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DE DIREITO URBANÍSTICO
Direito Urbanístico e Justiça Urbana:
cidade, democracia e inclusão social
Organização
Henrique Botelho Frota
Nelson Saule Junior
Presidente Presidente
Nelson Saule Junior Daniela Campos Libório
Vice-Presidente Vice-Presidente
Daniela Campos Libório Betânia de Moraes Alfonsin
Tesoureiro Tesoureira
Fernando Guilherme Stacy Natalie Torres da Silva
Bruno Filho Diretora Administrativa
Diretora Administrativa Ligia Maria Silva
Ellade Laurinda Piva Imparato Melo de Casimiro
Diretor Administrativo Diretor Administrativo
Henrique Botelho Frota Leandro Franklin Gorsdorf
Secretária Executiva Secretário Executivo
Rosane de Almeida Tierno Henrique Botelho Frota
S256 Saule Junior, Nelson, Org. ; Frota, Henrique Botelho, Org.
Anais do 7o Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico: direi-
to urbanístico e justiça urbana: cidade, democracia e inclusão social. / Or-
ganizado por Nelson Saule Junior e Henrique Botelho Frota. São Pau-
lo: IBDU, 2016.
2216 p.
ISBN 9788568957028
CDD 349
CDU 34:711.4
COMPETêNCIA MUNICIPAL EM
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Camilla Zuquim Tangerino
Carlos Alberto Jorge Leão da Silva
Inaiê del Castillo Andrade Neves
Maurício Leal Dias 433
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIAS EM
ÁREAS DE CONFLITO POSSESSÓRIO
Cleide Aparecida Nepomuceno 821
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
CULTURAL: DIREITO À CIDADE?
Maria Cristina Rocha Simão 1455
A RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA PELA CONCRETIZAÇÃO DO SISTEMA
URBANÍSTICO-AMBIENTAL
SUSTENTÁVEL
Alessandra Bagno F. R. de Almeida
Marinella Machado Araújo 1929
Apresentação
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O Brasil é um país eminentemente urbano, com 84% da população vi-
vendo nas cidades, a maioria em situação de precariedade e informalidade.
Esse quadro também é composto por graves problemas de mobilidade e
acessibilidade, pela segregação social e pela negação ou fragilidade dos
processos de participação democrática no planejamento e gestão das ci-
dades. Esse diagnóstico social contraria o sistema normativo que, desde
1988, vem sendo aperfeiçoado em matéria de Direito Urbanístico.
A questão se torna ainda mais urgente na medida em que o país tem
sediado megaeventos responsáveis por grandes remoções que atingem
o direito à moradia adequada de centenas de milhares de famílias. Com
isso, é preciso pensar em vias que respondam aos graves problemas do
desenvolvimento urbano, voltado a assegurar a distribuição universal,
democrática e sustentável de bens e serviços, gerando riquezas e opor-
tunidades aos seus cidadãos sem violação de direitos.
Realizado na cidade de São Paulo, uma das megalópoles que sim-
boliza as contradições da urbanização brasileira, o 7o Congresso Bra-
sileiro de Direito Urbanístico objetivou impulsionar discussões sobre a
efetividade dos instrumentos jus-urbanísticos derivados da Constituição
Federal e de diplomas normativos como o Estatuto da Cidade e as di-
versas leis que dispõem sobre a promoção do Direito à Cidade.
Assim, a presente publicação reúne os trabalhos de destaque apresen-
tados, conforme seleção da Comissão Científica. As temáticas abordadas
nesta obra foram divididas em dez grandes temas, a saber: 1) Experiências
de ensino, pesquisa e extensão em Direito Urbanístico; 2) Regularização
Fundiária; 3) Conflitos Fundiários Urbanos; 4) Aplicabilidade dos Instru-
mentos de Política Urbana; 5) Direito à Cidade, reconhecimento e práticas
políticas e sociais urbanas; 6) Democracia participativa e planejamento
urbano; 7) Plano Diretor e Planejamento Urbano; 8) Desenvolvimento
Urbano e Questões Socioambientais; 9) Construção de Sistema Nacional
de Desenvolvimento Urbano; e 10) Mobilidade Urbana.
Anais do 7º Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A Formação do Direito
Urbanístico Para Além
da Universidade
Ângela Amaral1
Rosângela da Silva Lima2
1 INTRODUÇÃO
1 Arquiteta e Urbanista, mestre pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Consultora do Instituto
Polis (angelaamaral@terra.com.br).
2 Arquiteta e Urbanista, mestre em Sociologia Urbana pela PUC-SP, Assessora Técnica de Política Urbana da Assembleia Legislativa
de São Paulo (rosangela.rosas@gmail.com).
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Antônio Gramsci que se desenvolve uma série de contribuições na direção
de uma visão ampliada do Estado. Com relação à sociedade civil, Gramsci
opera uma mudança fundamental em relação à formulação de Marx. Sem
perder de vista a ideia de que as condições materiais são determinantes,
em última instância, das relações sociais, Gramsci desloca a sociedade
civil para o âmbito da superestrutura (níveis político, jurídico e cultural),
que em conjunto com a sociedade política constituiria o Estado.O obje-
tivo deste artigo é refletir sobre as dinâmicas do curso de regularização
fundiária realizado na Assembleia Legislativa de São Paulo, em setembro
de 2011, com o intuito de capacitar lideranças para aplicação da Lei Es-
tadual n° 13.579/09, que delimitou a Área de Proteção e Recuperação de
Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings (APRM-B), e da
Lei Estadual 12.233/06, que instituiu a Área de Proteção e Recuperação
dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Guarapiranga.
O curso desenvolveu conteúdos e dinâmicas do processo de construção
e aplicação dos marcos regulatórios e da implementação de regularização
fundiária e urbanística e também tratou com destaque dos impasses e
desafios na aplicação da nova legislação estadual de proteção e recupe-
ração dos mananciais nos processos de regularização fundiária da Região
Metropolitana de São Paulo.
Segundo Alvin (2010), as novas legislações de proteção e recuperação
com ênfase na questão dos mananciais das sub-bacias Guarapiranga e
Billings disciplinam a aplicação de novos instrumentos de planejamento
e gestão ambiental que abrangem conceitos contemporâneos quanto à
flexibilização de normas, compensação ambiental e recuperação ambiental
urbana, os quais têm como base arranjos institucionais inovadores.
A lei n° 13.579/09 é considerada uma vitória histórica na luta pelo
direito à regularização fundiária. Sua aprovação contou com a partici-
pação dos moradores do entorno da represa, sendo que a presença da
população nas quatro audiências públicas realizadas nos municípios de
Diadema, São Bernardo do Campo, bairro Cantinho do Céu na zona sul
de São Paulo e na Assembleia Legislativa de São Paulo foram fundamen-
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Billings e da Guarapiranga, na identificação dos limites e possibilidades
de ampliação do acesso à terra urbanizada.
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Para Celso Daniel (1982), é na linguagem dos direitos que a defesa
de interesses se faz audível e reconhecível na dimensão pública da vida
social, o papel fundamental da esfera pública no sistema democrático, no
âmbito da relação público-privado, sendo o papel da esfera pública uma
referência para a conquista do processo democrático e para a disputa
de novos direitos de cidadania. Segundo Celso Daniel (2002), o sistema
democrático e o modo de produção capitalista são duas dinâmicas dis-
tintas, contraditórias, com muitos pontos de contato que se estabelecem
no mundo ocidental. Elas são, por um lado, a constituição do modo de
produção capitalista e, por outro, a constituição do Estado-nação moder-
no, que abre espaço para a emergência do próprio sistema democrático,
entendido aqui, evidentemente, não como regime político, mas como
sistema social. Já a composição do modo de produção capitalista, se
nutre do Estado-nação sob diferentes regimes políticos, seja ditatorial,
seja democrático: “o sistema democrático tem sido utilizado pelo capital,
pelo movimento do capital, para sua reprodução ao longo de todos esses
séculos” (DANIEL, 2002)
Nesse caminho, as questões do direito urbanístico e as reflexões ur-
banísticas saíram dos círculos técnicos e especializados e passaram para
domínio público; a agenda participativa alavancou a necessidade do
conhecimento para a instrumentalização da disputa, conforme Lefebvre
(2008). Nesse contexto, o curso sob enfoque teve como objetivo principal
abordar instrumentos importantes para o empoderamento das lideranças
comunitárias, que no cotidiano lutam para garantir o direito à cidade.
A proposta do ILP representa os novos movimentos sociais para a
democracia participativa de base, ressaltando a noção de direitos como
construção coletiva, a luta para politizar as relações do cotidiano, diferen-
ciando-se dos movimentos voltados para a conquista do poder do Estado.
Pode-se dizer tratar de uma tentativa de construção de uma nova cultura
política para o desenvolvimento dos espaços urbanos, perfilando uma
nova forma de lidar com o poder.
Ao percorrer a leitura de Gramsci (1994), emerge o pensamento de
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Não se trata de restringir a idéia de democracia apenas ao plano
do regime político em sentido restrito, ou às chamadas regras do
jogo, mas compreendê-la como constitutiva de um sistema social,
buscando sua presença ou ausência nas formas de sociabilidade
e de organização do trabalho, bem como nas modalidades de
relação do Estado com a Sociedade – âmbito no qual a extensão
dos direitos demanda a conquista do direito à participação da
sociedade na gestão pública, ultrapassando a mera democracia
representativa.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
conta dessa realidade, essas pessoas consomem boa parte de seu tempo
na batalha diária de deslocamentos absurdos, uma vez que o problema
da mobilidade só piorou nos últimos anos.
Durante considerável tempo, ONGs e universidades têm mostrado forte
atuação em atividades de formação não formal, por meio de projetos de
extensão e laboratórios, entre outros meios, garantindo a abordagem
de temas sociais em publicações e objetos de pesquisa, sem assegurar,
entretanto, a troca de informação e os espaços de formação para os que
militam no dia a dia com as decorrências práticas dessas questões.
As iniciativas viabilizadas merecem destaque e avaliação, procurando-
-se analisar sua contribuição, seu potencial e a sua possibilidade de re-
produção em outros espaços semelhantes.
Em setembro de 2011, a proposta de assessores técnicos parlamenta-
res foi acolhida e realizou-se pelo Instituto do Legislativo Paulista – ILP,
o “Curso de Capacitação para Lideranças: Regularização Fundiária de
Assentamentos Informais em Áreas Urbanas na Assembléia Legislativa
do Estado de São Paulo”.
O Instituto do Legislativo Paulista (ILP) foi criado pela Resolução nº
821, de 14 de dezembro de 2001. É um centro multidisciplinar de estudos,
capacitação e políticas públicas. Além de cumprir sua finalidade primeira,
a de subsidiar os trabalhos parlamentares e ações legislativas na área de
políticas públicas, o ILP oferece diversos cursos gratuitos que são abertos
ao público3.
Os cursos realizados até aquele momento estiveram mais voltados ao
apoio das atividades exercidas no âmbito da Assembleia Legislativa e,
desse modo, o curso proposto com foco na formação de lideranças sociais
relacionadas ao tema em questão teve caráter inovador e experimental.
O curso foi gratuito e realizado no auditório do Instituto, sediado na As-
sembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
O curso teve como objetivos gerais: (i) capacitar e potencializar li-
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deranças comunitárias na identificação dos limites e possibilidades de
ampliação do acesso à terra urbanizada; (ii) propiciar aos participantes
maior clareza sobre conceitos legais e instrumentos urbanísticos de
planejamento que possibilitem a promoção do direito à moradia social
integrado ao desenvolvimento urbano; (iii) divulgar o conhecimento e a
compreensão do Estatuto da Cidade; (iv) abordar os passos fundamentais
da regularização fundiária com base em experiências recentes desenvol-
vidas no estado de São Paulo.
Delimitou-se como púbico alvo do curso as lideranças comunitárias
e assessorias comprometidas com o tema, que tenham a compreensão
do problema e consigam operar as ferramentas para implementação de
processos de regularização fundiária.
Sendo assim, participaram do curso 65 pessoas, moradores de diversas
cidades do Estado e de diferentes regiões do município de São Paulo. Entre
estes, profissionais de Arquitetura e Direito, estagiários, sendo, contudo,
a maior parte lideranças comunitárias vinculadas aos mais diferentes
partidos ou independentes, com a preocupação maior de entender me-
lhor a dinâmica da regularização com vistas à intervenção concreta em
situações existentes.
Parcela expressiva dos participantes constituiu-se de militantes da área,
mas havia também pessoas de outras áreas de militância, como Saúde e
Educação, que estavam se deparando no cotidiano com problemas rela-
tivos à regularização fundiária e que se inscreveram com a expectativa
de buscar subsídios para os processos em andamento em seus locais de
moradia e de militância.
Compreendidos na faixa etária entre 22 e 66 anos de idade, a formação
e atuação profissional dos participantes também mostrou-se bastante
variada, registrando-se: eletricista, comerciante, estudante, funcionário
público, educador popular, auxiliar administrativo, motorista, vendedor,
professor, assessor técnico parlamentar, líder de produção, sociólogo,
arquiteto, advogado, cabeleireira e manicure, dona de casa, fotógrafo,
corretor imobiliário.
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apontou detalhes significativos para os alunos, trazendo conhecimento
relevante ao público que muitas vezes reivindica o documento desconhe-
cendo por completo o seu teor ou conteúdo, pois nunca teve acesso ao
mesmo. Outra material importante para este público foi a possibilidade
de ter em slides um LEPAC (Levantamento Planialtimétrico Cadastral),
documento que permite conhecer o tamanho da área; a localização da
área na cidade; a localização e dimensões das ruas e vielas; a localização
e tamanho dos lotes; a existência e localização de infraestrutura – redes
de abastecimento de água e energia elétrica, redes de drenagem, redes de
coleta de esgoto; a existência de equipamentos públicos dentro da área
(escolas, creches, praças, áreas de lazer, etc.); é também a partir do LEPAC
que se pode elaborar o plano de urbanização e regularização desenvolvido
pela comissão de moradores.
É interessante destacar a maneira como as pessoas souberam do cur-
so. Muitos receberam a informação através de assessores parlamentares,
mas parcela expressiva do público foi informada por notícia na internet e
comentário de conhecidos nos locais de trabalho e moradia.
Merece igualmente destaque a avaliação do curso: a maioria se ma-
nifestou satisfeita, solicitou sua continuidade, ampliação de tempo e de
temas. Entre os conteúdos solicitados foram mencionados os instrumentos
jurídicos para os casos de despejos forçados. Solicitou-se a ampliação e
o aprimoramento do material entregue; notou-se a expectativa de sair
do curso com um guia com orientações aos envolvidos em projetos de
desenvolvimento urbano contendo informações qualificadas sobre como
garantir o respeito ao direito à moradia adequada na implementação dos
projetos urbanos e na implementação das leis específicas dos mananciais
de São Paulo.
Discutiu-se com professores e alunos a viabilidade da manutenção do
curso no ano seguinte, com a proposta de manter a turma e avançar no
conteúdo, bem como de abrir novas turmas.
Após a finalização do curso foram preparados arquivos digitais com
todo o material produzido e utilizado entretanto não foi possível sua dis-
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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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e cidadania, com o direito de participação indispensável à mudanças das
relações entre Estado e Sociedade e à ampliação das formas de exercício
da democracia. Em setembro de 2011, mediante proposta de assessores
técnicos parlamentares, foi acolhido e realizado pelo Instituto do Legis-
lativo Paulista o “Curso de Capacitação para Lideranças: Regularização
Fundiária de Assentamentos Informais em Áreas Urbanas “. com desta-
que para a aplicação das leis específicas de proteção e recuperação dos
mananciais das sub-bacias Guarapiranga e Billings.
Pensando em Rousseau os indivíduos são iguais e livres, e somente
são governados por eles próprios, todos os cidadãos deveriam participar
das decisões relativas a assuntos de interesse geral, a democracia parti-
cipativa aborda tal reflexão.
Em Gramsci (1994) encontramos o pensamento que é preciso educar
os trabalhadores para proporcionar consistência à luta pelos interesses
da classe trabalhadora.
O curso desenvolveu conteúdos e dinâmicas para tratar dos impasses
e desafios na aplicação da nova legislação estadual de proteção e recupe-
ração dos mananciais nos processos de regularização fundiária da Região
Metropolitana de São Paulo, com o objetivo de contribuir para a formação
de lideranças comunitárias.
O grande desafio das lideranças comunitárias é assegurar a implemen-
tação da lei com participação popular, recuperando a qualidade das águas
dos mananciais e garantindo o modelo de ocupação socialmente justo,
com qualidade urbana e ambiental, com um ambiente ecologicamente
equilibrado em uma cidade para todos.
A falta de capacitação continuada das lideranças comunitárias dificulta
o processo de aprendizado e de desenvolvimento do projeto inicial de
empoderamento das mesmas quanto aos conteúdos de direito urbanístico.
Na prática, apesar de bem sucedido o curso em análise, a mudança da
mesa diretora na Assembleia Legislativa acarreta alterações substanciais
na composição dos cargos comissionados da Casa Legislativa, o que
muitas vezes dificulta a continuidade de projetos como este em análise.
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REFERÊNCIAS
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1 INTRODUÇÃO
1 Mestre em Direito pela PUCRS. Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Cenecista Nossa Senhora dos
Anjos – FACENSA. Presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano da OAB/RS.
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excluída a qual também contribui para a formação e a transformação da
cidade. “O cidadão se faz fazendo sua cidade.” (01)
Diante da constante mutação social e do panorama de desigualdades
sociais, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, e a regulamentação do seu artigo 182 pela Lei n° 10.257, de
10.07.2001, denominada Estatuto da Cidade, trazendo para a sociedade
e a academia a necessidade de inclusão e discussão desse novo, atual e
promissor campo do Direito – o Direito Urbanístico. Nesse contexto, o Di-
reito Urbano constitui-se numa das áreas do Direito Público que mais tem
crescido, especialmente, após 2001, com o advento do Estatuto da Cidade,
deixando de ser um tema citado apenas entre uma minoria de profissionais
da área do Direito, passando a fazer parte do cotidiano de profissionais
ligados a arquitetura e urbanismo, engenharia, sociologia, economia,
estatísticas e administração pública das três esferas, entre outros, além
da população em geral, por meio de ONG’s, Associações e movimentos
populares, quando da necessária intervenção do espaço urbano e a aplica-
ção do ordenamento jurídico urbanístico. Com efeito, o urbanismo deixou
de ser uma atividade estético-funcional das cidades limitada a técnica de
engenharia ou da arquitetura para abarcar o princípio da função social e
ambiental da propriedade e a sua nova conformação legal.
Por essa razão, torna-se fundamental a necessidade das Instituições
de Ensino Superior – IES – atentarem para a importância da inclusão do
Direito Urbanístico, em caráter obrigatório, nos currículos de seus cursos.
Entretanto, como o objetivo deste trabalho é tratar sobre a importância
que o Direito Urbanístico apresenta na formação dos futuros profissionais
que atuarão na área jurídica passa-se abordar o ensino jurídico.
2 ENSINO JURÍDICO
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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em vista formar profissionais hábeis, competentes capazes de atenderam
as demandas profissionais exigidas pela sociedade.
A LDB, no Art. 21, dispõe acerca dos níveis e modalidades de educação
e ensino compondo-se da educação infantil, ensino fundamental, ensino
médio e a educação superior. Em relação à educação superior, dispõem
os Art. 43 a 57. Estabelece o Art. 53, II da LDB que são asseguradas às
universidades fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas
as diretrizes gerais pertinentes, o que interpretando significa que, desde
que a universidade contemple em sua grade curricular os conteúdos obri-
gatórios fixados nas Resoluções que instituem as Diretrizes Curriculares
Nacionais do respectivo curso de Graduação, terá autonomia para inserir
outros conjuntos de conhecimentos de outras áreas do saber. Assim, o
curso superior de graduação, observadas as Diretrizes Curriculares Na-
cionais pertinentes ao curso, terá a sua imagem retratada através do seu
projeto pedagógico o qual deve contemplar a formação do profissional
com formação humanística, técnico-científica e prática que lhe dê con-
dições à compreensão da complexidade do fenômeno social, urbano,
jurídico estabelecendo a necessária interdisciplinaridade num contexto
de transformações sociais.
Em consonância com a LDB, seguem as Resoluções aprovadas pelo
Conselho Nacional de Educação que estabelecem as Diretrizes Curriculares
específicas de cada curso. As resoluções determinam quais são os conteú-
dos (conjuntos de conjunto de conhecimentos ou área do conhecimento)
obrigatórios na grade curricular do curso de graduação correspondente
a resolução, todavia, ao delinearem o perfil do egresso e as habilidades
e competências que o futuro profissional deverá apresentar permite que
o projeto pedagógico do curso insira outras áreas do conhecimento que
integrem o saber acadêmico proporcionando a interdisciplinaridade.
Os cursos jurídicos brasileiros devem se orientar segundo a normativa
da Resolução CNE/CES n° 9, de 29 de setembro de 2004 a qual institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito para
sua organização curricular. Com base no Art. 5° da referida Resolução,
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e engenharias e tecnologias na busca multidisciplinar, para o atendi-
mento da demanda de soluções de interesses coletivos. Neste contexto,
a pesquisa pode proporcionar o incentivo a reflexão sobre os diferentes
aportes disciplinares e metodológicos que definem o urbanismo, abordar
as contribuições dos diferentes saberes para desafios que se impõe para
o urbanismo, entre tantos outros problemas que podem ser selecionados,
definidos e diferenciados para a pesquisa futura.
A partir da investigação científica é possível estabelecer trocas e
transversalidade disciplinares que oportunizam o dialogo entre os pes-
quisadores favorecendo a análise e interpretação dos dados de forma
crítico-reflexiva e a formulação de novas estratégias de gestão urbano-
-ambiental, pois ainda há muitos problemas e obstáculos para a efetiva
materialização dos princípios e dispositivos constitucionais e legais
sobre a matéria.
O Direito Urbanístico está intimamente ligado à área do Direito, ainda
que a grande maioria das Instituições de Ensino Superior do país não o in-
clua em seus currículos de graduação, e aquelas que o incluem o fazem de
forma eletiva ou optativa. Talvez, tal procedimento possa ser resultado do
desconhecimento de que o Direito Urbano é um ramo autônomo do Direito.
Credita-se também a falta de atenção para com o Direito do Urbanismo
como disciplina nos currículos no ensino superior de graduação como
consequência por ser um direito recente. O Direito Urbanístico, apesar das
esparsas e remotas origens no Direito brasileiro, somente consagrou-se
como um importante conteúdo jurídico a partir da Constituição Federal
de 1988 e, mais precisamente, com o Estatuto da Cidade.
Convém ressaltar que o Direito Urbanístico como disciplina no ensino
superior em nível de pós-graduação não é recente, apesar de ainda ser
escassa a oferta de cursos na área do direito urbanístico no País. Segun-
doToshio Mukai, em 1976 foi criada a disciplina de Direito Urbanístico nos
curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, sob a regência
do professor José Afonso da Silva, e que mais tarde, 1981, como fruto
deste curso foi publicada a primeira obra de sistematização em matéria
urbanística brasileira.
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determinadas pelo Ministério da Educação (MEC), é fomentada a inter-
disciplinaridade, a pesquisa e a extensão, de maneira que as Instituições
de Ensino Superior devem definir o perfil dos egressos preconizando a
relação articulada do conhecimento, das habilidades e das competências
na formação de profissionais aptos para a atuação na sua área de forma-
ção, mas com competências intelectuais que reflitam a heterogeneidade
das demandas sociais.
O Direito Urbanístico, também denominado Direito Urbano ou Direito
do Urbanismo (07) constitui-se num dos ramos do Direito Público, que
mais tem crescido no Brasil nas últimas décadas, em virtude do processo
de urbanização e o reconhecimento de sua importância na sociedade,
especialmente após a promulgação da Constituição da República Fede-
rativa do Brasil de 1988 e da regulamentação de seu artigo 182 e 183 pela
Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade. Nesse sentido,
Nelson Saule Júnior sustenta que “A Constituição de 1988 contribuiu em
muito para superar as dificuldades existentes de construção de grupo de
normas e institutos próprios do direito urbanístico.” (08)
O direito urbanístico é um ramo do Direito Público com origem do
Direito Administrativo, que ainda necessita ter declarada a sua indepen-
dência como direito autônomo. Mas isso não significa que, se declarado
como ramo autônomo deixe de integrar a ordem jurídica estatal nas ações
promotoras das políticas urbanas em defesa do direito a cidade. A defesa
em tornar o direito urbano como um direito autônomo consiste em ter o
mesmo os seus princípios e normas jurídico-orientadoras sistematizados.
Ë o que, alias, bem observou Nelson Saule Júnior (09) ao dizer que:
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4 A IMPORTâNCIA DA INCLUSÃO DA DISCIPLINA DE
DIREITO URBANÍSTICO NA ESTRUTURA CURRICULAR DOS
CURSOS JURÍDICOS: UMA RENOVAÇÃO DE VELhOS PARADIGMAS
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de uma legislação imparcial e efetiva, que corrija as distorções existentes
na política urbana, o que consequentemente irá surtir benéficos reflexos
na sociedade como um todo. Nesse sentido, os profissionais especialistas
em Direito Urbano têm a tarefa de analisar a aplicabilidade e a viabilidade
dos diversos instrumentos legais para a formulação e implementação de
políticas urbanas, sobretudo pelos municípios, ampliando as condições
de gestão democrática das cidades, propondo soluções jurídico-políticas
objetivando alcançar uma melhor qualidade de vida nas cidades, que é a
essência do urbanismo. As questões referentes ao urbanismo devem ser
tratadas, planejadas e articuladas não somente no aspecto físico, mas
também sob o aspecto social, econômico, político e jurídico, daí ser um
campo de conhecimento que se faz necessário a atuação de diferentes
profissionais, numa abordagem derivada de diversos campos do conhe-
cimento relacionados ao planejamento urbano e a urbanização.
Faz-se necessário, diante da ampliação das demandas e conflitos que
a sociedade moderna vive, encontrar novas soluções desatreladas dos
velhos paradigmas, pois as formulas antigas de solução para os novos
conflitos urbanos tornam inócuas.
5 CONCLUSÕES
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REFERÊNCIAS
57
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Editora Ariel, 1975.
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lizada e ampliada. São Paulo: Dialética, 2002.
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Antônio Fabris Editor, 2002.
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Plano diretor. Editora Fabris: Porto Alegre, 1997.
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YOUSSEF, Alexandre. Políticas públicas e juventude. In: Juventude, cultura e
cidadania, comunicações do Iser, ano 21, Edição Especial, 2002, p. 177.
NOTAS
(01) YOUSSEF, Alexandre. Políticas públicas e juventude. In: Juventude, cultura e cidadania, comunicações
do Iser, ano 21, Edição Especial, 2002, p. 177.
(02) LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução
de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração, análise e interpretação de dados.
5ª ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 15-16.
(03) Bastante interessante é a crítica que Marcelo Lopes de Souza citando Japiassu (1976) expõem por ser
pertinente pesquisa no direito urbanístico, “Muito se clama por interdisciplinaridade na pesquisa científica
contemporânea, mas o que mais se vê, na melhor das hipóteses, é pluridisciplinaridade (justaposição de co-
nhecimentos disciplinares diversos, agrupados de modo a evidenciar as relações entre eles: cooperação sem
coordenação) ou, mesmo, uma mera multidisciplinaridade (conhecimentos disciplinares diversos veiculados sem
que haja uma cooperação entre os especialistas). A verdadeira interdisciplinaridade pressupõe uma cooperação
intensa e coordenada, sobre a base de uma finalidade (e de uma problemática) comum”. Ainda, continua o
autor, “Quanto ao planejamento e à gestão urbanos, eles são, como já se encareceu, ciência social e aplicada
e, como tal, devem ser interdisciplinares por excelência. Mais ainda que a análise, ou diagnóstico – vale dizer,
a pesquisa empírica básica –, a pesquisa social aplicada, com a qual se busca explicitamente contribuir para a
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superação de fenômenos tidos como problemáticos e negativos, demanda intensa e coordenada cooperação
entre saberes disciplinares variados. A necessidade de diálogo, de aprendizado mútuo e de superação de
fronteiras artificiais fica ainda mais evidente quando se trata de pensar para além da problemática, buscando
refletir também sobre as soluções – ou, como já brincou alguém, sobre a “solucionática”.” SOUZA, Marcelo
Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2002. p. 100.
(04) Boa parte dos autores franceses tratam o direito urbanístico como direito do urbanismo, denotando tratar-
-se de uma disciplina jurídica do urbanismo.
(05) SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Ordenamento Consti-
tucional da Política Urbana. Aplicação e eficácia do Plano diretor. Editora Fabris: Porto Alegre, 1997. p. 82.
(06) SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Ordenamento Consti-
tucional da Política Urbana. Aplicação e eficácia do Plano diretor. Editora Fabris: Porto Alegre, 1997. p. 83.
(07) SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 4° ed. Revista e atualizada. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 51-52.
(08) Nesse sentido Toshio Mukai, “Neste momento, nunca é demais chamar a atenção para o fato de que o
urbanismo, especialmente em países mais adiantados, se ocupa não mais do arranjo físico territorial das ci-
dades, mas abrange, quantitativamente, um espaço maior (o território todo, englobando o meio rural e o meio
urbano) e, qualitativamente, todos os aspectos relativos à qualidade do meio ambiente, que há de ser o mais
saudável possível.” MUKAI. Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro. 2ª edição revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Dialética, 2002. p. 53.
(09) SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão
urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 102.
59
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
1 Mestranda no Programa de Estudos Urbanos e Regionais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Bolsista REUNI. E-mail:
carolgcoelho@yahoo.com.br.
61
emergencial de estudo e arregimento dentro das nuances de políticas pú-
blicas. Desta forma, segundo aponta o CENSO 2010 do IBGE, havia quase
191 milhões de pessoas no Brasil, sendo que, desse valor universal, 160
milhões de pessoas são urbanas e 29 milhões rurais, valores que, percen-
tualmente, mostram que em 2010, no Brasil 84% da população é urbana,
demonstrando, então, o avultoso problema em regularizar, fiscalizar e
normatizar a questão.
Desta forma, diante os dados acima narrados, o Estado incluiu na
Constituição Federal de 1988, atribuindo ao de direito urbanístico como
matéria de competência da União para legislar sobre. Assim, percebe-se
que tal ramo do direito é alavancado como tema de interesse nacional,
porquanto incluído, de maneira enfática, dentro das disposições legais do
Estado brasileiro, voltando novamente a aparecer em tal documento legal
nos artigos 182 e 183, artigos esses mais específicos quanto à necessidade
da existência de instrumentos jurídicos específicos para tratar sobre a
cidade, seu desenvolvimento e a urbanização.
Conforme cita José Afonso da Silva (1995), o direito urbano mostra-se
de suma importância para o entendimento da questão urbana brasileira,
bem como sobre o desenvolvimento das cidades no momento em que ele
traça as principais diretrizes legais para a execução de políticas de Estado
e interferências particulares no que toca ao solo, principalmente quando
este está fincando em área urbana.
Portanto, a partir da necessidade prática e por imposição legal, o Estado
viu-se obrigado a legislar em matéria de direito urbanístico, elaborando
e promulgando, no ano de 2001, a Lei 10.257 de 2001, chamada de Esta-
tuto da Cidade. O Estatuto da Cidade apresenta-se como uma norma de
observância nacional voltada para regularizar a questão da moradia e do
acesso e uso do solo por meio de mecanismos jurídicos.
O plano diretor, tão em voga nos últimos tempos, por exigir que os
municípios tracem metas e fiscalizem suas outorgas de construção e uso
do solo, é um nítido exemplo de uma novidade trazida à baila pelo Esta-
tuto da Cidade. Então, clara é a precisão que este instrumento de reforma
62
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
63
assim, os seguintes aspectos: 1) Título; 2) Autor; 3) Ano; 4) Instituição;
5) Região; 6) Tipo (se dissertação de mestrado ou tese de doutorado e 7)
Área do Conhecimento.
Segundo Estivals (1985) “as medidas que se referem aos objetivos,
fenômenos ou fatos, as relações ou leis, assim, o que deve ser estimado
em uma pesquisa bibliométrica é a ‘flutuação do interesse coletivo sobre
a matéria”. Assim, com a plausibilidade de se executar o estudo bibliomé-
trico em relação ao tema de interesse da Autora, desvenda-se o universo
de produções, o que reflete o interesse da comunidade acadêmica em
abordar o Estatuto da Cidade.
Por fim, o escopo do presente trabalho finca na análise de produções de
dissertações e teses sobre o direito urbano, a cidade urbana, assuntos estes
concretizados no Estatuto da Cidade, por meio de ferramentas virtuais de
publicações de trabalhos acadêmicos de universidades brasileiras e quais
as características pormenorizadas de tais publicações, no recorte temporal
de 2001, data de promulgação do Estatuto da Cidade, até o corrente ano.
64
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
65
inserida no ano de 2001, após sua aprovação final.
Conforme se observa na leitura da Lei Maior em comento, ver-se que
a política urbana ganhou um capítulo especifico, embora contenha em
si apenas dois artigos, quais sejam 182 e 183. Porém, mesmo diante da
defasagem em normatizar essa discussão, o Estado exprime a necessidade
de elaboração de uma lei especifica para tratar pormenorizadamente do
assunto, quando diz, no caput do artigo 182 (BRASIL):
3 DA ANáLISE BIBLIOMéTRICA
66
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
67
De acordo com as informações acima tabuladas, o Estatuto da Cidade
está presente no campo dos assuntos de todos os trabalhos mencionados,
e, em grande parte, serve como aporte teórico para análise qualitativa de
estudos de caso e para entendimento generalizado na área de concen-
tração do autor.
68
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
69
quadro 2: Publicações por instituição
70
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
71
Figura 3: Tipologia das publicações
72
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 CONCLUSÃO
73
como mecanismo de intervenção das partes interessadas na pacificação
dos conflitos ora existentes nessa seara, prevendo-se que, no aprofun-
damento do assunto e aumento dos números de publicações, pode-se
afirmar a categórica sabedoria dos pesquisadores sobre a legislação
urbana do Brasil.
REFERÊNCIAS
74
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO E MéTODO
1 Militantes do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Faculdade de Direito da USP. Os e-mails são, respectivamente,
carmembrasolin@gmail.com; carolinagdomingues@gmail.com e eugenio.santo@gmail.com.
75
privilegiado da reflexão-ação dos estudantes envolvidos na assessoria
jurídica universitária popular. Buscamos, assim, produzir conhecimento
junto aos movimentos sociais para a transformação da realidade, da qual
o mundo acadêmico, em regra, se distancia - incluindo a Universidade,
de onde partimos.
A seguir, passaremos à exposição da experiência da ocupação Mar-
garida Maria Alves, apresentando sua história, seus resultados, seus
limites e suas potencialidades. Para isso, buscaremos reconstruir os fatos
e identificar os pontos críticos de sua trajetória. Com base nesse relato,
por fim, serão feitas proposições críticas sobre as decisões políticas que
desfavoreceram a conquista da moradia neste conflito, bem como alguns
apontamentos relativos às perspectivas da ação política do movimento de
moradia, cuja luta é essencial para a efetivação dos direitos.
76
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
77
sem a generalização de um nível mínimo de renda para a classe
trabalhadora (...). Aqui, a industrialização dos anos 1950 em
diante se dá justamente condicionada à manutenção dos baixos
salários, em um processo – do subdesenvolvimento – já ampla-
mente discutido por muitos intérpretes da formação nacional:
Rui Mauro Marini observou a ‘superexploração dos trabalhadores
periféricos’, Maria da Conceição Tavares identificou a ‘moderni-
zação conservadora’, Florestan Fernandes o ‘desenvolvimento
do subdesenvolvimento’. (MOTISUKE e FERREIRA, 2007, p. 40)
para dar uma ideia das dimensões do problema basta lembrar que
entre 1995 e 1999 houve um crescimento de aproximadamente
4,4 milhões de domicílios no Brasil, enquanto que uma estimativa
mostra que apenas 700.00 moradia, aproximadamente, foram
produzidas pelo mercado (IC, 2000). (MARICATO, 2000, p. 156)
5 OLIVEIRA, 2003.
6 A informação consta em MARICATO, 1988, p. 3.
78
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 Conforme a definição adotada pelo poder público municipal na recente proposta da PPP habitacional, o centro da cidade é composto
pelos distritos da Sé, República, Santa Cecília, Consolação, Bom Retiro, Pari, Belém, Brás, Mooca, Cambuci, Liberdade e Bela Vista.
8 Utilizamos dados relativos a esses distritos porque é no subdistrito da Sé que fica a ocupação Margarida Maria Alves, motivo deste artigo.
9 SILVA, 2000, p. 26.
10 Dossiê Centro Vivo, 2007.
79
Tabela 1: Domicílios vagos nos distritos Sé e República
80
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
81
Para essa região o poder público tem um projeto de “revitalização”:
trata-se de um projeto que “se iniciou na década de 1970 e ficou pairan-
do na história da política urbana de São Paulo desde então. O projeto foi
abandonado e retomado diversas vezes, em cada momento com um novo
formato até alcançar este, que quer ser definitivo” 14. O urbanista refere-
-se ao Projeto Nova Luz, que era a exata expressão da política urbanística
desenvolvida pelo poder público, que desconsidera todas as possíveis
alternativas à resolução do problema da miséria extrema no centro da
cidade, ao optar pela completa substituição do padrão de vida no bairro.
O prédio ocupado pela ocupação Margarida Maria Alves funcionava, in-
clusive, como a secretaria executiva do projeto Nova Luz.
Essa área não é uma área morta, para ‘revitalizar’, é uma área que
possui problemas de funcionamento. Parece-nos que a definição
do problema no bairro da Santa Ifigênia (...) desconsideraram a
vida que lá existe, como se os mais pobres – prostitutas, camelôs,
encortiçados, desempregados e catadores de lixo – não existis-
sem. Estariam mortos, de acordo com essa perspectiva. A vida
presente é a vida de pessoas pobres, que justamente ocupam
alguns pontos da região porque ela não era mais alvo do interes-
se do mercado imobiliário. As edificações existentes perderam
preço e se tornaram espaço para abrigar exatamente quem não
possui condições financeiras para participar do mercado, ou
que participa dele com relações muito informais ou irregulares.
(SOUZA, 2011, p. 140)
82
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
83
3.1 Princípios AJUPianos
84
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
20 Wolkmer designa o pluralismo jurídico como sendo “a multiplicidade de práticas jurídicas existentes num mesmo espaço sócio-
-político, interagidas por conflitos ou consensos, podendo ser ou não oficiais e tendo sua razão de ser nas necessidades existenciais,
materiais e culturais”. WOLKMER, 2001, p. 219.
21 Conferir FREIRE, 1968.
85
4 DIREITO à MORADIA E A LUTA DA
OCUPAÇÃO MARGARIDA MARIA ALVES
86
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
87
com a Secretaria de Habitação. O contato inicial da nova gestão com o
movimento de moradia foi ainda tensionado pelo desacordo relativo à
indicação de José Floriano como Secretário de Habitação, por indicação
do Partido Progressita (PP).
88
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
89
uma moradia na região central de São Paulo: ainda que a ocupação não
signifique uma moradia definitiva ou mesmo adequada, já que as condições
estruturais do prédio eram ruins, os moradores obtiveram condições de
vida melhores. As melhorias vêm com a proximidade do local de trabalho,
com a oferta de transporte público integrada, com os equipamentos de
saúde - tão escassos na periferia (principalmente os mais específicos, como
de saúde da mulher e do idoso) -, com a proximidade de creches e escolas
estaduais para as crianças, com possibilidade de uso de equipamentos de
lazer e até com a maior garantia da integridade física, uma vez longe da
típica violência policial nas comunidades periféricas.
90
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
29 FURMANN, 2005.
91
4.4. Os limites do acesso à habitação
digna e a luta dos movimentos de moradia
92
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
93
5 REFLEXÕES SOBRE OS LIMITES DO ACESSO à MORADIA
DIGNA E SOBRE A LUTA DOS MOVIMENTOS DE MORADIA
94
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
33 As críticas dos movimentos de moradia à forma como tem sido conduzida a proposta são muitas, e incluem a crítica à indefinição
sobre a execução da desapropriação e à falta de participação popular por meio dos Conselhos Gestores das ZEIS 3. A Carta Aberta
“Questões para a PPP da ‘Casa Paulista’ para o centro de São Paulo” pode ser acessada no endereço http://raquelrolnik.wordpress.
com/2013/04/22/os-perigos-da-anunciada-parceria-publico-privada-de-habitacao-no-centro-de-sao-paulo/. Último acesso em 29/07/2013.
95
capaz de obter resultados concretos que não viriam sem ela.
Nessa perspectiva, acreditamos que é importante articular o conheci-
mento universitário com a luta dos movimentos sociais populares. Projetos
como o da escola popular, que possibilitam tanto a alfabetização quanto a
formação política de seus membros, são essenciais para que o movimento
cumpra com o papel de mobilizar sua base, transformando o horizonte
político dos envolvidos no sentido de lutar de modo qualificado para obter
ganhos concretos. Na perspectiva do SAJU, é necessário criar centros de
referência na formação dos militantes do movimento de moradia, com
escolas populares que possibilitem também a formação de lideranças.
Como estudantes universitários acreditamos que é essencial resta-
belecer a ligação entre o conhecimento acadêmico e o saber popular,
de tal modo que o primeiro se construa a serviço deste. Nesse sentido, é
necessário incentivar projetos que fortaleçam os movimentos sociais e
contribuam para sua luta política, como é o caso das assessorias, sejam
elas jurídicas, de arquitetura, de engenharia ou de assistência social.
Projetos de extensão popular que atuem diretamente com movimentos
sociais democratizam a universidade pública, aproximando-a de sua
verdadeira função social.
REFERÊNCIAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
97
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
1 Betânia Alfonsin é professora da Faculdade de Direito da FMP. Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão
em Direito Urbanístico da FMP e Doutora em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ. betania@via-rs.net
2 Bruno Nunes Siufi é Estudante de Graduação em Direito na FMP. Funcionário do Banco do Estado do Rio
Grande do Sul (Banrisul). brunosiufi@yahoo.com.br
3 Fernanda Peixoto Goldenfum é Bacharela em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Pós-graduanda em
Direito Público-Direito Municipal pela FMP/ESDM. fernandagoldenfum@hotmail.com
4Geórgia de Macedo Garcia é estudante de Graduação em Direito pela FMP. georgiademacedog@hotmail.com
5 Giani Camargo Cazanova é Bacharela em Direito pela FMP. Pós-graduanda em Direito Municipal pela Escola
Superior de Direito Municipal (ESDM). Integrante do SAJU/UFRGS. giani.cazanova@gmail.com.
6 Joana Prates Garcia Scorza é Bacharela em Direito pela FMP. jogscorza@yahoo.com.br
7 Juliane Angelica Palharini é Bacharela em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela ULBRA-
-RS. Estudante de graduação em Direito pela FMP. j.aprs@hotmail.com
8 Raquel Marramon é Bacharela em Psicologia pela UFCSPA. Estudante de graduação em Direito pela FMP.:
raquelmarramon@gmail.com
9 Roberta Andrade é estudante de Graduação em Direito pela FMP. betasandrade@gmail.com
10 Viviane Guimarães de Oliveira é Bacharela em Direito pela FMP. Estudante do PROPUR - UFRGS.
viviane.direitourbanistico@gmail.com
11 A propósito, ver FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. A construção do Direito Urbanístico Brasilei-
ro: desafios, histórias, disputas e atores. In: Coletânea de Legislação Urbanística: normas internacionais,
constitucionais e legislação ordinária. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 14.
99
construção de políticas urbanas e uma jurisprudência mais avançada em
matéria de conflitos fundiários urbanos e que reconheça, de fato, efeitos
jurídicos concretos às funções sociais da cidade e da propriedade. Neste
contexto, assume centralidade como tarefa para garantir a consolidação
do Direito Urbanístico no Brasil, o ensino jurídico, bem como as atividades
acadêmicas de pesquisa e extensão nesta área.
Constatada a necessidade de incidir na formação dos futuros opera-
dores jurídicos, a Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do
Ministério Público - FMP, incluiu na matriz curricular do Curso de Direito
a disciplina de Direito Urbanístico, desde o ano de 2007. A fim de integrar
a essa formação as dimensões de pesquisa e extensão, indispensáveis a
uma Instituição de Ensino Superior12, foi fundado o Grupo de Pesquisa e
Extensão em Direito Urbanístico da FMP, no ano de 2009.
Trabalhando com o método de estudo de caso, a primeira atividade
desenvolvida pelo grupo, ainda em 2009, foi a análise da alienação de
uma passagem de pedestres na zona sul de Porto Alegre, em um caso
que envolvia várias irregularidades ofensivas às diretrizes do Estatuto da
Cidade, ao Código Civil e à Lei de Licitações. O bem público situava-se
em um loteamento antigo da cidade, de alto valor paisagístico e cultural
para o bairro e havia sido vendido sem consulta prévia à população, sem
demonstração do interesse público, sem licitação e a autorização legislati-
va era genérica, sem qualquer especificidade. Depois de investigar o caso
e constatar a sua gravidade, o Grupo elaborou um dossiê e encaminhou
ao Ministério Público do Meio Ambiente e do Patrimônio Público, tendo
logrado a abertura de um inquérito civil a partir da referida denúncia. No
curso do inquérito civil foram realizadas audiências públicas no local, pelas
quais se constatou a contrariedade da população moradora do bairro com
aquela alienação, bem como averiguou-se que mais de 150 passagens de
pedestres estavam sendo preparadas para fins de alienação no município.
A relevância do trabalho desenvolvido pelo grupo na ocasião ficou clara
100
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
13 Ver, a propósito: ALFONSIN, Betânia et al. Desconstituição da esfera pública, abandono e privatização do
espaço público em Porto Alegre: tendências hegemônicas e resistências contra-hegemônicas. Revista Ma-
gister de Direito Ambiental e Urbanístico. Caderno Direito do Patrimônio Cultural. Porto Alegre: Magister,
2005- , Bimestral. V. 32, p. 74.
14 ALFONSIN, Betânia et al. A copa de 2014 e a política urbana preconizada pelo Estatuto da Cidade: um estudo
dos impactos sociais e ambientais em Porto Alegre. In Anais do II Congresso de Direito Urbano Ambiental
– Congresso Comemorativo aos dez anos do Estatuto da Cidade. Porto Alegre: Exclamação, 2011, p. 109.
ALFONSIN, Betânia et al. Impactos urbanísticos e econômicos da Copa de 2014 em Porto Alegre à luz do Es-
tatuto da Cidade. In Anais do II Congresso de Direito Urbano Ambiental – Congresso Comemorativo aos dez
anos do Estatuto da Cidade. Porto Alegre: Exclamação, 2011, p. 127.
101
tárias de Porto Alegre. Depois de conquistar o apoio institucional da FMP,
o Grupo passou a organizar tal curso, com uma metodologia capaz de
potencializar seu efeito multiplicador. É o que passamos a relatar .
2 METODOLOGIA
15 Megaeventos Esportivos: Impactos e Legados da Copa de 2014; Direito à Cidade, à Moradia e à Regulari-
zação Fundiária; Transparência e Democratização da Gestão Pública; Instrumentos de Defesa dos Direitos
Fundamentais; Direito à Acessibilidade; Direito à Mobilidade Urbana; Impactos Ambientais e Alteração da
Legislação Urbanística.
16 Enviaram representantes os seguintes movimentos/coletivos/instituições: Associação dos Geógrafos Brasi-
leiros (AGB); Associação Comunitária do Centro Histórico; Região de Planejamento 7; Associação de Amigos e
Moradores do Jardim Universitário (AAMJU); Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN);
Associação de Amigos e Moradores da Vinte e Quatro de Maio e Adjacências (AMIVI) Coletivo Catarse; Coletivo
Quantas Copas por uma Copa?; Blog Chega de Demolir Porto Alegre; Movimento Morro Santa Teresa; Coletivo
Defesa Pública da Alegria; Quilombo do Sopapo; Movimento das Pessoas com Deficiência; ONG Centro de
Direitos Econômicos e Sociais (CDES); ONG CIDADE; ONG ACESSO – Cidadania e Direitos Humanos; Instituto
de Pesquisa Direito e Movimentos Sociais (IPDMS); Observatório das Metrópoles; Programa de Planejamento
Urbano da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PROPUR/UFRGS); Grupo
de Assessoria Popular do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (GAP/SAJU-UFRGS); Grupo de Assessoria Justiça Popular do Serviço de Assessoria Jurídica Universi-
tária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (GAJUP/SAJU-UFRGS); Defensoria Pública do Estado do
Rio Grande do Sul.
102
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
103
ator político e como detentor de um compromisso social, em virtude da
possível disponibilização on-line da realização do curso. Este ator político
aceitou a proposta da realização de uma parceria, comprometendo-se a
realizar o registro dos encontros, permitindo que o material pudesse ser
utilizado, futuramente, nas comunidades, especialmente àquelas em que
seus moradores são atingidos pelas obras realizadas em nome da Copa do
Mundo de 2014, bem como possibilitando uma maior difusão do debate,
concretizando um diálogo extra-academia. Adotou-se a utilização de um
chat simultâneo com o intuito de dar abertura a um debate em meio virtual,
concomitante à realização/exibição dos encontros.
No decorrer da elaboração do Curso de Capacit(ação), bem como
durante a disponibilização do ambiente para a realização dos encontros,
os objetivos traçados foram reafirmados e aprimorados. Inicialmente, a
realização de eventos desta natureza baseia-se na responsabilidade social
da FMP, enquanto instituição de ensino superior. Outra base para sustentar
a realização dos encontros é a crença na função social do conhecimento,
em outras palavras, o conhecimento acumulado não deve permanecer
concentrado na Academia, e sim, ter uma finalidade social. Buscou-se,
portanto, partilhar com as comunidades e cidadãos atingidos pelas obras
para “receber” a Copa do Mundo de 2014, o conjunto de informações
produzidas no Ciclo de Encontros. Também, acredita-se que deve haver
multiplicadores de conhecimento: a partir da troca de saberes, os partici-
pantes poderiam compartilhar suas experiências em suas comunidades,
multiplicando, assim, o conhecimento construído. Apresenta-se, então,
uma síntese dos debates realizados durante o ciclo.
3 MEGAEVENTOS ESPORTIVOS: I
MPACTOS E LEGADOS DA COPA DE 2014
104
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
105
ternacional de Futebol (FIFA) relegando a uma agenda secundária tudo
aquilo que atenderia ao verdadeiro interesse público, como é o exem-
plo mais nobre, o atendimento aos direitos fundamentais expressos na
Constituição Federal. Um momento de felicidade, lazer e comemoração
se tornou uma mancha na história de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul
e do Brasil, com direitos dos cidadãos brasileiros sendo violados com a
submissa cumplicidade do poder público.
106
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
23 ALFONSIN, Betânia. Da invisibilidade à regularização fundiária: a trajetória legal da moradia de baixa renda
em Porto Alegre – século xx. Dissertação de mestrado no Programa de Pós Graduação em Planejamento
Urbano e Regional. Porto Alegre: UFRGS, 2000, p.147-149
24 ALFONSIN, Betânia. Da invisibilidade à regularização fundiária: a trajetória legal da moradia de baixa ren-
da em Porto Alegre. In: FERNANDES, E.; _____(Org.) A Lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003, p. 170.
25 Conforme o previsto no art. 182 e art. 183 da Constituição Federal; no Estatuto da Cidade; na Medida Pro-
visória 2.220/2001; na Lei 11.977/2009.
26 Conforme o previsto no art. 174, § 1°, I, II e III; art. 176, II, III, V, Ix, da Constituição do Estado do Rio Grande
do Sul.
27 Conforme o previsto no art.158; art.201, §1° e 2°§; art.208, da Lei Orgânica de Porto Alegre.
28 Dentre estes, destacamos: a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discri-
minação Racial (1965); o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966); a Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver
(1976); a Agenda Habitat (1996).
29 INSTITUTO POLÍTICAS ALTERNATIVAS PARA O CONE SUL. Na sombra dos megaeventos esportivos. Rio
de Janeiro, 2012, p. 35. Disponível em: http://www.br.boell.org/web/51-1439.html. Acesso em 06 de agosto de 2013.
30 Dado mencionado pelo cientista político Sérgio Baierle, consultor da ONG Cidade, na “Apresentação sobre
os impactos das obras da Copa 2014”. Disponível em:http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com.br/p/
documentos.html. Acesso em: 06 de agosto de 2013.
107
social e o bônus moradia.3132 Embora tenham sido retiradas de seu local
original, desrespeitando o artigo 208 da Lei Orgânica Municipal, outras
ainda resistem à cidade de exceção33. Assim, elas exercem, como bem
apontou Jacques Alfonsin, o direito de resistência, pois “quando a con-
tradição entre as leis e medidas jurídicas do Estado se torna de tal modo
insuportável que outro remédio não há senão o de considerar tais leis e
medidas como injustas, arbitrárias e, por isso, legitimadora do direito de
resistência individual e coletivo”34.
Por fim, como destacou um dos atores políticos presentes no encon-
tro, o direito à moradia adequada é um direito fundamental, logo deveria
ser prioridade diante de qualquer obra de infraestrutura. Assim, quando
o Poder Público refere-se à “negociação” para tratar sobre a questão da
moradia, é possível verificar o quanto esse direito humano fundamental
está sendo negligenciado.
31 Ver, a propósito, carta entregue ao Comitê Popular da Copa ao Prefeito José Fortunati, em 04/07/2013.
Disponível em: http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com.br/2013/07/movimentos-elaboram-carta-ao-prefeito-e.html. Acesso
em 29de julho de 2013.
32 Cabe destacar as manifestações ocorridas com intuito de questionar os efeitos da Copa sobre a cidade.
Disponível em: http://comitepopularcopapoa2014.blogspot.com.br/2013/06/centenas-ocupamlargo-em-porto-alegre. html; http://
comitepopularcopapoa2014.blogspot.com.br/2013/07/movimentos-sociais-e-moradores-da.html. Acesso em 06 de agosto de 2013.
33 Conceito desenvolvido por Carlos Vainer. Ver, a propósito, a entrevista concedida à Escola Politécnica de
Saúde Venâncio (EPSJV). Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Entrevista&Num=21. Acesso em
29 de julho de 2013. .
34 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Coimbra: Gradiva Publicações Ltda, p.14.
35 Sérgio Baierle é cientista político e membro do conselho diretor da ONG CIDADE – Centro de Assessoria
e Estudos Urbanos.
108
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
109
fer do Nascimento36. Enfatizou-se que a atuação da Defensoria é não só
judicial, como também extrajudicial, o que, em muitos casos, tendo em
vista principalmente a necessidade de uma resposta célere à situação, se
mostra mais eficaz.
Apresentadas informações sobre o funcionamento do órgão, a pa-
lestrante destacou a atuação da Comissão de Monitoramento da Copa37.
Tal Comissão surgiu a partir da percepção de que muitas demandas
atendidas pelo Núcleo de Defesa Agrária e Moradia da Defensoria Públi-
ca relacionavam-se à Copa do Mundo, cabe ressaltar que a maior parte
destas demandas eram relacionadas à remoção forçada. Notou-se, então,
a importância e a necessidade de a Defensoria inteirar-se dos fatos e da
veracidade das informações que chegavam ao Núcleo, a fim de mediar os
casos e, por conseguinte, evitar demandas ainda maiores em 2014. Além
disso, a atuação da Comissão na Vila Tronco foi apresentada como um
exemplo de trabalho. Neste caso, diante da observação de que se tratavam
especificamente de remoções, a mediação apresentou-se como a solução
mais efetiva e rápida para as famílias envolvidas.
Percebeu-se, ainda, que um dos grandes problemas locais era a falta
de informações prestadas à comunidade atingida. No caso da comunida-
de da Vila Tronco, uma “sobreviolação” de direitos humanos ocorre, já
que os processos de tomada de decisão são muito pouco transparentes.
Quando procura o Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB),
órgão responsável pela relocalização das famílias atingidas pela obra
viárias, a população recebe informações parciais, reduzindo o escopo de
escolhas que cada uma das famílias teria, no caso, para sua relocalização.
Neste ponto, a busca extrajudicial de dados com os entes envolvidos e o
contato com a população mostrou-se, de fato, resolutivo. Além disso, ao
se requisitar informações para o poder público, se está pressionando a
própria Administração a aumentar sua eficiência e transparência, apre-
36 Adriana Schefer do Nascimento é Defensora Pública do Estado do Rio Grande do Sul, onde coordena o
Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (NUDEAM). É membro da Comissão de Monitoramento dos Efeitos da
Copa e Megaeventos da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul.
37 Conferir sítio: http://www.dpe.rs.gov.br/site/noticias.php?id=1610. Acesso em16 de agosto de 2013
110
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 DIREITO à ACESSIBILIDADE
111
urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios
de comunicação, por pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida.
Um fato observado pelo palestrante foi que, com base neste conceito
de acessibilidade, houve a possibilidade de que o Governo brasileiro fir-
masse o compromisso de internalizar as normas contidas na Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a qual foi
regulamentada no Brasil através do Decreto 6949/2009. Tal Convenção foi
recepcionada em nossa legislação com força de Emenda Constitucional,
respeitando os requisitos contidos no artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal
de 1988. Sintetizando, a Emenda tem caráter de norma constitucional, ou
seja, o direito à acessibilidade possui status constitucional.
Um caso discutido foi uma ação judicial proposta por uma pessoa com
deficiência física, usuária de cadeiras de rodas, a qual pleiteava o direito
à acessibilidade à arena esportiva do Sport Club Internacional, local onde
ocorrerão os jogos do Mundial de 2014. Este indivíduo sentiu-se violado
em sua dignidade, pois o local é de difícil acesso, tendo que se deslocar
de um lado do estádio a outro, a fim de poder assistir aos jogos, além de
o local determinado ao uso de usuários de cadeiras de rodas permanecer
na altura do gramado, bem como haver uma barreira de concreto que
impossibilitava a sua visão do campo de futebol. Não havia uma cober-
tura, fazendo com que a pessoa com deficiência física ficasse sujeita aos
efeitos climáticos, exemplificando, à ocorrência de chuva. Um aspecto
relevante é que o local ofertado aos usuários de cadeiras de rodas, no
estádio, contém metragens menores às exigidas pelas normas internacio-
nais. Tal intermediação ocorreu através da Defensoria Pública do Estado
do Rio Grande do Sul, a qual está tentando garantir o direito ao lazer e à
dignidade a este cidadão, além do direito à acessibilidade.
Uma exigência da FIFA, existente no Caderno de Encargos40 desta
112
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
113
ocasionando diversas remoções forçadas, além de significativos impactos
ambientais conforme exposto ao longo do presente artigo.
No encontro sobre este tema, esteve presente como palestrante o
Vereador Marcelo Sgarbossa42. Sgarbosssa apresentou projetos de revi-
talização de cidades como Seul, Lisboa e Nova Iorque em que diversas
áreas, anteriormente destinadas para o trânsito de veículos, foram trans-
formadas em parques e áreas de lazer, em contraponto com o que está
ocorrendo em Porto Alegre. O debate acerca da mobilidade urbana está
tão presente neste momento que a Câmara de Vereadores do Porto Alegre
foi ocupada por manifestantes - em grande parte jovens - devido à rejeição
pela maioria dos parlamentares por maior transparência nas contas de
transporte coletivo. A mobilidade urbana no Brasil é fortemente marcada
pela lógica do transporte individual de passageiros, como se o carro fosse
o único modal possível para viabilizar o transporte. Além de esse modelo
ter sido fortemente incentivado por políticas públicas e pela estratégia
de sucessivos governos para as cidades brasileiras, a indústria automo-
bílistica incentiva este desejo de consumo, visto que o automóvel é uma
mercadoria que experimenta inovações tecnológicas a cada lançamento
de um novo produto no mercado. Os congestionamentos cotidianamente
enfrentados pela totalidade das capitais brasileiras demonstram a falência
desse paradigma, que, além de individualista, é oneroso e insustentável
em uma perspectiva ecológica. Mesmo assim, é inegável a opção do go-
verno brasileiro em reforçar este modelo com as obras viárias introduzidas
na Matriz de Responsabilidades para a Copa de 201443.
É fundamental que busquemos compreender a conjuntura para que
possamos trabalhar por uma cidade que seja voltada para as pessoas,
para que os direitos de cidadania sejam respeitados seguindo a afirmativa
de Harvey de que:
114
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
115
ingressou com ação civil pública na tentativa de barrar o corte das mesmas
entre a futura rótula da Avenida Edvaldo Pereira Paiva e a rótula Cuias.46
As alegações e motivações foram diversas. Cabe destacar primeiramen-
te a ilegalidade da iniciativa municipal, tendo em vista que está previsto
no Plano Diretor que a área é destinada à criação do Parque Gasômetro.
Além disso, uma vez consumada a obra, o parque perderia não só uma
significativa massa vegetal, como também uma boa parte de sua extensão
e de sua característica paisagística. O ato de cortar árvores nativas para
fazer vias expressas é inaceitável.
Infelizmente, a 22ª Câmara Cívil do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul, por unanimidade, autorizou o corte das 115 árvores47. Os desembar-
gadores Maria Isabel de Azevedo Souza e Marco Aurélio Heinz seguiram o
voto do relator da matéria, desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro,
que reformou sua própria decisão anterior, na qual, em caráter liminar,
havia suspendido o corte dos vegetais em 19 de abril.
A permissão para retirar as árvores da região do Gasômetro demons-
tra a capacidade devastadora deste evento, demonstrando que os três
poderes estão aproveitando-se da oportunidade da Copa para viabilizar
interesses nem sempre coincidentes com as necessidades da população.
A legislação brasileira é violada para privilegiar um espetáculo esportivo e
seus patrocinadores oficiais. As decisões referentes aos impactos ambien-
tais nas estruturas das cidades já foram tomadas sem o questionamento
necessário para avaliar os benefícios ou malefícios. Mais do que nunca,
percebe-se que os compromissos assumidos com a FIFA através do “Ca-
derno de Encargos” estão não só acima das políticas sociais brasileiras,
como a saúde e a moradia, como também, há uma flagrante violação da
legislação local, como foi o caso demonstrado pela desconsideração do
Plano Diretor de Porto Alegre.
46 Ver, por exemplo, o vídeo gravado pelo Coletivo Aura “Quantas copas por uma copa?”, disponível em http://
vimeo.com/67835242. Acesso em 31/07/2013.
47 Agravo de Instrumento nº 70054203187
116
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
10 CONCLUSÃO
48 A expressão direitos fundamentais, aqui, é utilizada ancorada no conceito materialmente aberto de direitos
fundamentais, tais como apresentados por Ingo Sarlet, ou seja, abrangendo além dos direitos elencados no art.
5º da Constituição Federal, “direitos materialmente fundamentais não escritos (no sentido de não expressa-
mente postitivados), bem como de direitos fundamentais constantes em outras partes do texto constitucional
e nos tratados internacionais”. Ver SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria
geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 86.
49 A copa das Confederações foi realizada no Brasil entre 15 e 30 de junho de 2013.
117
a pluralidade e representatividade que pretendíamos para dar início ao
Ciclo. Um sentimento de impotência e inércia parecia dominar a socieda-
de, até que uma indignação acumulada emergiu fortemente nas ruas de
todo o Brasil, nas manifestações populares de junho e julho de 2013. O
temor inicial dos organizadores de que tal fato pudesse acarretar o esva-
ziamento progressivo dos encontros esvaneceu-se quando percebeu-se
que a reivindicação das ruas coincidia em grande medida, com a agenda
de reflexão proposta pelo projeto.
Entende-se que o Ciclo cumpriu com um papel importante na capaci-
tação dos atores, estabelecendo uma dialética entre a ação realizada nas
ruas por muitos dos participantes em sua militância social e a reflexão
teórica realizada durante os encontros de capacitação. Da mesma forma,
observou-se em várias palestras que as pessoas atingidas por problemas
reais estavam vivenciando violações concretas a seus direitos humanos e
tiveram a oportunidade, não apenas, de compartilhar a experiência, mas
também, de receber orientações capazes de solucionar o problema, bem
como de organizar o encaminhamento de suas questões junto a órgãos
como a Defensoria Pública ou o Ministério Público. Exemplificativamente,
uma representante da Vila Tronco contou o caso familiar de violação do
direito à moradia e saiu do Encontro com o compromisso de ser atendida
pela Defensoria Pública; uma pessoa com deficiência física usuária de ca-
deira de rodas que lutava por acessibilidade no Estádio Beira-Rio e já tinha
seu caso encaminhado pela Defensoria Pública, levou a notícia também ao
Ministério Público dos Direitos Humanos que se comprometeu a acompa-
nhar o caso; e, finalmente, representantes do Movimento “Quantas copas
por uma copa?”, indignados/as com os projetos para a orla, aproveitaram
a presença da promotora Annelise Steigleder para agendar um encontro
com a Promotoria do Meio Ambiente para a qual levarão um dossiê com
documentos contendo fatos novos sobre as irregularidades nos projetos
de revitalização da orla do Guaíba. O objetivo de apoiar ações de advocacy
visando promover o respeito aos Direitos Humanos durante a preparação
118
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
119
o direito à cidade sustentável50 passe a ser compreendido como um direito
coletivo e uma bandeira capaz de unificar as diferentes lutas sociais que
atualmente pululam no país e reivindicam, em última instância, o direito
de viver em uma cidade mais justa, acessível, democrática e sustentável.
REFERÊNCIAS
50 O Estatuto da Cidade (lei 10.257/01), em seu artigo, 2º, inciso I, preconiza, como uma diretriz da política
urbana brasileira a “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho
e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.
120
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 16 de
agosto de 2013.
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da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. In: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.
htm>. Acesso em 16 de agosto de 2013.
BRASIL. Matriz de Responsabilidades. In: <http://www.copa2014.gov.br/pt-
-br/brasilecopa/sobreacopa/matriz-responsabilidades>. Acesso em 02 de agosto
de 2013.
BRASIL. Medida Provisória nº 2.220 de 4 de setembro de 2001. Dispõe
sobre a concessão de uso especial de que trata o § 1o do art. 183 da Constituição,
cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano - CNDU e dá outras provi-
dências. In:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2220.htm>. Acesso em
16 de agosto de 2013.
BRASIL. Lei nº 11.977 de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha
Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos locali-
zados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as
Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036,
de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória
no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. In: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm>. Acesso em 16 de
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COMITê POPULAR DA COPA. Movimentos elaboram Carta ao Prefeito e exigem
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Acesso em 06 de agosto de 2013.
MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. Lei Orgânica do Município de Porto Alegre
122
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
*Todos/as os/as autores/as são membros do Grupo de Pesquisa e Extensão em Direito Urbanístico da Facul-
dade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público - FMP.
123
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Com uma área de 1.410,015 km², a Ilha de São Luís constitui o espaço
de maior aglomeração urbana do estado do Maranhão, composto pelos
municípios de São Luís, Paço do Lumiar, São José de Ribamar e Raposa.
De acordo com Juarez Diniz,
1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Assessora jurídica do Ministério Público
do Estado do Maranhão. E-mail: nathcastros@hotmail.com
2 DINIZ, Juarez Soares. As condições e contradições no espaço urbano de São Luís (MA): traços periféricos.
Disponível em: <http://www.nucleohumanidades.ufma.br/pastas/CHR/2007_1/juarez_diniz_v5_n1.pdf>.
Acesso em: 12 ago. 2012, p. 03.
125
Localizado no litoral norte do Maranhão, com uma área de 125 km²,
Paço do Lumiar representa o foco espacial deste estudo. Atualmente com
105.121 habitantes, o município, apesar de ter um bom desenvolvimento
da agricultura e da pesca, tem no setor de serviços seu grande potencial
econômico3. Entretanto, é marcado por um elevado nível de desigualdade
econômica e social, uma vez que apresenta, de acordo com o Censo 2010,
42,45% de incidência de pobreza e um IDH de 0,727.
Com a Constituição de 1988, a busca por um planejamento urbano
eficaz ganha importância constitucional, recebendo tratamento norma-
tivo em capítulo específico (Da Política Urbana – Cap. II, do Título VII,
CF). Essa medida se refletiu de modo concreto no âmbito municipal, com
a afirmação do plano diretor como o instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana das cidades.
Mais do que definidor de normas técnicas referentes ao ordenamento
urbano, o plano diretor é um instrumento político de gestão democrática
da cidade. Por ser ferramenta básica que condensa normas técnicas e
de gestão, o art. 182 da Carta Magna estabeleceu que o plano diretor é
instrumento obrigatório a ser implementado nos municípios com mais de
20.000 (vinte mil) habitantes. Apesar dessa obrigatoriedade, o constituinte
não fixou um prazo nem forma de cumprimento da norma. Tal obscuridade
somente veio a ser sanada com o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001),
que regulamentou o dispositivo constitucional.
De acordo o art. 41 da Lei Federal 10.257/01, o plano diretor se tornou
instrumento obrigatório da política urbana nas seguintes hipóteses:
3 De acordo com dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o setor de
serviços gera para o município de Paço do Lumiar uma receita avaliada em 14.866.394 reais, enquanto que o
setor da agropecuária gera 4.065.451 e o setor da indústria produz 3.929.251 reais.
126
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 04 de setembro de 2001.
127
belecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação do solo e da edificação, sob a ótica da situação
socioeconômica da população;
VII – adequação dos diferentes instrumentos de política econô-
mica, tributária, financeira e dos gastos públicos para o cumpri-
mento dos objetivos do desenvolvimento urbano;
x – acesso aos espaços, equipamentos e serviços públicos para
todos os cidadãos, especialmente aos portadores de necessidades
especiais;5 (grifou-se)
Em Paço do Lumiar, para que a cidade cumpra sua função social, é fun-
damental que haja o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à
qualidade de vida, à justiça social, ao acesso universal dos direitos sociais
e ao desenvolvimento econômico. É função social também do município
garantir elementos que conduzam a uma gestão democrática da cidade,
com a abertura de espaços para a participação dos habitantes nas decisões
públicas e com a universalização de direitos sociais.
Um dos pilares deste Plano Diretor refere-se à definição do conteúdo
da função social da propriedade urbana e rural. O Estatuto da Cidade (art.
39) destinou o preenchimento deste conteúdo aos planos diretores, uma
vez que é no âmbito municipal que podem ser analisadas com maior
eficiência as singularidades da estrutura fundiária local. Desse modo, o
direito de propriedade pode-se transformar no direito à propriedade, isto
é, passa a ser definido em virtude de uma função socialmente orientada.
Sendo assim, no que toca à propriedade urbana, estabelece o Plano
Diretor:
5 PAÇO DO LUMIAR. Lei nº 335 de 09 de outubro de 2006. Dispõe sobre o Plano Diretor de Paço do Lumiar e
dá outras providências. Paço do Lumiar, MA, 2006.
6 Id. 2006.
128
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 GONDIM, Linda M.P. O plano diretor como instrumento de um pacto social urbano: quem põe o guizo no
gato? Disponível em: < http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/1781/2152>. Acesso
em: 10 ago. 2012, p.03.
129
Como aborda a autora adiante, dificilmente os agentes ligados aos
grandes empreendimentos imobiliários, vão permitir a inviabilidade de
seus projetos, que visam à lucratividade da propriedade privada do solo
urbano e a apropriação de certos serviços públicos. Todavia, para fechar
o compromisso social, que é a construção de um plano diretor com as
diversas partes envolvidas nesse processo, é necessário que ao menos
no plano teórico – aquele que consta no papel – sejam feitas concessões
visando estabelecer uma negociação, pois existe um longo processo para
a concretização das normas, que não é seguro, geralmente não tem prazo
e não segue a ordem aparente.
No que se refere à efetividade dos planos diretores, a realidade de Paço
do Lumiar não difere das grandes cidades brasileiras. Em seu próprio Pla-
no Diretor, há o reconhecimento da situação de irregularidade fundiária
por que passa o município, com a definição de vinte e oito áreas urbanas
como zonas especiais de interesse social8.
A grande quantidade de áreas que precisam de regularização fundiária
determinadas no Plano Diretor é apenas uma parte do conjunto de inúme-
ras comunidades que passam por problemas semelhantes no município.
Em relação à sua conformação urbanística,
8 De acordo com o Plano Diretor, as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS são porções do território
destinadas, prioritariamente, à recuperação urbanística, à regularização fundiária e produção de Habitações
de Interesse Social – HIS ou do Mercado Popular - HMP, incluindo a recuperação de imóveis degradados, a
provisão de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviço e comércio de caráter local.
130
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
9 EVERTON, Carlos José Penha; LINHARES, Paulo César Corrêa; SILVA, Nathália Castro da. Assessoria Jurídica
Universitária Popular e o Direito à moradia: a experiência do NAJUP “Negro Cosme” na comunidade “Lote-
amento Todos os Santos”. In: Por uma visão crítica e interdisciplinar do Direito: revista do SAJU v.07 n. 02.
Coord. Augusto Jaeger Junior et al. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012, p. 13.
131
Todos os Santos, Menino Gabriel, Vila Cafeteira, entre outras.
Para que se possa entender substancialmente o cenário da luta pelo
direito à moradia e à cidade, que diversas comunidades compartilham
de modo semelhante, faz-se necessário apresentar um recorte territorial
mais específico, em que também esta pesquisa se insere: a comunidade
Todos os Santos.
A comunidade, localizada à margem esquerda da Estrada de Rodagem
que vai do Maracajá ao Olho D’água, no município de Paço do Lumiar,
compreende uma área de aproximadamente 140.710,00 m²10. “Todos os
Santos” nasceu enquanto comunidade através de uma ocupação realiza-
da por mais de 150 (cento e cinquenta) famílias em outubro de 2007, na
referida área. Esta ocupação deu origem a um litígio judicial (processo nº
1063/2007, 2ª Vara da Comarca de Paço do Lumiar) entre o conjunto de
moradores e o empresário Douglas Ferreira de Pinho, sócio-proprietário
da empresa imobiliária Setran Empreendimentos Ltda, que se apresentou
como proprietário da citada terra.
O processo judicial em destaque iniciou-se com o ajuizamento de uma
ação de reintegração de posse por Douglas Pinho em face dos moradores/
ocupantes da área em questão. O autor alegou ser proprietário e possuidor
da terra há mais de cinco anos, tendo-a adquirido de PENA BRANCA DO
MARANHÃO S/A AVICULTURA, através de Escritura Pública de Compra e
Venda lavrada em 23 de abril de 2002. Expôs ainda que tentou, de forma
amigável, retomar a área, porém sem sucesso.
Apesar de ter utilizado um instrumento processual eminentemente
possessório, o direito de propriedade foi fundamento majoritário em seu
argumento de defesa da posse, bem como o tratamento desta como apên-
dice daquele direito, como se instituto autônomo não fosse.
Em 12 de dezembro de 2007, após a oitiva de testemunhas e de uma
das partes, foi expedida a decisão, pela juíza titular da 2ª Vara da Comarca
de Paço do Lumiar à época, em favor do requerente.
Em contraposição, a DPE/MA, em 22 de abril de 2008, representando
10 Dados provenientes do Processo nº 1063/2007, que tramita na 2ª Vara da Comarca de Paço do Lumiar.
132
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
133
em Direito, foi integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária
Popular – NAJUP “Negro Cosme”. De acordo com o seu projeto de extensão,
11 COSME, Najup Negro. Projeto de extensão universitária “Pés no Chão”. Pró – Reitoria de Extensão da Uni-
versidade Federal do Maranhão. São Luís, 2011, p. 02.
12 CAMPILONGO, Celso; PRESSBURGER, Miguel. Discutindo a assessoria popular. Rio de Janeiro: AJUP/FASE,
jun. 1991. Coleção “seminários”, n. 15.
13 RIBAS, Luiz Otávio. Acesso à justiça e educação popular. Caderno de Textos do xII Encontro da Rede
Nacional de Assessorias Jurídicas Universitárias. Teresina: EDUFPI, 2010, p.29.
134
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Essa opção feita pela assessoria jurídica popular reflete a sua compre-
ensão política frente à conjuntura social no atual Estado Democrático de
Direito no país15. Graças a essa aparência sólida de garantidor de direitos,
de promotor da participação cidadã do povo, o Estado Democrático, em
sua essência, claramente é excludente, uma vez que grande parte da
população sequer tem suporte básico de direitos que a permita exercer
conscientemente seu papel político e, assim, ter condições de mudar as
condições socialmente impostas.
Nessa medida, o Direito, como parte integrante dessa superestrutura
estatal, não vem se posicionando de modo diverso. Apesar do pretenso
discurso de neutralidade, o Direito historicamente se mostra desfavorável
às demandas das camadas sociais menos favorecidas, mantendo assim a
vigente ordem de desigualdade social.
Assim expõe Antônio Alberto Machado:
14 LIMA, Thiago Arruda Queiroz. A assessoria jurídica popular como aprofundamento (e opção) do conteúdo
político do serviço jurídico. Disponível em: < http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD1_files/Thia-
go_ARRUDA.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2012, p-02-03.
15 Para Gomes Canotilho, um Estado de Direito pressupõe a sujeição do poder a princípios e regras jurídicas,
garantindo às pessoas e cidadãos liberdade, igualdade e segurança. Mas, por outro lado, o Estado Constitucional
é também um Estado Democrático. A legitimidade do domínio político e a legitimação do exercício do poder
radicam na soberania popular e na vontade popular. (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito.
Coleção Cadernos Democráticos. Lisboa: Gradiva, 1999, p. 31.
16 MACHADO. Antônio Alberto. Ministério Público – Democracia e Ensino Jurídico. Belo Horizonte: Editora
Del Rey, 2000, p. 41.
135
patórias no seio do Direito, elencadas por Edmundo Lima de Arruda Junior:
136
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
137
tensionista em torno desta comunidade através do Projeto “Pés no chão”.
As problemáticas surgidas desenvolveram-se para além da questão
processual anteriormente apresentada. Desde o início de seu trabalho,
em 2011, o NAJUP percebe a gama de aviltamento de direitos que sofrem
os moradores:
Ademais, foi possível perceber uma falta de união entre parte dos
moradores, uma vez que os mais antigos, que se estabeleceram na área
através da compra do loteamento irregular da SETRAN, preferem não se
relacionar com outros moradores, a quem denominam de “invasores”,
dificultando assim a luta coletiva pelo direito à moradia e à cidade, que
envolve a comunidade como um todo.
Por volta dos meses de maio e junho de 2011, a comunidade começou
a ser assediada pela Imobiliária MASA que, através de ameaças de des-
pejo forçado, reivindicava a titularidade de parte da área para si, visando
construir um empreendimento imobiliário denominado “Cidade Verde”,
vinculado ao Programa “Minha Casa Minha Vida”, do Governo Federal.
Este assédio reiterado aos moradores culminou em uma ação
truculenta em 10 de junho de 2011, na qual foi realizado um despejo
parcial na comunidade, com a derrubada de três casas, pertencentes
138
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
20 O vídeo intitulado como “Conflito de Terras em Paço do Lumiar/MA”, que mostra a tentativa ilegal de des-
pejo levada a cabo pela construtora em 10/06/2011, pode ser acessado virtualmente. Disponível em: <www.
youtube.com/watch?v=EZJl0M5hMD0> Acesso em: 01.07.2011.
139
mediante o cumprimento de obrigações estipuladas e assumidas pelos
compromissários e anuentes. A empresa se comprometeu a reconstruir
as três casas que foram derrubadas e a indenizar dois moradores que
tiveram suas áreas de roça destruídas.
Como forma de compensação pelos danos morais coletivos sofridos
pela comunidade, a empresa também se empenhou na construção de
um poço com caixa d’água e bomba (projeto aprovado pelo Serviço Au-
tônomo de Água e Esgoto – SAAE/ Paço do Lumiar), a ser utilizado por
toda a comunidade. Ainda como reparação, a empresa comprometeu-se
a construir a sede social do CECOMA, em alvenaria.
Após o transcorrer do prazo de seis meses estabelecido no TAC,
encontram-se devidamente cumpridas as obrigações imputadas à MASA.
Para além desta intervenção pontual de construção coletiva do TAC, o
trabalho de assessoria jurídica popular continua ser realizado em “Todos os
Santos”, seja através da realização de oficinas que contemplam a questão
da moradia – que ainda não foi assegurada efetivamente– seja através
de trabalho de base, estimulando o protagonismo dos moradores para
se reconheçam enquanto sujeitos ativos da luta pelo direito à moradia, à
cidade e por tantos outros direitos básicos seus.
140
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
141
radamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse
social e econômico relevante.21
21 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10. 406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil. Brasília, DF, 10 de janeiro de 2002.
22 A expressão “conceito jurídico indeterminado” significa a vaguidade semântica existente em certa norma
com a finalidade de que ela, a norma, permaneça, ao ser aplicada, sempre atual e correspondente aos an-
seios da sociedade nos vários momentos históricos em que a lei é interpretada e aplicada. (ABREU, Frederico
do Valle. Conceito jurídico indeterminado, interpretação da lei, processo e suposto poder discricionário do
magistrado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6674>. Acesso em: 24 maio 2007)
142
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
23 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009,
p. 43.
143
transforma-se em propriedade a título gratuito.
Outro elemento que diferencia os dois institutos é que a usucapião não
exige boa-fé dos ocupantes como a desapropriação indireta. Todavia, re-
quer que no lastro temporal de cinco anos não haja oposição à ocupação,
isto é, que não tenha litígio causado por terceiro referente à titularidade
da terra. Este último elemento não é exigido na desapropriação indireta.
No caso em tela, a comunidade “Todos os Santos” preenche todos os
requisitos que garantem a concretização da desapropriação judicial indi-
reta da área, a saber: um considerável número de pessoas tem a posse de
uma extensa área por mais de cinco anos, ininterruptamente, de boa-fé
e nesta realizou obras e serviços social e economicamente relevantes.
Ademais, em consonância com a Lei nº 11.977/09, que dispõe sobre o
Programa Federal “Minha Casa Minha Vida” e sobre a regularização fundi-
ária de assentamentos urbanos, a citada ocupação pode ser considerada
como área urbana consolidada, uma vez que possui abastecimento de
água potável e distribuição de energia elétrica, como dispõe o art. 47 da
citada legislação:
25 BRASIL. Presidência da República. Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha
Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 07 de julho de 2009.
144
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
145
_______. Presidência da República. Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009. Dispõe
sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária
de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de
21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de
dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e
a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.
Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 07 de julho de 2009.
COSME, Najup Negro. Projeto de extensão universitária “Pés no Chão”. Pró –
Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Maranhão. São Luís, 2011, p. 02.
DINIZ, Juarez Soares. As condições e contradições no espaço urbano de São
Luís (MA): traços periféricos. Disponível em: <http://www.nucleohumanidades.
ufma.br/pastas/CHR/2007_1/juarez_diniz_v5_n1.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2012.
EVERTON, Carlos José Penha; LINHARES, Paulo César Corrêa; SILVA, Nathália Castro
da. Assessoria Jurídica Universitária Popular e o Direito à moradia: a experiência do
NAJUP “Negro Cosme” na comunidade “Loteamento Todos os Santos”. In: Por uma
visão crítica e interdisciplinar do Direito: revista do SAJU v.07 n. 02. Coord.
Augusto Jaeger Junior et al. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 6. ed. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009.
GONDIM, Linda M.P. O plano diretor como instrumento de um pacto social
urbano: quem põe o guizo no gato? Disponível em: < http://revistas.fee.tche.
br/index.php/ensaios/article/viewFile/1781/2152>. Acesso em: 10 ago. 2012
LIMA, Thiago Arruda Queiroz. A assessoria jurídica popular como aprofun-
damento (e opção) do conteúdo político do serviço jurídico. Disponível em:
< http://www.urca.br/ered2008/CDAnais/pdf/SD1_files/Thiago_ARRUDA.pdf>.
Acesso em: 20 jun. 2012.
MACHADO. Antônio Alberto. Ministério Público – Democracia e Ensino Jurí-
dico. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2000
PAÇO DO LUMIAR. Lei nº 335 de 09 de outubro de 2006. Dispõe sobre o Plano
Diretor de Paço do Lumiar e dá outras providências. Paço do Lumiar, MA, 2006.
RIBAS, Luiz Otávio. Acesso à justiça e educação popular. Caderno de Textos
do xII Encontro da Rede Nacional de Assessorias Jurídicas Universitárias. Teresina:
EDUFPI, 2010.
146
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
1 Estudante de graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Membro do GAP. E-mail: alexsan-
der_rafael@hotmail.com
2 Estudante de graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Membro do GAP. E-mail: augusto@
machados.org
3 Estudante de graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Membro do GAP. E-mail: efavaron@
hotmail.com
4 Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Estudante de graduação de Filosofia pela UFRGS.
Membro do GAP. E-mail: felipe.moralles@gmail.com
5 Estudante de graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Membro do GAP. E-mail: janine_gar-
cia@hotmail.com
6 Graduado em Jornalismo pela PUCRS. Mestre em Antropologia Social pela UFRGS. Estudante de graduação
em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Membro do GAP. E-mail: joao.rosito@gmail.com
7 Estudante de Relações Internacionais pela UFRGS. Membro do GAP. E-mail: innocent_state@hotmail.com
8 Estudante de graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Membro do GAP. E-mail: zr.livia@
gmail.com
9 Estudante de graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Membro do GAP. E-mail: marianavi-
vian@live.com
10 Estudante de graduação em Gestão em Políticas Públicas pela UFRN. Membro do GAP. E-mail: sara_judy@
hotmail.com
147
prática extensionista como integrante do tripé universitário. A partir do
relato de três ações do grupo, sustenta-se que a extensão universitária
pode configurar-se como espaço de interação entre a universidade e a
sociedade, como meio de conhecimento da realidade social por parte dos
alunos e como instrumento de luta pela efetivação dos direitos humanos,
especialmente o direito à cidade e à moradia.
Os serviços jurídicos gratuitos universitários costumam integrar as
faculdades de direito como espaço de iniciação dos estudantes à prática
forense. Em geral, focam-se na oferta de assistência judiciária gratuita
destinada à população de baixa renda e constituem-se, muitas vezes, em
alternativas viáveis e de qualidade aos serviços ofertados pelas Defenso-
rias Públicas. Este tipo de atuação insere-se no tripé acadêmico ensino-
-pesquisa-graduação como disponibilização de um conhecimento gestado
na universidade à comunidade, sob forma de um serviço. Em geral, está
presente em outras unidades acadêmicas que não apenas as faculdades
de direito, como nas faculdades de medicina, odontologia e arquitetura,
áreas em que a “prática” tem destaque fático e simbólico nos currículos
e no imaginário dos cursos.
Existe, porém, diferenças de concepção e prática, de acordo com o
entendimento sobre extensão universitária. Sabe-se que as diversas pos-
sibilidades de ações em extensão comportam desde cursos destinados
ao público em geral, passam pela oferta de serviços especializados em
atendimento gratuito e chegam a práticas concebidas a partir de uma ideia
de engajamento político com o objetivo de mobilização por efetivação de
direitos.
