se estivésse-
indicam que sem florestas a abundante umidade mos numa guerra, para estancar o corte de árvores em
atmosférica sobre os oceanos não converge para os todo o país e começar o replantio de espécies nativas
continentes. Por isso que se diz que desertos, quando se nos morros, em vales e nas margens dos rios. Temos
estabelecem, são perenes. As já numerosas e extensas que restaurar os ecossistemas. É também chegado
pesquisas feitas na Amazônia mostram que os proces- o tempo de engenheiros, agrônomos, geólogos, etc
sos da vida numa floresta contêm complexidade quase conversarem entre si. É tempo de união do conheci-
incompreensível, com um número incalculável de seres mento – uma tarefa que se impõe de maneira urgente
funcionando como engrenagens articuladas em uma porque o barco está afundando. Precisamos interligar
fenomenal máquina de regulação ambiental. A floresta a ciência – e a sociedade – pelo bem das árvores, da
mantém úmido o ar em movimento, o que leva chuvas água e da própria humanidade.

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