July 13, 2016 Apresentação da obra e do autor: Michel Eyquem foi jurista, político, filósofo, escritor e humanista. Nasceu em dia não sabido em 1533, no Castelo de Montaigne, de propriedade de seu pai, na Dordonha (França). Adotou o nome da propriedade ao herdá-la em 1568. Michel de Montaigne foi educado em latim e sempre dedicou interesse às letras, história e poesia. Também se interessava pelos relatos de viagem, é considerado o inventor do estilo literário do ensaio e sua principal obra tem por título precisamente o nome “Ensaios”, onde o autor escreve sobre vários assuntos relevantes da época e onde demonstra com grande eficácia sua crítica aos preconceitos, ao etnocentrismo e à intolerância religiosa (em plena época da guerra das religião). Em Os Ensaios: Dos Canibais, o autor descreve seus relatos de outro mundo através, segundo ele, de um homem que vivera na França Antártica, homem “simples e rude”, sem intenção de se promover, oferecendo assim um testemunho verídico. Iniciando o relato das terras do “Novo Mundo”, o autor oferece características daquela sociedade, no caso os índios Tupinambás brasileiros[1]. Montaigne relata uma sociedade onde quase não existem doenças, a alimentação era farta e de todo o tipo: carnes, peixes, etc. Moravam em casas comunais com mais de 200 indivíduos onde havia divisão do trabalho entre homens e mulheres. Na sua religiosidade, “os Indígenas acreditavam na eternidade das almas, possuíam sacerdotes e profetas habitantes da montanha que apresentavam-se apenas em ocasiões especiais, ocasiões estas em que grandes assembleias e festas são preparadas para recebê-los. A questão mais polêmica da obra se encontra no costume antropofágico realizado pelos Tupinambás, que consistia nos vencedores matarem e degustarem o corpo do inimigo capturado em guerra. Nesse ritual “para os Tupinambás, ser morto e ter as partes degustadas pelo inimigo eram ato de maior coragem e virtude. O capturado sentia orgulho de descansar no estômago do inimigo, pois assim, poderia alcançar a terra do além vida. Aos que degustavam o inimigo, não se tratava ali de uma refeição, mas sim de uma vingança completa”[2]. É na análise dos costumes do povo Tupinambá que Montaigne desenvolve a sua reflexão sobre “barbárie” e “civilização”, questionando quem estaria com a razão, o povo Tupinambá ou o Europeu, que em nome de civilizar e tirar os outros povos da barbárie, cometia atrocidades com extrema violência. “Montaigne afirma que não pretende tirar o peso da brutalidade do ato de “canibalismo” dos indígenas, mas que os europeus condenavam aquele ato brutal e ao mesmo tempo não olhavam para sua própria barbárie. Diz ele ver mais barbárie em matar seus vizinhos e concidadãos em nome da religião, do que matar o mais antigo inimigo”[3]. Michel de Montaigne, como desfecho da sua obra, conta sobre a reunião de três indígenas Tupinambás que viajaram até a França para encontrar o rei Carlos IX. Os indígenas perceberam as grandes diferenças sociais existentes naquela terra e acharam muito estranho o povo aceitar a submissão a uma criança, além de parte da população mais desfavorecida aceitar viver na miséria, enquanto outros viviam na fartura, sem se revoltar contra as injustiças. Para Montaigne, a sociedade Tupinambá era o que mais se aproximava do ideal platônico, segundo o autor, se Platão visse a “nação” Tupinambá, julgaria ela mais perfeita do que a república que ele imaginou[4]. Segundo José Alexandrino, Montaigne utilizou com maestria a sociedade Tupinambá brasileira para criticar a sociedade Francesa da época, “mostrando quão logicamente absurdas eram determinadas convenções, em particular, a representatividade do poder político nas monarquias. (…) E combater certa ideia, então amplamente difundida e em certo sentido aceita, segundo a qual os povos ditos bárbaros e selvagens eram moral e intelectualmente inferiores aos europeus” [5].