As experiências do GAP apresentadas neste texto retratam um tipo de
prática extensionista entendida como prática política de mobilização pela
efetivação de direitos. O grupo insere-se no Serviço de Assessoria Jurídica
Universitária da Faculdade de Direito da Universidade Federal, fundado
em 1950, e, atualmente, um dos maiores e mais antigos programas de
extensão da universidade. Com 63 anos de existência, o SAJU atravessou
diferentes momentos históricos do ensino jurídico e teve, em seu formato,
148
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2 O SERVIÇO DE ASSESSORIA
JURÍDICA UNIVERSITáRIA DA UFRGS
11 O SAJU-RS e SAJU-BA são os serviços de assessoria jurídica universitária popular pioneiros no Brasil.
12 O estatuto do SAJU foi redigido em 2000 pelos estudantes e prevê os princípios, a forma de organização e
o funcionamento da instituição.
13 ESTATUTO DO SAJU. Disponível em <http://www.ufrgs.br/saju/sobre-o-saju/estatuto>. Acesso em:
25/07/2013. Art. 2o.
149
e a desvinculação a atividades de representação estudantil clássica14.
Como projeto de extensão, faz parte do tripé acadêmico conjuntamente
com o ensino e a pesquisa e caracteriza-se como extensão popular, na me-
dida em que proporciona a aproximação entre o ambiente acadêmico e a
sociedade, principalmente a seus segmentos mais vulneráveis socialmente.
O projeto passou por vários momentos ao longo da sua história, atuan-
do desde uma perspectiva assistencialista - nos anos 50 alterou a nomen-
clatura de “Serviço de Assistência Judiciária” para “Serviço de Assistência
Jurídica”- até a mudança na década de 80 para o referencial da assessoria
jurídica universitária popular (AJUP)15, momento em que alterou a sigla
para “Serviço de Assessoria Jurídica Universitária”. A mudança do termo
é justificada por Ivan Furmann16:
150
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
17 Alguns grupos do SAJU realizam oficinas sobre a temática do grupo e informação em direitos humanos nas
comunidades populares assistidas ou em outros locais como escolas e EJAs de Porto Alegre.
18 O caso da Vila São Pedro consta no site do Ministério das Cidades como exemplo em regularização fun-
diária. Encontra-se disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNPU/Biblioteca/
RegularizacaoFundiaria/Experiencia_Regularizacao_Porto_Alegre.pdf, acesso em: 20/07/2013.
151
pelo GAP, via acordo judicial a Concessão de Uso Especial para fins de
Moradia Coletiva.
A partir de 2003 o grupo atualizou formalmente o projeto para Abrigando
a Cidadania, o qual permanece até hoje. Atualmente, o objetivo geral do
projeto é contribuir para a capacitação, orientação e fortalecimento dos
moradores de áreas irregulares de ocupação habitacional para que eles
possam se reconhecer como agentes de transformação de suas realidades
e entender que esse mesmo contexto também influencia na sua formação
como sujeito social. Entende-se que essa conscientização e a mobilização
comunitária são ferramentas potencializadoras para efetivar a garantia
Constitucional de moradia adequada. Para os estudantes extensionistas,
forma-se o conhecimento através do estudo e aprofundamento teórico-
-político sobre o tema e da prática engajada com a realidade social que
proporcionam uma experiência de contato com situações concretas de
violações de direitos fundamentais, contribuindo na formação acadêmica
de qualquer profissão.
O método de trabalho desde o início da concepção do grupo foi a
assessoria jurídica universitária popular (AJUP), alinhando-se às concep-
ções introduzidas ao SAJU na década de 80. Tal prática está voltada para
a promoção do acesso à justiça às populações vítimas da desigualdade
social, buscando a garantia de efetivação dos direitos humanos através
de mecanismos jurídicos, políticos, educativos e outros. Nesse sentido,
ao buscar uma definição da Assessoria Jurídica Popular, referiu Luis
Otávio Ribas19:
19 RIBAS, Luis Otávio. Assessoria Jurídica Popular Universitária. Captura Críptica: direito, política e atualidade,
Florianópolis, v. 1, n. 1, p.249-250, dez. 2008.
152
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
20 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
21 FÓRUM ESTADUAL DE REFORMA URBANA. Disponível em: < http://reformaurbanars.blogspot.com.br/>.
Acesso em: 18/07/2013.
22 ALFONSIN, Jacques Távora. Assessoria jurídica popular. Breve apontamento sobre sua necessidade, limites
e perspectivas. In: IV ENCONTRO INTERNACIONAL DE DIREITO ALTERNATIVO. Direito e direitos: Democracia,
Constituição e Multiculturalismo. 1998, Florianópolis.
153
participantes pudessem refletir em uma perspectiva crítica, didática e di-
vertida sobre o modelo de cidade que temos atualmente, entendendo as
correlações de poder e interesses vivenciados no nosso contexto social”23.
O jogo simulava uma gestão administrativa municipal em que os
jogadores fariam o papel dos gestores da cidade- GAPilândia- e enfrenta-
riam problemas reais do meio urbano relacionados a temática de direito
à cidade, tais como: acesso à terra, regularização fundiária e acesso a
serviços públicos fundamentais como rede de abastecimento de água,
esgoto e transporte.
Cada grupo de participantes recebia uma quantia em dinheiro para
investir com autonomia no orçamento na cidade- que a cada rodada
apresentava uma série de problemas a serem resolvidos pelo gestor.
Todas as escolhas gerariam consequências pré-determinadas pelo grupo
que produziu o jogo, sendo que algumas eram benéficas para a cidade.
Assim a experiência foi descrita pelos integrantes do GAP24:
23 PETERS, Antonia et al. O jogo da cidade. Revista do SAJU: para uma visão crítica e interdisciplinar do direito,
Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 130-131, dez. 2011.
24 Ibid.,p. 133-134.
25 O direito à moradia é um direito social consagrado no art. 6º da Constituição Federal, bem como há, na
Carta Magna, um capítulo específico destinado à política urbana.
154
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
26 Segundo o IBGE o aglomerado subnormal “É um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habi-
tacionais (barracos,casas etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo
ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em
geral, de forma desordenada e densa”. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
censo2010/aglomerados_subnormais/agsn2010.pdf
27 Blog do FNRU, disponível em: < http://www.forumreformaurbana.org.br/>. Acesso em: 26/07/2013.
155
Como trabalhar com o povo e a partir dos ensinamentos destes o grupo
definiu que: “a ação central do Abrigando a Cidadania não poderia ser
outra senão a educação popular”28. O método utilizado pelo grupo na
época era o de pesquisa-ação, ou seja, sobrepor o momento investigativo
com o momento participativo. A investigação tratava-se do estudo por
parte do grupo e a ação se dava por meio de oficinas de capacitação nas
quais, através de dinâmicas interativas, se fazia uma comparação entre
a realidade da comunidade e a situação a que se queria chegar como
ponto de partida para o traçado das metas e estratégias para alcançar o
resultado pretendido29.
Tal envolvimento comunitário é fundamental na perspectiva da asses-
soria jurídica popular, pois se entende que somente a partir da conscienti-
zação coletiva, da desmistificação do conhecimento do qual o advogado
seria o detentor, é possível a emancipação social. Trata-se de uma forma
insurgente de se atuar através do Direito, quebrando o paradigma da
relação cliente e advogado, de forma a garantir o acesso à justiça a po-
pulações à margem na sociedade e do sistema jurídico. Como explica a
ex-integrante do GAP Carolina Vestena30:
28 KONZEN, Lucas e BERNI, Paulo. Direito na 1ª pessoa do plural: fazendo extensão nas vilas de Porto Ale-
gre. Revista do SAJU: para uma visão crítica e interdisciplinar do direito / Serviço de Assessoria Jurídica
Universitária da Faculdade de Direito da UFRGS. Edição especial, nº 5. Porto Alegre: Faculdade de Direito
da UFRGS, 2006, p. 131.
29 Ibid.,p. 131.
30 VESTENA, Carolina Alves. Limites e perspectivas de interação comunitária: reflexões do projeto Abrigando
a Cidadania. Revista do SAJU: para uma visão crítica e interdisciplinar do direito, Porto Alegre, vol. 6, nº1.
p.107, 2010.
156
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
31 O advento do Estatuto da Cidade e da Medida Provisória 2.220, ambos de 2001, reconheceram o direito
à moradia das famílias ocupantes de áreas públicas, permitindo a essas famílias reivindicar seu direito judi-
cialmente, caso o proprietário da área não fornecesse administrativamente a denominada Concessão de Uso
Especial para Fins de Moradia – CUEM.
32 MULLER, Cristiano; DE AZEVEDO, Karla Fabrícia Moroso S; BORGES, Viviane Florindo. A luta pelo direito
à moradia da Vila São Pedro- a regularização fundiária enquanto política de acesso a terra urbanizada. II
Congresso Internacional: Sustentabilidade e Habitação de Interesse Social, Porto Alegre, maio 2012.
157
para Bogotá na Colômbia, os trabalhos desenvolvidos por aquela ONG
foram retomados pelo CDES (Centro de Direitos Econômicos e Sociais) e
novamente pelo GAP-SAJU.
Atualmente, luta-se pelo registro público da CUEM, bem como pela
regularização urbanística da área. As atividades retomadas consistem em:
mobilização e encontros na comunidade, reuniões com o poder público e
utilização do espaço da V Conferência Estadual das Cidades para divulga-
ção da situação fundiária das comunidades irregulares em Porto Alegre.
Percebe-se novamente o uso das mesmas estratégias bem sucedidas em
2006: mobilização da comunidade através da criação do Grupo de Tra-
balho da São Pedro, incidência no poder público com a oitiva por parte
do Governo do Estado dos moradores e líderes comunitários, informação
da comunidade através de reedição de um jornal de circulação interna e
reuniões entre o GT, o GAP-SAJU e o CDES.
Entende-se que a luta da comunidade já trouxe avanços ao garantir a
posse coletiva da área, mas resta imprescindível para a garantia do direito à
moradia e mudança da condição de aglomerado subnormal a urbanização
e construção das unidades habitacionais no local.
33 MORAES, Aldovan de Oliveira. Poder público municipal e habitação de interesse social em Porto
Alegre. Vol. II. 7. ed. [s. ed.]: Porto Alegre, 2011.
158
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
34 Ibid.
159
quando uma reunião foi convocada por uma líder comunitária, presidente
do grupo de mães, e por uma professora da UFRGS, que desenvolve um
projeto de memórias da comunidade. Os relatos trouxeram um amplo
espectro de problemas, desde questões pessoais, como a separação de
corpos de um casal e a perda da moradia, até denúncias de favorecimen-
tos políticos nas concessões. Interessou-nos sobretudo as violações de
direitos à moradia e à cidade dos moradores, como as falhas construtivas
das moradias, o não acesso aos contratos de concessão de uso, e a au-
sência do serviço de entrega de correspondência particular nos domicílios
da região, não obstante a regular cobrança de luz, água e a contribuição
social. Tem-se, portanto, de um lado, moradias com vícios construtivos
e sem a devida documentação que lesam o direito à moradia e colocam
a população em risco; de outro, a não prestação de um serviço público
essencial pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a reforçar a his-
tória discriminação de comunidades populares na cidade de Porto Alegre.
160
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
161
com os moradores, a falta de correspondência.
Esses entraves são de difícil superação, pois são várias as ruas e muitas
as casas para recolhimento da assinatura dos moradores. Assim, o grupo
vem articulando lideranças comunitárias que auxiliem na empreitada. Um
obstáculo a ser superado são os grupos de interesse antagônicos existentes
na comunidade, em parte pela vinculação de alguns líderes comunitários
a partidos políticos, em parte por desentendimentos pessoais entre esses
líderes. Atualmente buscamos estabelecer uma ponte entre as lideranças
com a ajuda de membros do Fórum Estadual de Reforma Urbana (FERU).
Nesse meio tempo, chegou-nos a informação ainda de que a Defensoria
Pública da União tem abordado o tema da falta de entrega da correspon-
dência em outras comunidades de Porto Alegre. Desse modo, enviamos
um ofício direitos humanos e tutela coletiva para viabilizar a atuação da
instituição também em relação à Vila Dique. Portanto, o grupo pretende,
além de seguir a via administrativa de nomeação dos logradouros, tam-
bém abrir uma via judicial para obrigar a Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos à prestação do serviço público essencial à comunidade da
Vila Dique.
37 ALFONSIN, Betânia Moraes. Urbanizador social: emergência de um novo paradigma para a democratização
do acesso à terra em Porto Alegre. Revista do SAJU, n.5, 2006, p.76 ss.
162
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
163
que lhe rendeu inclusive um prêmio recentemente (Selo de Mérito 2013 -
Relevância Social). Porém, em auditoria feita pelo Tribunal de Contas da
União, avaliou-se a execução das obras de construção das habitações na
Nova Dique e constataram-se muitas falhas graves na execução do projeto.
Elas poderiam ter gerado a interdição da obra, o que não ocorreu devido
ao estágio avançado na execução (97% concluída) ao tempo da auditoria.39
As deficiências construtivas foram sentidas imediatamente pelos
moradores. Ao receberem as casas, deparavam-se com pisos quebrados,
canos estourados e paredes rachadas. Assim, muitos tiverem de gastar
suas economias, senão sacar seu FGTS, para tornar os espaços habitáveis.
O GAP ainda estuda um meio de compensar essas perdas, o que ocorre-
ria provavelmente por meio de uma ação civil pública contra a empresa
outrora licitada.
164
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
165
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
166
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
167
PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal. Decreto 10.789/93. Disponível: < www2.
portoalegre.rs.gov.br/netahtml/sirel/atos/Decreto%2010789>. Acesso em:
26/07/2013.
RIBAS, Luis Otávio. Assessoria Jurídica Popular Universitária. Captura Críptica:
direito, política e atualidade, Florianópolis, v. 1, n. 1, p.246-254, dez. 2008.
VESTENA, Carolina Alves. Limites e perspectivas de interação comunitária: refle-
xões do projeto Abrigando a Cidadania. Revista do SAJU: para uma visão crítica
e interdisciplinar do direito, Porto Alegre, vol. 6, n. 1. p.105- 128, 2010.
168
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1 Mestranda em Ordem Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Universidade Federal do Ceará –
UFC. Advogada. grangeiro.adv@gmail.com
2 Mestranda em Ordem Constitucional pela Universidade Federal do Ceará. Universidade Federal do Ceará –
UFC. Advogada. samiramacedop@gmail.com
169
Dentre os diversos pontos debatidos está a formação de profissionais
com foco na sustentabilidade e adoção de uma perspectiva humanista do
Direito, pelo que o momento atual do ensino jurídico está propício à dis-
cussão sobre o conteúdo das grades curriculares das Faculdades de Direito.
Neste artigo avalia-se a importância do estudo do Direito Urbanístico
nas instituições de ensino jurídico, por entender-se que ele pode, e muito,
contribuir para a formação de profissionais mais voltados à sustentabili-
dade do desenvolvimento das cidades e à perseguição do bem-estar do
homem inserido na coletividade.
Além disso, analisa-se o tratamento direcionado a essa matéria nos
currículos jurídicos, através do estudo das diretrizes curriculares e, por
fim, realiza-se uma pesquisa para avaliar esse tratamento nas grades
curriculares das instituições de ensino superior do Ceará que possuem
curso de Direito reconhecidos pelo Ministério da Educação.
Para o desenvolvimento do trabalho, utilizou-se pesquisa bibliográ-
fica, pesquisa em sítios eletrônicos atualizados, pesquisa detalhada da
legislação constitucional e infraconstitucional que tratam sobre o tema
proposto, além de pesquisa para estudo comparado - através de entre-
vista com coordenadores dos cursos e de dados dos sítios eletrônicos
oficiais - do tratamento dedicado ao Direito Urbanístico nas instituições
de ensino superior do Ceará que possuem o curso de Direito reconhecido
pelo Ministério da Educação.
1 A AUTONOMIA E A IMPORTâNCIA
DO DIREITO URBANÍSTICO NO ENSINO JURÍDICO
170
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva. 2003, p. 491.
4 SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34.
5 Ibid. p. 50.
171
É nesse sentido que Edésio Fernandes6 defende a autonomia do Direito
Urbanístico, dispondo ainda que:
6 FERNANDES, Edésio. Do Código Civil ao Estatuto da Cidade algumas notas sobre a trajetória do Direito Urba-
nístico no Brasil. Revista URBANA, Caracas, v. 7, n. 30, jan. 2002. Disponível em: <http://www2.scielo.org.
ve/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0798-05232002000100004&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 16 ago. 2013.
7 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo.18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
8 HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e função socioambiental da propriedade imóvel
urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
9 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 109
10 SILVA. op. cit., p. 40
11 SILVA, op. cit., p. 44.
12 MUKAI, Toshio. Direito urbano e ambiental. 3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 30
172
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
13 FERNANDES, op.cit.
173
Direito, conforme determina a Resolução CNE/CES nº 09/2004 (diretrizes
curriculares nacionais do curso de graduação em Direito).
Ademais, a Constituição Federal destacou a autonomia do Direito
Urbanístico no artigo 24, inciso I, ao tratar da competência para legislar
sobre esse ramo do Direito: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário,
financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...]”
A Lei Magna, inclusive, possui capítulo exclusivamente destinado a
tratar da política urbana, sendo pioneira na definição de um conceito
para a função social da propriedade. Isto porque, apesar de a função
social da propriedade ter sido inserida no texto constitucional desde
a Constituição de 1934, somente com a promulgação da Constituição
Federal de 1988 estabeleceu-se um conteúdo para esse princípio (artigo
182, parágrafo segundo).
Regulamentando as disposições constitucionais acerca da política ur-
bana foi editado o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), que concentrou
as normas gerais sobre Direito Urbanístico, além de possibilitar maior
unidade às normas municipais, pelo estabelecimento de diretrizes gerais,
o que permitiu uma melhor compreensão desse ramo do Direito.
Ainda, com o Estatuto da Cidade foram incorporados novos institutos
ao Direito Urbanístico – transferência do direito de construir, outorga
onerosa do direito de construir, operações urbanas consorciadas etc. – o
que veio a reforçar a autonomia desse ramo do Direito.
Uma vez reconhecida a autonomia desse ramo do Direito e tendo-se
exposto a relevância de seu objeto para a persecução do bem-estar do
homem na comunidade, bem como diante da inseparável relação diaria-
mente travada entre homem e cidade, fica clara a importância da matéria
de Direito Urbanístico no ensino jurídico, que, numa visão crítica, busca a
formação de profissionais aptos a atuar diante das diversas necessidades
da comunidade em que estão inseridos e servir de instrumento para as
necessárias mudanças sociais.
174
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2 AS DIRETRIZES CURRICULARES E
O ENSINO DE DIREITO URBANÍSTICO
14 MOSSINI, Daniela Emmerich de Souza. Ensino Jurídico: história, currículo e interdisciplinariedade. 2010.
249 f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 118.
15 LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Educação, currículo e diretrizes curriculares no curso de Direito:
um estudo de caso. 2009. 505 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2009, p. 270.
175
gatoriamente, como se extrai do termo “deverá” presente na norma, no
Projeto Pedagógico e na organização curricular das instituições de ensino
superior de Direito.
176
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
177
lidade de vida dos cidadãos e sustentabilidade das cidades.
Tudo isso fundamenta a necessidade de interferência estatal com o
objetivo de ordenar os espaços habitáveis17, utilizando essencialmente
os institutos que compõem o Direito Urbanístico.
Contudo, indaga-se com que eficiência serão utilizados e debatidos
esses institutos caso os operadores de direito não tenham formação ade-
quada nesse assunto e não sejam estimulados à pesquisa na área, que,
como exposto no capítulo anterior, possui todos os fundamentos de uma
disciplina autônoma, passível de estudo, ensino e pesquisa autônomos,
embora utilizando-se da interdisciplinariedade, presente em todas as
demais disciplinas.
Nesse sentido, a pesquisa no âmbito do Direito Urbanístico enfrenta
restrições em razão do pouco desenvolvimento do ensino dessa matéria,
isso porque há uma intrínseca relação entre o ensino, a pesquisa e a ex-
tensão, disposta no art. 207 da Constituição Federal de 1988 e no art. 2º,
§1º, VIII da Resolução CNE/CES nº 9/2004, que implica em uma interde-
pendência entre eles. Dessa maneira, a ausência do ensino, desestimula
a pesquisa e a atuação dos profissionais do Direito nessa área jurídica.
Diante do exposto, considera-se que a pesquisa em Direito Urbanís-
tico e a própria ciência pode ser estimulada, desenvolvida e incentivada
através do oferecimento de disciplina própria do tema. Contudo, não se
pode torná-la uma disciplina necessariamente obrigatória nas grades cur-
riculares, até mesmo em coerência com as diretrizes curriculares e com a
autonomia curricular das instituições de ensino superior.
O que se almeja é a conscientização da dinamicidade dos currículos
jurídicos - que devem se adaptar aos contextos sociais - e da atual impor-
tância do Direito Urbanístico para assegurar direitos como o da moradia
adequada, do meio ambiente equilibrado, da mobilidade social, entre
outros, que estão diretamente relacionados com o ambiente urbano e
com a qualidade de vida dos cidadãos.
Soma-se a isso à percepção de que os operadores de direito são os
178
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
18 MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 151.
179
O Estado do Ceará possui atualmente dezenove instituições de ensino
superior que possuem o curso de Direito reconhecido pelo MEC, quais
sejam, o Centro Universitário Christus (UNICHRISTUS), o Centro Universi-
tário Estácio do Ceará (FIC), a Faculdade Católica Rainha do Sertão (FCRS),
a Faculdade Cearense (FAC), a Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor
Leão Sampaio (FLS), a Faculdade de Ensino e Cultura do Ceará (FAECE), a
Faculdade de Fortaleza (FAFOR), a Faculdade do Vale de Jaguaribe (FVJ), a
Faculdade Farias Brito (FFB), a Faculdade Integrada Grande Fortaleza (FGF),
a Faculdade Luciano Feijão (FLF), a Faculdade Metropolitana da Grande
Fortaleza (FAMETRO), a Faculdade Nordeste (FANOR), a Faculdade Paraíso
do Ceará (FAP), a Faculdade Sete de Setembro (FA7), a Universidade de
Fortaleza (UNIFOR), a Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA), a
Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Universidade do Cariri (URCA).
Constatou-se na pesquisa que três tratamentos são direcionados à
matéria de Direito Urbanístico nas dezenove referidas faculdades, quais
sejam, algumas delas trazem a matéria em uma disciplina própria obri-
gatória, outras trazem a matéria em disciplina própria em caráter eletivo,
ou seja, sem a obrigatoriedade, e outras não dispõem de uma disciplina
intitulada de Direito Urbanístico, mas possuem disciplinas com alguns
conteúdos similares a essa disciplina, como o Direito Ambiental, o Direito
da Cidade ou o Direito Municipal.
Dentre as instituições submetidas à pesquisa, seis delas, quais sejam,
a Faculdade Cearense (FAC), a Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor
Leão Sampaio (FLS), a Faculdade do Vale de Jaguaribe (FVJ), a Universidade
do Cariri (URCA), a Faculdade Nordeste (FANOR) e a Faculdade Luciano
Feijão não possuem a disciplina exclusiva para Direito Urbanístico, nem
mesmo como optativa. Entretanto verificou-se que todas elas possuem
disciplinas como Direito Ambiental ou Direito Municipal que, de alguma
maneira, limitadamente abordam aspectos do Direito Urbanístico. No caso
da Faculdade Nordeste, por exemplo, é oferecida a disciplina de Direito
das Cidades, abrangendo o Direito Urbanístico e o Direito Ambiental. Da
mesma forma, a Faculdade Luciano Feijão oferta em caráter obrigatório
180
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
181
valoriza a autonomia da matéria em um contexto histórico e social que,
como já destacado, impele estudos mais aprofundados.
CONCLUSÃO
182
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
183
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
185
possuidores em razão da tutela de direitos difusos e alcançando a insti-
tucionalização de direitos.
2 PREMISSAS DO CAMPO
3 Warat, L. A. Mitos da Interpretação da Lei. 1979 Define o senso comum teórico como uma montagem
de noções, representações - imagens - saberes, presentes nas diversas praticas jurídicas, que governam os da-
dos da realidade, assegurando a reprodução dos valores e práticas predominantes. Constitui um agregado
de normas que disciplinam ideologicamente o trabalho dos juristas.
4 Warat, L. A. (1979), op. cit, p. 75
5 Warat, L. A. (1979), op. cit, p. 31.
186
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6 Neste papel eles cumprem funções, tais como: 1) função mítica da consolidação das crenças jurídicas;
2) função redefinitória enquanto podem ser utilizados como um "relato despido de sua função explicativa,
embora mantenham a aparência e gerem a ilusão de funcionar como tal"
7 “Os lugares ideológicos são fórmulas para reconhecer nos diferentes discursos a mesma voz ética”. Warat,
L. A. (1979), op. cit., p. 66.
8 Warat, L. A. (1979), op. cit, p. 67.
9 MARQUES, C. L. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
10 CAVALLAZZI, R. L. O Plano da Plasticidade na Teoria Contratual. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro.
UFRJ,1993.
187
método estudo de caso, embora apropriado, exigia análise integral do
caso escolhido e, mais ainda, trazia em seu bojo a implícita abordagem do
sociólogo, não necessariamente imprescindível à demonstração da tese no
plano jurídico. Tornou-se uma exigência em virtude da complexidade da
pesquisa e, principalmente em razão da tradição dos métodos da herme-
nêutica jurídica, encontrar um procedimento mais suave, mas ao mesmo
tempo, suficientemente pertinente e estruturado para a demonstração das
práticas sociais inerentes ao quadro conceitual construído no campo no
campo do Direito Urbanístico.
188
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
12 “A cidade tem uma história; ela é a obra de uma história, isto é, de pessoas e de grupos bem determinados que
realizam essa obra nas condições históricas.” (2006:46/47). Interessante é que Lefebvre trabalha o tempo todo
a cidade dentro da dicotomia obra (uso) e produto (troca), chegando a dizer que ela foi, historicamente, mais
obra do que produto, o que se modifica no quadro do capitalismo, ainda mais se pensarmos no século xxI,
quando a cidade é em si mercadoria.
13 LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade, 2006, p.143
14 (LEFEBVRE, 2006: apresentação). Essa ideia é defendida por Lefebvre acerca da sociedade urbana, mas
como adepto do método dialético, é possível transportarmos tal afirmativa para a compreensão do filósofo
francês acerca do direito à cidade, uma vez que não podemos “fechar” tal perspectiva.
189
regularização fundiária –, à educação, ao trabalho, à saúde, aos
serviços públicos – implícito o saneamento –, ao lazer, à seguran-
ça, ao transporte público, à preservação do patrimônio cultural,
histórico e paisagístico, ao meio ambiente natural e construído
equilibrado – implícita a garantia do direito às cidades sustentá-
veis como direito humano na categoria dos interesses difusos.
(CAVALLAZZI, 2007, p. 56)
190
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
17 Loteamento é espécie de parcelamento do solo, que pode se dar das seguintes maneiras:
191
real do espaço se dá simbolicamente através de leis e regras que legitimam
ou não tal apropriação, temos como fato inconteste a inadequação de
diversas situações fundiárias, ou seja, não há eficácia social, no sentido
do reconhecimento do critério da legitimidade, da norma jurídica, espe-
cialmente daquela definida pelo art. 1.245 do novo Código Civil18, segundo
a qual “só é dono quem registra”.
Portanto, nosso trabalho de pesquisa no campo (mediante o caso
- referencia) parte do reconhecimento de que a posse ad usucapionem
é propriedade, conforme a melhor doutrina, já que tendo o possuidor
atingido os requisitos adquire a propriedade, direito que pode, inclusive,
ser argumentado em eventual defesa. Assim, nos parece extremamente
equivocado não reconhecer o direito dos moradores de favelas, sob o ponto
de vista legal, como proprietários da terra em que construíram suas casas.
Esse não reconhecimento constitui uma série de implicações jurídicas
e sociais, sendo a mais grave delas o que se denomina de “insegurança na
posse”. Essa insegurança é traduzida no medo do morador de ser obrigado
a sair de sua moradia, pois embora o ordenamento reconheça a posse
como um direito, a propriedade (devidamente transcrita no Registro Geral
de Imóveis) é tratada como um direito maior, inclusive segundo o senso
comum, em grande medida em razão das normas relativas à ocupação
e propriedade da terra estabelecidas desde o início do processo de colo-
nização19. E assim explica-se o fato dos possuidores estarem vulneráveis
a despejos, seja por uma ação judicial do proprietário, seja por algum
programa do Poder Público (de regularização fundiária ou remoção).
Portanto, na tentativa de instrumentalizar moradores de favelas na
defesa de sua posse ad usucapionem, entendemos que o melhor cami-
nho, no processo de reconhecimento pleno dos direitos do possuidor,
a fim de promoção da segurança jurídica, seria priorizar o plano da
propriedade e através da ação de usucapião ver declarada e registrada
a propriedade privada.
18 “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.§
1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.”
19 Na época colonial, inclusive a posse é crime, o que acontece também no advento da Lei de Terras (1850).
192
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
3 APRESENTAÇÃO DO CASO-REFERÊNCIA
20 Esta afirmação parece ser bem comum a todos os que tratam do tema, mas estudiosos respeitados, como
ABREU (1994), VALLADARES (2005), BARBOSA (MENDES, 2005) vão relatar a existência simultânea de diversas
ocupações na cidade, como o morro de Santo Antônio, a Mangueira e a Quinta do Caju.
193
de diversos PAAs e PALs21 elaborados pela Prefeitura da Cidade do Rio de
Janeiro, bem como por relato de CARDOSO et al (1987, pp.76-77):
21 PAA (Projeto Aprovado de Alinhamento) – Define o traçado dos logradouros, separando o espaço públi-
co das parcelas privadas ou de outros bens públicos. PAL (Projeto Aprovado de Loteamento) – Projeto de
parcelamento da terra, podendo ser efetuado através de Loteamento ou Desmembramento ou através de
Remembramento – neste projeto são identificados os lotes e suas dimensões. Ambos são projetos elaborados
e aprovados por técnicos da Prefeitura Municipal e estão disponíveis na Secretaria Municipal de Urbanismo
(SMU). Para referências completas sugerimos a leitura de GUIMARÃES, I.B.B. ; PEREIRA, T. C. G., 2012, p.160.
194
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
195
um teleférico ligando o Morro da Providência à Estação Central
do Brasil e a Gamboa, o plano inclinado, remoção de habitações
em área de risco e construção de novas moradias, além das obras
de infraestrutura e pavimentação que já estão sendo realizadas
nas partes baixas e proximidades do morro (p. ex. na rua Ebroino
Uruguai e na rua Barão da Gamboa).
(GUIMARÃES, I.B.B. ; PEREIRA, T. C. G., 2012, ps.165/166)
22 “[...] os técnicos da Prefeitura chegam sem crachá ou uniforme e não dizem qual seu objetivo; perguntam
quantas pessoas moram ali, fotografam, cadastram (alguns moradores achavam que o cadastro era para o
programa Bolsa Família) e quando o morador repara, sua casa foi marcada com a sigla SMH e um número,
que não sabem o que significa.” (PEREIRA; RIBEIRO, 2012)
23 Chegou-se ao absurdo do Prefeito editar o Decreto 34522/11 que traz as “diretrizes para a demolição
de edificações e relocação de moradores em assentamentos populares”, ressaltando a possibilidade de sua
aplicação a situações de emergência, “tais como incêndios, enchentes, desabamentos e despejos” (grifos
nossos). Esse Decreto define o procedimento para a demolição, as alternativas que os moradores têm, e traz
um formulário e uma tabela que indicam os valores máximos a serem pagos de indenização por conta dos
materiais e condições de conservação das casas (benfeitorias). Como já afirmamos esse “Decreto, portanto,
reforça a vulnerabilidade não só dos moradores da Providência mas de todos os moradores de assentamentos
urbanos informais na cidade do Rio de Janeiro, pois ao dispor sobre possibilidades de remoção e demolição
de casas o faz desconsiderando o valor da terra, os laços construídos na comunidade e estabelece o despejo
como uma situação de emergência, o que é absurdo.” (PEREIRA; RIBEIRO, 2012)
24 O que é causa de perda da propriedade, conforme art.1275, II do novo Código Civil.
196
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 PROPOSTA METODOLóGICA
197
números de casas que aparecem no último PAA da rua e solicitar certidões
de ônus reais. Pode ter resultados positivos.
Por fim, sem qualquer resposta positiva, ou se o objetivo for a constru-
ção de toda a cadeia sucessória da propriedade do imóvel, é preciso buscar
no 1º RGI25 uma certidão “desde a fundação”26 do imóvel; buscar no Arquivo
Nacional e municipal as escrituras públicas antigas, ou eventualmente,
no setor de situação enfitêutica na Prefeitura,ou no Serviço de Patrimônio
da União, no caso de terras públicas ou em que haja divisão dominial.
No âmbito da posse, o ideal é entrevistar moradores antigos para que
contem suas histórias de chegada à favela, e muitas vezes a Associação
de Moradores funciona como um “cartório” local, com registro de trans-
ferência de bens entre possuidores. Esses relatos e documentos ajudam
a construir a história da formação da comunidade.
Levantados esses dados, começamos a trabalhar com imagens:
identificamos o perímetro pesquisado no google maps e outros recursos
tecnológicos para em seguida “desenhar” as informações constantes nos
documentos (RGI, PAAs e PALs),27 confrontando-as e tentando compre-
ender se e como o que foi planejado efetivamente se concretizou. Assim,
construindo uma visão jurídico-urbanística integrada.
5 APLICAÇÃO DA METODOLOGIA
25 No caso da cidade do rio de Janeiro é o 1º RGI que detém o registro de todas as propriedades imóveis
antes de 1920.
26 Fundação do RGI ressalte-se.
27 O LADU (Laboratório de Direito e Urbanismo), grupo de pesquisa vinculado ao PROURB/FAU/UFRJ, vinculado
ao Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, coordenado pela primeira autora, tem como integrantes, além
de juristas, arquitetos e urbanistas, que pesquisam segundo uma abordagem interdisciplinar estabelecendo o
diálogo entre o direito e o urbanismo.
198
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
28 Nessa área se localizavam depósitos e armazéns, um grande mercado de comércio de escravos e também
o cemitério para os negros que morriam nas viagens ou no próprio mercado.
29 Era preciso eleger um lugar específico no morro, pois se trata de ocupação antiga, numa área com 3.443
moradores em 930 domicílios, excluídos desse cômputo a comunidade da Pedra Lisa, com 221 moradores
em 53 moradias e a Moreira Pinto, com 282 pessoas em 66 domicílios. (fonte: Instituto Pereira Passos/PMRJ)
30 A certidão histórica do local registra toda a cadeia sucessória da propriedade desde a fundação do 2º RGI
(de 27 de outubro de 1927 a 15 de junho de 2012).
199
anterior a essa. A certidão do 1º RGI não apresentou nova informação
(“nada consta”) e a pesquisa realizada no Arquivo Nacional também não
resultou frutífera. O interessante é que esse registro diz respeito a uma
área com 23.600m², e não faz menção a nenhum tipo de lote ou PAL na
mesma, o que indica que não houve parcelamento registrado do solo após
1956. A certidão nomeia ainda os proprietários de imóveis confrontantes,
inclusive nos fundos do imóvel, o que nos demonstra que toda essa área
era ocupada tinha proprietários com registro, e não posseiros. O desenho
feito a partir das informações contidas na certidão foi o seguinte:
Desenho 01: Imóvel sito à Rua Barão da Gamboa, 21, conforme o último registro no 2ºRegistro Geral do
Imóvel. Matrícula 86.812.
Fonte: LADU/PROURB/FAU/UFRJ.
200
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201
tura de compra e venda não registrada, mas reconhecida pelo Município
à época por ocasião da elaboração do PAL como um justo título. Assim,
a Organização Rubens Berardo S/A seria a última proprietária irregular
do imóvel sito a Rua Barão da Gamboa, 21.
31 Endereço informal, claro, mas constante nas contas de luz e no carnê de IPTU.
202
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32 A Lei 601, de 18 de setembro de 1850 estabelecia a obrigação de registrar as terras possuídas perante os
vigários das paróquias (Registros do Vigário). A verdade é que “(...)no Brasil o sistema de propriedade territorial
estava em completa balbúrdia e quase que em parte alguma se podia dizer com certeza se o solo era particular
ou público” (SILVA, 2008 apud ROCHA et al, 2010, p.62)
203
Embora haja clara referência a casas, quando desenhadas na forma real
de ocupação da área elas não são precisas, ou seja, a partir deste desenho
verificamos que o PAA 8188 foi morfologicamente modificado. Além desse
fato também foi observado que a casa de D. Lúcia, nossa principal fonte,
não se encontrava no perímetro pesquisado (desenho 03).
6 CONCLUSÃO
204
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
205
terra que ocupam – no caso da Providência há mais de um século – os torna
vítimas de um discurso que não reconhece sua verdadeira condição: a de
proprietários lato sensu, ou por sua posse ad usucapionem, ou pela mera
ausência de efetivação de registro da alienação da propriedade, o que é
extremamente dificultado pelo procedimento jurídico imposto, conforme a
pesquisa mostrou, e que resulta numa realidade completamente apartada
do rigor das instituições, num círculo vicioso.
Portanto, é preciso considerar a necessidade do reconhecimento de
um conceito ampliado de direito à propriedade, que chamamos aqui de
propriedade lato sensu. Não é possível definir o proprietário apenas pelo
registro, mesmo porque diversas pesquisas apontam para uma história
fundiária no país em que os registros são confusos e injustos, quando não
fraudados. E, principalmente, porque a própria norma reconhece diversas
situações jurídicas válidas de aquisição da propriedade, como do nosso
caso-referência. Acreditamos que esse entendimento poderá reduzir as
diversas formas de vulnerabilidade, inclusive a simbólica, em diferentes
espaços, em diferentes projetos e concretizar o direito à cidade para todos.
REFERÊNCIAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
207
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1 Professor Adjunto dos cursos de Graduação e Mestrado em Direito da UEL – Universidade Estadual de Lon-
drina. Doutor em Direito da Cidade. Colaborador e Coordenador temporário do Projeto Integrado de Extensão
e Pesquisa LUTAS: Formação E Assessoria Em Direitos Humanos; Universidade Estadual de Londrina; E-mail:
miguel.etinger@gmail.com.
2 Acadêmica do Quarto Ano do Curso de Direito, bolsista de iniciação científica pela Fundação Araucária
de Apoio à Ciência e Tecnologia do projeto de pesquisa Direito à Moradia: Aplicabilidade e Efetividade Dos
Instrumentos Jurídicos na Região Metropolitana De Londrina/PR e colaboradora no projeto de pesquisa e
extensão: Lutas: formação e assessoria em Direitos Humanos; Universidade Estadual de Londrina; E-mail:
dcmaito@gmail.com;
3 Professora assistente de Direito Penal e Processo Penal na Universidade Estadual de Londrina. Especialista
em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade Estadual de Londrina e mestre em Teoria e Filosofia do Direito
pela Universidade Federal de Santa Catarina.
209
consistiam na construção de uma cancha de bocha4 e outra cancha de
malha5 além da existente, bem como passarelas e canteiros de flores em
local antes utilizado pelas mães e crianças para a recreação, alterações
essas feitas sem a oitiva da comunidade. Ademais, quando as informações
referentes a essa reforma eram solicitadas, o poder público não a fornecia.
Em um segundo momento, ainda que pese a não solução do conflito
anterior, surge um novo problema: um projeto de construção de uma
quadra poliesportiva na mesma praça, projeto esse não precedido de
consulta popular. Além disso, quando os moradores das adjacências da
praça requisitavam junto aos órgãos públicos o acesso a esse projeto, ele
era negado.
Em ambos os casos, referentes ao mesmo bem público, foi possível
observar que, além de não haver participação popular na escolha do que
seria feito com esse patrimônio da coletividade, informações referentes
a ele foram negadas pela administração pública quando solicitadas pela
comunidade. Sabe-se que o acesso à informação é indispensável para
que se alcance qualquer participação popular e, sua falta faz com que a
população esteja totalmente alheia às decisões concernentes a ela. Além
disso, nesses processos houve também a não observância da Gestão De-
mocrática da Cidade, instituto de direito urbanístico que será analisado
no presente estudo.
4 Bocha ou boccia é um esporte praticado sobretudo por idosos, que consiste em lançar bolas situando-as mais
perto possível de uma marcação. Para esse esporte, é necessária uma cancha de 26,50 m de comprimento,
4m de largura e altura de 30cm.
5 Malha é outro esporte também praticado predominantemente por idosos, no qual se lançam discos de metal
em direção a um pino com a intenção de derrubá-lo ou deixar a malha o mais próximo possível deste pino.
Para o esporte é necessário um campo retangular, com 36 metros de comprimento e 2,50 metros de largura.
210
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
211
Outro episódio de exclusão deve ser mencionado: certa vez, em come-
moração ao Dia da Árvore, crianças da Escola Municipal Maestro Andrea
Nuzzi foram levadas até a praça para que fizessem atividades culturais
e de cidadania. Porém, visto que a praça estava em reforma, foram im-
pedidas por uma moradora de ocuparem o espaço, até que a CMTU e a
Guarda Municipal de Londrina chegaram, de forma a reprimir e intimidar
as pessoas que participariam das atividades. Percebe-se que as pessoas
ali presentes estiveram diante do cerceamento do direito de locomoção,
e os alunos, da educação e cultura.
No decorrer do tempo, o cenário político de Londrina mudou total-
mente. Aquela gestão, comandada na pessoa do seu prefeito, Homero
Barbosa Neto, teve seu mandato cassado em 30/07/2012, devido a várias
investigações acerca da prática de crimes contra a Administração Pública.
Após este fato, mais dois prefeitos passaram pela administração da cidade
e, com as eleições realizadas em 2012, foi possível a entrada de uma nova
administração municipal, e esperava-se que com essa renovação, talvez
uma gestão participativa e baseada no acesso à informação fosse possível.
Porém, a participação popular nas decisões que dizem respeito ao bem
público permanece como um direito a ser conquistado.
A escola Maestro Andrea Nuzzi, localizada em frente à praça, con-
forme dito anteriormente, não possui espaço suficiente para a prática de
educação física. Dessa forma, fazia-se necessário utilizar a praça para
tanto. Porém, após os episódios de exclusão da própria escola no uso
daquele bem público, a escola deixou de utilizá-lo, pois a diretoria temia
represálias da administração pública municipal.
A escola, no ano de 2013, recebeu verbas que deveriam ser destinadas à
construção de uma quadra poliesportiva, do Fundo Nacional de Educação,
sendo que essa quadra não caberia no espaço físico da escola. E, por a
praça ser um bem pertencente ao município e a escola ser municipal, de
forma deliberada e sem consulta prévia à população, foi escolhida como
local para a construção da quadra.
A direção da escola, juntamente com a Secretaria Municipal da Edu-
212
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
cação, convocou uma assembleia com os pais dos alunos para informar
sobre a construção da quadra no referido bem público. Ocorre que essa
assembleia foi realizada somente com os pais de alunos, que não são
necessariamente os moradores e frequentadores da praça. Além disso,
pelo acesso à ata da assembleia ocorrida em 26 de abril de 2013 na escola,
percebeu-se que o motivo da assembleia era somente informar os pais
dos alunos acerca da construção da quadra. O projeto já estava aprova-
do, a verba já estava destinada e o local definido. Alguns moradores do
bairro, sabendo dessa assembleia por meio de pais de alunos da escola,
compareceram a ela, a fim de questionarem a reforma e obterem maiores
informações. Esses moradores não foram atendidos e a única informação
que obtiveram foi que a quadra seria construída na praça e que ela não
afetaria o campo de bocha e malha. Tiveram acesso também a um mapa
confeccionado pela arquiteta responsável pelo projeto, mapa esse sem
escalas, portanto, não se permitia saber as reais dimensões da quadra.
É importante ressaltar que, essa mesma assembleia, sem participação
popular, foi utilizada pelo poder público como anuência da comunidade
para a implementação do projeto.
Assim, inconformada com a imprecisão das informações obtidas, pois
não eram suficientes para saber qual espaço da praça seria alterado, bem
como a impossibilidade de diálogo, a população foi aos órgãos públicos
em busca dessas informações. Primeiramente, fizeram um pedido na se-
cretaria de educação, pedido esse sem protocolo e intitulado como “barrar
construção de quadra”. É importante observar que a comunidade, em
um primeiro momento, buscava obter informações sobre o projeto, para
discuti-lo, deliberar sobre ele e, quem sabe, procurar outro local para a
construção da obra. A secretaria não ofereceu qualquer resposta. Após
isso, foram na gerência de serviços de informações da prefeitura muni-
cipal, onde também não obtiveram reposta. Além disso, foram à Central
de Atendimento ao Cidadão do Ministério Público, buscando que essa
213
instituição intermediasse o diálogo, bem como o acesso às informações6.
Por último, os moradores fizeram requerimentos formais à Prefeitura
Municipal de Londrina e à Câmara Municipal de Vereadores7 de Londrina,
pedindo a realização de audiências públicas a fim de debater a questão e
ter acesso às informações que dizem respeito à obra que será construída
na praça. No entanto, em um primeiro momento, a prefeitura municipal
negou qualquer diálogo, e a questão também foi negligenciada pelos
vereadores. Em um segundo momento, procurou-se outros vereadores
para o mesmo fim, sendo que esses últimos assumiram a demanda e
conseguiram marcar uma audiência pública para a discussão do assunto.
Na audiência pública, além do acesso às informações que tanto pediram
em órgãos públicos, a população pode deliberar sobre o projeto e discuti-
-lo com as autoridades públicas. Dessa forma, após longos debates, foi
possível suspender o projeto, para que ele possa ser discutido e, somente
após isso, implementado.
6 06/05/2013 – Protocolo sem número na Secretaria da Educação, intitulado como “Termo de Declarações”
referente a “barrar construção de quadra” e Protocolo 0078.13.001390-3 na Central de Atendimento ao Cidadão
do Ministério Público do Paraná. 07/05/2013 - Protocolo do Processo 42311/2013 na Gerência de Serviços
de Informações da Prefeitura Municipal de Londrina.
7 13/05/2013 - Protocolo 1056 de Pedido de Audiência Pública na Câmara Municipal de Londrina.
214
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
215
uma conversa com o então prefeito, na Escola Municipal Maestro Pedro
Nuzzi, através de uma atividade que o então governo municipal fazia nos
bairros da cidade: atender a população local pra ouvi-la. O atendimento
iniciava-se às 6h da manhã, e alguns alunos do projeto lá foram a fim de
obter do prefeito esclarecimentos sobre o projeto de reforma da praça.
Em conversa com o prefeito, assessores e secretários, os estudantes
puderam perceber que, os administradores consideravam que não havia
problema algum naquele bem público e que a população fora ouvida para
a realização das primeiras reformas Em verdade, o que o projeto de ensino
procurou ouvir o segmento excluído da comunidade: as mulheres, algumas
crianças, a escola, representada por uma professora e moradores antigos.
Em unanimidade, foi verificada a exclusão da população em qualquer
debate acerca da reforma da praça.
Após a oitiva desses segmentos excluídos, teve-se motivação para o
presente trabalho e a pretensão garantir a participação popular. Porém,
além de verificar as circunstâncias fáticas, os alunos buscaram entender
as circunstâncias jurídicas da mudança da praça. Foram novamente aos
órgãos governamentais na busca de respostas e buscaram até mesmo ver
algum registro da participação popular alegada pelos administradores. No
entanto, o projeto de ensino não conseguiu acesso a documento algum
que provasse o alegado, e, conseguiram tão somente a autorização e o
termo de convênio pelos quais a reforma foi realizada.
Paralelamente a esses fatos, a líder comunitária requisitou providências
junto ao Ministério Público do Estado do Paraná da Comarca de Londrina,
através da 24ª Promotoria de Justiça – Promotoria de Direitos e Garantias
Constitucionais. A Promotoria, portanto, iniciou um processo administrati-
vo para apurar o caso. O projeto de ensino participou de forma ativa desse
processo, participando das reuniões bem como ajudando a moradora a
atuar no processo através de petições e juntada de documentos.
No Ministério Público, em 26/04/2012, foi feita a primeira reunião para
apurar as irregularidades. Na reunião, estiveram presentes dois integran-
tes da CMTU, representantes do projeto de ensino e a líder comunitária.
216
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
217
Municipal e a falta de espaço para todos os seguimentos da população.
Considerando isso, o projeto elaborou um evento de recreação para ser
realizado junto com a população no bem público.
Inúmeras reuniões foram feitas entre o grupo e com a comunidade para
decidir no que a atividade iria consistir e qual dia seria realizada. Após
isso, decidiu-se que o evento seria em 04/11/2012 e que uma gincana para
as crianças seria a atividade principal, com atividades paralelas para os
adultos. Antes da realização do evento, fez-se uma ampla divulgação nas
escolas do bairro, igreja e comércios para contar com a ajuda e presença
de vários segmentos da população.
O evento foi muito proveitoso e atingiu os objetivos aos quais se propôs.
A praça foi lotada pelos moradores e foi possível fazer uma interação entre
os idosos – que ocuparam somente uma quadra daquelas construídas – e o
restante da população, que ocupou a parte sombreada restante e parte da
área construída. Com isso, buscou-se criar um sentimento na população de
que aquele bem era de todos e por isso, deveria ser amplamente utilizado.
Naquela ocasião, o projeto de ensino soube que algumas pessoas es-
tavam interessadas em montar uma associação de moradores do Bairro
Jardim Igapó. Esse fato coincidiu também com a vontade dos alunos e da
professora orientadora a formar uma AJUP – Assessoria Jurídica Universi-
tária Popular, modelo de assessoria jurídica fundada nas visões de Paulo
Freire, que tem a educação popular e a emancipação social como norte,
de forma a agregar a formação teórica e prática dos alunos direcionada
para o atendimento de demandas sociais coletivas.
Interessante salientar que, mesmo sem que houvesse uma comunicação
prévia entre os alunos e a professora, ambos começaram a redigir um pro-
jeto de extensão que visasse justamente isso. Devido a maior experiência
e maior conhecimento de como se elabora um projeto, a professora ter-
minou de escrever primeiro e os apresentou aos alunos que, por sua vez,
sugeriram algumas alterações. Essas alterações foram feitas e o projeto
integrado de pesquisa e extensão foi criado, em consonância com uma
Assessoria Jurídica Popular.
218
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
219
jeto de construção da quadra, mas que o projeto de extensão procurou,
através de suas ações, fazerem valer.
8 Brasil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm > Acesso em 05/05/13
9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Edição. São Paulo: Atlas, 2007. p. 632.
10 DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25ª Edição. São Paulo: Malheiros,
2008. P. 898.
220
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
221
de responsabilidade, protegendo também as informações imprescindíveis
à segurança da sociedade e do Estado.
Já o inciso xxxIV do art. 5º garante o direito de petição e certidão a
qualquer órgão público, independentemente do pagamento de taxas. Além
disso, o art. 37, § 3º prevê o acesso à informação como forma participação
dos usuários na administração pública, dispositivo regulamentado pela
Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa e Lei 12.527/11 – Lei
de Acesso à Informação – LAI.
Mesmo com a existência de leis e previsões constitucionais garantidoras
do acesso à informação, foi possível observar seu não cumprimento no
caso concreto. Além disso, no episódio, vários preceitos constitucionais
foram lesados, principalmente o princípio da primazia do interesse público
sobre o privado e o princípio da publicidade.
Em relação à informação, o projeto de extensão Lutas todo momento a
buscou, seja na forma de exigência dos protocolos abertos, seja na aber-
tura de novos e na feitura de petições para solicitar maiores informações
sobre o bem público. Além disso, houve orientações à comunidade, no
sentido de sempre fazerem requerimentos formais, por escrito aos órgãos
públicos, de forma que eles pudessem ser exigidos posteriormente.
Deve-se observar também a contribuição que a Lei de Acesso à Infor-
mação trouxe ao caso concreto. Antes da promulgação da lei, o acesso à
informação não ocorreu de forma alguma. Muitos pedidos foram feitos e
exigidos posteriormente, sem uma resposta efetiva. Vale salientar tam-
bém que, antes da promulgação da LAI, não havia serviços orientados
ao fornecimento de informações ao cidadão e nem um procedimento
administrativo orientado especificamente ao fornecimento de informação
a quem o requeresse.
Já em relação ao episódio da quadra poliesportiva a lei já havia sido
promulgada e, apesar de em um primeiro plano ela não ser observada,
pode-se concluir que ela trouxe algumas contribuições e permitiu que
mecanismos antes não observados pudessem ser aplicados, tais como o
222
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
12 ______. BRASIL. Congresso Nacional. Lei n.º 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a
informações previsto no inciso xxxIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Con-
stituição Federal; altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de
2005, e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm> Acesso em 05/05/2013.
13 Id., Ibid.
14 Id., Ibid.
223
de Londrina, e, mesmo assim, depois de vários pedidos e negociações,
sendo que os alunos do projeto ajudaram também na formulação dos
pedidos de audiência.
Nessa audiência, representantes do poder executivo municipal tiveram
de fornecer todas as informações antes requeridas pela comunidade e, os
representantes dessa última puderam discutir a obra que seria implantada
na comunidade. Após a apresentação de todas as informações necessárias,
a comunidade foi vitoriosa, pois a obra foi suspensa por prazo indetermi-
nado. Agora, com os questionamentos da comunidade, o poder público
irá analisar a viabilidade da obra.
Dessa forma, pode-se concluir que, a pesar de uma audiência pública
ter sido realizada, e a comunidade poder participar de forma ativa desse
processo, observa-se que ainda se está longe de uma gestão participativa
e baseada no acesso à informação. O acesso à informação necessária não
foi deferido de pronto e, para que ele pudesse ser conseguido, um longo
caminho foi percorrido, que não o estabelecido pela lei.
Pode-se concluir que a realização adequada do direito à informação
não é autônoma, pois depende da conjugação de outros direitos, o da
transparência e, principalmente o da participação, estando esse último
intimamente ligado com a Gestão Democrática da Cidade.
224
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
16 FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 40
17 BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm > Acesso em 05/05/13
18 FRANCISCO, Op. cit. p. 266 - 267
225
deração. As conferências seriam debates realizados no mundo técnico e
acadêmico, mas abertas à população, com vistas a trazer o conhecimento
científico à elaboração da política urbana. Já no art. 43, IV, do Estatuto
prevê não só a iniciativa de lei que é prevista constitucionalmente, mas a
apresentação de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.
Vale salientar que a Lei 10.257/2001 não é uma lei autoaplicável, sua
efetividade depende da aprovação do Plano diretor. É este que, desdo-
brado em leis, regulamentos e normas administrativas, interferirá na vida
cotidiana dos cidadãos. De acordo com o art. 40, § 4º e seus incisos19, os
Poderes Legislativo e Executivo tem o encargo de garantir a participação
da comunidade e a transparência na elaboração e implementação do Plano
diretor. É nessa participação popular do Plano diretor que se dá também
a gestão democrática da cidade, pois o plano garante que a população
decida, diretamente, o que vai querer para si.
Segundo Hely Lopes Meirelles20, o Plano diretor deve ser a aspiração
da população local para a definição dos objetivos de cada município e, por
isso mesmo, tem supremacia sobre os outros instrumentos administra-
tivos do município. Além disso, é um instrumento norteador dos futuros
empreendimentos da prefeitura, para o atendimento das necessidades da
comunidade, a exemplo de locais e custos a serem feitas obras públicas.
Devido ao fato de o Plano diretor dever ser a aspiração da própria po-
pulação, ele é um instrumento para a efetivação da gestão democrática
da cidade na qual a União, os Estados e Municípios deverão se atentar
para que suas decisões estejam voltadas a uma filosofia de transparência
e cooperação. Segundo o artigo 2º, em seu inciso II o Estatuto da Cidade21
traz, respectivamente, as diretrizes da formação e o âmbito dessa gestão:
“participação da população e de associações representativas” e “na for-
mulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos”.
Vistos todas essas previsões constitucionais e mecanismos legais ga-
226
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
227
Gestão Democrática da Cidade, que continuará sendo buscada sempre.
A Gestão Democrática da Cidade sempre foi buscada pelo projeto em
todos os episódios. O debate promovido entre a população e a própria cons-
cientização que ela teve sobre o bem público foi exemplo disso. Ademais,
a própria busca na realização da audiência pública, um dos instrumentos
da Gestão Democrática da Cidade se fez também bastante presente.
Por fim, mesmo que a participação no primeiro episódio não foi pos-
sível, a comunidade, conjuntamente com o projeto, foi vitoriosa na reali-
zação da audiência pública – algo, infelizmente, raro em nossa cidade – e
em suas implicações práticas que, além da suspensão do projeto da obra
se conseguiu um debate democrático do bem que é de todos. Espera-se
que, com essa prática, se inicie uma cultura de participação popular, de
forma a implantar e fazer valer a Gestão Democrática da Cidade.
228
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
pelo bem coletivo. Ademais, por ela ser uma organização social sem
fins lucrativos, permite que uma atuação sem pressões externas e de
forma independente.
Além disso, o Estatuto da Cidade23, em seu art. 2º, II, prevê a participação
de associações representativas comunitárias na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano, como diretriz de política urbana. Há a previsão também de sua
atuação na elaboração do plano diretor da cidade, de acordo com o art.
40, § 4º, I, sendo também um dos mecanismos de controle dos organismos
gestores de regiões metropolitanas, assim previsto no art. 45 que trata da
gestão democrática da cidade.
Por conseguinte, de acordo com o art. 5º da Lei 7.347/8524, uma associa-
ção constituída a mais de um ano e que tenha como finalidade proteção “ao
meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência
ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”, é
parte legítima para propor Ação Civil Pública, ação de responsabilidade
por danos morais e patrimoniais causados à coletividade. Dessa forma,
imagina-se que, caso ocorra qualquer novo incidente no local que cause
dano à comunidade, com a associação de moradores, constituída a mais
de um ano, eles terão à sua disposição uma ferramenta jurídica eficaz.
Outro poder atribuído a uma associação de moradores, além do cuidado
com a comunidade e reivindicação de direitos coletivos dos moradores, é
a legitimidade para a proposição de usucapião especial coletiva urbana,
prevista no art. 10 do Estatuto da Cidade25. Dessa forma, percebe-se que
uma associação de moradores é uma ferramenta democrática muito útil
na persecução de direitos, daí nasce a importância do curso.
O curso, conforme mencionado, está dividido em quatro módulos. O
primeiro consiste no diagnóstico da comunidade e introdução ao curso.
229
Através dele, os alunos do projeto de extensão farão um maior contato
com a comunidade, de forma que não sejam vistos como desconhecidos
que impõem seu conhecimento, mas parte da comunidade que também
visa o bem comum. Além disso, a introdução permite que os moradores
se identifiquem com o curso e a metodologia aplicada, que é a educação
popular emancipadora proposta por Paulo Freire26.
O segundo módulo objetiva explicar o que é uma associação de mo-
radores e quais suas finalidades. Nele, serão explicados os motivos de
se criar uma associação e qual sua utilidade. O terceiro módulo explica,
passo a passo, todos os requisitos formais necessários para se montar uma
associação. Por fim, o quarto módulo informa os locais que os moradores
podem recorrer caso tenham problemas e os canais pelos quais pode-se
conversar com o poder público.
Assim, busca-se com esse curso, a consolidação do acesso à infor-
mação e a Gestão Democrática da Cidade, mas que, dessa vez, isso seja
buscado pelos moradores de forma independente e articulada.
4 CONCLUSÃO
230
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
que estão aptos para fazerem suas próprias reivindicações e unidos para
a atuação conjunta, outras comunidades terão a oportunidade de fazerem
o curso. Assim, esse curso será utilizado como forma de emancipação de
comunidades, sejam elas em situação de vulnerabilidade social, sejam
elas em situação de conflitos, conforme a do Jardim Igapó.
Além disso, com esse curso, será possível a capacitação de pessoas para
a formação de diversas organizações sociais, não somente associações
de moradores, haja vista que, às vezes, essa não será a necessidade de
determinada população. O curso poderá ser utilizado, por exemplo, para a
formação de associações de mulheres, de catadores de lixo, dentre muitas
outras que visam promover o bem de uma determinada comunidade. Com
esse curso, irá se buscar a emancipação e organização social, de forma
que a sociedade possa atuar de forma mais consciente, sobretudo aqueles
indivíduos que tem seus direitos sempre negados.
Assim, em que pese a não solução do conflito inicial que levou o pro-
jeto de extensão a atuar na comunidade, espera-se que ela, unida, possa
resolver seus problemas e fazer valer sempre seu direito ao acesso à
informação, bem como garantir a Gestão Democrática da Cidade. Como
visto, a associação de moradores é um instrumento eficaz na gestão e, é
através da formação desse instrumento que o projeto de extensão buscará
uma sociedade que atente para uma democracia participativa.
REFERÊNCIAS
231
e dá outras providências.
_______. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e
183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá
outras providências.
______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
______. BRASIL. Congresso Nacional. Lei n.º 12.527, de 18 de novembro de
2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso xxxIII do art. 5o, no inciso
II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei no
8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005,
e dispositivos da Lei no 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências.
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 25ª Edição.
São Paulo: Malheiros, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª Edição. São Paulo:
Atlas, 2007.
FRANCISCO, Caramuru Afonso. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo:
Juarez de Oliveira, 2001.
FREIRE, Paulo. A Pedagogia do Oprimido. Disponível em < http://portal.mda.
gov.br/portal/saf/arquivos/view/ater/livros/Pedagogia_do_Oprimido.pdf> Acesso
em 05/05/13.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª Edição. São Paulo:
Malheiros Editores, 2008.
SABOYA, Renato. “Gestão democrática ou democracia maquiada?” Urbanidades.
Florianópolis. Disponível em <http://urbanidades.arq.br/2008/06/gestao-demo-
craetica-ou-democracia-maquiada/> Acesso em 05/05/13
232
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
1 Mestre em História Social e Graduada em Historia. Professora em regime de Dedicação Exclusiva da Univer-
sidade do Estado da Bahia. Ministra a disciplina de Direito em Movimentos Sociais. Email: jamissil@gmail.com
2 Mestrando em Ecologia Humana, Especialista em Direito Público e Graduado em Direito. Professor da Uni-
versidade do Estado da Bahia. Ministra a disciplina de Direito Urbanístico. Email: brunoheimadv@gmail.com
233
2 PAULO AFONSO, URBE DE MÚLTIPLAS IDENTIDADES
3 DIOCESE DE PAULO AFONSO: Caracterização, problemas e metas pastorais. In: Cadernos Diocesanos.
N. 1, set/1985. p. 08.
4 O termo foi usado pelo teórico italiano Antonio Gramsci ao estudar os movimentos populares italianos ao
longo da história que antecedeu o fascismo. O uso de grupos subalternos passou a ser usado para abrigar,
de maneira ampliada, o conjunto de sujeitos que, coletivamente, estão dispersos na sociedade civil por não
conseguirem agregar suas demandas e projetos numa só classe. É justamente esta dispersão que lhes confere
o caráter de subalternidade.
234
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5 REIS, Roberto Ricardo do Amaral. Paulo Afonso e o Sertão Baiano: Sua geografia e seu povo. Paulo Afonso:
Fonte Viva, 2004. p. 223.
6 Estas moradias faziam parte da “vila poty”, conhecida pelas casas construídas com os sacos do cimento da
marca Poty, reutilizados, após a construção da barragem.
235
foi derrubado. O crescimento da cidade fora do acampamento, a cidade
até então ilegal, passa a ser legalizada com o crescimento desordenado e
sem planejamento. Este processo de crescimento desigual acompanha a
dinâmica da urbanização brasileira, pois, segundo Maricato:
7 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. p. 16.
8 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996. p. 23.
236
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
9 PAULA, João Antônio de. A cidade e a universidade. In: BRANDÃO, Carlos Antônio Leite (Org.). As Cidades
da Cidade. Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 49-50.
237
urbanístico em face dos terreiros” para os povos de terreiro do Município
de Paulo Afonso; e elaborar Nota Técnica sobre a alteração do Plano
Diretor Municipal.
10 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. p. 49.
238
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
239
5 DIREITO URBANÍSTICO EM FACE DOS TERREIROS
11 ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São
Paulo: FAPESP, 2003. p. 65.
240
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
12 AHMED, Flávio. Cultura e Espaço Urbano no Direito das Cidades. In: COUTINHO, Ronaldo e BONIZZATO,
Luigi. Direito da Cidade: novas concepções sobre as relações jurídicas no espaço social urbano. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 86.
241
7 NOTA TéCNICA SOBRE A
MODIFICAÇÃO DO PLANO DIRETOR
242
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
8 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
AHMED, Flávio. Cultura e Espaço Urbano no Direito das Cidades. In: COUTINHO,
Ronaldo e BONIZZATO, Luigi. Direito da Cidade: novas concepções sobre as
relações jurídicas no espaço social urbano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183
da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Disponível em:<www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 20
ago 2013.
DANTAS, Andréa Medeiros. Linguagem jurídica e acesso à Justiça. Jus Navigandi,
Teresina, ano 17, n 3111, 7 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/arti-
gos/20812>. Acesso em: 30 ago. 2013.
DIOCESE DE PAULO AFONSO: Caracterização, problemas e metas pastorais. In:
Cadernos Diocesanos. N. 1, set/1985.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006.
243
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Rio de
Janeiro: Vozes, 2001.
PAULA, João Antônio de. A cidade e a universidade. In: BRANDÃO, Carlos Antônio
Leite (Org.). As Cidades da Cidade. Belo Horizonte: UFMG, 2006
REIS, Roberto Ricardo do Amaral. Paulo Afonso e o Sertão Baiano: Sua geografia
e seu povo. Paulo Afonso: Fonte Viva, 2004.
ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, política urbana e territórios na
cidade de São Paulo. São Paulo: FAPESP, 2003
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Departamento de Educação, Campus
VIII. Núcleo de Prática Jurídica. Nota Técnica. n. 01/2013. NPJ-UNEB, Campus VIII,
Paulo Afonso-BA.
244
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
245
sim estrutural. Entendeu-se que a irregularidade era uma resposta dos
pobres ante a incapacidade dos governos e do mercado formal de oferecer
solo para moradia a preços acessíveis e em quantidades suficientes para
responder à rápida e crescente urbanização.
Como consequência da falta de entendimento dos governos sobre os
processos de urbanização, durante a década de 1970, os assentamentos
irregulares já ocupavam entre 25% e 50% da superfície urbanizada de
muitas cidades latino-americanas, africanas e asiáticas. Desde então essas
percentagens mundiais se mantêm, apesar dos registros de variações por
cidades e regiões do mundo. Sem dúvida o número de pessoas que os
habita tem aumentado constantemente. Com base nas informações das
Nações Unidas, estima-se que em 2020 o número de pessoas que habi-
tarão em assentamentos irregulares seja de 1500 milhões4. Isto significa
que os assentamentos irregulares consolidados aumentarão também na
medida em que o tempo passa. A diferença é que a problemática dos
assentamentos irregulares criados recentemente é conhecida e existem
esforços mundiais para intervir, mesmo que modestamente5, o que não
acontece em assentamentos irregulares consolidados. Isto se deve princi-
palmente porque se supõe que os assentamentos irregulares antigos, por
estarem fisicamente incorporado à cidade e possuírem infraestrutura, já
não apresentam mais problemas.
Entende-se que estes estudos contribuirão de maneira substancial à
geração de conhecimento científico sobre a temática da moradia dirigida
à população de baixa renda. Seus resultados se articulam com os debates
sobre a organização dos domicílios, as “estratégias de sobrevivência” e
o impacto que tem as mudanças econômicas na moradia e no assenta-
mento. Mais especificamente, esta investigação oferece conhecimentos
úteis para o desenho de políticas para a renovação das casas e dos as-
sentamentos irregulares antigos, agora consolidados pós-regularização
fundiária e urbanística.
246
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
247
mais eficiente, redução ou remoção e cobrança dos custos de dotação
de serviços e infraestrutura os assentamentos irregularese regularizar a
posse da terra, muitas vez contando com isto, e com o apoio de agências
econômicas multinacionais como o Banco Interamericano de Desenvol-
vimento. O importante é que essa segunda geração de políticas públicas
se apresenta em um momento em que se incentiva a sustentabilidade
fiscal, a colaboração do setor público com o privado para realizar projetos
conjuntos, o apego ao planejamento urbano etc. Estas duas gerações de
políticas públicas formavam as bases da política habitacional a partir da
década de 1970 até hoje.
Apesar de significativos avanços conquistados na segunda metade
do século xx, agora é urgentemente necessária uma nova fase de in-
vestigação. Os primeiros assentamentos irregulares são agora urbani-
zações populares que se encontram no interior das metrópoles, por isso
é imperioso explorar qual o impacto nestas áreas devido à pressão na
mudança do uso do solo como resultado da globalização (deslocamen-
to), da reestruturação econômica (migração), da transição demográfica
(envelhecimento), da inevitável deterioração da habitação depois de anos
de uso intensivo e do relativo esquecimento em que se encontram por
parte das políticas públicas.
Depois de décadas de trabalho individual, familiar e comunitário, as
moradias e os próprios assentamentos têm se transformado substancial-
mente. A maioria conta com todos os serviços, ruas pavimentadas, casas
finalizadas com materiais permanentes, e possuem dois e até três pisos.
Mas argumenta-se aqui, que apesar de sua aparente integração espacial e
física, estes assentamentos requerem atenção e apoio de políticas públicas
para sua renovação.
Durante os últimos 20-50 anos, a composição social dos assentamen-
tos e domicílios também têm mudado significativamente. A densidade
da população tem aumentado, os usos do solo e a posse da terra têm se
diversificado. Quando muitos dos residentes pioneiros permanecem em
suas casas originais, a estrutura e tamanho do domicílio ou grupo social
248
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
8 Larr, 2004.
9 Ward et al, 2011.
249
O número de mocambos do final do século xIx para início do século xx
cresceu vertiginosamente, Souza10 aponta que em recenseamento realiza-
do em 1923, das 39.026 habitações recenseadas, 51,1% eram identificadas
como mocambos. Assim, em 1939, em face da expansão da cidade, bem
como do número de mocambos, foi criada a Liga Social Contra o Mocam-
bo, um programa de demolição de moradias consideradas inadequadas
e reassentamento dos moradores de mocambos para casas populares.
No entanto, Relatórios da Liga Social Contra o Mocambo11 indicam
que, entre os anos de 1939 e 1945, foram demolidos 14.597 mocambos
e somente 6.173 unidades novas foram construídas. Inúmeras famílias
ficaram sem casa depois dessas ações de cunho “social”.
Outras iniciativas em paralelo e em nível federal foram sendo imple-
mentadas ao longo da primeira metade do século xx, mas sempre sob
o viés da produção de novas habitações e tentativas de erradicação dos
assentamentos ocupados irregularmente.
Como salientado anteriormente a partir da década de 1970 começaram
a surgir iniciativas que reconhecia como viável a solução de moradia ado-
tada pelo pobre, sob um discurso de que o governo proveria a população
de baixa renda oportunidades de desenvolvimento para que a mesma
pudesse dar manutenção a sua moradia, ou seja, garantiria o empodera-
mento dos pobres.
Como resultados dessas políticas observa-se que a população de baixa
renda alcançou acesso ao abrigo e a serviços básicos. Em alguns casos,
antes mesmo da entrega de títulos, ou seja, da garantia e segurança da
posse, foram adicionados quartos ou um segundo pavimento, o que indica
o investimento na habitação em dados momentos. No entanto, as opor-
tunidades de desenvolvimento parecem não ter resistido ou estão abaixo
das expectativas face às necessidades dessa população, já que se verifica
uma aparente descontinuidade de manutenção à moradia.
É importante salientar,como exposto por De Souza12, que a sensação
10 Souza, 2004.
11 Relatórios da Liga Social Contra o Mocambo, 1942.
12 De Souza, 1998.
250
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
13 Silva, 2009.
251
prazo de 50 anos, renovável por igual período, desde que seja acordado
entre as partes.
Para a regularização urbanística, o plano determinou a remoção provi-
sória de toda a população para que as casas pudessem ser reconstruídas,
bem como para a implantação do esgotamento sanitário, da drenagem e
a pavimentação das ruas. Os lotes foram redesenhados e demarcados pela
prefeitura, tomando como base a média de 70 m², sendo 7m de frente e
10m de fundo, à exceção dos lotes de esquina.
Desse modo, a ZEIS Coronel Fabriciano foi totalmente regularizada
entre os anos de 1994 e 1995 e, em 1996, todos os 86 títulos registrados
em cartório já haviam sido entregues às famílias14.
Brasília Teimosa – sua ocupação data de 1947, numa área conhecida
como Areal Novo, hoje bairro de Brasília Teimosa. É um caso bastante
emblemático, alvo de disputas de interesse público e privado, sob forte
pressão e especulação imobiliária, em virtude da sua localização à orla
marítima e fluvial. Bastante importante na mudança de postura em direção
à consolidação, regularização e urbanização, com a institucionalização das
ZEIS. Possui em torno de 1.791 imóveis regularizados com os instrumentos
de Doação e CDRU, mas o processo de legalização ficou paralisado por
anos, sendo retomado em 2005 com a revigoração do contrato de Cessão
de Aforamento que se encontra em andamento15.
O caso de Brasília Teimosa, que esbarra em alguns obstáculos, inclusive
políticos, incita atenção para um fator levantado em discussão de De Souza
(2004), de que os recursos têm sido disponibilizados para a melhoria das
áreas quase independente da finalização do processo de regularização
fundiária, o que atrai bastante a população. A legalização fundiária tem se
dado em períodos longos, que chegam a durar mais de 15 anos, enquanto
as melhorias físicas nas ZEIS acontecem quase imediatamente depois
de completado o plano urbanístico e aprovado seu orçamento, fator que
descaracteriza o processo.
14 Silva, 2005.
15 Atlas Municipal do Desenvolvimento Humano no Recife, 2005 e Silva, 2009.
252
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
253
Tabela 1 – Formas de aquisição do lote
254
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
255
Tabela 3 – Dados sobre a propriedade atual e instrumentos que a legitimam por área.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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é a mulher que trabalha fora de casa; em outro, é o homem; quando não,
os dois passam o dia fora. Há também os casos de divórcio, pais soltei-
ros e tantos outros. Além disso, principalmente nos lares pobres, outras
pessoas têm aparecido para compor o domicílio, a saber: os irmãos, os
cônjuges dos filhos, os netos e até mesmo um amigo, tornando-se assim,
essa instituição, cada vez mais heterogênea e demandando por novas
formas de serem tratadas.
Outro ponto analisado nas áreas de estudo tomou com base um dos
princípios do discurso regularização urbanística e fundiária em favor da
melhoria qualitativa das áreas já ocupadas, em que se ressalta a impor-
tância de dotar as áreas de redes de infraestrutura e conferir acesso aos
serviços básicos. Sabe-se que inúmeras áreas na cidade do Recife são ainda
carentes dessas melhorias, mas como o foco deste estudo está voltado
a áreas que foram alvo de ações de intervenções para conferir soluções
nesse sentido, entendeu-se a necessidade e importância de conhecer a
qualidade desses serviços a partir da satisfação dos moradores.
Quando questionada a qualidade e regularidade dos serviços, os mo-
radores deveriam classificar em bom, satisfatório ou ruim. Desse modo,
os dados foram sintetizados na Tabela 4 a seguir, agrupando os que
consideraram o serviço bom ou satisfatório entre o percentual satisfeito
com o mesmo.
Além de questionada a qualidade do serviço, foi perguntada à popu-
lação, caso pudesse solicitar alguns serviços, quais seriam. Os resultados
surpreenderam um pouco, pois muitos dos serviços alvos de reclamações
não foram solicitados pelos entrevistados na oportunidade colocada.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Tabela 4 – Demonstrativo de satisfação dos moradores com os serviços oferecidos por área.
17 AMARAL, 2010. Moradores de Brasília Teimosa sofrem com esgotos a céu aberto – Diário de Pernambuco.
259
Moradores contam que já foram feitas várias denúncias ao Ministério
Público, e que algumas obras foram feitas, mas que até então o proble-
ma não foi resolvido de forma efetiva. No entanto novamente quando
questionada a população quais serviços solicitaria, apenas 7 dos 14 que
reclamaram do serviço optaram por solicitar esgotamento sanitário.
Dentre os serviços que apresentam maior percentual de satisfação
nas áreas estudadas, destaque para a coleta de lixo, com quase 100% de
aprovação, e o abastecimento de energia elétrica. Nas duas áreas, a po-
pulação é quase unânime em destacar a frequência com que é realizada
a coleta de lixo, pelo menos três vezes por semana. Ressalta-se que, com
os projetos de urbanização, o acesso desse serviço foi facilitado.
Em Brasília Teimosa, mesmo não sendo a maioria da população entre-
vistada, há uma significativa insatisfação com os serviços de drenagem,
iluminação pública e transporte público. Segundo moradores, há apenas
duas linhas que circulam no bairro, e em grandes intervalos temporais.
Ambas se direcionam ao centro da cidade: uma vai até os bairros de Santo
Antônio e São José e a outra vai até a Av. Conde da Boa Vista.
Consultando a página na internet da Grande Recife Consórcio de Trans-
porte, confirma-se que há apenas 2 ônibus da linha 014 Brasília (Conde da
Boa vista) e 1 ônibus da linha 018 Brasília Teimosa. O que, como já pontua
a população, não atende as suas demandas. Do total de 10 que reclamam
do serviço, 6 gostariam de solicitar melhorias no acesso.
Por fim, coloca-se que os serviços de abastecimento de água e policia-
mento obtiveram praticamente os mesmos percentuais de satisfação nas
duas áreas. Com reclamações comuns sobre a falta de água constante,
problema que era comum a toda a cidade do Recife e vem sendo solucio-
nado, através do abastecimento pelo reservatório de Pirapama.
Por fim, sobre o policiamento, as reclamações estiveram voltadas a
demora de viaturas em chegar às ocorrências.
Como se pôde observar, o alcance aos serviços e à infraestrutura já se
deu, mas a população demanda ainda por melhor qualidade, regularidade
e mais amplo acesso desses serviços oferecidos para que, de fato, tenham
e mantenham as condições adequadas de moradia.
260
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
261
estatais ou organizações comunitárias para reforma e/ou reparos na casa,
a população das duas áreas estudadas dizem que não contam com ajuda
de ninguém, a não ser deles mesmos e, no máximo, de parentes próxi-
mos. No entanto, quando questionados sobre esse mesmo tipo de apoio
relacionado às melhorias na área, eles citam o suporte das associações de
moradores e autoridades municipais, a esfera imediatamente reconhecida
para atuar no provimento de serviços básicos e infraestrutura da cidade.
Em Brasília Teimosa, 13 do total de 21 casos válidos, dizem pedir ajuda
a sua associação, 6 dizem recorrer às autoridades municipais e 2 dizem
que eles mesmos buscam resolver os problemas. Por sua vez, em Coronel
Fabriciano, a maioria (13 do total de 20) busca as autoridades municipais
para alcançar melhorias, 6 recorrem à associação de moradores e apenas
1 diz não contar com a ajuda de ninguém, só dele mesmo. Essa opção em
ir direto às autoridades municipais antes da associação corrobora com a
revelação de descontentamento de alguns moradores com a composição
atual da associação, segundo eles, pouco atuante.
Diante de toda essa expectativa com relação à área e à casa, investigou-
-se também se está havendo venda de casas nas áreas e quais os valores
estão sendo praticados (Tabela 6).
262
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
263
Figura 2 – Rua Albacora, em Brasília Teimosa, em contínua consolidação.
Fonte: Acervo pessoal, 2010.
264
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
265
da rede urbana da cidade, citando inclusive o “abandono” dos setores
públicos que por ora estiveram mais próximo do importante processo de
intervenção vivenciado.
Ou seja, observa-se que aparecem novas demandas oriundas de mu-
danças no arranjo familiar, condições econômicas dos familiares, novas
dinâmicas na relação com a cidade, mas velhas demandas relacionadas
ainda a qualidade e regularidade de acesso a serviços e infraestrutura
permanecem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
18 De Souza, 1998.
266
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
267
fatores que impõem dificuldades à concretização de todo o processo de
legalização e urbanização, reconhece-se que as políticas de regularização
fundiária incidem sobre o problema da habitação, se não solucionando,
amenizando-o.
Conclui-se que é necessário diminuir o estoque de habitações infor-
mais, mas aponta-se que esses assentamentos necessitam também de
políticas públicas habitacionais que lidem com questões atuais da mora-
dia, considerando aspectos não tangíveis como sucessão e herança, além
de aspectos tangíveis, como acesso a crédito, materiais de construção,
expertises, entre outros.
Embora se compreenda que ainda há assentamentos, recentes ou não,
que demandam pelas primeiras e mais básicas intervenções do Estado, que
possibilitem ao menos condições de acessibilidade a sua área, entende-
-se também que o Estado precisa manter políticas habitacionais voltadas
ao pós-intervenção, com a finalidade, inclusive, de não se perder os altos
custos dos investimentos em urbanização e regularização.
REFERÊNCIAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. APRESENTAÇÃO
1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista do Programa Pólos de Cidadania
da Faculdade de Direito da UFMG. juliadinardi@gmail.com.
2 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista do Programa Pólos de Cidadania
da Faculdade de Direito da UFMG. markinrosa@gmail.com.
3 Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, bolsista do Programa Pólos de Cidadania
da Faculdade de Direito da UFMG. taysnatalia@gmail.com.
271
Com o crescimento da cidade, o vetor Sul se portou como área de
expansão para uma classe média-alta que hoje abriga os lotes mais va-
lorizados do município. No correr dessa expansão, grande parte da vila
foi removida, e hoje as 350 habitações (1.400 pessoas) se encontram em
um espaço bastante reduzido do original na Zona Sul. A ocupação se deu
principalmente em terrenos cujos proprietários não exerciam a posse,
ora entregues à especulação imobiliária. Atualmente, é alvo do processo
de gentrificacão social, por meio da pressão que os bairros vizinhos de
alto padrão, promovem. Na esteira da informalidade, os moradores estão
submetidos principalmente à insegurança da posse, assombrados pela
ameaça de despejo.
Apesar da caracterização da posse ser inquestionável, haja visto o
lapso temporal de mais de sessenta anos decorrente e a despeito de haver
vários instrumentos jurídicos para a regularização fundiária, a situação
de informalidade persiste. Desde a década de oitenta, houve tentativas
de regularização, por meio de decretos municipais, de declaração de que
a Vila se encontra em uma ZEIS, Zona Especial de Interesse Social, o que
facilitaria a regularização.
É nesse contexto que se inicia a atuação do programa Pólos de Cida-
dania na Vila Acaba Mundo. Com a intenção de mobilizar a comunidade
através do fortalecimento dos seus meios de associação e organização
e efetivar, com ajuda de parcerias, a regularização fundiária da área. O
Programa, em suas atividades, baseia-se nos referenciais metodológicos
da pesquisa-ação onde ação e pesquisa em campo são definidas de forma
participativa e continuada. As etapas da pesquisa participativa e da ação
comunitária se retroalimentam, sendo sempre a atuação do programa
informada pelas percepções e análises realizadas pelos integrantes do
Pólos e a comunidade. Várias técnicas de planejamento e sistematização
das prioridades são utilizadas nesses espaços de convergência. A defini-
ção das prioridades ocorre em espaços de diálogo entre a comunidade e
o programa, tais como oficinas, assembleias, reuniões e debates.
272
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
273
Em meados da década de 1980, a pressão exercida pela opinião pública
pela regularização da Vila Acaba Mundo fez com que a Prefeitura Muni-
cipal de Belo Horizonte, por meio do seu Poder Executivo, decretasse a
desapropriação da área de toda vila para fins de interesse social, tratava-se
do o Decreto 4845/1984. Esse decreto declarou - juntamente com outras
favelas - a Vila Acaba Mundo como área de urbanização específica de
interesse social, caracterizada como Setor Especial – 4 (SE – 4), posterior-
mente declarada pela Lei Municipal 7166/1996 como Zona Especial de
Interesse Social – ZEIS, sendo, assim, definitivamente reconhecida pelo
Estado como “aglomeração de baixa renda consolidada e com necessidade
premente de regularização fundiária e urbanização.” Entretanto, a referida
declaração de interesse social caducou face ao transcurso do prazo de
02 (dois) anos sem que o Município de Belo Horizonte implementasse a
devida expropriação para o aproveitamento adequado da área, nos ter-
mos propostos pelo Decreto. Mais uma vez prevaleceu a histórica inércia
estatal, da Prefeitura de Belo Horizonte e do Estado de Minas Gerais, na
execução de políticas públicas em favor da população carente, notada-
mente em matéria de habitação, implicando no adiamento da melhoria da
condição de vida de centenas de famílias pobres, compostas por adultos,
idosos, homens, mulheres e crianças.
Anos mais tarde, em 2008 foi realizada uma audiência pública na Câ-
mara Municipal de Belo Horizonte, na qual de Belo Horizonte, na qual foi
discutida o Projeto de Lei 795/2008, que foi aprovado com unanimidade
em 15.12.2008. O referido projeto legislativo foi um resultado da crescen-
te preocupação com os destinos da Vila Acaba Mundo - cada vez mais
pressionada pela sanha arrecadatória do setor imobiliário e de alguns
proprietários, em um cenário de supervalorização imobiliária e escassez
de terrenos aptos para a construção civil – e tinha o escopo de declarar de
utilidade pública e interesse social para fins de desapropriação dos imóveis
em proveito da comunidade, viabilizando-se, assim, sua regularização
fundiária e o tão sonhado fim da constante intranqüilidade suportada
por tantas famílias pobres, sem contar a facilitação ao acesso a serviços
públicos essenciais de água e energia elétrica.
274
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
275
reivindicar o imediato cumprimento do referido Decreto, tendo em vista
que o mesmo caduca após 4 anos de sua publicação, ou seja, no próxi-
mo ano de 2014. A ação foi ajuizada em 27/02/2013 e encontra-se em
tramitação na Terceira Vara da Fazenda Estadual do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais. Até o presente momento, não houve nenhuma decisão
quanto a matéria, houve apenas uma discussão quanto à competência. O
Estado declinou a competência de julgar para o Município, alegando que
o processo deve ser encaminhado às Varas da Fazenda Municipal, tendo
em vista tratar-se de Decreto Municipal.
Por ser a Vila Acaba Mundo uma ocupação espontânea que data da
década de 1940, a regularização da área por meio do usucapião especial
é a melhor alternativa vislumbrada. O usucapião deve ser interpretado a
partir de princípios e previsões constitucionais como a da moradia e da
função social da propriedade (SCHAFER, 2006). A proposta do usucapião
especial coletivo é diferente de qualquer outro tipo de usucapião pois além
de requerer a aquisição da propriedade para os possuidores, requer a ur-
banização da área. O diferencial entre o usucapião individual e o coletivo
é que o primeiro visa a regularização da situação fundiária do indivíduo
enquanto o segundo tem como finalidade não só “regularizar, mas permitir
a urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda, alterando
o perfil socialmente indesejável de determinados núcleos habitacionais
urbanos” (LOUREIRO, 2006, p. 89). Como a Vila Acaba Mundo é fragilizada
socialmente e irregular, a urbanização é essencial.
O usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade,
legalmente dada ao possuidor que ocupa áreas sem sofrer oposição,
pelo prazo fixado em lei, correspondente a cinco anos (BRASIL, 2002).
Fundamenta-se no reconhecimento de que o direito de uso é suficiente
para que o direito à moradia seja garantido pela aquisição da propriedade.
Portanto, valoriza a segurança da posse. O usucapião especial urbano parte
276
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Art. 183: Aquele que possuir como sua área urbana de até duzen-
tos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterrupta-
mente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário
de outro imóvel urbano ou rural.
277
lamento do Solo e de Planos Diretores” (LOUREIRO, 2006, p.91). Pensar
de outra forma esvazia o instituto e nega efetividade ao art. 183 da Cons-
tituição Federal, pois a maioria dos núcleos habitacionais ocupados por
pessoas de baixa renda não cumprem as regras urbanísticas. regularização
fundiária promovida pelo usucapião coletivo pressupõe a elaboração de
projeto de urbanização da área usucapida. Desse modo, deverá ser feito
um planejamento quanto à localização das vielas e áreas comuns, que
poderão ser destinadas ao Poder Público municipal, em acordo celebrado
em juízo conforme o plano de urbanização apresentado ao juiz na forma
de uma planta contendo memorial descritivo com a divisão dos lotes entre
os possuidores (BRASIL, 2002).
O memorial descritivo é essencial para explicitação ao juiz da configu-
ração da área objeto de usucapião. O memorial deve conter a descrição
da situação de fato das áreas comuns e dos espaços ocupados individu-
almente (BRASIL, 2002). É papel do Município realizar as intervenções de
urbanização na área objeto de usucapião para inseri-la na cidade legal e
regular. O envolvimento do Poder Público Municipal é derivado da com-
petência comum de promover a melhoria das condições habitacionais,
de saneamento básico, de combater a pobreza e os fatores de marginali-
zação social promovendo a integração social dos setores desfavorecidos
(BRASIL, 2002).A sentença final do processo de usucapião tem natureza
declaratória, declara o domínio individual ou coletivo sobre o imóvel. A
sentença que reconhecer o domínio valerá como título para o registro de
imóveis, nos termos da segunda parte do artigo 13.
O usucapião especial de imóvel urbano pode ser invocado como maté-
ria de defesa (art. 13, Estatuto da Cidade). A arguição de usucapião como
defesa sempre foi admitida, porém a decisão nesse caso não servia como
título para a transcrição do registro imobiliário, apenas declarava o direito
do réu ingressar com ação de usucapião coletivo. Duas são as hipóteses
possíveis de interpretação nesse caso. Uma delas é a de que realmente a
sentença simplesmente declara a possibilidade do usucapião e cabe ao
réu requerer o mesmo em uma nova ação observando todos os preceitos
278
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Requisitos do Usucapião
279
com ânimo de dono e incontestada pelo período de cinco anos, devendo
haver, construída no local uma residência, ainda que muito simples.
É necessária a presença de uma moradia no local objeto da ação, pois
o usucapião especial urbano visa garantir o direito à moradia e exige que
o requerente tenha estabelecido residência na área há no mínimo cinco
anos. A posse nesse caso é direta, afinal, se o interessado habita no local,
necessariamente exerce a posse direta. O herdeiro legítimo continua, de
pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel
por ocasião da abertura da sucessão (§ 3, artigo 9º do Estatuto da Cidade).
Preenchidos todos os requisitos, inclusive o prazo mínimo, a contestação
da posse pelo proprietário legal não anula o preenchimento dos mesmos.
280
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
281
2.2.1.7. Legitimidade Ativa
282
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Para além dos lotes privados, parte das moradias da Vila Acaba Mundo
esta inserida em área pública, que no projeto seria destinada a contrução
de vias. Para as famílias que moram nesses espaços, e não são poucas, há
uma solução: a concessão de uso especial para fins de moradia.
É possível questionar: e porque não a usucapião para todos? A Cons-
tituição proíbe, no §3º do artigo 183, a utilização da usucapião para a
regularização de terrenos públicos. No entanto, estabelece no §1º desse
mesmo artigo que a concessão de uso pode ser concedida, desde que
atenda aos mesmos requisitos. Transcrito abaixo:
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
A concessão de uso é uma faculdade do poder público, o qual deve
buscar áreas nas quais ela possa ser aplicada. Contudo, o que tem visto
é um verdadeiro descaso da administração pública que, ao contrário do
que propõe o estatuto da cidade e a constituição federal, têm retirado as
famílias de suas moradias para abrir avenidas, construir parques e tantas
desculpas mais, mesmo aquelas consolidadas há mais de 50 anos.
Diferentemente da usucapião, a concessão de uso especial para fins
de moradia não concede ao ocupante a propriedade do bem, que perma-
nece em poder da administração pública. O que se adquire é o título de
concessão de uso, isto é, a concessão do direito de usar o bem. Com ela,
portanto, têm-se assegurada a segurança da posse, tão demandada na
Vila Acaba Mundo que, como já destacado, tem na falta dela um de seus
maiores problemas, já que se trata de área muito valorizada.
Para obtê-la, o cidadão deve fazer o pedido da concessão diretamente
à administração pública, por meio de procedimento administrativo. Caso
não seja aprovado, resta o direito recorrer ao judiciário. Após longo pro-
cesso, que inclui recursos de ambas as partes (administração pública e
morador requerente), o juiz é que irá decidir se aquela família terá o direito
à concessão. E, se aprovado, não cabe mais à administração qualquer
283
discricionariedade: ela é obrigada a dar o título de uso.
A concessão de uso é um direito real e, como tal, tem eficácia erga
omnes. Isto é, é oponível a terceiros e não somente ao concedente, que
tem como título um contrato entre o Poder Público e o ocupante da área
pública. Ressalta- se que, obtida ou pelo meio administrativo ou pela
sentença do juiz, a concessão deverá ser levada no Cartório de Registro
de Imóveis para que tenha eficácia.
Os requisitos da Concessão de uso são os mesmos da Usucapião: ocu-
pação ininterrupta há mais de 5 anos, terreno de até 250m², fins de moradia
e não possuir outro imóvel. Da mesma forma, se aplica perfeitamente à
situação dos ocupantes da Vila Acaba Mundo, que ali estão, incontesta-
velmente, há mais de 50 anos. Essa regulamentação é feita na Medida
Provisória 2220, de 2001, cujo primeiro parágrafo vem transcrito abaixo:
O direito à concessão só pode ser conferido uma única vez a cada be-
neficiário, e é gratuito. Cumpre ressaltar que essa gratuidade diz respeito
ao direito de usar o terreno, e não a obras de urbanização e melhoras
que completam a regularização fundiária. Segundo Betânia de Morais
Alfonsin (ALFONSIN, 2002), “é interessante que os ocupantes contribuam
financeiramente, junto à administração pública, para essas melhorias,
pois “a regularização fundiária é um processo que só logra êxito quando
conta com ativa participação da comunidade beneficiária do projeto.”
Nesse sentido, destaca-se a concessão de uso como uma das etapas da
regularização fundiária, que só se completa com a urbanização da área e
regularização, por meio dos instrumentos adequados, das áreas privadas
da comunidade do Acaba Mundo.
284
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Art. 2o Nos imóveis de que trata o art. 1o, com mais de duzentos
e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001,
estavam ocupados por população de baixa renda para sua mo-
radia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde
não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor,
a concessão de uso especial para fins de moradia será conferida
de forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprie-
tários ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel
urbano ou rural.
285
I - de uso comum do povo;
II - destinado a projeto de urbanização;
III - de interesse da defesa nacional, da preservação
ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais;
IV - reservado à construção de represas e obras con-
gêneres; ou
V - situado em via de comunicação.
286
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
287
Ressalta-se que os instrumentos analisados só se aplicam a ocupa-
ções já consolidadas e nas quais não haja oposição dos proprietários dos
imóveis. Dessa forma, ela não pode ser feita na totalidade da Vila Acaba
Mundo, pois parte dela é objeto de ação de reintegração de posse. No
entanto, há ainda uma grande área cujos lotes não foram reivindicados
pelos proprietários oficiais, estão consolidadas e ocupadas por população
de baixa renda, o que torna a demarcação urbanística instrumento ade-
quado para a regularização de grande parte da comunidade.
Em resumo, a demarcação urbanística e a legitimação de posse, em
sucessão, se mostram muito interessantes para a Vila Acaba Mundo,
pois, além de grande parte desta atender a todos os requisitos, geram
a segurança da posse daquelas famílias e implicam, posteriormente, a
propriedade por meio da usucapião.
3. CONCLUSÃO:
288
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
289
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA E
áREAS OBJETO DE REGULARIZAÇÃO
1 Defensora Pública em Minas Gerais, titular da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e So-
cioambientais, pós-graduada em direito urbanístico pela Puc – Minas . cleide.nepomuceno@defensoria.mg.gov.br
2 BRASIL. Medida provisória nº 2220, de 4 de setembro de2001. Diário Oficial (da) União, Poder Executivo,
Brasília, DF, 5 de set.2001 (Edição extra). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2220.
htm Acesso em 15 de julho de 2013.
3 Nesse sentido consultar: http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&app=urbe
l&tax=8178&pg=5580&taxp=0&
291
caracterizadas pela carência de infraestrutura como pavimentação de
ruas, drenagem pluvial, esgotamento sanitário, legalização dos serviços
públicos de água e luz, direito a um endereço e também a instrumentos
que proporcionem segurança da posse por meio de sua titulação. Essa
política pública abrange o aspecto jurídico compreendido por mecanismos
que transformem a posse em domínio ou que importem em algum título
que a legitime, e o aspecto urbano de transformação do espaço ocupado,
conforme conceito previsto nos artigos 46 e 47, VII da Lei 11.977/2009.
São alvo dessas políticas públicas as Vilas ou Favelas, que além dos
aspectos acima também possuem em comum o forte adensamento e
ausência, em regra, de planejamento prévio em sua formação. Para Fer-
nandes (1998, p.133) entende-se por Favelas:
4 FERNANDES, Edésio. Direito do urbanismo: entre a cidade “legal” e a cidade “ilegal”. In: FERNANDES, Edésio
(Org.). Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 133.
5 OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à Moradia Adequada na América Latina. In: ALFONSIN, Betânia et al
(Org.). Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade. Belo Horizonte: Editora Fórum,
2006. p. 17-39.
6 BRASIL. Lei 6766, de 19 de dezembro de 1979 . Diário Oficial (da) União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 de
dez.1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm .Acesso em 15 de julho de 2013.
292
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 131.697/SP, 2ªTurma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j.
07.04.2005, DJ de13.06.2005,p.158; REsp n. 124.714-SP, relator Ministro Peçanha Martins, DJ de 25.9.2000;
REsp n. 259.982-SP, relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 27/9/2004; REsp 292.846/SP, Rel. Min. Humberto
Gomesde Barros, DJ 15.04.2002
8 BRASIL. Lei 11977, de 07 de julho de 2009. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 de jul.
de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm. Acesso
em 15de julho de2013.
293
ou não pela terra, cuja posse está consolidada no tempo. Nos dois casos,
a melhoria da situação habitacional deve ser conteúdo de políticas pú-
blicas em prol desta parcela da sociedade em nome do direito à cidade
sustentáveis e a seus benefícios9.
A Fundação João Pinheiro10 utiliza-se de outro termo para se referir às
habitações carentes em sua pesquisa periódica sobre a situação habitacio-
nal brasileira, baseada nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios – PNAD, elaborada e divulgada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE. Ela adota a expressão aglomerado subnor-
mal quando se refere às moradias inadequadas, valendo-se da definição
do IBGE segundo a qual:
9 NEPOMUCENO, Cleide. As favelas e o direito à cidade. Revista ADEP. Belo Horizonte, Ano I, nº 2, p. 19-
20- mai de 2012
10 Fundação João Pinheiro Centro de Estudos Políticos e Sociais. Déficit Habitacional no Brasil. Belo
Horizonte: 2007 Disponível em www.fjp.gov.br Acesso em 5 de maio de 2013
11 Fundação João Pinheiro Centro de Estudos Políticos e Sociais. Déficit Habitacional no Brasil. Belo
Horizonte: 2007
294
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
mento do solo, conforme Lei 6.766/79, mas também não é das melhores.
O surgimento espontâneo das unidades habitacionais informais ou irregu-
lares pode ser considerado modo plenamente normal dentro do contexto
socioeconômico em que elas surgiram.
Apesar da mencionada visão estigmatiszante da favela, destaca-se a
existência de um movimento de valorização da favela, seja nas músicas
ou pela mídia independente12, razão pela qual adotar-se-á o termo favela
ou assentamentos irregulares ao longo do texto como expressões sinôni-
mas, ressaltando o enfoque no surgimento de Favelas em áreas públicas,
de forma espontânea, posto que, em regra, não foram precedidas de
um loteamento, que, no caso, além de clandestino ou irregular, seriam,
tratando-se de área pública, completamente ilegal.
12 Dos quais se destacam em Belo Horizonte: ONG Favela é isso ái. Disponível em: <http:// www.favelaeis-
soai.com.br>. Acesso em: 5 de maio de 2013.
13 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. Atualização de Eurico de Andrade Azevedo, Délcio
Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. 35 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 536.
295
os requisitos indicados no art. 1° da Medida Provisória n° 2.220, de 4 de
setembro de 2001:
A vigência da Medida Provisória foi prorrogada indefinidamente
pelo art. 2° da Emenda Constitucional n° 32, de 11 de setembro
de 2001, segundo a qual: as medidas provisórias editadas em data
anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida
provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva
do Congresso Nacional. (Constituição Federal de 1988).
Se por um lado é direito do ocupante à declaração da CUEM, por outro
é dever do poder público a outorga do título de concessão, que tem
natureza de uma atividade vinculada da Administração Pública, “para
o fim de reconhecer ao ocupante o direito subjetivo à concessão para
moradia.” (CARVALHO FILHO, 2010, p.1285) 14
A outorga do título exige o prévio requerimento administrativo e no
caso de indeferimento é que caberia a manifestação do Poder Judiciário,
mediante a devida provocação, cuja sentença teria a natureza declaratória
(art. 6° da Medida Provisória), entretanto, pelo princípio do amplo acesso
à Justiça (artigo 5º, xxV da CR) a Defensoria Pública tem argüido em sede
de defesa de ações reivindicatórias ou possessórias este direito em favor
dos moradores de áreas públicas que se enquadram no caso, sem prévio
requerimento administrativo.
São duas as espécies de concessão de uso especial para fins de mora-
dia, a concessão individual e coletiva, tal como previsto para a usucapião,
cujos requisitos estão previstos nos artigos 1º e 2º, abaixo transcritos:
Art. 1º Aquele que, até 30 de junho de 2001, possui como seu, por
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e
cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área
urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem
o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em
relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário
ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou
rural. (BRASIL, 2004)
14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23 ed. revista, ampliada e
atualizada até 31/12/2009. 2a tiragem. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010. p. 1285.
296
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Art. 2º Nos imóveis de que trata o art. 1º, com mais de duzentos
e cinqüenta metros quadrados, que, até 30 de junho de 2001,
estavam ocupados por população de baixa renda para sua mo-
radia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde
não for possível identificar os terrenos ocupados por possuidor, a
concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de
forma coletiva, desde que os possuidores não sejam proprietários
ou concessionários, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou
rural. (BRASIL, 2004)
15 PRESTES, Vanêsca Buzelato. A concessão Especial para fins de Moradia na Constituição Federal e no Estatuto
da Cidade – da Constitucionalidade da Medida Provisória nº 2220 de 04 de Setembro de 2001. In: Direito à
Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade, Betânia Alfonsin e Edésio Ferandes (Org). Editora
Fórum, Belo Horizonte: 2006. p. 207.
297
privados e a explicitação contida no parágrafo somente reforça
o entendimento de que o comando do artigo atinge a ambas as
categorias de propriedade.
16 BELO HORIZONTE (Prefeitura). Urbel Vila Rica: Integração das Vilas à cidade. Disponível em: <http://
portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&app=urbel&tax=8178&pg=5580&taxp=0&. >
Acesso em: 10 de jun de 2013.
298
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
17 OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à Moradia Adequada na América Latina. In. ALFONSIN, Betânia et al (Org.).
Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006. p. 35
299
o valor apenas das benfeitorias e se forem comprar outra terão de pagar
pelas benfeitorias e pela posse de outro terreno ou residência, como pode
ser verificado pelo documentário “Uma avenida em meu quintal” produzido
pelo Programa de Extensão Pólos Reprodutores de Cidadania da UFMG e
dirigido por Frederico Triani e Samira Motta.18.
A Defensoria Pública ajuizou ações individuais em favor daqueles que
receberam o valor da indenização das benfeitorias reclamando o direito
ao reconhecimento da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia,
quando o Município reconhecia a sua titularidade da área desapossada ou,
na ausência de prova documental sobre a titularidade da área, pedindo a
indenização da posse, já que se trata de Favelas consolidadas no tempo
há mais de 20 anos, sem qualquer litígio possessório, mas os processos
ainda não foram julgados19.
A Defensoria Pública defende que os moradores de favelas possuem
direito público subjetivo à regularização fundiária, com fundamento legal
no artigo 46 e Lei 11977/2009 e que este direito importa no reconheci-
mento da posse como expressão do direito humano à moradia. Sustenta
ainda que a posse é direito autônomo e independente da propriedade e
como tal deve ser respeitado.
O pedido de indenização da posse tem fundamento ainda na Instrução
Normativa nº 16 de 2011 do Ministério das Cidades publicada no Diário
Oficial da União no dia 18 de março de 201120, que serve de orientação
para que as obras realizadas com recursos federais, como Pró-Moradia,
PPI – Projetos Priorioritários de Investimentos e Programas de Habitação
de Interesse Social, Urbanização de Assentamentos Precários – UAP,
sigam suas recomendações, dentre elas a que define o conceito de in-
18 Uma avenida em meu quintal. Direção de Frederico Triani e Samira Motta. Produção: Programa de Extensão
Pólos Reprodutores de Cidadania. UFMG. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=rlxKVtikzPw>,
Acesso em: 05 de jun de 2013.
19 Processos: 2283833032011.8130024; 2769039172011.8.130024; 02043244420128130024;
1844478512011.8.130024; 0817939652011.8.130024; 020480931820118130024; 2043296802010.8.13.0024;
1056279602012.8.13.0024; 1844494052011.8.130024; 3295817720118130024; 1844486282011.8.13.0024.
20 BRASIL. Instrução Normativa nº 16 de 2011 do Ministério das Cidades publicada no Diário Oficial da União
no dia 18 de março de 2011. Disponível em : https://www.legisweb.com.br/legislacao/?legislacao=78986
Acesso em11 de junho de 2013.
300
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
(....)
5.1.12 Indenização de Benfeitorias: valor correspondente aos
custos relacionados à indenização de investimentos realizados
pelos beneficiários finais, sem possibilidade de serem aproveita-
dos em função do projeto ou de exigências legais,
5.1.12.1 Considera-se para o cálculo do valor mínimo de indeni-
zação o montante necessário à recomposição do valor real do
imóvel originário, seus bens materiais e imateriais, incluindo a
posse do terreno, o uso do solo, sua exploração econômica e as
potencialidades sociais imanentes ao direito de moradia digna.
21 BELO HORIZONTE (Prefeitura). Urbel Vila Rica: Integração das Vilas à cidade. Disponível em: <http://
portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&app=urbel&tax=8178&pg=5580&taxp=0&. >
Acesso em: 10 de jun de 2013.
22 MATTOS, Liana Portilho. Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia: um Caso Concreto. In: ALFONSIN,
Betânia, FERANDES, Edésio (Org) . Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006.
301
O mesmo desrespeito se repete com o programa Vila Viva, implantado a
partir de 2005.
O pagamento de uma indenização somente pelas benfeitorias é inca-
paz de permitir ao morador desapossado a compra de uma outra unidade
habitacional na própria favela, obrigando-o a residir em outra mais dis-
tante, na maioria das vezes na região metropolitana. Este fato chamou a
atenção dos movimentos populares, conforme manifesto divulgado em
mídia independente.23
O não reconhecimento por parte do Município do direito dos mora-
dores de área pública municipal onde foi erigido uma Favela importa em
um discurso distorcido da nova ordem jurídica urbana, que compreende
a Constituição Federal, o Estatuto das Cidades, a Lei 119777/2009 e a
Medida Provisória 2220/2001, onde um dos pilares é o direito à cidades
sustentáveis nas quais o direito à moradia deve ser assegurado.
A segurança da posse é conteúdo do direito à moradia, conforme
Comentário Geral nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Cul-
turais das Nações Unidas24, órgão das Nações Unidas para o controle dos
tratados em matéria de Direitos Humanos. O Comentário analisa o artigo
11 do pacto, o Comitê afirma:
23 PROGRAMA Vila-Rica ou Vila-morta? Belo Horizonte. Set de 2008. Disponível em: <http://brasil.indymedia.
org/media/2008/10//429698.pdf>. Acesso em: 10 de jun de 2013.
24 COMENTÁRIO GERAL Nº4, do Comitê das NaçõesUnidades de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
FERNANDES, Edésio e ALFONSIN, Betânia (Coordenadores) Coletânea de Legislação Urbanística. Belo
Horizonte: Editora Fórum, 2010.
302
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
303
CONCLUSÃO
25 BELO HORIZONTE (Prefeitura). Uma cidade melhor para todos. Disponível em: <http://portalpbh.pbh.
gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=15885&chPlc=15885&&pIdPlc=&app=salanotic
ias>. Acesso em: 10 de jun de 2013.
304
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23 ed.
revista, ampliada e atualizada até 31/12/2009. 2a tiragem. Rio de Janeiro: Lúmen
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COMENTÁRIO GERAL Nº4, do Comitê das NaçõesUnidades de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais. FERNANDES, Edésio e ALFONSIN, Betânia (Coordenadores)
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305
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NEPOMUCENO, Cleide. As favelas e o direito à cidade. Revista ADEP. Belo Hori-
zonte, Ano I, nº 2, p. 19-20, mai de 2012
OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à Moradia Adequada na América Latina. In:
ALFONSIN, Betânia et al (Org.). Direito à Moradia e Segurança da Posse no
Estatuto da Cidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2006. p. 17-39.
VIEIRA, Marina Nunes. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Reais – O Direito
Real de Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia. In: SOUZA, Adriano
Stanley Rocha (Org). Estudos Avançados da Posse e dos Direitos Reais. Belo
Horizonte: Del Rey, 2010. p.276-300
306
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
I. CONSIDERAÇÕES INTRODUTóRIAS
1 Advogado recém formado pela Faculdade Nacional de Direito da UFRJ – pedrotpgreco@hotmail.com e gre-
cotpedro@gmail.com
2 Entrevista dada ao autor no dia 31 de julho de 2013.
3 CHALUB, Melhin Namem. O grande teste da usucapião administrativa. In CASTRO, Paulo Rabello de.
Galo Cantou! A conquista da propriedade pelos moradores do Cantagalo. Rio de Janeiro: Record:2011. p. 202
307
mediante ação judicial de usucapião ou de desapropriação com
finalidade específica, quando em terras particulares.
308
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
309
Como alternativa para melhorar esse quadro surge o fenômeno de saída
do Judiciário. Logo, apresentam-se, outros palcos para a composição de
conflitos e dentre eles o cartório aparece de forma relevante (artigo 57,
§ 9º da Lei 11.977).
Quanto a esse espaço para compor litígios pode-se mencionar as suas
recentes atribuições de forma exemplificativa: a) o reconhecimento da
paternidade extrajudicialmente, b) o processamento extrajudicial da re-
tificação de área de imóveis urbanos e rurais, c) a execução extrajudicial
na alienação fiduciária de imóveis, d) o registro tardio, e) a separação e o
divórcio extrajudiciais, f) inventário extrajudicial e mais recentemente a
g) legitimação da posse extrajudicial na forma da Lei 11.977/2009.
Essa fuga do Judiciário é conhecida como desjudicialização que é gêne-
ro que tem como espécie a cartorialização. Nessa perspectiva, o magistrado
Fluminense Marco Aurélio Bezerra de Melo7 conceitua a desjudicialização:
7 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Legitimação da Posse dos Imóveis Urbanos e o Direito à Moradia.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 142
8 MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Legitimação da Posse dos Imóveis Urbanos e o Direito à Moradia.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 136
310
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
9 CHALUB, Melhin Namem. O grande teste da usucapião administrativa. In CASTRO, Paulo Rabello de.
Galo Cantou! A conquista da propriedade pelos moradores do Cantagalo. Rio de Janeiro: Record:2011. p. 212.
10 Entrevista dada ao autor no dia 08 de agosto de 2013.
11 Entrevista dada ao autor no dia 21 de maio de 2013.
12 Entrevista dada ao autor no dia 12 de julho de 2013.
311
III – A LEGITIMAÇÃO DA POSSE
EXTRAJUDICIAL DA LEI 11.977/2009
312
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
313
57 § § 2º e 3º da Lei 11.977/2009 e o artigo 7º, VI da Portaria nº 207/2011
da Corregedoria Geral de Justiça do TJERJ, que esmiuçou o tema no Rio de
Janeiro, será de 15 (quinze) dias, sendo essa notificação pessoal conforme
o artigo 57 § 1º da Lei e dos artigos 4º § 3° e 5º §1º daquela Portaria. Como
se nota não há nenhuma afronta ao devido processo legal, contraditório e
ampla defesa, pois todas essas cláusulas pétreas são plenamente obser-
vadas. Sobre esses prazo achamos que o legislador foi muito feliz, pois
confere maior celeridade ao processo e valoriza a posse do possuidor.
Vemos com bons a atitude da Secretaria Municipal de Habitação do
Rio de Janeiro que tem guiado esse projeto na pessoa da municipalidade
Carioca de buscar áreas em que é certo que o Poder Público, seja ele em
qualquer esfera, e o proprietário não se pronunciarão de acordo com a
fala da servidora Angélica Pullig16 (informação verbal). Isso é justamente
para evitar que o procedimento se arraste no cartório, evitando-se assim
a tão criticada morosidade que não mais seria judicial, mas cartorária.
Após os Entes Públicos e o proprietário não impugnarem o feito, mes-
mo após a legal citação, deverá ser feita a averbação da demarcação nas
linhas do artigo 51 da Lei 11.977/2009 e dos artigos 6º e 7º da Portaria
do nº 207/2011 da CGJ do TJERJ sendo feito o parcelamento do solo nos
moldes da Lei 6.766/1979 e o registro do imóvel com a entrega do título
aos ocupantes cadastrados. Segundo os artigos 48, V e 58 § 2º da Lei
11.977/2009 a concessão do título será dada preferencialmente à mulher.
Essa última previsão poderia estar sujeita a censura acadêmica em
vista que confere uma prerrogativa a mulher, no entanto, concordando
com a proteção da mulher dada pela Lei 11.430/2006 (Lei Maria da Pe-
nha) e no foro privilegiado da mulher no artigo 100, I do CPC, o nosso
posicionamento que segue a linha do Professor Edésio Fernandes17 e do
Juiz Estadual do Rio de Janeiro Eduardo Telles18 (informação verbal) que
aqui não há uma discriminação odiosa e preconceituosa, ambas proibidas
314
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
315
Ousamos discordar de tal visão, pois, acreditamos que: a) O próprio
artigo. 54 §§ 1º, 2º e 3º da Lei 11.977/2009 admite a ocupação de áreas
de preservação permanente (APP) desde que motivada e desde que haja
consolidação da ocupação; b) A Resolução/CONAMA nº 369/2006 que
define os casos excepcionais em que é possível a autorização para a su-
pressão ou redução de áreas verdes que estejam em APP, estando nesse
contexto incluídas as ocupações informais; e c) A Constituição do Estado
do Rio de Janeiro de 1989 que, já avançada para o seu tempo, na sua
redação original, prevê em seu artigo 271 que a criação de unidades de
conservação ambientais será seguida dos procedimentos necessários a
regularização fundiária.
Podemos elencar também a jurisprudência da Terceira Turma do STJ
que por unanimidade julgou em 07/05/2007 e publicou em 18/06/2007
o AgRg na MC nº 12.594/RJ de Relatoria do Ministro Ari Pargendler que
o direito à moradia pode superar o direito ao meio ambiente, in verbis:
316
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
317
poimento da servidora Angélica Pullig26 (informação verbal) de não incluir
no processo da legitimação da posse casas que estejam, segundo ela, em
condições frágeis de habitabilidade, pois, a Prefeitura não poderia segundo
ela regularizar o ilegal.
Posicionamo-nos na esteira do Professor Alex Magalhães27 (informação
verbal) e do arquiteto Ricardo Corrêa28 (informação verbal) de que o SMH
não pode extrapolar os ditames da Lei, endurecendo-a e dificultando o
acesso àqueles que estão em situação precária quanto a sua situação fun-
diária. A legitimação da posse não pode ser confundida como o “Habite-se”
que será dado depois sendo obrigação do Poder Público no que expõe o
artigo 23, xI da Constituição da República melhorar e reurbanizar essa área
para garantir a dignidade dessas famílias que moram nessas condições.
Importantíssimo destacar que esse procedimento é destinado predo-
minantemente à população de baixa renda (artigo 47, VII, 11.977/2009),
somente beneficiando aqueles que não sejam concessionários, foreiros
ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural e que, além disso, não
tenham já utilizado outras formas de legitimação de posse (artigo 59 §
1º, I e II, Lei 11.977/2009). Pensamos que essa iniciativa do legislador
foi boa, pois além de guardar simetria com o regramento do artigo 183,
caput, in fine, da Constituição garante maior e melhor distribuição das
terras urbanas.
Em conclusão, todo esse procedimento da legitimação da posse extra-
judicial tende a ser mais rápido, havendo previsão de que todo o proce-
dimento dure em média 8 (oito) anos, de acordo com a servidora da SMH
Angélica Pullig29 (informação verbal).
É preciso analisar um caso até o final para que se confirme essa previ-
são da Secretária Municipal de Habitação Carioca. Contudo, pode se falar
desde já que essa média está relativamente alta para o que se esperava
desse instituto. Desse modo, não seria exagerado criticar esse prazo,
318
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
pelo menos na teoria, quanto a sua duração razoável que não atende aos
preceitos mínimos da efetividade e celeridade.
319
Desse fato, nas palavras da advogada Roberta Athayde32 (informação
verbal), que atuou diretamente na regularização do Barcelos, surgiu um
descompasso fundiário entre o que está no cartório e o que se observa na
prática. Como consequência desse longo período de dissonância, ficava
difícil ou quase impossível se reconstituir a cadeia sucessória de compra
e venda de propriedades e lotes, o que trazia óbices para o ajuizamento
das demandas de adjudicação compulsória.
Nessa área os lotes são bem definidos, existe clara urbanização e o
desenvolvimento ocorreu em cima de uma área particular. Além de a
municipalidade carioca, com a Lei nº 3.351 de 28/12/2001, ter alçado a
Rocinha à condição de AEIS (Área de Especial Interesse Social) ou ZEIS
(Zona de Especial Interesse Social), o que muito facilita a regularização
fundiária, pois sua constituição é condição para inclusão do assentamento
no programa de regularização.
Essas características levaram a Fundação Bento Rubião no começo
dos anos 2000 em concordância com os moradores, a patrocinar várias
demandas de usucapião judicial para os moradores que não possuíssem
a promessa de compra e venda devidamente registrada.
A estratégia dessa instituição se mostra perspicaz porque mesmo que
muitos desses moradores tenham, inclusive, adquirido o terreno, quase
todos não regularizaram a situação no cartório, sendo, de fato, a saída
mais sábia alegar a usucapião em vez de tentar montar toda a cadeia de
compra e venda. Em adição a isso a Fundação também andou bem ao
evitar o manejo da usucapião coletiva (artigo 10 Lei 10.257/2001), recém
criada e de árida aplicação, já que poucos juízes e promotores a conhe-
ciam, além de demandar uma situação fática homogênea das moradias,
o que não se encontrava na região.
Escolhido o plano de ação o primeiro desafio foi lidar com a notável
morosidade judiciária para decidir, dentro de uma duração razoável do
processo, e com as inúmeras decisões e sentenças contraditórias que
vinham dos magistrados Fluminenses, o que atrapalhava a efetividade
320
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
321
pelo Juiz Eduardo Telles36 (informação verbal) de que o Ministério Público
Estadual deveria estar presente nesse provimento explicitamente porque
a sua função constitucional é de fiscalizar a fiel aplicação da lei, portanto,
não poderia estar de fora dessa força tarefa.
Ademais, outro dado que merece ser destacado, é a opinião de José
Martins de Oliveira37 (informação verbal), membro da Fundação Bento
Rubião e da Associação de Moradores do Bairro Barcelos, e uma das mais
antigas e conhecidas lideranças comunitárias da Rocinha de que a legiti-
mação extrajudicial da posse seria inadequada para áreas consolidadas
como a Rocinha (Barcelos), sendo somente viável em áreas de ocupações
recentes como o loteamento Santa Clara, que será abordado em seguida,
devido a menor complexidade jurídico-social encontrada nessas áreas.
Em contrapartida, na visão do Desembargador do TJERJ Marco Aurélio
Bezerra de Melo38 (informação verbal) e da advogada Mariana Trotta39
(informação verbal), nos locais em que há uma ocupação consolidada
há décadas, como no caso da Rocinha, não haverá impugnação ao feito,
porque a situação já está consolidada podendo o processo tramitar mais
facilmente, sem um contencioso que atrasaria a legitimação da posse.
Quanto a essa questão precisamos de mais matéria-prima para nos
posicionar, tendo em vista que ambos os lados têm argumentos atraentes
a seu favor. Destarte, ainda precisamos observar o trâmite das atuais legi-
timações em andamento, para vislumbrar qual dos dois lados terá razão.
A outra área onde se desenvolve a legitimação da posse extrajudicial
é o Loteamento Santa Clara em Guaratiba, processo este que começou
em maio de 2012. Nessa localidade, o loteador vendeu os lotes, mas não
concluiu o processo de implantação do loteamento e abandonou por
completo a área fracionada. Assim, os moradores requereram a inscrição
Núcleo de Regularização de Loteamentos da Prefeitura, em virtude de ser
um loteamento irregular (artigo 47 da Lei 11.977/2009), para que houvesse
322
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
323
uma maior compreensão do papel da dimensão social na regu-
larização fundiária, pois este tem sido subavaliado. A atuação
dos assistentes sociais e sociólogos precisa e deve ir além do
que lhe tem sido atribuído […] Faz-se necessário a absorção
por parte destas comunidades a compreensão do que significa
ser cidadão, entender o valor do patrimônio e a importância da
proteção ambiental, além disto, há a necessidade de projetos
educacionais e de geração de renda, assim poderemos alcançar
a sustentabilidade da regularização fundiária.
324
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
325
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Cristiano Muller1
Karla Fabrícia Moroso S. de Azevedo2
Viviane Florindo Borges3
1. INTRODUÇÃO
1 Advogado, Doutor em Direitos Humanos e Diretor Executivo do Centro de Direitos Econômicos e Sociais – CDES;
2 Arquiteta e Urbanista, Especialista em Direitos Humanos e Pesquisadora do Centro de Direitos Econômicos
e Sociais – CDES;
3 Assistente Social, Mestre em Geografia Urbana e Colaboradora do Centro de Direitos Econômicos e Sociais
– CDEE;
327
política urbana com uma série de instrumentos para a garantia do direito
à cidade², para o cumprimento da função social da propriedade e para a
democratização da gestão urbana. Mais de uma década depois em 2001,
é aprovada lei federal que trata da regulamentação desta política urbana
prevista na Constituição Federal: O Estatuto da Cidade. Nesta lei estão
expressos os conceitos e os instrumentos que visam a transformação das
cidades brasileiras em cidades mais sustentáveis, justas e democráticas.
Uma das políticas previstas no bojo desta nova ordem jurídico-urbana,
subsidiada a partir de discussões internacionais do direito à cidade e ga-
rantida pela Constituição Federal a partir de 1988, é a política de regulari-
zação fundiária³. Para tanto a nova normativa oferece instrumentos legais,
urbanísticos e de gestão que visam retirar da informalidade, camadas da
população que até então estavam invisíveis na sociedade. Na esteira desta
nova ordem jurídico-urbana constitucional, cria-se em 2005 o Ministério
das Cidades e com ele a proposta de promover políticas púbicas urbanas
articuladas por meio de programas governamentais, incluindo a unificação
orçamentária, que mais tarde reflete-se na disponibilização de recursos
financeiros para projetos urbanos e habitacionais articulados à política em
implementação. Partindo-se de uma perspectiva programática, a política
habitacional enfoca, em um primeiro momento, a regularização fundiária
a partir de dois movimentos complementares e simultâneos que tinham
por objetivo atacar o problema da produção informal da cidade: o primeiro
de caráter curativo, com o objetivo de atender o passivo, regularizando
os assentamentos informais consolidados, removendo e gerenciando os
riscos e reconhecendo o direito à moradia das famílias dos assentamentos
informais; o segundo de caráter preventivo cujo objetivo foi o de evitar
a formação de novos assentamentos precários e novas ocupações pre-
datórias. Desenha-se assim uma política pública, com marco normativo
na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, que se implementa de
forma descentralizada, respeitando a autonomia municipal e a participação
cidadã na concepção, execução e fiscalização das ações. Neste contexto
normativo, aborda-se o caso da Vila São Pedro, cujo processo de regula-
328
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
329
Mesmo diante de um quadro normativo favorável e de uma gama de
recursos direcionados à regularização fundiária, são relevantes os obs-
táculos encontrados. Esses obstáculos pautam-se, especialmente nas
visões burocráticas e ideológicas que defendem o uso social da terra e
da propriedade urbana presentes, ainda hoje, nas ações de urbanistas
e operadores do direito. No campo do planejamento urbano tem-se a
“necessidade de criar sobre o papel em branco” que impõe um “modelo
pronto” que não tem, via de regra relação nenhuma com a realidade a ser
modificada e que desconsidera o olhar dos moradores e as relações que
estabelecem com a cidade a partir do lugar que moram. No campo jurídico
a falta de um olhar que integre a necessidade da moradia adequada (com
segurança da posse superando a informalidade), a propriedade urbana e
os direitos socias (que são direitos coletivos) emperram, desconstituem
e algumas vezes destróem processos sociais de luta pelo uso social da
terra. Sem dúvidas os despejos coletivos são a materialização desta visão.
Com o intuito de contribuir para a reflexão da política de regularização
fundiária, apresentamos relato do processo de regularização fundiária da
Vila São Pedro, compreendendo que as experiências vividas pelos morado-
res da Vila São Pedro podem auxiliar outras comunidade no fortalecimento
do protagonismo para a condução de suas lutas pela terra urbanizada,
propondo ainda provocar os operadores do direito, os urbanistas e os
gestores públicos a ampliarem o leque de possibilidades e parcerias para
a execução da regularização fundiária em assentamentos informais. As-
sim, o estudo será apresentado em dois momentos, tendo como marco
temporal, a alteração normativa advinda com o Estatuto da Cidade e a
consequente alternância no protagonismo para a condução do processo
de regularização fundiária pela comunidade.
330
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
331
Os homens adultos, analfabetos na sua maioria, são mestiços
de origem italiana, açoriana, alemã, polonesa, mas principal-
mente afro-brasileira; ganham a vida como papeleiros, guardas-
-noturnos, biscateiros e operários intermitentes da construção
civil. As mulheres, quando trabalham, são faxineiras. Alguns dos
jovens completam suas rendas como roubo e as mulheres, de to-
das as idades, praticam a mendicância (FONSECA, 2000, p. 17).
332
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
333
3. VILA SÃO PEDRO: CONSTRUINDO CIDADANIA A
PARTIR DO PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA
334
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
335
FIGURA 1 – Localização da Vila São Pedro. Fonte: COHRE (2006).
FIGURA 2: Vila São Pedro – Ocupação e inicio do processo de urbanização. Fonte: COHRE (2006)
336
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
337
ção ao pedido protocolado, a Associação de Moradores da Vila São Pedro
ajuizou Ação contra o Estado do Rio Grande Sul solicitando a CUEM de
forma Coletiva. Uma ação inovadora visto que as bases legais eram re-
centes (2001) e que não foram detectados precedentes deste tipo de Ação
Judicial, ainda mais de forma “coletiva”.
Esta ação da comunidade da Vila São Pedro, visando a garantia do seu
Direito à Moradia, foi resultado de um processo coletivo, compartilhado
entre diversos atores públicos e privados que atuaram, inicialmente pela
mobilização e informação da comunidade visando instrumentaliza-la
para o enfrentamento jurídico e político da disputa territorial. Assim foram
atores importantes desta caminhada: a comunidade da Vila São Pedro,
organizada através de um Comitê Gestor composto por representantes
da Associação de Moradores e por lideranças comunitárias, o Centro pelo
Dirieto à Moradia contra Despejos - COHRE, o Serviço de Assesoria Jurí-
dica Universitária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – SAJU/
UFRGS, o Ministério das Cidades, a Assembléia Legislativa do Estado e a
Camara de Vereadores do município de Porto Alegre.
É importante destacar que disputas desta envergadura, que colocam
em cheque conceitos formatados e subvertem a lógica de mercado his-
tóricamente posta, propondo-se a tratar a questão da terra e da moradia
por uma perspectiva de direito e não mais de mercadoria, necessitam
diferentes estratégias de intervenção, sendo a judicialização uma delas.
Assim a judicialização do processo de regualrização fundiária da Vila São
Pedro, foi conduzida de forma articulada à estratégias de mobilização, de
formação e informação, de incidência e de instrumentalização:
Estratégia de Mobilização: esta estratégia teve por objetivo mobilizar
a comunidade para o enfrentamento do processo de regularização fun-
diária e fortalecer a coletividade visto que a ação judicial previa a CUEM
de forma coletiva, e que este trata-se do primeiro passo para a efetivação
do direito à cidade e à moradia que no caso da Vila São Pedro vai além
da CUEM, pois a comunidade necessita também de intervenções fisicas
para qualificação do espaço e das moradias. Foram ações vinculadas
338
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
339
foi apresentado ao Ministério Público como proposta alternativa àquela
desenvolvida pelo Estado sem a participação da comunidade.
340
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
341
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS DESAFIOS DO PROCESSO
DE REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA, DA VILA SÃO PEDRO
PARA EFETIVAÇÃO DO DIREITO A MORADIA.
Não há dúvidas que a vila São Pedro se beneficiou dos avanços nor-
mativos e de investimentos das últimas décadas relacionadas à regula-
rização fundiária. A comunidade também logrou avanços significativos
em termos de cidadania, pois, a compreensão da comunidade de que a
questão da moradia ou da “efetivação do direito à moradia” transcende a
“casa”, articulada aos novos instrumentos disponibilizados pelo Estatuto
da Cidade e a necessidade de mapear parceiros, desencadeou uma ação
em rede que ao mesmo tempo em que fortaleceu a luta da regularização
fundiária construiu cidadania, tornando-se também ação estratégica de
incidência pela regularização fundiária através da CUEM.
Por outro lado, é fato que há muito a se fazer naquela comunidade para
que se efetive o “direito à moradia” das famílias que lá residem. O processo
vivido pela comunidade da vila São Pedro, coloca como primeiro desafio
da regularização fundiária, os limites da instituição pública enquanto
promotora de processos desta envergadura que exigem ações de Estado,
e não de Governo para serem efetivas. Também, registra a comunidade
como protagonista e promotora das ações que defendem seus interesses
(que são coletivos) e aponta ações de mobilização, de capacitação, de
informação e de fomento à organização comunitária como eixos estru-
turais do processo, e um desafio para a comunidade e seus parceiros. As
paralisações do processo refletido especialmente na não finalização das
obras, a demora nas respostas do poder executivo e judiciário, a ausência
do poder público (enquanto Estado) na comunidade, o não cumprimento de
acordos legais8 e de compromissos políticos são variáveis que fomentam
a desmobilização e a desarticulação da comunidade.
Também está posto o desafio de atuar de forma articulada em processos
de regularização fundiária, tanto do ponto de vista técnico, como do ponto
de vista estratégico. Tecnicamente, o processo da vila São Pedro iniciou
342
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
343
fundiária pela propriedade individual inserido no atual modelo de desenvol-
vimento não garante o direito à moradia e a inserção socioeconômica das
famílias à cidade, servindo apenas aos interesses do mercado. A moradia
é um direito a ser garantido pelo estado brasileiro, não é mercadoria, e
por assim deve ser entendido enquanto política de Estado para o acesso
à terra urbanizada com interface direta com a política territorial e com
a política habitacional, e sendo assim deve, no âmbito do ordenamento
jurídico urbano brasileiro, integrar o Plano Diretor (instrumento de gestão
territorial) e o Plano Local de Habitação de Interesse Social (instrumento
de gestão da política de habitação de interesse social).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
NOTAS
1
Segundo o IBGE Aglomerado Subnormal é É um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habita-
cionais (barracos,casas etc.) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo
ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em
geral, de forma desordenada e densa”.
2
O direito à cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades, visando o desenvolvimento sustentável
através de alternativas e de novas formas de pensar a gestão do solo urbano de forma a potencializar o in-
teresse social na apropriação da terra fazendo com que a cidade cumpra sua função social e que se produza
de forma democrática, justa, eqüitativa e sustentável. Isto posto, pressupõe-se o exercício pleno e universal
da vida, ou seja o exercício de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, inerentes ao
ser humano, previstos na normativa nacional e pelos pactos e tratados internacionais. Carta Mundial pelo
344
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
345
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A regularização fundiária
como garantia de moradia e
de meio ambiente equilibrado
Luciana Bedeschi 1
347
vezes para áreas impróprias à ocupação para fins de moradia. Deste modo,
a ocupação em áreas de proteção permanente passam a ser o refúgio da
população desassistida.
Desprezadas pelo mercado imobiliário as áreas de proteção perma-
nente localizadas em perímetros urbanos foram gradativamente ocupadas
por favelas e por loteamentos informais e irregulares. Da parte do Poder
Público, remover as moradias em áreas protegidas significa o dever de
garantir o direito à moradia em lugar seguro, mas como as políticas habi-
tacionais são insuficientes, tolerar, à própria sorte, é uma opção política
adotada em muitos casos.
Em vista deste quadro, entre tanto outros problemas da urbaniza-
ção brasileira, foi iniciado no início da década de 1960, fortalecido na
década de 1980 - um amplo movimento de reforma urbana disposto ao
enfrentamento da situação degradante da habitação caracterizada pela
irregularidade urbana e a exposição ao risco, resultando, inicialmente, em
mudanças pontuais na legislação, culminando, nos anos seguintes, em
importantes mudanças nas normas gerais, que geraram novos direitos à
população moradora destas áreas irregulares e informais, seja a partir de
implantação de infraestrutura necessária para o conforto e a contenção
de riscos, seja pelo reconhecimento do direito, possibilidade de titulação
e proteção jurídica da moradia.
348
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2 Neste sentido, MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2011.p. 133.
3 A emenda popular da reforma urbana propunha um conjunto de princípios, regras e instrumentos destinados
à institucionalização e promoção do direito à cidade. Conforme SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas
do Direito Urbanístico Brasileiro: ordenamento constitucional da política urbana. Aplicação e eficácia do
Plano Diretor. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997. p. 30-31.
349
Contudo, a trajetória do direito à cidade remete à decada de 1960,
quando as primeiras ideias sobre o direito à cidade como um direito hu-
mano começam a ser desenvolvidas, inicialmente na França, a partir das
formulações de Henri Lefebvre, para quem o direito à cidade (não a cidade
arcaica, mas a centralidade), em relação aos trabalhadores, encontrava-
-se em formação assim como o Direito do Trabalho, como luta coletiva
e emancipação,4 e no Brasil, com as lutas sociais pela reforma urbana
iniciadas na mesma década, que reivindicavam reformas estruturais no
trato das questões fundiárias brasileiras. Em decorrência do regime militar
que afundou o Brasil numa ditadura militar que durou de 1964 a 1986,
estes temas não puderam ser colocados ampla e publicamente em debate,
reaparecendo com força na Assembleia Constituinte.
Esta experiência brasileira, de institucionalizar uma ideia política de
cidade inclusiva, foi decisiva para a inclusão do direito à cidade em Fó-
runs em Conferências Internacionais, dos quais se destacam o Tratado
“Por Cidades, Vilas e Povoados, Justos, Democráticos e Sustentáveis”,
elaborado para a Conferência da Sociedade Civil Sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento durante a Conferência das Nações Unidas Sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, a ECO 92; e os
temas da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos,
Habitat-II, realizada em Istambul em 1996:”Adequada Habitação Para To-
dos” e o “Desenvolvimento de Assentamentos Humanos em um Mundo
em Urbanização”. Esta última Conferência, além de ser um espaço para a
construção do direito à cidade em âmbito internacional, ainda reconheceu
o direito à moradia como um direito humano, influenciando no Brasil para
a promulgação da Emenda Constitucional 26 de 2000, que inclui o direito
à moradia aos direitos sociais.5
Carta Mundial pelo Direito à Cidade6, publicada em 2004, define o direito
350
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
351
institutos e princípios próprios, existe forte interação entre os pressupos-
tos do Direito Ambiental e do Direito Urbanístico, uma vez que ambos
os direitos influenciam as condições de cumprimento da função social
da propriedade.
As agendas internacionais buscaram conciliar interesses ambientais
e urbanísticos. Assim como a Agenda 217, a Agenda Habitat8 converge
no sentido de que a proteção ambiental e a promoção da moradia são
conteúdo do desenvolvimento sustentável, por isso devem ser aplicadas
conjuntamente.
Mas se as agendas buscam um tom conciliatório, cabe saber o quanto
a legislação brasileira converge em direitos. Partindo de uma retrospectiva
da legislação brasileira verifica-se que se as normas ambientais, conceitos
e deveres relativos ao meio ambiente são novidade na Constituição de
1988, contudo, as primeiras políticas de proteção ao meio ambiente foram
sancionadas na década de 1930. Naquele período os objetivos eram o de-
senvolvimento e a manutenção da propriedade e dos meios de produção.
Neste momento político, conhecido como “Segunda República”, surgem as
primeiras respostas às inquietações e manifestações contra a exploração
predatória dos recursos naturais. São deste período, portanto, o conjunto
de decretos voltados à proteção e gestão dos recursos naturais que com-
preendem o Primeiro Código Florestal de 1934, o Código de Mineração e
o Código de Águas.
A Política Nacional do Meio Ambiente9, implantada em meio a um pro-
cesso de redemocratização do país, representa uma pequena mudança de
orientação no rumo das políticas ambientais ao integrar em seus objetivos
a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental. A cria-
7 A Agenda 21, como resultado da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento - ECO-92, é o
compromisso assumido por cada país considerando os diversos setores da sociedade em refletir de forma local
e global como poderão contribuir para solução de problemas socioambientais. Em 1997, na Rio+5, a agenda
é revista. Em 2000, na 55ª Assembleia das Nações Unidas foi adotada nova agenda, denominada Metas de
Desenvolvimento do Milênio, que prioriza as políticas globais para erradicação da pobreza e da fome.
8 A agenda Habitat resulta da Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos - Habitat II,
realizada na Cidade de Istambul em junho de 1996.
9 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins
e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.
352
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
353
ambientais caracterizadas pelas ocupações de faixas de áreas de preser-
vação permanente era praticamente inexistente, inobstante o respeito ao
direito à moradia das populações vivendo nestas áreas, que foi inserido na
Medida Provisória nº 2.220/2001, dispondo ao Poder Público assegurar o
exercício do direito da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia
se o imóvel cuja concessão requerida estiver sobre área de preservação
ambiental e proteção de ecossistemas naturais.
Em 2006 foi publicada a Resolução CONAMA nº 369, produzida a partir
de um acordo entre ambientalistas e urbanistas. A CONAMA nº 369 dispõe
sobre a regularização fundiária de interesse social, em seção denominada
“Da regularização fundiária sustentável em área urbana”, que estabelece
o conceito de ocupação consolidada.
Mas a Lei federal nº 11.977/2009 também trouxe disposições para a
interação entre a legislação urbanística e ambiental e a solução para os
assentamentos consolidados em áreas de proteção permanente. Inicial-
mente, ao dispor sobre o procedimento de regularização fundiária esta
lei atribui dimensão à proteção ambiental às medidas de regularização,
e vincula ao plano de regularização fundiária as medidas necessárias à
sustentabilidade urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo
compensações ambientais.
Poupadas as diferenças conceituais e de marco temporal existentes
entre os dois regramentos, verifica-se que no tocante ao estabelecimen-
to de plano ambiental para implantação de regularização fundiária, a
Resolução CONAMA nº 369 e a Lei federal nº 11.977/2009 têm o mesmo
entendimento, ou seja, de que os aspectos da área e as medidas ambientais
devem compor o plano de regularização fundiária.
Contudo, a Resolução CONAMA nº 369 não acumula experiências de
aplicação. Neste sentido, é difícil fazer, ainda que em síntese, uma compa-
ração entre a resolução CONAMA e a lei federal, mas quando então a Lei
federal nº 11.977/2009 promove a simplificação do processo de aprovação
da regularização fundiária de interesse social ao reunir no mesmo proce-
dimento o licenciamento urbanístico e ambiental, no âmbito municipal,
354
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
10 Veja Lei federal 12.651/2012, especialmente o artigo 64 que “Na regularização fundiária de interesse social
dos assentamentos inseridos em área urbana de ocupação consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Per-
manente, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária,
na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009”.
355
em áreas urbanas deve ser vista com mais cautela pelo Poder Público e
população em geral. Cada vez mais a dimensão ambiental e sua proteção
tendem a ocupar mais espaços na legislação urbanística, nas políticas
públicas e no modo de vida nas cidades, um exemplo é a inserção sempre
que possível da expressão sustentabilidade na nova legislação, políticas,
diretrizes e práticas.
356
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
11 Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 187- 188.
12 Ibid., p. 417.
13 Dimensão jurídica das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari. (Org.). Políticas públicas: reflexões
sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 65.
357
Vale trazer também, para o entendimento do papel das diretrizes, o
comentário de Maria Paula Dallari Bucci, que, ao produzir um conceito
válido de política pública em Direito, apresenta à diretriz o seguinte papel:
14 Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 26.
358
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
15 Como exposto, trata-se do projeto de lei que se encontra em tramitação no Congresso Nacional sob nº
3057/2000. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposic
ao=19039>
359
II - as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível,
as outras áreas destinadas a uso público;
III - as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade
urbanística, social e ambiental da áreas ocupada, incluindo as
compensações urbanísticas e ambientais previstas em lei.
360
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
16 Impacto socioambiental em áreas urbanas sob a perspectiva jurídica. In: MENDONÇA, Francisco. (Coord.).
Impactos socioambientais urbanos. Curitiba: UFPR, 2004. p. 117.
361
e na dinâmica do processo sociojurídico de produção da ilegali-
dade. É papel de todos - dos setores estatal, privado, comunitário
e voluntário, bem como do Ministério Público - juntar forças
não dividir, para assim enfrentar as graves questões ambientais
urbanas, sobretudo de forma a dar suporte à ação dos governos
municipais comprometidos com a promoção da reforma urbana.
362
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
17 Neste sentido, vale citar a produção de Resoluções CONAMA, produzidas a partir de 2009, que visa pro-
mover a educação ambiental e também se atém ao licenciamento ambiental de novos empreendimentos
destinados à construção de habitações de interesse social. A Resolução nº 412 de 2009, que estabelece critério
e diretrizes para o licenciamento ambiental de novos empreendimentos de HIS; a Resolução nº 422 de 2010,
que estabelece diretrizes para ações de educação socioambiental conforme a Lei federal nº 9.795/1999 e a
Resolução nº 429 de 2011.
363
Diz-se que o núcleo central dos direitos sociais é constituído pelo
direito do trabalho (conjunto dos direitos dos trabalhadores) e
pelo direito de seguridade social. Em torno deles, gravitam outros
direitos sociais, como o direito à saúde, o direito de previdência
social, o de assistência social, o direito à educação, o direito ao
meio ambiente sadio. A Constituição tentou preordenar meios
de tornar eficazes esses direitos, prevendo, p. ex., fonte de
recursos para a seguridade social, com aplicação obrigatória
nas ações e serviços de saúde e as prestações previdenciárias e
assistenciais (arts. 194 a 195), assim como a reserva de recursos
orçamentários para a educação (art. 212). Aos direitos culturais,
impõem-se ao Estado dar-lhe apoio, incentivos e proteção (art.
215). Para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente,
o §1º do art. 225 define vários procedimentos, incluindo estudo
prévio do impacto ambiental, a que se dará publicidade, no caso
de instalação de obras e serviços causadores de degradação ao
meio ambiente, assim como estatui meio de atuação repressiva
de natureza penal, administrativa e civil (art. 225, §3º). São ainda
modulações cuja eficácia própria só a experiência vai confirmar.18
CONCLUSÃO
364
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
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Acesso em14 de agosto de 2013.
369
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
1 Mestre em Direito Privado pela PUC Minas; Especialista em Direito de Empresa pelo Instituto de Educação
Continuada da PUC Minas; Especialista em Direito Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério
Público de Minas Gerais. Professor de Direito Civil do Centro Universitário Newton (Belo Horizonte – MG) –
email: jjdefaria@gmail.com
2 Doutora em Geografia pela UFMG em cotutela com a Université d’Avignon (França) Mestre em Direito Cons-
titucional pela UFMG e Mestre em Direito Ambiental pela Universidad Internacional de Andalucía (Espanha) e
Professora de Direito Ambiental do Centro Universitário Newton (Belo Horizonte – MG) – email: maralucem@
hotmail.com
3 Informação disponível no endereço eletrônico <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_populacao/caracteris-
ticas_da_populacao_tab_pdf.shtm> Acesso em 05 mai. 2013.
371
O IBGE identificou, ainda, que, no Brasil, existem 6.329 (seis mil, tre-
zentos e vinte e nove) aglomerados subnormais, assim entendidos aqueles
representados por favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas,
ressacas, mocambos, palafitas, entre outros assentamentos irregulares4,
dos quais 3.954 (três mil, novecentos e cinquenta e quatro) encontram-
-se situados nos centros urbanos do Sudeste do país, principal destino da
população de baixa renda que busca uma vida melhor.
Nesses aglomerados subnormais, residem 11.425.644 (onze mi-
lhões, quatrocentos e vinte e cinco mil e seiscentos e quarenta e
quatro) habitantes.
Os números se apresentam com extraordinária relevância para aqueles
que lidam com o Direito, pois é sabido que a ocupação nos aglomerados
subnormais normalmente se mostra irregular, não conferindo ao possuidor
qualquer título que legitime sua situação jurídica.
Nessa esteira, ganha relevância o instituto da regularização fundiária
de áreas urbanas, estabelecido como diretriz do Estatuto da Cidade, e
regulado pela Lei Federal 11977/09, demonstrando o conhecimento e
preocupação do legislador com o crescimento desordenado dos centros
urbanos e com a proteção dos direitos dos indivíduos à uma vida mais
digna. Por isso estabelece o direito a moradia e é voltado à regularizar
e conceder títulos de propriedade na forma da lei, àquelas pessoas que
ocupam terras urbanas irregularmente.
Assim, pretende-se com este artigo compreender e fazer uma breve
análise do instrumento da regularização fundiária em especial a de inte-
resse social demonstrando que este faz cumprir o direito fundamental,
e fundamento da Federação Brasileira, da dignidade da pessoa humana
garantindo o direito social fundamental à moradia.
Neste contexto, será usada a perspectiva de Immanuel Kant de digni-
dade da pessoa humana. Demonstrando que esta foi usada para criar a
interpretação deste princípio, tanto no plano internacional, configurado
372
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5 MEDAUAR, Odete (org.). Coletânea de Legislação Ambiental. 11ªed.rev.ampl.atual.São Paulo: RT, 2012, p.23
373
formas de discriminação.”6 Pontos centrais para garantir uma real dig-
nidade do ser humano.
Tal princípio, dotado da qualidade de norma constitucional, não deve
ser entendido apenas como verdade fundamental a orientar a interpretação
do sistema do direito. Deve, sim, ser entendido como norma jurídica em
geral, produzindo determinados efeitos que haverão de ser garantidos,
mesmo que coativamente, pela ordem jurídica.
Já se afirmou que “dignidade da pessoa humana é uma locução tão
vaga, tão metafísica, que embora carregue em si forte carga espiritual,
não tem qualquer valia jurídica”7 Tal entendimento, entretanto, não deve
prevalecer. Necessário é que se determine o significado da dignidade da
pessoa humana, a fim de que se possam determinar os efeitos pretendidos
pela norma.
Segundo Antônio Junqueira de Azevedo8, a utilização da expressão
“dignidade da pessoa humana” no mundo do direito é fato histórico re-
cente. O autor anota que a expressão em causa surgiu pela primeira vez9,
no contexto em que hoje está sendo usada, em 1945, no preâmbulo da
Carta das Nações Unidas10.
6 MEDAUAR, Odete (org.). Coletânea de Legislação Ambiental. 11ªed.rev.ampl.atual.São Paulo: RT, 2012,
p.23.
7 BARROSO, Luís Roberto. O Direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibi-
lidades da constituição brasileira. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.296.
8 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista Trimestral
de Direito Civil, Rio de Janeiro, v.9, p.3-24, jan/mar. 2002.
9 A respeito das várias previsões legislativas acerca da dignidade da pessoa humana, ver: NOBRE JÚNIOR,
Edílson Pereira. O direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Adminis-
trativo, Rio de Janeiro, v.219, p.237-251, jan-mar. 2000.
10 A Carta das Nações Unidas foi assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, após o término da Con-
ferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de outubro daquele
mesmo ano. Assim consta do preâmbulo de referida carta: “Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a
preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe
sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e
no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes
e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados
e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores
condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para tais fins, praticar a tolerância e viver em paz, uns
com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e
a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não
ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e
social de todos os povos, resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução desses objetivos. Em vista
disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco,
depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a
presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será
conhecida pelo nome de Nações Unidas”.
374
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
11 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dig-
nidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.103.
12 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução Paulo Quintela. Lisboa:
Edições 70, 2002.
13 ALVES, Gláucia Correa Retamozo Barcelos. Sobre a dignidade da pessoa. In: COSTA, Judith Martins (Coord.).
A Reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.221.
14 Idem, p.68
375
quer dizer como algo que não pode ser empregado como simples
meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio
(e é um objeto de respeito). Estes não são portanto meros fins
subjectivos cuja existência tenha para nós um valor como efeito
de nossa acção, mas sim fins objectivos, quer dizer coisas cuja
existência é em si mesma um fim, e um fim tal que se não pode
pôr nenhum outro em seu lugar em relação ao qual essas coisas
servissem apenas como meios; porque de outro modo nada em
parte alguma se encontraria que tivesse valor absoluto; mas se
todo o valor fosse condicional, e por conseguinte contigente, em
parte alguma se poderia encontrar um princípio prático supremo
para a razão.
15 Idem.
16 MOARES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003
17 Idem, p.77
18 Ibdem
19 Idem, p.81
376
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
20 Idem.
21 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dignidade da
pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p107.
22 Gláucia Retamozo Alves (2002, p. 215-218) fala da concepção hobbesiana de pessoa, para quem esta
última seria definida em razão de seu papel social, o que atualmente poderia ser denominado de “identidade
estatutária”. Segundo Alves, essa forma de se conceber a pessoa apresenta forte resquício medieval, já que
a pessoa é vista como um ator social. Além do mais, “atenta contra a dignidade humana, à medida em que
impede o homem de se desenvolver na sua plenitude, como que amputando sua dimensão íntima, sua iden-
tidade pessoal, que é substituída pela identidade estatutária”.
23 ALVES, Gláucia Correa Retamozo Barcelos. Sobre a dignidade da pessoa. In: COSTA, Judith Martins (Coord.).
A Reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. P. 213-229.
377
especialmente marcante no que tange à concepção da dignidade da pessoa
humana. O nazismo revela os horrores a que eram levados seres humanos
e trouxe como política de governo assumida e defendida o extermínio de
milhares de pessoas como se essas não possuíssem nenhum valor em si.
Como vítimas, tem se principal exemplo dos judeus.
Hanna Arendt24 observa o tratamento dispensado aos judeus, donde se
verifica o desprezo ao ser humano em si. Ao apresentar o julgamento de
Adolf Eichmann, acusado de cometer crimes contra o povo judeu, crimes
contra a humanidade e crimes de guerra durante o período do regime
nazista e principalmente durante o período da 2ª Guerra Mundial, Hanna
Arendt lembra o episódio ocorrido no outono de 1941, seis meses depois
de a Alemanha ter ocupado a parte sérvia da Iugoslávia. Segundo afirma25,
24 ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Ed. Com-
panhia das Letras, 1999. 344p
25 ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Ed. Com-
panhia das Letras, 1999, p.34
26 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais: o princípio da dig-
nidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 327p.
27 Os textos originais das constituições de diversos países, dentre os quais os aqui mencionados, podem ser acessados através do
endereço eletrônico <https://www.planalto.gov.br/legisla.htm>.
28 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista Tri-
mestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v.9, p.3-24, jan/mar. 2002, p.4
378
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a
todos os membros da família humana e de seus direitos iguais
e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo,[...]
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na
Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e
no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens
e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e
melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, [...]
Artigo I Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade
e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em
relação umas às outras com espírito de fraternidade. [...]
Artigo XXII Toda pessoa, como membro da sociedade, tem
direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional,
pela cooperação internacional e de acordo com a organização e
29 Idem
30
379
recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e cul-
turais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento
da sua personalidade.[...]
Artigo XXIII 1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre es-
colha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e
à proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual re-
muneração por igual trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração
justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família,
uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se
acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar
para proteção de seus interesses.31
31 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇõES UNIDAS. Carta das Nações Unidas, assinada em 26 de junho de 1945.
Disponível em <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php> Acesso em 10 dez. 2005.
380
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social.[...]
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de
atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com mora-
dia, alimentação, educação saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
[..]
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Fe-
deral e dos Municípios:[...]
32 MEDAUAR, Odete (org.). Coletânea de Legislação Ambiental. 11ªed.rev.ampl.atual.São Paulo: RT, 2012.
381
3 A Regularização Fundiária
33 Idem, p.469
34 BRASIL. Lei 11.977, de 07 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida –
PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/L11977compilado.htm> Acesso em 5 mai. 2013.
382
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
35 Parcela de área urbana instituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predo-
minantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e
ocupação do solo.
383
3.1 Regularização Fundiária de Interesse Social
384
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
385
A Legitimação de Posse, entendida como ato do poder público desti-
nado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de
demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e
natureza da posse, será concedida preferencialmente em nome da mulher
e registrado na matrícula do imóvel, como determina o §2º do artigo 58
da Lei 11.97/09 embora, a nosso viso, soe inconstitucional a regra por
violação o princípio da igualdade.
Devidamente registrada, a Legitimação de Posse constitui direito em
favor do detentor da posse direta para fins de moradia, razão pela qual
também será concedida ao coproprietário da gleba, titular de cotas ou
frações ideais, devidamente cadastrado pelo poder público, desde que
exerça seu direito de propriedade em um lote individualizado e identificado
no parcelamento registrado.
Entretanto, a Legitimação de Posse somente poderá ser concedida aos
moradores cadastrados pelo poder público, desde que a) não sejam con-
cessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural e b)
não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente.
Também, não será concedido Legitimação de Posse aos ocupantes a
serem realocados em razão da implementação do projeto de regularização
fundiária de interesse social, devendo o poder público assegurar-lhes o
direito à moradia.
Como visto, a legitimação de posse constitui ato de reconhecimento
pelo poder público da posse do ocupante do imóvel objeto da demarca-
ção urbanística. Por essa razão, a Lei 11.977/09 prevê a possibilidade
que a posse assim reconhecida seja convertida em propriedade, através
do procedimento de usucapião administrativa, contemplado pela lei na
forma seguinte:
386
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
deverá apresentar:
I – certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência
de ações em andamento que versem sobre a posse ou a proprie-
dade do imóvel;
II – declaração de que não possui outro imóvel urbano ou rural;
III – declaração de que o imóvel é utilizado para sua moradia ou
de sua família; e
IV – declaração de que não teve reconhecido anteriormente o
direito à usucapião de imóveis em áreas urbanas.
§ 2o As certidões previstas no inciso I do § 1o serão relativas à
totalidade da área e serão fornecidas pelo poder público.
§ 3o No caso de área urbana de mais de 250m² (duzentos e
cinquenta metros quadrados), o prazo para requerimento da
conversão do título de legitimação de posse em propriedade
será o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião.37
37 BRASIL. Lei 11.977, de 07 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida –
PMCMV Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/L11977compilado.
htm> Acesso em 5 mai. 2013.
387
Como se vê, a regularização fundiária aqui apresentada, que pode
culminar com a titulação da propriedade, busca vincular o homem ao
solo urbano já ocupado, garantindo o direito social à moradia. Ao mes-
mo tempo, busca a regularização fundiária assegurar e implementar a
função social da propriedade.
38 TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas
de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2001. p. 267-291
39 “É através dessas faculdades que o titular da propriedade pode obter as vantagens econômicas decorrentes
da situação proprietária”. (GONDINHO, 2001, p. 140)
40 Contra essa orientação tem-se André Pinto da Rocha Osorio Gondinho (2000) e José Afonso da Silva (1997),
para quem a função social integra a própria estrutura do direito de propriedade.
388
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
41 Comungamos do entendimento de César Fiuza (2004), para quem a propriedade constitui uma relação
jurídica dinâmica, na qual se vislumbra direitos e deveres, tanto do titular quanto dos não titulares. Dessa
forma, a função social da propriedade apresenta-se como fundamento dos direitos dos não titulares e dos
deveres do titular do direito real. Retira-se, assim, a atenção da figura do proprietário, para se afirmar que
também os não titulares possuem direitos. Nunca é demais lembrar que, a todo momento, conforme enunciado
legal (artigo 1.228 do Código Civil em vigor e artigo 524 da lei revogada), chama-se a atenção somente para
os poderes do proprietário.
389
a um direito de uso, gozo e disposição que deve ser exercido, atendendo
sua destinação sócio-econômica, ou seja, sua função social.
Assim entende Teodoro Adriano Zanardi42, para quem
42 ZANARDI, Teodoro Adriano. Propriedade e posse sob a perspectiva da função social. 2003. 135f.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, p.100.
43 TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas
de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2001. p. 267-291
44 GONDINHO, André Pinto da Rocha Osorio. Direitos Reais e Autonomia da Vontade: o princípio da
tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.413.
390
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
45 TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas
de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2001. p. 280
46 Idem, p.286
47 O Código Civil em vigor (Lei 10.406/2002), muito embora não tenha se referido expressamente à função social
da propriedade, inovou na legislação infraconstitucional, determinando que a propriedade deve ser exercida
em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais, e de modo que sejam preservados, conforme
determinado por lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico
e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. Esse o texto do §1º do artigo 1.228. Ao nosso ver,
o legislador apresentou-se tímido ao enunciar o interesse social no trato da propriedade. Poderia ter sido mais
ousado, fazendo expressa referência à função social da propriedade e à necessidade de sua compatibilização
com situação jurídicas existenciais, respeitada a dignidade da pessoa humana.
48 GONDINHO, André Pinto da Rocha Osorio. Direitos Reais e Autonomia da Vontade: o princípio da
tipicidade dos direitos reais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.148
391
A situação jurídica real (patrimonial por excelência), portanto, mesmo
modelada pela autonomia da vontade, deve estar compatibilizada com a
tutela constitucional dos valores da função social da propriedade e, via
de consequência, com os valores de uma situação jurídica existencial.
Dessa forma, a função social da propriedade49 deve estar harmoniza-
da com a autonomia da vontade, a fim de que a modelação da situação
jurídica real ocorra no direito de forma legítima.
O projeto constitucional exige que se conceba a relação entre a
Constituição e a legislação infraconstitucional de forma que a primeira
apresente-se como fundamento interpretativo da segunda, o que obriga
a uma leitura dos institutos do direito civil à luz da Constituição, e não
inversamente50 51.
Daí porque concluímos seguindo o entendimento de André da Rocha
Osorio Gondinho52 para quem a modelação dos tipos reais pela autonomia
da vontade
49 E aqui se pode falar em função social da situação real, posto que a propriedade é o direito real por excelência,
dela derivando os demais direitos reais possíveis.
50 Não é possível, portanto, que se promova, no que concerne à propriedade, uma leitura da Constituição
à luz do Código Civil. Exige-se, sim, que o Código Civil seja lido à luz da Constituição, para que se consiga
compreender os caracteres, conteúdos e extensão do tipo proprietário.
51 TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. In: TEPEDINO, Gustavo. Temas de
Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar: 2001, p.276.
52 Idem, p.138.
392
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
393
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Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos locali-
zados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as
Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036,
de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no
2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://
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394
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
395
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A valorização da posse e a
regularização fundiária de
terras devolutas mineiras
INTRODUÇÃO
397
O presente artigo pretende chamar a atenção para a regularização
fundiária de terras devolutas do Estado de Minas Gerais, no que tange a
irregularidade dominial, a saber, quando o possuidor ocupa essas terras
devolutas sem qualquer título formal que lhe dê garantia jurídica sobre a
posse exercida.
Admite-se assim, que as terras devolutas estaduais também são alvo
da irregularidade fundiária. Aliás, a dificuldade em catalogar todas as
áreas devolutas existentes no âmbito estatal corrobora com essa situação.
Há de se atentar, porém, para o fato de que, uma vez identificada a terra
devoluta, a regularização fundiária é uma de suas principais destinações,
nos termos da Lei Mineira 11020/1993.
Quanto à conceituação de terras devolutas sabe-se que, segundo o Có-
digo Civil de 2002, as terras devolutas estão incluídas na categoria dos bens
públicos disponíveis. De modo geral, costuma-se dizer que elas tiveram
sua origem na extinção do regime de concessão de capitanias, quando as
terras foram devolvidas ao patrimônio da Coroa Portuguesa. Contudo, o
conceito ideal vai um pouco mais além. Terras devolutas são aquelas que
pertencem ao Estado pelo simples fato de que não foram desmembradas
do patrimônio público por um título legítimo, dada a origem pública da
propriedade fundiária no Brasil, e que não estão afetadas a um uso público.
A lei mineira, por meio do art. 2º, §1º do Decreto 34.801/1993 escla-
rece o que vem a ser considerado título legítimo, ressalvado que nesse
rol, incluem-se ainda, as propriedades ocupadas pelos remanescentes das
comunidades dos quilombos:
398
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
399
tadual Mineira e das Leis Estaduais 7373/1978 e 11020/1993.
Nesse contexto, o presente trabalho busca trazer à baila da regulari-
zação fundiária de terras devolutas mineiras a valorização do instituto da
posse, como instrumento hábil a fornecer segurança jurídica e dinamici-
dade na efetivação da regularização, numa perspectiva de regularização
fundiária plena, que enalteça o princípio da dignidade humana,em con-
trapartida à utilização massiva do instituto da propriedade.
Para tanto, o artigo mostra, de maneira crítica, a incidência do institu-
to da posse no programa de regularização fundiária de terras devolutas
mineiras, abordando os argumentos contrários à utilização singular do
instituto da posse em tais casos. Após, desenvolve-se o entendimento
acerca da função social da posse de terras públicas e seus benefícios à
regularização fundiária. Ao final, a conclusão vislumbra uma evolução
na política pública brasileira de modo geral, a caminho da valorização do
instituto da posse, e o seu préstimo à execução da regularização fundiária
de terras devolutas.
400
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
401
Já a Lei Estadual 11020/93, regulamentada pelo Decreto 34.801/93,
dispõe de maneira geral sobre as terras públicas e devolutas estaduais,
com ênfase maior às terras devolutas rurais, e prevê que a regularização
jurídica dar-se-á por meio da alienação ou concessão, que se procedem de
quatro formas diferentes, a saber, concessão gratuita de domínio; alienação
por preferência; legitimação de posse; e concessão de direito real de uso.
Os dois primeiros instrumentos referem-se à legitimação de domínio,
enquanto os dois últimos regularizam a posse do ocupante, mantendo, a
priori, a propriedade estatal daquelas terras devolutas.
A Lei 11020/93 faz referência ainda à reserva de área devoluta, utili-
zada quando o caso concreto não se enquadra nos requisitos legais das
formas de disponibilização acima delineadas. Contudo, esse instrumento,
que efetivamente transfere apenas a posse da terra devoluta por meio de
decreto do Governador, está restrito a órgãos ou entidades interessadas
que desenvolvam na área atividade de interesse público previsto no Plano
Mineiro de Desenvolvimento Integrado, de maneira a restringir sua utili-
zação no que tange a regularização fundiária.
7 STEFANINI, 1978 apud MARQUES, B. F. Direito Agrário Brasileiro. São Paulo, Atlas, 2012. P. 87.
8 MATOS NETO, 1988 apud Ibid., p. 88.
402
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
9 Ibid., p. 90.
403
Decorrido o prazo e comprovadas as condições estabelecidas no ins-
trumento de concessão, ao concessionário será outorgado título de pro-
priedade após o pagamento do valor da terra, acrescido dos emolumentos.
Assim, esse instrumento típico de garantia da posse é transformado
em requisito para aquisição de domínio da terra devoluta mineira.
3 - OS ARGUMENTOS CONTRáRIOS
à VALORIZAÇÃO DO INSTITUTO DA POSSE
404
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
405
A partir dessa conceituação, a doutrina majoritária entende que o
aspecto social já está ínsito aos bens públicos, de modo que somente
por serem propriedade de pessoas jurídicas de direito público tais bens já
teriam cumprido implicitamente os requisitos de atendimento à função
social da propriedade.13
Entretanto, esse entendimento não guarda razão. Afinal, as terras
devolutas são de propriedade pública, e não recebem qualquer afetação
formal. Se não fossem os possuidores ocupando a área para sua moradia
ou seu sustento, as mesmas restariam completamente abandonadas, o
que, certamente, contraria o princípio da função social.
Aliás, percebe-se que é a posse a verdadeira concretizadora desse
princípio, por ser ela a expressão fática da propriedade. Na realidade, a
tendência atual é direcionar o papel e a missão do instituto da posse pe-
rante a coletividade, buscando solidariedade e bem comum.
13 Ibid., p. 9.
14 PIRES, C. T. O aspecto simbólico da função social da posse frente às exigências legais para
recebimento da indenização por desapropriação: uma crítica à discrepância entre a lei e o caso
concreto. 2011. Anais do CONPEDI. p. 11766.
15 ALFONSIN, 2001, apud ARAÚJO, 2013, P. 9.
406
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
407
percepção de “melhor posse”para aquela que cumprir função
social, independentemente da forma do título do apossamento;
d) arrefecimento das práticas de grilagem junto aos cartórios
brasileiros, pois entre o título e a função social que se der ao
imóvel, prevalecerá o último; e) vedação total de que se discuta
o direito de propriedade em demandas que tenham como causa
de pedir a posse18.
CONCLUSÃO
18 ALBURQUEQUE, 2002, apud MELO, M. A. B. Legitimação de posse: dos imóveis urbanos e o direito
à moradia. Rio de janeiro, Lumen Juris, 2008.
408
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
409
5 BRASIL, Lei 601/1850. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Leis/L0601-1850.htm> Acesso em 18 ago 2013.
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almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=CON&num=1989
&comp=&ano=1989> Acesso em: 18 ago 2013.
7 MARQUES, B. F. Direito Agrário Brasileiro. São Paulo, Atlas, 2012.
10 FERNANDES. E. (Coord). Regularização da Terra e Moradia: o que é e
como complementar. Disponível em < www.polis.org.br/uploads/949/949.pdf>
Acesso em: 18 ago 2013.
14 PIRES, C. T. O aspecto simbólico da função social da posse frente às exi-
gências legais para recebimento da indenização por desapropriação: uma
crítica à discrepância entre a lei e o caso concreto. 2011. Anais do CONPEDI.
16 ÁVILA, H. B. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o
particular in O Direito Público em Tempos de Crise: estudos em homenagem
a Ruy Ruben Ruschel. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1999.
18 MELO, M. A. B. Legitimação de posse: dos imóveis urbanos e o direito à
moradia. Rio de janeiro, Lumen Juris, 2008.
410
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Aspectos registrais
da regularização fundiária
1. INTRODUÇÃO
1∗ Graduando em Direito pela Universidade Federal do Pará, Bolsista do Programa de Capacitação em Re-
gularização Fundiária de Interesse Social na Região Metropolitana de Belém (PROExT/MEC/SESu); e-mail:
bruce_leal@hotmail.com.
∗∗
2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará, estagiária do Ministério Público Estadual, atuando
na Terceira Promotoria Criminal; e-mail: emelinsouza@hotmail.com.
∗∗∗
3 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará, Bolsista do Programa de Capacitação em Re-
gularização Fundiária de Interesse Social na Região Metropolitana de Belém (PROExT/MEC/SESu); e-mail:
josilene.aboim@gmail.com.
∗∗∗∗
4 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará, Bolsista do Programa de Capacitação em
Regularização Fundiária de Interesse Social na Região Metropolitana de Belém (PROExT/MEC/SESu); e-mail:
luananunes_bandeira@hotmail.com.
∗∗∗∗∗
5 Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará,
Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, Advogado e Consultor Jurídico especializado
em Direito Urbanístico e Ambiental; e-mail: mlealdias@gmail.com.
411
Deve-se compreender que a moradia é um direito fundamental e, por
isso, deve ser compromisso de todos os países que ratificam os tratados
internacionais protetores dos direitos humanos a sua efetivação através
de políticas públicas. Nesse sentido, a efetivação desse direito social traz
à baila condições básicas, mas primordiais para ocupantes de áreas irre-
gulares, tal como a segurança jurídica da posse.
A regularização fundiária de interesse social é implementada por meio
de instrumentos expressamente previstos na Lei nº 10.257, sendo que
desses instrumentos serão abordados a CUEM e a CDRU. É através desses
institutos que se viabiliza alcançar a regularização fundiária de interesse
social, garantindo-se moradia ao ser humano para desenvolvimento de
sua dignidade.
2. REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA DE
INTERESSE SOCIAL COMO EFETIVAÇÃO
DO DIREITO hUMANO à MORADIA
412
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 MELO, Lígia. Direito à moradia no Brasil. Política Urbana e Acesso por meio da Regularização
Fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 35
8 Op. cit. p. 36.
413
humanos a sua efetivação através de políticas públicas.
No âmbito nacional este direito somente foi expressamente garantido,
pela Constituição Federal de 1988, com o advento da Emenda Constitu-
cional nº 269, de 14 de fevereiro de 2000, quando então foi positivado no
rol dos direitos sociais, sendo direito de toda coletividade e poder-dever
do Estado a garantia, defesa e promoção do acesso à moradia adequada
a todos os cidadãos. Assim, de acordo com o art. 21, xx, da CF/88, cabe
à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
quanto à habitação; bem como, conforme disposto no art. 23, Ix, cabe
à União, Estados, Distrito Federal e Municípios promoverem programas
para construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais.
Para complementar, no que diz respeito à ampla concepção do direito à
moradia adequada, há um capítulo constitucional especialmente reser-
vado à temática, intitulado “Política Urbana”, contendo os arts. 182 e 183
da Constituição; bem como pode-se também fazer uma interpretação
sistemática de todos os dispositivos diretamente relacionados ao direito à
moradia com o art. 225 da Carta Magna que estabelece o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado.
Nesse sentido, a efetivação desse direito social traz à baila as seguintes
condições:
Segurança jurídica da posse;
Disponibilidade de serviços, materiais, benefícios e infraestrutura,
tais como acesso à água potável, energia, iluminação, instalações
sanitárias, serviços de emergência;
Gastos suportáveis que inclui a possibilidade de satisfação das
suas necessidades básicas acessíveis ao seu proporcional nível
de renda;
Habitabilidade, o que inclui proteção contra o frio, umidade,
chuva, contra fatores que possam prejudicar a saúde e fazer
proliferar doenças.
Acessibilidade, significando dizer que todo ser humano deve ter
acesso à moradia e aqueles que não possam por si só acessar tal
direito tenham à sua disposição condições e recursos para seu
pleno acesso. Cabe, ainda dar prioridade aos grupos de pessoas
consideradas em maior desvantagem tais como idosos, porta-
dores de necessidades especiais, crianças, vítimas de desastres
414
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
10 Ibidem. p. 38.
415
e em seu art. 46 consta o conceito desse processo11.
Como se vê, a regularização fundiária aqui apresentada, que deve culmi-
nar com a titulação da propriedade, busca vincular o homem ao solo urbano
já ocupado, garantindo o direito social à moradia. Nesse sentido, conforme
ressaltam Edésio Fernandes e Betânia Alfonsin12, há de se haver esforços
conjuntos para se simplificar a titulação, uniformizando e barateando ao
máximo seus procedimentos, como forma de ampliá-la o máximo possível,
já que o registro público é imprescindível para a garantia da segurança jurí-
dica da posse ao cidadão que busca ter acesso à moradia digna e firmar-se
em um lugar.
Os instrumentos de regularização fundiária estão previstos no art. 4º, V, no
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257), que sistematiza uma série de institutos de
planejamento, tributários, políticos e jurídicos, os quais deverão ser utilizados
pelos entes federativos a fim de enfrentar as diversas irregularidades fundiárias.
Esse tipo de regularização está bem delimitada nos referidos tex-
tos normativos e se trata de um conjunto de procedimentos de ordem
jurídica, urbanística, ambiental e social que objetiva à regularização
de assentamentos informais e à titulação de seus possuidores, sendo
necessário o atendimento aos critérios específicos delimitados pelo art.
3º, §3º da referida lei.
A regularização fundiária de interesse social é implementada por meio
de instrumentos expressamente previstos na Lei nº 10.257. Esses instru-
mentos são: a Usucapião Especial Urbano, a Concessão de Uso Especial
para fins de Moradia e a Concessão de Direito Real de Uso, sendo, então,
através desses institutos que se viabiliza a moradia digna conforme ob-
11 Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e
sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a
garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Lei nº. 11.977, de 7 de julho de 2009 que dispõe sobre
o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em
áreas urbanas; altera o Decreto-Lei nº. 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de
1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a
Medida Provisória nº. 2.196-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.
12 ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio. Coletânea de legislação urbanística: normas internacionais,
constitucionais e legislação ordinária. ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (Coord.). Belo Horizonte:
Fórum, 2010. p. 23.
416
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
417
pessoas, para que haja sustentabilidade do processo ora implementado.
13 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 203.
418
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
14 Morreti ressalta ainda que para que os programas de regularização fundiária contemplem as especificidades
de cada local, bem como para que haja uma gestão democrática e participativa - objetivos da política pública
urbana, deverá haver a articulação entre os diversos órgãos públicos, entre o poder público e a população.
Acentua-se, ademais, que os projetos de pesquisa, ensino e extensão nas Universidades se tem apresentado
como meio eficaz para interligar o poder público, o saber, e a comunidade vulnerável que necessita da regu-
larização das suas terras. MORETI, Julia Azevedo. A Concessão de Uso Especial para fins de Moradia
como Instrumento de Regularização Fundiária em áreas da União. Disponível em: <http://www.ibdu.
org.br/imagens/aconcessaodeusoespecialparafinsdemoradia.pdf>. Acesso em 17 ago. 2013.
15 BORBA, Tereza; AGUIAR, Carlos. Regularização fundiária e procedimentos administrativos. p. 200.
419
concessão seja emitido, gratuitamente16, no Registro Público no Cartório
de Imóveis: através de uma iniciativa própria do Poder Público, por reque-
rimento dos interessados na seara administrativa ou ainda pela via judicial.
Ressalta-se que através da Medida Provisória nº 2.220/01, a CUEM se
tornou um instrumento de regularização de áreas que também não foram
frutos de irregularidades, assim afirma Betânia Alfonsin que17:
16 § 1o do artigo 1º da Medida Provisória nº. 2.220/01: A concessão de uso especial para fins de moradia
será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
(grifos nossos)
17 ALFONSIN, Betânia. Da Concessa o de Uso Especial in Estatuto da Cidade Comentado. Liana Portilho
Mattos (org.). Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 421.
18 ALFONSIN, Betânia. “Da concessão de uso especial” in Estatuto da Cidade Comentado Liana Portilho Mattos
(org.). Belo Horizonte, Mandamentos, 2002. págs. 409-431.
420
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
19 É o que prevê o artigo 1º da Medida Provisória nº. 2.220 de 2001: Aquele que, até 30 de junho de 2001,
possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros qua-
drados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o
direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não
seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.
421
que contenha indicação de data e localização;
IV - para comprovação de inexistência de oposição: declaração do
possuidor no corpo do requerimento que dá início ao processo;
certidão da GRPU atestando inexistir reclamação administrativa
ou ação possessória em relação à área no período aquisitivo;
V - não ser proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano
ou rural: declaração de próprio punho feita pelo possuidor em
seu requerimento inicial; e
VI - localização em área urbana para fins de moradia: certidão
expedida pela prefeitura, atestando tratar-se de área urbana,
indicando o uso do solo previsto em lei municipal e o uso efeti-
vamente constatado.
20 §3º, do artigo 6º da Medida Provisória nº. 2.220/01: Em caso de ação judicial, a concessão de uso especial
para fins de moradia será declarada pelo juiz, mediante sentença.
21 BORBA, Tereza; AGUIAR, Carlos. Ibidem. p. 215.
422
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
423
ções consolidadas.
Resolvem: [...] 5. Para a regularização das áreas públi-
cas desafetadas legalmente, em atenção aos termos da
Medida Provisória n 2.220/01, deverá a Municipalidade
apresentar a planta da área, extraída de levantamento to-
pográfico ou aerofotogramétrico, em atenção aos padrões
registrais, diretamente junto ao respectivo Registro, que
providenciará a abertura da matrícula da área integral;
6. O Oficial do Registro de Imóveis deverá proceder a exame
de qualificação, analisando eventual interferência da descrição
da área sobre outras áreas registradas; 7. Nos casos em que a
área pública confrontar com particular, este deverá ser citado
diretamente ou pela via postal, em regular procedimento junto a
esta 1a VRP; 7.1. A citação poderá ser dispensada, se aos autos
forem apresentadas “cartas de anuências” dos confrontantes, que
expressamente venham a declarar conhecimento e concordância
com a descrição constante do levantamento técnico22.
424
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Tal instituto, possui origem no Código Civil de 1916, onde, nos arts.
742 e 745, falava-se do Uso e sua fruição, quando as necessidades pes-
23 SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre, Sergio
Antonio Fabris Editor, 2004. p. 126.
24 A Agenda Habitat é um plano de ação global adotado pela comunidade internacional na Conferência Habitat
2, realizada em Istambul, Turquia, em 1996. A Agenda é um plataforma de princípios que devem se traduzir
em práticas. As atividades desenvolvidas no âmbito do Habitat contribuem para o objetivo global das Nações
Unidas de reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável dentro de um contexto em que o mun-
do que avança aceleradamente para a urbanização. http://comciencia.br/reportangens/cidades/cid04.htm.
425
soais do usuário e de sua família assim exigirem, sendo que em 1967,
com o Decreto-Lei nº 271, previu-se sua ampliação, sendo limitado até o
âmbito familiar, para particulares e pessoas jurídicas em hipóteses não
previstas nos dispositivos retromencionados do até então Código Civil.
Seu objetivo é regularizar áreas favelizadas, onde, na maioria das vezes,
por serem áreas públicas, não podem ser objeto de usucapião, como na
lição de Alfonsin25 que nos afirma que a CDRU permite “a destinação de
terrenos públicos para o assentamento da população de baixa renda, ou
para legalizar sua permanência em áreas que já se encontram ocupadas”.
Possui caráter mais amplo que a CUEM, permitindo que o bem público
seja utilizado pelo particular, tendo-se em vista um interesse social, para
fruição e não apenas para uso, podendo ter diversas utilidades, como em
sua destinação rural, para plantações.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, foi criado um capítulo
sobre a política urbana e inserido no art. 183, § 1º disposição de que “o
título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil”. O art. 48 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade)
estabelece que os contratos de CDRU possuem caráter de escritura pública e garantia real
para contratos de financiamento habitacional.
A CDRU ocorre por tempo determinado (inexistindo limite temporal preestabelecido
para a sua concessão), pode ser renovável, gratuita ou onerosa e ter destinação específica.
O Poder Público pode revoga-la caso a pessoa beneficiada pelo instituto dê destinação
diversa do que foi pactuado, sendo que tais características estão contidas no art. 7º do
Decreto Lei nº 271/1967. Outro ponto relevante é que na maioria das vezes, para haver a
concessão, é necessário desafetação da área pública, o que deve ser feito por lei específica,
que defina todas as características da concessão, podendo, inclusive, ser gravada como
Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), necessitando de processo licitatório, em forma
de concorrência, e ainda pode ser constituída por instrumento público ou termo adminis-
trativo. A Concessão do Direito Real de Uso também pode se dar de forma
coletiva, tornando seu procedimento de regularização mais célere, onde
426
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
427
mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação
dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas
pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de
04 anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a
execução das obras; exemplar do contrato padrão de promessa de ven-
da, ou de cessão ou de promessa de cessão; declaração do cônjuge do
requerente de que consente no registro do loteamento.
Quantos aos direitos e deveres do concessionário da CDRU, este,
desde a inscrição da concessão, fruirá plenamente do imóvel para os fins
estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, ad-
ministrativos e tributários que venham a incidir sobre ele e suas rendas.
Sua transmissão se dá por ato inter vivos ou por sucessão legítima ou
testamentária, registrando-se a transferência. Já sua extinção ocorre se
antes de seu prazo final concessionário der ao imóvel destinação diversa da
estabelecida no contrato ou termo administrativo ou descumprir cláusula
resolutória convencionada, como em cláusula que impeça sua alienação;
a extinção da concessão de direito real de uso, conforme o art. 167, II, 29
da Lei nº 6.015/1973, deve ser averbada no Registro de Imóveis.
A Instrução Normativa nº 48/2012 do Ministro de Estado das Cidades,
no item 4.1.2.2 assegura, na titulação por CDRU, financiamento de material de
construção, obras e serviços de edificação da unidade habitacional em terreno de terceiros.
No Estado do Pará, a CDRU está regulamentada em alguns pontos pelo
Instituto de Terras do Pará (ITERPA), que em sua Instrução Normativa nº
3/2010, art. 4º, § 1º, afirma que nos projetos estaduais de assentamentos
sustentáveis e extrativistas serão assinados contratos de concessão de direito real de
uso com cláusulas de inalterabilidade da destinação do imóvel tal como declarada no ato
normativo de criação, cujo desrespeito implicará na reversão do imóvel ao patrimônio do
Estado, independentemente de notificação judicial ou extrajudicial, sem qualquer direito
à indenização em favor de seus descumpridores.
Posteriormente, em seu art. 6º, é explicitado o que são Projetos Estaduais de Assenta-
mentos Sustentáveis (PEAS), sendo áreas trabalhadas em regime de economia familiar que
utilizem racionalmente os recursos naturais existentes, cumprindo a função socioeconômica
428
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
da terra. E no art. 7º ressalta que os contratos de CDRU serão assinados com a unidade
familiar e expedidos: em nome da mulher e do homem, obrigatoriamente,
quando casados ou convivendo em regime de união estável; em nome dos
conviventes, havendo união homoafetiva e; preferencialmente em nome
da mulher, nos demais casos.
Já com relação aos Projetos de Assentamento Estadual Agroextrativista
(PEAEx), é explicitado no art. 9º da Instrução Normativa que os mesmos
se destinam à populações que ocupem áreas dotadas de riquezas extra-
tivas e pratiquem prioritariamente a exploração sustentável dos recursos
naturais voltada para a subsistência e, complementarmente, se dediquem
à agricultura familiar de subsistência, outras atividades de baixo impacto
ambiental e à criação de animais de pequeno porte.
Em seguida, tal legislação relata uma série de procedimentos para ter
a concessão, aduzindo em seu art. 28 que os projetos serão criados após
concessão de licença prévia; que após a publicação da Portaria de criação
dos projetos estaduais de assentamento, a Coordenação de Documentação
e Informação Fundiária, providenciará a imediata emissão dos contratos
de concessão de direito real de uso (art. 31); que o contrato, devidamente
assinado e registrado no cartório de Registros de Imóveis, será entregue
aos assentados, e a outra via será arquivada em livro próprio do ITERPA
(art. 32).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
429
reira existente entre a cidade legal e a ilegal. Na primeira os moradores são
beneficiados por todos os bens e serviços possíveis, disponibilizados pelo
Estado ou, quando não, pelo próprio investimento do mercado imobiliário
que cada vez mais tem tomado os espaços urbanos, fortificando-os com
os “condomínios fechados”; na segunda os cidadãos habitam espaços
inadequados à concepção de moradia digna insculpida nos mais variados
dispositivos legais, em esfera nacional e internacional, violando todos
esses dispositivos legais que garantem o direito à moradia enquanto um
direito humano, conforme expomos.
Nesse contexto, é dever do Estado promover políticas públicas eficazes
e multidisciplinares (englobando os aspectos jurídicos, econômicos, ur-
banísticos e sociais) para efetivar a regularização dos assentos informais
que crescem nos grandes centros urbanos do país. Assim, a regularização
fundiária desponta como um instrumento primordial para promover não
somente a regularização dessas terras, mas principalmente a cidadania
e a justiça social onde se faz necessário.
Os instrumentos da política urbana, em especial a Concessão de Uso
Especial para fins de Moradia e Concessão de Direito Real de Uso, são
procedimentos administrativos legais que devem ser vistos como soluções
jurídico-políticas positivas na compatibilização entre a segurança jurídica
individual da posse e o reconhecimento de todos os direitos decorrentes
do acesso à moradia digna.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
430
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
431
ITERPA. Instrução Normativa nº 03, de 09 de Junho de 2010. Disponível em:
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em: <http://www.ibdu.org.br/imagens/aconcessaodeusoespecialparafinsdemora-
dia.pdf>. Acesso em 17 ago. 2013.
432
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Competência municipal
em regularização fundiária
1. INTRODUÇÃO
1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará. Bolsista do Programa de Capacitação para Im-
plementação de Regularização Fundiária de Interesse Social na Região Metropolitana de Belém. MEC/SESU
- PROExT 2013. E-mail: cztangerino@hotmail.com.
2 Graduando em Direito pela Universidade Federal do Pará. Bolsista do Programa de Capacitação para Im-
plementação de Regularização Fundiária de Interesse Social na Região Metropolitana de Belém. MEC/SESU
- PROExT 2013. E-mail: carlos_jls@hotmail.com.
3 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará. Bolsista do Programa de Capacitação para Im-
plementação de Regularização Fundiária de Interesse Social na Região Metropolitana de Belém. MEC/SESU
- PROExT 2013. E-mail: inaiedelcastillo@yahoo.com.br.
4 Doutorando em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará, Pro-
fessor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, Advogado e Consultor Jurídico especializado
em Direito Urbanístico e Ambiental. E-mail: mlealdias@ufpa.com.
5FERNANDES, 2007.
433
classe média-alta, a informalidade urbana está intrínseca e majoritaria-
mente atrelada às classes mais baixas da sociedade. Essas, por não se-
rem privilegiadas pelo mercado imobiliário predominantemente elitista e
devido à insuficiência de políticas habitacionais dirigidas às mesmas, em
face do expressivo déficit habitacional em nosso país, acabam recaindo
na ilegalidade urbana e na consequente segregação socioespacial.
Nesse contexto, o processo de regularização fundiária surge como uma
alternativa viável ao poder público no sentido de combater a irregularidade
e de minimizar essa segregação construída historicamente no Brasil, por
meio de uma política integrada que vise não apenas ao reconhecimento
da posse aos ocupantes das áreas de intervenção (segurança jurídica),
mas que sobretudo promova uma “integração socioespacial dos assen-
tamentos informais.”6
Diante disso, o meio mais eficaz para tal objetivo encontrado pelo le-
gislador brasileiro foi ampliar a competência municipal nessa seara, visto
que, apesar de gerais, os problemas habitacionais apresentam especifici-
dades em cada contexto social e urbano, sendo necessário para tanto uma
atuação do poder público local condizente com as circunstâncias próprias
de manifestação da informalidade urbana em seu território.
Nesse sentido, com o advento da Constituição Federal de 1988 houve
um fortalecimento do sistema federativo brasileiro e a consagração de
uma nova fisionomia conferida ao Município, sendo elevado a um pata-
mar de igualdade em relação aos demais entes (União, Estados e Distrito
Federal) no âmbito interno, o que não ocorria anteriormente. O ente
municipal passou, pois, a ser dotado de autonomia, conforme disposto
no caput do artigo 18 da Carta Magna, caracterizada pela capacidade de
auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, com
fulcro nos incisos do artigo 30 da CF/88.
Outra característica do sistema federativo brasileiro atual é repartição
de competências nos âmbitos legislativo e administrativo entre os entes
da federação, cabendo à União tratar das matérias de interesse nacional,
434
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
aos Estados tratar dos assuntos em escala regional e aos Municípios cuidar
das matérias de interesse local, sendo a legislação quanto a esses temas
sua competência exclusiva, segundo o artigo 30, I, da Constituição.
Isso se aplica, também, às competências comuns entre os entes da fe-
deração, devendo cada um atuar no seu âmbito de interesse. E o artigo 23,
inciso Ix, da Carta Magna dispõe justamente acerca do direito à moradia
digna como tema de competência compartilhada entre todos os entes,
cabendo aos mesmos “promover programas de construção de moradias
e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. Cabe
ainda ao poder público em todas as esferas “combater as causas da po-
breza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos
setores desfavorecidos”, conforme estabelece o inciso x do mesmo artigo.
Diante do exposto, percebe-se que houve, a partir da Constituição de
1988, uma valorização do ente municipal no ordenamento jurídico brasilei-
ro, mormente no que se refere ao trato da matéria urbana e habitacional em
seu território, tendo no processo de regularização fundiária (em especial, a
de interesse social) um dos principais meios de democratização do acesso
à moradia, sendo esse um direito social constante no artigo 6º da Carta
Magna desde o ano 2000, com o advento da Emenda Constitucional nº 26.
É importante, então, fazer uma breve exposição do que seja esse pro-
cesso de regularização fundiária para que se possa chegar ao escopo deste
artigo: analisar a competência do município no processo de regularização
fundiária sob os aspectos constitucional e infraconstitucional, tendo em
vista que houve uma expansão da competência municipal nessa seara
com a promulgação, em 2001, do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01)
e, posteriormente, em 2009, da Lei n° 11.977/09, a qual dispõe acerca do
Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e da regularização fundiária
de assentamentos localizados em áreas urbanas.
435
2. REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA: CONCEITO
436
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 ALFONSIN, 2007.
8 MELO, 2010, p 101.
9 MELO, op. cit., p. 104.
437
mizar ao máximo o déficit habitacional existente e a promover da melhor
forma possível o acesso maciço da população de baixa renda à moradia
digna, tendo como um de seus principais instrumentos as políticas de re-
gularização fundiária. Contudo, Fernandes ressalta que essas políticas não
podem ser formuladas de maneira isolada, mas devem ser acompanhadas
de ações preventivas especialmente formuladas no âmbito municipal no
sentido de interromper o ciclo de (re)produção da irregularidade urbana,
sem as quais haverá apenas um “sofrimento renovado da população” e
“uma demanda de recursos públicos infinitamente maior.”10
Para tanto, aos municípios foram atribuídas competências específicas
sobre a matéria urbana e habitacional, onde está incluída a política de
regularização fundiária no âmbito local.
438
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
11 SILVA, 2008, p. 99
439
tação da política urbana em nível local, porquanto confere ao município
a responsabilidade por executá-la, conforme diretrizes gerais fixadas em
lei (pela União) e com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade, assim como de garantir o bem-estar de seus
habitantes, tendo como principal instrumento para tal feito o plano diretor.
Em termos gerais, o plano diretor é um instrumento básico para a efe-
tivação da política de desenvolvimento urbano e sua expansão, resultante
do planejamento da gestão para determinada cidade. Tal plano é obriga-
tório para municípios que com população maior que 20 mil habitantes,
conforme consta no §1º do artigo 182 da CF/88. Quanto a essa disposição,
o Estatuto da Cidade, em seu artigo 41 (incisos II a VI), ampliou o rol de
requisitos para que os Municípios sejam obrigados a elaborar e aprovar
os planos diretores urbanos, valendo para todas as cidades:
440
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
441
vação da política constitucional da dignidade humana, pois busca com base
nessa política a inclusão e integração socioespacial da população carente
que vive de forma irregular sem os meios necessários de gozar a cidade
com todos os pressupostos que nosso ordenamento estabelece. E a partir
do advento do Estatuto da Cidade e da Lei n° 11.977/09, a competência
municipal nessa seara teve significativa ampliação e melhor definição, com
o intuito de tornar efetivas as normas constitucionais relativas ao tema.
12 SÉGUIN, 2005, p. 4.
442
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
443
A regularização fundiária pode em sua política de ocorrência estabele-
cer para o Município o direito de preempção, que lhe confere preferência
para a aquisição de imóvel urbano quando objeto de alienação entre
particulares para fins de regularização fundiária (artigos 25, caput, e 26,
I, do Estatuto). Esse direito será regulamentado por lei municipal, base-
ada no plano diretor, a qual delimitará as áreas sobre as quais incidirão
as finalidades previstas e o prazo de sua vigência, com fundamento nos
artigos 25, §1º, e 26, parágrafo único, do mesmo diploma.
A Lei municipal também regulamentará a transferência do direito de
construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decor-
rente, quando o imóvel for considerado necessário para servir a programas
relativos à regularização fundiária, à urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda e à habitação de interesse social (art. 35, III).
O plano diretor, reiterado no Estatuto como instrumento básico da
política de desenvolvimento e expansão urbana (artigo 40, caput), ganha
relevo com a previsão nos §§1º e 2º de que o planejamento municipal em
todas as suas esferas, englobando todo o seu território, deve obedecer
e incorporar suas diretrizes e prioridades, no plano plurianual, nas dire-
trizes orçamentárias e no orçamento anual do Município. Está, portanto,
no cerne de toda atividade em âmbito municipal. O artigo prevê ainda
que a lei que instituir o plano diretor deverá ser revista ao menos a cada
dez anos e que, no decorrer do processo de elaboração do plano diretor
e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Exe-
cutivo municipais deverão promover audiências públicas e debates com
a participação popular dos vários segmentos, garantir a publicidade dos
documentos e informações produzidos e o acesso de qualquer interessado
aos mesmos (artigo 40, §§3º e 4º).
Essa exigência legal se coaduna tanto com os princípios da Administra-
ção Pública constantes no caput do artigo 37 da Carta Magna (legalidade,
moralidade, publicidade) como com a proposta de gestão democrática
da cidade, trazida pelos artigos 43 a 45 do Estatuto da Cidade, onde a
população se torna protagonista no processo de tomada de decisão a
444
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
445
5. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA
REGULARIZAR à LUZ DA LEI 11.977
Nesse artigo e em seus incisos percebemos que não havia ainda nes-
sa lei uma política de regularização fundiária de interesse social, mas
apenas de interesse específico, visto que nos §§ 1º a 5º desse dispositivo
está prevista a obtenção pela via judicial de ressarcimento ao Município
que promover a regularização fundiária nessas condições, em face das
446
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
447
Quanto a este projeto, compete também ao Município definir os requi-
sitos para sua elaboração, no que se refere aos desenhos, ao memorial
descritivo e ao cronograma físico de obras e serviços a serem realizados,
com fulcro no §2º do artigo 51 da mesma lei. Cabe ressaltar que o projeto
aprovado no âmbito municipal é imprescindível para o registro do par-
celamento resultante do projeto de regularização fundiária de interesse
social, quando requerido ao registro de imóveis, por força do disposto no
artigo 65, II, dessa Lei.
O artigo 54, por seu turno, traz uma flexibilização do projeto de regu-
larização fundiária de interesse social diante das características de cada
ocupação, bem como da área de intervenção, para definir parâmetros
urbanísticos e ambientais específicos. Esse dispositivo se coaduna com o
artigo 52 da mesma lei, onde está previsto que nos casos de regularização
fundiária de assentamentos consolidados anteriormente à sua publicação,
ou seja, anteriores a 7 de julho de 2009, poderá o Município autorizar a
redução do percentual de áreas destinadas ao uso público e da área mínima
dos lotes definidos na lei de parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766),
de modo a adequar essa legislação à realidade atual da cidade.
Outro grande destaque da Lei n° 11.977 acerca da competência mu-
nicipal em matéria de regularização diz respeito à possibilidade de o
Município promover, por decisão motivada, a regularização fundiária de
interesse social em Áreas de Preservação Permanente, assim definidas pelo
Código Florestal (Lei nº 12.651/12, artigo 3º, II) e protegidas com o intuito
de preservar o meio ambiente e de assegurar o bem-estar das populações
humanas. Contudo, essa intervenção só será admitida em APP ocupada até
31 de dezembro de 2007 e inserida em área urbana consolidada, além de
se exigir um estudo técnico comprovando que a regularização implicará na
melhoria das condições ambientais relativamente à situação de ocupação
irregular anterior, conforme consta no §1º do artigo 54 da Lei nº 11.977.
Dessa maneira, ampliam-se as possibilidades de garantir o direito à
moradia digna às camadas mais baixas por meio da regularização fundiá-
ria, compatibilizando esse direito social fundamental sempre que possível
ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
448
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
449
de promoção do acesso à moradia digna em conjunto com a preservação
do meio ambiente. Desse modo, concilia-se com a Constituição Federal
e com o Estatuto da Cidade no intuito de difundir a concepção de cidades
sustentáveis e de estimular a sua consolidação no território brasileiro.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
450
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
451
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setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória no 2.166-67,
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SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5. Ed. São Paulo: Malheiros,
2008.
452
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
453
posse/ocupação como meio de acesso à terra no país4.Tais políticas per-
petuaram uma lógica de concentração da propriedade, de forma que seus
resultados estão fortemente presentes tanto na cidade quanto no campo.
O resultado disso é que há atualmente no Brasil um déficit habitacional
no país de 5, 4 milhões de residências, segundo pesquisa do IPEA5.
Ou seja, mesmo com o desenvolvimento de uma série de políticas,
como o exemplo do grande investimento do Governo Federal no Programa
Minha Casa, Minha Vida, a demanda por moradia adequada ainda é uma
grave questão. Aos alarmantes números do déficit habitacional somam-se
ainda as vítimas de deslocamentos involuntários (ou “remoções forçadas”).
A despeito de toda a proteção do direito social à moradia, o poder públi-
co e o Judiciário ainda promovem ou auxiliam na concretização dessas
remoções, muitas vezes de comunidades inteiras.
A cidade do Rio de Janeiro se insere neste cenário com um grande
número de assentamentos informais e dezenas de milhares de pessoas
morando sem segurança jurídica da posse, mas que, diante deste novo
marco jurídico-urbanístico inaugurado pela Constituição e consolidado
com o Estatuto das Cidades, possuem direito à regularização fundiária de
suas moradias. Neste contexto, abordaremos o caso do Horto Florestal,
uma comunidade cuja formação remonta à época da escravidão, pois
historiadores pesquisaram indícios da existência de quilombos na região6.
As mais de 620 famílias que hoje vivem na comunidade, encontram-se
há décadas ameaçadas de remoção, como resultado do referido processo
histórico de segregação socioespacial, no entanto, como a comunidade
está consolidada em terras de propriedade da União Federal, e diante de
todas as leis que permitem e promovem a regularização fundiária, a Se-
cretaria do Patrimônio da União (SPU), através de sua Superintendência
454
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
BREVE hISTóRICO
455
sócio-ambiental, como as construções de um cemitério e de conjunto
residencial financiado pelo BNH (Banco Nacional da Habitação). Hoje,
a área é ocupada em sua maioria por famílias de baixa renda, havendo
dentre elas um grande número de pessoas idosas, e que possuem inclusive
um projeto de proteção ao ambiente e à história da área, denominado
Museu do Horto7.
Os moradores lutam por sua permanência na área há cerca 30 anos,
desde que o extinto IBDF, órgão ligado ao Ministério da Agricultura, que
nesta época administrava o Jardim Botânico8, propôs mais de duzentas
ações de reintegração de posse (267 ações no total) contra os moradores.
Essas ações quase em sua maioria já transitaram em julgado, com sen-
tenças determinando a reintegração de posse em favor da União e, muitas
delas, sem determinar a indenização prévia. No entanto, ao longo desses
anos apenas cinco casas foram removidas efetivamente.
Cabe destacar, que a comunidade está localizada na zona sul do Rio
de Janeiro e inserida em um bairro (Jardim Botânico) cujo valor do solo
urbano é o quinto maior do país9. Além das moradias de funcionários e
ex-funcionários do Jardim Botânico, a área dos arredores do Horto é ocu-
pada por condomínios de luxo e instituições como o SERPRO, FURNAS,
CEDAE, IMPA, Toalhero Brasil, entre outros.
Em 2012 o condomínio de luxo Parque Canto e Mello, localizado nos
limites do Jardim Botânico em área de proteção permanente, teve decisão
judicial favorável à permanência das casas. Os moradores, que neste
caso são tratados como proprietários, pois mesmo estando em terras da
União Federal conseguiram o registro de seus imóveis no RGI em nome
de particular, foram condenados a promover a recomposição da área
degradada e a pagar indenização pelos danos causados. Na elaboração
do Acórdão da 2a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
os desembargadores consideraram que a ação foi proposta há mais de
20 anos e que os danos ambientais já estariam, portanto, consolidados.
456
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA E O
PROJETO DESENVOLVIDO NA COMUNIDADE
457
no ano 2000, a Emenda Constitucional nº 26 incluiu a habitação rol dos
direitos sociais definidos no Art. 6o.
O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) regulamentou o capítulo da
política urbana da Constituição e trouxe uma série de instrumentos para
a implementação da política de regularização fundiária. Neste Sentido,
Nelson Saule Jr. discorre sobre a importância deste estatuto legal:
458
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
459
de normas urbanísticas que permitam preservar o ordenamento adotado
pelo Plano e controlar o adensamento do espaço cedido à comunidade.
As etapas observadas pelo projeto foram: assembleia preliminar, ca-
dastro socioeconômico, cadastro físico, cadastro planialtimético e estudos
urbanísticos. Todas estas etapas foram concluídas em sua integralidade
permitindo desenvolver de forma ampla e completa a delimitação física
do perímetro necessário da área que deveria ser destinada a consolidação
do assentamento das famílias, com previsão de área para reassentamento,
infraestrutura (redes de água e esgoto), assim como adequação do sistema
viário existente. Importante ressaltar, que na formação desse perímetro
nenhuma área destinada ao assentamento comprometa às funções de
pesquisa e visitação do IPJB/RJ.
A titulação dos moradores seria realizada através da Concessão de
Direito Real de Uso (CDRU), incorporando os requisitos da Concessão Es-
pecial para Fins de Moradia (CUEM). Cabe destacar, que seriam incluídas
cláusulas resolutórias nos títulos, visando impedir o adensamento, bem
como o uso inadequado do solo, tendo em vista que se trata de uma área
de extrema importância ambiental e cultural. A não observância destas
cláusulas provocaria o cancelamento do título. Assim, o projeto apresen-
tado preencheu todos os parâmetros exigidos pela lei, atendendo de forma
ampla o interesse público, uma vez que consagraria direitos fundamentais
e visava ratificar uma situação possessória consolidada há décadas com
ciência e permissão da União Federal.
Neste sentido, a realização de proposta de regularização fundiária com-
põe as atribuições constitucionais do Executivo Federal, motivo pelo qual
o projeto apresentado está de acordo com o contexto jurídico instituído
pela Constituição Federal, Estatuto da Cidade e Lei 11.481/2007. Tais leis
amparam as ações de regularização fundiária, permitindo que o projeto
fosse realizado, sem qualquer óbice.
Sendo assim, a veiculação das informações quanto às etapas dos
estudos, levantamentos e intervenções, permitiriam a participação e o
controle social e a futura compreensão, pela Comunidade, da nova orga-
460
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
nização espacial que estava para ser delineada, bem como a compreensão
a respeito das normas urbanísticas, que seriam elaboradas para preservar
o adensamento existente (com proibição de novas construções e novo
adensamento) e estabelecer novas diretrizes de caráter edilício (gabarito,
afastamentos, etc.), assim como a natureza jurídica e as condições reso-
lutórias do título de concessão de direito real de uso que seria outorgado
aos moradores, prevendo cancelamento no caso de infração às normas
citadas. No entanto, recentemente decidiu-se pela não implementação
do projeto e pela remoção da comunidade quase que em sua totalidade.
461
sua finalidade específica, a pesquisa para conservação da biodiversidade,
não definindo, entretanto, sua delimitação territorial.
Acerca da regularização fundiária em espaços classificados como
Áreas de Preservação Permanente (APP) merecem atenção a Resolução
n° 369/06 do CONAMA e a Lei Federal nº 11.977/09 (art. 54 e §§), ambas
aprovadas para garantir a concretização do direito à moradia e a proteção
do meio ambiente.
A primeira reconhece que a regularização fundiária em áreas urbanas
é uma atividade de interesse social e, em certas condições, justifica a
intervenção ou supressão de vegetação em Áreas de Preservação Per-
manente (APPs) em margens de cursos de água, no entorno de lagos,
lagoas e reservatórios artificiais e em topo de morros e montanhas, sendo
possível regularizar ocupações implantadas nesses tipos de APPs, desde
que seja respeitada uma série de condições, pelas quais a comunidade do
Horto está contemplada. Inclusive com proposta de declaração de Área
de Especial Interesse público pela Prefeitura.
A segunda (Lei Federal nº 11.977/2009) prevê, em seu artigo 46, a
regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação
Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007, desde que estudo
técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições
ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior. O referido
dispositivo legal consagra o acesso à moradia digna e poderia ser aplicado
de forma ampla na regularização fundiária da comunidade do Horto.
Dessa forma, mesmo que estivesse estabelecida em APP, isto não seria
um empecilho para a regularização fundiária da comunidade.
462
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
463
tegração de posse do imóvel onde reside, justificando que não caberia ao
órgão administrativo dispor sobre a posse de bem público.
Com o fito de evitar um desastre e nova comoção social, a Procuradoria
Regional da União expediu o ofício ao Presidente do IPJB/RJ solicitando
esclarecimentos quanto ao interesse deste instituto na reintegração do
imóvel ocupado pela idosa. Em resposta a tal questionamento, o Procu-
rador Chefe do IPJB/RJ, esclareceu que o imóvel ocupado pela Ré não
constituía objeto de interesse de reintegração imediata ao Arboreto e que
poderia ser contemplado em plano urbanístico para fins de reassentamen-
to, como parte dos trabalhos de regularização fundiária junto à SPU/RJ.
A decisão do juízo confrontou com o plano de regularização fundi-
ária e urbanística, que à época ainda estava sendo elaborado, com os
interesses da própria União Federal e do IPJB/RJ, que afirmara ao tempo
que não tinha interesse na reintegração daquele imóvel. Na tentativa de
reformar a referida decisão, a Advocacia Geral da União (AGU) interpôs
Agravo de Instrumento no dia 24 de setembro de 2010, expondo mais
uma vez as razões do Executivo Federal em não realizar a reintegração de
posse. Na mesma data, o Juízo da 27ª Vara Federal proferiu nova decisão
determinando o cumprimento da reintegração, ignorando todos os fatos
apresentados, bem como a manifestação expressa das partes interessadas.
A postura do Judiciário neste caso não encontrou qualquer amparo
legal, em especial pelas peculiaridades do caso que deveriam ter sido
observadas, uma vez que a Sr. Gracinda à época estava com 92 anos de
idade, sendo 70 anos como moradora do local. Caso idêntico ao da Sra.
Gracinda ocorreu com os familiares do Sr. Ruy Lopes, antigo morador do
Horto Florestal, já falecido.
Os mandados de reintegração de posse, nos casos da Sra. Gracinda
e do Sr. Ruy Lopes, foram expedidos durante a elaboração do projeto de
regularização fundiária. A União Federal, autora das ações de reintegra-
ção de posse, requereu formalmente ao juízo federal a suspensão dos
processos e a consequente devolução dos mandados de reintegração.
Qualquer decisão contrária à vontade da autora dessas ações, União
464
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
465
entre os Ministérios do Planejamento (SPU), Meio Ambiente (IPJB/RJ) e
Cultura (IPHAN) até o mês de maio de 2013.
O TCU tem suas atribuições definidas no artigo 96 da Constituição de
1988. Trata-se de um órgão autônomo, não tendo qualquer vínculo de
subordinação ao Legislativo, é auxiliar deste Poder. A fiscalização em si
é realizada pelo Legislativo. O Tribunal de Contas, como órgão auxiliar,
apenas emite pareceres técnicos. O rol de competências constitucionais
do Tribunal de Contas da União nos artigos 33, parágrafo 2°, 71 a 74 e
161, parágrafo único, da Constituição.
Os julgamentos dos Tribunais de Contas são de caráter objetivo, com
parâmetros de ordem técnica-jurídica, ou seja, subsunção de fatos às
normas. Diferente do que ocorre com o Poder Executivo, onde lhe é per-
mitido atuar de acordo com os critérios de conveniência e oportunidade.
Importante ressaltar que no caso específico da regularização fundiária
dos moradores do Horto o TCU atuou extrapolando suas competências
legais e constitucionais e invadindo política pública de competência do
executivo federal.
O dispositivo constitucional indica a adoção, pelo ordenamento ju-
rídico nacional, do sistema da jurisdição una, pelo monopólio da tutela
jurisdicional, do que decorre que as decisões administrativas das Cortes
de Contas, estão sujeitas ao controle jurisdicional, por se tratar de atos
administrativos. Em observância ao inciso xxxV, do artigo 5º, da Cons-
tituição Federal, qualquer decisão dos Tribunais de Contas, ainda que
relativo à apreciação de contas de administradores pode ser submetido ao
reexame do Poder Judiciário, se o interessado considerar que houve lesão
ao seu direito. Não havendo, em tais decisões, o caráter de definitividade
ou imutabilidade dos efeitos, que são inerentes aos atos jurisdicionais.
Quando o Poder Judiciário, pela natureza de sua função, é provocado a
solucionar as situações contenciosas entre o TCU e o indivíduo, ocorre o
controle jurisdicional das atividades administrativas. As questões tomam
forma de pleitos judiciais. As decisões dos Tribunais de Contas devem
estar restritas à lei e a verificação desse fato pode ser provocada pelo in-
466
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
467
necessidade do IPJB/RJ preservar sua área de visitação e de pesquisa, mas
não há a necessidade de remover as famílias da comunidade do Horto,
conforme comprovado pelo projeto de regularização fundiária apresentado
pela SPU/RJ em parceria com a UFRJ.
Importante salientar que antes mesmo da apresentação do parecer da
comissão indicada, 406 moradores do Horto, que não possuem ação de
reintegração de posse proposta pela União, realizaram requerimento de
Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM) à SPU/RJ, ainda
em análise, uma vez que preenchem todos os requisitos exigidos pela
legislação federal e devem ter sua posse histórica protegida, nos termos
da Medida Provisória 2.220/2001 que versa sobre o assunto.
Inconformada com a decisão do TCU a Associação dos Moradores e
Amigos do Horto Florestal (AMAHOR) impetrou Mandado de Segurança no
Supremo Tribunal Federal, sob o n° 31707, com relatoria do Ministro Luís
Roberto Barroso. O objetivo do Mandado de Segurança, que atualmente
aguarda decisão em caráter liminar, é atuar no mérito da decisão do TCU
que impede a continuidade do processo de regularização fundiária a cargo
da Superintendência do Patrimônio da União no Rio de Janeiro.
Para o cumprimento da decisão pela remoção das famílias, a SPU ini-
ciou novo cadastramento das famílias, a fim de inseri-las em programas
habitacionais como o “Minha Casa, Minha Vida”, mas grande maioria da
comunidade não aceitou fazer esse recadastramento. No entanto, vivem
com receio de ver as ações judiciais pela reintegração de posse de mais
de 200 famílias executadas e de que novas ações sejam propostas contra
os moradores que não possuem ação judicial pela sua retirada, apesar
destes terem entrado com o pedido de reconhecimento de CUEM. Aguar-
dam ainda o julgamento do mandado de segurança impetrado no STF e
requisitaram maiores informações junto à SPU sobre os critérios utilizados
para a delimitação do perímetro do IPJB/RJ.
468
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA E INTERVENÇÕES NAS POLÍTICAS
PÚBLICAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA
469
dos limites do IPJB/RJ e da área que seria destinada às moradias. Assim, a
Autarquia poderia, dentro de sua área, desenvolver, em sua plenitude, suas
atividades fins e a comunidade ter acesso aos serviços da cidade formal.
O propósito do plano de regularização foi o de construir uma convivên-
cia harmônica e sustentável entre os dois territórios, inaugurando novas
práticas de gestão urbana que possibilita a vizinhança de um instituto de
pesquisa com uma população que ocupa há muito tempo o local, mate-
rializando uma cidade mais justa e sustentável.
Política pública é o espaço que o Estado tem de discricionariedade para
cumprimento de prestações positivas exigidas pela Constituição Federal e
legislação complementar. Sem dúvida a atividade administrativa é dotada
da conhecida discricionariedade. Neste sentido, há uma tradicional dis-
cussão doutrinária cerca do controle judicial das políticas públicas, com
a ferrenha critica do ativismo judicial de promotores e juízes. No caso em
análise trata-se de um ativismo do órgão de contas do legislativo, que de
forma arbitraria impede que a proposta de regularização fundiária seja
apreciada pelos órgãos competentes.
O controle de políticas públicas pelo judiciário deve ser realizado em
caráter excepcionalíssimo. É sabido que não é função do judiciário im-
plementar política pública (papel do Pode Executivo), restando apenas o
controle de sua legalidade. O mesmo controle deve ser imposto ao tribunal
de contas federal que neste caso, extrapolando suas competências impede
que uma proposta de regularização fundiária siga o seu tramite regular.
Para uma política pública gozar de legitimidade não basta sua con-
formação com o ordenamento jurídico e o cumprimento das normas do
programa pré-definidos, mas sim, que venha a atingir interesses sociais
relevantes, consagrando os preceitos tutelados pela Constituição Federal
(BUCCI, 2006).
Assim, a política pública habitacional deve ser implementada no in-
teresse público e de acordo com os anseios da sociedade. A seleção de
prioridades na disponibilidade do patrimônio público é realizada pelo
executivo levando em conta o seu reflexo substantivo no meio social.
470
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
13 LUFT, Rosangela Maria. Políticas Públicas Urbanas: Premissas e condições para efetivação do
Direito à Cidade. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011 – Parte II, Capitulo I – A cidade enquanto direito à
função social, pág.112.
471
de interesse social. É papel do executivo a legitimação das posses que
estejam em terrenos de sua titularidade. Além disso, a comunidade do
Horto está inserida nos parâmetros definidos pela lei para o implemento
de regularização fundiária de interesse social.
Diante desses fundamentos, torna-se claro que a decisão da União
Federal no sentido de regularizar a posse dos moradores na área, repre-
sentou o legítimo exercício de uma competência constitucional, outorgada
ao Poder Executivo por força dos artigos 3°, inciso III, 23, inciso x e 183,
parágrafo 1°, da Constituição Federal, não podendo o TCU imiscuir-se
no mérito das políticas públicas de Regularização Fundiária, sob pena de
afrontar o Princípio da Separação e Independência dos Poderes.
CONCLUSÕES
472
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
14 FACHIN, Luiz Edson. A Função Social da Posse e a Propriedade Contemporânea. Sergio Antônio
Fabris Editor. 1988.
15 GIL, Antonio Hernandez. La funcion social de laposesion (Ensayo de teorizacionsociologico-juridica).
Alianza Editorial, Madri, 1969, Ob. Cit. In LUIZ EDSON FACHIN, Ob. Cit. P. 20.
473
consagrando sua proteção constitucional, legitimando a posse e efeti-
vando o direito social à moradia.
A legitimação da posse dos moradores do Horto Florestal, no cum-
primento de sua função social, consagra o objetivo principal de instru-
mentalizar o ideal de justiça social, outorgando uma legítima destinação
ao patrimônio público. Com isso, a decisão de regularizar a posse dos
moradores, representaria o legítimo exercício de uma competência cons-
titucional, outorgada ao Poder Executivo. No entanto, acatar a decisão
do TCU, delimitando a área do IPJB/RJ com a exclusão da maioria dos
moradores da comunidade do Horto, acarreta em grave violação ao novo
marco jurídico-urbanístico inaugurado com a Constituição de 1988, que
garante o direito à regularização fundiária da comunidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
474
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
475
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Obstáculos na regularização
fundiária dos conjuntos habitacionais
de interesse social
INTRODUÇÃO
1 SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Habitação. Programa e Ações da Política Estadual da Habitação. Governo
do Estado de São Paulo, 2012, p.10.
2 Ibidem, p.11.
477
Cartórios de Registro de Imóveis gerando matrículas individualizadas;
a comercialização das unidades habitacionais, o gerenciamento da car-
teira de mutuários; o apoio social aos mutuários após a sua instalação
nos conjuntos.
Ao longo do tempo, muitos desses empreendimentos não foram en-
tregues de maneira regular aos seus moradores. O que demonstra que, o
processo de licenciamento e registro dos imóveis não acompanhou com
a mesma velocidade o processo de produção dos conjuntos habitacionais.
Com isso as irregularidades foram se acumulando e, com o passar
do tempo, se tornando cada vez mais difícil a sua solução, uma vez que
utilizávamos a legislação vigente de aprovação de projetos, que não se
adequava na maioria das vezes à situação fática dos conjuntos. Quando
conseguíamos aprovar o projeto, nos deparávamos muitas vezes com os
problemas fundiários.
A meta da CDHU é eliminar o passivo de imóveis que demandam de
regularização de modo a permitir a cada beneficiário o pleno acesso à
documentação de propriedade do imóvel, fornecendo assim segurança
jurídica e favorecendo a transferência das áreas públicas para a gestão
municipal, o que possibilita a implantação dos equipamentos urbanos e
sociais necessários à cidade.3
As alterações e inovações nas legislações e o aprimoramento das nor-
mas vem possibilitando a regularização fundiária de interesse social, no
entanto o maior avanço se iniciou a partir da publicação da Lei Federal
nº 11.977/2009.
Segundo o Corregedor-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, Dr.
José Renato Nalini: nada obstante os avanços normativos, a mentalidade
jurídica persiste afeiçoada a velhos e anacrônicos dogmas de intocabilidade
do registro predial, como se este fosse mais importante do que assegurar a
propriedade a seu titular.4
Neste artigo vamos tratar especificamente da regularização de conjun-
tos habitacionais de interesse social no Estado de São Paulo.
3 SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Habitação. Programa e Ações da Política Estadual da Habitação. Governo
do Estado de São Paulo, 2012, p.36.
4 NALINI, José Renato. Regularização Fundiária. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p.10.
478
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
DA REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA
479
Com isso permitirão que municípios revertam o quadro de informali-
dade e precariedade da ocupação e uso do solo urbano.7
CONJUNTOS hABITACIONAIS
7 Ibidem, p.349.
8 SÃO PAULO (Estado). Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CG nº 16/2013. São
Paulo: 15 de maio de 2013. Disponível em www.extrajudicial.tjsp.jus.br/pexPtl/visualizarDetalhesPublicacao.
do?cdTipopublicacao=3&nuSeqpublicacao=124, acessado em 25 de julho de 2013, item 156.1.
9 SÃO PAULO (Município). Decreto nº 44.667, de 26 de abril de 2004. Disponível em http://www.prefeitura.
sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/plantas_on_line/legislacao/index.php?p=12811, acessado em
03/11/2012, art. 60.
480
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
10 SAULE JUNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2004, p. 355.
11 BRASIL. Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/lei/l11977.htm, acessado em 23 de setembro de 2012, art.47, inciso VII.
12 Ibidem, art. 47, inciso V.
481
terras particulares, quando haja ocupação, titulada ou não, predominante-
mente de população de baixa renda e para fins residenciais, de forma mansa
e pacífica, por pelo menos 5 anos; ou b) em imóveis situados em ZEIS ou de
outra forma definido pelo Município como de interesse social ou em terras
públicas declaradas de interesse social para implantação de projetos de regu-
larização fundiária pela União, Estado ou Município, dispensada averbação
específica para tais fins13.
O que define o padrão de interesse social é a faixa de renda da popu-
lação moradora da área objeto de regularização fundiária e/ou o zonea-
mento estabelecido pelos Planos Diretores Municipais.
13 SÃO PAULO (Estado). Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CG nº 21/2013.
São Paulo: 19 de julho de 2013. Disponível em http://iregistradores.org.br/wp-ontent/uploads/2013/07/
TJSP-Provimento-CG-21-2013.pdf, acessado em 25 de julho de 2013, item 218.
14 BRASIL. Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/lei/l11977.htm, acessado em 23 de setembro de 2012, art. 50.
15 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/
leis_2001/l10257.htm, acessado em 23 de setembro de 2012, art.4º
16 SAULE JUNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2004, p. 348 e 349.
482
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
17 BRASIL. Ministério das Cidades. Regularização Fundiária Urbana: como aplicar a Lei Federal nº 11.977/2009
– Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação e Secretaria Nacional de Programas Urbanos.
Brasília, 2010, p.13.
18 SÃO PAULO (Estado). Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CG nº 21/2013.
São Paulo: 19 de julho de 2013. Disponível em http://iregistradores.org.br/wp-content/uploads/2013/07/
TJSP-Provimento-CG-21-2013.pdf, acessado em 25 de julho de 2013, item 225.3.
19 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
Constituicao/Constituicao.htm, acessado em 26 de julho de 2013, art. 30.
20 SAULE JUNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2004, p.355.
483
licenciamento, os cartórios de registro de imóveis, ministério público e
defensoria pública.21
qUESTÕES URBANÍSTICAS
21 BRASIL. Ministério das Cidades. Regularização Fundiária Urbana: como aplicar a Lei Federal nº 11.977/2009
– Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação e Secretaria Nacional de Programas Urbanos.
Brasília, 2010, p.13.
484
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O MUNICÍPIO
485
A falta de implementação de uma política de regularização fundiária
e sua integração com as políticas urbanas de habitação, meio ambiente,
saneamento básico e mobilidade no âmbito técnico/administrativo da
gestão territorial municipal, configura-se também em um dos principais
entraves para o bom andamento dos processos de regularização junto
aos municípios.
Não podemos esquecer que o processo de regularização depende da
atuação de equipe multidisciplinar, com vários tipos de profissionais atu-
ando em conjunto para viabilizar estratégias, que devem ser concebidas
para cada caso específico.
Outra dificuldade é a necessidade de adequação de legislações mu-
nicipais existentes à legislação federal, devido às inovações trazidas,
principalmente no que diz respeito à formação de Conselhos Municipais
de Meio Ambiente como resultado da implantação de uma política am-
biental municipal.
A CDHU, em particular, vem enfrentando dificuldades junto a alguns
municípios em relação à regularização das áreas construídas, pois, como
empresa que produz e financia unidades habitacionais, não tem a compe-
tência de regularizar os acréscimos construídos pelos mutuários. Como
já apontado, nos casos de conjuntos com unidades habitacionais unifa-
miliares, no decorrer do tempo a população moradora vai reformando a
casa entregue pela CDHU, implantando edículas, garagens cobertas, enfim,
aumentando a área construída original.
Muitas vezes o município possui legislação específica de conservação,
o que dificulta a aprovação do projeto de regularização somente com as
áreas construídas das tipologias originais da CDHU.
Após a regularização do conjunto, os municípios devem assumir a
responsabilidade de regularizar os acréscimos construtivos através pro-
gramas específicos.
LICENCIAMENTO AMBIENTAL
486
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
487
gências da legislação específica24. E após 1996 foi decidido que deveria ser
30 metros conforme o art. 2º alínea a.1 da Lei Federal nº 4.771/1965 –
Código Florestal: Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito
desta Lei, as florestas e demais forma de vegetação natural situada: ao longo
dos rios ou de cursos d´água desde o seu nível mias alto em faixa marginal
cuja largura mínima será: de 30 metros para os cursos d´água de menos de
10 metros de largura25.
Como não regularizados à época, muitos conjuntos construídos pela
CDHU ficaram com APP ocupadas. A CDHU está apresentando Estudo
Técnico comprovando que não há prejuízo ao meio ambiente uma vez
que as moradias estão consolidadas, em atendimento ao art. 64 da Lei
nº 12.651/2012: Na regularização fundiária de interesse social dos assenta-
mentos inseridos em área urbana de ocupação consolidada e que ocupam
Áreas de Preservação Permanente, a regularização ambiental será admitida
por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da
Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009.§ 1o O projeto de regularização fundiária
de interesse social deverá incluir estudo técnico que demonstre a melhoria
das condições ambientais em relação à situação anterior com a adoção
das medidas nele preconizadas.§ 2o O estudo técnico mencionado no § 1o
deverá conter, no mínimo, os seguintes elementos: I - caracterização da si-
tuação ambiental da área a ser regularizada; II - especificação dos sistemas
de saneamento básico; III - proposição de intervenções para a prevenção e
o controle de riscos geotécnicos e de inundações; IV - recuperação de áreas
degradadas e daquelas não passíveis de regularização; V - comprovação da
melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados
o uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a
proteção das unidades de conservação, quando for o caso; VI - comprovação
da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização
488
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
SEGURANÇA DA EDIFICAÇÃO
489
CARTóRIO DE REGISTRO DE IMóVEIS
RETIFICAÇÕES
UNIFICAÇÃO
490
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
PEÇAS GRáFICAS
Por diversas vezes nos deparamos com oficiais de registro exigindo alte-
rações nos projetos aprovados pelas prefeituras, retificações desnecessárias,
alterações e detalhamentos nos memorias descritivos abusivos. O provimento
CG nº 21/2013 esclarece: 227. Os padrões dos memoriais descritivos, das
plantas e demais representações gráficas, inclusive as escalas adotadas e
31 SÃO PAULO (Estado). Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CG nº 21/2013.
São Paulo: 18 de julho de 2013. Disponível em http://iregistradores.org.br/wp-content/uploads/2013/07/
TJSP-Provimento-CG-21-2013.pdf, acessado em 25 de julho de 2013, item 216.
491
outros detalhes técnicos, seguirão as diretrizes estabelecidas pela autoridade
municipal competente, considerando-se atendidas com a emissão do respec-
tivo auto de regularização ou documento equivalente.32
492
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
493
ATO UNO
CONCLUSÃO
39 SÃO PAULO (Estado). Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Provimento CG nº 21/2013.
São Paulo: 18 de julho de 2013. Disponível em http://iregistradores.org.br/wp-content/uploads/2013/07/
TJSP-Provimento-CG-21-2013.pdf, acessado em 25 de julho de 2013, item 219.
494
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
495
gov.br/ccivil_03/leis/l8212cons.htm, acessado em 25 de julho de 2013.
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Disponível em http://www.planalto.
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de 2013.
496
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 Doutor em Geografia. Graduado em Direito. Universidade Federal do Tocantins. Professor do Curso de Direito
(Direito Urbanístico) e Docente Permanente do Programa de Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos
Humanos. E-mail: jbazolli@uft.edu.br
2 DI SARNO, D. C. L. Elementos do direito urbanístico. Barueri: Manole, 2004.
3 DIAS, M. L. Notas sobre o direito urbanístico: a "cidade sustentável". Jus Navigandi, Teresina. Dis-
ponível em:< http://jus.com.br/revista/texto/1692/notas-sobre-o-direito-urbanistico > Acesso em: 25 set 2011.
497
legal do instituto da desapropriação, autêntica intervenção estatal. Esse
instrumento possibilitaria ao Estado lançar mão de áreas de seu interes-
se, com a retenção de propriedade privada, contrariando, assim, o dito
princípio absolutista4.
Mas somente no final do século xIx a legislação urbanística brasileira
mostrou sua evolução com o registro de parcerias entre o Poder Público
municipal e a iniciativa privada. Tais parcerias ocorreram pela necessidade
de melhorias urbanísticas nas cidades portuárias, chamadas de cidades
de fluxo. Essa intervenção possibilitou a realização de obras públicas
nas cidades pelas empresas privadas que recebiam, em contrapartida,
concessões para a exploração de serviços públicos na área portuária5.
A primeira Constituição Republicana de 1934 ratifica e contempla defi-
nitivamente a função social da propriedade, grafada no texto, de maneira
explícita, no artigo 133, item 17, mas interpretada de maneira implícita
quanto à sua aplicabilidade.
498
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
499
2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL DE 1988: UM NOVO MARCO LEGAL
12 HARADA, K. Direito urbanístico: Estatuto da Cidade: Plano Diretor Estratégico. São Paulo: Ndj, 2004, p. 79.
500
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
501
depende, para sua eficácia plena, da aprovação dos Planos-Diretores
pelas Câmaras de Vereadores15.
No entanto, nem todos os municípios brasileiros, que por definição
legal seriam obrigados a aprovar os seus Planos-Diretores, elaboraram o
documento. Os municípios que não cumpriram a lei, constitucionalmente,
ficaram impossibilitados de aplicar todos os instrumentos do Estatuto da
Cidade. Alguns destes, por previsão legal, somente poderão ser aplicados
se estiverem definidos no Plano-Diretor, substancialmente a definição
da função social da cidade e da propriedade, objeto para a aplicação no
ordenamento do espaço urbano.
15 QUINTO JUNIOR, L. de Pi. Nova legislação urbana e os velhos fantasmas. São Paulo v.17, nº 47,
2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid= S0103-40142003000100011&
lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 5 set 2011.
16 id.,ibd.
17 QUINTO JR, op. cit.
18 id. ibid.
502
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
503
da terra urbana de forma independente do parcelamento ou edificação.
Não cumpridas as obrigações estabelecidas, o município procederá à
aplicação do Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo,
mediante a majoração da alíquota em até 3% anualmente, pelo prazo de
cinco anos consecutivos, respeitado o limite máximo de 15%.
Nessa cobrança do imposto, poder-se-á aplicar a alíquota máxima de
15% ou, se assim entender a prefeitura, proceder à desapropriação-sanção
do dito imóvel, obviamente com a obrigação do seu uso social.
Em caso de o poder municipal optar pela desapropriação-sanção do
imóvel, deverá pagar o valor da indenização, que corresponde ao valor
venal do imóvel (valor encontrado na planta de valores genéricos e utili-
zado para a cobrança do imposto predial), na forma de títulos públicos. O
avanço na sistemática desse pagamento pode ser verificado na previsão
legal que possibilita a dedução da valorização do imóvel, em função de
obras realizadas pelo Poder Público no local (pavimentação, iluminação
pública, rede de esgoto etc.). Portanto, encontrado o valor correspondente
à indenização do imóvel, caberá a dedução da valorização atribuída entre
o período da certificação do recebimento da notificação ao proprietário
que impôs o aproveitamento do imóvel e a efetiva desapropriação.
Nesse viés, foi considerada também como grande avanço do Estatuto
da Cidade a determinação da dedução, no pagamento da desapropriação-
-sanção, de quaisquer expectativas de ganhos, lucros cessantes e juros
compensatórios, relativos ao imóvel desapropriado.
Com essa medida, fica caracterizada a expropriação da “mais valia”
(a diferença entre o valor da mercadoria produzida e a soma do valor dos
meios de produção e do valor do trabalho, que seria a base do lucro no
sistema capitalista)19, objeto do lucro resultante da valorização do imóvel,
por conta de melhorias na localidade onde está inserido, realizadas pela
prefeitura e pagas por todos os contribuintes. Dessa maneira, a destina-
ção dessa valorização, atualmente apropriada pelo agente privado, toma
19 Karl Marx. O Capital, Volume I, Parte III, Capítulo VII, Processo de Trabalho e Processo de Produção de
Mais Valia, Secção 2, O Processo de Produção de Mais Valia.
504
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
505
norteadoras para ações concretas relativas à política urbana. Por previsão
constitucional e desse novo marco regulador, ficaram instituídas garan-
tias ao direito às cidades sustentáveis, que devem ser entendidas como
o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-
estrutura urbana, ao transporte urbano coletivo, aos serviços públicos
com qualidade, ao trabalho e ao lazer. Para fortalecer a gestão pública, o
Estatuto propõe um conjunto de diretrizes estabelecidas por cooperação
entre o Poder Público e a iniciativa privada e demais setores da sociedade
no processo de urbanização; a justa distribuição dos benefícios e dos ônus
do processo de urbanização, com a finalidade de dar sustentabilidade às
cidades. Esse processo objetiva sensibilizar a geração presente para a
preservação do meio ambiente como garantia do uso do espaço urbano
também pelas gerações futuras.
Segundo Arruda, “[...] o Estatuto da Cidade não vai, por si só, garantir
cidades mais justas. A nova lei traz o instrumental cirúrgico, que pode ser
bem usado, ou não, de acordo com a habilidade do cirurgião, no caso as
municipalidades”20. O grande risco desse instrumental regulador é de se
tornar “lei que não pegou”.
4. PLANO-DIRETOR
20 ARRUDA, I. Estatuto da Cidade, uma Conquista histórica. Câmara dos Deputados. Série Separatas
de Discursos, pareceres e projetos. Brasília: Centro de Documentação e Informação, Coordenação de Publi-
cações, 2002, p. 597.
506
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
21 SILVA, J. A. da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 139.
22 LIRA, R. P.. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
507
Como explica Borges, “[...]o titular do domínio tem a obrigação com sua
comunidade, ou seja, tem de cumprir na condição de titular do domínio a
função social da propriedade”23. Esta é destinada a servir a todos, embora
pertença a um só. Assim, verifica-se que a propriedade privada, com base
individualista, cedeu definitivamente o espaço para a propriedade com
finalidade social.
A propriedade somente se justifica quando cumpre sua função social,
hoje por imposição legal, definida no Plano-diretor24.
Nesse contexto, a essência da discussão é a questão epistemológica
da cidadania enquanto essência da cidade.
Os antigos planejamentos urbanos concebidos em gabinete, sem
participação popular e tendo como resultado cartas temáticas delimi-
tadoras dos espaços de uso e ocupação do solo, deram margem a uma
nova concepção didática de formulação, ou seja, o estabelecimento de
um novo paradigma. Esse novo paradigma possibilita que a população
participe efetivamente da discussão dos Planos-Diretores e influencie no
seu resultado; como consequência, observam-se nos dias atuais o avanço
para a politização da massa, a reafirmação da cidadania e o respeito à
função social da cidade25.
23 BORGES, P. T. Institutos Básicos do Direito Agrário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 8.
24 HARADA, op. cit.
25 id. ibid.
508
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
26 IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Primeiros resultados do Censo 2010. Disponível
em: < http://www.censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em 24 set 2011.
27 PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Relatórios de Desenvolvimento hu-
mano. Disponível em: < http://www.pnud.org.br/rdh/>. Acesso em 20 set 2011.
28 MARICATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.
509
número de municípios criados nesse mesmo período, isto é, foram de
1.574 para 5.565, trazendo problemas, como crescimento desordenado;
ausência de planejamento; carência de recursos e serviços; obsolescência
da infraestrutura e dos espaços construídos; padrões atrasados de gestão
e agressões ao ambiente, e estão longe de serem solucionados.
Historicamente, após a Conferência das Nações Unidas Sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento, em 1972, realizada em Estocolmo,
quando a participação brasileira foi duramente criticada, desenvolveu-
-se a legislação ambiental brasileira. Como resultado dessa participação,
criaram-se, no país, a Secretaria Especial do Meio Ambiente e algumas
normas ambientais.
No entanto, efetivamente nada de significativo ocorreu antes do início
da década de 1980, somente nessa ocasião estudos buscaram consolidar o
arcabouço legal que tratava das questões ambientais e estava fracionado
na Política Nacional do Meio Ambiente. A Lei nº 6.938, de 1981, foi criada
em decorrência do clamor dos movimentos ecológicos e por imposição
internacional de políticas de meio ambiente.
O Estado, na década de 1980, acreditava, equivocadamente, que po-
deria gerir as desigualdades sociais e controlar a degradação do meio
ambiente, em conturbada caminhada que resultou na criação e extinção
de secretarias e ministérios29.
A consciência ambiental se fortaleceu finalmente a partir da Consti-
tuição Federal de 1988, que, em seu artigo 225, prevê os princípios gerais
em relação ao meio ambiente, e estabelece punições exemplares, penais
e administrativas, para as condutas e atividades lesivas ao meio ambien-
te, para a pessoa física, e, como grande novidade, estende a punição à
pessoa jurídica.
Cabe ressaltar que a Política Nacional de Meio Ambiente, a partir da sua
edição, em 1981, com sua base política apoiada na legislação ambiental
internacional, foi adaptada várias vezes e recepcionada em parte pela
510
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
30 id. ibid.
511
e possibilita assentamentos em áreas ambientalmente frágeis que não
oferecem condições mínimas para a sobrevivência das pessoas insta-
ladas nesses locais. Essa condição é provocada pela baixa capacidade
de suporte do Poder Público em atender demandas por infraestrutura e
serviços públicos.
Para integrar o meio ambiente natural às questões urbanas, criou-se,
em 2003, o Ministério das Cidades, que tem como proposta lançar um olhar
ambiental no tratamento da questão habitacional do país, e considerar
o ambiente natural como parte integrante do desenvolvimento urbano,
garantindo à população o direito à infraestrutura, mobilidade e transporte
coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais. No entanto, o seu
objetivo precípuo é o direito à cidade sustentável e à inclusão da sociedade
nas decisões governamentais, com a criação de instâncias de participação
popular por meio de conselhos.
512
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
513
avanço dos debates fundiários urbanos, por tratar das questões urbanas
em várias dimensões, consolidou a noção da função social e ambiental, da
propriedade e da cidade, sendo reconhecido como um marco conceitual
jurídico-político para a aplicação do Direito Urbanístico.
Contudo, ainda não há amplo entendimento do impacto dessa nova
ordem jurídico-urbanística na gestão das cidades. A regularização fun-
diária, por exemplo, é vista como ação discricionária do Poder Público,
e não como direito subjetivo do cidadão. Portanto, é salutar a estratégia
da criação de um programa específico pelos municípios, que trate desse
importante tema.
Convém salientar que o país conquistou avanço na urbanização das
ocupações irregulares, mas os procedimentos esbarram na regularização
jurídica; os resultados na emissão de documentos garantidores da posse,
quando comparados com a necessidade da população, são ínfimos, ante
a enorme burocracia de a legislação urbanística e de registro imobiliário
ser elitista.
Importantes ingredientes ampliam as dificuldades para a solução das
questões fundiárias urbanas, entre elas a superação de um falso conflito
existente entre a preservação ambiental e a regularização fundiária; a
falta de percepção da indissociabilidade entre o direito e a gestão pública,
e outros.
Nesse viés, é necessário o enfrentamento do problema fundiário com
a construção de argumentos consistentes que validem essa nova ordem
jurídica, por meio da pacificação da doutrina e jurisprudência no campo
do Direito Urbanístico.
Os processos de regularização fundiária devem se preocupar em
centrarem-se na garantia ao exercício do direito de moradia, isto é, com
o olhar na ampliação do marco legal que verse sobre o tema.
514
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
515
516
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
517
Tabela 2: Instrumentos para a regularização fundiária
518
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
31 CARDOSO, A.L. Irregularidade urbanística: questionando algumas hipóteses. Belo Horizonte: Encontro
Nacional da ANPUR, 10, 2003.
519
formas de irregularidade encontradas. Essa classificação, todavia, pode,
num primeiro momento, ser meramente descritiva, mas deve, num se-
gundo momento, dialogar com as questões subsequentes (população
afetada, causas e processos de produção), de forma a se construir um
modelo com capacidade explicativa dos fenômenos e com capacidade
de orientar a ação política.
A regularização fundiária poderia contribuir para a inserção plena do
cidadão à cidade; viabilizar a sustentabilidade da cidade, porque reduziria
os passivos urbanísticos e ambientais, além de propiciar a transformação
da economia informal em economia legal.
A política urbana deveria focar a regularização fundiária, mas ter meca-
nismos de controle da irregularidade para cortar o círculo vicioso que gera
elevado dispêndio ao erário municipal na posterior correção do problema.
Outro aspecto relevante nas questões fundiárias é a eficácia plena
conferida às normas e princípios do Direito Urbanístico, fator que atribui
segurança jurídica na aplicação dos instrumentos que possibilitem o
controle urbano.
A Legislação Urbanística da Cidade Legal desconhece a cidade real que
mostra os conflitos dessa incompatibilidade posta. Com a flexibilização
dessas normas, haveria o reconhecimento da pluralidade e diversidade
da produção social.
O caminho para pacificar esses conflitos nasce da relativização da
propriedade com a utilização dos meios legais para a garantia da posse,
além do domínio. Importante pontuar que a regularização fundiária requer
a análise do caso concreto, pois existem diversas possibilidades para a
solução do problema.
Embora se detecte avanço no tratamento do tema fundiário, pode-se
afirmar que não há muito a se comemorar pelos 10 anos da promulgação
do Estatuto da Cidade. Poder-se-ia citar o exemplo da aplicação da edi-
ficação compulsória e IPTU progressivo no tempo, um dos importantes
instrumentos para o controle da especulação imobiliária, que tem efeito
520
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
521
cesso de Produção de Mais Valia, Secção 2, O Processo de Produção de Mais Valia.
LIRA, R. P.. Elementos de direito urbanístico. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
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SILVA, J. A. da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
522
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1 Doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo
– FAUUSP; Profa. Mestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social da Universidade Católica
de Salvador – UCSAL; Coordenadora do Grupo de Pesquisa do CNPq “Gestão Democrática da Cidade”; cida.
netto@hotmail.com.
2 Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia – FAUFBA; Mestre em Urbanismo
pela Universidade Católica de Campinas PUCCAMP, elisamara.emiliano@gmail.com.
523
Em Salvador, apesar da atuação do poder público municipal ainda ser
bastante incipiente no enfrentamento desse problema, algumas ações
pontuais importantes vem sendo empreendidas, das quais destaca-se a
regulamentação da ZEIS nº. 114, pelo seu caráter emblemático referente
à previsão de habitação, e particularmente da habitação social, no Cen-
tro Histórico de Salvador, associado, nesse caso, a uma forte atuação
da comunidade.
Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho é proceder a uma
reflexão acerca do recente processo de regulamentação da ZEIS nº. 114,
como uma importante ação pública em andamento, a partir de dois eixos
principais. Em primeiro lugar, aborda-se-á as prerrogativas legais relacio-
nadas a essa temática, qual seja a Constituição Federal (1988), o Estatuto
da Cidade (2001) e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador
(PDDU/2008). Em segundo lugar, será abordado especificamente as ações
públicas relacionadas ao processo de regulamentação da referida ZEIS,
a partir da análise dos relatórios municipais elaborados, que abrangem
a complementação de ações relativamente à regularização urbanística e
fundiária, bem como ao plano de ação social.
Nesse sentido, o presente artigo visa contribuir com a discussão acerca
do processo de regulamentação das ZEIS no Brasil, e em particular em
Salvador, com ênfase na ZEIS nº. 114, a qual, caso se concretize, poderá
se constituir em uma referência emblemática em âmbito nacional, com
vistas à conciliação entre preservação do patrimônio histórico e direito
à moradia.
524
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
525
poração e financiamento) no controle das cidades de médio e grande porte.
Apesar disso, no tocante à habitação de interesse social e à regulari-
zação dos assentamentos informais, há que se destacar a previsão, no
Estatuto da Cidade, da Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) 3, o qual tem
sido um dos instrumentos mais incorporados no texto dos Planos Diretores
Municipais, posteriormente à aprovação da Lei do Estatuto4. Trata-se de
instrumento urbanístico de suma importância, voltado para o tratamento
das áreas ocupadas e vazias destinadas à moradia da população de baixa
renda, com vistas à atuação do poder público para a urbanização e regula-
rização fundiária, e a produção de habitação de interesse social, nas quais
se aplicam regras especiais de uso e ocupação do solo. (ALFONSIN, 2002).
Em Salvador, esse instrumento foi recentemente previsto no Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU/2008)5, no âmbito da Política
de Habitação de Interesse Social (PHIS). Para a regulamentação das ZEIS,
a lei prevê a elaboração do Plano de Regularização, abrangendo três as-
pectos: o Plano de Urbanização; o Plano de Regularização Fundiária e o
Plano de Ação Social e Gestão Participativa.
No tocante a regularização das ZEIS, destacam-se artigos 83 e 84, os
quais disciplinam a elaboração do Plano de Regularização pelos órgãos
da administração direta ou indireta do município ou do Estado da Bahia,
e que incluem a população como participante em todas as etapas do pro-
cesso de regularização, podendo ainda elaborar o plano, se assistida por
técnicos e desde que aprovados pelo órgão municipal de habitação. Outro
ponto relevante constante no PDDU/2008 é o art. 88 e seus parágrafos,
pois inclui como integrantes da Comissão de Regularização da ZEIS, além
3 Esse instrumento já vinha sendo implementado por algumas administrações municipais desde a década de
1980 (Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte), com destaque para a experiência precursora de
implantação do Plano de Regularização de ZEIS (PREZEIS), em Recife/PE.
4 Conforme pesquisa realizada pelo Ministério das Cidades em 2008, relativo ao “Projeto Rede de Avaliação
e Capacitação para a Implementação dos Planos Diretores Participativos”, que analisou a incorporação dos
instrumentos do Estatuto da Cidade nos Planos Diretores a partir da análise dos relatórios estaduais e muni-
cipais, constatou-se que o instrumento da ZEIS constou de 81% dos planos analisados, posteriormente aos
instrumentos do zoneamento (91%) e o parcelamento compulsório, IPTU progressivo e desapropriação, estes
já previstos na Constituição Federal.
5 Para o histórico acerca da previsão do referido instrumento em Salvador/BA, que compreende a institu-
cionalização das APSES (1985) e AEIS (2004), ver: ESPIRITO SANTO; GORDILHO-SOUZA; TEIxEIRA, 2007.
526
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
527
principalmente da implementação, em 1992, do “Plano de Ação Integrada
do Centro Histórico de Salvador”, de iniciativa do governo estadual, e im-
plantado pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia
(CONDER). Esse plano tinha como ênfase a dinamização do comércio e
serviços, em detrimento do uso habitacional.
Até 1997, foram realizadas as seis das sete etapas previstas inicial-
mente, tendo resultado em elevados investimentos públicos e pouca
efetividade econômica dos novos pontos comerciais. Além disso, a im-
plantação desse Plano resultou na eliminação progressiva dos cortiços,
com indenizações insuficientes para aquisição de novas moradias, o que
fez com que a maioria dessa população passasse a ocupar informalmente
áreas nos arredores, sobretudo os prédios fechados e em ruínas. Essas
intervenções resultaram na redução significativa da população local e em
fortes conflitos sociais, culminando, em 2004, na celebração de Termo de
Acordo e Compromisso (TAC), envolvendo o Ministério Público e asso-
ciações de moradores locais, liderados pela Associação de Moradores e
Amigos do Centro Histórico de Salvador (AMACH), a partir do qual ficou
garantido a permanência da população no local, mediante a provisão de
habitações de interesse social.
Desse modo, para a 7ª Etapa, além dos recursos do governo federal
(Ministério das Cidades/Projeto Monumenta), foram previstos a aplicação
de recursos do governo estadual, mediante a implantação do Programa
de Habitação de Interesse Social (PHIS) e do Programa Habitacional do
Servidor Público Estadual (PROHABIT), os quais prevêem a reforma de
casarões para fins habitacionais. Considerando-se, entretanto, o período
decorrido de nove anos após a assinatura do TAC e o número pequeno
de imóveis recuperados, pode-se afirmar que os referidos programas ha-
bitacionais vêm sendo implantados a “passos lentos”.
Nesse contexto, e por ocasião da discussão da formulação da Po-
lítica Habitacional de Interesse Social (PHIS) de Salvador, inserida no
PDDU/2008, é que essa área foi incorporada como Zona Especial de
Interesse Social, constante do art. 84, Anexo 3. Desse modo, conforme
528
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6 No Centro Histórico, além da ZEIS nº. 114, registram-se a ZEIS de Vila Nova Esperança e a ZEIS do Pilar.
529
No momento atual, a Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) e a
Fundação Mário Leal Ferreira (FMLF) vêm dando prosseguimento à com-
plementação das ações necessárias para a regulamentação dessa ZEIS,
as quais, conforme exposto anteriormente, já vinham sendo realizadas
no âmbito da 7a. Etapa, pela CONDER, principalmente no que se refere
à regularização fundiária e ao Plano de Ação Social e Gestão Participa-
tiva. Para tanto, a PMS conta com recursos financeiros internacionais
provenientes da Aliança de Cidades/Banco Mundial, captados mediante
projeto formulado e aprovado na gestão municipal de 2005/2008. Esse
projeto foi elaborado no âmbito da ex-Secretaria Municipal de Habitação
(SEHAB), sob a gestão de Angela Gordilho-Souza. Registra-se que essa
Secretaria foi extinta em 2008, e atualmente as ações referentes à habi-
tação social ficaram restritas à Coordenadoria de Fomento e Produção
de Habitação Popular.
No que se refere à complementação do Plano Urbanístico da ZEIS 114,
considerando tratar-se de área consolidada e que já vem sendo palco de
atuação do governo estadual, foram previstos dois aspectos principais: a
elaboração de legislação urbanística específica e a discussão e definição
da poligonal. Considerando-se as limitações do presente artigo tratar-se-á
apenas do segundo aspecto.
Figuras 3 e 4 - Imóveis restaurados, localizados no Centro Histórico de
Salvador, às Ruas São Francisco (esq.) e Rua do Tijolo (dir.)
530
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 Para tanto, foram utilizadas fichas de cadastro, contemplando os seguintes itens: uso e ocupação do solo;
tipologia (casa térrea; dois pavimentos; casarão; cortiço; vila; edifício); ocupação informal – registro da exis-
tência, ou não, de alguma ocupação informal/invasão dos imóveis pesquisados.
531
percentual reduzido de cortiços (2%). Quanto ao estado de conservação
das habitações, tem-se o predomínio de habitações em médio estado de
conservação (45%), seguido pelas habitações precárias (40%), o que indica
a necessidade de se prever mecanismos de incentivo à conservação dos
imóveis, com vistas à melhoria das condições de habitabilidade, abran-
gendo itens como pintura, esquadrias e cobertura.
Com base, pois no levantamento de campo e, a partir da discussão
com representantes da comunidade e com o poder público municipal, por
ocasião da realização da Oficina Temática em março de 2013, foi definida
a proposta de poligonal da ZEIS nº. 114, conforme constante da Figura 5.
Para a identificação das quadras a serem inseridas (total ou parcialmente)
na referida poligonal foram utilizados dois critérios principais. Quanto
ao primeiro critério, a quadra deveria ter como uso predominante o ha-
bitacional (existente ou com previsão no âmbito dos Programas PHIS ou
Prohabit) ou misto. Nesse caso, deve-se ressaltar a inclusão, na poligonal
proposta, de algumas quadras não contempladas na 7. Etapa, localizadas
na Barroquinha (Baixa dos Sapateiros), à Rua Visconde de Itaparica, na
qual constatou-se a ocorrência de um grande número de unidades habi-
tacionais em estado de conservação precário.
Quanto ao segundo critério, a quadra deveria dispor de equipamentos
de uso comum (existente ou previsto). Nesse caso, foram incluídas as qua-
dras que dispunham de imóveis já previstos no âmbito da 7a. Etapa para
a instalação de creche e cozinha comunitária, os quais já encontram-se
recuperados. Ainda com relação aos equipamentos propostos, propõe-se
a implantação de equipamento de ensino de superior, no casarão onde
funcionava a Secretaria Municipal de Serviços Públicos e Prevenção à
Violência (SESP).
Além dos critérios citados acima, buscou-se não inserir nessa poli-
gonal, edifícios institucionais importantes existentes na área, a exemplo
dos museus, igrejas, órgãos municipais e federais, considerando-se que
o principal objetivo da ZEIS é gravar a área para habitação social. Desse
modo, foram incluídos apenas os edifícios institucionais compatíveis ao
532
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
533
Entretanto, no que se refere à poligonal proposta, posteriormente ao
processo de discussão e definição da mesma, a PMS informou acerca da
existência de um projeto de estacionamento8, a ser implantado nas pro-
ximidades da Rua Visconde de Itaparica, na Barroquinha. Em face dessa
questão, o poder público municipal formalizou, junto à consultoria respon-
sável pela proposta de regulamentação da ZEIS 114, a solicitação referente
à retificação da poligonal, com a exclusão da área da Barroquinha.
Figura 6 - ZEIS n. 114 – Equipamentos comunitários existentes e equi-
pamentos propostos
8 O projeto consta de 03 pavimentos, e área total 4.281,00 m2, com previsão de 138 vagas, bem como a im-
plantação de praça na cobertura, com área para comércio, constituindo-se “em mais uma opção de espaço
para entretenimento no centro da cidade, além de dar suporte para a atração de novos investimentos para a
área, atualmente degradada”. (SALVADOR, 2012, p. 51).
534
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
535
de interesse social), através da CONDER. Inicialmente vem se procedendo
à desapropriação dos imóveis, sendo previsto, posteriormente a transfe-
rência da posse das unidades habitacionais para os moradores. Algumas
ruas da poligonal estão fora do decreto de desapropriação compreen-
dendo as ruas Curriachito, Visconde de Itaparica até a intersecção com a
rua Ruy Barbosa na Barroquinha. Essas ruas, inseridas na ZEIS 114, não
fazem parte do projeto inicial da 7a Etapa e devido ao perfil preponderante
de pequenos comércios e habitações populares, não demandam novas
desapropriações. Desse modo, sua inserção na poligonal da ZEIS se deu
para conservar esses usos.
A pesquisa fundiária constatou que os imóveis localizados na Quadra
22-S(Rua 07 de Novembro, n. 10); Quadra 28-S (compreende a Rua São
Francisco, n. 29 a Rua 28 de Setembro, n. 23); e a Ladeira da Praça, nº 28,
foram objeto de desapropriação através do Decreto Estadual nº 8.679/2003,
destinando–se a execução de empreendimentos habitacionais voltados
para famílias de baixa renda, bem como outros equipamentos urbanos,
comerciais e mistos, indispensáveis à revitalização do Centro Histórico
de Salvador.
Figura 8 – Situação Jurídica dos imóveis da 7. Etapa
536
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
537
cozinha comunitária, o projeto receberá apoio da Secretaria do Trabalho,
Emprego, Renda e Esporte do Estado da Bahia (SETRE). Os recursos serão
destinados às obras e serviços de adequação do imóvel, equipamentos
e capacitação.
Figura 9 - Imóvel à Rua Sete de Novembro, n. 26 onde funcionará a
cozinha comunitária.
538
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Fonte: http://ctspelourinho.com.br/sobre.aspx
9 Com a troca de gestão municipal em 2013, e o fato dos meses de janeiro e fevereiro oferecerem mais trabalho
aos moradores do Centro Histórico, nos primeiros meses de 2013 os trabalhos ficaram suspensos.
539
o desenvolvimento das atividades. Durante o processo foram realizados
21 encontros, sendo 07 com técnicos da PMS; 05 com a comunidade; 07
encontros entre os técnicos da consultoria contratada, e 02 com a AMACH.
Nas discussões das atividades e produtos de cada etapa foram envol-
vidos 11 técnicos de diferentes órgãos da PMS e FMFL. Nas atividades de
mobilização foram envolvidos representantes de outros órgãos públicos,
com atuação no Pelourinho, a exemplo do Escritório da CONDER; ERCAS
(Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador) e IPAC (Instituto
do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia). Além disso, representantes
da UNEB (Universidade Estadual da Bahia) participaram de todo proces-
so, prestando assessoria à AMACH, associação essa fundamental, para
mobilização da comunidade. No total, mais de 100 pessoas participaram
das atividades, abrangendo as reuniões e oficinas temáticas. É importante
esclarecer que a PMS não disponibilizou nenhum tipo de estrutura para
mobilização da comunidade a consultoria contratada juntamente com a
AMACH mobilizou a comunidade através de convites porta a porta.
Ainda com referência às atividades previstas no Plano de Ação Social,
sendo também uma exigência do PDDU/2008, tem-se a formação da Co-
missão de Regularização da ZEIS 114, com objetivo de acompanhar as
atividades desde o seu inicio. Nesse sentido, foi pactuado com a comuni-
dade a constituição de uma Comissão Provisória, composta por integran-
tes da comunidade para acompanhar todas as atividades, a qual, após a
finalização dos trabalhos seria consolidada pela instituição da Comissão
de Regularização, já que esta prevê a participação de representantes dos
poderes executivo e legislativo, dependendo, desse modo, de ações da Pre-
feitura para ser instalada mediante decreto. A Comissão Provisória contou
com 11 moradores do Centro Histórico. Vale considerar, entretanto, que
todas as atividades com a Comissão foram ampliadas, contando sempre
com um publico maior.
Desse modo, na ultima etapa do trabalho, a Comissão Provisória dei-
xou de existir e foram indicados os nomes e entidades que representam a
sociedade civil para integrarem a Comissão de Regularização, que deve ter
540
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
541
representando um significativo avanço no contexto das políticas públicas
com vistas a inclusão social e a promoção do direito à moradia digna,
cumprindo a diretriz da função social da cidade e da propriedade, conforme
disposto no Estatuto da Cidade (2001). Vale ressaltar que, no caso da ZEIS
em questão, a sua previsão no PDDU/2008 está diretamente relacionada à
atuação dos moradores locais, os quais organizados, resistiram às políticas
públicas excludentes implantadas neste território, a partir da década de
1990, bem como a conjuntura político-institucional favorável, quer seja
em âmbito federal, quanto municipal.
No contexto atual, a regulamentação da ZEIS nº. 114 assume uma di-
mensão ainda mais importante, considerando-se que o governo estadual
vem implantando uma nova etapa de intervenção pública no local, me-
diante o Plano de Reabilitação do Centro Antigo de Salvador. Este Plano,
se por um lado, se insere numa perspectiva mais ampla de intervenção
em âmbito nacional em centros históricos, a partir da inserção do uso
habitacional, por outro, prevê a atração de um número significativo de
investimentos privados de porte no Centro Histórico e entorno, principal-
mente em relação às unidades habitacionais de alto padrão e de hotéis
de grande porte.
Nesse sentido, ainda que considerando-se a importância do incentivo
ao mix de usos no centro, e a previsão do uso habitacional para diferen-
tes faixas de renda, o instrumento da ZEIS faz-se necessário para gravar
a área para o uso de habitação social, de modo a salvaguardar o direito
de moradia para a população local, visando a melhoria das condições de
habitabilidade, bem como a permanência da população após o processo
de reabilitação.
É mister destacar a participação ativa da Associação de Moradores –
AMACH no processo recente de regulamentação da referida ZEIS, quer seja
na discussão da proposição da poligonal, quer seja na indicação das áreas
para a implantação dos equipamentos de uso coletivo, o que por certo em
muito contribuirá para a apropriação desse instrumento pela comunidade
local, que deverá cobrar diretamente da Prefeitura caso ocorra a demora
na implementação das ações previstas.
542
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
543
Nesse sentido, é preciso que o poder público municipal, em caráter
de urgência, empreenda um programa preferencialmente voltado para
a regulamentação das ZEIS, quer seja mediante a captação de recursos
federais, quer seja, através da destinação de recursos próprios em lei
orçamentária. Além disso, em face da magnitude da problemática habi-
tacional em Salvador, é fundamental a articulação de esforços entre os
governos municipal e estadual, com a explicitação das competências,
evitando, desse modo, a sobreposição de ações e o desperdício de dinheiro
público. Pode-se afirmar, desse modo, que ainda há um grande desafio
a ser vencido de forma a aproximar a retórica da prática efetiva, em prol
de uma cidade mais justa e menos desigual.
6.REFERÊNCIAS
544
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
545
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Regularização fundiária
em salvador (2002-2012):
avanços e retrocessos1
1 ANTECEDENTES
1 Esse texto foi elaborado tomando como referência estudos anteriores das autoras: LIMA, Adriana Nogueira
Vieira. 2005. A (in) segurança da posse: regularização fundiária em Salvador e os instrumentos do Estatuto
da Cidade. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2005. GORDILHO-SOUZA. Ângela. Regularização fundiária na nova política municipal de
habitação de interesse social em Salvador. Revista Veracidade – Seplam/Prefeitura do Salvador, Ano 2, No.
2, julho de 2007; Agradecemos as contribuições de Francisco Teixeira e Reneé Buzarh.
2 A autora é Profa. Dra. da Faculdade de Arquitetura da UFBA e atuou como Secretária Municipal da Habitação
do Município do Salvador, durante o período de 2005-2007, e-mail amgs@ufba.br
3 A autora é professora de Direito Urbanístico da UEFS e atuou como Diretora de Regularização Fundiária na
Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia durante o período de 2006-2010. Atualmente é
doutoranda em Arquitetura e Urbanismo – UFBA, e-mail adriananvlima@gmail.com
4 LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Editora Moraes Ltda,1991, p. 116.
547
neamento, ao transporte público, ao lazer e a informação, de acordo com
os princípios de universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos.
Essas reivindicações pelo Direito à Cidade constituíram o fio condutor
na busca de um efetivo exercício da cidadania e afirmação de direitos.
Esses sujeitos coletivos passaram a intervir no processo de construção
de uma Nova Ordem Constitucional, visando a assegurar a inscrição de
direitos econômicos, políticos, sociais e culturais. Nesse contexto de am-
pla participação, foi apresentada a proposta popular da Reforma Urbana
subscrita por 131 mil brasileiros e que ao tramitar no Congresso Nacional
foi paulatinamente tomando novos contornos, esvaziando ou postergando
algumas pretensões do movimento social de reforma urbana, bem como,
em alguns casos, atrelando a aplicação de alguns instrumentos urbanís-
ticos a existência de normas regulamentadoras.
Apesar da ausência de normas infraconstitucionais, esse novo para-
digma possibilitou que durante a década de 1990, diversas reivindicações
pautadas pelos movimentos sociais urbanos pudessem ser experimentadas
no processo de construção de políticas públicas na esfera local, a exem-
plo da participação direta na elaboração das leis orgânicas em diversos
municípios brasileiros e da estruturação do orçamento participativo em
Porto Alegre (1989). No campo especifico da Reforma Urbana, segundo
Jan Bitoun5, as problemáticas visibilizadas pelos movimentos sociais de
base territorial pressionaram para que fossem inventadas soluções inéditas
que não poderiam ser encontradas no acervo daquelas acumuladas nas
legislações urbanas dos países do norte. É nessa esfera que podem ser
destacados, como exemplos, a incorporação dos instrumentos urbanísticos
propostos pelo movimento da Reforma Urbana em alguns planos direto-
res municipais, a criação do Fundo Municipal de Habitação Popular e do
Conselho Municipal de Habitação Popular nos municípios de Diadema/
SP - 1993, Belo Horizonte/MG - 1993 e Santo André/SP - 1999, o estabe-
lecimento das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e das comissões
5 BITOUN, Jan. Movimentos Sociais Urbanos e a trajetória do urbanismo. Revista Cidades Vol. 1, n. 1,
2010, São Paulo, p.67-77.
548
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6 Durante esses anos de tramitação no Congresso Nacional, o Estatuto da Cidade não passou apenas a ser
fruto de uma reivindicação do movimento social de reforma urbana, mas também representou um pacto entre
diversos setores que compõem a sociedade brasileira, sendo incorporados ao projeto inicial, instrumentos de
interesse do capital imobiliário, a exemplo do instituto das operações urbanas consorciadas. Ver nesse sentido
BASSUL, José Roberto. Estatuto da Cidade: quem ganhou? quem perdeu? 2004. 167 f. Dissertação de mestrado
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura, Universidade de Brasília (Unb), Brasília, 2004.
549
Plano Diretor para implementação dos programas de regularização fundi-
ária, na medida em que a ele cabe estabelecer as exigências fundamentais
de ordenação da cidade para que a propriedade cumpra a sua função
social, bem como apontar as áreas onde serão aplicados os instrumentos
urbanísticos, tais como solo criado, direito de preempção, Zonas Especiais
de Interesse Social (ZEIS), transferência do direito de construir e operação
urbana consorciada que devem, em tese, ser aplicados de forma associada
com o processo de regularização fundiária.
O Estatuto da Cidade também deixa claro que a regularização fundiária
não passa necessariamente pelo direito individual à propriedade plena.
Há uma nítida opção por abarcar uma concepção plural de direitos de
propriedade que no dizer Congost7 advém de relações sociais que devem
ser observadas através da pluralidade de ângulos e deve ser estudada sob
a hipótese da mutabilidade – historicidade - que transcende os princípios
legais e estruturas institucionais. É nesse sentido que a segurança da posse,
considerada como parte integrante do direito à moradia, pode ser garantida
através de diversas formas de titulação. O Estatuto da Cidade, buscando
a regularização fundiária em terras públicas, prevê os instrumentos da
concessão de uso especial para fins de moradia, concessão de direito real
de uso e o direito de superfície. Para as ocupações localizadas em área
privada, o instituto a ser utilizado é o do usucapião especial urbano. É
aberta ainda a possibilidade dos instrumentos serem aplicados de forma
individual e/ou coletiva.
No que concerne ao instituto da concessão de uso especial para fins
de moradia (CUEM) em virtude do veto presidencial dos artigos 16 a 20,
sob argumento, em rápida síntese, de que o instrumento contrariava o
interesse público, principalmente quando exercido nos imóveis públicos
destinados ao uso comum do povo foi editada a Medida Provisória n.
2.220, de 4 de setembro de 2001. Muito embora a medida provisória man-
tenha parcialmente a concessão de uso especial para fins de moradia nos
termos do dispositivo vetado, a MP restringiu drasticamente, porquanto
7 CONGOST, Rosa. Property rights and historical analysis: what rights? what history? Oxorford University Press, 2003.
550
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
8 MINISTÉRIO DAS CIDADES. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Caderno 1, 2004. Disponível
em: www.cidades.gov.br. Acesso em 22 dez. 2005.
551
A Política Nacional de Apoio à regularização Fundiária Sustentável
parte do principio de que a regularização fundiária é um processo amplo,
que não pode ou não deve ser reduzida a sua dimensão jurídica, devendo
essa dimensão ser necessariamente conciliada com a regularização
urbanística e ambiental dos assentamentos, bem como com a
introdução de programas socioeconômicos e outros programas gover-
namentais que proponham a plena integração social dos moradores de
assentamentos informais à economia da cidade, estando assentada nos
seguintes pressupostos: reconhecimento do direito à moradia e segurança
da posse como direitos fundamentais; acesso à terra urbana como efeito
jurídico do princípio constitucional da função socioambiental da proprie-
dade; supremacia do Direito Público sobre Direito Privado na regulação
da ordem urbanística; compreensão da natureza curativa dos programas
de regularização que devem ser implementados em um contexto amplo
de políticas públicas em todas as esferas governamentais; necessidade
de conciliação entre a regularização urbanística e ambiental com
a regularização jurídica e patrimonial; necessidade de contribuir para
renovação dos processos de mobilização social em torno da questão.9
A regularização fundiária também foi incluída como diretrizes do Sis-
tema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) criado pela Lei
Federal nº 11.124, de 16 de junho de 2005 tendo dentre outros objetivos
o enfrentar do problema habitacional em dois eixos: enfrentar o déficit
habitacional, aumentando o estoque de moradia e intervir na qualificação
das moradias existentes. Para tanto, o art.11 da Lei nº 11.124/05 dispõe
que os recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social devem
ser destinados aos programas habitacionais de interesse social que con-
templem dentre outras ações a urbanização, produção de equipamentos
comunitários, regularização fundiária e urbanística de áreas carac-
terizadas de interesse social.
9 Para uma análise critica dos resultados da Política de Regularização Fundiária Sustentável, ver FERNANDES,
Edésio. Princípios, Bases e Desafios de uma Política Nacional de Apoio à Regularização Fundiária Sustentável.
In: ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio. (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse
no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2004.
552
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
3 A REGULARIZAÇÃO FUNDIáRIA
NO MUNICIPIO DO SALVADOR
10 É importante ressaltar que o presente artigo foca apenas no Programa Municipal de Regularização não
tendo como o Programa de Regularização Fundiária desenvolvido pelo Estado da Bahia-Secretaria de Desen-
volvimento Urbano, através da Companhia de Desenvolvimento Urbano (CONDER) e Habitação e Urbanização
da Bahia S.A (URBIS) no Município de Salvador.
553
pouca efetividade das políticas habitacionais de interesse social.
A cidade de Salvador entrou no terceiro milênio com quase 2,5 milhões
de habitantes, perfazendo atualmente cerca de 2,7 milhões (CENSO, 2010),
o que a faz continuar ocupando o 3º lugar em contingente populacional
no país. A ocupação informal de habitação nesse município, no início
dos anos 2000, representava 32% do total de ocupação habitacional
no município, correspondendo a 60% da população, o que corresponde
aproximadamente a 460 mil domicílios, equivalendo ao chamado déficit
qualitativo de habitação. A situação é mais grave ao se considerar áreas
formais deficientes de benfeitorias urbanísticas, incluindo loteamentos po-
pulares que cresceram sem a devida gestão pública, que representa 54% da
área ocupada e 73% da população, equivalente a 550 mil domicílios. Essa
ocupação está concentrada, sobretudo nas áreas do Subúrbio e Miolo da
cidade, demarcando uma nítida segregação em relação à ocupação formal
da cidade, ao longo da orla oceânica11. Portanto, além da necessidade de
novas unidades habitacionais, decorrente do crescimento populacional,
o déficit habitacional constituído historicamente abrange as deficiências
ambientais, de infraestrutura física e social e a inadequação fundiária
No intuito de contribuir com um balanço critico das politicas de regu-
larização fundiária no município de Salvador que buscaram, em tese, o
enfrentamento dessa problemática, o presente trabalho traz uma breve
síntese das ações que antecederam a aprovação do Estatuto da Cidade,
para em seguida adentar nos Programa de Regularização Fundiária im-
plementados pelo município de Salvador durante o período de 2002-2012.
Propõe-se para tanto uma periodização, de acordo com as gestões muni-
cipais desde então, sendo: O Primeiro Período, de 2002 a 2004, no qual
foi feita uma distribuição massiva de títulos de concessão de uso especial
para fins moradia; Segundo Período, de 2004-2008, no qual se buscou
com base na Politica Nacional de Regularização Fundiária Sustentável a
articulação entre a dimensão fundiária e urbanística, bem como um dialogo
554
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
12 A sistematização dos dados apresentados tem como base as entrevistas concedidas pela Coordenação de
Regularização Fundiária às autoras, relatórios de gestão e o Plano Municipal de Habitação de Salvador (2008-
2025). SALVADOR. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal da Habitação. Plano Municipal de habitação
de Salvador (2008-2025). SEHAB/Via Pública, 2008. É importante ressaltar que a descontinuidade das ações
entre os períodos apresentados também reflete na qualidade dos dados.
13 SALVADOR. Prefeitura Municipal. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU – Lei 3.525, de
11 de setembro de 1985. Coletâneas Leis e Decretos, Salvador, 1985.
14 SALVADOR. Lei nº 3.592, de 16 de novembro de 1985. Dispõe sobre o enquadramento e delimitação
em caráter preliminar de áreas de Proteção Sócio-Ecológica – APSE no Município de Salvador e esta-
belece medidas para sua regulamentação definitiva e dá outras providências
15 A exigência da regularização fundiária pode ser observada pelas agências de financiamento internacional
desde o Projeto de Saneamento Básico do Vale do Camurujipe, no inicio da década de 1980.
555
então a cessão de documentação era concedida em regra para os morado-
res de loteamentos públicos produzidos em muitos casos para remover a
população de áreas valorizadas da cidade. É a partir dessa experiência que
a titulação ainda que de forma tímida e pontual passa a ocorrer também
nas ocupações informais localizadas em áreas valorizadas da cidade.16
Inicialmente foram utilizados os denominados termos de permissão de
uso, instrumento através do qual a Prefeitura autorizava a permanência
em terrenos públicos ocupados pela população de baixa renda. Após um
longo período de estudos e discussões no âmbito da OCEPLAN, optou
pela utilização preferencial do instituto da concessão de direito real de
uso (CDRU), em detrimento da doação ou outros instrumentos adminis-
trativos. Assim, em 1983, a concessão de direito real de uso foi inserida
na Lei Orgânica do Município, sendo posteriormente regulamentada pela
Lei Municipal 3.293/1983.
O primeiro programa municipal de legalização de lotes, utilizando o
instrumento da concessão de direito real de uso, teve início em 1984 e
foi elaborado pela Coordenação de Desenvolvimento Social, órgão da
Secretaria de Administração Municipal. Esse programa tinha como obje-
tivo a titulação através da concessão de direito real de uso de 4.000 lotes
localizados nos loteamentos públicos, mas sendo apenas legalizados
780 lotes.17 Posteriormente, em 1986, foi elaborado um novo programa
pela Secretaria de Terras e Habitação em convênio com a Companhia de
Renovação Urbana de Salvador (RENURB), cuja proposta era atingir 20
mil lotes, não logrando também o êxito esperado visto que, das 18 áreas
previstas, apenas 05 tiveram a sua legalização considerada concluída18.
Esse insucesso em relação aos programas pode ser interpretado a partir
16 Embora não seja possível falar em programas de regularização fundiária, ações tópicas ocorreram na dé-
cada de 1970. Em 1971, a SETRABES forneceu aos desabrigados da chuva um atestado de ocupante do imóvel
construído em terreno fornecido pela Prefeitura; em 1977 foram emitidos certificados de posse em favor de
famílias desabrigadas em Canabrava e Conjunto Residencial São Cristóvão (Conjunto dos Desabrigados); em
1978 os moradores do PROFILURB I receberam contrato de acordo e compromisso; em 1982 foi utilizado o
instituto da permissão de uso para titular a primeira etapa do loteamento Fazenda Coutos.
17 SALVADOR, Prefeitura Municipal. Legalização de lotes urbanos em Salvador,.1985.
18 SALVADOR, Prefeitura Municipal do Salvador - SETHA - Secretária da Terra e Habitação. Programa de
Legalização Fundiária Municipal - 1986-1988 - Relatório Parcial. Salvador, 1989.
556
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
557
diária. No âmbito do município de Salvador foi aprovada a modificação
da Lei Orgânica Municipal através da Emenda nº 1619 e a promulgação
da Lei nº 6.099/200220, a fim de adequar a legislação local ao Estatuto da
Cidade. Essas modificações na legislação municipal buscaram possibili-
tar a legalização de lotes, situados em área urbana, utilizados para fins
de moradia, ocupados pela população de baixa renda, e cuja porção de
área não ultrapasse 250m2, através da concessão de uso especial para
fins de moradia.
É importante salientar que a mensagem do Prefeito que encaminhou
o projeto de lei à Câmara dos Vereadores, propondo a modificação dos
instrumentos de regularização fundiária, com vista a adequá-los ao Es-
tatuto da Cidade, exalta a importância da titulação através de títulos de
propriedade plena, recorrendo aos falaciosos argumentos que se baseiam
nas concepções do economista Hernando De Soto21:
558
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
22 SALVADOR. Lei n° 6.586, 03 de agosto de 2004. Aprova o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
do Município do Salvador, 2004. Disponível em: http://www.sedham.salvador.ba.gov.br.
559
3.3.2 SEGUNDO PERÍODO (2005 – 2008):
TENTATIVA DE ARTICULAÇÃO DAS DIMENSÕES
FUNDIáRIAS E URBANÍSTICAS
560
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
23 Para este cálculo estimou-se uma densidade média de 400 hab/ha, freqüente em áreas de ocupação in-
formal em Salvador.
24 Ver nesse sentido, GORDILHO-SOUZA, Angela; ESPIRITO SANTO, Maria Teresa Gomes e TEIxEIRA Apa-
recida Netto. O desafio da regulamentação de ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social. XII Encontro da
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano Regional, Anais. Belém,
Pará., Mai. de 2007 e SAULE JUNIOR, Nelson; LIMA, Adriana Nogueira Vieira; ALMEDIDA, Guadalupe M. J. Abib
de. As zonas especiais de interesse social como instrumento de regularização fundiária. Fórum de Direito
Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 5, n. 30, nov./dez. 2006.
561
para o repasse das áreas ao município, a doação não foi efetivada. No que
tange as áreas repassadas pela União, as dificuldades para averbação no
Cartório de Imóveis da gleba em nome do município, somados aos limi-
tes da gestão municipal, a dificuldade na contratação de empresas com
expertise para o desenvolvimento do trabalho e aos morosos tramites da
CAIxA para liberação dos recursos acarretaram na paralização das ações.
Desse modo, o Programa permaneceu restrito as áreas de domínio muni-
cipal, perfazendo durante o período de 2005-2008 a entrega de cerca de
18 mil escrituras de concessão de uso especial para fins de moradia, do
total de 35 mil previstas, de acordo com o relatório técnico dessa gestão.
Contudo, em que pesem esses avanços iniciais, ainda é tímida a
centralidade que a questão fundiária assume nas politicas locais e estar
longe de ser incorporado enquanto politica de Estado. Ademais esse
segundo período culminou com o desmonte da estrutura institucional,
através da extinção da Secretaria de Habitação, tendo no final do ano de
2008, a sua estrutura de gestão reduzida a uma Diretoria de Habitação
na então criada Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, Habi-
tação e Meio Ambiente – SEDHAM, o que agravou ainda mais a situação
de autonomia e execução.
25 Foi iniciado o trabalho para promover a regularização fundiária do Alto de Santa Terezinha, através da
demarcação urbanística, contudo o processo foi interrompido pela municipalidade.
562
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 CONSIDERAÇÕES GERAIS
26 Apesar do esforço da equipe técnica para promover a elaboração da minuta do projeto de lei dispondo sobre
a regulamentação das zonas especiais de interesse social não houve encaminhamento do referido Projeto à
Câmara Municipal, ao contrário foi inserido na Lei 8.167/2012 que dispõe sobre o ordenamento do uso e ocu-
pação do solo, um capítulo para tratar dessa temática que não guarda consonância com os estudos técnicos
desenvolvidos no âmbito da Diretoria de Habitação. Essa Lei encontra-se sub judice, tendo a sua aplicação
parcialmente suspensa pelo Poder Judiciário da Bahia.
563
o centro do planejamento urbano, cabendo ao Plano Diretor Municipal
estabelecer os critérios e instrumentos que deverão ser aplicados. A
diversidade das formas de titulação do solo urbano definidas também
buscou contemplar a diversidade de formas e normas existentes nos as-
sentamentos informais, além de demonstrar a nítida opção do legislador
em promover o valor de uso do bem, uso esse destinado especificamente
ao exercício do direito à moradia.
Considerando que a regularização fundiária deve ter como horizonte
a promoção da segurança da posse, a garantia do direito à moradia e do
direito à cidade, e tendo os direitos humanos o caráter de universalidade e
indivisibilidade, essas três dimensões do direito se sucedem e se comple-
tam. Esse entendimento vem reforçar a necessidade de uma apropriação
ampla, implicando no enfrentamento da dimensão jurídica, urbanística
e social na definição dos objetivos e na concepção de um programa de
regularização fundiária.
Ao tomar Salvador como estudo de caso, observa-se que embora os
Programas de Regularização Fundiária tenham alcançado um número
relativamente expressivo de outorga de escritura, totalizando entre o pe-
ríodo de 2002-2012, cerca 68 mil títulos de concessão de uso especial
para fins de moradia, não tiveram o condão de articular “o conjunto de
medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regulariza-
ção de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo
a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções
sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado”, conforme disposto na nossa legislação pátria.
Essa incompleta e fragmentada politica de regularização fundiária vem
alimentando a produção de novas redes de informalidade não apenas nos
aspectos dominiais, mas, sobretudo urbanístico, pela não regulamentação
da ZEIS. É possível observar nas áreas objeto dos Programas de Regulari-
zação Fundiária que as transações dos imóveis continuam sendo realiza-
das através de mecanismos informais. Durante o período de 2002-2012,
apenas 1631 transferências foram feitas com a anuência órgão municipal
564
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
27 NEGRI, Antonio. O direito do comum: o que existe na fronteira entre o público e o privado ? Disponível em
http://uninomade.net/tenda/o-direito-do-comum-o-que-existe-na-fronteira-entre-o-publico-e-o-privado.
565
566
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
567
Percebe-se por todo o processo de construção de tal legislação (desde
a inclusão do título “Da Política Urbana” na constituição de 1988, objeto
de conquista de movimentos populares) e os amplos debates que precede-
ram sua edição, corroboram para seu significativo teor sociopolítico, com
carga principiológica também expressiva, própria das reivindicações de
movimentos sociais por luta pela moradia e reforma urbana, em especial.
O Estatuto da Cidade tenta preencher uma lacuna legislativa no tocante
à administração da cidade e ser instrumento de reforma urbana. Mas o
que exatamente isto significa? Os problemas urbanos, principalmente
aqueles dos grandes centros, são conhecidos por todos os brasileiros: ci-
dades superlotadas, imensa desigualdade social, assimetria na prestação
e acesso a serviços públicos, parte expressiva da população vivendo em
condições degradantes de miserabilidade humana. E qual a obrigação
do Estado perante a escassez de moradia, de serviços urbanos básicos
como saneamento e educação, perante tais cenas de miséria indignas à
condição humana? Por muito tempo legou-se a iniciativa privada ou ao
mercado o fornecimento de certas necessidades básicas, como a moradia.
Entendia-se (e ainda há muitos que assim o entendem) que não seria pa-
pel do Estado garantir certos direitos sociais, mas que este deveria atuar
de forma controladora, inibindo a formação de novas áreas de ocupação
irregular (favelas), que seriam o foco da miséria urbana.4 Fato é que, o
trabalho de prevenção (se é que a repressão pode ser assim entendida),
não poderá resolver uma realidade fática, consolidada e duradoura, das
cidades brasileiras. O discurso do ilegal ou irregular não mais justifica o
descaso do governo com as populações de baixa renda que, por motivos
vários, formam as favelas das grandes cidades.5 Ademais, o fenômeno das
4 O autor defende que “não se pode admitir, por outro lado, que, a pretexto de adaptar o direito à realidade,
se pretenda legitimar a ocupação irregular do solo urbano” (Pinto 2011). Posição da qual discordamos, pois
o Direito, neste caso, agiria de forma a não efetivar os direitos sociais, e sim como simples instrumento de
manutenção da atual situação de desigualdade no uso do solo urbano.
5 É imperativo reforçar que processos migratórios do campo para cidade, ocasionados pela atração da cidade em
ofertar serviços e emprego, é um fenômeno global. Contudo, diferentemente da lenta urbanização visualizada
na Europa durante a Revolução Industrial, os países em desenvolvimento estão vivendo um processo acelerado
de urbanização que não acompanha a oferta por serviços no espaço urbano, o que tem sido identificado como
processos de “urbanização da pobreza”
568
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6 A ausência de programas habitacionais no Brasil não fornece alternativas de moradia à população de baixa
renda. Os poucos programas habitacionais existentes são ineficientes e repetem erros básicos, como forne-
cimento de casas sem acesso a serviços básicos ou a emprego. Como será discutido com mais acuidade em
momento posterior deste artigo, o direito a moradia está longe de ser compreendido como tendo conteúdo
somente no objeto físico casa, pois garantir moradia é tarefa bem mais complexa.
7 ALFONSIN, op. cit. p. 110.
569
urbano. Estes dois fatores têm diferido o processo de concretização da
política urbana tal qual idealizada no Estatuto.
Sem querer abordar todos os aspectos controversos encontrados no Es-
tatuto da Cidade, este artigo irá centrar a análise no instituto da usucapião
especial coletiva urbana. Sendo um dos mecanismos que busca realizar
a função social da propriedade urbana e, sobretudo, promover a regula-
rização fundiária, esta espécie de usucapião criada pela nova legislação
apresenta-se ainda de complexa execução. Interpretações equivocadas do
instituto e apego a preciosismos burocráticos próprios da prática civilista
podem pôr por terra a possibilidade de sua aplicação prática.
Tendo como base de fundo a atuação em litigância estratégia da Or-
ganização de Direitos Humanos, Terra de Direitos, em processos de regu-
larização fundiária de terrenos urbanos, o estudo deste instituto aqui se
propõe a tentar promover um debate tanto de base normativa quanto de
atuação jurisdicional, de forma a indicar os principais entraves ou desafios,
sua origem e, ao fim, avaliar o atual cenário e propor alternativas. Para
tanto, será utilizado como exemplo, o caso emblemático da comunidade
do Sabará, no município de Curitiba.
As vilas que compõe o chamado bolsão Sabará na região da Cidade
Industrial de Curitiba, originaram-se de ocupação espontânea que iniciou
em 1988. Os ocupantes eram trabalhadores oriundos do êxodo rural e
atraídos pela industrialização das cidades ou aqueles de baixa renda
expulsos do centro urbano. Encontraram um espaço destituído de equi-
pamentos urbanos e qualquer estrutura. Construíram suas moradias, bem
como promoveram o esforço conjunto para prover a região com condições
mínimas de urbanização. Aos poucos, lá começaram a passar linhas de
ônibus, foram construídas escolas, pois que o poder público não podia
mais fechar aos olhos para as pessoas que ali viviam.
Diante deste quadro, a COHAB – CT, Companhia de Habitação Popular
de Curitiba, dizendo serem seus os terrenos ocupados, buscou os mora-
dores para providenciar a regularização fundiária da área. Firmou com os
moradores “Termos de Concessão de Uso do Solo”, os quais obrigavam
570
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
571
tragem de 250 m² é o limite para a usucapião individual, qualquer terreno
que exceda tal extensão já é passível de ser usucapido coletivamente, ou
seja, por dois ou mais possuidores.
2) Ocupação por população de baixa renda, a legislação aqui não aponta
critérios para aferir o que é baixa renda. Portarias ministeriais, contudo,
indicam critérios de baixa renda para diversos programas sociais8. Resta
saber se, no momento de instruir a demanda coletiva, será necessário
prova desta circunstância.
3) Ocupação para fins de moradia, este requisito exclui a possibilidade
de usucapião para aqueles detentores de pequenos comércios ou imóveis
para locação, o que é muito comum em tais aglomerados. O terreno objeto
da ação de usucapião especial deve ser comprovadamente utilizado como
moradia pelos requerentes e suas famílias.
4) Posse ininterrupta e sem oposição, critério este comum a outras
espécies de usucapião, onde a posse deve ser mansa e pacífica, além da
permanência temporal.
5) Impossibilidade de identificar os terrenos ocupados por cada possuidor,
se fosse possível tal identificação, não seria necessário fazer a demanda
coletivamente, este requisito portanto justifica a própria existência do
instituto, já que a grande densidade das ocupações irregulares são um dos
grandes entraves para seu processo de regularização fundiária.
6) Não ser possuidor de outro imóvel urbano ou rural, requisito também
comum ao usucapião especial individual, tem fins claros de assegurar
o direito à moradia àqueles que não o possam realizar de outra forma,
evitando beneficiar outros que não se enquadrem em tal situação. Mas a
prova deste quesito é ponto que deve ser atentamente debatido.
Dos requisitos materiais elencados supra já se podem inferir uma séria
de entraves para proposição da demanda coletiva, tendo em vista a reali-
dade prática das aglomerações urbanas de população de baixa renda. Cada
8 O Programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida, por exemplo, determina como baixa renda uma
renda familiar de até R$ 1.395,00. Já o Ministério do Desenvolvimento Social estipula que será considerado
baixa renda para fins de constar no cadastro único de programas sociais “as famílias de baixa renda que são
aquelas com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo e as que possuam renda familiar
mensal de até três salários mínimos”. (Ministério do Desenvolvimento Social 2012)
572
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
9 Tramita no Congresso Nacional projeto de lei (PLS 49/09) que altera o Estatuto da Cidade para incluir o
Ministério Público e a Defensoria Pública entre as partes legítimas que podem propor a ação de usucapião
especial coletiva urbana.
573
o resultado final da sentença que reconhece a demanda coletiva. Sendo,
assim, seu objeto final, o condomínio especial deveria ter sido abordado
com mais acuidade.
Segundo a lei, art. 10 §4°, o condomínio especial constituído é indivisí-
vel, não sendo passível de extinção. Tal extinção somente poderia ocorrer
no caso de sobrevir execução de urbanização posterior à constituição do
condomínio, mesmo assim pendente de deliberação favorável tomada
por, no mínimo, dois terços dos condôminos.
Sobre a administração do condomínio, o Estatuto da Cidade não entra
em pormenores, somente dispõe sobre o quorum necessário às delibe-
rações relativas à administração do condomínio especial, que devem
ser tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando
também os demais, discordantes ou ausentes (art. 10 § 5°).
Após introduzir, sucintamente o instituto da usucapião especial cole-
tiva, passamos a análise crítica dos requisitos legais e das lacunas deixa-
das pela legislação, demonstrando como estes podem comprometer sua
utilização pelas populações cujo instituto visa amparar.
574
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
10 Populações estas que, sendo de baixa renda, se ainda tiverem que se locomover grandes distâncias para
fazerem compras, comprometem ainda mais sua situação de vulnerabilidade. Estudos realizados na cidade
de Belo Horizonte demonstram que a remoção de pequenos comércios em intervenções de urbanização que
preveem somente o reassentamento habitacional tem provocado impacto negativo nas comunidades reassen-
tadas, que precisam percorrer grandes distâncias para fazer compras, além da perda do vínculo de confiança
geralmente existente entre a população local e as pequenas vendas.
575
Pretendendo resguardar o direito à moradia, o legislador detém uma
compreensão errônea do que este direito significa ou qual seja seu con-
teúdo. O conteúdo de direito à moradia tem sido desenvolvido através de
estudos em outras disciplinas do conhecimento, tais como urbanismo,
antropologia, geografia e sociologia, no âmbito dos estudos urbanos,
mas ainda pouco explorado pelo ramo do Direito. A relatoria especial
das Nações Unidas para o Direito à Moradia identifica que o conteúdo
deste direito está muito além da ideia de quatro paredes e um teto. Para
a relatora da ONU, o direito à moradia adequada pressupõe: segurança
da posse; disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos
públicos; custo acessível; habitabilidade; não discriminação e priorização
de grupos vulneráveis; localização adequada; e adequação cultural.11
A desvalorização do aspecto cultural do espaço construído reflete nas
políticas públicas de habitação social, que tendem a serem construções
homogêneas, padronizadas, simplesmente “plantadas” onde quer que
se localize o programa habitacional. Na efetivação do direito à moradia
no Brasil ainda é flagrante a falta de entendimento acerca do conteúdo
adequado deste direito, em especial na atuação prestacional do Estado
voltada à concretização do direito para grupos socialmente excluídos.
David Harvey em seu livro Social Justice and the City já alertava para o
fato que as políticas públicas que visam influenciar o sistema urbano devem
conciliar as estratégias de design ou direcionadas a forma espacial (local
dos objetos, como casas, vias, plantas etc) com medidas que influenciam
o processo social que vigora nas cidades. Somente assim, para o autor,
seria possível alcançar resultados sociais coerentes. Harvey, contudo,
constata que estamos longe de conseguir conciliar estes dois aspectos
nas intervenções urbanas e indica duas razões para tanto. A primeira ele
aponta como inerente a complexidade do próprio sistema urbano e, como
segunda razão, a tradição acadêmica míope da monodisciplinaridade,
enquanto o sistema urbano implora pelo tratamento interdisciplinar.12
576
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Tal como no caso acima, acerca dos moradores que possuem comér-
cios, será o fato de moradores serem possuidores de imóvel rural ou de
outro imóvel urbano destinado à locação. Isto porque a situação diversa
dos moradores de uma mesma porção de terreno poderá ser elemento
complicador na demanda coletiva, já que alguns dos possuidores não
fariam jus a postular com os demais.
Para além disso, há também a chance de um possuidor ser proprie-
tário de imóvel rural, mas em tal localidade ou em tal circunstância que
exatamente o levou o migrar para cidade. Ou seja, a propriedade rural
pode estar localizada em região onde seu cultivo produtivo ou lucrativo
seja impossível e, portanto, gerando a própria situação de vulnerabilidade
e pobreza de seu proprietário. Sabe-se que grande porção da população
de ocupações irregulares das grandes cidades brasileiras é oriunda de
zonas rurais do país.
O possuidor de outro imóvel urbano, da mesma forma, poderia con-
577
figurar como aquele morador que destina imóvel à locação e, com tal
atividade, produz sua renda familiar. Assim, impedir que este demande
coletivamente a usucapião de imóvel em locação inviabiliza sua partici-
pação na demanda coletiva, pois sua aceitação implica na extinção de
sua fonte de renda.
Percebe-se, portanto, que tais critérios não poderiam ser absolutos.
A lei deveria prever uma associação de critérios, tal como levar em con-
sideração a renda familiar, para evitar a exclusão do rol de beneficiários
de pessoas que verdadeiramente fariam jus à demanda coletiva. Pois,
como dito, ser possuidor de outro imóvel não é, necessariamente, fator
que retira aquele possuidor da situação de vulnerabilidade social ou como
pessoa de “baixa renda”.
Nos processos de usucapião coletiva das vilas do Sabará, tem sido
recorrente o argumento de que não houve prova nos autos de que os
requerentes não possuem outro imóvel urbano ou rural. Tendo em vista
que os processos abarcam, em média, 300 famílias requerentes, a produ-
ção de prova individual tornaria impossível a demanda. A exigência de
prova individual em processo coletivo denota a incompreensão do Poder
Judiciário com as demandas coletivas e suas peculiaridades. Em havendo
conjunto probatório claro que uma comunidade é de baixa renda, ocupan-
do terrenos há mais de 20 anos, não é razoável adotar uma visão restritiva
da hermenêutica legislativa, exigindo prova negativa impossível, que a
natureza coletiva da demanda dispensa, ou melhor, inviabiliza.
É possível perceber que, neste tópico, temos duas dificuldades: uma
da própria técnica legislativa de fazer exigência individual, mas também
de aplicação jurídica, ao interpretar as exigências legais sob as lentes do
processo individual e não conseguir oferecer soluções que visem à reso-
lução do problema concreto.
3.2 Requisito processual: representatividade via associação ou adesão
de todos os possuidores
Como explicitado acima, são legitimados a propor a usucapião coletiva
os possuidores em estado de composse ou a associação de moradores,
578
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
579
consolidado na jurisprudência, de que é desnecessária a anuência ex-
pressa dos representados nestes casos13. Das quatro ações protocoladas,
somente em uma delas o juiz exigiu o cumprimento da letra da lei, com
a juntada de autorização expressa de maioria dos moradores figurados
como requerentes na ação. Tal exigência foi suprida através da realização
de assembléia na comunidade, que conseguiu reunir certa de 80% dos
moradores que compunham a demanda, o que foi aceito como satisfatório
para cumprimento do requisito legal.
13 STJ - AgRg nos EREsp 497600-RS, AgRg no REsp 911288-DF, REsp 1159101-RS, AgRg no AgRg no Ag
1157523-GO
580
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
581
trar no cartório de registro de imóveis, determina a cada possuidor uma
fração ideal igual, que não necessariamente condiz com as dimensões do
terreno. Para que os terrenos sejam individualizados deve ser feito acordo
escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
Tal situação nos defronta com dois problemas de ordem prática: a
viabilidade de se fazer um acordo entre os condôminos delimitando os
lotes, uma vez que é critério para a própria propositura da ação a “im-
possibilidade de identificar os terrenos ocupados por cada possuidor”; e
uma possível incompatibilidade entre normas urbanísticas locais (ex: lei
de Uso e Ocupação do Solo Urbano) que delimita a dimensão mínima do
lote urbano. Fica a pergunta: se o possuidor, ao final da divisão da fração
ideal, possuir lote inferior ao limite determinado em norma municipal,
poderá fazer o registro? Se a lei não nos dá a reposta, resta-nos concluir
que além de todas as exigências já estudadas, as áreas usucapidas co-
letivamente ainda deverão estar em zoneamento urbano que possibilite
flexibilização de regras urbanísticas convencionais (como estar em área
de Zeis – zona de especial interesse social).
É fácil prever, ademais, a dificuldade de convencer possuidores – cada
um com diferentes situações de posse – em aceitar um condomínio espe-
cial onde todos tenham fração igual. No caso do acordo entre eles para
determinar as frações diferenciadas, resta o problema de ordem técnica de
fazê-lo, se for impossível determinar o terreno ocupado por cada possuidor.
A lei também silencia sobre a possibilidade de transferência de titulari-
dade pelos condôminos no condomínio especial, ou seja, uma vez formada
a propriedade coletiva fica a dúvida acerca da possibilidade de transfe-
rência pelos titulares (venda, doação etc.) das frações que lhe couberam.
Sabe que a mobilidade, própria da vida urbana, gera situações onde um
coproprietário necessite transferir a titularidade da parte que lhe cabe.
Sendo a propriedade um direito disponível e, constituindo a titularidade
da fração ideal um direito individual, dele o titular pode dispor da mes-
ma forma que ocorre com o regime de propriedade privada. Certamente
será um desafio a gestão de tal propriedade, com inúmeras titularidades,
582
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4. CONCLUSÃO
Por todo o discutido, é possível concluir que não é sem motivos que
no Brasil, mesmo após onze anos de edição da Lei n. 10.257/2001, tantos
583
entraves ainda se apresentem, tanto para a população interessada quan-
to para o Poder Judiciário, para o reconhecimento de uma demanda de
usucapião especial coletiva urbana.
No caso utilizado aqui com exemplo na cidade de Curitiba, as quatro
ações de usucapião espacial coletiva intentadas há mais de cinco anos
não tem sequer previsão de decisão de primeira instância. Essa lentidão
no transcurso do processo pode ser associada primordialmente a incom-
preensão por parte do judiciário sobre como proceder frente de demandas
coletivas, em especial na constituição de provas, cuja sistemática não pode
ser reproduzida de uma demanda individual.
Apesar de o Estatuto da Cidade ter representando grande avanço no
direito brasileiro, rompendo com a tradição privatista de compreensão
da propriedade urbana e introduzindo conceitos inovadores como a fun-
ção social da cidade, este conjunto normativo apresenta ainda lacunas
e imprecisões que merecem, por um lado, estudo detido por parte dos
estudiosos do Direito de forma a garantir sua efetiva aplicabilidade; por
outro lado, encontra desafios quanto ao enfrentamento do tema por parte
dos Tribunais. Como argumentado ao longo deste artigo, alguns dos ins-
trumentos de direito urbanístico previstos no Estatuto da Cidade são, por
vezes, de difícil aplicação, sendo somente possível de se concretizarem
se houver um alargamento interpretativo dentro da lógica sistêmica do
conjunto normativo legal e constitucional.
O Direito Urbanístico é ainda carente de estudos que levem em conta
aspectos interdisciplinares da situação analisada que captem a com-
plexidade do fenômeno urbano. Não há como avançar na disciplina se
nos ativermos estagnados na euforia pela conquista legislativa, quando
há ainda muito que se fazer para conseguir dar efetividade ao Estatuto
da Cidade em toda sua potencialidade, como norma transformadora da
realidade urbana. Não há como negar, como já foi afirmado, que o esta-
tuto vem preencher uma lacuna legal e, portanto, sua importância como
instrumento de reforma urbana não há como ser questionado. Contudo, a
realidade está cheia de exemplos e outros ramos do conhecimento estão
584
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5. REFERÊNCIAS
585
tários à lei federal n. 10.257/2001, Adilson Abreu Dallari and Ferraz Sérgio
(org.), 138-152. Sao Paulo: Malheiros, 2006.
HARVEY, David. Social Justice and the City. Athens: The University of Georgia
Press, 2009.
OLIMPIO, D. L. Artigos. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte.
Disponível: <http://www.mp.rn.gov.br/download/artigos/artigo08.pdf>. Acesso
em 5 de Agosto de 2012.
PINTO, V. C. Direito Urbanístico: Plano diretor e direito de propriedade. Sao
Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
ROLNIK, Raquel. Direito à moradia. 2012. Disponível em <http://direitoamoradia.
org/?page_id=46&lang=pt> Acesso em 05 de Julho de 2012.
Ministério do Desenvolvimento Social. Inclusao no Cadastro Único. 2012.
<http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/bolsa-familia/cadastro-
-unico/beneficiario/cadunico-inclusao>. Acesso em 4 de Outubro de 2012.
586
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Regularização fundiária
plena: inovações legislativas
em matéria de usucapião
O usucapião 2
é modo de aquisição da propriedade através da posse
continuada durante certo lapso temporal, conforme requisitos estabe-
lecidos em lei. Através do reconhecimento do usucapião, o possuidor
torna-se proprietário. Para Orlando Gomes, não se trata de uma espécie
de prescrição, mas de um instituto autônomo. Enquanto a prescrição é
negativa, porquanto nasce da inércia, o usucapião é positivo, eis que
pressupõe a posse continuada3.
Trata-se de aquisição originária4, porquanto não decorre de ato de
transmissão ou relação com o antecessor diretamente ou por interposta
pessoa. Presente o requisito da posse prolongada por determinado lapso
temporal legal, surge a pretensão do possuidor para pleitear o seu reconhe-
cimento. Tradicionalmente, o usucapião pressupõe uma sentença judicial
declaratória que serve de título de transcrição em Cartório de Registro de
Imóveis, quando o possuidor adquire o domínio, passando à condição de
proprietário do imóvel.
1 Titulação acadêmica: Doutorado e Mestrado em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia(UFBA);
Instituição: Procuradoria Geral do Estado da Bahia
Cargo: Procuradora do Estado
e-mail: sorayaslopes@gmail.com
2 Em latim, usucapio é palavra do gênero feminino. A prática predominante do foro se filiou à masculinização
do termo. O termo usucapião usado no feminino é a forma erudita. No masculino constitui a forma usual da
linguagem moderna. O Código Civil consagrou a corrente majoritária da linguagem usual. Portanto, não se
deve considerar errônea a adoção de qualquer uma das formas, erudita ou usual (GOMES, Orlando. Direitos
Reais, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 162).
3 GOMES, Orlando. Direitos Reais, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 161.
4 Para Caio Mário da Silva Pereira, somente configura aquisição originária quando se tratar de ocupação de
coisa sem dono(Instituições de Direito Civil, 4ª ed. 1981, pp. 98 e segs.)
587
A regra, portanto, tem sido a interposição de ação judicial para o re-
conhecimento do usucapião.
O usucapião tem fundamento no princípio da segurança jurídica, dando
estabilidade social, porquanto consolida as aquisições e facilita a prova
do domínio.
A teoria da função social da propriedade já vinha sendo construída por
Ihering e Duguit, reforçada pela Encíclica Rerum Novarum. Em 1917 e 1919
as constituições Mexicana e de Weimer, respectivamente, irão influenciar
definitivamente o ordenamento jurídico mundial.
Os direitos sociais são ampliados com fundamento na solidariedade,
contemplando o direito ao desenvolvimento, direito à cidade, direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Neste sentido, a CF/88 inovou com o usucapião especial urbano, pre-
visto no art. 183, no Capítulo que regula a Política Urbana, verbis:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzen-
tos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterrupta-
mente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua
família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário
de outro imóvel urbano ou rural.
5 GOMES, Orlando. Direitos Reais, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 169.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6 Também figuram como princípios a serem observados na regularização fundiária: articulação com as políticas
setoriais de habitação, de meio ambiente, de saneamento básico e de mobilidade urbana, nos diferentes níveis
de governo e com as iniciativas públicas e privadas, voltadas à integração social e à geração de emprego e
renda; participação dos interessados em todas as etapas do processo de regularização; estímulo à resolução
extrajudicial de conflitos; e concessão do título preferencialmente para a mulher (art. 48).
589
da permanência da população de baixa renda na área ocupada, assegu-
rados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de
sustentabilidade urbanística, social e ambiental.
Portanto, a regularização fundiária não deve estar restrita à legitimação
da posse ou registro de título, devendo ser considerada de forma plena
a realizar o direito à moradia digna.
Significa dizer, no modus operandi da regularização fundiária, não
deve ser dada prevalência à remoção extensiva como forma de enfrentar
os assentamentos irregulares, mas a observância do princípio do acesso
amplo à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade
para sua permanência na área ocupada (art. 48,I). Este princípio está
harmonizado com o direito à moradia, o acesso à cidade e à terra urbana.
Em verdade, a regularização fundiária é um projeto que deve integrar
as dimensões urbanísticas, ambientais, jurídicas e sociais.
Assim, o Estatuto da Cidade introduziu a modalidade de Usucapião
Especial Coletivo de Imóvel Urbano e a Lei 11.977/2009 inovou com o
usucapião reconhecido na instancia administrativa.
7 De acordo com a Lei 11.977/2009, área urbana é a parcela do território, contínua ou não, incluída no perí-
metro urbano pelo Plano Diretor ou por lei municipal específica (art. 47, inciso I). Cabe, portanto, ao município
definir e delimitar o contorno daquilo que considerar área urbana.
590
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
8 Isto não impede, todavia, que as áreas públicas sejam objeto de intervenção de outros instrumentos ur-
banísticos, a exemplo da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia(CUEM).
591
quanto inexistem títulos translativos de domínio, conclui-se que se trata
de área sem título que legitime a ocupação. Assim, os elementos descritos
no dispositivo, em verdade, caracterizam as áreas ocupadas por aglome-
rados subnormais ou favelas.
Necessário ressaltar que o legislador alude à identificação dos terre-
nos ocupados por cada possuidor. Entendemos que essa identificação
não se refere ao título jurídico da ocupação, porquanto a intenção do
dispositivo é a recuperação de áreas degradadas. Assim, é preciso dis-
tinguir as ocupações que caracterizam favelas daquelas que constituem
verdadeiros cortiços.
Com efeito, favelas são aglomerados de casebres construídos tos-
camente em certos pontos dos grandes centros urbanos, constituindo
unidades autônomas. Nas favelas existe a possibilidade de identificar
frações ideais da poligonal e a área ocupada por unidades autônomas.
Por outro lado, os cortiços são casas de habitação coletiva. Nestes ca-
sos, é operacionalmente impossível identificar frações ideais porque há,
em verdade, um compartilhamento dos cômodos da unidade habitacional
por vários possuidores.
O usucapião coletivo deve não só promover a regularização fundiária,
mas também recuperar áreas degradadas.
É o entendimento extraído do seguinte julgado do Tribunal de Justiça
de São Paulo, verbis:
592
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
593
seria a data da vigência da Constituição Federal10. Com a devida vênia,
trata-se de uma espécie de usucapião introduzido pelo Estatuto da Cida-
de. Portanto, não haveria base fática para contabilizar este prazo antes
mesmo da existência legal do instituto. Assim, entendemos que o termo
inicial para a contagem do prazo de cinco anos é a data de vigência da Lei
10.257/2001. Esta lei entrou em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua
publicação, ocorrida em 11 de julho de 2001. Logo, o termo inicial para
a contagem do prazo de cinco anos é a data de 10 de outubro de 2001.
10 Em sentido contrário: prazo da prescrição aquisitiva que não deve ser contado a partir da vigência da Lei
10.257/91 (Estatuto da Cidade). Usucapião coletiva que é modalidade de usucapião constitucional urbana,
previsto desde a CF de 1988, artigo 183. “O objetivo do instituto que é justamente o de regularizar e urbanizar
áreas ocupadas por população de baixa renda" (TJSP - Apelação n. 436.638-4/0, Relator Des. Teixeira Leite).
Disponível em: <https://www.esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadocompleta.do>. Acesso em: 25 nov. 2011.
594
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
595
Considerando que a política de desenvolvimento urbano é executada
pelo Poder Público Municipal, segundo as funções sociais da cidade, po-
demos afirmar que o §4º, aludindo à indivisibilidade do condomínio, é de
constitucionalidade duvidosa.
Este dispositivo introduz uma ordem lógica inversa, privilegiando a
parte em detrimento do todo, ou seja, a área objeto de usucapião coleti-
va, parte da cidade, prevalece sobre a cidade em si na medida em que a
extinção desse condomínio especial depende da manifestação da vontade
dos condôminos, prevalecendo sobre qualquer outra, inclusive a vontade
dos cidadãos.
Significa dizer, na hipótese de existir a possibilidade de executar um
projeto de urbanização que possa beneficiar a coletividade e todo o espaço
urbano, o Poder Público Municipal ficará na dependência de deliberação
e concordância dos condôminos, invertendo toda a lógica do desenvolvi-
mento urbano, que tem como referencial o interesse público e a cidade
como um todo.
Nesta esteira de entendimento, com fundamento no princípio da função
social da propriedade e da cidade, entendemos que essa área não deve
ficar à margem do planejamento urbano. Assim, aplicando uma inter-
pretação sistemática ao dispositivo, entendemos que na ação judicial de
reconhecimento de usucapião especial coletiva de imóvel urbano, com
fundamento na função social da propriedade e da cidade, a instrução
deve demonstrar se a área pleiteada está integrada e contemplada no
Plano Diretor. Seria o caso de o Ministério Público requisitar informações
ao Poder Público Municipal, para que se manifeste sobre a inclusão da
área objeto de usucapião coletivo no contexto do planejamento urbano, já
que a intervenção do Parquet é obrigatória na ação de usucapião especial
urbano. A sentença servirá de título para registro no cartório de registro
de imóveis.
596
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2.3 DA CONSTITUCIONALIDADE
DO USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVO
597
numa “frustração constitucional” (Verfassungsenttäuschung), abalando a
confiança dos cidadãos na ordem jurídica como um todo”11.
O sentido e alcance do artigo 10, quando preconiza a possibilidade de
usucapião de áreas maiores que duzentos e cinquenta metros quadrados,
ocupadas por uma coletividade, está em harmonia com a realidade urbana,
contemplando a moradia em sua dimensão coletiva.
Finalmente, é preciso ressaltar que a competência para legislar sobre
direito urbanístico é concorrente, cabendo à União dispor sobre normas
gerais. Com a referida modalidade de usucapião, prevista no artigo 10, o
legislador ordinário nada mais fez do que estender às pessoas de baixa
renda, que ocupassem áreas de favelas ou aglomerados residenciais sem
condições de legalização dominial, os direitos já conferidos pelo artigo
183 da Constituição Federal.
Neste sentido Acórdão da 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo no Recurso de Apelação Cível n.º 212.726-1-4, julgado
em 16 de dezembro de 1994, tendo como relator o Desembargador José
Osório estabelece o seguinte:
11 KRELL, Andréas. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Os (des)caminhos de um direito
constitucional “comparado”, Sérgio Antônio Fabris, Porto Alegre, 2002, p. 26.
598
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
12 Parcela de área urbana instituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada pre-
dominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso
e ocupação do solo( art. 47, inciso V)
599
o princípio do contraditório e ampla defesa. Os ocupantes, por outro lado,
constituem um contingente de pessoas instaladas de forma irregular,
devendo comprovar a posse mansa e pacífica há pelo menos cinco anos.
Na RFIS é facultada a lavratura do Auto de Demarcação Urbanística(ADU)
pelo Poder Público.
A fim de possibilitar as notificações e posteriores impugnações, é
imprescindível a completa identificação dos imóveis abrangidos pelo
ADU. Por esta razão, além do prazo máximo de 60 dias para publicação,
o legislador exige que na notificação por edital conste resumo do ADU,
com a descrição que permita a identificação da área a ser demarcada e
seu desenho simplificado.
O ADU poderá abranger imóveis públicos ou privados.
Concluída a etapa de levantamento de dados, inexistindo área objeto de
conflito no âmbito do espaço delimitado e atendido o princípio do devido
processo legal, caberá ao Poder Público encaminhar o ADU ao Cartório
de Registro de imóveis para o registro da gleba.
Sanadas as controvérsias com relação ao ADU, o mesmo deve ser
averbado, quando, então, o Poder Público deverá elaborar o projeto de
regularização fundiária e submeter o parcelamento dele decorrente ao
competente registro(art. 58). Concluído o registro do projeto, o poder
público concederá o título de legitimação de posse aos ocupantes cadas-
trados. A demarcação é sempre anterior à legitimação da posse. Todavia,
é possível demarcar sem que haja posterior legitimação.
Registrado o título de legitimação de posse, será constituído o direito à
posse direta para fins de moradia aos moradores cadastrados pelo poder
público. Para fins de cadastro, o morador não deve ser concessionário,
foreiro, proprietário de outro imóvel urbano ou rural ou ainda benefici-
ário de posse concedida anteriormente. Entendemos que tais condições
jurídicas devem ser comprovadas mediante declarações dos interessados,
firmadas sob as penas da lei, já que muitas vezes é operacionalmente
impossível a busca desses registros.
O detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de
600
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
601
já que sem esta possibilidade haveria a necessidade de se pleitear esta
aquisição na via judicial.
Contudo, para que seja possível esta aquisição, o dispositivo exige o
prazo de cinco anos contados a partir do registro do título de legitimação de
posse, sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente.
Ora, de acordo com o art. 47, inciso VII, alínea “a”, da Lei 11.977/2009, a
RFIS abrange os assentamentos irregulares ocupados, predominantemen-
te, por população de baixa renda, nos casos em que a área esteja ocupada,
de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 (cinco) anos, salvo quando
se tratar de ZEIS, por estar sujeita a regras específicas de parcelamento,
uso e ocupação do solo.
Portanto, o requisito temporal de cinco anos de ocupação mansa e
pacífica é previamente aferido como condição para a RFIS, anterior à
demarcação urbanística e à legitimação de posse. Consequentemente, no
momento de conversão do título de legitimação em registro de proprie-
dade este requisito temporal já se presume cumprido, devendo também
ser observado o transcurso de cinco anos contados do registro do título
de legitimação de posse.
Assim, quando o legislador alude aos direitos decorrentes da posse exer-
cida anteriormente não significa que a fruição do lapso temporal de cinco
anos antes do registro do título de legitimação da posse seja suficiente
para pleitear a aquisição do imóvel por usucapião na via administrativa.
Em verdade a alusão a este período anterior é apenas no sentido de que o
mesmo poderá ser reconhecido nos moldes tradicionais, através da com-
provação da posse por todos os meios admitidos em direito, submetida à
apreciação judicial. Seria o caso de o detentor não ser contemplado com
o título de legitimação de posse e buscar o reconhecimento desse tempo
nas vias judiciais.
Quando se tratar de título de legitimação de posse registrado é que
surgirá a possibilidade de se pleitear a aquisição por usucapião na via
administrativa, desde que cumprido o lapso temporal de cinco anos con-
tados a partir do registro, sem a necessidade de comprovação da posse
602
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
603
Quando a área urbana for acima de 250m² (duzentos e cinquenta
metros quadrados), o prazo para requerimento da conversão do título
de legitimação de posse em propriedade será o estabelecido na legis-
lação pertinente sobre usucapião, notadamente o art. 1.230 do Código
Civil de 2002.
Importante ressaltar que os procedimentos relativos ao usucapião, no
âmbito da Lei 11.977/2009, ocorrem na via administrativa. Portanto, sem-
pre que houver controvérsia será possível provocar a instância judicial.
Finalmente, é necessário ressaltar que a simples legitimação de posse
para fins de moradia, sem a possibilidade de conversão em registro de
propriedade com todos os consectários lógicos jurídicos, não é suficiente
para promover a ascensão econômico-social da população beneficiária,
porquanto não tem natureza jurídica de direito real, eis que não foi con-
templada no art. 1.225 do atual Código Civil. Sem a qualificação de direito
real, a simples legitimação de posse não confere ao titular o direito de ga-
rantia real, exigido como requisito principal para a celebração de contrato
de mútuo junto a estabelecimentos bancários. Assim, com a possibilidade
de conversão deste título em registro de propriedade, configurando a
aquisição por usucapião, nos termos do art. 183, da CF/88, o legislador
infraconstitucional introduziu uma componente qualificadora que pode
conferir efetividade ao procedimento de RFIS, contribuindo para a redução
das desigualdades sociais.
604
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
605
Esta aprovação corresponde ao licenciamento urbanístico do projeto de
regularização fundiária de interesse social, bem como ao licenciamento
ambiental. O licenciamento ambiental caberá ao Estado na hipótese de
ser o Município incompetente, nos termos do art. 30 da CF/88, mantida a
exigência de licenciamento urbanístico pelo Município (art. 54 §3º).
O licenciamento urbanístico não se confunde com o licenciamento
ambiental. Com efeito, o licenciamento ambiental é instrumento da
Política Nacional do Meio Ambiente, condição necessária para que uma
determinada atividade, efetiva ou potencialmente poluidora, possa ser
realizada. O licenciamento urbanístico constitui instrumento de execução
do planejamento urbano, objetivado por licenças para construir, edificar,
reformar, demolir, expedidas pelo Poder Local, portanto, é sempre da
competência do Município.
O projeto de RFIS deve ser analisado e aprovado pelo Município, no
que tange ao licenciamento urbanístico e ambiental. Para tanto, o Muni-
cípio deve ter conselho de meio ambiente e órgão ambiental capacitado.
A RFIS depende do cumprimento destes requisitos. É a dicção do art. 53.
Consequentemente, a inexistência de órgão Municipal capacitado pode
representar um obstáculo à regularização quando, por exemplo, o licen-
ciamento ambiental for atribuição do mesmo.
Se o Município não possuir conselho de meio ambiente e órgão ambien-
tal capacitado, não terá condições técnicas e operacionais para aprovar
o projeto. È o que poderá ocorrer quando o licenciamento ambiental
abrange áreas de esgotamento sanitário, por exemplo.
Quando o projeto abranger área de Unidade de Conservação de Uso
Sustentável, cuja regularização é admitida nos termos da Lei nº 9.985, de
18 de julho de 2000, será exigida também anuência do órgão gestor da
unidade (Art. 53 §3º).
A RFIS em Áreas de Preservação Permanente (APP) também pode-
rá enfrentar os mesmos obstáculos de ordem técnica. Neste sentido,
é facultado ao Município promover a regularização dessas áreas (art.
54 §1º) desde que ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas
606
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
607
CONSIDERAÇÕES FINAIS
608
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
609
sando a efetividade de suas políticas públicas. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal da Bahia (UFBA), 2006.
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SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5.ed., Porto Alegre:
Livraria do advogado, 2005.
610
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Territórios de povos e
comunidades tradicionais
e política urbana
611
nidades tradicionais e apontamos para a necessidade de refletir sobre a
aplicação de outros instrumentos.
2 DIEGUES, Antônio Carlos. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 6. ed. ampliada. São Paulo: Hucitec:
Nupaub-USP/CEC, 2008.
3 Idem.
4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇõES UNIDAS. Report of the World Commission on Environment and De-
velopment: our common future. 1986. Disponível em: <http://www.un-documents.net/wced-ocf.htm>.
Acesso em: 14 ago. 2013.
612
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5 A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, aprovada pela Conferência Geral da UNESCO em 2001
ratifica este entendimento, afirmando que a diversidade cultural é tão importante para o gênero humano
quando a diversidade biológica para a natureza.
6 DIEGUES, Antônio Carlos e ARRUDA, Rinaldo. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001.
613
posto7, porém, foi vetado, por pressão de grupos preservacionistas e do
movimento de seringueiros da Amazônia. Os primeiros compreendiam ser
excessivamente amplo e os segundos por discordarem do critério temporal,
que exigia permanência na área “há três gerações” e não os enquadraria8.
Mais recentemente, o novo código florestal, Lei n. 12.651/12, já adotou
“povos e comunidades tradicionais”.
No Brasil os autores caminham para a padronização terminológica,
porém, não necessariamente conceitual. Santilli9, adotando populações
tradicionais, afirma que o conceito só pode ser compreendido na interface
biodiversidade e sociodiversidade; Almeida designa populações tradicio-
nais como “sujeitos sociais de com consciência coletiva incorporando pelo
critério político organizativo uma diversidade de situações [...] que têm
se estruturado igualmente em movimentos sociais”10 e Diegues e Arruda,
também adotando populações tradicionais as define como:
7 O vetado artigo 2º, xV previa população tradicional como “grupos humanos culturalmente diferenciados,
vivendo há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu
modo de vida, em estreita dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais
de forma sustentável”.
8 SANTILLI, Juliana. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação: Uma Visão Socioambiental. In: SILVA,
Letícia Borges da; OLIVEIRA, Paulo Celso de (Coords.). Socioambientalismo: uma realidade – Homenagem
a Carlos Frederico Marés de Souza Filho. Curitiba: Juruá, 2008.
9 Idem.
10 ALMEIDA, Alfredo Wagner. Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização e movimentos
sociais. In: Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. v. 06, n. 01, maio 2004. p. 09-32. p. 12.
11 DIEGUES, Antônio Carlos; ARRUDA, Rinaldo. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001.
614
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
São inúmeros os sujeitos sociais que podem ser incluídos nesta eclética
categoria, podendo citar, exemplificadamente, seringueiros, indígenas,
quilombolas, comunidades de fundo de pasto, pescadores artesanais,
faxinais, quebradeiras de coco babaçu e os povos de santo.
3. TERRITóRIOS TRADICIONAIS
12 LITTLE, Paul Elliott. Territórios Sociais e Povos e Comunidades Tradicionais no Brasil: por uma
antropologia da territorialidade”. Série Antropologia. n. 322. Brasília: DAN/UnB, 2002. Disponível em: <http://
www.dan.unb.br/images/doc/Serie322empdf.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2012.
13 Little compreende territorialidade como “esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar
e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu ‘território’
ou homeland”, idem, p. 03.
615
culturais dos grupos caminham juntas e foram constituídos territórios
sociais, territórios estes que podem ser modificados historicamente, a
depender das forças que o pressionam.
A primeira característica, entre aquelas o autor agrega na noção de
“razão histórica” dos povos e comunidades tradicionais seria a “proprie-
dade social”14, distinta da dicotomia propriedade privada ou pública, duas
caras do mesmo processo de disputa pelo capital, envolvendo burguesia
e burocracia, e incapazes de corresponder à necessidade destes grupos,
porque as regras que regulamentam os territórios tradicionais são baseadas
no direito consuetudinário, marginal ao regime jurídico oficial dos estados.
A segunda residiria na subjetivação do espaço com sentimentos e
significados, seja pela identificação do sagrado, do conhecimento e valo-
rização do ambiente ou outras formas, transformando-o num “lugar”, o
local concreto e habitado. Esta noção de lugar pode ampliar a identidade
do grupo a partir do momento em que se relacionar com os territórios
construídos com base em suas cosmografias15. A terceira se caracteriza
na ocupação histórica que fundamenta o território, envolvendo décadas
e em alguns casos séculos, capazes de agregar “peso histórico” às rei-
vindicações territoriais e mantém viva na “memória coletiva” daqueles
sujeitos sua territorialidade.
Como assevera o autor, seu trabalho faz uma “macro-análise antro-
pológica” e não um estudo etnográfico, mas frente à multiplicidade de
expressões da territorialidade humana, que produzem ainda mais amplas
possibilidades de tipos de territórios, qualquer análise antropológica destas
requer um estudo etnográfico. Isto porque a territorialidade de cada grupo
e, consequentemente, a constituição de seus territórios é processual, um
produto histórico fruto de processos sociais e políticos.
Assim, assumindo que as territorialidades são específicas, cremos
que o empreendimento da “macro-análise” realizada pode conter as-
14 O autor alerta que propriedade social não significa coletivização da propriedade e ausência de propriedade
individual, pois os grupos possuem regras específicas e variáveis de acesso à recursos, como a terra.
15 Cosmografia é definida como “os saberes ambientais, ideologias e identidades − coletivamente criados e
historicamente situados − que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu território”. Idem, p. 04.
616
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
16 ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de. Terras de quilombos, Terras Indígenas, “Babaçuais Livres”,
“Castanhais do Povo”, Faxinais e Fundos de Pasto: Terras tradicionalmente ocupadas. Manaus: PPGSCA-
-UFAM, 2006.
617
4. POVOS DE SANTO E SEUS TERRITóRIOS
618
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
19 Verger opta pela escrita iorubá para se referir aos termos desta língua. Porém, constatando que inexiste
uma padronização dos termos iorubás em publicações brasileiras, utilizaremos as terminologias adaptadas
ao português e já consagradas no uso cotidiano.
20 Para o Baba Guido, “na Concepção Filosófica dos Iorubá, èmí [...] tem a conotação de Àse Nlánlà – a Força
Divina Vital, contida no interior de cada Ser. O Mito da Gênese Iorubá, exalta O Ser Supremo – Olódùmarè, toda
a responsabilidade pela criação. [...] insuflado no exato momento do nascimento, em que cada ser absorve
uma porção do Divino, dando-lhe dessa forma, vida e existência própria.” (destaques do original). AJAGUNNÀ,
Baba Guido Omo. Uma Breve Análise do Vocábulo Èmí. Disponível em: <http://www.okitalande.com.br/
forum/forum_posts.asp?TID=476>. Acesso em: 29 jan. 2013.
21 TOMÁZ, Alzení de Freitas. O Direito e o Sagrado no Território Afro-Brasileiro de Mãe Edneuza. 2013.
Monografia (Bacharelado em direito) – Faculdade Sete de Setembro, Paulo Afonso, 2013. p. 27.
619
africano é um ser profunda e incuravelmente crente, religioso. Para ele,
a religião não é simplesmente um conjunto de crenças, mas, um modo
de vida, fundamento da cultura, da identidade e dos valores morais”22.
Mas, durante séculos não existiu uma religião africana no país, apenas
uma mistura de experiências de cultos que alguns negros traziam e iam se
misturando a outras, advindas de novas remessas de escravos23. Em aper-
tada síntese, pode-se afirmar que foi através do culto às divindades que o
negro encontrou forças para resistir ao processo de opressão da escravidão
e, com a devida sapiência, encontrou formas de burlar a fiscalização da
igreja e dos senhores, mesclando seus deuses aos deuses católicos, o que
permitia, no dia do santo, bater tambor e dançar para seu orixá.
Se as primeiras atividades religiosas ocorreram nas matas ou sob
cerrada vigilância nas fazendas, posteriormente, os negros libertos das
cidades, junto com outros escravos urbanos, como os escravos de ganho,
tiveram melhores condições de organização religiosa. Era na privacidade
dos sobrados, habitados coletivamente, que se praticavam as liturgias, o
que introduziu uma característica ainda hoje encontrada nos candomblés,
seus templos sagrados são locais de moradia e culto24.
Mas, a reprodução do modelo religioso originalmente existente nas
Áfricas era impossível no Brasil, pois, se os deuses eram, em geral, entes
familiares que teriam se transmutado em energia e a religião uma orga-
nização essencial familiar, como fazer isso com famílias dilaceradas e
grupos distintos coabitando o mesmo local?
Os laços familiares que não poderiam mais ter origem biológica se
transformaram em laços afetivos, as famílias de santo. Sustenta-se que os
primeiros terreiros foram criados por negros de mesma origem étnica25,
22 THIBANGU, Tshishiku; AJAYI, J. F. de; SANNEH, Lemin. Religião e evolução social. história geral da
áfrica, VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. P. 605. Apud: TOMÁZ, Alzení de Freitas. O Direito
e o Sagrado no Território Afro-Brasileiro de Mãe Edneuza. 2013. Monografia (Bacharelado em direito)
– Faculdade Sete de Setembro, Paulo Afonso, 2013. p. 27.
23 Para as condições em que se desenvolveu o candomblé no país, ver: BASTIDE, Roger. As Religiões Afri-
canas no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1985.
24 SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. 2 ed. São Paulo:
Selo Negro, 2005.
25 Idem.
620
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
26 ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. Studio
Nobel: FAPESP: São Paulo, 2003. p. 65.
27 Idem, p. 65.
28 Idem, p. 65.
29 SILVA, Vagner Gonçalves da. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. 2 ed. São Paulo:
Selo Negro, 2005.
621
como um verdadeiro microcosmo da terra ancestral”, de tal sorte que a
religião do candomblé “é uma África em miniatura”30.
Mas, Bastide ainda vocaciona, seria uma mera caricatura o terreiro que
tentasse imitar a África sem participar do mundo sobrenatural, o que se
da através da consagração dos terreiros, a prática de enterrar o axé – for-
ça que anima todas as coisas. Somente após o enterro dos axés de cada
orixá, ritual que consiste em um segredo restrito a alguns dos iniciados
do candomblé, o templo assumirá a condição do local sagrado.
Os territórios do candomblé, porém, não se resumem ao espaço físico
do templo religioso, o terreiro. Dias denomina territórios descontínuos os
espaços ambientados para rituais complementares àqueles do templo.31
Estes territórios se constituem das matas, fontes, rios, praias, encruzi-
lhadas, qualquer lugar que seja evocativo de uma simbologia para o can-
domblé e onde se desenvolvam atividades ritualísticas, como o despacho
para exu ou o depósito de oferendas a determinado Orixá.
Neste espectro, as matas cumprem função primordial, pois diversos
ritos de consagração e de culto a orixás requerem o uso de folhas especí-
ficas. Nas palavras que Bastide reproduz de um informante: “todo segredo
do candomblé reside em suas ervas”32. Estas folhas podem até existir no
quintal do terreiro, mas não devem ser utilizadas no culto, pois vigora a
dicotomia do mundo da cultura e selvagem, este localizado nas matas não
plantadas pelos Homens. As matas compõem o reino do orixá Ossain, só
ele tem o domínio das ervas e lá que elas devem ser encontradas. A própria
coleta é um ritual, praticado com procedimentos e horários determinados.
30 BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia: rito nagô. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 76.
31DIAS, Jussara Cristina Rêgo. Territórios do Candomblé: desterritorialização dos terreiros na Região
Metropolitana de Salvador. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Geografia. Instituto de
Geociências da Universidade Federal da Bahia, 2003.
32 BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia: rito nagô. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 126.
622
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
33 O Município de Rio Preto da Eva, no Estado do Amazonas, foi pioneiro ao publicar lei que autoriza de-
sapropriação de área urbana para assentamentos dos índios ali territorializados. Sobre esta experiência e o
fascículo da cartografia social que subsidiou o decreto, ver: FARIAS JÚNIOR, Emmanuel de Almeida. Terras
Indígenas nas Cidades: Lei Municipal de Desapropriação nº 302. Aldeia Beija-flor, Rio Preto da Eva, Amazonas.
Manaus: UEA Edições, 2009 e ALMEIDA, Alfredo Wagner B. de (Org.). Nova Cartografia Social da Amazônia:
Indígenas na Cidade de Rio Preto da Eva - Comunidade Indígena Beija-Flor. Manaus: Editora da Universidade
do Amazonas, 2008.
34 Sobre uma provadora proposta de Municípios indígenas, ver: NOGUERIA, Caroline Barbosa Contente;
DANTAS, Fernando Antônio de Carvalho. Criação de Municípios Indígenas: desafios ao direito brasileiro. In:
SAULE JR, Nelson et al. (Orgs.) Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico – Manaus, 2008:
O direito Urbanístico nos 20 anos da Constituição Brasileira de 1988 – Balanços e Perspectivas. Porto Alegre:
Magister, 2009.
35 OLIVEIRA, André Luiz de Araújo. Patrimônio Cultural e Poder: trajetória normativa e desdobramentos
preservacionistas do município de Salvador – Bahia. 2010. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)
– Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
623
Os povos de santo vivem em constante ameaça de desterritoriali-
zação, muitas vezes promovidas pelo próprio poder público, como foi
o caso do terreiro Oyá Onipo Neto, demolido pela Prefeitura Municipal
de Salvador em 200836, e tem reforçado a demanda pela titulação dos
terreiros de candomblé37.
Mas, a regularização fundiária de terreiros de candomblé não tão
simples como a regularização fundiária de uma unidade habitacional.
Isto porque, como grupos com identidade e cultura distinta, organizado
sob normas arraigadas na tradição, o tratamento dos povos de santo pelo
poder público deve buscar respeitar suas peculiaridades.
Buscar compreender e respeitar seu padrão organizativo é um im-
perativo ético e jurídico, pois a Convenção n. 169 da OIT, diploma devi-
damente incorporado à ordem jurídica pátria com posição hierárquica
supralegal, determina que ao se aplicar a legislação pátria aos povos e
comunidades tradicionais seja levado em consideração seus costumes
e direitos consuetudinários.
Neste sentido, importante constatar que os terreiros são, em regra,
local que acumula função de moradia com a função litúrgica, englobando
muitas vezes diversas moradias, áreas verdes, fontes e espaços de uso
coletivo, como os barracões.
Ademais, a noção de propriedade destes sujeitos, conforme sua cosmo-
visão, é distinta daquela arraigada na sociedade brasileira e reconhecida
pela ordem jurídica. Segundo Baptista, que realizou estudos etnográficos
no Rio de Janeiro e Salvador, encontram-se duas peculiaridades na con-
cepção de propriedade dos povos de santo. Primeiro, os praticantes do
candomblé, como sujeitos que incorporam entidades – orixás, inquices,
voduns, e entidades que foram incorporadas aos cultos, como caboclos e
ciganos – são objeto destas entidades, “cavalos” à serem montados. Se são
objeto destas entidades, não poderiam reivindicar para si a propriedade
36 ARAÚJO, Gláucio. Demolição de terreiro provoca polêmica em Salvador. G1, Brasil/Religiosidade, 18 mar.
2008. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,mul353993-5598,00-demolicao+de+terreiro+p
rovoca+polemica+em+salvador.html>. Acesso em: 15 jan. 2012.
37 SANTOS, Normando Baptista. Candomblé: da resistência à politização. Le Monde Diplomatique
Brasil, São Paulo, ano 2, n. 22., 36-37, mai. 2009.
624
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
625
o terreiro é propriedade do babalorixá ou ialorixá. Em caso de falecimento
destes, o terreiro, também pela cosmovisão e regras próprias do candom-
blé, deveria ser assumido por um filho ou filha de santo, escolhido pelo
Orixá. Ocorre, porém, que a sucessão de bens quando do falecimento
de seu titular é amplamente normatizada no Brasil e não reconhece a
possibilidade de um ente “escolher” o destino daquele patrimônio. Para o
direito civil, com o falecimento do de cujos, automaticamente o patrimô-
nio é transferido para os sucessores, como os filhos, cônjuge ou aqueles
previstos em testamento.
O conflito entre a sucessão do terreiro segundo a “lei do santo” e a lei
civil já levou inúmeros terreiros a serem fechados e tem motivado que
vários procurem regularizar a entidade religiosa através de uma pessoa
jurídica, transferindo-lhe a propriedade do terreiro.
38 FARIA, Arley Haley; SANTOS, Rosselvelt José. Territórios de Direitos Culturais e Étnicos das Religiões de
Matriz Africana em Uberlância, MG. Mercator - Revista de Geografia da UFC, vol. 7, n. 13, 2008, Fortaleza,
p. 19-27. Disponível em: <http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/issue/view/M13/showToc>.
Acesso em: 19 jan. 2012.
626
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Neste sentido, Bastide, cuja obra foi publicada pela primeira vez em
1958, já afirmava que algumas entidades não mais “descem”, como o
xangô de Ouro, pois as ervas necessárias para sua encarnação no egun
não são mais localizadas39.
Porém, é possível proteger os territórios descontínuos de povos de
terreiro, em especial quando existente sobreposição de territórios, através
da regularização fundiária? A regularização, como intervenção que visa
garantir segurança jurídica à posse, é realizada através da outorga de um
direito real sobre a área ocupada e os direitos reais gozam da caracterís-
tica de “oponibilidade” ou “eficácia absoluta”, o que impões à coletividade
o dever de respeito da utilização exclusiva que o titular faz com a coisa.
A outorga de direito real sobre determinado espaço da cidade que
constitua território descontínuo dos povos de santo não parece ser a uma
hipótese à ser aplicada sem amplos conflitos, pois demandaria direitos
exclusivos sobre áreas multiplamente utilizadas, como a praia do rio
vermelho em Salvador, onde são realizadas oferendas à Iemanjá no dia
02 de fevereiro.
Ainda que a política urbana desenvolvida no país venha adotando cada
vez mais ações de regularização fundiária, em consonância com a diretriz
39 BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia: rito nagô. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 126.
627
do Estatuto da Cidade, e a proteção territorial de outros povos e comu-
nidades tradicionais perpasse pela titulação territorial, os instrumentos
que garantem direito real sobre o bem não são os únicos que podem ser
utilizados pelo poder público.
A Convenção n. 169 da OIT, marco internacional da afirmação dos
territórios tradicionais, também caminha neste sentido. Afirma o diploma
que se deve reconhecer aos povos interessados o direito à propriedade e à
posse das terras que tradicionalmente ocupam. Porém, reconhece que em
casos apropriados, como quando não ocupem efetivamente o território,
dever-se-á salvaguardar o direito de utilização do território não exclusivo.
O Estatuto da Cidade apresenta uma séria de instrumentos jurídicos
e políticos e de planejamento – tombamento, unidades de conservação,
zonas especiais de interesse social, zoneamento ambiental, disciplina de
parcelamento do solo e o próprio plano diretor – que podem se tornar
objeto dos estudiosos do direito urbanístico e política urbana, com obje-
tivo de pensar mecanismos eficazes de garantir a plena salvaguarda dos
territórios de povos e comunidades tradicionais em áreas urbanas.
6. CONCLUSÃO
628
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
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630
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
631
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
633
Diante do impasse, a Secretaria de Habitação solicitou ao Pólis – Institu-
to de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais consultoria para
implantar a política pública de regularização fundiária de áreas públicas
ocupadas pela população de baixa-renda.
Esta consultoria norteou e respaldou o trabalho dos técnicos municipais
no para o reconhecimento do direito à moradia da população assentada
nas áreas públicas.
Reconheceu a existência dos aluguéis como entrave à regularização
apontando a prática como “utilização indevida da área pública - locação”.
Orientou no sentido que os “locadores” não têm direito à concessão de
uso especial para fins de moradia, salvo se utilizarem o imóvel também
para sua moradia.
“Neste caso, ou seja, se o locador utilizar o imóvel para sua moradia e
de sua família, deverá ser beneficiário da concessão especial pela fração
ideal ocupada, direito este igualmente assegurado aos locatários nas suas
respectivas frações ideais”.
O parecer ressaltou a ilegalidade desses contratos que desrespeitam as
premissas dadas no Código Civil para a celebração de um contrato válido
deduzindo logicamente que: “este contrato é ilegal (...) na medida em que
a locação de área pública é ato ilícito, um eventual contrato não outorga
legitimidade à relação travada entre locador / locatários”.
Segundo o parecer, “Importante ressaltar, que a inexistência de do-
cumentação comprobatória da locação (contrato formal de locação)
impede o “locador” de efetuar formalmente o despejo. Assim, ausente o
documento que comprova a lícita relação locatícia, o locador não poderá
tomar providências oficiais e legítimas junto ao Poder Judiciário para o
despejo das famílias que sejam locatárias”.
Desta forma, o parecer concluía logicamente que “este locador não
possui meio hábil e nem amparo legal para questionar judicial ou admi-
nistrativamente a ocupação, pelos locatários, do imóvel localizado em
área pública, sendo-lhe defesa na prática do despejo formal”.
No entanto, não é o que temos presenciado ao aplicar estes preceitos,
634
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
635
integram a Regularização Fundiária é que surgem os questionamentos
propostos como reflexão para este trabalho: a) é possível aceitar como
legal o aluguel de subsistência: um imóvel dentro do mesmo lote do lo-
cador ou parte do imóvel do locador; b) como conter o aluguel em escala
ou especulação: uma pessoa tem várias imóveis de aluguel dentro de um
mesmo lote ou mesma área.
Assim, no sentido de aliarmos a necessidade das famílias moradoras
dos assentamentos de baixa renda às possíveis propostas legais para
solução dos conflitos buscamos essa reflexão.
636
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
637
mente, a confissão de dívida) no intuito de manter o locatário no imóvel
comprando do locador a construção por ele erigida.
Desta maneira, o Programa tentou combinar a desconsideração
dos contratos de aluguel e eliminar o enriquecimento sem causa (co-
mumente representado pela titulação do “inquilino” que recebe uma
casa ou outro tipo de benfeitoria sem nunca haver concorrido com as
despesas para construí-la).
A situação é extremamente controversa nas áreas regularizadas. Além
disso, os casos são muito diversificados. O aluguel nas favelas localiza-
das em áreas públicas municipais representa tanto benfeitorias erguidas
como investimento acumulado de uma vida inteira como casos da mais
absoluta opressão entre particulares. Certo é que verdadeiras relações
jurídicas de locação formaram-se em décadas de omissão do Município,
mesmo que calcadas sobre posses qualificadas como injustas sob uma
perspectiva meramente civilista. O Município, por sua vez, para voltar a
se assenhorar de seu patrimônio e implementar uma política habitacional
significativa no parque habitacional para baixa renda estabelece na posse
(uma situação de fato) o único critério para restabelecimento da tutela
dessas porções territoriais.
Some-se a isso o fato da diretriz ser diametralmente oposta na regu-
larização fundiária de loteamentos irregulares ou clandestinos. Ou seja,
nessas circunstâncias o setor competente da Prefeitura, dentro da mesma
Secretaria, considera o adquirente do lote, independentemente da posse
direta sobre o imóvel, como beneficiário final.
Não obstante, a prática demonstrou que houve vários casos de compo-
sição amigável entre locador e locatário, contudo, ficou muito aquém dos
casos em que essa composição amigável não foi possível, ora pelo valor
da construção está fora do orçamento dos locatários, ora pelo completo
desinteresse dos locadores em uma composição amigável por entenderem
que estariam desfazendo-se de seu “patrimônio”.
638
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A POSSIBILIDADE DE RECONhECIMENTO
DOS ALUGUERES EM áREA PÚBLICA
MUNICIPAL REGULARIZADA
639
da Municipalidade, o Judiciário posicionou-se no sentido de prevalência
do contrato de aluguel independentemente do domínio da área. O risco à
segurança da posse de moradores (originalmente “inquilinos”) decorrente
de tal entendimento ainda é desconhecido, mas fornece indicativos de que
a posse no local objeto de titulação pode ser prejudicada.
640
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÃO
641
comunidades dentro de limites que impeçam a especulação.
BIBLIOGRAFIA
BRUNO, Ana Paula, GARCIA, Candelaria Maria Reyes e SANTOS, Raphael Bischof
dos: Aluguel entre particulares em áreas públicas municipais: considerações sobre
conflitos enfrentados na implementação do programa paulistano de regularização
fundiária de favelas. In Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
– Manaus 2008: O Direito Urbanístico nos 20 anos da Constituição Brasileira de
1988 – Balanço e Perspectivas / [Organizado por] Nelson Saule Júnior et al. – Porto
Alegre,: Magister, 2009, p. 85.
NOTAS
1 Candelaria Maria Reyes Garcia - Advogada, Consultora Jurídica da Secretaria Municipal de Habitação de São
Paulo, Especialista em Direto do Estado, Especialista em Direito Urbanístico pela PUC/Minas candelariareyes@
gmail.com (11) 3397-3829
2 Ellade Imparato- Advogada, Diretora Administrativa do IBDU, Consultora Jurídica da Secretaria Municipal
de Habitação de São Paulo, Mestre em Filosofia do Direto, Doutoranda da Universidade Mackenzie em Direito
Econômico, eimparato@gmail.com (11) 3397-3828
3 DECRETO Nº 34522 DE 3 DE OUTUBRO DE 2011.
Aprova as diretrizes para a demolição de edificações e relocação de
moradores em assentamentos populares
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições legais, e
CONSIDERANDO a necessidade de atualizar e uniformizar os procedimentos da administração municipal para a
desocupação de áreas em assentamentos populares, necessárias à implantação de projetos de interesse público
DECRETA:
Art. 1.º Ficam aprovadas as diretrizes para a demolição de edificações e relocação de moradores em assenta-
mentos populares na forma do anexo A.
Parágrafo único. Aplicam-se as mesmas diretrizes às situações de emergências, tais como incêndios, enchentes,
642
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
desabamentos e despejos.
Art. 2.º Ficam revogados os Decretos n.° 28.983, de 11 de fevereiro de 2008, n.° 33.017, de 05 de novembro de
2010, e n.° 23.846 de 19 de dezembro de 2003.
Art. 3.°Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2011; 447.º ano da fundação da Cidade.
EDUARDO PAES
ANEXO A
643
da intervenção, mediante a oferta de alternativas de relocação;
1.2 - ALTERNATIVAS DE RELOCAÇÃO - A oferta de outra moradia às
famílias se dará por meio da escolha de uma das seguintes modalidades,
respeitadas as características do projeto de relocação, a disponibilidade
dos recursos e a especificidade de cada beneficiário:
1.2.1 - Uma nova moradia no local, mediante a construção de unidades
residenciais de bom padrão construtivo, quando previsto no projeto ou
num empreendimento do Programa Minha Casa Minha Vida ou similar;
1.2.2 - A indenização da benfeitoria;
1.2.3 - A compra de uma nova moradia, preferencialmente na própria
comunidade, denominada compra assistida;
1.2.4 - Auxílio financeiro específico para liquidação antecipada do par-
celamento do contrato de compra e venda de imóvel residencial celebrado
conforme as regras do Programa Minha, Casa Minha Vida, regulado pela
Lei Federal n.° 11.977, de 7 de julho de 2009, quando autorizado pelo Chefe
do Poder Executivo e apenas para os casos de recolocação de famílias
desabrigadas ou moradoras de área de risco;
1.2.4.1 - No caso da liquidação antecipada, o beneficiário assinará
Termo de Concordância, que substituirá o recibo definido no Anexo 5.
1.2.5 - Pagamento de aluguel mensal no valor definido no Decreto n.°
2893, de 13 de abril de 2011, até o reassentamento definitivo em outra
moradia.
1.3 - IMÓVEIS ALUGADOS - O tratamento a ser dado aos casos de
edificações alugadas contempla a oferta de indenização da benfeitoria ao
titular e um auxílio financeiro ao locatário. Este critério evita beneficiar
moradores recentes da comunidade em detrimento dos mais antigos, ao
mesmo tempo que faz o ressarcimento ao titular das despesas realizadas
na construção da benfeitoria.
Além disso, dá condições ao locatário de buscar um novo imóvel para
alugar, facilitando o pagamento do depósito, mecanismo utilizado nos
aluguéis em áreas de baixa renda, em substituição ao fiador.
A hipótese de beneficiar somente o locatário poderia provocar uma
644
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
645
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A proteção ao direito
de posse nos conflitos
fundiários urbanos
INTRODUÇÃO
647
acelerada, urbanização e consumismo desordenado, tornou-se também
um bem de consumo. Para ter-se moradia, portanto, é necessário possuir
poder aquisitivo. A fonte desta afirmação é um processo histórico secular
que solidificou a sociedade no modelo atual.
É também sabido que o poder aquisitivo não é distribuído isonomi-
camente. Ao contrário, no atual sistema capitalista desenfreado e prin-
cipalmente, com a construção histórico-econômica do Brasil, o poder
aquisitivo é segregante. Quem não tem renda, portanto, não tem moradia.
Mas moradia não deveria ser bem de consumo. Afinal, moradia é direito.
Graças à evolução normativa internacional e nacional, de fato hoje a
moradia é reconhecida como um direito humano e fundamental inerente e
que deve ser garantido a todas as pessoas humanas e não só àquelas que
possuem poder aquisitivo o suficiente para adquirir o título da propriedade
de um pedaço de terra.
São essas pessoas hipossuficientes, segregadas por um modelo eco-
nômico projetado para elitizar, que não estão aptas a adquirir a habitação
através dos meios estritamente legais, ou seja, tornando-se proprietários.
Dessa incapacidade, paralelamente à necessidade prima de morar, é que
nascem as moradias irregulares, os assentamentos informais ou ocupa-
ções ilegais. Neste bojo, a ocupação por parte de grupos ou indivíduos que
possuem apenas direito de posse sobre a terra na qual habitam.
Por sua vez, é através do embate entre o grupo vulnerável na situação
de posse e entre o proprietário formal – seja ele particular ou o Estado –
que nasce o conflito fundiário urbano. É nesse contexto que o presente
trabalho propõe-se a analisar as múltiplas variáveis presentes nesta situ-
ação conflituosa e abordar histórica e normativamente a tutela à posse
da terra pela parcela segregada da sociedade, inapta economicamente a
integrar o mercado imobiliário formal.
648
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2 SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2004, p. 132.
649
caso do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(1966), que já exibiu em seu texto a expressão “moradia adequada”³; O
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966); O Pacto de San
José da Costa Rica, A Convenção Internacional sobre Eliminação de Todas
as Formas de discriminação Racial (1965), a Convenção sobre os Direitos
da Criança (1989), a Convenção Internacional de Proteção dos Direitos de
Todos os Trabalhadores Imigrantes e membros de sua família (1977), a
Declaração dos Direitos Humanos de Viena (1993) – que reiterou o disposto
na Declaração de Direitos Humanos de 1948.
Trata-se esse de um rol exemplificativo, existindo ainda outros tratados
que trouxeram em seu bojo a reafirmação da propagação desse direito.
Como aponta Ligia Melo3, merecem atenção especial duas conferên-
cias sobre este tema, HABITAT I e HABITAT II datadas respectivamente
1976 e 1996, cujo conteúdo foi a situação de má distribuição de terras
e proteção ao direito de habitação, tal como a sustentabilidade dos as-
sentamentos irregulares.
Traçou-se a partir desses eventos um documento denominado AGENDA
HABITAT, trazendo em seu bojo uma série de metas, diretrizes e princí-
pios em busca da adequada moradia sustentável. Os países participantes
– rol no qual o Brasil está incluso – comprometeram-se a adotar em seus
próprios planos de desenvolvimento governamental as metas e diretrizes
elaboradas, aderindo a uma postura sustentável, e monitorando-se quanto
a consecução deste propósito.
O reconhecimento internacional crescente e gradativo da moradia
como direito humano, além de ser adotado pelo Brasil, ao passo que está
presente em diversos tratados do qual é signatário, repercutiu direta-
mente no ordenamento jurídico pátrio, que em sua Carta Magna de 1988
solidificou este direito como fundamental, primando pela sua proteção e
regulamentação em vários de seus dispositivos. Pode-se dizer, portanto,
que tanto as normas nacionais como internacionais vinculam o Brasil a
3 MELO, Ligia. Direito à moradia no Brasil: política urbana e acesso por meio da regularização
fundiária. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 36.
650
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
adotar como diretriz em seu governo a busca pela moradia como mínimo
existencial a ser garantido a cada cidadão. O fundamento para a cogência
da norma internacional encontra-se no art. 5º, § 2º da Carta Magna:
651
violação dos demais direitos”7. Dando-se ênfase à dignidade da pessoa
humana, uma vez que a moradia é reconhecida como um mínimo exis-
tencial para o cidadão.
Esta diretriz é mais uma vez resgatada através da importante inserção
da ideia de função social da propriedade presente no art. 5º, incisos xxII
e xxIII da Constituição. A função social da propriedade, explicite-se, é
relativamente inovadora no ordenamento pátrio. A Constituição de 1988,
popularmente conhecida como Constituição Cidadã, prima pela funcionali-
zação da propriedade no sentido de flexibilizar os direitos privados herdei-
ros do regime de liberalismo em prol de um viés coletivista característico
do atual estado Neoconstitucional, tema a ser mais aprofundado à frente.
Portanto, ao passo que o diploma passado zelava pela supervalorização
das relações privadas – tendência demonstrada pelo antigo Código Civil
de 1916 – a atual Carta trouxe a imagem de um estado interventor, que
possui certo controle sobre a autonomia privada, no sentido de resguardar
interesses coletivos mesmo em relações privadas. Esta ideia coletivista
foi inovada pelos dispositivos supramencionados da Constituição Fede-
ral (art. 5º, incisos xxII e xIII) e possui grande conexão com a moradia
adequada, pois relativiza o legalismo presente na relação de aquisição de
propriedade, impondo que mesmo a propriedade privada precise possuir
uma função social – seja movimentar a economia, o mercado imobiliário,
gerar renda, entre outros.
Este dispositivo visou coibir a especulação imobiliária e consequen-
temente, os latifúndios. Relativiza o direito privado, o publicizando ao
qualificá-lo com uma redoma constitucional que condiciona o uso da
propriedade privada à função social coletiva. Os dispositivos do ordena-
mento, assim, adéquam-se ao fundamento do próprio Estado Democrático
de Direito, a cidadania. Com clareza, explica Ligia Melo:
652
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
653
Sem embargo, pode-se afirmar que a habitação como função da socie-
dade abarca não apenas a moradia física, um pedaço de chão construído,
e sim uma série de fatores que enseja a esta habitação a denominação de
moradia adequada. Ao falar-se em direito à moradia, portanto, objetiva-
-se que seja respeitado o direito a uma moradia digna e que conflua as
funções a serem fornecidas pela cidade.
Nesse sentido, a persecução ao direito à moradia é muito mais do que
o direito a um título de propriedade o ao direito de permanecer em um
imóvel na situação de posse. É o direito a uma série de fatores que torne
possível coexistir naquele local com dignidade.
Assertivamente, explica Elaine Adeline Pagani.
654
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
11 CANUTO, Elza Maria Alves. O direito à moradia urbana como um dos pressupostos para a efetivação
da dignidade da pessoa humana. 2008, p.167, texto digital.
655
nia.” 12 O direito à cidade pode ser entendido, portanto, como o direito do
sujeito de fazer parte da sociedade em que se insere de modo igualitário
e ético, sem discriminação ou segregação de qualquer espécie, possuin-
do amparo do Estado para que, como representante outorgado do povo,
garanta o mínimo existencial para uma existência digna. Este mínimo
inclui a possibilidade de o sujeito ser um cidadão ativo e participativo da
urbe, indiscriminadamente.
O ACESSO à PROPRIEDADE E O
MERCADO IMOBILIáRIO FORMAL
656
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
13 LIMA, Clara Moutinho Pontes. O aparente conflito entre o direito à moradia e a proteção ambiental.
2010. p.20 ,texto digital.
657
Esta situação gradativa de desigualdade social ao lado da urbanização
acelerada trazida pela Revolução industrial e o êxodo rural, que inflava o
contingente populacional de cidades não planejadas para esta mudança,
criou a situação das ocupações irregulares. A ausência de políticas públi-
cas urbanas e planejamento foi um ponto chave para a desorganização
populacional que tomou forma. Como explica Paulo Ernani Bergamo dos
Santos, “em razão da falta de planejamento urbano adequado, insufi-
ciente para receber essa ‘massa’ populacional vinda das áreas rurais, as
periferias cresceram desordenadamente, rumo a áreas não servidas pelo
aparelhamento urbano.” 14
Importante ressaltar que quando se menciona a ausência de planeja-
mento urbano adequado, não se infere ter havido falta de planejamento
como um todo. Ao contrário, historicamente avalia-se que a situação de
segregação foi, em parte, fruto de um planejamento urbano que visava
concentrar serviços essenciais em áreas não acessíveis para a população
mais carente. Como explica Vinicius Mancini Guedes,
14 SANTOS, Paulo Ernani Bergamo dos. Ocupações irregulares e regularização fundiária. Revista Magister
de Direito Ambiental e Urbanístico. LOCAL, v.40, fev./mar 2012, p.77.
15 GUEDES, Vinícius Mancini Guedes. Planejamento urbano e segregação. Revista Magister de Direito
Ambiental e Urbanístico. LOCAL, v.34, fev./mar 2011, p.29.
658
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
659
Disputa pela posse ou propriedade de imóvel urbano, bem como
impacto de empreendimentos públicos e privados, envolvendo
famílias de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis que neces-
sitem ou demandem a proteção do Estado na garantia do direito
humano à moradia e à cidade. 18
18 BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Resolução recomendada
nº 87: Brasília, 2010, texto digital.
19 CAFRUNE, Marcelo Eibs. Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos: do debate teórico à construção
política. Revista da Faculdade de Direito UniRitter, Porto Alegre, n. 11, 2010, p. 203-204.
660
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
661
2.3. Legalidade versus legitimidade dos sujeitos do conflito
21 Ibidem, p. 201.
662
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
22 MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do processo. (Curso de processo civil; v.1) – 3.ed.rev.e atual.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.48.
663
ria, dá-se o nome de regularização fundiária. A importância deste instituto
reside em sua consequência de cessar a insegurança da moradia, tutelando
legalmente seu estado de fato através de uma série de instrumentos le-
gais que embora não transfiram a propriedade, regularizam a posse. Sua
definição foi traçada pelo artigo 46 da lei 11.977/2009:
23 BRASIL. Lei 11.977 de 7 de julho de 2009. Minha casa, minha vida, texto digital.
664
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
24 SAULE JUNIOR, Nelson. Formas de proteção do direito à moradia e de combate aos despejos forçados no
Brasil. In: FERNANDES, Edésio (org.) Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del
Rey, 2001. p. 118-124, passim.
665
Castanheiro, ao explicar que a regularização fundiária deve ser vista e
procedida de maneira holística e não meramente registrária.25 Ou seja, este
procedimento não pode ser apartado da assistência aos outros direitos
correlatos. Não é suficiente formalizar a posse em documento no cartório
e sim criar condições para que aquela posse se dê de maneira sustentável,
primando pela moradia adequada e condições de habitação que garantam
a dignidade humana da coletividade tutelada.
25 CASTANHEIRO, Ivan Carneiro. Regularização fundiária: fundamentos, aspectos práticos e propostas. In:
NALINI, J. R.; LEVY, W. (coords.) Regularização fundiária. São Paulo: Forense, 2013, p.33-52.
666
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Uma vez que não tenha sido possível a tentativa de mediação, ou que
a mesma tenha sido frustrada e o conflito fundiário urbano tenha sido
levado ao judiciário, a atividade de intérprete e aplicador do direito pelo
magistrado apresenta-se como um fator essencial para a consecução ou
não da justiça social naquele caso concreto. Apesar dos instrumentos de
desenvolvimento urbano, em um conflito entre dois polos na disputa por
posse, o possuidor ainda é menos resguardado legalmente, havendo uma
situação de desequilíbrio.
Mediante esta situação e dado o atual contexto neoconstitucionalista
que flexibiliza o direito privado em prol da consecução do bem social, cabe
ao magistrado utilizar do ativismo judicial para adequar o caso concreto
não apenas à letra seca da lei, mas também aos princípios constitucionais,
que ganharam status de norma e ainda de condição validadora da lei. Não
pode, portanto, estar o juiz preso ao legalismo exacerbado. O ativismo
judicial é uma forma benéfica de dar valor normativo aos princípios, os
aplicando quando necessário.
É preciso que estes operadores do direito tenham como fundamento as
noções de justiça social, inclusão e cidadania.. Para tanto, o direito deve
ser aplicado de maneira holística, conglobando a lei aos fundamentos,
princípios e ideologia do Estado Democrático de Direito. O direito civil
e processual não podem ser dissociados do constitucional, urbanístico,
ambiental e demais ramos. Esta visão impede que decisões padrões e
que não exploram minuciosamente o caso concreto sejam proferidas,
causando injustiças em massa.
Nesse sentido, felizes são as palavras de Nelson Saule Junior ao expor
a “necessidade de os operadores de Direito terem vocação e qualificação
cultural e social para promoverem a justiça social na solução dos confli-
tos ambientais urbanos”26, mostrando, assim, que os instrumentos legais
necessitam de sujeitos operadores capacitados não apenas tecnicamente,
mas também social e ideologicamente para a consecução da justiça social.
667
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
668
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
669
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670
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
671
à cidade. O quadro descrito, aplicável a diversas metrópoles no mundo
inteiro, não é distinto na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH),
notadamente no tocante a valorização imobiliária e produção do espaço
urbano, conforme análises de Magalhães, Tonucci Filho e Silva, 2011.
Assim, mostra-se urgente a realização permanente do acompanha-
mento e mapeamentos de tais ocupações na RMBH, para que haja não
só o reconhecimento dessas comunidades, mas a possibilidade do poder
público abarcá-las em projetos de planejamento urbano e programas
habitacionais. O mapeamento das referidas ocupações também tornará
possível o fortalecimento das suas redes de comunicação e apoio, as
quais envolvem agentes tanto por parte do poder público quanto por
parte da sociedade civil, constituída por entidades apoiadoras e mora-
dores das ocupações.
Em entrevista ao Jornal Le Monde Diplomatique, em fevereiro de 2012,
a relatora especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à
Moradia, Raquel Rolnik (Rolnik apud Brasilino, 2012), afirmou que tem
havido o aumento dos conflitos por moradia nos últimos anos no Brasil.
Segundo a entrevistada, tal fato representa um paradoxo, pois temos um
ordenamento jurídico que respeita esse direito, haja vista a Constituição
Federal, que coloca a moradia como direito fundamental e reconhece o
direito dos ocupantes de terrenos públicos ou privados que não tiveram
alternativas de acesso à moradia. Além disso, nunca tivemos, nas últimas
décadas, montante tão alto de investimentos públicos para a produção
de novas casas.
A situação descrita torna-se ainda mais agravante se for levado em
conta o grande impasse da dinâmica urbana vigente, pois enquanto exis-
tem várias construções abandonadas, há muita gente em busca de um
lugar digno para morar, procurando sair do aluguel ou até mesmo das
ruas. Em Belo Horizonte, o déficit habitacional chega a 62 mil imóveis,
de acordo com o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS),
finalizado em 2010. (MIRANDA E CÂMARA, 2013). Esse número, quando
somado ao déficit habitacional dos municípios que compreendem a Região
672
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
673
Do ponto de vista legal e urbanístico, as ocupações urbanas se referem
a áreas da cidade, que se configuram a partir da tomada de posse de um
terreno de maneira informal e extralegal, e que se consolidam em espaço
cuja destinação social atribuída é eminentemente urbana. Segundo essa
análise abrangente, todas as vilas e favelas poderiam se enquadrar como
ocupações urbanas, assim como as áreas ocupadas por grandes imobili-
árias e atores políticos com capacidade econômica. A indeterminação do
conceito o torna abrangente, mas acaba por enquadrar juntos espaços
geográficos, políticos e simbólicos extremamente diferentes e desiguais.
Em Belo Horizonte, o conceito ganhou visibilidade na década de 80,
quando foram realizadas ocupações urbanas como forma de luta social
organizada pela moradia. Nesse período, movimentos sociais, partidos,
setores da igreja, com auxílio de setores técnico-profissionais interdis-
ciplinares, organizaram ocupações de terras para resolver o problema
imediato do déficit habitacional e também para pressionar o poder público
a efetivar direitos de cidadania. As ocupações Corumbiara, Zilah Spósito,
1º de Maio e a ocupação das escadarias da Igreja São José foram emble-
máticas nesse sentido.11
As ocupações recentes, que emergiram no cenário belo-horizontino
nesse novo século, guardam algumas diferenças com relação às ocupações
urbanas realizadas no passado e sua trajetória também é responsável pela
transformação do conceito em discussão.
A ocupação que refundou esta tradição política na cidade foi a Ocupa-
ção Caracol, realizada em 2006 pela organização “Brigadas Populares”.
A partir dessa data, muitas outras ocupações foram realizadas por movi-
mentos sociais na cidade: as ocupações João de Barro I (2006), II (2007)
e III (2007), as ocupações Camilo Torres (2009), Irmã Dorothy (2010) e
Dandara (2009) e, mais recentemente, as ocupações Eliana Silva I (2012)
e II (2012). Ademais, diante deste cenário de efervescência da luta pelo
direito à moradia, surge a ocupação Guarani Kaiowá (2013) em Conta-
gem, cidade da RMBH, realizada, novamente, pela organização Brigadas
Populares. Outras ocupações surgem de maneira espontânea, e passam
674
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675
3 A CARTOGRAFIA SOCIOJURÍDICA
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677
3 A COMUNIDADE DANDARA E OS CONFLITOS
SOCIOJURÍDICOS DA OCUPAÇÃO URBANA
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
679
3.2 Conflitos jurídicos em torno da
ocupação da Comunidade Dandara
680
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
681
a reintegração de pose em sede de retratação, sem estarem presentes os
requisitos para o deferimento da reintegração de posse liminarmente. O
pedido deste mandado de segurança foi deferido, em sede liminar, pelo
Des. Nepomuceno Silva, em 16/06/2009 e foi o que por muito tempo
manteve a comunidade numa situação de relativa segurança jurídica.
Enquanto vigente esta decisão liminar, foi iniciado um processo de
negociação da Comunidade Dandara com a Construtora Modelo, me-
diados pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública. A proposta da
Construtora apontava para a verticalização total da área com prédios
destinados a famílias de classe média e baixa, porém exigia que todos os
moradores saíssem de sua casa para que depois, supostamente, voltassem
para apartamentos de 39,5m², comprados por intermédio do Programa
Minha Casa, Minha Vida. Não desejando a verticalização, os moradores
aceitaram a proposta, mas propuseram outro projeto em que não teriam
que sair da área. A Construtora não aceitou a contraproposta e, portanto,
não se chegou a nenhuma solução.
Diante da impossibilidade de uma saída negociada, a corte especial, em
09/06/2010, denegou o pedido de segurança, tornando sem efeito a liminar
deferida. O juiz da 20º Vara Civil, nos autos da Ação de Reintegração de
Posse citada (Processo nº 0024.09.545.746-1) determinou o cumprimento
da decisão para a reintegração de posse e chegou a requerer contingente
policial, abrigo e transporte para os pertences das famílias.
Os moradores e seus apoiadores ajuizaram em março de 2010, por
meio da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, uma Ação Civil
Pública, na 6ª Vara da Fazenda Pública Estadual (Processo nº 0356609-
69.2010.8.13.0024). Ela teve como propósito estabelecer a permanência ou
viabilizar, celeremente, efetivo local para habitação e moradia das famílias
da comunidade. Ressaltou-se que nos imóveis existem famílias, compostas
por mulheres, crianças, adolescentes, homens, muitas dessas pessoas já
idosas, com deficiência, e a omissão do poder público é a responsável
pela situação que impacta de modo injusto e penoso os moradores da
comunidade Dandara.
682
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
683
bem como de exercer atos de posse na área prevista para o loteamento.
Em conclusão aos pedidos da DPE, o Juiz de Direito Titular da 6ª Vara
da Fazenda Pública Estadual e Autarquias, Dr. Manoel dos Reis Morais,
em 06/04/2010, ao revogar a decisão anterior de reintegração de posse,
ponderou que, no caso da comunidade Dandara, havia um conflito entre
o direito à propriedade e o direito à moradia. Afirmou que os direitos não
são absolutos e é no embate entre eles que deve-se descortinar o peso
de um e outro. No caso do direito à moradia, dele depende nosso próprio
existir enquanto seres humanos. Neste sentido, afirmou:
684
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
685
4.3 Os conflitos sociais e de direitos no que tange as concepções
de terra, posse e propriedade: análise das estratégias jurídicas
das partes no Caso Dandara
686
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
687
direito à moradia no confronto com o direito à propriedade tendo como
fiel a dignidade da pessoa humana (três princípios constitucionais). Argu-
mentou, ainda, sobre a possível má impressão causada a “personalidades
que visitem a cidade”, que cabe a todos os brasileiros cuidar para que não
existam aglomerados e favelas e que para chegar a esse ponto faz-se ne-
cessário não ignorar a existência dos pobres e dos despossuídos como se
fossem invisíveis. Além disso, ressaltou ser inconcebível pretender colocar
os pobres num lugar determinado como se fossem de outra classe, estirpe,
raça, ou inferiores, fazendo crescer o abismo da desigualdade. Sobre o
aumento da criminalidade, o juiz não entrou no mérito da discussão mas
não deixou de colocar que favelas e aglomerados não são simples redutos
de criminosos, mas lugar de gente trabalhadora e idônea.
688
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
taca que o Direito não pode mais ser instrumento de dominação onde a
propriedade se colocava como o centro do sistema jurídico. A finalidade
do ordenamento é a vida com dignidade e liberdade, e não é possível a
concretização desses direitos humanos na miséria.
A propriedade é também contraposta ao direito de moradia e ao prin-
cípio da dignidade humana, que seriam violados caso a Judiciário deter-
minasse a reintegração de posse da comunidade.
Contra a criminalização dos movimentos sociais, que também cola-
bora entre os argumentos contrários às ocupações, os moradores das
ocupações e seus apoiadores reiteraram os princípios políticos do direito
de resistência, da participação nas cidades, da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado.
Estratégias subsidiárias à fundamentação jurídica foram também utili-
zadas como instrumento de pressão política. Nota-se a importância dada à
visibilidade da comunidade na imprensa, a articulação com outros movi-
mentos sociais, a pressão junto ao poder público por meio de Audiências
Públicas, a articulação com as Universidades na realização de projetos
comunitários, grandes marchas de mais de 20 Km da comunidade até o
centro de Belo Horizonte e ações diretas como ocupações temporárias
de espaços públicos como praças, sedes de secretarias e, até mesmo, o
gabinete do prefeito na Prefeitura de Belo Horizonte.
As mobilizações também ocorreram em torno de demandas por direitos
fundamentais na ocupação, como é o caso da falta de água. Uma comissão
da Comunidade Dandara reuniu-se com a COPASA a fim de tratar sobre
o fornecimento de água para a comunidade. (fl.167). Na época, não havia
sido firmado o Termo de Ajuste de Conduta entre a Prefeitura o Governo de
Minas e o Ministério Público que proíbe o fornecimento de água e energia
elétrica para as ocupações urbanas “irregulares”.
689
4.3.3 O mapeamento sociojurídico: o direito a moradia e a função
social da propriedade sob a ótica dos moradores da Dandara
690
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5 CONCLUSÕES
691
proporções é, em grande medida, definido no âmbito do Poder Judiciário.
A construção de uma imagem positiva e a visibilização da comunidade
Dandara foram essenciais para criar poder de dissuasão, aumentando o
custo político do despejo da comunidade.
Conforme o relato dos entrevistados, Dandara contribuiu muito para a
emancipação dos moradores, pois nela aprenderam que possuem direitos
e que estes devem ser exigidos do poder público. Assim, a moradia na
Dandara não significa só uma casa; é uma comunidade; é a construção
de uma grande família; é aprender a andar de cabeça erguida; é aprender
a lutar pelos direitos; construir sonhos, planejar a cidade, decidir juntos.
Um valor muito superior ao de cada uma das casas da comunidade.
É muito marcante na comunidade a idéia de que os próprios moradores
constroem o direito que precisam, a partir da luta.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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694
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
695
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. SEGREGAÇÃO SOCIESPACIAL E
DESIGUALDADE NA PRODUÇÃO DO
ESPAÇO URBANO NO BRASIL
697
lizam, sob um processo dialético no qual se incluem “as coisas naturais
e artificiais, a herança social e a sociedade em seu movimento atual.” 4
Diante disso, o espaço passa a ser definido em sua dimensão relacional
porque mais do que servir como arena para uma série de relações sociais,
ele próprio encontra-se imbricado em dialética relação que envolve os
processos sociais e o ordenamento territorial. É essa relação que impede
a análise monolítica do espaço – afeita à estabilidade e limitação fixa de
fronteiras – e a realoca na perspectiva de movimento e fluidez, própria da
dinâmica de conflitos da produção social. 5
Os processos de ordenação do espaço e disputa territoriais, sob tal
viés de análise, deixam de se apresentar como o resultado de ações na-
turalizadas para assumirem o caráter de “resultado de lutas políticas e
de decisões políticas tomadas no contexto de condições tecnológicas e
político-econômicas determinadas”. 6
Nas cidades brasileiras, este conjunto de idéias assume especial cen-
tralidade na medida em que fornece as ferramentas teóricas necessárias
à investigação da mais importante das manifestações espacial-urbanas
em nossa sociedade, qual seja a desigual distribuição socioespacial.7
Segundo afirma Villaça, “nenhum aspecto do espaço urbano brasileiro
poderá ser jamais explicado/compreendido se não forem consideradas
as especificidades da segregação social e econômica que caracteriza nos-
sas metrópoles, cidades grandes e médias. 8 O desafio de compreender a
segregação urbana no Brasil está, portanto, em situar a dimensão físico-
-espacial como resultado da desigual distribuição da riqueza socialmente
produzida, considerando-se os seus reflexos na produção de precária situ-
ação habitacional descrita sob as tipologias de assentamentos irregulares
ou ocupações informais. 9
A ausência de universalidade no acesso a terra urbanizada e ao mer-
cado formal habitacional no Brasil, apresentam-se como características de
um processo de urbanização que não realizou a socialização dos meios de
consumo coletivo para reprodução mínima da vida concreta dos cidadãos
- como educação, saúde, cultura, transporte e, principalmente, moradia.10
698
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
699
acerca do lugar do conflito da vida social, que influenciam decisivamente
na forma como serão analisadas e problematizadas tais manifestações.
A primeira delas, denominada “visão normativa” compreende o conflito
como uma disfunção social, ou seja, enquanto desequilibrio sistêmico na
organização da sociedade. Nesta perspectiva, em um sistema social ade-
quadamente regulado os conflitos não existiriam ou ocupariam dimensão
secundária e de diminuta relevância em relação às questões fundamentais
e estruturantes do sistema.15
A outra concepção diz respeito à noção de que a capacidade de ge-
ração e reprodução de conflitos é diretamente proporcional aos traços
de pujância e dinamicidade de determinada sociedade. Isso significa que
antes de representar qualquer distorção indesejável na estabilidade social
“os conflitos constituem dinâmicas, processos e sujeitos sociais que via-
bilizam e operam o permanente aperfeiçoamento do sistema ou, mesmo,
em algumas visões, sua superação – através de reformas ou revoluções”.16
Diante dissso, os conflitos que versam sobre os antagonismos per-
tinentes à (re) produção das cidades cumprem o papel de confrontar o
consenso na formação do pacto entre citadinos, denunciando os diferen-
tes conjuntos de interesses e a desigualdade na fruição dos benefícios no
espaço urbano. A rejeição da legitimidade e pertinências destas ações
coletivas de enfrentamento nas cidades ampara-se, segundo Vainer, em
certas correntes intelectuais e políticas que podem ser agrupadas em três
grandes campos: i) “utopia da sociedade/cidade harmônica”; ii) “utopia da
sociedade/cidade silenciada” e iii) “utopia da sociedade/cidade negocial”.
A “utopia da sociedade/cidade harmônica” traduz-se na projeção
utópica caracterizada pelo igualitarismo social e pela ausência de con-
flituosidade. Em tal argumentação, a obtenção do igualitarismo ou ho-
mogeneização dos indivíduos na cidade encerraria qualquer dimensão
conflituosa em torno do espaço urbano.17 Na “utopia da sociedade/cidade
silenciada” por sua vez, os conflitos são extintos por meio da violência
do poder. Trata-se da busca pela aniquilação do dissenso como elemento
central de articulação do poder, vigindo tanto em ordenamentos sociais
700
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
“Será com suas participações nas lutas pela terra e pela mo-
radia, que essas populações se transformam em sujeitos que
lutam por direitos e em atores politicamente ativos nas redes em
movimento. É nessa condição que realizam a passagem atópica
dos aglomerados de exclusão para o sonho utópico dos novos
territórios-zona (assentamentos e lugares fixos de moradia) e
com o sentimento de pertencimento e reconhecimento como
cidadão e sujeito coletivo nos territórios-rede (…).”21
701
A tipologia dos conflitos urbanos é vasta e abrange diferentes
objetos, formas de manifestação e agentes sociais envolvidos. A he-
terogeneidade também está presente nas formas de manifestação que
abrangem denúncias em meios de comunicação; atos políticos em
espaços públicos; ocupação de prédios ou terrenos, confrontos com
as forças de segurança; abaixo-assinados; representações elaboradas
coletivamente e destinadas ao Poder Público ou, ainda, demandas ar-
ticuladas sob a forma de ações judiciais. 22
702
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
703
a justificativa das competições as cidades-sede têm realizado uma série
de intervenções e grandes projetos urbanos que resultam em violações de
direitos humanos e na remoção forçada de milhares de pessoas. 30
Em todas as situações, o mínimo comum reside no desrespeito à segu-
rança legal da posse e na supremacia de interesses privados com a con-
centração da terra urbanizada, como um obstáculo de difícil tranposição
para garantia de direitos fundamentais. Resta evidente a desconformidade
entre as respostas oferecidas pelo Poder Público, estas situações conflitu-
osas, e os instrumentos disponíveis para tal finalidade.
704
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
705
buscando matizar as raízes privatistas fundadas no individualismo patri-
monialista e redimensionar sua aplicação à satisfação das necessidades
de sujeitos concretos.
Conforme esclarece José Antônio Peres Gediel essa corrente doutriná-
ria corresponde a um viés crítico às relações clássicas do direito privado
que conformam o modelo jurídico hegemônico, sob a fundamentação da
“valorização radical do ser humano concreto, socialmente inserido com
suas diferenças, mas dotado de dignidade essencial que o identifica com o
destino de toda a humanidade”.33 Este retorno às raízes antropocêntricas
do direito, como afirma Luiz Edson Fachin, deverá servir não para reafir-
mar os postulados individualistas oitocentistas, mas para romper com as
noções de neutralidade e tecnicismo, vocacionando o direito definitiva-
mente a serviço da vida. 34
No caso específico de análise deste trabalho, esta nova perspectiva
fundada na “constitucionalização” das relações interprivadas e “reper-
sonalização” das relações jurídicas incide diretamente sobre esfera das
titularidades, propugnando a incorporação do conteúdo da função social
como substantivo do direito de propriedade.35 Decorre daí, a defesa de
que nos casos concretos de conflitos fundiários, em não havendo com-
provada função social do imóvel em lítigio, perder-se-ia a justificativa de
titularidade por aquele que a detivesse.
É o que afirma Gustavo Tepedino:
706
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
707
en el objeto que se pone frente al individuo particular como
mercancia o como capital.43
708
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
709
das fontes pesquisadas versavam sobre a comprovação do cumprimento
da função social do imóvel em litígio. Ao passo que 47% das decisões
fundamentavam-se apenas na comprovação do esbulho possessório ou
na regularidade formal do título de propriedade.46
No que diz respeito aos princípios constitucionais atendidos na decisão
os dados igualmente informam a prevalência da tutela de direitos patrimo-
niais em detrimento da salvaguarda do direito à moradia e da dignidade
da pessoa humana. Nesse sentido, do universo de processos analisados
no Tribunal de Justiça do Paraná e no Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, apenas 4,29% invocou a relização do direito social fundamental
à moradia, em contraponto dos quais 52% fundamentaram-se na defesa
da segurança patrimonial da parte proprietária. Ademais, a função social
da propriedade não foi sequer citada como componente do fundamento
das medidas liminares nas ações urbanas. 47
Ainda que de forma preliminar, este cenário permite indicar a falta
de permeabilidade dos conflitos fudiários urbanos, em sua integralidade,
diante do Poder Judiciário. A manutenção do instituto clássico da proprie-
dade privada como núcleo decisório nas disputas pela terra, e o silêncio
jurisdicional acerca das dimensões coletivas e da repercussão social que
envolvem o tema, confirmam a parca aplicabilidade dos instrumentos
jurídicos dedicados à tutela do direito à moradia.
Os dados apresentados trazem à tona o problema da racionalidade pela
qual vem sendo pautada a intervenção jurisdicional em casos de conflitos
fundiários urbanos. Permite ainda sugerir que o comportamento típico
desempenhado pelo Poder Judiciário nestes casos atua como um fator de
reforço à segregação socioespacial urbana, com repercussões decisivas
no aprofundamento das desigualdades espaciais no Brasil. O desafio
contemporâneo está na melhor elucidação dos mecanismos pelos quais
a seletividade das decisões jurisdicionais tem operado, compreendendo
a reconstrução da trajetória de mobilização de determinados institutos
jurídicos; o contexto de sua aplicação, e os possíveis (des) caminhos no
olhar dispensado contemporaneamente aos confrontos coletivos sobre
os territórios das cidades.
710
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
711
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VAINER, Carlos “Visão do Movimento Social, da Universidade e do Governo
Federal sobre a Prevenção e Mediação dos Conflitos Urbanos.”
VILLACA, Flávio. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estud. av., São
Paulo, v. 25, n. 71, Apr. 2011.
NOTAS
1 Mestre e Doutoranda em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná. Professora de Direito
Civil e Direito à Cidade na Graduação e Pós-Graduação. Sócia-cooperada da Ambiens Sociedade Cooperativa.
Email: giovanna.milano@gmail.com
2 VILLACA, Flávio. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estud. av., São Paulo, v. 25, n. 71, Apr.
2 011.p. 37.
3 Idem.
4 SANTOS, Milton. Território e Sociedade — entrevista com Milton Santos. 2ª ed. 4ª reimpressão. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2009.p. 26.
712
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5 Ibidem. p. 54.
6 HARVEY, David. Espaços de Esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2009. p. 108.
7 VILLACA, Flávio. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estud. av., São Paulo, v. 25, n. 71, Apr.
2011. p. 37.
8 A utilização dos termos é controversa mesmo na doutrina especializada sobre o assunto. Neste trabalho
utilizamos os termos assentamentos irregulares ou ocupações informais com o objetivo de abarcar o maior
número de situações de precariedade habitacional que compreendam situações de informalidade jurídica,
urbanística, dentre outras. O termo assentamentos irregulares é empregado neste sentido pelo jurista Nelson
Saule Junior, que com ele faz alusão à formações socioespaciais identificadas com assentamentos informais,
favelas e cortiços.
9 O autor define a segregação urbana “como a forma de exclusão social e de dominação que tem uma di-
mensão espacial”. VILLACA, Flávio. São Paulo: segregação urbana e desigualdade. Estud. av., São Paulo,
v. 25, n. 71, Apr. 2011. p. 37-41. Já para Peter Marcuse, segregação corresponde ao “processo pelo qual um
grupo populacional é forçado, involutariamente, a se aglomerar em uma área espacial deinida, em um gueto.
É o processo de formação e manutenção de um gueto”. Cf. MARCUSE, Peter. Enclaves, sim; guetos, não: A
segregação e o Estado. In Espaços & Debates – Revista de Estudos Regionais e Urbanos. v.24, n.45.
São Paulo: Núcleo de Estudos Estudos Regionais e Urbanos, 2004. p.24
10 SANTOS, Boaventura de Souza. O Estado, o direito e a questão urbana. In FALCÃO, Joaquim de Arruda.
(org.) Invasões urbanas: conflito de direito de propriedade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. p.37
11 MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias- Planejamento urbnao no Brasil. In: A
cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Otília Arantes;Carlos Vainer; Ermínia Maricato
– Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. p. 154-155
12 RIBEIRO, Ana Clara Torres. Dimensiones culturales de la ilegalidad. In Espacios urbanos no con-sentidos:
legalidade e ilegalidade em la producción de ciudad. Colombia y Brasil. Medellín, Colombia: Universidad
Nacional de Colombia, 2005.p. 30
13 RIBEIRO, Ana Clara Torres. Dimensiones culturales de la ilegalidad. In Espacios urbanos no con-sentidos:
legalidade e ilegalidade em la producción de ciudad. Colombia y Brasil. Medellín, Colombia: Universidad
Nacional de Colombia, 2005.p. 30
14 Esta definição foi elaborada pelo Observatório Permanente de Conflitos Urbanos, vinculado ao Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Acesso disponível em http://
www.observaconflitos.ippur.ufrj.br.
15 VAINER, Carlos “Visão do Movimento Social, da Universidade e do Governo Federal sobre a Pre-
venção e Mediação dos Conflitos Urbanos.” In. Palestra proferida no Seminário Nacional Prevenção e
Mediação de Conflitos Fundiarios Urbanos. Ministério das Cidades: 2007. p.1.
16 Ibidem. p. 2
17 Ibidem. p. 4
18 Idem.
19 VAINER, Carlos “Visão do Movimento Social, da Universidade e do Governo Federal sobre a Pre-
venção e Mediação dos Conflitos Urbanos.” In. Palestra proferida no Seminário Nacional Prevenção e
Mediação de Conflitos Fundiarios Urbanos. Ministério das Cidades: 2007. p.5.
20 SCHERER-WARREN, Ilse. Estado e Lutas sociais: participação e conflito na produção do espaço.In
Ambiens Sociedade Cooperativa (org.) Estado e lutas sociais: intervenções e disputas no território. Curitiba,
Kairós, 2010.p. 260.
21 Idem.
22 VAINER, Carlos “Visão do Movimento Social, da Universidade e do Governo Federal sobre a Pre-
venção e Mediação dos Conflitos Urbanos.” In. Palestra proferida no Seminário Nacional Prevenção e
Mediação de Conflitos Fundiarios Urbanos. Ministério das Cidades: 2007. p.5.
23 A elaboração do conceito de conflitos fundiários urbanos é apresentada pela Resolução Recomendada
n.º87, de 8 de dezembro de 2009. Trata-se de documento em vigência, aprovado pelo Conselho Nacional das
Cidades e recomendado ao Ministério das Cidades.
24 O Conselho Nacional das Cidades foi criado em 2004 e possui natureza deliberativa e consultiva, integrando
a estrutura do Ministério das Cidades. Possui como maior finalidade o monitoramento e a propositura de dire-
trizes para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano – PNDU .Atualmente o ConCidades é composto por
86 titulares, dentre os quais 49 membros pertencentes à sociedade civil e 37 representantes do poder público
(federal, estadual e municipal).
25 Segundo esclarece Nelson Saule Junior o “direito à moradia no direito interncional dos direitos humanos
tem como fonte originária a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, apesar de não ter valor jurídico,
contém um núcleo de direitos da pessoa humana, que foram incorporados nos tratados internacionais de
direitos humanos. A moradia é reconhecida como uma necessidade básica da pessoa humana, com base na
concepção da Declaração Universal dos Direitos Humanos sobre o direito a um padrão de vida adequado.”Cf.
713
SAULE JUNIOR, Nelson.A proteção juridica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor,2004. p.89. Desde a Declaração Universal, muitos instrumentos de proteção in-
ternacional de direitos humanos dedicaram-se ao tema, dos quais se pode mencionar: Pacto Iternacional dos
Direitos Econônomicos, Sociais e Culturais (1966); Pacto Internacional dos Direitos Civis e Politicos (1966);
Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação Racial (1965); Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança (1989); Convenção Internacional de Proteção dos Direitos de Todos
os Trabalhadores Migrantes e Membros de Sua Família (1977); Convenção Internacional Sobre o Estatuto
dos Refugiados (1951). Em âmbito nacional, é preciso mencionar a Constituição Federal, que pioneiramente
dedicou capítulo específico à Política Urbana; o Estatuto da Cidade (Lei n.º10.257/2001); a Lei n.º 11.977/2009,
que versa sobre a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, além de outras
legislações esparsas que complementam o quadro legal urbanístico brasileiro.
26 Segundo informações fornecidas pelo Ministério das Cidades o registro de conflitos fundiários urbanos
cresceu em 200% desde o ano de 2009. Cf. Jornal Estado São Paulo (2012). “Denúncias de conflitos fundiários
cresceram 200% em três anos no Brasil”, 14 de março. A ausência de diagnóstico específico sobre o assunto,
entretanto, faz com que os números não conduzam a conclusões sobre a totalidade e a territorialidade estas
ocorrências, nem tampouco permitam comparações definitivas em relação a outros períodos históricos.
27 A este respeito, é possível citar o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV – instituído pela Lei n.º11.977,
de 7 de julho de 2009.
28 ROLNIK, Raquel. (2012). “Conflitos por moradia estão aumentando no Brasil”. Le Monde Diplomatique
Brasil, 6 de fevereiro.
29 ROLNIK, Raquel. (2012). “Conflitos por moradia estão aumentando no Brasil”. Le Monde Diplomatique
Brasil, 6 de fevereiro.
30 Conforme estimativas apresentadas no Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa “Me-
gaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, cerca de 170 mil pessoas encontravam-se ameaçadas
de despejo em função dos megaeventos esportivos. “Via de regra são comunidades localizadas em regiões
cujos imóveis passaram, ao longo do tempo, por processos de valorização tornando-se objeto da cobiça dos
que fazem da especulação com a valorização imobiliária a fonte de fabulosos lucros. Evidentemente, os mo-
tivos alegados para remoção forçada são outros: favorecer a mobilidade urbana, preservar as populações em
questões de risco ambientais e,mesmo, a melhoria de suas condições de vida, ainda que a sua revelia e contra
sua vontade.” Cf. Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa “Megaeventos e Violações
de Direitos Humanos no Brasil”. p.18.
31 Cf. Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos, estabelecida na Resolução
n.º87, de 8 de dezembro de 2009 do Conselho Nacional das Cidades.
32 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais
e a construção do novo modelo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,2011.p. 407
33 GEDIEL, José Antônio Peres. Memorial apresentado ao Concurso Público para a Classe de Professor Titular
de Direito Civil, do Departamento de Direito Civil e Processual Civil, do Setor de Ciências Jurídicas, da Univer-
sidade Federal do Paraná — UFPR. Texto inédito. p. 61. Para um maior aprofundamento nas reflexões que vem
sendo elaboradas sob a perspectiva do direito civil-constitucional, consultar: PIERLINGIERI, Pietro. Perfis do
direito civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
34 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 18.
35 FACHIN, Luiz Edson. “Homens e mulheres do chão levantados.” In questões do direito civil contem-
porâneo. Rio de Janeiro: Renovar,2008.p. 56.
36 TEPEDINO, Gustavo; SCHEREIBER, Anderson.O Papel do Poder Judiciário na Efetivação da Função Social da
Propriedade. In STROZAKE, Juvelino José. (org.). questões agrárias. Julgados, comentários e pareceres.
São Paulo: Editora Método, 2002. p.40.
37 FACHIN, Luiz Edson. “Homens e mulheres do chão levantados.” In questões do direito civil contem-
porâneo. Rio de Janeiro: Renovar,2008.p. 65.
38 FACHIN, Luiz Edson.Função social da posse e a propriedade contemporânea (uma perspectiva da
usucapião imobiliária rural). Porto Alegre: Fabris, 1988.p. 21. Para um maior aprofundamento sobre o tema da
autonomia da posse e sua função social, consultar: GIL, Antonio Hernández. La función social de la posesión
(Ensayo de teorización sociológico-jurídica). Madrid: Alianza Editorial, 1969.
39 ALFONSIN. Jacques Távora. O acesso à terra como conteudo de direitos humanos fundamentais à
alimentação e à moradia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.p 115
40 Ibidem.p. 116
41 STAUT JUNIOR, Sérgio. Cuidados Metodológicos no Estudo da história do Direito de Propriedade.
Revista da Faculdade de Direito da UFPR, América do Sul, 42 2006. p. 162.
42 BARCELLONA, Pietro. El individualismo proprietário. Madrid: Editorial Trotta, 1996. p. 48. Livre tra-
dução da autora.
43 Tradução livre. Afirma o autor: “À abstração da propriedade corresponde a abstração do sujeito, e só isto
714
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
torna possível a transformação do individualismo possessivo originário em uma forma geral de organização
da sociedade: a sociedade dos proprietários livres e iguais, Também aqui reconhecemos um paradoxo da
constituição da modernidade, que só a subjetividade jurídica abstrata consegue mediar:a propriedade identi-
ficada como um componente do individualismo, como o proprium da vocação possessiva, se transforma em
potencia alienada e coagulada que se põe a frente do indivíduo particular como mercadoria ou como capital.”
BARCELLONA, Pietro. El individualismo proprietário. Madrid: Editorial Trotta, 1996. p. 48.
44 A pesquisa citada foi realizada no âmbito do “Projeto Pensando o Direito” (Convocação 02/2009), desen-
volvido pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria com o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Entitulada “Conflitos coletivos sobre a posse e a propriedade
de bens imóveis”, a investigação foi conduzida pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
sob a coordenação acadêmica dos professores da Faculdade de Direito - Nelson Saule Júnior, Daniela Libório e
Arlete Inês Aurelli. Para conclusão dos trabalhos, houve a colaboração de outras entidades da sociedade civil
que participaram da coleta e análise dos dados, quais sejam: Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos –
COHRE; Pólis Instituto de Estudos Formação e Assessoria em Políticas Sociais e Organização Terra de Direitos.
45 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Direito. Sumário executivo – Relatório de pes-
quisa “Conflitos coletivos sobre a posse e a propriedade de bens imóveis” . Série Pensando o direito.
nº7/2009. – versão publicação. Brasília: Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, 2009. p. 38
46 Ibidem. p. 66-67.
47 Ibidem. p. 67
715
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Estado, Direito e
a política urbana
1. INTRODUÇÃO
717
2. O ESTADO COMO CONSOLIDAÇÃO DA DOMINAÇÃO
718
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
719
mediação, por excelência, entre o político e o econômico nas formações
sociais capitalistas” (1984: 17).
A separação formal existente entre o Estado/Político e o Estado/Direito
é uma relação social, objeto de contradições e lutas sociais, ou seja, são
passíveis de pressões e, consequentemente, transformações nos mo-
mentos de acionamento dos mecanismos de dispersão das contradições,
modificando a intensidade da dominação e legitimação do Estado, bem
como, alterando os limites estruturais impostos sobre a ação do próprio
Estado no processo de acumulação e pelas relações sociais geradas.
O político e o econômico adquirem um novo conceito, através da seara
jurídica, e se transformam numa ordem universal, igualitária e livre, atra-
vés da qual, é produzido o espaço ideológico que o Estado atua, de forma
descompromissada, nos instrumentos de reprodução das relações sociais
de produção. Dinamismo, flexibilidade e complexidade da práxis jurídica
nas formações sociais capitalista faz do direito a instância privilegiada de
mediação entre o político e o econômico.
720
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
721
O entendimento de justiça como um direito socialmente garantido a
todos foi absorvido pelo Estado e pelo aparato dogmático do Direito. É “a
instituição social que nas sociedades contemporâneas tem a pretensão
de concretizar o justo” (FALCÃO, 1984:80).
Falcão (1984)4 explica sobre a aplicação do direito positivo estatal ser
o caminho para a pratica da justiça social.
O Direito é fenômeno influenciado pela luta política entre diferentes
classes sociais, ou seja, também, está sujeito ao desenvolvimento das
relações de produção existente em determinado momento histórico. É
moldado pela correlação de forças de uma sociedade. Toda legislação traz
pensamentos e ideologias determinadas pela luta de classes, ou seja, o
Direito estatal é fruto das relações sociais de produção capitalista, impos-
tas pela correlação de forças existentes, incorporando os pensamentos
reivindicações dos grupos dominantes, tais como se verifica no conceito
de propriedade, disciplinado pela legislação civil brasileira de 1916 e a
atual codificação de 2002.
Oliveira5 tece considerações sobre o assunto, apontando a perspectiva
que alguns doutrinadores adotam
Boaventura Santos (1984) aponta para a crescente fragmentação da
própria práxis jurídica estatal, ou seja, diversos são os modos de juridicida-
de inerentes ao Direito vigente, e quanto maior for essa diversidade, mais
importantes serão as ações sociais e políticas decorrentes da opção entre
estratégias jurídicas alternativas por parte das classes e grupos sociais em
luta. É essa crescente fragmentação da práxis jurídica estatal que propicia
a ação de dispersão dos conflitos por parte Estado capitalista.
722
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
723
destinadas a manter sob controle as tensões sociais dele decorrentes.
“No caso específico do equacionamento e solução da questão fundiária
urbana e do problema da habitação popular, quer-se resolver o problema
da habitação sem resolver a crucial questão institucional da propriedade
da terra” (PESSOA, 1984:189).
Na verdade, o crescimento das cidades brasileiras tem acompanhado
a um grande processo de exclusão social, determinando as alternativas à
população pobre para suprir o problema de moradia, criando e formando
assentamentos a margem da ação do Estado, tais como as favelas, total-
mente, carentes de infra-estrutura e serviços públicos básicos.
A ação do Estado capitalista na estrutura urbana visa dirimir ou mediar
os conflitos existentes, suavizando a situação de exclusão, mantendo o
processo de acumulação e de produção social dominante, deixando o
conflito para um momento posterior, ou, até mesmo para uma área di-
ferente da cidade. O objetivo não consiste em resolver o problema, mas
deixá-lo em níveis toleráveis com as exigências necessárias ao modo de
acumulação capitalista em determinado momento histórico. Utilizando-
-se para este fim, os mecanismos de dispersão disponíveis, neste caso
através da política urbana.
No entanto, em que pese o tom pessimista do texto exposto, os meca-
nismos de dispersão das contradições emergentes das relações sociais de
produção capitalista acionados no domínio fundiário urbano e habitacional
são expressões da luta de classes, ou melhor, dizendo, a política urbana
implementada pelo Estado capitalista, também, está sujeita às pressões dos
movimentos sociais, ligados às camadas da sociedade não vinculadas ao
capital. Muitas vezes, os direitos perseguidos pelas classes dominadas são
reconhecidos e torna-se parte integrante do Estado, tais como na ocasião
da aprovação da legislação federal conhecida como Estatuto da Cidade e,
em nível municipal, da promulgação da Lei do Prezeis, ambas as legisla-
ções, fruto das lutas dos movimentos sociais, ligados a questão urbana.
Nos últimos anos, a estratégia da legitimação política tem mudado no
Brasil com a retomada da democracia, repercutindo no direito público,
724
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
725
Recentemente, Fernandes (2001) afirmou que três paradigmas têm
orientado a análise jurídica dos processos de urbanização, integrantes
da política urbana desenvolvida, que expressa enfoques conflitantes no
tocante aos direitos de propriedade. São os determinados pelo Código Civil;
os do Direito Administrativo, bem como o enfoque mais amplo adotado
pelos estudos sócio-jurídicos.
No entanto, o paradigma dominante ainda é o proposto pelo Código
Civil. O tratamento liberal e individualista dado pelo Código Civil à questão
dos direitos de propriedade tem orientado a maioria das decisões judiciais
e coloca obstáculos para as tentativas de ação do Estado no controle do
uso, ocupação e desenvolvimento da terra urbana.
Foi em grande medida por causa dessa visão dominante que o processo
de urbanização brasileiro foi basicamente conduzido por interesses priva-
dos e, na maioria das vezes, solucionava apenas um aspecto do problema,
utilizando o direito como único caminho existente, dispersando o conflito.
“O Estado ao aplicar, criar ou mudar a lei com o escopo de solucionar um
conflito de solo urbano, está ao mesmo tempo dispersando e criando novas
contradições porque apenas administra o problema temporariamente”.
(MOURA, 1985:78).
Todavia, já é possível verificar o desenvolvimento do tema da política
urbana em diversas legislações. É mais evidente na Constituição Federal
de 1988 e na regulamentação dos seus artigos 182 e 183, através da pro-
mulgação da Lei Federal nº 10.257/01, o chamado Estatuto das Cidades,
bem como no Código Civil Pátrio.
A política urbana pela primeira vez foi tratada em âmbito constitu-
cional pela Constituição Federal de 1988. Isto decorreu do processo de
urbanização acelerado por qual passou o Brasil. Não restam dúvidas que
foi tendo em vista os problemas decorrentes da urbanização desordenada
que o constituinte originário de 1988 trouxe ao viés constitucional alguns
meios de compatibilizar o conceito de propriedade do Código Civil, que
permite o usar, gozar e usufruir da propriedade quase ilimitadamente, às
novas necessidades pragmáticas.
726
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A Constituição Federal de 1988 dispôs nos seus artigos 182 e 183 sobre
importantes instrumentos jurídicos e urbanísticos que podem ser aplicados
para fins de organização e ordenamento das cidades, tais como: o plano
diretor, parcelamento ou edificação compulsória, imposto sobre a pro-
priedade territorial urbana, desapropriação para fins de reforma urbana.
Instituíram, também, a usucapião urbana e a concessão especial para fins
de moradia como instrumentos específicos de regularização fundiária.
Atribuiu ao Município à competência preponderante para dispor sobre
a política e a legislação urbana, condicionando o exercício do direito de
propriedade urbana ao cumprimento da sua função social.
A função social da propriedade deverá ser o princípio norteador para
estabelecimento da política urbana, e o Município, com base na legislação
e, em especial através do plano diretor, o principal responsável pela for-
mulação, implementação e avaliação permanentes da sua política urbana,
visando garantir para os cidadãos o direito à cidade e a justa distribuição
dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização.
A Constituição Federal apresenta, também, os princípios da moralidade,
legalidade, impessoalidade que devem nortear a atuação e a decisão do
administrador, devendo ser considerados no momento da escolha dos
instrumentos para política urbana.
Visualiza-se através do princípio da legalidade como o direito relaciona-
-se ao desenvolvimento da política urbana em geral, estando intrínseco a
praticamente todo o tipo de ação, como afirma Bacelar Filho8.
A instituição da usucapião urbana e da concessão de uso para fins de
moradia conferiu uma oportunidade essencial para a promoção da regu-
larização fundiária de áreas urbanas ocupadas por população de baixa
renda. A Constituição, no seu artigo 183, reconhece o direito ao domínio
de quem possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, desde que não
seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
A regulamentação dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal
727
através da promulgação do Estatuto das Cidades traz um novo impulso
para compreensão do potencial teórico e prático do capítulo referente à
política urbana, instrumentalizando a luta das classes menos favorecidas,
e, também, tornando mais fácil a mediação dos conflitos, promovida pelo
Estado, dentro dos limites estruturais atuais necessários a manutenção
do processo de acumulação capitalista.
O Estatuto da Cidade define princípios e objetivos, diretrizes de ação e
instrumentos de gestão urbana a ser utilizado principalmente pelo Poder
Público municipal e determinou que a política urbana tem por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da
propriedade urbana.
Dispõe ainda sobre os instrumentos jurídicos, urbanísticos e tribu-
tários que podem garantir eficácia ao Plano Diretor e ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
Enumera instrumentos da política de desenvolvimento urbano, como o
parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios, o imposto sobre
a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo, a de-
sapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, o usucapião
especial coletivo, o direito de superfície, o direito de preempção, a outorga
onerosa do direito de construir, as operações urbanas consorciadas e a
transferência do direito de construir.
Essa nova legislação trouxe a possibilidade de modificar entendimentos
conservadores em relação ao direito de propriedade e imprimir mudanças
no sentido do cumprimento do preceito constitucional da função social
da propriedade, pois, o Município, ao dispor de poderosos instrumentos
jurídicos, urbanísticos e tributários, poderá certamente contribuir para
minimizar os graves problemas urbanos das cidades brasileiras, regulari-
zando grande parte do seu solo e beneficiando milhares de famílias com
o acesso à moradia regularizada.
Os novos instrumentos do Estatuto da Cidade vêm viabilizar o tra-
tamento especial das áreas ocupadas por população de baixa renda,
reconhecendo o direito de permanência dos moradores que ali estão, e
728
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
729
Participativos. Entre estes, destacou-se: 1) A retomada das Discussões
físico-territoriais no âmbito do Planejamento Municipal; 2) A Participa-
ção no Processo de Elaboração dos Planos Diretores; 3) Incorporação da
questão ambiental; 4) O Reconhecimento da Conservação de Imóveis de
Preservação Histórico e Cultural; 5) A criação de espaços institucionais
para acompanhamento da implementação dos planos.
No âmbito da legislação municipal do Recife a política urbana foi
expressa pela Lei Orgânica, promulgada em 1990, e ainda em vigor, ao
determinar que seja instituída e implementada pelo Município de acordo
com as diretrizes gerais fixadas nas legislações federal e estadual, com o
objetivo de organizar, ordenar e dinamizar as funções sociais da Cidade
e da propriedade urbana.
A lei orgânica recepcionou diversos instrumentos jurídicos contidos
no Estatuto da Cidade, descrevendo-os como instrumentos da política
urbana desenvolvida pelo Município, tais como: plano diretor, legislação
de parcelamento, ocupação e uso do solo, de edificações e de posturas, o
plano de regularização das zonas especiais de interesse social - PREZEIS,
a concessão do direito real de uso, a desapropriação por interesse social,
necessidade ou utilidade pública e o usucapião urbano.
A Lei Orgânica disciplinou que o plano diretor será instrumento de
ordenamento da ação do Município para promoção do desenvolvimento
do sistema produtivo com a devida integração das parcelas marginaliza-
das da população, objetivando uma justa redistribuição de renda e dos
recursos públicos; da participação e controle social nas ações da munici-
palidade e o amplo acesso da população à informação, no que se refere a
planejamento, programas, projetos e orçamento municipal; da definição
da configuração urbanística da cidade, orientando a produção e uso do
espaço urbano, tendo em vista a função social da propriedade.
Verifica-se que essa legislação municipal busca garantir uma maior par-
ticipação da população nas decisões políticas, referentes ao ordenamento
espacial da cidade. No entanto, deixa essas ações políticas às vontades
discricionária do executivo, ou seja, o Estado, caracterizado como o Muni-
730
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
731
pela Lei n º 16.113 de 1995. A instituição desta legislação incorporou rei-
vindicações dos movimentos sociais ligados à luta pela terra urbanizada
e pela moradia.
A Lei do PREZEIS, instituída pelo poder municipal do Recife, no seu
capítulo III regulamenta e disciplina como deve ser efetuada a regulari-
zação urbanística das ZEIS, colocando no seu bojo regras sobre: planos
urbanísticos, tamanhos de lote, reserva de solo virgem, sistema viário,
desmembramento e remembramento de lotes e etc.
O Capítulo V disciplina o sistema de gestão do programa, instituindo
as suas instâncias, atribuições, papeis e competências, garantindo um
espaço importante de discussão e planejamento das ações do PREZEIS.
Já no Capítulo IV ficou expresso como deve ser realizada a regularização
fundiária. Para tanto, o art. 20, da Lei do PREZEIS, autoriza o Município a
utilizar os instrumentos jurídicos necessários, preferencialmente a CDRU
– Concessão de Direito Real de Uso. No seu parágrafo 1º, proíbe o instituto
da doação dos bens públicos situados nas ZEIS e o parágrafo 2º expressa
que o Município prestará assessoria em ações de usucapião para fins de
regularização fundiária.
5. Considerações Finais
Neste artigo foi analisado a mediação de conflitos por parte do estado,
realizada através da ação na política urbana brasileira e, mais precisamente
na cidade do Recife.
A mediação dos conflitos é, por sua vez, concebida como parte da
política desenvolvida pelo estado para dispersão dos conflitos sociais,
causados pelas contradições do próprio estado capitalista, inerentes ao
processo de acumulação do capital.
Para realização desta análise da mediação dos conflitos, através da
política urbana, partiu-se da caracterização do Estado e do Direito, relacio-
nando seus conceitos, traçando um quadro evolutivo, identificando como
as escolhas do estado, construídas através do direito, são fomentadas
como resultado da luta de classes, influenciados, não exclusivamente,
pela vertente dominante.
732
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
733
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
Livros e Artigos
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Legislações
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DECRETO-LEI n. º 271/1967
ESTATUTO DA CIDADE – Lei Federal n. º 10.257/2001.
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LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DO RECIFE. 1990.
LEI DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - Lei Municipal n. º 16.176/1996
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PLANO DIRETOR DO RECIFE - Lei Municipal n. º 17.511/2008.
NOTAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
compete resolver. É com base nesta concepção que o Estado capitalista assume a questão urbana e a enfrenta
com um conjunto de medidas e acções a que dá o nome global de política urbana”.
7 “A crise de legitimidade do regime aumenta a probabilidade de uma baixa eficácia da legalidade estatal, o
que por sua vez abre espaços para o surgimento de manifestações normativas não-estatais. Sendo de notar
que estas manifestações não são necessariamente contra o regime... Muitas vezes elas são buscadas pelo
próprio governo enquanto válvulas de escape capazes de viabilizar a posição hegemônica do direito estatal”.
8 “o princípio da legalidade, impõe à Administração Pública obediência à lei formal como norte de atuação e
limite da garantia ao cidadão. No cumprimento de suas funções, o agente público não tem liberdade ou vontade
pessoal. A imperatividade das leis não obriga somente ao particular, mas, antes de tudo, a própria Administração
ao constituir-lhes poderes-deveres, indisponíveis e irrenunciáveis”. (In LIMA, 2002:146).
737
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
739
de Conflitos Fundiários Urbanos. Na seqüência analisam-se as caracterís-
ticas da mediação então proposta, objetivando estabelecer reflexões que
possam contribuir para uma crítica científica deste método. Finalmente,
são apresentadas as considerações finais e a bibliografia que contribuiu
na construção deste trabalho.
740
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
741
se deu por meio de conflitos violentos, caracterizando uma verdadeira
luta de classes, na America Latina a colonização já se estabelece sob o
paradigma da ruptura entre trabalhadores e meios de produção. Por con-
seqüência, “O Estado assume, na maioria das formações sociais latino-
-americanas, papel de diluidor e catalisador dos conflitos”.5
Assim, penetração do capital monopolista no Brasil da década de 50
passou a impor ao Estado a missão de proporcionar a infra-estrutura ur-
bana. Neste contexto, a formação das áreas metropolitanas é marcada por
uma série de “contradições sociais e políticas”: demandas por “serviços de
infra-estrutura (água, esgotos, asfaltamento de ruas, iluminação privada e
pública etc)”; por um sistema de transporte coletivo rápido e eficiente, “pois
a expansão urbana pelo crescimento da periferia não foi acompanhada
de uma intervenção, por parte do Estado, destinadas a atender as novas
circunstâncias”; por um “sistema educacional em todos os níveis, pois a
modernização econômica impôs expectativas novas à mão-de-obra”; pela
necessidade de “serviços ligados à sobrevivência propriamente dita (postos
de saúde, maternidade, hospitais e pronto-socorros etc)” e por “equipa-
mentos sociais e culturais (creches, parques infantis, bibliotecas, centros
de recreação, locais de prática esportivas, áreas verdes etc)”.6
O conflito social assume esta nova roupagem, o espaço urbano
brasileiro materializa-se como expressão desta estrutura econômica e
sua conseqüente manifestação social – o Estado é posto no centro das
relações produtivas.
742
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
743
mais do que nunca para demarcar os lugares de cada um, e as classes
dominantes intensificaram ainda mais sua presença na máquina do Estado,
para garantir os novos espaços de alta valorização [...]”.10
Fica evidenciado, desta forma, que a “segregação urbana” revela-se
como uma característica fundamental para a compreensão da estrutu-
ra espacial das metrópoles brasileiras. Villaça define segregação como
“processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem
a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos
de bairros da metrópole”. Deste modo, a segregação tem como fator
determinante a maior concentração, em uma específica região, de uma
determinada classe em relação às demais. Na metrópole brasileira, o
mais predominante padrão de segregação é o do centro versus periferia.
“O primeiro, dotado da maioria dos serviços urbanos, públicos e privados,
é ocupado pelas classes de mais alta renda. A segunda, subequipada e
longínqua, é ocupada predominantemente pelos excluídos”.11 No mesmo
sentido argumenta Alves ao expor o que denomina de cidades paralelas:
744
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
745
equipamentos urbanos e sua função de mediador das relações de classe.
Todavia, a atuação do Estado neste processo não é linear, mas fortemen-
te marcada pela dicotomia de interesses diversos. Gohn explica que “o
processo de urbanização desenvolve-se de forma caótica, a mediação do
Estado é contraditória, pois tem que atender às classes dominantes e às
pressões das dominadas”.16
746
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
747
ciais à Justiça e o Conselho das Cidades, tendo como pauta a atuação do
Judiciário em conflitos relativos aos deslocamentos e despejos de grande
impacto social. Propôs ainda a composição de um grupo de trabalho com
a missão de mapear os conflitos relativos a deslocamentos e despejos no
país e identificar as tipologias do problema sugerindo soluções estruturais.
O grupo de trabalho indicado na resolução não foi prontamente ins-
tituído em razão da falta de regulamentação quanto sua composição e
coordenação, sendo então editada a Resolução Administrativa nº 01, de 31
de agosto de 2006, do Conselho das Cidades. Esta determinou a retomada
do trabalho do grupo, agora denominado de Grupo de Trabalho de Conflitos
Fundiários Urbanos, coordenado pelas Secretarias Nacionais de Habitação
e Programas Urbanos e composto por representantes de movimentos
populares. Contava também com a participação de representantes do Mi-
nistério da Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Procuradoria
Federal dos Direitos do Cidadão e Relatoria Nacional do Direito Humano
à Moradia Adequada e Terra Urbana.
Posteriormente, verificou-se que a problemática dos conflitos fundiá-
rios extrapolava as competências do Ministério das Cidades, sendo então
editada a Resolução Recomendada nº 24, de 06 de dezembro de 2006, que
aconselhava a criação de Comissão Interministerial para o desenvolvimen-
to de ações coordenadas na área de prevenção e mediação de conflitos
fundiários urbanos. A presente comissão foi composta pelo Ministério das
Cidades, Ministério da Justiça, Secretaria Especial de Direitos Humanos,
Ministério do Meio Ambiente, Secretariado Patrimônio da União e Caixa
Econômica Federal e, na qualidade de convidados, contava-se com o
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça e o Ministério Pú-
blico Federal.
Neste contexto, o Grupo de Trabalho composto a partir da Resolução
Administrativa nº 01/ 2006, do Conselho das Cidades, em 2006, apontou
para necessidade de se estabelecer uma Política Nacional de Prevenção e
Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos, sendo apresentada uma proposta
preliminar para ser objeto de debate no Seminário Nacional de Prevenção
748
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
749
Brasil (Curitiba-PR, Goiânia-GO, Recife-PE, Rio de Janeiro-RJ e Belém-PA).
Preliminarmente, a presente Resolução estabelece três conceitos
fundamentais que determinam o objeto e o âmbito de incidência de suas
diretrizes. Tratam-se das concepções de conflito fundiário urbano, da pre-
venção de conflitos fundiários urbanos e da mediação de conflito fundiário
urbano. Assim, o art. 3º define:
750
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
751
Ao abordar a questão da mediação dos conflitos, preocupa-se, primor-
dialmente, com a promoção de diálogos entre as partes afetadas, institui-
ções e órgão públicos das três esferas da federação, bem como entidades
da sociedade civil vinculadas ao tema, com objetivo precípuo de alcançar
soluções pacíficas, garantido o direito à moradia e impedindo a violação
dos direitos humanos (art. 8º, I, “a”).
Deste modo, uma vez traçado um panorama quanto aos princípios
e diretrizes da Política Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos
Fundiários Urbanos recomendados pelo Ministério das Cidades, cumpre-
-se analisar qual o perfil de mediação proposta nesta política, como o
método então indicado é desenhado em seus contornos gerais e até
que ponto estas recomendações poderão contribuir para uma melhor
abordagem dos conflitos fundiários urbanos, vistos, agora, por uma
perspectiva não adversarial.
752
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
753
de baixa renda ou grupos sociais vulneráveis, de outro, proprietários ou
empreendedores públicos ou privados. Ainda, permeando este conflito e
oscilando em suas polaridades têm-se o Poder Judiciário, o Ministério Públi-
co, organizações não governamentais, associações de bairros etc. Assim,
questões se levantam: quem irá protagonizar o papel do terceiro? Quem
será o mediador responsável por ouvir os opostos, conferir-lhe significado
e construir a via comum de transformação deste conflito? Ainda por outra
perspectiva, como se define a mediação de conflitos fundiários urbanos?
Segundo a já citada Resolução Recomendada nº 87, do Conselho das
Cidades, esta se caracteriza por um “processo envolvendo as partes afe-
tadas pelo conflito, instituições e órgão públicos e entidades da sociedade
civil vinculados ao tema, que busca a garantia do direito à moradia digna
e adequada e impeça a violação dos direitos humanos” (art. 3º, I).
O termo “mediação”, bem como a própria denominação “mediador”,
devem ser analisados com cautela. Six adverte para o uso indiscriminado
ou inadvertido do termo, lançando luzes quanto aos problemas decorren-
tes de sua pluralidade semântica. Ora, os termos recebem empregos para
elementos da vida cotidiana, ora apresentam carga científica ou política.
754
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
755
Ainda, Six apresenta uma perspectiva otimista quanto ao desenvolvi-
mento dos mediadores institucionais, reconhecendo uma tendência destes
a se tornarem mais “justos” e “equitativos”, desempenhando um verdadeiro
papel de interlocutor entre as partes. Assim, explica que com freqüência
756
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
757
instituições acadêmicas e de pesquisa que detenham notório
conhecimento sobre a matéria envolvida no litígio.33
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
759
amplas que estas. Ela representa um instrumento de política demo-
crática, vez que inclui os indivíduos marginalizados, os conscientiza e
os responsabiliza pela prevenção e transformação dos conflitos, me-
diante a construção de “soluções” dialogadas, intensificando assim a
solidariedade social, representando em última análise, um importante
instrumento de cidadania.
BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
1 Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina e Doutorando em Direito Urba-
nístico pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de Prática Processual Civil e Prática em
Processo Administrativo da Universidade Estadual de Maringá.
2 THEODORO, Suzi Huff. Mediação de conflitos socioambientais. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 53.
3 BORJA, J. Movimientos Sociales Urbanos. Buenos Aires: Nueva Vision, 1975, p. 42 apud GOHN, Maria da
Glória. Reivindicações Populares Urbanas. São Paulo: Cortez, 1982.
4 GOHN, Maria da Glória. Reivindicações Populares Urbanas. São Paulo: Cortez, 1982, p. 17.
5 Ibid., p. 19.
6 MOISÉS, José Álvaro; MARTINEZ-ALIER, Verena. A Revolta dos Suburbanos ou “Patrão, o Trem Atra-
sou”, in José Álvaro Moisés et al. (eds.), Contradições Urbanas e Movimentos Sociais. São Paulo: CEDEC,
Paz e Terra, 1977, p. 46-47.
7 OLIVEIRA, Francisco. Acumulação Monopolista, Estado e Urbanização: A Nova qualidade do Con-
flito de Classes, in José Álvaro Moisés et al. (eds.), Contradições Urbanas e Movimentos Sociais. São
Paulo: CEDEC, Paz e Terra, 1977, p. 75.
8 FERREIRA, João Sette Whitaker. A Cidade para Poucos: breve história da propriedade urbana no Bra-
sil, in Anais do Simpósio “Interfaces das representações urbanas em tempos de globalização”, UNESP Bauru
e SESC Bauru, 21-26 ago. 2005. Disponível em: http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/j_whitaker/
propurbcred.doc. Acesso em 17.06.2013, pp. 7-8.
9 Ibid., p. 8.
10 Ibid., p. 9.
11 VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel: FAPESP: Lincoln Institute,
2001, pp. 142 e143.
12 ALVES, Heloisa Greco. Mediação: um outro olhar sobre os conflitos urbanos. Disponível em: http://
conferencias.iscte.pt/viewpaper.php?id=50&print=1&cf=3, acesso em 23.05.2013, p. 3.
13 CAFRUNE, Marcelo E. Mediação de conflitos fundiários: do debate teórico à construção política.
In: Revista da Faculdade de Direito UniRitter, 2010, p. 199.
14 Ibid., p. 203.
15 CEAF/MP/PR. Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos. Disponível em: http://www.
ceaf.mp.pr.gov.br/arquivos/File/apres2409daniel.pdf, acesso em: 19.06.2003.
16 GOHN, op. Cit. P. 27.
17 Neste sentido pode-se mencionar: o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNH3) (editado pelo governo
federal por meio do Decreto n. 7.037/2009, posteriormente modificado pelo Decreto n. 7.177/2010) que prevê
no Eixo Orientador IV, diretriz 17, Objetivo estratégico III a “Utilização de modelos alternativos de solução de
conflitos; a Constituição Federal, em especial os seguintes dispositivos: art. 6º que prevê a moradia como direito
fundamental; inciso xI do art. 5º, segundo o qual a casa é um asilo inviolável do indivíduo; inciso LV do art.
5º, que assegura a garantia do devido processo legal; inciso xxIII do art. 5º e arts. 182 e 183 que expressam a
garantia da função social da propriedade urbana e o art. 182 que estabelece a função social da cidade; o Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (adotado pela Resolução n. 2.200-A (xxI) da Assembléia
Geral das Nações Unidas e ratificado pelo Brasil) que reconhece o direito de todos a um adequado nível de
vida para si e sua família, incluindo alimentação apropriada, vestuário e moradia, e a contínua melhora das
condições de vida; o Comentário Geral nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização
761
das Nações Unidas sobre o direito à moradia adequada, que aponta os elementos de tal moradia e, dentre eles,
especifica a segurança na posse; o Comentário Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
da Organização das Nações Unidas sobre o direito à moradia adequada e despejos forçados, que esclarece o
conceito de despejos forçados e enuncia procedimentos para proteção das pessoas afetadas por despejos; a Lei
nº 10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade, responsável por estabelecer diretrizes relativas à Política
Urbana, Plano Diretor e Gestão Democrática da Cidade; o Projeto de Lei nº 4.827/1998 que institucionaliza e
disciplina a mediação de prevenção e solução consensual de conflitos (em trâmite perante a Câmara Federal) e
o Projeto de Lei nº 166/2010 – Novo Código de Processo Civil – que dedica uma seção específica para disciplinar
a mediação e a conciliação (art. 134 e seguintes).
18 SAULE JR., Nelson; DI SARNO, Daniela C. L.; AURELLI, Arlete Inês (org.). Conflitos coletivos sobre a
posse e a propriedade de bens imóveis. Série Pensando o Direito n. 7/2009, p. 37.
19 CAFRUNE, op. Cit. P. 207.
20 FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, pp. 203-232.
21 ALVES, op. Cit. P. 3.
22 SIx, Jean-François. Dinâmica da Mediação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 171.
23 Ibid.
24 Ibid., pp. 4-5.
25 Ibid., p. 7.
26 Ibid., p. 24.
27 Ibid., p. 2.
28 Ibid., p. 29.
29 Ibid., p. 43.
30 Ibid., p. 32.
31 ALVES, op. Cit. P. 4.
32 SIx, op. Cit. PP. 34-35.
33 SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de Conflitos Coletivos: a aplicação dos meios consensuais
à solução de controvérsias que envolvem políticas públicas de concretização de direitos funda-
mentais. Belo Horizonte: Forum, 2012, p. 123.
34 SIx, op. Cit. P. 35.
35 Ibid., p. 35.
762
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O direito à moradia no
capitalismo periférico: análise
do caso da Comunidade Vinhais
Velho – São Luís/MA
Mariana Rodrigues Viana1
Ruan Didier Bruzaca2
INTRODUÇÃO
763
irregulares, ausência de estrutura, o que se presencia de forma incisiva
na Grande São Luís.
764
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
765
dominante e profunda crise de legitimidade, abre espaço para
os movimentos sociais de marginalizados e despossuídos – os
“sem-teto” e os “sem-terra” – que, sem acesso à Justiça oficial
(via de regra lenta e onerosa), utilizam-se de práticas jurídicas
paralelas e alternativas consideradas “ilegais”.
766
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
767
urbano. Neste sentido, a proliferação de bairros marginais nos países de
terceiro mundo constitui uma característica do processo de reprodução
do operário industrial e do exército de reserva no capitalismo periférico –
tais bairros representam ocupações ilegais de terrenos privados, marcado
pela ilegalidade de suas construções e edificações17.
Esta ilegalidade pode ser considerada funcional. Para o legislativo, por
contribuir para o contexto institucional corrupto e influenciado por interes-
ses particulares. Para o mercado, pela manutenção de mão-de-obra barata,
assim como para a especulação imobiliária. Não obstante, é disfuncional
do ponto de vista coletivo, pois prejudica a sustentabilidade ambiental,
as relações democráticas e a qualidade de vida urbana18.
Ademais, Maricato19 destaca:
768
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
769
contato em razão de projetos de pesquisas e extenção: no município de
São Luís, as comunidades de Vinhais Velho e Novo Angelim; no município
de Paço do Lumiar, as comunidades, Eugênio Pereira, Menino Gabriel,
Renascer e o Loteamento Todos os Santos.
Diante da similitude entre os conflitos existentes, dar-se-á destaque
ao caso de Vinhais Velho, no município de São Luís. Como se pretende
destacar, trata-se de uma realidade marcada pela insegurança jurídica e
interferência das atividades econômicas e estatais em desfavor da popu-
lação local atingida – e consequentemente à consagração e garantia do
direito à moradia.
Vinhais Velho representa uma comunidade presente nas proximidades
do bairro do Recanto dos Vinhais, no município de São Luís. Em torno desta
localidade, projetou-se o empreendimento da Via Expressa, realizado pelo
governo do Maranhão, que interligará a Avenida Carlos Cunha às avenidas
Jerônimo de Albuquerque e Daniel de La Touche, sob a justificativa de
melhorar o tráfego e o deslocamento da população.
Mota23 apresenta que a comunidade de Vinhais Velho passou pelos
vários momentos da história das Américas, desde o Brasil colônia até a
atualidade. Inicialmente, foi uma terra de indígenas, até que os grupos
pertencentes à nação Tupinanbá foram conquistados pelos franceses.
Posteriormente, o território integrou-se ao território dos portugueses,
passando pela construção da Aldeia da Doutrina e posterior Vila do Vi-
nhais, em 1757.
Constata-se que durante todo o século xIx consolidou-se o processo de
expulsão das populações nativas e ocupação das terras por fazendeiros.
Em Vinhais Velho, poucas famílias descendentes da nação Tupinambá
resistiram em torno da capela de São João Batista, construída desde a
colonização portuguesa24.
Na atualidade, a localidade marcou-se pelo isolamento, posterior
especulacao imobiliária, observando a construção de diversos conjuntos
habitacionais e condomínios, mas “preservou a cultura tradicional, seja
na memória dos anciãos como nas práticas de seus moradores”25.
770
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
771
No processo de desapropriação, justificado pelo interesse público, as
casas das famílias atingidas chegam a ser avaliadas por valores próximos
a 30 mil reais. Diz respeito a residências simples, mas com reservas de
mata nativa e nascentes de águas. Além disto, o valor oferecido impossi-
bilita a compra de moradia na localidade, por ser uma área valorizada29.
Em consequência, na medida em que as famílias são desalojadas, as
mesmas são levadas a ocupar áreas marginais e periféricas da cidade,
aprofundando problemas urbanísticos em relação à irregularidade das
condições de moradia.
Em resumo, as demandas envolvem o despejo da população local, a
degradação do meio ambiente e do patrimônio histórico, o deslocamento
para as periferias e consequentes ocupações irregulares do solo urbano.
Deste modo, observa-se a inefetividade de garantias fundamentais como o
direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Por conta desta situação, ingressou-se com ação judicial (Processo nº
0003100-90.2012.8.10.0000) com o intuito de suspender as obras da Via
Expressa. No entanto, em primeiro grau, postergou-se a análise da liminar
para depois da contestação dos réus, o que levou o Ministério Público Es-
tadual a ingressar com recurso (Agravo de Instrumento nº 19.517/2012),
deferindo-se a liminar e suspendendo as obras.
Trata-se de verdadeira insegurança e imprevisibilidade da atuação do
poder judiciário – de um lado atua em favor das investidas de particulares
e do poder público e, por outro, de forma sensível aos direitos da popu-
lação local. Trata-se de uma atuação paradoxal, que não leva em conta
a existência de direitos e prima por interesses ditos de interesse público
– como se a garantia à moradia digna também não fosse.
Não obstante, o recurso interposto pelo MPE foi prejudicado, pois o
juízo de primeiro grau retratou a decisão anteriormente proferida. Ademais,
existe acordo homologado pelo juiz da 8ª Vara da Justiça Federal, “no qual
as obras somente podem ser retomadas após o Estado cumprir suas obri-
gações em relação à proteção do patrimônio arqueológico ali existente”30.
772
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
773
soluções judiciais ou extrajudiciais. No entanto, nem sempre os conflitos
existentes se solucionam de forma satisfatória, o que se observa quando
se analisa as relações entre o modelo jurídico dominante, as instituições
jurídicas envolvidas e os interesses que os circundam.
Assim, o presente modelo jurídico estatal (de seu ordenamento posi-
tivo e de seu órgão de decisão) limita-se a regulamentar conflitos inte-
rindividuais/patrimoniais e não sociais de massa – não garantindo uma
regulamentação de tensões coletivas que digam respeito ao acesso à terra
e ocupações de áreas rurais e urbanas32.
Observa-se no contexto brasileiro um confronto que envolve disputa
pela posse, que se desenrola em uma estrutura agrária de privilégios
e injustiças, assentada na dominação política autoritária e clientelista,
marcada pelo capitalismo especulativo e pelo comprometimento com os
interesses das tradicionais elites agrárias33.
Ademais, destaca-se:
774
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
775
abastadas, abarcando a cidade legalizada e excluindo aqueles que resi-
dem na ilegalidade, que não usufruem de serviços públicos básicos e de
garantias quanto à moradia.
As falhas do poder judiciário podem ser vistas como uma inadequação,
não cumprindo com suas funções, tais quais garantir direitos e resolver
problemas, em razão da insuficiência na formação dos juízes e vícios
institucionais, marcada pela lentidão, formalismo, elitismo e distante da
realidade social37.
Não obstante, observa-se a presença de alguns juízes, dotados de
consciência social e responsabilidade, que assumem a liderança das
reformas, objetivando dar ao judiciário a organização necessária para
cumprir suas funções38.
Tendo em vista alguns conflitos envolvendo os movimentos sociais
urbanos, o Judiciário comporta-se das seguintes formas: a) atuação tradi-
cional em nível predominante – aplicação da legislação estatal oficial; b)
atuação inoperante em nível crescente – negociações pela via administra-
tiva e; c) atuação alternativa em nível de exceção – por relevância pública
e justiça social, o Judiciário decide em favor dos invasores, reconhecendo
direitos em face das carências e necessidades fundamentais39.
Ademais, as comunidades ameaçadas de despejo encontram-se em
estado de resistência, visando ter atendidas suas necessidades básicas e,
para tal, organizam-se e protagonizam as manifestações sociais. Isto é
notado nos espaços políticos do Capitalismo periférico, no qual surgem
tensões sociais provenientes da exclusão de satisfazer necessidades ma-
teriais, surgindo novos agentes atores de produção jurídica40.
Das resistências sociais surgem algumas respostas do poder público
e da iniciativa privada, entretanto, insuficientes, como os Termos de
Ajustamento de Conduta. No entanto, estes não garantem os direitos
reivindicados e mantêm o Estado numa posição de inércia. Assim,
Damous41 evidencia a incapacidade de o Estado proporcionar amparo
constitucional ao direito à cidade tendo em vista os problemas relacio-
nados ao direito urbanístico.
776
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
777
CONSIDERAÇÕES FINAIS
778
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
779
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NOTAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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14 DAMOUS, Wadih. Prefácio – Cidades e sustentabilidade. In:AHMED, Flávio. COUTINHO, Ronaldo. Cidades
sustentáveis no Brasil e sua tutela jurídica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. vii.
15 GALEANO, op. cit., p. 31.
16 COUTINHO, Ronaldo. Sustentabilidade e Riscos nas Cidades do Capitalismo Periférico. In: LEITE, José Rubens
Morato; FERREIRA, Heline Sivini; BORRARI, Larissa Verri (Orgs.). Estado de Direito Ambiental: Tendências.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitaria- Grupo GEN, 2010, p. 177.
17 SOUSA SANTOS, Boaventura. O discurso e o poder: ensaio sobre a sociologia da retórica jurídica. Porto
Alegra: Fabris, 1988, p. 10.
18 MARICATO, op. cit., p. 123.
19 MARICATO, op. cit., p. 147.
20 MARICATO, op. cit., p. 124.
21 O IMPARCIAL. Déficit habitacional no Maranhão é o maior do país. 2011. Disponível em: <http://
www.oimparcial.com.br/app/noticia/urbano/2011/01/27/interna_urbano,70873/index.shtm>. Acesso em
10 fev. 2012.
22 DIAS, Luiz Jorge Bezerra da Silva; NOGUEIRA JÚNIOR, João de Deus Matos. Contribuição às análises
da problemática ambiental da Ilha do Maranhão. In: Ciências humanas em Revista. São Luís, v. 3, n. 2,
dez.2005, p. 128.
23 MOTA, Antônia da Silva. Vinhais Velho Ameaçado pela Via Expressa. 2012. Disponível em: <http://
tribunalpopulardojudiciario.wordpress.com/2012/02/05/vinhais-velho-ameacado-pela-via-expressa/>.
Acesso em: 10 mai. 2012.
24 MOTA, op. cit., 2012.
25 MOTA, op. cit., 2012.
26 SODRÉ, Erika Suzana Pereira; DIAS, Luiz Jorge Bezerra da Silva. A implatação da Via Expressa e seus
impactos ambientais em São Luís (Maranhão). xVII Encontro Nacional de Geógrafos. Belo Horizonte,
jun. 2012. Disponível em: <www.eng2012.org.br/>. Acesso em: 17 out. 2012
27 CDHM – Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Ofício à presidente da Câmara Federal. 2012.
28 MOTA, op. cit., 2005.
29 MOTA, op. cit., 2005.
30 VIAS DE FATO. Movimento ocupe no Vinhais Velho. Disponível em: <http://www.viasdefato.jor.br/
index2/index.php?limitstart=162>. Acesso em 25 ago. 2012.
31 MARANHÃO. TJ-MA. Processual civil. Agravo de Instrumento. Retratação da decisão agravada pelo juiz de
primeiro grau. Perda superveniente do interesse recursal. Artigo 529 do código de processo civil. Prejudiciali-
dade reconhecida. Ag 19.517/2012. Des. Marcelo Carvalho Silva, 2012.
32 WOLKMER, op. cit., p. 105.
33 WOLKMER, op. cit., p. 106.
34 WOLKMER, op. cit., p. 107.
35 FARIAS, ROSENVALD, 2012, p. 77.
36 APPARECIDO JUNIOR, José Antonio. Meio ambiente urbano e a concessão urbanística – A proposta do
município de São Paulo. In: Revista Magister de Direito Ambiental Urbanístico. Porto Alegre: Magister,
ago-set, 2005, p. 48.
37 DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 79-80.
38 DALLARI, op. cit., p. 80.
39 WOLKMER, op. cit., p. 108-109.
40 WOLKMER, op. cit., p. 119.
41 DAMOUS, op. cit., p. vii.
42 LYRA FILHO, op. cit., p. 39.
43 FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 43.
44 WOLKMER, op. cit., p. 75.
45 FARIA, op. cit., p. 46.
781
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O inadimplemento na prestação
do direito à moradia e a legitimidade
da ocupação: o caso do Circo-Escola
em São Paulo
INTRODUÇÃO
783
Algumas decisões esparsas têm indicado a possibilidade de que o Poder
Judiciário reconheça no caso concreto a) a legitimidade da posse velha
ou b) o caráter político – e legítimo – da posse nova. Tais decisões podem
significar, de um lado, uma possível mudança de postura no reconheci-
mento do direito à moradia no Brasil, ou, de outro, a disposição de juízes
de evitar situações de despejos forçados resultantes de reintegrações de
posse com suas frequentes violações aos Direitos Humanos.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é analisar as decisões de 1° grau
exaradas no âmbito do processo judicial n. 0045635-59.2011.8.26.0053,
que tramitou na 3ª Vara de Fazenda Pública do Foro Central da Comarca
de São Paulo, tendo como requerente o Município de São Paulo, como
requeridos a Frente de Luta por Moradia e demais ocupantes da área, e
como Juiz de Direito, o magistrado Luis Fernando Camargo de Barros Vidal.
O desfecho de tal processo, no 1° grau, representa uma exceção, no
contexto brasileiro, às situações de ocupação de imóveis urbanos não
utilizados ou subutilizados, como forma de protesto ou de exercício do
direito à moradia. Destaca-se a presente decisão, não apenas por ser ex-
ceção à praxe judiciária, como também, e principalmente, por suas razões
de decidir, as quais podem estar influenciadas pela corrente teórica do
neoconstitucionalismo.
784
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
785
Para Daniel Sarmento, “as teorias neoconstitucionalistas buscam
construir novas grades teóricas (...), em substituição àquelas do positi-
vismo tradicional, consideradas incompatíveis com a nova realidade”10.
Como consequência, “a leitura clássica do princípio da separação de
poderes, que impunha limites rígidos à atuação do Poder Judiciário, cede
espaço a outras visões mais favoráveis ao ativismo judicial em defesa
dos valores constitucionais”11.
Esta nova postura acarreta, de um lado, a relativização do princípio
majoritário, apostando em concepções substantivas da democracia, em
que a proteção às minorias e aos direitos fundamentais ganha relevo e, de
outro, a abertura do ordenamento jurídico e, especialmente, do sistema
judicial, a crescente utilização de princípios jurídicos de natureza axioló-
gica. A argumentação jurídica incorpora de forma significativa os deba-
tes morais, assim, “as fronteiras entre os dois domínios [direito e moral]
torna-se muito mais porosa, na medida em que o próprio ordenamento
incorpora, no seu patamar mais elevado, princípios de justiça, e a cultura
jurídica começa a ‘levá-los a sério’”12.
Tais características vão ao encontro do aumento do protagonismo
judicial, por meio da chamada judicialização da política e do chamado
ativismo judicial. Ainda que sejam fenômenos relacionados, a primeira é
mais ampla que o segundo. A própria Constituição de 1988 – e sua com-
preensão histórica – criou as condições necessárias para o desenvolvi-
mento desses fenômenos, seja em razão da ampliação das ferramentas
de controle constitucional e do seu rol de proponentes, seja por causa do
elenco de grande rol de direitos cuja aplicabilidade passou a ser imediata.
A judicialização da política, conforme diversos estudos vêm demons-
trando tem causas internas e externas ao poder judiciário, sendo notórias
as situações em que os partidos políticos e seus integrantes, com assento
do Congresso Nacional, judicializam debates realizados em seu âmbito.
Por isso, “é praticamente impossível que alguma questão relevante seja
resolvida no âmbito parlamentar sem que os perdedores no processo
político recorram à nossa Corte Suprema, para que dê a palavra final à
786
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
787
nunciamentos, apenas àquelas questões consideradas indispensáveis
para a justificação da decisão do caso em exame. Algumas vantagens
atribuídas ao minimalismo são: a redução da dificuldade na tomada de
decisão colegiada em questões polêmicas, a capacidade de diminuir os
erros judiciais. Trata-se de um modelo que, segundo Garrido da Silva, é
cauteloso na construção de grandes teses.
Esta oposição de posturas teóricas e judiciais, especialmente no que
diz respeito à forma e à extensão da aplicabilidade das normas constitu-
cionais, é relativamente recente no Brasil, em razão de a praxe judicial
recomendar a postura minimalista aos magistrados, tradicionalmente
amparados pela lógica formal positivista de subsunção do fato à norma.
Ainda que seja provável, conforme indicado, que esta assunção de pode-
res pelo judiciário tenha como objetivo ressaltar sua importância política,
também é verdadeiro reconhecer que a esfera judicial tem buscado agir
conforme as expectativas da sociedade contemporânea de forma a ampliar
a efetividade dos direitos fundamentais.
Conforme Carlos Bernal Pulido, “os direitos fundamentais são direitos
subjetivos que possuem propriedades específicas”, tais como a validade
jurídica, seu caráter abstrato, sua generalidade17. Mas a propriedade espe-
cífica que o diferencia dos demais direitos subjetivos é seu caráter funda-
mental. Para determiná-lo, devem-se definir suas propriedades formais e
materiais. As propriedades formais referem-se à origem desses direitos em
certas fontes. Tais fontes podem estar: no capítulo de direitos fundamentais
da Constituição, na presença genérica na Constituição, no pertencimento
ao bloco de constitucionalidade, e no reconhecimento judicial.
Quanto às propriedades materiais, Pulido afirma que os direitos fun-
damentais podem ser derivados de direitos morais, ou seja, ainda que
determinado direito subjetivo não esteja formalmente previsto, ele pode
ser reconhecido como direito se decorrer de três dimensões da pessoa po-
lítica: a liberal, a democrática e aquela atinente ao Estado Social. Por isso,
considera-se como direito fundamental o direito subjetivo que “protege as
faculdades morais da pessoa liberal ou sua capacidade de discernimento,
788
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
789
ensão, interpretação e argumentação da Constituição, dos direitos funda-
mentais e dos princípios nela presentes, como também uma experiência
consolidada nos espaços judiciais enquanto ferramenta de decisão com
vistas à máxima efetivação da Constituição.
790
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
791
ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo,
inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que in-
teresse à decisão da causa”. Com o auxílio deste meio de prova, conflitos
fundiários coletivos25 poderiam ter desfechos menos violentos do que
aqueles frequentes.
Somando-se a presunção de posse ao titular do domínio, a possibilidade
de liminar inaudita altera pars e o escasso interesse de realização de provas
independentes pelos magistrados, chega-se à situação de que, em regra,
os proprietários de imóveis urbanos (ou em vias de urbanização) detidos
como ativo imobiliário, podem assumir o risco de descuidar do exercício
efetivo da posse e do cumprimento das funções sociais dela resultantes26,
uma vez que as regras civis e processuais civis como aplicadas rotineira-
mente pelo Judiciário garante-lhes segurança para tanto.
Entretanto, algumas decisões esparsas têm indicado a possibilidade
de que o Poder Judiciário reconheça no caso concreto a) a legitimidade
da posse velha ou b) o caráter político – e legítimo – da posse nova27. Tais
decisões podem significar, de um lado, uma possível mudança de pos-
tura no reconhecimento do Direito à moradia no Brasil, ou, de outro, a
disposição de juízes de evitar situações de despejos forçados resultantes
de reintegrações de posse com suas frequentes violações aos Direitos
Humanos28. Compreendidas como ativistas, essas decisões de novo tipo
procuram considerar a complexidade do caso concreto, afastando-se da
aplicação simples das regras, para buscar otimizar os princípios e direitos
fundamentais constitucionais.
Com base nas principais características do novo constitucionalis-
mo brasileiro, objetiva-se analisar os elementos presentes na decisão
interlocutória e na sentença proferidas no Processo Judicial 0045635-
59.2011.8.26.0053, que tramitou na 3ª Vara de Fazenda Pública do Foro
Central da Comarca de São Paulo, tendo como requerente o Município
de São Paulo, como requeridos a Frente de Luta por Moradia e demais
ocupantes da área, e como Juiz de Direito, o magistrado Luis Fernando
Camargo de Barros Vidal29.
792
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
793
a sugerir a necessidade de aplicar um conjunto diverso de métodos e
referências teóricas:
Tem-se aí, conforme a linguagem do direito dos direitos huma-
nos, o fenômeno da complementaridade dos direitos individuais
e sociais, a demandar largueza interpretativa e generosidade
na aplicação do direito, sempre tendo em mira a efetivação de
tais direitos e a garantia do mínimo existencial invocado pelo
Ministério Público33.
794
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
795
como Juiz de Direito, o magistrado Luis Fernando Camargo de Barros Vidal.
Para tanto, fez-se necessário avaliar as principais características
associadas ao neoconstitucionalismo, com base nas reflexões de parte
de seus principais estudiosos. Pode-se sintetizá-lo como um espectro
de correntes doutrinárias que reúne juristas em razão de sua postura
quanto à interpretação e aplicação das normas pelos magistrados e ao
papel do poder judiciário, especialmente em relação à efetividade dos
direitos fundamentais e à expansão da tutela jurisdicional. Nesse sentido,
caracteriza-se pela defesa de uma ordem jurídica marcada pela eficácia
dos direitos fundamentais, pela argumentação jurídica e pela metodologia
da ponderação.
O desfecho do processo analisado representa uma exceção, no contexto
brasileiro, às situações de ocupação de imóveis urbanos não utilizados ou
subutilizados, como forma de protesto ou de exercício do direito à mora-
dia. Destaca-se a presente decisão, não apenas por ser exceção à praxe
judiciária, como também, e principalmente, por suas razões e forma de
decidir, as quais parecem estar influenciadas pelo neoconstitucionalismo.
A sentença é significativa por indicar uma postura proativa do Poder
Judiciário em relação à efetividade material do direito social à moradia
que, como direito subjetivo fundamental, por suas propriedades formais
e materiais. Ao afastar regras tradicionalmente aplicadas em situações
semelhantes, tal decisão pode ser enquadrada como ativista, ainda que,
conforme classificação acima, não seja fruto da chamada judicialização
da política. Ao contrário, a motivação do autor, o Município de São Paulo,
é típica e tradicional.
O que mudou foi o contexto, fático e jurídico, de aplicação das re-
gras de Direito Civil e de Direito Processual Civil nos casos de conflitos
possessórios coletivos urbanos. No caso, o juiz reconheceu tratar-se de
matéria de ordem pública, de tutela a direito social fundamental, em uma
situação que o autor da ação é ele próprio devedor do direito à moradia
reivindicado pelos ocupantes do imóvel.
A constitucionalização do direito à moradia, ainda que tardia, merece
796
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
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29 A apelação tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo sob o n. 0046697-37.2011.8.26.0053.
30 SÃO PAULO. 3ª Vara de Fazenda Pública. Ação de Reintegração / Manutenção de Posse n. 0045635-
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31 Ibidem, p. 3.
32 Ibidem, p. 3.
33 SÃO PAULO. Decisão citada, 2012. p. 3.
34 Ibidem, p. 4.
35 Ibidem, p. 6-7.
36 Ibidem, p. 8.
37 SÃO PAULO. Decisão citada, 2012. p. 10.
38 Ibidem, p. 12.
800
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
801
Para tanto, procede-se à análise da atual tutela jurídica – material e
processual – da posse coletiva, do eventual desalinho da proteção ma-
terial com o sistema processual civil vigente, demonstrando, ao final,
a necessidade de reconhecimento da função social da posse coletiva e
de sua natureza transindividual para, nesse contexto, pensar em novos
modelos processuais aptos à solução dos conflitos fundiários urbanos e
à efetividade do direito fundamental à moradia.
802
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
803
O presente ensaio prossegue, assim, com algumas considerações sobre
o direito fundamental social à moradia e a tutela jurídica da posse, para
então adentrar no estudo do sistema processual de proteção possessória
vigente e a sua necessária readequação para atingimento dos fins sociais
da norma constitucional.
804
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
805
nas zonas periféricas das cidades que, na irregularidade, proliferam-se de
forma gradativa, coletiva e, como regra geral, não violenta. Multiplicam-
se, em proporções geométricas, as moradias informais, não se podendo
afirmar que a posse assim exercida seja mera “invasão” ou “esbulho” da
propriedade alheia, aproximando-se muito mais do uso legítimo da terra,
como contingência ao exercício de direitos de cidadania no intuito de
sobrevivência e alcance da função social da propriedade.
Pensemos na situação das moradias informais e das gigantescas
favelas, erigidas como consequência imediata da necessidade de pes-
soas pobres de terem uma moradia a despeito da omissão estatal na
realização de políticas públicas de urbanização e desenvolvimento
sustentável das cidades.
Abaixo, trecho da matéria divulgada no Correio Braziliense que relata
como as ocupações aconteceram na Favela Sol Nascente, em Ceilândia/
DF, área originariamente rural que desordenadamente se transformou em
local para moradia de mais de 100.000 pessoas, transformando-se numa
das maiores favelas da América Latina:
806
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
807
proteção possessória ao réu, desde que assim o requeira em sua defesa
e que produza prova de ser ele o legítimo possuidor do bem, vítima, por-
tanto, da turbação ou esbulho pelo autor da demanda14, recaindo sobre a
decisão o peso da coisa julgada.
Como requisito da petição inicial, exige-se, nos termos do art. 282/
CPC, a exata indicação e qualificação das partes, permitindo-se aferir a
sua legitimidade, ativa e passiva, para a causa.
Posto isso, não se pretende, no momento, estender em estudo mi-
nucioso das questões procedimentais acerca das ações possessórias. O
que se quis demonstrar é que até mesmo uma breve análise do modelo
processual vigente faz saltar aos olhos que a proteção possessória tem
sido conferida aos cidadãos por meio de um sistema processual criado
para tutelar jurisdicionalmente conflitos de interesses de natureza indivi-
dual, sistema processual este ainda pouco influenciado pela nova ordem
constitucional, que privilegiou a função social da propriedade e da posse
em detrimento de interesses privatísticos.
Observa-se, assim, que as ações possessórias, na forma em que regu-
ladas no Código de Processo Civil, seguem procedimentos destinados à
solução do conflito possessório que envolva interesses individuais, em que
o julgador ocupa-se em dizer qual dos litigantes é o legítimo possuidor do
bem disputado, e quem é o autor da ameaça/turbação/esbulho, ambos
tratados no processo enquanto sujeitos individuais, titulares de direitos,
ainda que haja a formação de litisconsórcio em um dos polos da relação
jurídica processual.
Falta, contudo, ao sistema processual vigente, um olhar mais atento
ao fato de que a posse, enquanto situação jurídica a ser tutelada, não
pode mais ser simplesmente resumida e tratada como simples interesse
individual. Ainda que a posse conserve essa característica, muitas situa-
ções de fato outras existem, situações em que marcante o caráter social
da posse e que os conflitos decorrentes do seu exercício atingem a toda
uma coletividade.
808
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
809
“inviável” o chamado de todos os réus para compor a lide (!), exigência
esta que inviabilizaria o próprio processo.
Nada obstante, é de se destacar que o eventual conflito decorrente de
uma ocupação da terra na forma acima descrita, fruto da única alternativa
possível à população carente de condições mínimas de moradia digna, é,
sem dúvidas, muito distante e diverso de um simples conflito decorrente de
ameaça, turbação ou esbulho individualmente praticado em face daquele
que se ache o legítimo possuidor do imóvel. Os interesses em conflito são
eminentemente de ordem social, transindividual, não havendo como ser
resolvido com meras “adaptações” de uma proteção possessória criada
com base num processo civil de cunho individualista. Tal proceder con-
figura evidente negativa de tutela jurisdicional aos ocupantes das áreas,
ao argumento de que “seria inviável” trazê-los ao processo.
Prosseguir dessa forma, fechando os olhos ao problema posto, corres-
ponde, portanto, a negar a esses cidadãos não só o direito fundamental à
moradia, mas também aquele de acesso à justiça e a uma ordem jurídica
justa, emergindo daí a necessidade de se encontrar um modelo processual
adequado à solução de conflitos urbanos dessa natureza.
810
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
811
Considerar que em ocupações urbanas a posse é exercitada material-
mente de forma certa e divisível pelos moradores informais, sem desca-
racterizar a posse coletiva fluida de toda a área por eles ocupada, nada
mais é do que afirmar essa posse como um interesse transindividual, como
um interesse de toda uma coletividade.
Afinal, como bem ensina Hugo Nigro Mazzilli25, os interesses tran-
sindividuais (interesses coletivos, em sentido lato), são os interesses
compartilhados por todo um grupo, uma coletividade, ora tocando a uma
categoria determinável de pessoas (no caso dos interesses individuais
homogêneos ou coletivos em sentido estrito), ou mesmo compartilhado
por um grupo indeterminável de indivíduos, ou de difícil ou impossível
determinação (interesses difusos).
Tratando especificamente dos interesses ligados ao urbanismo, o
autor afirma a sua natureza difusa, citando decisão proferida pelo Min.
Ari Pargendler no julgamento do REsp n.º 166.714/SP pela 3ª Turma do
Superior Tribunal de Justiça, em 21/08/2001, em que afirmado quanto
a interesses dessa natureza que “há indivisibilidade do objeto e indeter-
minação dos titulares, que não estão vinculados entre si por nenhuma
relação jurídica base, o que se amolda à definição contida no art.81,
parágrafo único, do CDC”26.
Portanto, a posse coletiva, tal qual exercida em ocupações urbanas e
moradias informais, é interesse de natureza transindividual, e os conflitos
fundiários urbanos fundados nessa situação de fato devem ser resolvidos
em processos de natureza coletiva, sob pena de negativa não só de segu-
rança jurídica na posse da terra urbana, mas do próprio acesso à justiça
aos ocupantes.
812
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
813
isto sim, que o procedimento que vem sendo adotado em muitas
ações judiciais revela ínfima consideração com a efetividade da
defesa do direito à moradia, ou seja, com a concretização prática
do discurso normativo vigente. É, por isso, um procedimento
inadequado e ilegítimo.28
814
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 CONCLUSÕES
815
de que o sistema processual civil contemporâneo acompanhe as transfor-
mações observadas nas relações sociais e já sentidas no direito material,
no intuito de que sirva efetivamente como instrumento para solução de
conflitos fundiários urbanos, fundados na posse coletiva, tal qual exercida
em ocupações urbanas e moradias informais.
O primeiro passo nesse sentido é o reconhecimento da posse não mais
apenas como interesse individual a ser tutelado pelo direito, mas também
como interesse de natureza transindividual, eis que exercida de forma co-
letiva, fluida, exigindo, de conseguinte, um processo de natureza coletiva
para a sua defesa em juízo, mesmo quando essa coletividade estiver no
polo passivo da relação jurídica material e processual.
Afasta-se, assim, a problemática situação de milhares de pessoas que se
vêem vítimas de despejos forçados, ordenados em processos de natureza
individual por meio de decisões inegavelmente ilegítimas, eis que dirigidas
a pessoas que sequer foram regularmente chamadas a compor a lide, ex-
cluindo, por completo, a defesa de seus interesses do debate processual.
Admitir as ações coletivas passivas para a defesa da posse coletiva em
juízo apresenta-se, pois, como hipótese viável para a necessária reforma
do sistema processual civil vigente, munindo-o de instrumento apto à
solução de conflitos fundiários urbanos coletivos, de modo a garantir
efetiva segurança e legitimação à posse, como meio de implementação
de políticas públicas urbanas destinadas à concretização do direito fun-
damental social à moradia.
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NOTAS
1 Mestre em Direito Negocial (na área de concentração de Processo Civil) pela Universidade Estadual de Lon-
drina – UEL, Especialista em Direito Empresarial, com ênfase em Direito Tributário, pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná – PUC/PR, Especialista em Filosofia Jurídica e Política pela Universidade Estadual de Londri-
na - UEL, Professora da Universidade Estadual de Londrina – UEL, Advogada, thaisaranda@sercomtel.com.br.
2 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil esquematizado, volume 2. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 342.
3 Esclareça-se que a menção a imóveis urbanos apenas justifica-se pelo corte metodológico traçado na realiza-
ção do presente estudo, sem excluir, contudo, a possibilidade de se estender o entendimento aos imóveis rurais.
4 BRASIL, Lei n.º 10.406/2002, Código Civil –. “Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de
fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”.
5 GIL apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil esquematizado, volume 2. São Paulo: Saraiva, 2013.
p. 345-347.
6 DIDIER JR, Fredie. A função social da propriedade e a tutela
processual da posse, disponível em http://direitosreais.files.wordpress.com/2009/03/a-funcao-social-e-
-a-tutela-da-posse-fredie-didier.pdf, acesso em 14/08/2013.
7 Em http://www.onuhabitat.org/index.php?option=com_content&view=article&id=72&Itemid=85, acesso
em 15/08/2013.
8 ALExY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionales,
1993. p. 187-188.
9 BRASIL, Constituição Federal de 1988. “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: [...]
Ix - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de sanea-
mento básico”.
10 Ibidem. “Art. 30. Compete aos Municípios: [...]
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
11 ALExY, op. cit., p. 189-194.
12 Disponível em http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2013/05/08/interna_cida-
desdf,364811/distrito-federal-esta-a-um-passo-de-ter-a-maior-favela-da-america-latina.shtml, acesso em
14/08/2013.
13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas, 8ª ed.. São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 130-131.
14 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas, 8ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2013, p. 139-140.
15 BRASIL, Lei n.º 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública. “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem
prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
[...]
VI - à ordem urbanística.
[...]
Art. 4o Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio
ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico.”
16 Ibidem. “Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público;
II - a Defensoria Pública;
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V - a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
818
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econô-
mica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.”
17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas, 8ª ed., São Paulo: Sa-
raiva, 2013, p. 158. A decisão mencionada pelo autor tem as seguintes fontes: RT, 744/172 e JTACSP, 146/96.
18 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela Jurisdicional Coletiva. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 59.
19 Ibidem, p. 59.
20 VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Tutela Jurisdicional Coletiva. 3ª Ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 59.
21 BELINETTI, Luiz Fernando. Definição de interesses difusos, coletivos em sentido estrito e indivi-
duais homogêneos. In: Estudos de direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 667.
22 Idem. Ações coletivas – um tema a ser ainda enfrentado na reforma do processo civil brasileiro –
A relação jurídica e as condições da ação nos interesses coletivos. In: REPRO 98, ano 25, abril/junho.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 667.
23 CORDEIRO, Carlos José. Usucapião especial urbano coletivo: abordagem sobre o Estatuto da Cidade.
Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 177.
24 Ibidem, p. 178.
25 MAZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio
cultural, patrimônio público e outros interesses. 26. ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 50-51.
26 Ibidem, p. 756.
27 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo.
5ª ed., rev. e ampl.. - São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 74-75.
28 ABREU, João Maurício Martins de. A moradia informal no banco dos réus: discurso normativo e prática
judicial. In: Rev. direito GV vol.7 no.2 São Paulo July/Dec. 2011, disponível em http://dx.doi.org/10.1590/
S1808-24322011000200002, acesso em 15/08/2013.
29 ABREU, João Maurício Martins de. A moradia informal no banco dos réus: discurso normativo e prática
judicial. In: Rev. direito GV vol.7 no.2 São Paulo July/Dec. 2011, disponível em http://dx.doi.org/10.1590/
S1808-24322011000200002, acesso em 15/08/2013.
30 Nesse ponto, ganha destaque na doutrina a discussão acerca da tormentosa questão de se chegar a pro-
nunciamento jurisdicional desfavorável, acobertado pela coisa julgada material, contra aquele que não esteve
presente na relação jurídica processual e quanto aos modos de execução dessa decisão.
31 ZUFELATO, Camilo. Proibição às torcidas organizadas, Estatuto do Torcedor e a ação coletiva passiva.
Disponível em http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/proibicao-as-torcidas-organizadas-estatuto-
-do-torcedor-e-a-acao-coletiva-passiva/8715, acesso em 16/08/2013.
32 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil, 1 – 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 67.
33 ABREU, João Maurício Martins de. A moradia informal no banco dos réus: discurso normativo e prática
judicial. In: Rev. direito GV vol.7 no.2 São Paulo July/Dec. 2011, disponível em http://dx.doi.org/10.1590/
S1808-24322011000200002, acesso em 15/08/2013.
819
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Regularização fundiárias em
áreas de conflito possessório
INTRODUÇÃO
821
tendo por objeto a apresentação de um caso concreto da Defensoria
Pública de Minas Gerais.
822
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
823
normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edi-
ficação, consideradas a situação socioeconômica da população
e normas ambientais.( BRASIL, 2009)
824
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
ASSENTAMENTOS INFORMAIS
E REGULARIZAÇAÕ FUNDIáRIA
825
De acordo com a interpretação da Lei 11.977/2009, haverá direito pú-
blico subjetivo à regularização fundiária de interesse social quando houver
no assentamento informal, predominantemente pessoas de baixa renda,
cuja situação jurídica se enquadre em um dos casos descritos no artigo
47, inciso VII acima mencionado, conforme sustenta Patrícia Cardoso em
monografia sobre o tema12 (CARDOSO, 2010, p.90).
O prazo da existência da posse por 5 anos coincide com o prazo fi-
xado para a caracterização da usucapião especial urbana, individual ou
coletiva, prevista no Estatuto da Cidade e também com o prazo previsto
para a Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia – CUEM – me-
dida provisória 2.220/2001, ambas regulamentadoras do artigo 183 da
Constituição Federal. Caracterizada a usucapião ou a CUEM há o direito
público subjetivo à regularização fundiária, porém, a lei13 não menciona
ser necessária a prova dos demais requisitos destes dois instrumentos
para haver direito dos moradores a um projeto global de regularização,
exigindo apenas que o assentamento exista há cinco anos e a posse seja
mansa e pacífica.
A lei permite também que a posse em área para implantação de pro-
jeto de regularização de interesse social ou ZEIS são também objetos
de regularização fundiária, sem maiores considerações sobre tempo e a
natureza da posse.
826
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
827
ção de posse. Prevê a lei 11.977/2001 terem direito público subjetivo à
regularização fundiária os assentamentos irregulares situados em zonas
especiais de interesse social (artigo 47, b). De forma isolada esse instituto
não é um instrumento de regularização fundiária, pois não proporciona a
titulação da posse, mas facilita a implementação dessa política.
O Estatuto da Cidade dispõe ser a zona especial de interesse social –
ZEIS – instrumento da política urbana (artigo 4º, V, f). A Lei 11.977/2009
define que, para fins de regularização fundiária, entende-se por Zona Espe-
cial de Interesse Social - ZEIS: parcela de área urbana instituída pelo Plano
Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente
à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de
parcelamento, uso e ocupação do solo (artigo 47, V).
O assentamento irregular ou informal ocupado por pessoas de baixa
renda, predominantemente, definido como ZEIS permite uma maior fle-
xibilização das regras de uso e ocupação do solo, facilitando os parâme-
tros urbanísticos legais de legalização da área à medida que diminui as
exigências de espaçamento entre residências, largura de vias públicas,
por exemplo. Sobre a importância de ZEIS assevera João Sette Whitaker
Ferreira (2010, p. 29):
828
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
829
da pacificação social e do direito à cidade sustentáveis preconizada no
Estatuto da Cidade.
830
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
831
real de uso ou mediante demarcação urbanística e legitimação da posse.
Ao considerar o imóvel como ZEIS, o Município atraiu para si a obri-
gação de promover políticas de regularização fundiária com o objetivo
de resolver, inclusive, o conflito de interesses em torno da posse. Se o
imóvel não estivesse localizado em área definida pelo Estatuto da Cidade
ou pela lei de uso e ocupação do solo como zona especial de interesse
social, os moradores não poderiam reivindicar direito público subjetivo
à regularização fundiária, pois, não estaria caracterizada nenhuma das
hipóteses previstas no artigo 47, VII da Lei 11977/2009 restando apenas a
discricionariedade da administração, mas ainda assim poderiam pleitear
a aplicação do artigo 1228, §4 e 5º do Código Civil20.
832
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
833
182 desse mesmo diploma que trata da política urbana, somado ainda ao
disposto no Estatuto da Cidade. Marcelo de Oliveira Milagres (2011) 23
defende que em regra a responsabilidade pelo pagamento da indenização
é dos beneficiários da desapropriação privada, porém, tratando-se de
pessoas de baixa renda é razoável que a responsabilidade recaia sobre o
Município, uma vez que a ele cabe regular a organização e distribuição do
espaço urbano, e aponta que o próprio Superior Tribunal de Justiça vem
reconhecendo a competência municipal para a regularização fundiária de
áreas ocupadas por pessoas de baixa renda.
O valor da indenização a ser fixada judicialmente em favor do pro-
prietário da terra e suportada pelo Município deve considerar o fato do
descumprimento da função social da propriedade, antes da ocupação e
a delimitação da área como Zona Especial de Interesse Social. Milagres
(2011, p. 191)24 aduz que:
CONCLUSÃO
834
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
835
O direito público subjetivo à regularização fundiária por meio do
dispositivo acima pode ser requerido pela Defensoria Pública em ação
civil pública figurando no pólo passivo o proprietário da área e o poder
público municipal.
Se a área em litígio não estiver inserida em Zona Especial de interesse
Social, ainda assim é possível a regularização fundiária, lembrando que se
não for ZEIS, não há direito público a esta, mas mera discricionariedade
do ente estatal.
A regularização fundiária é uma política urbana importante como res-
posta a uma trajetória excludente do processo de urbanização brasileira
e meio de concretização do direito humano à moradia digna. As diversas
situações jurídicas em que os assentamentos estão inseridos, como, por
exemplo, as de conflitos possessórios, devem ser interpretadas de acordo
com os princípios da função social da propriedade, da dignidade humana
e do direito à moradia.
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SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de habitação. 2ª Ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.ZAVASCKI, Teori Albino. “A Tutela da
838
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Defensora Pública em Minas Gerais, titular da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e So-
cioambientais, pós-graduada em direito urbanístico pela PUC –Minas. cleide.nepomuceno@defensoria.mg.gov.br
2 BRASIL, Lei 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a
regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21
de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11
de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001;
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 8 jul. 2009.
3 KEITÃO, Lúcia; LARCERDA, Norma. A função Urbanística da Usucapião. In: FERNANDES, Edésio e ALFONSIN,
Betânia (Org.). A Lei e a Ilegalidade na Produção do Espaço Urbano. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 59-76.
4 KEITÃO, Lúcia; LARCERDA, Norma, loc. cit.
5 FERNANDES, Edésio. Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil uma Introdução. In: FERNANDES, Edé-
sio et al (Org.). Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 11-75.
6 ALFONSIN, Betânia. O Significado do Estatuto da Cidade para os Processos de Regularização Fundiária
no Brasil. In: RONILK, Raquel et al (Org.). Regularização Fundiária de Assentamentos Informais. Belo
Horizonte: Puc Minas Virtual, 2006. p. 53-73.
7 BRASIL, Lei 10.257, de 10 de setembro de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal,
Estabelece Diretrizes Gerais da Política Urbana e dá outras Providências. Diário Oficial da União, Brasília,
11 set. de 2001.
8 ALFONSIN, Betânia, loc. cit.
9 CARVALHO, Santos Celso. Regularização Fundiária. In: DANALDI, Rosana; ROSA, Junia Santa. (Org) Ações
integradas de urbanização de assentamentos precários, 2ª ed. 2010, p. 129-160. Disponível em: http://
www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/PNUD_Curso_a_distancia_Miolo.pdf. Acesso
em 14 nov. de 2011.
10 CARDOSO, Patrícia de Menezes. Democratização do acesso à propriedade pública no Brasil: função
social e regularização fundiária. 2010. 260 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Direito do Estado - área de
concentração Direito Urbanístico) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010.
11 CARVALHO, Santos Celso. Regularização Fundiária. In: DANALDI, Rosana; ROSA, Junia Santa. (Org) Ações
integradas de urbanização de assentamentos precários. 2ª ed., 2010. p. 129-160. Disponível em: http://
www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/PNUD_Curso_a_distancia_Miolo.pdf . Acesso
em 14 de nov. de 2011.
12 CARDOSO, Patrícia de Menezes. Ibid., p. 90.
13 BRASIL. Lei nº 12.424, de 2011. Deu nova redação ao artigo 47, VII, alínea a da Lei 11.977/2009. Diário
Oficial da União. Brasília, 17 de jun. de 2011, p. 2.
14 FERNANDES, Edésio. Regularização de Assentamentos Informais: o Grande Desafio dos Municípios, da
Sociedade e dos Juristas Brasileiros. In RONILK, Raquel eT al (Org.). Regularização Fundiária de Assenta-
mentos Informais. Belo Horizonte: Puc Minas Virtual, 2006. p. 17-27.
15 SOTO, Hernando de. O mistério do capital (The mystery of capital). Tradução de Zaida Maldonado. Rio
de Janeiro: Record, 2001.
16 FERNANDES, Edésio. Legalizando o ilegal. In: BRANDÃO, Carlos Antônio Leite (Org). As cidades da cidade.
Belo Horizonte: UFMG, 2006, p.143.
17 MARCUSE, Peter. O caso contra os direitos de propriedade. In: VALENÇA, Márcio Moraes (Org). Cidade (i)
legal. Rio de Janeiro: Maudx, 2008.
18 FERREIRA. João Sette Whitaker.O processo de urbanização brasileiro e a função social da proprie-
dade urbana. ações integradas de urbanização de assentamentos precários 2010. 2a ed.. Disponível
em: http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/PNUD_Curso_a_distancia_Miolo.
pdf. Acesso em 9 de nov. de 2011.
19 CARVALHO, Santos Celso. Regularização Fundiária. In: DANALDI, Rosana; ROSA, Junia Santa. (Org) Ações
integradas de urbanização de assentamentos precários. 2ª ed. 2010, p. 129 a 160. Disponível em: http://
www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/ArquivosPDF/PNUD_Curso_a_distancia_Miolo.pdf. Acesso
em 14 de nov de 2011.
20 MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Direito à Moradia. São Paulo: Editora Atlas, 2011.
21 Nesse sentido também o Enunciado 310 da Quarta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal
839
(CFJ) “Interpreta-se extensivamente a expressão Imóvel reivindicado (artigo 1228, §4º), abrangendo pretensões
tanto no juízo petitório quanto no possessório”.
22 ZAVASCKI, Teori Albino. “A Tutela da Posse na Constituição e no Projeto do Código Civil”. In: MARTINS-
-COSTA, Judith (Org.). A Reconstrução do Direito Privado. São Paulo: RT, 2002, p.843-861
23 MILAGRES, Marcelo de Oliveira. op. Cit. p. 191
24 MILAGRES, Marcelo de Oliveira. op. Cit. p. 191
25MIRANDA, Silvio Júnior. Limites ao Direito de Propriedade e Autonomia Privada. In: SOUZA, Adriano Stanley
Rocha (Org). Estudos Avançados da Posse e dos Direitos Reais. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2010.
26 LIMA,Renata Dias de Araújo.O Princípio da Função Social da Propriedade como máscara para a legitima-
ção do controvertido instituto da desapropriação judicial. In: SOUZA, Adriano Stanley Rocha (Org). Estudos
Avançados da Posse e dos Direitos Reais. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2010.
840
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A importância da transversalidade
no estudo de impacto de vizinhança –
EIV/RIV: o exemplo de Cuiabá
INTRODUÇÃO
841
sua ausência, dificultam, na prática, a implementação dos instrumentos
urbanísticos por meio de legislação específica.
Daí a necessidade de observância das diretrizes destinadas a regular o
planejamento urbano, mesmo que tais regras não se mostrem populares,
ou de fácil aplicabilidade, ou mesmo ainda que desatendam a interesses
particulares.
Enuncia-se aqui a importância do EIV/RIV, trazendo o exemplo do
Município de Cuiabá, que desde 1999 já operacionaliza o referido instru-
mento, e institucionalmente criou a Câmara Técnica de Gestão Urbana e
Ambiental por meio da Portaria 002 de 2011, com o objetivo de analisar
todos os empreendimentos considerados como “alto impacto não se-
gregável”, na cidade, de acordo com a lei de uso e ocupação do solo em
vigor – Lei Complementar n.º 231 de 2011.
A Câmara Setorial de Gestão Urbana e Ambiental reúnem-se semanal-
mente, composto pelas diversas Secretarias do Município: Meio ambiente
e regularização fundiária, Habitação, Infraestrutura, Saneamento, Transito
e Transporte e Desenvolvimento Urbano.
Eis o objetivo deste artigo, mostrar a experiência inovadora do municí-
pio de Cuiabá que criou a Câmara Setorial de Gestão Urbana e Ambiental,
que delineia todas as diretrizes para o empreendedor, em pró da cidade
e da sociedade cuiabana.
842
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
843
Outro é o entendimento sobre a natureza jurídico para Rogério Rocco:
Por sua vez, a propriedade urbana cumpre a sua função social quan-
do atende às exigências determinadas no Plano Diretor. Assim, houve
a relativização da propriedade no meio urbano, para o florescimento
do urbanismo sustentável, com vistas à ordenação do espaço e, conse-
quentemente, para alcançar, em última análise, a qualidade de vida dos
cidadãos da cidade.
A política urbana expressa no texto constitucional e reafirmada no
Estatuto da Cidade tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, de modo a evitar a
utilização inadequada dos imóveis; a proximidade de usos incompatíveis
ou inconvenientes; o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo
ou inadequado em relação à infraestrutura urbana; a instalação de empre-
endimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores
de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente; a retenção
especulativa de imóvel urbano que resulte na sua subutilização ou não
utilização, a deterioração das áreas urbanizadas e, por fim, a poluição e
a degradação ambiental.
A função social da cidade tem como meta evitar a utilização inadequa-
da, prejudicial a toda a coletividade, por isso o Poder Público municipal
deve redirecionar os recursos e a riqueza de forma mais justa, solidária e
equitativa, combatendo as desigualdades e a exclusão social. Jorge Renato
Reis frisa que “... também, que o texto constitucional fixa o conteúdo da
função social a que deve estar adstrito o exercício dos direitos relativos
ao domínio, definindo seu conteúdo, exigindo o seu cumprimento e san-
cionando o seu descumprimento”6.
A função social da propriedade urbana veio consagrada nos artigos
844
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
845
O Poder Público não pode se eximir da responsabilidade de elaborar
o EIV quando de um empreendimento ou atividade a ser desenvolvida
também ser considerada de grande porte ou relevo, pois o exemplo deve
ser dado.
Com efeito, o artigo 36 do Estatuto da Cidade determina que a lei mu-
nicipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos
em área urbana que dependerão de elaboração EIV para obter as licenças
ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a carga do
Poder Público.
O município dessa forma ao definir essas atividades limitará o direito
de propriedade, com vistas a assegurar a qualidade de vida dos cidadãos
urbanos. Sobre o assunto leciona Lucélia Martins Soares:
846
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
847
à realização de EIV/RIV: loteamentos/parcelamentos do solo em geral;
conjuntos residenciais, incluso os condomínios urbanísticos; shopping
centers; supermercados/hipermercados; indústrias; universidades; esco-
las; centros culturais; parques públicos; sistemas de transporte; depósitos;
aterros sanitários; aeroportos; etc.
Outro aspecto que merece destaque são as medidas mitigadoras e
compensatórias decorrentes da atividade ou empreendimento, que deverão
ser custeadas pelo empreendedor.
Sobre o assunto Rogerio Rocco assegura a necessidade de clareza:
848
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
ainda assim pode ser exigido o Estudo de Impacto Ambiental, que é muito
mais abrangente”17.
A publicidade é requisito fundamental no procedimento de análise do
Estudo de Impacto de Vizinhança. Todos os atos e documentos relativos
ao Estudo de Impacto de Vizinhança devem estar disponíveis a sociedade,
para que se demonstre a lisura e transparência do procedimento junto ao
ente Municipal, bem como para demonstrar a seriedade e cientificidade
do estudo elaborado. É o que nos assegura Milaré, que os “documentos
relativos ao EIV/RV deverão ter publicidade e permanecerão disponíveis,
para consulta de qualquer interessado, no órgão competente do Poder
Público Municipal”18.
Portanto, o Estudo de Impacto de Vizinhança deve ficar disposição de
qualquer cidadão/interessado para sanar eventuais dúvidas acerca do
empreendimento ou atividade a ser realizado.
Além do mais, a obrigatoriedade da publicidade e divulgação do EIV
garante ao cidadão comum o direito de participar democraticamente desse
procedimento já que:
849
Na apresentação do EIV/RIV, o empreendedor e a equipe multidisci-
plinar esclarecem a sua concepção, salientando os impactos positivos e
negativos, bem como as medidas mitigadoras e compensatórias que serão
realizadas e custeadas pelo empreendedor.
Outro momento participativo dos diversos segmentos da sociedade
se dá pela etapa de análise do processo de aprovação do EIV/RIV pelo
conselho das cidades.
Geralmente, o Conselho das Cidades é uma instância consultiva, delibe-
rativa e também recursal. É etapa que se configura essencial no processo
de análise e aprovação do EIV/RIV, já que tem o papel de acompanhar,
propor, fiscalizar, apreciar e avaliar propostas da implementação dos
planos, programas e projetos relativos ao desenvolvimento urbano local.
O Conselho deve ser tripartite e deve ter representação de todos os
segmentos da sociedade (movimentos sociais populares, ONGs, trabalha-
dores, acadêmicos, instituições de ensino, empresários, que constituem
o segmento da sociedade civil e o segmento do Poder Publico: municipal,
estadual e federal, etc).
Esses mecanismos têm vital importância para garantir a dignidade dos
direitos da pessoa humana, bem como o respeito aos valores da democra-
cia e justiça para se conseguir a necessária transparência para a construção
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem qualquer tipo de preconceito.
850
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
851
Público que desde setembro de 2009 implantou câmara setoriais, conforme
Portaria n.º 007, a seguir transcrita:
852
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
853
Ambiental foi a grande demanda de empreendimentos e atividades que
exigem apresentação do Estudo de Impacto de Vizinhança e seu respectivo
Relatório de Impacto de Vizinhança, bem como outros empreendimentos
que requerem análise técnica das secretarias acima relacionadas.
Além do mais, o art. 3º da Lei Complementar nº 150/07 - Plano Dire-
tor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá – PDDE, dispõe que esse
diploma legal visa a proporcionar o desenvolvimento integrado e har-
monioso, o bem-estar social e a sustentabilidade de Cuiabá e da Região
do seu entorno, considerado instrumento básico, global e estratégico da
política de desenvolvimento urbano e rural, determinante para todos os
agentes públicos e privados atuantes no município, destinado também a
ampliar a oferta e melhorar a qualidade dos serviços públicos prestados
pela Municipalidade, buscando atender às aspirações das populações
urbana e rural do Município;
O Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégico de Cuiabá - PDDE,
no que se refere à análise do EIV/RIV, disciplina que deve ser feita por
equipe multidisciplinar.
A Portaria n.º 001, em seu artigo 2º destaca que a Câmara reunir-se-á
ordinariamente uma vez por semana, na terça-feira e, extraordinariamente,
quando convocada por uma das secretarias integrantes desta Câmara, sob
a coordenação do IPDU, atualmente Secretaria Municipal de Desenvolvi-
mento Urbano - SMDU.
Sempre que necessário, os membros da Câmara Técnica poderão con-
vidar outros técnicos da Prefeitura de Cuiabá ou não, para esclarecimentos
ou depoimento, que ajudem na emissão do parecer conjunto.
As decisões da Câmara Técnica serão redigidas em forma de parecer,
numeradas em ordem cronológica e assinadas por todos os membros
participantes da reunião.
A Lei Complementar n.º 231 de 2011, que trata do uso, ocupação e
urbanização do solo urbano impõe a Câmara Técnica de Gestão Urbana
e Ambiental a elaboração do termo de Referência para a elaboração do
EIV/RIV27, como também consultar determinadas Secretarias sobre a
disponibilidade de equipamentos para atendimento à população prevista
caso o empreendimento seja residencial.
854
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÃO
855
analise unilateral, o que prejudicava a quantificação das medidas miti-
gadoras e compensatórias do impacto.
REFERÊNCIAS:
856
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Estatuto da Cidade: guia de implementação pelos municípios e cidadãos. Câmara dos Deputados, Comissão
de Desenvolvimento Urbano e Interior, Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da
República, Caixa Econômica Federal e Instituto Pólis. Brasília, 2001. P. 181.
2 ROCCO, Rogério. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia do direito às cidades
sustentáveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 26.
3 SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança instrumento de garantia de qualidade
de vida dos cidadãos urbanos. São Paulo: Ed. Forum, 2007.
4 SANT’ANNA, Mariana Senna. Estudo de impacto de vizinhança instrumento de garantia de qualidade
de vida dos cidadãos urbanos. São Paulo: Ed. Forum, 2007. P. 157.
5 Idem. ROCCO, Rogério.
6 REIS, Jorge Renato. O direito de propriedade urbana na legislação brasileira. In: O mundo da cidade
e cidade no mundo: reflexões sobre o direito local. CARVALHO, Ana Luísa Soares, NERY, Cristiane da Costa
et al. (org.). Porto Alegre: IPR, 2009. P – 1-10.
7 SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 78.
8 SILVA, José Afonso apud COLLADO, Pedro Escribano. In: Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2008.
9 FELICIO, Bruna da Cunha; FOSCHINI, Regina Célia. A função social e ambiental da propriedade urbana:
contribuição do Estatuto da Cidade. In: Congresso de direito urbano-ambiental: 5 anos do estatuto da cidade:
desafios e perspectivas. SULZBACH, César Emílio; NERY, Cristiane
10 SOARES, Lucélia Martins. Estudo de Impacto de Vizinhança. In: Estatuto da Cidade. DALLARI, Adilson
de Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). São Paulo: Malheiros, 2003. P. 294.
11 Idem. SOARES, Lucélia Martins. P. 295.
12 SOARES, Lucélia Martins. Estudo de Impacto de Vizinhança. In: Estatuto da Cidade. DALLARI, Adilson
de Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). São Paulo: Malheiros, 2003. P. 300.
13 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. 6 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2009. P. 561.
14 SOARES, Lucélia Martins. Estudo de Impacto de Vizinhança. In: Estatuto da Cidade. DALLARI, Adilson
de Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). São Paulo: Malheiros, 2003. P. 300.
15 ROCCO, Rogério. Estudo de impacto de vizinhança: instrumento de garantia do direito às cidades
sustentáveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
16 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. A gestão ambiental em foco. 6 ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2009. P. 561.
17 Idem. Milaré, Édis. P. 562.
18 Idem. Milaré, Édis. P. 562.
19 Estatuto da Cidade: guia de implementação pelos municípios e cidadãos. Câmara dos Deputados, Comissão
de Desenvolvimento Urbano e Interior, Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da
República, Caixa Econômica Federal e Instituto Pólis. Brasília, 2001.
20 INÓCUA – os que não apresentam caráter de incomodidade, nela se incluindo a atividade residencial unifami-
liar, e aquelas anexas à residência, desde que não ultrapasse a 50% (cinquenta por cento) da área construída desta
21 COMPATÍVEL – os que, por seu nível impactante, porte, periculosidade, potencial poluidor e incremento da
demanda por infra-estrutura, podem e devem integrar-se à vida urbana, adequando-se a padrões comuns de
funcionamento, estabelecidos pelo Código de Posturas Municipais.
22 IMPACTANTE – os que, por seu nível impactante, porte, periculosidade, potencial poluidor e incremento
da demanda por infra-estrutura, podem integrar-se à vida urbana comum, adequando-se às exigências de
Posturas Municipais, mas que exigem padrões mínimos de infra-estrutura para sua instalação e funcionamento.
23 Com a instuição do Plano Diretor de Desenvolvimento Estratégio em 2007 o RIU passou a ser denominado
de Estudo de Impacto de Vizinhança e respectivo Relatório no municipio de Cuiabá.
24 Art. 23. Integram a subcategoria Alto Impacto Não Segregável, as seguintes Atividades e Empreendi-
mentos, por tipo de uso:
I – USO RESIDENCIAL:
857
a) Condomínios fechados horizontais ou verticais com mais de 20.000 m2 (vinte mil metros quadrados) de
área privativa total, excluindo-se vagas privativas de garagens.
II – COMERCIAL VAREJISTA:
a) Venda e revenda de veículos automotores, máquinas, equipamentos, mercadorias em geral, lojas de de-
partamentos, mercados, supermercados, hipermercados, conjuntos comerciais, shopping center com áreas
instalada superior a 10.000 m2 (dez mil metros quadrados);
b) Comércio varejista de combustíveis (Postos de abastecimento) com capacidade de estocagem superior a
60.000 (sessenta mil) litros de combustível;
c) Comércio varejista de GLP (Gás Liqüefeito de Petróleo) com armazenamento entre 520 (quinhentos e vinte)
e 1.560 (Hum mil quinhentos e sessenta) quilos de gás;
d) Comércio de fogos de artifício, com estocagem entre 5 (cinco) e 20 (vinte) quilos de produtos explosivos.
III – COMERCIAL ATACADISTA:
a) Comércio atacadista atrator e/ou usuário de veículos leves e/ou médios com área instalada superior a
10.000 m2 (dez mil metros quadrados);
b) Comércio atacadista atrator e/ou usuário de veículos leves e/ou médios e pesados com área instalada entre
5.000 m2 (cinco mil metros quadrados) e 15.000 m2 (quinze mil metros quadrados).
IV – SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO:
a) Instituições de ensino superior com mais de 750 m2 (setecentos e cinqüenta metros quadrados) de área
instalada;
V – SERVIÇOS DE SAÚDE E ASSISTêNCIA SOCIAL:
a) Policlínicas, hospitais gerais e especializados, maternidades, pronto-socorros, casas de saúde, spas e simi-
lares com mais de 100 (cem) leitos;
VI – SERVIÇOS PÚBLICOS:
a) Cadeias e albergues para reeducandos.
VII – ATIVIDADES E EMPREENDIMENTOS DE REUNIõES E AFLUêNCIA DE PÚBLICO:
a) Casas de shows e espetáculos, ginásios, estádios complexos esportivos com capacidade superior a 3.000
(três mil) lugares;
b) Centros de eventos, convenções, feiras e exposições com mais de 10.000 m2 (dez mil metros quadrados)
de área instalada;
VIII – SERVIÇOS DE TRANSPORTES E ARMAZENAMENTO:
a) Garagens e oficinas de empresas de transporte urbano e/ou interurbano de passageiros com mais de 10.000
m2 (dez mil metros quadrados) de área instalada; Gerenciamento Urbano – Uso e Ocupação do Solo Urbano
b) Centrais de cargas e empresas transportadoras de mudanças e/ou encomendas com mais de 15.000 m2
(quinze mil metros quadrados) de área instalada;
c) Garagens e oficinas de empresas transportadoras de cargas perigosas;
d) Terminais rodoviários interurbanos de passageiros;
e) Aeroportos e heliportos;
Ix – OUTROS SERVIÇOS
a) Crematórios e cemitérios verticais e horizontais;
b) Caixa forte central.
x – INDUSTRIAL:
a) Indústrias da categoria Impactante cuja Análise de Atividade definir o re-enquadramento na categoria Alto
Impacto Não Segregável;
b) Instalações industriais, inclusive da construção civil, com área instalada de 1.000 m2 (mil metros quadrados)
a 5.000 m2 (cinco mil metros quadrados);
c) Armazéns e silos para produtos agrícolas com capacidade de até 1.200 (hum mil e duzentas) toneladas.
xI – ENERGIA
a) Linhas de transmissão;
b) Subestações.
25 EDUCARBRASIL. Disponível em:<http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=70>. Acesso
em 11/09/2011.
26 CAMPOS, Luis Claudio. Políticas Públicas e Temas Transversais. Disponível em :< http://politicaspublicasbr.
wordpress.com/temas-transversais/. Acesso em 11/09/2011.
27 Art. 233. A Camara Tecnica de Gestão Urbana e Ambiental consultará a Secretaria de educação, a Se-
cretaria de Assistência Social e Desenvolvimento Humano e Secretaria de Saúde ou sucedâneas, através da
administração regional sobre a disponibilidade de equipamentos para atendimento à população prevista caso
o empreendimento seja residencial.
Art. 234. Com base nas informações fornecidas a Camara Tecnica de Gestão Urbana e Ambiental, num prazo
máximo de 30 (trinta) dias úteis, emitirá Termo de Referência para elaboração do EIV/RIV.
858
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
859
2. POLÍTICA URBANA E A DIVISÃO
DE COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS
860
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
dos problemas afins. Aos Estados também compete legislar sobre direito
urbanístico de formar suplementar e complementar à União; exercerão,
contudo, competência plena para estabelecer normas gerais não havendo
lei federal. A superveniência da lei federal suspenderá a lei estadual no
que lhe for contrária (CF art. 24, § 3º).
Fora ao Município, no entanto, que a Constituição Federal conferiu
papel essencial na efetivação das Políticas Urbanísticas, dando-lhe com-
petência legislativa de editar normas de interesse local (art. 30, I), com-
petência suplementar (art. 30, II) e competência material para executar
políticas urbanas (art. 182, caput).
3. COMPETÊNCIA MUNICIPAL
861
Municípios, mas a predominância do Interesse dos Municípios sobre o
interesse regional do Estado e do interesse geral representado pela União.
Gilmar Mendes aduz que são de interesse local as atividades (e respectiva
legislação) pertinentes a transporte coletivo, coleta de lixo, ordenação do
solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaures,
dentre outras.8
Ainda segundo entendimento de Dallari, corroborado por José Afonso
da Silva, a competência Municipal não se restringiria à suplementar as
normas gerais federais ou estaduais, pois nem todas as normas Munici-
pais sobre direito urbanístico são criadas com fundamento no art. 30, II.
O Município tem competência própria oriunda do texto constitucional. A
competência exercia pela União e pelo Estado esbarra na competência que
a Constituição reservou aos Municípios, fundada no dito interesse local.
Contudo, como bem destaca José Afonso da Silva, a atuação legislativa
municipal deve guardar os ditames, diretrizes e objetivos gerais estabe-
lecidos pela União, posto que uma norma Municipal que contrarie tais
preceitos estaria eivada de vício, invadindo competência que não lhe cabe.9
Os Municípios podem, portanto, criar novas políticas, tendo em vista o
interesse local, porém estas não podem confrontar diretrizes estabelecidas
pela União. O interesse local deve representar um interesse cuja preponde-
rância seja municipal, mas que represente também os interesses da União
e do Estado, de maneira colateral. O que a Constituição objetiva com a
divisão de competências é, em verdade, uma ação coordenadas entres os
entes federativos, sendo ilógico falar em competência municipal, interesse
local, conflitante com as demais competências (e interesses de Estado e
União). Na formula defendida por Hely Lopes Meirelles, “não há assunto de
interesse local que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional”10.
4. INSTRUMENTOS DE POLITICA
URBANA NO ESTATUTO DA CIDADE
862
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
863
aspecto do zoneamento urbanístico. Este é constituído por dois institu-
tos fundamentais: coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação,
“instrumentos básicos para definir uma distribuição equitativa e funcional
de densidades (edilícia e populacional) compatíveis com a infraestrutura e
equipamentos de cada área considerada”.14 Conforme descrito por Eros
Roberto Grau, “o coeficiente de aproveitamento expressa a relação entre a
área construída”, ou seja, a soma dos pavimentos, cobertos ou não de uma
edificação “e a área total do terreno em que a edificação se situa”. Por outro
lado, “a taxa de ocupação expressa a relação entre a área ocupada”, ou seja,
a área do solo sob a qual se assenta a construção, projeção horizontal da
área construída acima do nível do solo “e a área total do terreno”15.
José Afonso da Silva fixa o conceito de coeficiente (taxa) de ocupação
máxima como “o fator pelo qual a área do lote deve ser multiplicada para se
obter a máxima área de projeção horizontal da edificação permitida naquele
lote”16, e descreve coeficiente (taxa) de aproveitamento enquanto “fator
pelo qual a área do lote deve ser multiplicada para se obter a área total de
edificação máxima permitida nesse mesmo lote17”.
Nesse contexto, é competência Municipal estipular, através do Plano
Diretor, os coeficientes de aproveitamento básico e máximo para cada
região, considerando, sempre, critérios de oportunidade e conveniência,
tendo em vista a infraestrutura existente e o aumento da densidade de-
sejada para cada região. Para além desse coeficiente básico permitido
até atingir-se o coeficiente máximo, faz-se necessário adquirir direito de
construir mediante pagamento de uma contrapartida. A doutrina diverge
no que concerne ao modo de prestação de tal contrapartida, mas esta
questão persiste sendo pouco explorada.
Floriano de Azevedo Neto Marques defende a possibilidade de pa-
gamento da contrapartida em modalidades outras que não apenas em
dinheiro, seguindo certos limites: i) o preço não poderia exceder o valor
unitário do metro quadrado do terreno, e ii) não poderia exceder, no total,
o valor do imóvel, pois sendo o direito de construir acessório ao direito
de propriedade não poderia este exceder aquele. Márcia Walquiria Batista
864
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
865
dos impostos: “o gravame lançado sobre os favorecidos pela criação de solo
há de resultar em impostos”23. Entretanto, o posicionamento que se tornou
dominante no Brasil (a partir da década de 90) é o postulado por Eros
Grau, para o qual essas receitas não possuem características tributárias.
“Tributos são receitas que encontram sua causa em lei; daí sua definição como
receitas legais”. No caso da outorga onerosa “estamos diante de um ato de
aquisição de um direito, não compulsório”, portanto ato voluntário, no qual
a vontade da partes é o requisito principal. Desse modo “a remuneração
correspondente, pois, é contratual e não legal” 24.
Floriano de Azevedo Marques Neto defende que as receitas provenien-
tes da outorga onerosa do direito de construir são mero preço público,
haja vista a não haver compulsoriedade na aquisição do direito ao solo
criado25. Contudo, a doutrina e os tribunais têm encontrado grande difi-
culdade em definir o que é preço público e diferenciá-lo das taxas. Ricardo
Lobo Torres oferta uma conceituação, para o autor preço público é “a
prestação pecuniária, que, não sendo dever fundamental nem se vinculando
às liberdades fundamentais, é exigida sob a diretiva do principio constitucional
do benefício”. Dessa forma, conclui o autor, trata-se de “remuneração de
serviços inessenciais, com base no dispositivo constitucional que autoria a
intervenção no domínio econômico” 26.
Regis Fernandes de Oliveira, ao destacar a contratualidade típica dos
preços, esclarece que a cobrança do preço está limitado ao mercado, ou
seja, a remunerar as atividades típicas de mercado cuja recepção não é
obrigatória e o serviço não é tipicamente reservado ao poder público27.
Os autores evidenciam, assim, que o preço deve remunerar um bem
ou serviço não essencial inserido no domínio econômico, pois parece
impossível existir vontade de contratar quando o individuo está impeli-
do a negociar, seja pela essencialidade do bem, ou pela inexistência de
alternativa de mercado. Nesse sentido, Regis Fernandes de Oliveira en-
tende ser inconstitucional a cobrança de tarifa nos serviços de água, luz,
telefone, transporte, pois “são serviços prestados ao contribuinte ou postos
à sua disposição [em que] só se pode cobrar taxa. A circunstância de criar ou
866
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
867
de construir, estipulando coeficientes básicos e máximos, cujo objetivo é
remunerar a exigência de incremento da infraestrutura urbana originada
pela criação de solo para além do coeficiente básico.
Tal posicionamento é coerente com o que dispõe o Estatuto da Cidade,
que vincula os recursos arrecadados com a outorga onerosa ao incremento
da estrutura urbana. No diploma em questão ficam expressas as finalidades
auferidas com a adoção da outorga oneroso do direito de construir, bem
como da alteração de uso que serão aplicadas com as seguintes finalidades:
868
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
869
Mais adiante no texto do documento, mais precisamente na Cláusula
Sétima, consta expressamente no § 2º: “A contrapartida ao financiamento
oferecido pela União é de responsabilidade exclusiva do Tomador, e não
poderá conter recursos oriundos do Orçamento Geral da União.”
Deste modo, o acordo assinado percorreu em linhas gerais os modos
de aquisição de recursos para viabilização da Copa na cidade de Curitiba.
Dos anexos da Matriz consta, em 2010, previsão de gastos para reforma
e ampliação do Estádio Joaquim Américo (Arena da Baixada). Já neste
primeiro plano se estimava um total inicial de gastos, a cargo do Governo
Municipal, de R$ 46,6 milhões apenas com as obras nos arredores do es-
tádio. Os gastos com a reforma e adequação da Arena propriamente dita
beiravam, na estimativa inicial, 138 milhões, a cargo do Governo Federal
em parceria com o Clube Atlético Paranaense, mediante financiamento
pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES). O prazo máximo para
a conclusão do estádio seria dezembro de 2012.
Sem perder tempo, já em setembro de 2010 o Estado do Paraná, Mu-
nicípio de Curitiba e o Clube Atlético Paranaense (CAP) celebraram - com
intervenção Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
(IPPUC) - convênio específico para possibilitar no âmbito local a realização
da Copa do Mundo FIFA 2014 e Copa das Confederações 2013. O citado
convênio entre os entes público e o CAP dispõe já na Cláusula Segunda
acerca do rateio do valor total estimado para concretização da amplia-
ção e reforma do Estádio Joaquim Américo Guimarães. Dos 135 milhões
estimados para a obra, coube a cada parte o custeio de 1/3. Mais tarde, o
valor total da obra sofreu modificação, sendo alterado para 184,6 milhões,
mantido o acordo de rateio em 1/3 32.
Para concretização do investimento foi estabelecido um complexo
projeto de engenharia financeira. O Estado do Paraná, responsável
pelo aporte de recursos perante o BNDES, garantiu a capitalização de
Agência de Fomento (Agência de Fomento do Paraná S.A.) com recursos
provenientes do Fundo de Desenvolvimento Econômico do Estado. O
1/3 de responsabilidade do Estado deve ser repassado ao Município,
870
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
871
e contraiu empréstimo junto ao Fundo de Desenvolvimento do Econômico
do Estado (FDE) no montante de 46,1 milhões de reais. O valor restante
para completar sua terça parte acordada no convênio antes realizado –
16,2 milhões de reais - foi aplicado com recursos próprios.
Para este primeiro empréstimo realizado em prol do CAP pelo Estado
(46,1 milhões) – requerimento feito em 04/04/2012 - foi utilizada como
recebedora dos valores a Sociedade de Propósito Específico CAP S.A –
Arena dos Paranaenses, empresa criada especificamente para adminis-
tração dos recursos direcionados à reforma e ampliação do Estádio do
CAP. O contrato de financiamento tem como caucionante o CAP e como
anuente o Município de Curitiba. A Lei Estadual nº 16.733/2010 autorizou
o financiamento pelo FDE das obras no Estádio Joaquim Américo, e a
Resolução FDE nº 05 de maio de 2012 autorizou o repasse de 30 milhões
de reais. O financiamento está atrelado a juros anuais de 1,9%, com data
de vencimento em 05 de dezembro de 2013.
Como já dito, o que garante esses 30 milhões de reais emprestados
junto ao FDE (representado pela Agência de Fomento do Paraná S.A) são
as cotas de potencial construtivo33. Esses 30 milhões iniciais emprestados
pela CAP S.A equivalem a 60.000 cotas de potencial construtivo das 246.134
que logo farão parte do patrimônio do CAP, que como já dito, foram por
lei municipal concedidas ao Clube. O montante sobre apenas o principal,
sendo que como bem observou o Tribunal de Contas do Paraná, não existe
garantia suficiente para cobrir os encargos34. A par disso, para evidenciar,
desde já, a natureza pública integral dos recursos utilizados no estádio
do CAP, transcrevemos o item IV do Anexo I do contrato de empréstimo
realizado entre CAP S.A. e Estado do Paraná:
872
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
873
Os R$ 131.168.000,00 aportados pelo Estado do Paraná através de
sua agência de Fomento, estão condicionados à realização de Contrato
de Financiamento entre a CAP S.A e o Estado do Paraná39. Ou seja, a en-
genharia financeira arquitetada visa tão somente o repasse de recursos
por “escala” do BNDES à CAP S.A. O contrato a ser celebrado entre CAP
S.A. e o Estado do Paraná, através do FDE administrado pela Agência de
Fomento do Paraná, também já tem a minuta pronta. Da minuta é possível
depreender, novamente, qual a garantia do contrato: os títulos de potencial
construtivo emitidos pela Prefeitura40.
A situação até aqui delineada mostra exatamente os contornos tomados
para o financiamento público das obras do Estádio Joaquim Américo. Neste
sentido, vistas a fiscalizar a utilização das verbas públicas para a adequa-
ção do Estádio aos eventos em discussão, o Tribunal de Contas Estadual
requereu esclarecimentos à Prefeitura Municipal de Curitiba41. A resposta
encaminhada pode ser encontrada no Ofício nº 031/2012 – SECOPA42.
Desta maneira, o que quer a Prefeitura dar a entender é que todo o
esquema financeiro arquitetado não passa de um novíssimo instrumento
de política urbana, montado para garantir a realização dos eventos es-
portivos programados para 2013 e 2014. A intenção da citada manobra é
desvirtuar o instituto do potencial construtivo, como previsto no Estatuto
da Cidade, pois não é possível afetar a manobra às finalidades elencadas
no Estatuto, como já dito.
O TCE, aceitando a intricada interpretação de um “novo instrumento
de política urbana”, no mesmo relatório que avalia o quadro instaurado
(Relatório TCE nº 04/2012) conclui pela natureza pública dos recursos, o
que dá pouco importância à nomenclatura que vem se dando à manobra.
Da página 36 do relatório extraímos:
874
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Por assim ser, caracterizada a natureza pública dos recursos para fins
eminentemente privados, e que no futuro trarão lucros ao Clube, e não
à população, colacionamos o que diz o art. 4º do Estatuto da Cidade43.
Entretanto, não se vê é participação popular nos assuntos que tocam a
concessão de potencial construtivo ao CAP. A Comissão prevista no art.
8º da Lei Municipal 13.620/2010 apenas determina a presença de repre-
sentantes do Poder Executivo e Legislativo, deixando a sociedade civil
alheia a questões de seu primordial interesse.
6. CONCLUSÕES
875
para sediar a Copa do Mundo - FIFA 2014”. Noticia-se modernamente que
este valor fora majorado.
O que se fez, em realidade, fora utilizar o nome de um instrumento
de política urbanística expresso no Estatuto da Cidade para batizar uma
manobra de repasse de recursos públicos para uma empreitada da inicia-
tiva privada, cujas finalidades são avessas às anunciadas pelo artigo 34
do Estatuto da Cidade que delimita expressamente que o Certificado de
Potencial Adicional Construtivo (CEPAC) é exclusivo de operações urbanas
consorciadas, não sendo este o caso (nem material, nem formalmente)44.
Tais previsões normativas não impediram, conforme demonstram
experiências concretas diversas, que o uso do CEPAC fosse deturpado,
de maneira similar ao que agora ocorre com o financiamento das obras
da Arena da Baixada. Conforme descreve Márcia Walquiria Batista dos
Santos, “podemos encarar o Cepac como moeda corrente para financiar
projetos municipais, a exemplo dos títulos da dívida pública e da dívida
pública agrária, que, com o passar dos anos, se tornaram desacreditados
e pouco valor possuem no mercado financeiro”45. É o problema, portanto,
da financeirização dos instrumentos de política urbanística, que ocorre,
muitas vezes, de maneira extremamente problemática (como é o caso da
reforma do estádio do Clube Atlético Paranaense).
Já mencionamos, consonante ao entendimento do TCE-PR, que não se
trata, no caso em tela, de outorga onerosa de direito de construir, e agora
refutamos o rótulo de novo instrumento de política urbana. O que confi-
gura, portanto, tal repasse, que o TCE-PR considera um “novo instrumento
de política urbanística”? A despeito da dificuldade para se responder a tal
questionamento, definitivamente refutamos o caráter instrumental desta
medida no que concerne à política urbanística estabelecido em lei federal.
Embora as municipalidades tenham competência constitucional para criar
instrumentos novos de política urbana, estes não podem conflitar com as
diretrizes estabelecidas pela Lei nº 10.257/2001 e com a natureza jurídica
desses recursos que os vincula a determinada finalidade. Denominar de
‘instrumento novo’ o repasse de verbas públicas para uma empresa privada
dispender em uma obra particular, que resultará em acréscimo de patri-
mônio a esta mesma empresa, é uma tentativa de legitimar uma prática
876
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
877
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__________. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. rev. e atual. São Paulo, Ma-
lheiros: 2010.
878
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
879
25 NETO, Floriano de Azevedo Marques. Instrumentos de politica urbana, In:Estatuto da Cidade: Comentários
à Lei Federal n° 10.257/2001.
26 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. p.160.
27 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de direto financeiro. p. 165.
28 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. p. 46.
29 Idem. p. 44
30 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Ob. Cit. p. 68.
31 CLÁUSULA TERCEIRA – DAS RESPONSABILIDADES DOS PARTÍCIPES
III – A União oferecerá aos entes e proprietários dos estádios a possibilidade de contratar financiamento
a intervenções em Estádios e Mobilidade Urbana, nas condições estabelecidas em resolução do Conselho
Monetário Nacional, exigindo do tomador de recursos adequação e satisfação com estas e outras condições
requeridas para a assinatura do contrato de financiamento.
IV – Os Estados e Municípios deverão observar rigorosamente a legislação específica para a contratação de
operações de crédito, em especial, mas não se limitando às seguintes normas: LC 101/2000 e Resoluções do
Senado Federal nº 40/2001 e nº 43/2001. Os Estados deverão incluir as referidas operações de crédito nos
seus respectivos Programas de Reestruturação e Ajuste Fiscal.
32 Segundo consta do Relatório 04/2012 da Comissão de Fiscalização da Copa 2014 do Tribunal de Contas do
Estado do Paraná (Relatório TCE nº 04/2012), p. 8.
33 Dispõe a Cláusula Décima Quinta do Contrato de Financiamento (abertura de crédito nº 001/12) entre FDE
e CAP S.A – Arena dos Paranaenses: “Para assegurar o pagamento da obrigação decorrente deste Contrato de
Financiamento, em parcela única (montante principal e demais encargos) na data prevista na Cláusula Sexta, a
CAP S/A e o CLUBE ATLÉTICO PARANAENSE, vinculam em garantia, em favor do FDE, em caráter irrevogável
e irretratável, em caução, POTENCIAL CONSTRUTIVO de série especial emitido pelo Município de Curitiba,
previsto na Lei Municipal 13.620 de 09 de novembro de 2010, no valor equivalente a R$ 30.000.000,00 (trinta
milhões), de acordo com o exposto no Anexo I, o qual anui neste ato, com a presente vinculação”. Do anexo
I do contrato consta: II – A fim de constituir a garantia em caução, proceder-se-á ao registro junto ao Cartório
de Registro de Títulos e Documentos da Comarca de Curitiba, Paraná, ficando o MUNICÍPIO DE CURITIBA,
como DEPOSITÁRIO do Potencial Construtivo, responsável pela manutenção do registro e o consequente
bloqueio para qualquer cancelamento ou transferência do potencial sem que haja concordância formal do
FDE, representado pela FOMENTO PARANÁ”.
34 Relatório TCE nº04/2012, p. 8.
35 Contrato, p. 16.
36 Ibidem.
37 Minuta enviada ao Tribunal de Contas do Paraná após requerimento deste à Agência de Fomento do Paraná
(Oficio PRESI nº1067/2012), acessada através dos anexos do Relatório TCE nº 04/2012, página 74 e seguintes.
38 Relatório TCE nº 04/2012, p.80.
39 Cláusula Décima, item I, “c” da Minuta anexada ao Relatório nº 04/2012 TCE, página 88.
40 Anexo I da minuta do contrato entre a CAP S.A. e o FDE, p. 125 do Relatório nº 04: “GARANTIA DE CAUÇÃO
DE POTENCIAL CONSTRUTIVO, item II, ‘b’) Quantidade: 174.891 (cento e setenta e quatro oitocentos e noventa e
uma) cotas no valor unitário nominal de R$ 500,00 (quinhentos reais) totalizando, nesta data, R$ 87.445.500,00
(oitenta e sete milhões, quatrocentos e quarenta e cinco mil, quinhentos reais).”
41 Ofício TCE nº 017/2012.
42 A hipótese em tela diz respeito à transferência do direito de construir, estabelecida no art. 35 do Estatuto
da Cidade. Desta forma, não se trata de outorga onerosa (...) A Lei Municipal nº 9.801/2000 já previa este
instituto, em seu art. 2, inciso II. Ressalte-se que o parágrafo do art. 2 prevê a adoção de ‘outros instrumentos
de política urbana’. Página 32 do Relatório TCE nº 04/2012.
43 Art. 4o Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
V – institutos jurídicos e políticos:
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
o) transferência do direito de construir;
§ 3o Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Públi-
co municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e
entidades da sociedade civil.
44 Art. 34. A lei específica que aprovar a operação urbana consorciada poderá prever a emissão pelo
Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção, que
serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação.
45 SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. Ob. Cit. p. 220.
46 Finanças públicas entendida como a atividade voltada “aos dinheiros públicos, e, por extensão, à sua
aquisição, administração e emprego” (JUNIOR, L. E. F., 2003. p.2).
47 BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à ciência das finanças.p.3-4.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
COMPLEXO PARAISóPOLIS
881
se toda a sua complexidade para abarcar o direito e a segurança à posse,
a não ser através das ações de usucapião propostas pelos moradores,
que são notórias pela morosidade de solução pelo Poder Judiciário, dada
a demanda existente.
Diante dessa situação, o Poder Público teve o dever de encontrar um
meio para iniciar o processo de regularização fundiária da segunda maior
favela no Município de São Paulo.
ESTATUTO DA CIDADE
882
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
883
Art. 198 - Para o planejamento, controle, gestão e promoção do
desenvolvimento urbano, o Município de São Paulo adotará, den-
tre outros, os instrumentos de política urbana que forem neces-
sários, notadamente aqueles previstos na Lei Federal nº 10.257,
de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade e em consonância
com as diretrizes contidas na Política Nacional do Meio Ambiente:
(...)
xxI- transferência do direito de construir;
(...)
884
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
885
n.º 14.062/05, regulamentada pelo Decreto n.º 47.272, de 12 de maio de
2006, que dispõe sobre a aplicação da transferência do direito de construir
na hipótese de doação de imóveis destinados ao Programa de Regulari-
zação e Urbanização do Complexo Paraisópolis.
Os imóveis destinados ao Programa de Regularização e Urbanização
de Paraisópolis são aqueles situados nos perímetros das Zonas Especiais
de Interesse Social – ZEIS, tais como: ZEIS 1 – W050-CL; ZEIS 3 – W001-
-CL; ZEIS 1 – W045-BT; ZEIS 1 – W046-BT; ZEIS 1 – W047-BT e ZEIS 1
– W048-BT3.
Os interessados na doação de imóveis e na obtenção do benefício
deverão protocolar requerimento endereçado à Secretaria Municipal de
Habitação - Sehab, que deverá analisar todos os documentos apresentados
e autorizar a doação do imóvel à Municipalidade.
Contudo, para a formalização da doação, somente será admitida a
transferência do direito de construir de imóveis localizados nos perímetros
das ZEIS acima descritos, comprovadamente livres e desembaraçados de
qualquer ônus ou dívidas.
Os imóveis permitidos pelo decreto serão recebidos independentemente
da existência de edificações, regulares ou não.
Após a formalização e o registro da escritura de doação, a Sehab
encaminhará o processo administrativo à Secretaria Municipal de De-
senvolvimento Urbano – SMDU para a emissão da certidão do potencial
construtivo transferível ao doador do imóvel cedente.
Com isso, o doador poderá utilizar a certidão de potencial construtivo
ou vender para algum interessado, para aplicação em lotes, cujos Coefi-
cientes de Aproveitamento Básico possam ser ultrapassados, respeitando
os limites definidos pelos Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras,
nas seguintes situações: nas faixas de até 300 (trezentos) metros de cada
lado ao longo dos eixos de transporte público de massa existentes; na
área definida por circunferência com raio de até 600 (seiscentos) metros,
tendo como centro as estações de transporte metroviário ou ferroviário
existentes; nas Áreas de Intervenção Urbana - AIU, na forma prevista nos
artigos 30 e 31 da Lei nº 13.885, de 2004.
886
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
887
A CDRU, instituída através do Decreto-Lei n.º 271/67 e elencado no
Estatuto da Cidade como instituto jurídico a fim de ser utilizado para a ga-
rantia de uma política urbana no Município para a regularização fundiária.
Ambos os instrumentos têm por objeto o direito à posse de terrenos
públicos e serve como instrumento administrativo de legalização pos-
sessória no meio urbano, expedido através de instrumento público ou de
sentença judicial, caso omisso o poder público. Constitui, por isso mesmo,
aspecto singular na regularização para fins de moradia, forçando o Poder
Judiciário a discutir a política pública de moradia e urbanização, seja em
nível individual ou coletivo (neste caso quando não for possível identificar
os terrenos ocupados por cada possuidor), seja realizado na forma admi-
nistrativa ou por vias judiciais. A concessão do uso deverá ser levada a
registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Todos os lotes da quadra 50 de Paraisópolis foram doados, o que
permitiu a regularização de aproximadamente 80 domicílios através da
outorga da concessão de uso especial para fins de moradia ou a concessão
de direito real de uso, conforme as características de cada domicílio e 05
comércios, através da autorização de uso.
DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA
888
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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NOTAS
1 Advogada, especialista em Direito Processual Civil, Assessora Jurídica na Secretaria Municipal de Habitação
de São Paulo, nromanosoares@gmail.com.
2 Brasil. Estatuto da Cidade (2001). Estatuto da cidade: Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece
diretrizes gerais da política urbana. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001.
3 Artigo 2º do Decreto Municipal de São Paulo n.º 47.272/06.
4 Artigo 47, III da Lei Federal n.º 11.977/09.
5 Artigo 47, IV da Lei Federal n.º 11.977/09.
890
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A utilização do conceito de
“valor justo” como definido pelo
International Valuation Standards – IVS
na determinação da indenização
justa em processos de desapropriação
de bens imóveis
Emilio Haddad1
Cacilda Lopes dos Santos2
INTRODUÇÃO
891
Finalmente, no último capítulo, são apresentadas algumas conclusões
e feitas sugestões tendo em vista a utilização do valor justo.
1. DETERMINAÇÃO DO VALOR DE
INDENIZAÇÃO DE IMóVEIS DESAPROPRIADOS:
A PRáTICA CORRENTE NO BRASIL
892
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
893
fundamental à propriedade. No entanto, compreende também o princípio
da justa indenização deverem o Estado e a coletividade serem protegidos
contra o enriquecimento indevido às custas dos cofres públicos”. (TRF
3ª Região, 2ª Turma, Rescisória n. 96.03.004927-1, rel. Desembargadora
Sylvia Steiner, julgado em 4.12.96).
De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “Nenhuma
decisão judicial pode amparar o enriquecimento sem causa. Toda a deci-
são há de ser justa.” (STJ, 6ª Turma, REsp n. 90.366-MG, rel. Min. Vicente
Cernicchiaro, julgado em 11.6.96).
Podemos notar que ainda que haja uma tendência em se considerar
que a justa indenização comporte a ideia de valor de mercado, a legislação
urbanística brasileira e padrões de avaliação internacionalmente aceitos,
como aqueles tratados pelo IVS, podem abrir espaço para a construção de
entendimento jurisprudencial que incorpore um conceito de “valor justo”,
mais coerente com a necessidade de se evitar o enriquecimento sem causa
ocorrido em casos emblemáticos de desapropriações no Brasil.
Nitidamente um novo paradigma avaliatório se faz necessário, e no item
seguinte argumentamos por que uso do “valor justo” no lugar do “valor
de mercado” se propõe como caminho para superação das dificuldades
apresentadas pela utilização do “valor de mercado”.
894
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
895
e “valor de mercado” tal diferença passou a receber maior notabilidade,
que se faz presente no nosso meio após a sua tradução para o português
e sua divulgação através de um Seminário Internacional, realizado em
São Paulo, no mês deabril de 2013, com o patrocínio do IBAPE e da Royal
Institute of Chartered Surveyors – RICS.
As normas IVS de 2011 aponta que o de “valor justo” ser “comumente
aplicado no contexto judicial” (pág. 36), referindo-se à pratica em ou-
tros países, com uma cultura jurídica na qual os tribunais privilegiam
mais a mediação.
Uma observação final: a determinação de valor no caso de desapropria-
ção para fins socioambientais, seja para fins de regularização fundiária, ou
criação de zonas de proteção, merece uma discussão mais aprofundada,
por envolve valores de não mercado, o que aumenta a complexidade na
determinação do valor de indexação. O “valor justo” pode em muitos casos
fornecer um atalho seguro para se chegar a um valor de indenização que
seja pacificador e que incorpore os princípios de direito orientadores da
política urbana e ambiental no Brasil.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Desde 1995, a ideia de justo valor começou a fazer parte da pauta dos
tribunais superiores em razão dos inúmeros pedidos de revisão de decisões
que fixaram indenizações milionárias aos proprietários. Estas ações de
revisões vêm sendo propostas ainda que já tenha transitado em julgado,
ou seja, ainda que não sejam mais cabíveis recursos.
No entanto, a discussão a respeito do valor justo em indenização sem-
pre se emparelha à noção, muitas vezes injusta, de “valor de mercado”.
Uma valoração justa da propriedade expropriada deveria incorporar con-
ceitos e princípios de justiça social advindos do Estatuto da Cidade, sendo
que a discussão judicial vivenciada nos tribunais brasileiros se restringe
a valor de mercado.
Após pesquisas, verificamos que são raros os casos em que nossos
tribunais manejam conceitos como recuperação de mais-valia6, função
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social da propriedade e justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes
do processo de urbanização, conceitos que poderiam ser incorporados em
metodologia que adotasse a ideia de “valor justo”.
Vejamos:
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Valoraciones
Artículo 23. Aplicación general de las reglas de valoración
A los efectos de expropiación, las valoraciones de suelo se efectuarán
con arreglo a los criterios establecidos en la presente Ley, cualquiera
que sea la finalidad que la motive y la legislación, urbanística o de
otro carácter, que la legitime”.
Artículo 27.
Valor del suelo urbanizable
1. El valor del suelo urbanizable incluido en ámbitos delimitados
para los que el planeamiento haya establecido las condiciones
para su desarrollo se obtendrá por aplicación al aprovechamiento
que le corresponda del valor básico de repercusión en polígono,
que será el deducido de las ponencias de valores catastrales. En el
supuesto de que la ponencia establezca para dicho suelo valores
unitarios, el valor del suelo se obtendrá por aplicación de éstos
a la superficie correspondiente. De dichos valores se deducirán
los gastos que establece el artículo 30 de esta Ley, salvo que ya
se hubieran deducido en su totalidad en la determinación de los
valores de las ponencias. (…)
En cualquier caso, se descartarán los elementos especulativos
del cálculo y aquellas expectativas cuya presencia no esté
asegurada”.
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Vê-se que a legislação espanhola e a colombiana, por exemplo, fixam
procedimentos e técnicas de valoração nas desapropriações e estabe-
lecem um rol de critérios que visam a atender os seguintes princípios:
que a qualificação urbanística do solo condiciona seu aproveitamento
e, portanto, seu valor econômico; que as mais-valias procedem de obra
de urbanização ou mudanças nas leis de uso do solo e que a atribuição
destas mais-valias será cabível quando o proprietário haja custeado como
deve, a urbanização.
No Brasil, embora possamos inferir uma proximidade entre o significado
de “valor justo” das normas técnicas do IVS e o significado pretendido pela
Constituição Federal com a previsão de que a desapropriação requer justa
indenização, o que permite sua utilização nas desapropriações judiciais,
a aplicação concreta destes conceitos requer um procedimento que seja
estabelecido por lei a fim de lhes atribuir maior concretude.
4.COMENTáRIOS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
901
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Professor Associado aposentado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, email:
emhaddad@usp.br
2 Professora de Direito do Estado, Gerente de Atendimento Jurídico Caixa Econômica Federal, email: cacilo-
pes@uol.com.br
3 Atualmente em revisão.
4 Pode-se dizer que essa definição de valor de Mercado, apresentada nas Normas IVS, é uma forma mais
condensada daquela apresentada pelo Appraisal Institute, segundo a qual: “Market value in the most probable
price, as of a specifies date, in cash, or in terms equivalent to cash, or in the other precisely revealed terms
for which the specified property rights should sell after a reasonable exposure in a competitive market under
all conditions requisite for a fair sale, with the buyer and seller each acting prudently, knowledgeably, and for
self-interest, and assuming that neither is under duress”.
5 “Fair value”, em inglês
6 É o que afirmam SMOLKA, Martim e FURTADO Fernanda, em Recuperación de PlusValias en América em
América Latina. Eurolibros, p. xV: “Estas mais-valias resultam em geral de ações alheias ao proprietário, e
mais notadamente derivam da atuação pública, seja através de inversões em infraestrutura ou de decisões
relativas à regulação do uso do solo urbano”
7 Em Portugal, mesmo com um a legislação bem eficiente em tema de expropriação, há grande discussão
sobre o justo preço. Neste sentido, podemos verificar a dimensão das controvérsias em seminário promovido
sobre a Avaliação do Código das Expropriações, em 25/09/2003, pela Associação Nacional de Municípios
Portugueses, em exposição de António Pereira da Costa:
“A maior discussão ligada à fixação do justo preço estava e está na distinção entre ‘solos aptos para construção”‘e
“solos para outros fins”, sendo estes determinados por via residual, depois de definidos os primeiros”.
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2. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
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tal qual definidas pela Lei federal 11.079/04. Apenas estes con-
tratos sujeitam-se ao regime criado por essa Lei. (SUNDFELD,
2007 citado por PRESTES, 2009, p.188-189)
Prestes (2009, p.189), por sua vez, reforça que as Parcerias Público-
-Privadas são consideradas instrumentos que foram incorporados na
legislação brasileira com o intuito de viabilizar e realizar contratações de
tarefas, serviços e obras públicas dos particulares.
A Parceria Público-Privada se faz presente na definição legal de Ope-
ração Urbana Consorciada situada no Estatuto da Cidade. É importante
ressaltar que, afim de que ocorra uma Operação Urbana Consorciada,
consoante o disposto em Lei, é essencialmente necessária a participação
efetiva dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores
privados com a coordenação do Poder Público municipal, a fim de que
seja possível a aplicação desse instrumento urbanístico.
Villela Lomar (2003, p.251) relembra ser indispensável a participação
dos proprietários de imóveis que residem na área em que será objeto de
realização de uma Operação Urbana Consorciada, bem como dos mora-
dores, usuários permanentes e investidores privados. Villela Lomar (2003,
p.251) opina que não há a exclusão da participação de outros habitantes e
usuários da cidade, visto que uma das diretrizes fundamentais do Estatuto
da Cidade é a gestão democrática da cidade.
Sundfeld (2005, p.34 citado por CARVALHO e DIAS, 2010, p.91) leciona
que “as PPPs foram concebidas para o financiamento de infraestrutura,
principal foco de investimentos para o país nos próximos anos”, objeti-
vando a realização das obras para a concretização da Copa do Mundo de
2014, no Brasil. (grifos do autor)
3. CONCESSÃO URBANÍSTICA
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sem que haja a excessiva liberação de verbas por parte do Poder Público.
Menciona-se para tanto, que a concessão urbanística não foi citada no rol
dos instrumentos da política urbana arrolados no artigo 4º, do Estatuto da
Cidade, no entanto, a sua utilização não sofre algum impedimento, visto
que o rol presente nesse artigo é exemplificativo, admitindo a utilização
de outros instrumentos não descritos nesta Lei. (VILLELA LOMAR, 2004,
p. 111)
O autor já citado bem conceitua o instrumento da concessão urbanística
como o contrato em que, ocorrendo uma prévia licitação, o Poder Público
delega à determinada empresa ou consórcio de empresas a realização
da (re)urbanização de certa região da cidade com o intuito de implantar
as diretrizes urbanísticas elencadas na lei do plano diretor. Em se tra-
tando de Operação Urbana Consorciada, é indispensável a utilização da
lei municipal específica que tenha permitido a sua aprovação. (VILLELA
LOMAR, 2004, p.111)
A título de informação, conforme dispõe Villela Lomar (2004, p.112),
no Brasil, a concessão urbanística está presente na Lei Federal nº. 8.987,
de 13 de fevereiro de 1995. Nesta Lei há a previsão de normas gerais ap-
tas a serem aplicadas aos contratos de concessão em geral, de serviços
e obras públicas.
Dallari (2001, p.23 citado por VILLELA LOMAR, 2004, p.113) rememora
que a concessão urbanística obteve acolhimento por parte do Estatuto
da Cidade. O artigo 2º, inciso III, deste Estatuto, estipula que uma das
diretrizes gerais da política urbana, em nosso país, é a cooperação entre
os governos, a iniciativa privada e outros setores da sociedade no pro-
cesso de urbanização, visando ao interesse social. O artigo 31, § 1º, da
mesma lei urbanística, realiza a definição do se entende por Operação
Urbana Consorciada, dispondo que é “o conjunto de intervenções e me-
didas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos
proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados”.
907
4. REqUISITOS PARA A REALIZAÇÃO
DE UMA OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA
908
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909
de construir) torna-se restrito aos imóveis presentes na área em que ocorre
a Operação Urbana Consorciada, observando para tal, a regra estipulada
no artigo 34, §1º, do Estatuto da Cidade. (VILLELA LOMAR, 2004, p. 106
910
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911
bano. Este instituto possui como finalidade a realização de transformações
estruturais, com melhorias sociais e valorização ambiental.
Por transformações urbanísticas estruturais, podemos entender a
implantação dos serviços públicos, o calçamento das ruas, um sistema
adequado de escoamento do esgoto, a ampliação da rede de águas plu-
viais, os transportes, dentre outras.
Já como melhorias sociais, podemos citar, a título de exemplos, a ins-
talação de postos médicos, a implantação de novas escolas, o estímulo
à oferta de bens e serviços de consumo, a construção de centros habita-
cionais à população de baixa renda, e etc.
Finalmente, valorização ambiental é entendida como a preservação
do meio ambiente e dos recursos naturais, além da valorização econô-
mica, social, política, estrutural e arquitetônica, resultado da realização
do consórcio entre os diversos atores sociais.
Todavia, a Operação Urbana Consorciada que seja um projeto ou esteja
em fase de implantação deve respeitar as diretrizes gerais do Estatuto da
Cidade e da lei municipal específica aprovada pelo Poder Legislativo - o
plano diretor de cada Município. Vale destacar que as diretrizes gerais
englobam a garantia do direito a cidades sustentáveis, a justa distribuição
dos resultados do processo de urbanização, a recuperação dos investi-
mentos do Poder Público que resulte na valorização de imóveis urbanos,
a urbanização de áreas ocupadas pela população de baixa renda, a igual-
dade de condições entre os agentes públicos e privados na realização de
seus empreendimentos como um processo de urbanização, utilizando
como base o Princípio da Função Social da Propriedade Urbana. (VILLELA
LOMAR, 2003, p.250)
Gasparini (2002, p.180) conceitua Operação Urbana Consorciada
apoiando-se no Estatuto da Cidade. Para este jurista, o instrumento ur-
banístico em questão pode ser definido como um conjunto de medidas
urbanísticas que possuem a coordenação e a aplicação pelo ente municipal
e cuja execução é realizada com a participação de terceiros, possuindo
a finalidade de obter transformações urbanísticas estruturais, melhorias
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6. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAL
DA OPERAÇÃO URBANA CONSORCIADA
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Todavia, averba Villela Lomar (2003, p.258) que a Operação Ur-
bana Consorciada pode ocorrer voluntariamente por empreendedo-
res privados. Porém, o Poder Público obtendo recursos financeiros,
está autorizado a promover o ordenamento do território, realizando
empreendimentos de urbanização ou de renovação urbana a fim de
concretizar as diretrizes existentes na lei do plano diretor, respeitando
o preceito constitucional que possui como objetivo, ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade, arrolado no “caput” do
artigo 182, da Carta Política de 1988.
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917
a competência para realizar a aprovação da Operação, requisito exigido
pelo artigo 34, §2º, do Estatuto.
Consoante Gasparini (2002, p.186), a lei específica que aprovar a
Operação a fim de ser realizada em determinada área da cidade, poderá
conter previsão, regulamentação e autorização à emissão dos Certificados.
Tais títulos urbanísticos são concedidos em razão da Operação Ur-
bana Consorciada envolver construções acima dos índices urbanísticos
considerados dentro da normalidade para determinada área da cidade.
Para a concretização do exercício do direito, é conferido pelo Município,
que cobra certo valor, obtido em função das vantagens auferidas pelo
beneficiado. (GASPARINI, 2002, p.186)
Di Pietro (2006, p.237 apud CARVALHO FILHO e FORTINI, 2008, p.253)
enumera como espécies de atos de consentimento estatal, as licenças e as
autorizações. Explica a autora que licenças são atos unilaterais e vincula-
dos em que a Administração faculta o exercício de uma atividade aos que
preenchem os requisitos legais; e que autorizações são atos unilaterais e
discricionários que possuem um consentimento do Poder Público a fim
de que o interessado obtenha uma autorização para realizar o exercício
de determinada atividade.
O Estatuto da Cidade, por sua vez, dispõe que tais Certificados podem
ser utilizados no pagamento das obras que serão realizadas através da
Operação. Trata-se de pagamento em títulos públicos, visto que possuem
um valor, valendo como se fosse moeda corrente, podendo ser um meio
de pagamento efetuado pelo Município aos terceiros responsáveis pela
execução das obras. (CARVALHO FILHO e FORTINI, 2008, p.257)
918
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919
tos de saúde; e que a Segurança seja efetiva, com a implantação de um
adequado sistema prisional, com a existência de uma boa administração
pública e com a Justiça sendo eficiente.
A Operação Urbana Consorciada – é um instrumento definido na legis-
lação infraconstitucional (o Estatuto da Cidade), possuindo amparo nas
normas e princípios constitucionais, possibilitando um efetivo controle da
sociedade acerca das intervenções urbanas efetuadas com base na utili-
zação do capital privado, concomitantemente com o capital público. Há a
possibilidade de estabelecimento de uma Parceria Público-Privada para a
consecução de investimentos nestas obras, sendo o ideal para a realiza-
ção de um megaevento esportivo como será a Copa do Mundo de 2014.
Caso o Poder Público realize uma Operação, o capital investido pela
iniciativa privada deverá ser investido na realização das obras nas áreas
urbanas, possibilitando além de um efetivo controle social, a garantia da
segurança jurídica com o capital investido pelos particulares obtendo um
retorno satisfativo à população residente nas cidades-sede e aos turistas
que nelas transitarem.
Importa ressaltar que nos estádios do Beira-Rio (time sul-riograndense
– Sport Club Internacional), em Porto Alegre, e da Arena da Baixada (time
paranaense – Atlético – PR), em Curitiba, as obras de construção e reforma
na infraestrutura serão realizadas através do patrimônio privado. Isto é,
as arenas restantes terão suas obras custeadas pelo patrimônio governa-
mental3. (COPA DO MUNDO, 2010)
A revista Veja, já referida, disponibiliza o dado de que, atualmente,
o custo para investir em obras para a realização do Mundial, em onze
estádios(sendo nove públicos e dois privados), estima-se em torno de 5,1
bilhões, ou seja, 187 % a mais do que a previsão realizada pela Confede-
ração Brasileira de Futebol (CBF), em 2007, quando o Brasil foi escolhido
para sediar a Copa do Mundo de 2014. (VEJA, 2010)
O Tribunal de Contas da União (TCU) - órgão de fiscalização das contas
da Federação, conforme disposição constitucional - disponibiliza através
de meio eletrônico, a prestação de determinadas informações relevantes
920
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921
do “aumento dos índices de construção e das áreas passíveis de receberem
edificações”, com a ressalva de que sejam cabíveis tanto às atividades
comerciais quanto às de lazer, sendo expressamente vedada a utilização
para fins residenciais4. (CAFRUNE e GONÇALVES, 2009, p. 9)
A razão para tal alteração é possibilitar a modernização do complexo
esportivo Beira-Rio, a fim de observar às exigências impostas pela FIFA
a fim de que seja possível ao Sport Club Internacional ter a sua arena
utilizada como sede na Copa do Mundo de 2014.
A Prefeitura Municipal de Porto Alegre elaborou o Projeto de Lei Com-
plementar nº. 608 de 2009, aprovado pela Câmara dos Vereadores, com o
mesmo fundamento de possibilitar a modernização do estádio de futebol
com vistas à Copa do Mundo de 2014. Esta Lei Complementar discorre
a respeito de outra área em que o Sport Club Internacional possui a pro-
priedade, e as alterações objetivam elevar o valor de mercado do imóvel,
ampliando a taxa de ocupação e dos índices de aproveitamento da área,
permitindo a sua destinação ao uso residencial qualificado, com a ale-
gação de realizar vendas a fim de obter recursos para serem investidos
na construção da cobertura da arena. (CAFRUNE e GONÇALVES, 2009)
A Exposição de Motivos que possibilitou a alteração no padrão cons-
trutivo alega:
922
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923
Em suma, houve a flexibilização da legislação urbanística e o não
cumprimento à legislação ambiental.
O Jornal Zero Hora, no dia 29 de outubro de 2008, publicou uma ma-
téria intitulada “Nova Secretaria Para a Copa de 2014 – Entrevista de José
Fortunati”. Tal matéria relata acerca das exigências estabelecidas pela FIFA
a fim de que a Copa do Mundo de 2014 possa ser realizada no Brasil. O
Jornal Zero Hora deu ênfase à cidade de Porto Alegre - RS. O vice-prefeito
eleito de Porto Alegre, José Fortunati,informa o que é exigido pela FIFA a fim
de que Porto Alegre seja sede do Mundial, merecendo transcrição literal:
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cidadãos dos recursos a serem utilizados à realização das obras para a
Copa do Mundo de 2014, possibilitando a participação popular. (grifamos)
Impõe-se a implantação de um efetivo sistema de fiscalização dos
investimentos realizados nas obras a fim de possibilitar a ocorrência da
futura Copa do Mundo, no Brasil. Sugere-se a presença da iniciativa privada
neste processo, estabelecendo um regime democrático de participação.
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NOTAS
1 Fernanda Peixoto Goldenfum é Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS, pós-graduanda em
Direito Público- Direito Municipal pela FMP/ESDM e integrante do Grupo de Pesquisa e Extensão em Direito
Urbanístico da FMP. fernandagoldenfum@hotmail.com
2 Embora a imprensa escrita não seja considerada fonte científica, trazemos as notícias inseridas no presente
trabalho como mera ilustração do debatido.
3 Segundo informações orais prestadas por Procuradora do Município de Porto Alegre, as referidas leis foram
objeto de questionamento por ação popular.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Considerações críticas
sobre as zonas especiais
de interesse social
1- INTRODUÇÃO
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cretizar os objetivos dos movimentos por reforma urbana e construir uma
cidade mais justa.
2- CONCEITUAÇÃO
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com as proposições de Leis de Uso e Ocupação do Solo são a regra nas
cidades brasileiras e não a exceção. O jurista e urbanista Edésio Fernandes
assim se manifesta sobre a questão:
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pobres é necessário romper com a lógica da cidade legal e da cidade
ilegal. Nessa toada, Nelson Saule Júnior, resgatando o conceito de Re-
forma Urbana proposto pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana,
assim registra:
Em 1986, o Movimento Nacional pela Reforma Urbana define o
conceito da reforma urbana como uma nova ética social, que
condena a cidade como fonte de lucros para poucos em troca da
pobreza de muitos. Assume-se, portanto, a crítica e a denúncia do
quadro de desigualdade social, considerando a dualidade vivida
em uma mesma cidade: a cidade dos ricos e a cidade dos pobres; a
cidade legal e a cidade ilegal. Condena a exclusão da maior parte
dos habitantes da cidade determinada pela lógica da segregação
espacial; pela cidade mercadoria; pela mercantilização do solo
urbano e da valorização imobiliária; pela apropriação privada dos
investimentos públicos em moradia, em transportes públicos, em
equipamentos urbanos e em serviços públicos em geral.8
As ZEIS devem ser instituídas por lei municipal, que pode ser a
lei que institui o Plano Diretor, ou por lei municipal específica. A
lei deve conter os perímetros das áreas, os critérios para a ela-
boração e execução do plano de urbanização, as diretrizes para
o estabelecimento das normas especiais de parcelamento, uso
e ocupação do solo e de edificação e os institutos jurídicos que
poderão ser utilizados para a legalização da titulação das áreas
declaradas de habitação de interesse social para a população
beneficiária.9
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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A soberania popular referenda como princípio a democracia
participativa, que possibilita o exercício do poder diretamente
pelo povo nos processos políticos de tomada de decisão sobre
os interesses da sociedade. Como princípio constitucional, emite
o comando de ampliação e intensificação dos processos e dos
mecanismos de participação popular, como forma de possibilitar
uma isonomia de tratamento na relação do Poder Público com
os diversos segmentos da sociedade, independente da origem
social, posição econômica, local e região onde vivem.12
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aponta, dentre as inconsistências, o fato das leis municipais, muitas vezes,
repetirem as diretrizes federais, estas genéricas, sem especificar de acordo
com a realidade local. Não trazem elementos como parâmetros de uso,
coeficientes de aproveitamento e delimitação da área. Ou seja, ainda que
os planos diretores prevejam o instrumento, eles não o regulamentam,
tampouco oferecem condições de regulamentação futura.
Diante disso, percebemos, que dentro de um contexto de uma cidade
mais democrática, e que realize os objetivos propostos pelos movimen-
tos populares de reforma urbana, as ZEIS são instrumento com potencial
emancipatório de justiça social. A sua previsão, dentro do planejamento
territorial municipal é expressiva, no entanto, nem sempre ela se traduz
em prática, em outras palavras, há uma crise na aplicabilidade apesar
da ampla presença do instrumento nos planos diretores de todo o país.
Esta distância entre discurso e prática se dá por diversas razões, seja
pela inércia política, especialmente por parte dos gestores – problema
este que pode ser atacado por meio do controle popular. Seja pela inade-
quação na previsão legal que, apesar da presença do instrumento, peca
na fragilidade da regulamentação específica. Ou ainda, pelo fato de que
o engessamento nas alterações do instrumento não traz as respostas
mais adequadas às demandas sociais, afastando da própria comunidade
residente em determinada área, por exemplo, a possibilidade de requerer
sua área como ZEIS.
Logo, faz-se necessário, não apenas a manipulação técnica e legislativa
dos instrumentos que podem garantir acesso à cidade da população de
baixa renda, mas, principalmente, uma apropriação política popular que
represente os anseios da construção de um outro projeto de cidade, em
que a justiça social se materialize no território.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
DA SILVA. José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. São Paulo, 1997.
DOS SANTOS JUNIOR, Orlando Alves e MONTANDON, Daniel Toddmann (orgs.). Os
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Mestranda em Arquitetura e Ur-
com.br
3 DA SILVA. José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. São Paulo, 1997. Pp. 232.
4 DOS SANTOS JUNIOR, Orlando Alves e MONTANDON, Daniel Toddmann (orgs.). Os planos diretores muni-
cipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das
Cidades. IPPUR/UFRJ, 2011.
5 DOS SANTOS JUNIOR, Orlando Alves e MONTANDON, Daniel Toddmann (orgs.). Os planos diretores muni-
cipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das
Cidades. IPPUR/UFRJ, 2011. PP. 115
6 FERNANDES Edésio. Direito e Gestão na Construção da Cidade Democrática no Brasil. In: As Cidades da
Cidade/ Carlos Antônio Leite Brandão (organizador) - Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
7 HARVEY, David. Lutas pela reforma urbana: o direito à cidade como alternativa ao neoliberalismo Disponível
em: <http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/02/440802.shtml> Acesso em: 25/06/2013.
8 SAULE JUNIOR, Nelson. A trajetória da reforma urbana no Brasil. Disponível em: < http://www.redbcm.com.
br/arquivos/bibliografia/a%20trajectoria%20n%20saule%20k%20uzzo.pdf> Acesso em 25/06/2013.
9 SAULE Júnior, Nelso.. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2004.
10 Belo Horizonte. Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte publicada em 21 de março de 1990.
11 Disponível em:<http://www.tre-mg.jus.br/eleicoes/eleicoes-012/informacoes%20para%20imprensa/
eleitorado> Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Acesso em 28/06/2013.
12 SAULE Júnior, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: Sérgio
Antonio Fabris Editor, 2004.
13 LEITÃO, Lúcia. Remendo novo em pano velho: breves considerações sobre os limites dos planos diretores.
941
In.: FERNANDES, Edésio e ALFONSIN, Betânia (orgs.). Direito Urbanístico: Estudos Brasileiros e Internacionais.
Del Rey. Belo Horizonte, 2006. Pp. 326
14 MEIRELES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública. Ed. RT, 11ed. 1987, pp. 15.
15 DOS SANTOS JUNIOR, Orlando Alves e MONTANDON, Daniel Toddmann (orgs.). Os planos diretores mu-
nicipais pós-estatuto da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das
Cidades. IPPUR/UFRJ, 2011.
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INTRODUÇÃO
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Considerando tais apontamentos, este artigo discute à questão do sa-
neamento da pobreza, por meio da intervenção urbana na área do Projeto
“Nova Luz” a partir da dimensão sócio-jurídica.
1. OS INDÍCIOS DO DISCIPLINAMENTO
DA POBREZA NO CENTRO DE SÃO PAULO
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fato é que o Projeto de revitalização Nova Luz encontra-se sub judice, e
a atual administração municipal suspendeu sua execução e caminha na
direção de outra política urbana. Porém, a especulação imobiliária não
espera por discursos e avança.
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argumento é que tais investimentos vão contra a justificativa da
lei da concessão: minimizar gastos públicos.
Pela concessão urbanística, a Prefeitura pretende repassar à
iniciativa privada, por licitação, a área delimitada por 45 quar-
teirões na Luz e na Santa Ifigênia. Caberá à empresa que vencer
a concorrência promover obras de recuperação nas ruas, cal-
çadas e praças. Como contrapartida, poderá lucrar explorando
os imóveis desapropriados ou vendê-los. A previsão é de que a
reurbanização demore 15 anos para ficar pronta e custe R$ 1,1
bilhão [...] (FRAZÃO, 2012).
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de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento
nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação.
Entre os direitos e garantias fundamentais, o artigo 5º apresenta os
direitos e deveres individuais e coletivos, tendo, como baliza, o princípio
da isonomia, por meio da igualdade de todos perante a lei, sem distinção
de quaisquer natureza, garantindo, aos brasileiros e estrangeiros residen-
tes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade. Em consonância com o artigo 6º, temos, entre
os direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência social aos desamparados, na forma da Constituição. Por sua
vez o artigo 170 da Constituição Federal de 1988, inserido no título VII
da ordem econômica e financeira, apresenta, entre outros, os seguintes
princípios gerais:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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para definir a internação compulsória? Deve-se considerar que a inter-
nação voluntária, involuntária ou compulsória dos viciados está prevista
na lei 10.216/2001, a qual trata da proteção e dos direitos das pessoas
com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial da saúde
mental, aplicável aos dependentes químicos de drogas. Por sua vez, a lei
11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
drogas, prevê, em seu artigo 4º, inciso I, o respeito aos direitos fundamen-
tais da pessoa humana quanto à autonomia e à liberdade.
No entanto, a partir das matérias veiculadas pela mídia, verifica-se que
a forma como é conduzido o processo denominado “Operação Integrada do
Centro Legal”, pelo poder público via polícia, e a realidade social, há sérios
questionamentos quanto à violação aos direitos e garantias fundamentais
da Constituição Federal de 1988. E a questão vem sendo tratada como caso
de polícia pela própria mídia, pelo governo do Estado e municipalidade, que
defendem a repressão policial como uma necessidade no tratamento com
a questão da dependência química e o tráfico de drogas, o que seria uma
medida eleitoreira. Em outras palavras, esses sujeitos dependentes vêm
sendo tratados como “subcidadãos” (em que não se respeita a dignidade
humana e o direito à vida digna): “criminosos”, “drogados”; uma espécie
de “câncer social”, que ameaça a própria convivência pacífica na cidade.
Portanto, o que seria, a princípio, políticas públicas para dar dignidade
e salvar vidas se transforma em instrumento de repressão sobre a vida.
Passa-se à população o sentimento de pânico, a partir da migração dos
dependentes químicos para outras regiões da cidade, num processo de
limpeza social. Se a dignidade era negada antes da ocupação policial, na
denominada “Cracolândia”, no período posterior, os dependentes passam
a serem vigiados 24 horas, tratados como uma “ameaça” ao corpo social
e, assim, são objeto de “tortura psicológica”. Isso acontece mediante uso
de aparato policial, que ora os segregam em praças, ora os dispersam,
estando em constante frenesi, circulando sem poder se fixar. A lógica
dessas ações seria, segundo relatos policiais na mídia, uma estratégia de
dispersão que causa “dor e sofrimento”, para que possam pedir socorro e
serem encaminhados à internação.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/desenvolvimento_urbano/
legislacao/index.php?p=1382>. Acesso em: 23/11/2011 às 20h.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
SPINELLI, Evandro; CREDENCIO, José Ernesto. Cracolândia vai a leilão em um só
lote para virar novo bairro. In.: Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano C4, São Paulo,
19/05/2007.
NOTAS
1 Artigo elaborado a partir da Dissertação de Mestrado em Políticas Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul,
com o título “A Concepção saneadora da pobreza nas políticas públicas contemporâneas (2006-2011) na Cidade
de São Paulo: análise crítica do processo de disciplinamento da informalidade” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2011).
2 Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. Advogado. affonsodir@gmail.com.
3 “Higiene. Derivado do grego hygieinos (que tem saúde); tecnicamente é a parte da medicina que trata da
saúde, mostrando os meios de conservá-la, evitando doenças.
[...] A higiene pública, assim, compreende toda matéria de ordem propriamente sanitária, como toda medida
de caráter mesmo policial, mas de interesse ou para fins higiênicos, isto é, de saúde pública.
A bem de saúde dos habitantes de um lugar e da salubridade dele, todas as medidas, aconselhadas por esta
parte da medicina, porém determinada pelo poder público, mesmo que, em certos casos, se mostrem restrições
aos direitos individuais ou ao direito de propriedade.” (SILVA, 1993, p. 383)
4 “Utopia 1. Termo criado por Tomás Morus em sua obra Utopia (1516), significando literalmente ‘lugar nenhum’
(Gr. ou: negação, topos: lugar), para designar uma ilha perfeita, onde existiria uma sociedade imaginária na
qual todos os cidadãos seriam iguais e viveriam em harmonia. A alegoria de Tomás Morus serviu de contra-
ponto, por meio do qual ele criticou a sociedade de sua época, formulando um ideal político-social inspirado
nos princípios do humanismo renascentista. 2. Em um sentido mais amplo, designa todo projeto de uma
sociedade ideal perfeita. O termo adquire um sentido pejorativo ao se considerar esse ideal como irrealizável
e, portanto, fantasioso. Por outro lado, possui um sentido positivo, quando se defende que esse ideal contém
o germe do progresso social e da transformação da sociedade [...]” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p. 274).
5 A respeito da expressão “Cracolândia”, trata-se de um termo depreciativo de desqualificação social criado e
difundido pela grande mídia em referência aos dependentes químicos (inclusive usuários do crack; portanto,
o sentido pejorativo deriva dessa droga), moradores em situação de rua, prostitutas, pequenos traficantes,
entre outros, situados na região central de São Paulo, denominado Bairro da Luz. Esse território é objeto de
“revitalização” enquanto lócus de especulação imobiliária a partir do Projeto Nova Luz e da Ação Integrada
Centro Legal a partir da operação policial de “dor e sofrimento” imposta a esses sujeitos enquanto políticas
saneadoras implantadas pela municipalidade em parceria com o Governo do Estado (OLIVEIRA SOBRINHO,
UNICSUL, 2011).
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1.INTRODUÇÃO
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Não obstante, em Porto Velho, o recurso traz preceitos que requer
aproximação aos demais instrumentos da política urbana inseridas pelo
Plano Diretor, no sentido de mitigar uma série histórica de retenções ex-
clusivitas, que ainda hoje estimulam a segregação socioespacial.
2.PLANO DIRETOR E A
FUNCIONALIZAÇÃO SOCIAL DA CIDADE
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zação social ao passo que tornam factíveis as diretrizes de planejamento e
controle contidas no Plano Diretor, devendo este, contemplar as medidas
coercitivas e preventivas sobre a expansão da malha urbana, anterior ao
devido aproveitamento de terrenos ociosos.
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4. ASPECTOS hISTóRICOS, MARCOS
REGULATóRIOS, INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS
E PRODUÇÃO SóCIOESPACIAL EM PORTO VELhO.
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Interessa notar que a maior porção territorial destas áreas, localiza-se
nos extremos geográficos do perímetro urbano, então se torna perceptível
que daí efloraram os grandes vazios urbanos e ocupações subnormais
existentes na cidade.
Explicitamente, as ocupações irregulares e áreas ociosas que se esten-
dem através de parte da Avenida Imigrantes até os limites da Base Aérea
de Porto Velho, prolongando-se à Avenida Jorge Teixeira e incorporando
os bairros “Nacional” e “São Sebastião”, encontram-se assentadas sobre
áreas averbadas como Títulos Definitivos Milagres I e II, de propriedade
do Governo Estadual de Rondônia.
Alhures, ao leste, destacam-se os grandes aglomerados informais aglu-
tinados sobre os vazios urbanos que se prolongavam do bairro “Ulisses
Guimarães” ao bairro “Teixeirão”, a nordeste, ambos compostos de terras
tituladas pelo INCRA, inseridos na extinta Gleba Rio Madeira.
Os primórdios dos instrumentos de intervenção do solo em Porto
Velho, estes, funcionalistas em gênero, acompanham a sanção Lei de
Zoneamento número 064 de 1973, produto de uma conjuntura de fomento
governamental às ações declaradas prioritárias para uma reforma urbana
de contorno local, denominado “Plano de Ação Imediata”.
Sem dúvidas, a Lei de Zoneamento trouxera consigo rebatimentos de
uma norma de controle predecessora, o Código Municipal de Posturas, a
Lei 53-A sancionada em 27 de dezembro de 1972, no Governo Jacob Freitas
Atalah, além de diplomas mais remotos, contendo singelos regramentos
de ocupação e uso do solo.
As Posturas municipais disciplinam, em determinado grau, as inter-
ferências de ordem estética, higiênica, conservacionista, inclusive social
urbana do município, deixando à margem questões referentes aos aspectos
referentes á destinação do solo urbano.
No entanto o funcionalismo moderno da cidade consagrou-se somente
a partir da Lei de Zoneamento de 1973, que estabelecia normativas sobre
o zoneamento, ordenamento do uso e desenvolvimento dos terrenos e
edificações no âmbito do Município.
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A incongruência entre o processo de crescimento do município e a
inserção dos instrumentos de gestão, impõe determinados encaixes ter-
ritoriais formados por fenômenos híbridos e desagregadores da topologia
urbana e rural da cidade. Uma espacialidade diferencial onde já se torna
indefinida, inclusive, a própria definição dos lugares para efeito de regu-
laridade e significado18 .
Deste modo, o que se observa ao longo das últimas décadas, é uma
tendência à manutenção de consideráveis áreas sem parcelamento, con-
tíguas às áreas urbanizadas, que resguardam intenso campo de aplicação
dos instrumentos compulsórios indutores de urbanização.
Em Porto Velho, os processos de produção do espaço baseados na
informalidade já não concentram uma questão sintomática, isto é, não
traduzem um fato degenerativo das relações jurídico urbanas, senão,
tornaram-se um fator estrutural na configuração urbana da cidade.
Como casos típicos, possui relevo a criação, através da Lei Comple-
mentar 431/2011, do núcleo urbano de “Nova Mutum Paraná” e do seu
pólo industrial, ambos vinculados ao Distrito de Jacy Paraná, a aproxima-
damente 120 km do distrito sede de Porto Velho:
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não há, a priori, de ser caracterizada antinomia aparente de normas no
âmbito da urbanística, pois esta se destina a complementar àquela na
pormenorização do zoneamento.
Aliás, a inclusão do supracitado projeto habitacional “Tomé de Sou-
za”, localizada a aproximadamente 930m (novecentos e trinta metros),
utilizou-se desta lacuna, que investe de legislação urbana uma porção
territorial ainda desprovida de parcelamento, que abriga grande maciço
florestal e hidrológico, chegando a abranger 41.462.993, 83 m² (quarenta
e um milhões quatrocentos e sessenta e dois mil novecentos e noventa
e três vírgula oitenta e três metros quadrados) na margem esquerda do
Rio Madeira.
Tal ampliação do perímetro urbano reservou aos proprietários de lotes
inseridos nesta área a permissão para lotear, ressalvadas a servidões am-
bientais e urbanísticas existentes, embora sujeita a regras específicas de
parcelamento, uso e ocupação do solo, como disposto no inciso V do art.
46 da Lei Federal 11.977/2009 e art. 45 da Lei Complementar 311/2008.
Alojou-se na criação destes componentes - que sequer prontificam-se a
caracterizarem clusters urbanos - um padrão complexo de “informalidade-
-legal”, promotor do espraiamento territorial e especulação massiva de
novas áreas da cidade.
Não menos notório, é a desvinculação dos instrumentos municipais da
política urbana aos “núcleos urbanos distritais”. A saber, o município de
Porto Velho possui uma vasta extensão territorial de 34.096,388 Ha o que
introduziu em sua mancha urbana uma característica de “pulverização”
da ocupação, decorrendo na criação de 12 (doze) distritos.
Já no Plano Diretor municipal, considera-se como Macrozona Urbana,
não somente o núcleo urbano do distrito sede como também os demais
núcleos urbanos distritais . Daí surge uma série de conflitos de ordem
23
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trouxe como consequência uma mixórdia fundiária que não se distancia
das práticas de estruturação urbana nas demais cidades brasileiras onde
prepondera o modelo do espraiamento urbano e da insegurança sobre
posse da terra.
Neste obsoleto modelo de cidade, numerosas e vultosas áreas segui-
ram o desenvolvimento à margem do planejamento prévio e integrado,
com ausência de sistema viário, sem fixação de padrões, reserva de áreas
verdes, de espações público ou provisão de infraestrutura básica. Assim,
o acúmulo de disfunções comprometeu e reduziu a habitabilidade urbana
e afetando a qualidade de vida da população.27
Assim, a aplicação de medidas compulsórias para o ordenamento
territorial e urbanização controlada, emergem como elementos fulcrais
para controle do crescimento espontâneo e desordenado, da frag-
mentação da malha urbana e do gradativo espraiamento da unidade
morfológica municipal.
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ordenar o pleno desenvolvimento da função social da cidade, onde:
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caráter doutrinário à urbanização, isto é, uma exação fiscal não meramen-
te arrecadatório, destinada a impor um comportamento ao proprietário.
Na esfera das normas infraconstitucionais federais, traduz um novo
marco jurídico a Lei 11.124/05, que institui o Sistema Nacional de Habi-
tação de Interesse Social – SNHI e tem, como objetivos, dentre outros,
“viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra urbanizada
e à habitação digna e sustentável”.37
Sua redação aponta claramente para a priorização de áreas já con-
solidadas da cidade de forma a ampliar a garantia do direito à moradia e
habitação, trazendo, ainda, a diretriz de “utilização prioritária de incentivo
ao aproveitamento de áreas dotadas de infraestrutura não utilizada ou
subutilizada, inseridas na malha urbana.” 38
Aí, encontra-se inserido o princípio de direito à moradia confrontante
ao elevado número de vazios urbanos presentes na malha urbana com
infraestrutura disponível para atender o déficit habitacional.
Dado este esboço, a política para implantação dos instrumentos urba-
nísticos de parcelamento, ocupação e utilização do solo, segue em fluxo
contrário à supressão do déficit habitacional.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estadistica-IBGE, aponta um dé-
ficit habitacional de 35 mil moradias em Porto Velho39. Este quantitativo
aproxima-se dos dados fornecidos pelo Plano Local de Habitação - PLHIS
que descreve uma carência de aproximadamente 30 mil moradias, tendo
utilizado a metodologia da Fundação João Pinheiro e Ministério das Cidades
durante o levantamento de dados.
Factualmente, levantamentos recentes da Prefeitura Municipal de Porto
Velho, demonstram que o déficit aproxima-se de 50.000 (ciquenta mil)
moradias, ao passo em que o número de unidades imobiliárias particulares
desocupadas e vagas é de 5.614.
Evocando o preceito constitucional de utilização do imóvel urbano
vazio ou subutilizado, vislumbra-se nesses espaços o cumprimento da
função social, baseado na defasagem do acesso à moradia, pela via do
parcelamento ou utilização compulsória.
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6. CONCLUSÕES
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uma forte pressão dos setores econômicos em direção a uma nova amplia-
ção do perímetro urbano, que se destinaria a beneficiar exclusivamente
algumas propriedades privadas de modo pontual.
Observa-se a necessidade de tomada de decisão do ponto de vista do
planejamento urbano estratégico pelo Poder Público Municipal, sistema-
tizando as áreas prioritárias para a intervenção e alcance do instrumento,
de maneira coordenada com as demandas existentes, sejam elas de pro-
vimento e adensamento habitacional, edilício ou mesmo sob o aspecto
de incremento dos espaços públicos e áreas verdes, partindo dos espaços
mais centrais às franjas da cidade.
De modo geral, Porto Velho apresenta uma realidade inconveniente no
âmbito da ocupação de áreas da União, que foram excluídas assim do pro-
cesso de demarcação original do perímetro urbano, com lenta transferência
ao patrimônio estadual e municipal para fins de regularização fundiária.
Tais terras constituem histórico modelo de manutenção da ociosidade
em grandes áreas urbanas, a considerar sua implicação em obste primário
ao parcelamento do solo e, consequentemente, à garantia da posse em
cumprimento à função social da propriedade. Tanto é que figuram como
terras devolutas, e devolutas são, pois desocupadas permaneceram até
sua devolução à União da República.
Torna-se necessário, a adoção de perspectivas menos perdulárias, com
a compatibilização do desenvolvimento local ao uso e ocupação do solo,
aos recursos ambientais, à infraestrutura urbana, à oferta de equipamen-
tos urbanos e comunitários e à mobilidade de pessoas e bens através da
requalificação na ocupação dos terrenos urbanos ociosos.
REFERÊNCIAS
976
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Curso de Instrumentos do Estatuto da Cidade. Ministério das Cidades. Brasília, 2013.
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NOTAS
1 Arquiteto e Urbanista. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico. Prefeitura Municipal de Porto Velho.
Arquiteto e Urbanista. E-mail: digitoimagem@gmail.com
2 Arquiteta e Urbanista. Especialista em Licenciamento Ambiental. Instituto Federal de Rondônia. Professora
EBTT. E-mail: danielaprodrigues@gmail.com
3 Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de
1988,estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
4 PINTO (2010)
5 SANTOS,1988.
6 Informação fornecida por Raquel Rolnik, em palestra proferida em 12 de agosto de 2005, com o tema “Pla-
nejamento em questão”, na Universidade Estadual do Maranhão.
7 REIS, 2006.
8 MORALES, 2002
9 SANTOS, 2005.
10 SPÓSITO, 2000.
11 SMITH, 1984.
12 LEFEBVRE, 1973.
13 LAMAS,2007.
14 Fonte: Seplan (Dados SIMI). Item 2. Demografia.
15 IBGE. Censo:2010.
16 ZEMKO, 2004.
17 GALSTER et al.,2001.
18 LACOSTE, 1988.
19 Art. 1º da Lei Complementar 431de 04 de Outubro de 2011.
20 Art 1º da Lei complementar 467 de04 de Setembro de 2012.
21 Art. 44 do Plano Diretor Municipal de Porto Velho; Lei Complementar 311 de 30 de junho de 2008
22 Art. 6º; Parágrafo 5º da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo-Lei Complementar 097/1999
23 Art.13; § 1º da Lei Complementar 311/2008.
24 GARREAU, 1988.
25 Lei Complementar 097/1999 e art. 50 da Lei Federal 6.766/1979, respectivamente.
978
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
26 DAVEY, 1993.
27 FARIA,1995.
28 ROLNIK, 2010, org.
29 SALANDÍA,2013
30 Constituição da República federative do Brasil de 1988.
31 Art. 5o ; § 1o da Lei 12.257/2001.
32 Art.144;parágrafo 4 da Lei Orgânica de Porto Velho.
33 MEIRELLES.Direito Administrativo Brasileiro, 2000.
34 BORGES;LEAL.2011.
35 Art. 46 da Lei 12.257/2001.
36 Art.33 da Lei Complementar 311/2008.
37 Art. 2°da Lei Federal 11.124/2005.
38 art. 4° da Lei Federal 11.124/2005.
39 Dados do Censo 2010.
40 Monitoramento executado em 2013.
979
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
981
e infere uma ordem de justificação ao capital, essencialmente anômico
ou amoral, ou enfatizando-se:
982
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
983
formação da terra e dos bens urbanos em mercadoria, desqualificando
sua compreensão enquanto direitos, afinal a “acumulação do capital é
o objetivo e o resultado não menos inevitáveis de todos os mecanismos
econômicos capitalistas”7.
Famílias de baixa renda, privadas das condições econômicas de
acesso à moradia formal, buscam e constroem seus locais de vida e
residência através das ocupações de terras, marcadas pelo estigma da
ilegalidade ou identificadas como manifestação das formas de resistên-
cia e sobrevivência dos grupos dolorosamente incluídos no modelo de
cidade-empreendimento.
984
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
985
duplo ônus social: a deslegitimação de suas moradias e o alto preço dos
impactos do chamado ‘desenvolvimento’ urbano.
986
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
possibilitando que ele nada fizesse: a relação com o bem se limita pela
supremacia do interesse coletivo que passará a estabelecer os contornos
sobre os quais a propriedade pode ser exercida legitimamente.
A desapropriação, portanto, é maneira de intervenção supressiva do
Estado na propriedade, gerando transferência na titularidade do bem.
1 SISTEMáTICA DO INSTITUTO
987
Verifica-se que se trata de procedimento e não de ato administrativo,
ou seja, a deflagração e a regularidade de todas as fases mostram-se es-
senciais para validade do efeito final almejado: a expropriação do bem. O
poder público decreta a área como de utilidade pública ou interesse social,
decreto cujo efeito é meramente declaratório da vontade expropriante e
adstringe-se à deflagração do início do procedimento, não constituindo
ato expropriatório que autorize, de pronto, medidas de intervenção su-
pressiva no bem.
Após sucessão das fases do procedimento, com a devida publicidade
e esclarecimento da hipótese de utilidade pública declarada, o poder pú-
blico inicia negociação com o particular, a fim de averiguar o montante
da indenização, que deve ser justa, prévia e em dinheiro, conforme aduz
o texto constitucional. Havendo acordo quanto ao valor, o expropriante
deverá pagar a indenização e realizar escritura pública do imóvel que, por
aquisição originária, agora pertencerá ao domínio público; não havendo
acordo, ajuíza-se ação no Poder Judiciário, a fim que se determine o valor
justo de indenização.
O Decreto-Lei 3.365/41 traz, ainda, mais alguns aspectos que devem
ser registrados sobre a desapropriação: dita que a autoridade competente
para declarar utilidade pública é o chefe do Poder Executivo; estabelece
os bens passíveis de desapropriação, apenas os de natureza patrimonial;
especifica os casos em que ocorre utilidade pública para fins de desapro-
priação; traz a vedação de que o Poder Judiciário decida sobre a ocorrência
ou não o casso de utilidade pública, deixando a designação na seara da
discricionariedade do administrador; dispõe sobre o foro, a petição inicial
e demais aspectos procedimentais do Processo Judicial.
Sobre tal decreto, cumpre mencionar que este unificou os conceitos
de necessidade e utilidade pública neste último. Publicado sob a égide
da Constituição de 1937, que não previa a desapropriação por interesse
social, o instituto limitou-se aos casos de utilidade pública.
Com a promulgação da Constituição de 1946, nitidamente mais demo-
crática, a hipótese de desapropriação por interesse social foi prevista em
988
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
seu art. 141, §6º, sendo regulamentada apenas em 1962, com a edição
da Lei 4.132/62.
Nem utilidade pública, nem interesse social são conceitos identificáveis
com o interesse da Administração, tampouco com interesses de Governo.
As leis específicas trazem rol das hipóteses de incidência de cada conceito,
ou seja, não cabe ao Administrador criar definições e sim conformar o
caso concreto com as previsões legais.
989
da ONU dispõe sobre o conteúdo do direito à moradia adequada. Já em
seu Comentário Geral nº 7 (2004, on-line), o Comitê trata dos despejos
forçados e seus impactos sobre os direitos das populações atingidas. Inicia
afirmando a obrigação dos governos signatários do Pacto em melhorar os
bairros e condições de vida da população, colocando como última opção
a prática de despejos, definindo-os:
990
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
991
II.3 A ARBITRARIEDADE DA DESAPROPRIAÇÃO EM FACE
DOS ATUAIS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA
992
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
993
O Estatuto da Cidade veio por fim a qualquer discussão sobre a auto-
nomia do Direito Urbanístico em relação ao Direito Administrativo. Ainda:
994
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
995
A Lei Federal nº 11.977/09, que dispõe sobre o Programa Minha Casa
Minha Vida, reafirma a regularização fundiária como instrumento de
promoção da cidadania, que deve estar associada às políticas públicas
e estabelece princípios para as ações de regularização27. A violência e a
segregação promovidas por remoções forçadas são incompatíveis com
uma sistemática que privilegia a regularização fundiária. Em conseqüência,
ressurge a constatação de que o instituto da desapropriação não alberga
tais considerações.
996
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
997
desenvolvidos com o espaço e com a comunidade, a identidade criada no
local, as relações entre vizinhos, o acesso aos serviços públicos do bairro:
direitos suprimidos pela remoção, sem que o instituto da desapropriação
ofereça qualquer mitigação. Atinge-se, ainda, a dimensão do direito à ci-
dade relativa ao direito de participar do processo de tomada de decisões e
a garantia a uma cidade democrática. Pode-se dizer que as funções sociais
da cidade também sofrem duros impactos.
Para Nelson Saule, a realização das funções sociais da cidade constitui
direito difuso dos cidadãos, de maneira que, uma política urbana que não
atendesse seus ditames, feriria a cidadania de todos moradores da cidade.
998
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
999
a interferências arbitrárias ou ilegais na vida privada, família, lar
ou correspondência constitui uma dimensão muito importante
na definição do direito à moradia adequada.33
Conclui afirmando que “o direito à cidade não pode ser concebido como
um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode
ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada.” 36
David Harvey compreende que o direito à cidade deve atender às ne-
cessidades humanas e que:
1000
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1001
forma, a indenização como medida de recompensa da perda do bem, na
maioria das vezes insuficientes, não consegue restituir a complexidade
das dimensões de direitos que são violados.
Portanto, urge que a discussão seja incorporada e aprofundada no
campo jurídico, enfatizando a implementação de instrumentos democrá-
ticos da política urbana.
REFERÊNCIAS
1002
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará e Mestranda em Ordem Constitucional pelo Programa
de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará. Advogada. Email: Talita.pfurtado@gmail.com
2 BOLTANSKI & CHIAPELO. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2009, p.415.
3 Id. Ibid., 2009, p. 414.
4 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009.
5 OLIVEIRA, N., & BARCELLOS. O uso capitalista do solo urbano: notas para discussão. In: Ensaios FEE
[Online] 8:2. Disponível em < http://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/viewFile/1144/1482>,
acessado em 13.11.2011.
6 FREIRE, Renato. ESBOÇANDO OLhARES: O Pensamento Marxista sobre a teoria de renda da terra
e a comercialização capitalista de moradia. Disponível em <http://www.rj.anpuh.org/resources/rj/
Anais/2006/conferencias/Renato%20Freire.pdf>, acessado em 14.04.2013.
7 MANDEL, Ernest. O lugar do marxismo na história. São Paulo: xamã, 2001, p.45.
8 CORRêA, Roberto Lobato. O espaço urbano. Rio de janeiro: Editora Ática, 1989, p.30.
1003
9 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2009, p.106-107.
10 CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983, p.249-250.
11 ROLNIK, Raquel. A lógica do caos. Disponível em <http://www.usp.br/srhousing/rr/docs/a_logica_do_
caos.pdf>, acessado em 18.04.2013.
12 ARANTES, VAINER, MARICATO. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petró-
polis, RJ : Vozes, 2000, p.123.
13 SALLES, José Carlos Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 6ª ed. rev, atual.
E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p.78.
14 MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: 28ª ed., Malheiros
Editores Ltda, 2003, p.574.
15 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: 20ª ed., Malheiros Editores
Ltda, 2006, p.822.
16 ONU. Comentário Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível
em <(http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/reforma-agraria/ComentarioGe-
ral7_DESC)>, acessado em 22.10.2013.
17 Trata-se de Informe do Relator Especial para o direito à moradia adequada, Sr. Miloon Kothari, publicado
em 18 de fevereiro de 2004.
18 Id.Ibidem, online.
19 SAULE JR., Nelson. op.cit., 2004.
20 Ver Art. 5º PDPF/09 e Art. 149 da Lei Orgânica Municipal.
21 MELO, Ana Paula Lima de. O Novo Paradigma da Discricionariedade Administrativa. In: Germana
de Oliveira Moraes. (Org.). Temas Atuais de Direito Administrativo. Fortaleza: ABC Fortaleza, 2000, p.65.
22 SAULE JR., Nelson. op.cit., 2004, p.209.
23 Id. Ibid., 2004, p. 346.
24 Art. 149, I e Art. 156, IV , § 4°.
25 Art. 4º, Ix; Art. 5º e Art. 6º.
26 Art. 291.
27 Art. 48..
28 MEIRELLES, Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: 28ª ed., Malheiros
Editores Ltda, 2003, p. 575.
29 SAULE JR., Nelson. op. cit., 2004, p.222.
30 Articulação de movimentos sociais, entidades, ONG’s, grupos da universidade, comunidades e membros da
sociedade civil em geral, organizados no debate acerca dos impactos provocados pela realização de megae-
ventos, especificamente sobre os impactos da Copa de 2014 para comunidades vulnerabilizadas.
31 Obra de implementação do VLT – Veículo Leve sobre Trilhos, que prever a retirada de mais de cinco mil
famílias ao entorno da linha férrea do Ramal Parangaba-Mucuripe.
32 COMITE POPULAR DA COPA, 2011. Relatório parcial de questionamento do licenciamento ambien-
tal da obra do Veículo Leve sobre Trilhos, Fortaleza, CE. Disponível em < http://comitedacopa2014.
wordpress.com/>, acesso em 17.07.2013.
33 ONU, Comentário Geral nº 7 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Disponível
em <(http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/reforma-agraria/ComentarioGe-
ral7_DESC)>, acessado em 22.10.2014.
34 FÓRUM NACIONAL DE REFORMA URBANA. Disponível em http://www.forumreformaurbana.org.br,
acessado em 03.08.2013.
35 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução: Rubens Eduardo Farias. São Paulo: Centauro, 2001, p.117.
36 Id. Ibidem, 2001, p.117-118.
37 HARVEY, David. A liberdade da cidade. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 26, pp. 09 - 17, 2009, p.1.
1004
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1005
dedores e o direito à qualidade urbana daqueles que moram ou transitam
em seu entorno. Seu objetivo seria o de:
1006
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
década de 19706, que originaram o texto dos projetos de lei que deram
base ao Estatuto da Cidade. Este foi inspirado no já existente Estudo de
Impacto Ambiental (EIA-RIMA), que por sua vez tiveram influência dos
instrumentos de avaliação de impacto ambiental surgidos nos anos 1960
nos Estados Unidos, que procuravam melhor avaliar as implantações de
grandes empreendimentos industriais nas cidades e da disseminação
destes instrumentos por parte dos organismos internacionais de finan-
ciamento (Marques, 2010).
Outra visão, anunciada em um debate público pelo prof. Emílio Haddad,
afirma que a concepção do EIV foi inspirada no que a prática norte-ame-
ricana chamou de development impact fees, ou de development extractions.
Consiste em que, a cada nova aprovação de um empreendimento, se re-
queira ao empreendedor que forneça uma contrapartida, que pode ser uma
doação de terra para equipamentos públicos, melhoramentos urbanos, ou,
inclusive, pagamento em dinheiro para um fundo de desenvolvimento ur-
bano. Como justificativa para esta cobrança, os norte-americanos associam
a ideia de que é preciso cobrar pelo crescimento urbano, pois ele exige
diversificação ou implantação de nova infraestrutura e equipamentos; e
também porque um novo processo de aprovação permite a abertura de
uma negociação para provisão destas infraestruturas e equipamentos
necessários (Nelson e Moody, 2003). Usualmente, no Brasil, estas ações
aplicam-se a novos parcelamentos do solo, ou à cobrança sobre o aden-
samento construtivo por meio da Outorga Onerosa do Direito de Construir,
e estes não envolvem a cobrança sobre outros impactos promovidos na
implantação de um grande empreendimento em uma área já urbanizada.
1007
Paulo e Porto Alegre, ganharam destaque na literatura que trata do tema.
Porto Alegre possuía, desde 1978, o Estudo de Viabilidade Urbanística
– EVU, obrigatório para a aprovação de grandes empreendimentos (Pres-
tes, 2005). Mas foi o Decreto n. 11.987/98, que estabeleceu normas para
elaboração de EIA-RIMA, que criou a possibilidade do poder público, por
meio de um diagnóstico, analisar impactos socioeconômicos decorrentes
da instalação destes empreendimentos7. A experiência foi muito estudada
porque a metodologia permitiu avaliar não apenas a edificação, mas as
relações destes equipamentos com a sociedade (Câmara dos Deputados,
2001; Santoro, 2003; Marques, 2010; etc.).
Um dos casos mais estudados de Porto Alegre foi o da implantação de
um supermercado em um bairro residencial, o qual apontou, por exemplo,
que, ao contrário do esperado, o equipamento não gera oferta quantitativa
de postos de trabalhos e estes têm salários menores do que os encontrados
em pequenos e médios estabelecimentos da região (Santoro, 2003). Com
base no Estudo, o município exigiudiversas contrapartidas, desde obras
viárias até medidas socioeconômicas8. Apesar do valor das contraparti-
das ter sido alto, o empreendedor obteve retorno já no primeiro ano de
implantação do supermercado, tendo sido muito vantajoso. Ainda assim,
houve muita resistência por parte do supermercado, que argumentava que
em outros municípios obtinha licença sem exigências de contrapartidas9.
Já o município de São Paulo aplicava o instrumento desde os anos 1990,
quando sua Lei Orgânica passou a exigir a apresentação de Relatório de
Impacto de Vizinhança para empreendimentos de significativa repercussão
ambiental e na infraestrutura, os quais foram definidos por decretos nos
anos posteriores (Decretos n. 32.329/92, n. 34.713/94 e n. 36.613/96), que
vigoram até hoje (Moreira, 1997; Moreira, 1999). O roteiro de elaboração
do relatório de impacto de vizinhança é descritivo e uma avaliação de sua
implementação em 19 empreendimentos analisados entre 1990 e 199210
já mostrava que os estudos apresentados tinham critérios insatisfatórios,
pois se balizavam na infraestrutura de empreendimentos semelhantes,
o que não era suficiente para demonstrar a inexistência de impactos, e
1008
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisa, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa de Informações
Básicas Municipais 2005/2008.
1009
des. É justamente com este objetivo que este texto aborda o estudo da
experiência do município de São Paulo e, a partir desta, aponta desafios
para a implementação do instrumento em um quadro mais ampliado de
municípios no país.
1010
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1011
da Lei Orgânica de 1990 (art. 159), e apenas com base nela foi pedido para
19 casos (Moreira, 1992).
Foi regulamentado pelos decretos n° 34.713/94 e 36.613/96 e, pos-
teriormente, já nos termos do Estatuto da Cidade, foi previsto no Plano
Diretor Estratégico de São Paulo (PDE, Lei n. 13.430/02, art. 257), que
procura diferenciar relatório de impacto ambiental do de vizinhança; re-
produz as questões a serem tratadas no EIV (§ 2°) já previstas no Estatuto
da Cidade (Lei Federal n. 10.257/01, art. 37) e recupera alguns aspectos
de gestão democrática.
A Lei n. 13.885/04, que institui os Planos Regionais Estratégicos das
Subprefeituras, dispõe sobre o parcelamento, disciplina e ordena o Uso e
Ocupação do Solo do Município de São Paulo (LUOS), define, por sua vez,
os empreendimentos geradores de impacto de vizinhança como “aqueles
que pelo seu porte ou natureza possam causar impacto ou alteração no seu
entorno ou sobrecarga na capacidade de atendimento da infra-estrutura”
(Lei n. 13.885/04, art. 157, III). Tais empreendimentos estão sujeitos à
aprovação específica (idem, art. 161).
Atualmente está em debate na Câmara Municipal o Projeto de Lei n.
414/11, que dispõe sobre o Estudo de Impacto de Vizinhança e respectivo
Relatório de Impacto de Vizinhança (EIV/RIVI), visando regulamentar o
instrumento à luz do Plano Diretor Estratégico e Lei de Uso e Ocupação
do Solo15.
No momento atual, portanto, o município de São Paulo não dispõe
de lei específica que regule o tema. Portanto, os decretos autônomos n°
34.713/94 e 36.613/96 são inválidos tendo em vista que o instrumento
deve estar regulamentado em lei municipal (conforme art. 36 do Estatuto
da Cidade).
As considerações a seguir apresentadas partem do debate em pauta
sobre a implementação do instrumento EIV/RIV em São Paulo, tendo em
vista o PL 414/1116, a legislação municipal sobre o tema e a experiência de
outros municípios. Busca-se apontar aspectos necessários à regulamenta-
ção deste Estudo, e encorajar outros municípios a disciplinar o instrumento.
1012
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1013
Vizinhança, por sua vez, é um conceito que nos remete à ideia de
região localizada perto ou ao redor de um local; arredor, cercania, ime-
diação; situação do que é contíguo ou limítrofe; conjunto de pessoas
que habitam lugares vizinhos. Os vizinhos civis são os que estão mais
próximos dos usos, obras e atividades impactantes, numa relação de
contiguidade. Os vizinhos urbanos21 são os que ocupam ou utilizam uma
localidade ou região pouco mais distante, não adjacente, mas dentro do
âmbito de propagação dos usos, obras e atividades impactantes, onde
as interferências nocivas repercutem.
1014
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1015
Outra distorção que pode acontecer é a falta de definição de parâme-
tros para o enquadramento dos empreendimentos mistos ou multiusos,
compostos por usos residenciais e não residenciais, devendo neste caso,
inclusive, considerar a soma das áreas.
Considerando a preocupação com os diferentes impactos, dependen-
do da região onde o empreendimento for instalado, verifica-se que na
legislação de EIV/RIV de Porto Alegre (Lei Complementar n. 695/12), por
exemplo, a listagem de empreendimentos faz referência às macrozonas ou
zonas onde se localizam, enquadrando determinados empreendimentos
como de impacto de vizinhança somente se estiverem localizados naquela
macrozona específica. Isto possibilita ter critérios mais rígidos sobre novos
empreendimentos que venham a se instalar em uma área já saturada.
A linha de corte para o EIV/RIV também deve considerar a necessária
articulação com outras leis municipais que exigem estudos específicos
de impacto, como a própria lei de uso e ocupação do solo, as de polos
geradores de tráfego, de estudo de impacto ambiental, etc.
1016
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1017
endimento e avaliação da capacidade de suporte do sistema viário e do
transporte público local e regional;
Ventilação e iluminação: análise das alterações possíveis relativas à
ventilação e iluminação e insolação, sombreamento, especialmente sobre
o espaço público;
Paisagem urbana, patrimônio natural e cultural: análise do impacto
sobre a paisagem urbana (morfologia urbana, formação de barreiras, rela-
ção entre áreas adensadas e espaços livres, arborização urbana, poluição
visual) e patrimônio natural e cultural da área de influência, considerando
o significado destes elementos para a população e atividades locais, além
dos bens tombados.
Em relação à inclusão de outros aspectos a serem analisados no EIV/
RIV, merecem atenção:
Aspectos ambientais: contemplando os impactos relativos à imper-
meabilização, aquecimento, geração de ruído, drenagem, lençol freático,
qualidade do ar, situações de risco, geração de resíduos e efluentes,
condições do solo;
Aspectos socioeconômicos: contemplando os impactos relativos à
quantidade e qualidade de postos de trabalho gerados, bem como renda da
população residente ou atuante no entorno e benefícios a serem gerados;
Mobilidade urbana: considerando não só o impacto sobre sistema viá-
rio e transporte público, mas também as questões relativas à mobilidade
como um todo, envolvendo, por exemplo, acessibilidade, circulação de
pedestres e ciclistas, e a relação destes com o uso do solo;
Normas, planos, projetos que incidem sobre a área: legislação urba-
nística e ambiental; planos, programas e projetos governamentais de me-
lhoramentos urbanos previstos ou em andamento; projetos já aprovados
junto à municipalidade, que podem gerar efeitos cumulativos e sinérgicos
quando implementados, e também impactos face às diferentes temporali-
dades de sua instalação ou descompasso na construção do espaço urbano.
Estes deverão ser informados pela Prefeitura, idealmente no momento
da elaboração do Termo de Referência com o conteúdo a ser estudado (a
exemplo dos arts. 5º e 6º da Res. CONAMA 01/86).
1018
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1019
Quanto à qualidade dos EIVs, estes não podem ser meramente descri-
tivos das condições atuais, mas necessitam apresentar metodologia de
avaliação dos impactos e medidas adequadas para redução e mitigação
dos impactos negativos. Para isso, é necessário que sejam elaborados por
equipes multidisciplinares qualificadas, podendo a prefeitura recorrer a
um cadastro de empresas/escritórios habilitados ao serviço.
1020
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1021
2.8. Relação com outros instrumentos
1022
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1023
ambientais), e vem definida como toda ação ou omissão que viole as re-
gras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio
ambiente (art. 70). As sanções vêm dispostas no art. 7226 e a autoridade
deve promover a abertura de processo administrativo, sob pena de corres-
ponsabilidade, observando a ampla defesa e o princípio do contraditório.
A responsabilidade civil por danos causados ao ambiente urbano do
empreendedor e dos profissionais que elaboram os estudos (eles concor-
rem para a prática da degradação ambiental) é objetiva, vale dizer, ela
independe da apuração de culpa (arts. 3º, IV e 14 da Lei n. 6.938/81). A do
órgão ambiental é objetiva (art. 37, parágrafo 6º, CF). A dos servidores/
agentes públicos responsáveis pela aprovação é objetiva (por concorre-
rem com a prática, ao aprovarem o EIV), e também podem responder por
improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92), sujeitando-se a penas civis,
administrativas e políticas27.
A responsabilidade criminal do empreendedor e dos profissionais
contratados pode decorrer, por exemplo, da omissão de informações nos
estudos, ou da inserção de informação falsa (art. 299 do Código Penal –
falsidade ideológica – 1 a 5 anos de reclusão e multa). A responsabilidade
do funcionário público pode decorrer da informação falsa ou enganosa,
da omissão da verdade, sonegação de informações ou dados técnico-
-científicos em procedimentos de autorização ou licenciamento ambiental
(art. 66, Lei n. 9.605/98 – 1 a 3 anos de reclusão e multa).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1024
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Estatuto da Cidade: guia para implementação
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1026
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Arquiteta urbanista, mestre pela FAUUSP, assistente técnica do Ministério Público do Estado de São Paulo.
angelaspilotto@gmail.com.
2 Arquiteta urbanista, doutora pela FAUUSP, assistente técnica do Ministério Público do Estado de São Paulo.
paulasantoro@usp.br.
3 Especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, Promotor
de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo, jcfreitas@mp.sp.gov.br.
4 Diz-se idealmente, porque isso que nem sempre se aplica, o zoneamento tem sido utilizado historicamente para
proteger o interesse dos proprietários e gerar diferenças no espaço (Rolnik, 1997; Villaça, 2012; entre outros).
5 Há também casos de municípios que adotaram um zoneamento composto essencialmente por zonas mistas,
em que o Estudo de Impacto de Vizinhança, instrumento que iremos tratar neste artigo, ganha uma importância
maior, será ele que definirá usos permitidos ou admitidos na escala da vizinhança. Um exemplo é o caso de
Votuporanga/SP (Cucato & Fava, 2010).
6 Projeto de Lei n. 775/83 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, que mais tarde foi substituído
pelo Projeto n. 5.788/90. Interessante observar que o projeto de lei original do Estatuto da Cidade, PL n. 181
de 1989, do Senador Pompeu de Souza, aparece sem o nome de EIV, nem regulamentação mínima, mas com
o mesmo princípio, de assegurar a participação popular, também na discussão de projetos de impacto urbano
e ambiental (art. 49) (Schalsberg, 2011, p.4).
1027
7 Aqueles que têm área de venda igual ou superior a dois mil metros quadrados.
8 Entre as contrapartidas estavam: a criação de uma nova avenida; o estabelecimento de uma cota dos produtos
a serem vendidos na loja, beneficiando a produção agrícola local; o aumento no número de lojas no interior
do empreendimento e a necessidade de abrigar os comerciantes locais (que sairiam das ruas para dentro do
supermercado); recursos para requalificação daqueles cujos negócios seriam afetados pelo empreendimento
e reserva de parte dos empregos na loja (10%) para pessoas acima de 30 anos; construção de uma creche para
60 crianças; além da responsabilidade pelo transporte dos materiais recicláveis para galpões de separação e
do lixo orgânico para uma usina de compostagem.
9 Isso leva à reflexão sobre a necessidade de mobilização em prol da disseminação do instrumento no país,
evitando grandes distorções de interpretação entre os municípios ou uma competição desleal entre estes,
quando se perde qualidade urbano-ambiental.
10 Em recente reunião sobre o instrumento na Câmara Municipal, uma técnica da Secretaria do Verde e Meio
Ambiente afirmou que foram analisados 19 EIV-RIVs em 8 anos, entre 2006 e 2013, o que mostra que houve
uma redução grande do número de empreendimentos que estão apresentando estes estudos, pois corresponde
ao mesmo número dos que foram analisados em dois anos, entre 1990 e 1992.
11 Pesquisa MUNIC 2008 pergunta “se o município possui, ou não, leis específicas sobre os instrumentos de
política urbana relacionados”, dentre eles “Estudo de Impacto de Vizinhança”, considerado “estudo realizado
antes da aprovação do empreendimento ou atividade para mostrar seus efeitos quanto à qualidade de vida da
população residente na área e suas proximidades” (pergunta 5.4, com resposta 1 = sim ou 2 = não).
12 Agravo de Instrumento nº 334.282-5/5-00, Presidente Epitácio, TJSP, Primeira Câmara de Direito Público,
Relator Danilo Panizza, j. 10.02.04, v.u.; Agravo de Instrumento n° 357.165-5/O, Pirajuí, Terceira Camara de
Direito Publico, Relator Laerte Sampaio, j. 09.06.04, v.u.; Agravo de Instrumento n° 994.09.259211-0 (971.798-
5/5-00) – São Bernardo do Campo – TJSP - Câmara Reservada ao Meio Ambiente – j. em 29.07.10, Relatora
Regina Capistrano.
13 Agravo de Instrumento nº 876860-7, TJPR, 5ª Câmara Cível, j. 08.05.12, Relator Leonel Cunha.
14 Agravo de Instrumento no 5001805-94.2013.404.0000, j. em 01.02.13, Relator Des. Luís Alberto D’Azevedo
Aurvalle (D.E. 04.02.13).
15 O PL foi proposto pelo Executivo a partir de projeto formulado pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente
e Desenvolvimento Sustentável (CADES), entre 2005 e 2006.
16 O PL 414/11 traz os seguintes conteúdos: (i) EIV/RIVI prévios à emissão de licenças de construção e am-
pliação ou dos alvarás de aprovação e de aprovação e execução ou das licenças de funcionamento (art. 1°); (ii)
definição das atividades e empreendimentos geradores de impacto de vizinhança com listagem das situações
em que os empreendimentos podem se enquadrar (art. 2° e 3°); (iii) procedimentos para aprovação do EIV/
RIVI (art. 4°, 5°, 10 e 11); (iv) aspectos que devem ser analisados no EIV/RIVI (art. 6°) e que devem seguir o
Termo de Referência anexo ao PL (art. 7°); (v) sobre a publicização do EIV/RIVI e a realização de audiência
pública (art. 8° e 9°); e, (vi) responsabilidades quanto às despesas do EIV/RIVI (art. 12).
17 “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações” (CF, art. 225).
18 Considerados: “III. empreendimentos geradores de impacto de vizinhança: aqueles que pelo seu porte ou
natureza possam causar impacto ou alteração no seu entorno ou sobrecarga na capacidade de atendimento
da infra-estrutura” (art. 157, II).
19 Considerados: “II. empreendimentos geradores de impacto ambiental: aqueles que possam causar altera-
ção das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente e que direta ou indiretamente afetem:
a) a saúde, a segurança e o bem estar da população; b) as atividades sociais e econômicas; c) a biota; d) as
condições paisagísticas e sanitárias do meio ambiente; e) a qualidade dos recursos ambientais;” (art. 157, II).
20 “Art. 2º. Para os fins desta lei, atividades e empreendimentos geradores de impacto de vizinhança são aqueles
que, por seu porte ou natureza, possam causar impactos ambientais relacionados à sobrecarga na capacidade
de atendimento da infraestrutura urbana e viária, bem como à deterioração das condições da qualidade de
vida do entorno” (PL n. 0414/2011, art. 2º).
21 Expressão utilizada por CORDEIRO, António. A Proteção de Terceiros em Face de Decisões Urbanísticas.
Coimbra: Almedina, 1995, p. 145-153.
22 Aqui a aprovação “lote a lote”, de cada empreendimento isoladamente na Prefeitura, inviabiliza a percepção
do impacto cumulativo.
23 Nesse sentido a Resolução CONAMA 01/86, que disciplina a realização do EIA/RIMA, no seu art. 5º,
parágrafo único, autoriza o Poder Público fixar diretrizes complementares, considerando as características
ambientais e peculiares do projeto.
24 Conforme a Lei Federal n. 6.766/79 e alterações posteriores, que dispõe sobre o parcelamento do solo ur-
bano, “A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento
das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica
1028
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
pública e domiciliar e vias de circulação” (Art. 2° § 5o) e “Consideram-se comunitários os equipamentos públicos
de educação, cultura, saúde, lazer e similares” (Art. 4° § 2º).
25 O termo de referência, de forma geral, deve ter como conteúdo mínimo: (i) caracterização do empreendi-
mento e definição da área de influência diretamente e indiretamente afetada; (ii) análise da situação atual da
área de influência do empreendimento; (ii) diagnóstico dos efeitos (impactos) positivos e negativos (segundo
os diferentes grupos: residentes, usuários, funcionários, etc.), avaliando a compatibilidade e viabilidade, por
meio da apresentação da situação futura com a implantação do empreendimento; e, (iv) proposição de so-
luções para os impactos, demonstrando a viabilidade e compatibilidade e definição de medidas mitigadoras
e/ou compensatórias.
26 Advertência, multa simples; multa diária; apreensão de animais, produtos, equipamentos, veículos; destruição
de produto; suspensão de venda e fabricação de produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra;
suspensão ou cancelamento de atividade; penas restritivas de direitos, como a suspensão de registro, licença
ou autorização, perda de incentivos fiscais ou em financiamentos em estabelecimentos oficiais de crédito,
proibição de contratar com a Administração Pública.
27 Suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens, ressarcimento ao
erário, proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários.
1029
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Estudo de impacto de
vizinhança e vinculação
do Poder Público
1
Rayanna Brito
Edson Ricardo Saleme2
INTRODUÇÃO
1031
principais diferenças entre o Estudo de Impacto Ambiental e o Estudo de
Impacto de Vizinhança e da vinculação do Poder Público aos resultados
obtidos nesse instrumento.
1032
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1033
e uma franquia do Mc Donald`s no seguinte sentido:
1034
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1035
Isso compreende também que o que se quer implementar não contraste
com o que permite o zoneamento local.
3. LICENÇA E AUTORIZAÇÃO
Embora admita-se que ambas sejam concedidas por alvará, José Afonso
da Silva11, ponderando acerca do assunto, defende que a autorização é
precária e destinada a empreendimentos provisórios, e a licença, por sua
vez, é definitiva e diz respeito a construções permanentes.
A doutrina e jurisprudênciaindicam que os institutos das “licenças”
urbanística e ambiental são, na verdade, autorização. Configuram-se atos
precários e não definitivos, pois tratam de interesses transindividuais que,
em caso de descumprimento, impõe ao Poder Público o poder dever de
cassar a autorização eventualmente concedida. Considerando o próprio
sentido de poder de polícia, como a capacidade da Administração conferir
autorização para o exercício de determinadas atividades pública. Se for
constatado que ela não vai ao encontro das premissas estabelecidas em
lei ou é realizada de forma a impactar o ambiente, impede-se o exercício
da atividade.
1036
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1037
ração do instrumento devem indicar no EIV, nos termos do disposto no
artigo 37 do Estatuto da Cidade, o cumprimento das exigências relevantes à
melhoria da infraestrutura capazes de suportar as externalidades oriundas
dos grandes empreendimentos.
Com isso, a Resolução nº34/05 do Conselho das Cidades, estabelece
no artigo 3º, que o Plano Diretor (artigo II), é o responsável por elaborar
critérios para a aplicação do EIV. O ente Municipal deve estar ciente acerca
de imposições e fórmulas capazes de evitar ou minimizar impactos.
Os Estudos de Impacto de Vizinhança já contam com alguma regu-
lamentação legal e normativa capazes de orientar o administrador na
concessão de licença urbanística. Essas normas, estabelecidas por normas
municipais não podem ser tomadas apartadas do plano diretor e do plano
diretor de mobilidade urbana, nos termos que dispõe as Leis nº s 10.257,
de 2001 e 12.587, de 2012. O EIV tomado separadamente desses planos e
sem o respectivo processo de aprovação urbanística, não cumprirá com
os objetivos para o qual foi previsto.
5. A PARTICIPAÇÃO POPULAR NA
CONFECÇÃO E CONCRETIZAÇÃO DO
ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINhANÇA
1038
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1039
licença ou autorização poderá responder por improbidade administrativa
com fundamento no que dispõe o artigo 11 da Lei nº 8.429, de 1992.
A população pode, mediante ação popular, nos termos do artigo 1º c/c
artigo 2º “b”, da Lei nº 4.717, de 1965, controlar a ação da municipalidade,
nos casos de omissão quanto a elaboração do EIV, em razão da licença
ou autorização ter sido expedida com vício, por não observar as regras
constantes tanto da Constituição Federal, como no Estatuto da Cidade,
conforme já discorrido anteriormente.
1040
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1041
ou atividade e, a administração deve sopesar suas consequências diante
dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, respondendo nos
casos de omissão ou falta de justificativa para os seus atos.
Com vistas a corroborar este estudo, Vanêsca Buzelato Prestes sintetiza:
8. CONCLUSÕES
1042
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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________. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2005.
1043
NOTAS
1 Mestranda em Direito Ambiental e graduada em Direito pela UNISANTOS. Advogada em São Paulo.
2 Professor Doutor do Curso de Mestrado e Doutorado em Direito Ambiental Internacional da UNISANTOS.
Professor de Graduação da Unisantos e Universidade Paulista. Advogado em São Paulo.
3 Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano, p. 55.
4 Renato Cymbalista (Dicas do Instituto Polis – Idéias para a ação Municipal – Estudo de Impacto de Vizinhança,
nº 192) disponível em: www.polis.org.br.
5 Plano Diretor e Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) – Revista de Direito Ambiental, nº 37, ano 10, janeiro
– março de 2005, Editora Revista dos Tribunais.
6 Artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor: “A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo – Parágrafo único: A defesa coletiva será exercida
quando se tratar de: I- interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindivi-
duais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.
7 Temas de Direito Urbanístico, p. 298-303.
8 A influência do Estudo de Impacto de vizinhança na expedição da licença urbanística para construção de empre-
endimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente urbano, p.55.
9 Artigo 36 do Estatuto da Cidade: “Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em
área urbana que dependerão de elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) para obter as licenças
ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal”.
10 Direito Administrativo Brasileiro, p.177.
11 Direito Urbanístico Brasileiro, p. 388.
12 A influência do Estudo de Impacto de vizinhança na expedição da licença urbanística para construção de empre-
endimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente urbano, p.60.
13 Artigo 2º, xIII: “a audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implan-
tação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou
construído, o conforto ou a segurança da população”.
Artigo 37, parágrafo único: “Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para
a consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado”.
14 A influência do Estudo de Impacto de vizinhança na expedição da licença urbanística para construção de empre-
endimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente urbano, p.75.
15 Os princípios do Estudo de Impacto Ambiental como Limites da Discricionariedade Administrativa, Revista
Forense, Vol. 317, p.27.
1044
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Gestão de cidades:
instrumentos contemporâneos e
a judicialização da política urbana
1. INTRODUÇÃO
1045
atividades de análise de reuniões do Conselho de Desenvolvimento Urbano.
Concluiu-se que os instrumentos de gestão existentes para a concre-
tização das estratégias e objetivos de um planejamento sustentável das
cidades não são aplicados na prática administrativa em razão de interesses
políticos e econômicos. Nesse viés, os conflitos das disputas do espaço
urbano que deveriam ocorrer no campo da mediação, com a efetiva parti-
cipação popular por meio de audiências públicas, são judicializados. Dessa
maneira, o trabalho revela a resistência pelo Poder Público em realizar a
divisão justa da cidade, preconizada pela nova ordem urbanística, a qual
está sendo contraposta pela sociedade, que, ao não se lhe conceder o
espaço legítimo de debate – audiência pública –, tem conseguido impedir
as ações contrárias ao interesse público, recorrendo ao Poder Judiciário.
1046
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1047
presente comprometerem os níveis de bem-estar das gerações futuras.
Nesse debate sobre cidades sustentáveis, é indispensável introduzir
as Metas do Milênio. Durante a realização da Cúpula do Milênio, reunião
promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York,
em 8 de setembro de 2000, líderes de cento e oitenta e nove países firma-
ram um pacto. Desse pacto, cujo foco principal era o compromisso de
combater a pobreza e a fome no mundo, nasceu o documento chamado
Declaração do Milênio, conhecido como Metas de Desenvolvimento do
Milênio (MDM). Ficou, assim, estabelecido como prioridade eliminar a
extrema pobreza e a fome do mundo até 2015.
Interessante destacar que os municípios brasileiros não integraram
o debate entre a Agenda 21 e os Objetivos e Metas de Desenvolvimento
do Milênio, embora sejam dois instrumentos que se articulem e se com-
plementem para a consecução do desenvolvimento sustentável, ambos
aprovados e adotados pela comunidade dos Estados-membros que com-
põem a Organização das Nações Unidas (ONU). A Declaração propôs
compromissos concretos que, se cumpridos nos prazos fixados, segundo
os indicadores quantitativos que os acompanham, deverão melhorar o
destino da humanidade neste século. Essa declaração menciona que os
governos “não economizariam esforços para libertar nossos homens,
mulheres e crianças das condições desumanas da pobreza extrema”5, e
as ações seriam monitoradas pelo Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH), medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação
e expectativa média de vida.
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio são oito: erradicar a
pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a
igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortali-
dade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/AIDS, a malária
e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental; e estabelecer uma
parceria mundial para o desenvolvimento. Esses objetivos seriam atingidos
por meio da realização de ações específicas, para atingir dezoito metas,
cujo cumprimento poderia ser acompanhado pelo conjunto de quarenta e
1048
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1049
3. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O ESTATUTO
DAS CIDADES COMO INDUTORES DA FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA CIDADE
1050
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4. A JUDICIALIZAÇÃO DO
TRATAMENTO DA POLÍTICA URBANA
1051
e de fazer transformações por meio de pactos. A política de desenvolvi-
mento urbano tem como objeto o espaço socialmente construído, com o
recorte em torno dos temas estruturadores do espaço urbano e de maior
impacto na vida da população. Maricato discorre assim sobre o tema:
A cidade não é neutra e deve ser vista como força ativa, ferramenta
eficaz para gerar empregos e renda e produzir desenvolvimento. Esse fato
mostra a necessidade de superar os desafios de uma política nacional
urbana, ainda com pontos críticos que merecem reanálise, objetivando o
avanço das ações em escala local, como a promoção de um planejamento
territorial integrado, inter-relacionando todas as escalas; o estabeleci-
mento de formas institucionais de participação e controle social, essen-
cialmente a atribuição de caráter deliberativo aos Conselhos Municipais;
a elaboração de um sistema unificado de informações que articule as
três esferas de governo, para o monitoramento e avaliação da política;
estabelecimento de fontes estáveis e permanentes de recursos financeiros
nos três níveis de governo.
Partindo dessa linha de pensamento, a Política Nacional de Desenvolvi-
mento Urbano (PNDU), no campo habitacional, considerou a necessidade
da criação da Política Nacional de Habitação (PNH), como novo modelo
de organização institucional e com os seguintes componentes: a integra-
ção urbana de assentamentos precários, a urbanização, a regularização
fundiária sustentável, a provisão da habitação e a integração da política
de habitação à política de desenvolvimento urbano.
1052
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1053
mentos maciços voltados para o setor. Atualmente, segundo o Relatório
Future of urban mobility11, 64% do total de viagens são feitas dentro de
áreas urbanas, e essas viagens deverão triplicar até 2050. Portanto, a
capacidade de inovar é fundamental e deve ocorrer de forma rápida, con-
veniente e com pouco impacto ambiental, embora a maioria dos sistemas
de mobilidade urbana no Brasil se mostre hostil à inovação, por razões
econômicas e políticas.
A Mobilidade Urbana Sustentável pode ser definida como o resultado de
um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar
o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, por meio da priorização
dos modos não motorizados e coletivos de transportes, de forma efetiva,
que não gerem segregações espaciais, socialmente inclusivos e ecologi-
camente sustentáveis.
As políticas de uso e ocupação do solo, com foco na mobilidade ur-
bana, deveriam induzir à formação de uma cidade mais compacta e sem
vazios urbanos, onde a dependência dos deslocamentos motorizados fosse
minimizada. Mas os dirigentes públicos, reiteradamente, por pressões do
setor econômico, expandem as cidades ao entorno, gerando quantidade
expressiva e inaceitável de terrenos urbanos ociosos em bairros consoli-
dados, dotados de infraestrutura e de acessibilidade privilegiada, que são
estocados para fins de especulação e valorização imobiliária, beneficiando
exclusivamente os seus proprietários.
Os Planos-Diretores, tradicionalmente, estabelecem diretrizes para a
expansão e adequação do sistema viário e para o sistema de transporte
público. Incorporar a mobilidade urbana ao Plano-Diretor é priorizar, no
conjunto de políticas de transporte e circulação, a mobilidade das pessoas,
e não dos veículos; o acesso amplo e democrático ao espaço urbano; e os
meios não motorizados de transporte.
Nesse viés de debate proposto pelo trabalho voltado para a ocupação
racional do espaço urbano, enfoca-se a insistente ocupação urbana das
áreas de risco, destacando que estudos constatam que, no último século,
o grave problema dos desastres naturais ocorridos nas cidades produzi-
1054
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
ram danos muito superiores aos provocados pelas guerras. Alguns fatores
gerados por crises econômicas refletem negativamente sobre a segurança
das comunidades contra desastres, como deterioração de condições de
vida, intensificação das desigualdades e desequilíbrios que provocam o
desenvolvimento de bolsões e cinturões de extrema pobreza, no entorno
das cidades de médio e grande porte.
Todavia, o Estado tem a obrigação de salvaguardar a população por
causa do direito natural à vida e à incolumidade, formalmente reconhecido
pela Constituição da República Federativa do Brasil. Assim, compete à
Defesa Civil a garantia desse direito, em circunstâncias de desastre, além
do objetivo constante de reduzir os desastres, em número e intensidade
(BRASIL, 2007). Assim a Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, que insti-
tuiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), originada da
Medida Provisória (MP) nº 547, de 11 de outubro de 2011, vem tentando
cumprir esse papel.
A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil tem seu enfoque na
redução de desastres por meio de ações de prevenção, mitigação, prepa-
ração, resposta e recuperação voltadas à proteção e defesa civil, e aponta
mecanismos que estabelecem a articulação entre União, Estados, Distrito
Federal e Municípios e integram a sociedade nas discussões. Entre seus
objetivos, destacam-se a incorporação da redução do risco de desastre e
as ações de proteção e defesa civil – entre os elementos da gestão terri-
torial (ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, meio ambiente,
infraestrutura) – e do planejamento das políticas setoriais (saúde, educação,
recursos hídricos, geologia, mudanças climáticas, ciência e tecnologia) –,
tendo em vista a promoção do desenvolvimento sustentável.
A velocidade do crescimento das cidades resultou na falta da acomo-
dação espacial da população. As soluções para a questão espacial com
o uso de processos arcaicos, como os planejamentos de gabinete e deci-
sões à custa de interesses da classe dominante, mostraram-se ineficazes.
Percebe-se, nesse contexto, haver indicação da construção de um novo
paradigma, com base no planejamento urbano que objetive o desenvol-
vimento sustentável das cidades.
1055
Nesse contexto, é importante destacar que, para Silva12, o Plano-Diretor
emergiu da dialética ocupação do espaço e indissociabilidade entre o ur-
bano e o rural. É conhecido como plano estratégico, por traçar objetivos
e fixar prazos, estabelecer atividades, e definir sua execução; e, como
diretor, por fixar as diretrizes do desenvolvimento urbano do Município.
Mesmo não tendo sido utilizada a melhor técnica para a elaboração dos
Planos-Diretores no País, caberia à sociedade exercer a cidadania e fazer
valer os preceitos constitucionais. Afirma-se que “Nenhum instrumento
é adequado em si, mas depende de sua finalidade e operação. Nenhuma
virtualidade técnica substitui o controle social sobre essa prática”13.
Pode-se afirmar que os planos urbanos convergem para o ordenamento
territorial e o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade
urbana e da cidade. Para isso, entre as diretrizes usuais, destacam-se a
“regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população
de baixa renda, mediante normas especiais de urbanização, uso e ocu-
pação do solo e edificação, considerada a situação socioeconômica da
população e as normas ambientais”14 como principais metas das admi-
nistrações municipais.
Nota-se que os assentamentos informais são uma realidade em todas
as cidades brasileiras, e a necessidade quantitativa atual é de 7,2 milhões
de moradias, concentradas nas áreas urbanas e nas faixas de mais baixa
renda da população. Esse dado é baseado em um estudo do Ministério das
Cidades (2004), definido a partir do Censo de 2000, do IBGE, embora essa
quantia possa ser muito superior, caso se considerem os assentamentos
irregulares com infraestruturas já instaladas, não computadas neste estudo.
A irregularidade fundiária é questão estrutural das cidades brasileiras,
caracterizada por um desenvolvimento urbano desordenado. Fala-se, com
razão, na dimensão acentuada do “problema” da irregularidade no Brasil,
chegando-se a percentuais que variam em torno de 40 a 70% do parque
imobiliário existente.
A regularização fundiária pode contribuir para a inserção plena do
cidadão na cidade e paralelamente viabilizar a sustentabilidade da ci-
1056
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1057
conflitivos, condição que possibilita realizar esforço no sentido de mitigar
as insuficiências do modelo normativo.
Nesse viés, para a construção de um plano, é necessário reconhecer a
existência de mais do que uma explicação (por ser cooperativo e conflitivo),
o que implica diversas apreciações da realidade, considerada a complexi-
dade do sistema social. Desta feita, a economia deixa de ser preponderante
na explicação da realidade, fator que possibilita a viabilidade política do
plano. Portanto, compõe a integração do técnico e do político no âmbito
do planejamento, que se configura como aposta contra as incertezas.
Dessa maneira, o mesmo autor16 entende que o Plano Normativo ignora
a sua viabilidade de execução quando não estabelece a consulta política
entre a equipe técnica de planejamento e a direção política do governo.
Então, não cumpre o papel de interação entre o técnico e o político, fator
que reforça a sua impraticabilidade. Por isso, é importante que o plano
seja o resultado de mediação entre o conhecimento e a ação, que são
passos de acumulação de conhecimento para agir. Desse ponto de vista, o
planejamento só se completa na ação e, nesse momento em que o plano é
testado, é necessário ter mecanismos que permitam adaptá-lo com agilida-
de para fazer frente às surpresas que surgem durante a sua implantação.
Para conhecer a realidade, é necessário compreendê-la por meio da
identificação dos problemas descritos pelos atores, do exame de viabilidade
política do Plano e do processo de construção dessa viabilidade para as
operações não viáveis definidas no momento anterior – uma estratégia
para lidar com pessoas e as circunstâncias que rodeiam o jogo social –,
e identificar os recursos para a viabilização do Plano. Em suma, deve-se
identificar os interesses e valores que os atores sociais relevantes con-
ferem às operações do Plano e as possíveis alianças e oposições, com a
finalidade de traçar a estratégia a ser adotada para viabilizá-lo.
Essa nova concepção de planejamento exige mudança radical nas
concepções tradicionais, que vai além da análise econômica: produz todo
contexto social e político; adota tecnologias compatíveis com a velocidade
da mudança das situações reais; enfrenta o problema da incerteza dentro
1058
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1059
tenham perdas. A competição pelos recursos do território cria conflitos
entre o mercado e a sociedade, tanto pelo valor de troca como pelo de uso20.
As cidades pequenas e médias, regra geral, têm corpo técnico e político
desqualificado, o qual reduz consideravelmente as práticas qualitativas,
além de grande parte de o território nacional ainda viver de planejamento
de gabinete, fundamentado em posturas coronelistas, impondo modelos
inadequados às conjunturas locais, antítese da sustentabilidade urbana21.
A disputa pelo território ocorre entre os atores e os agentes interessados
no espaço da cidade. De um lado, está o mercado imobiliário, impondo
o chamado crescimento econômico, por intermédio de lobbies; de outro,
a sociedade. Constata-se, porém, que a força hegemônica capitalista,
com a influência do poder político, representada no caso pelo mercado
imobiliário, desvia-se, regra geral, do locus legítimo de embate: as audi-
ências públicas, os debates nos conselhos representativos e os debates
com técnicos especializados em questões urbanas.
Ao invés de o confronto pela disputa do espaço urbano acontecer
nesses locais próprios para o embate, passam pelos bastidores políticos.
Nesse contexto, são lançadas mãos de fortes apelos simbólicos para
desconstruir os posicionamentos contrários à especulação imobiliária
nas cidades brasileiras, fundados no discurso progressista. Portanto, a
desconstrução dessa lógica empregada nesse debate não depende somen-
te de argumentação técnica, mas de algo que dê uma força simbólica e
possibilite solidificar a engenharia reversa. As Câmaras de Vereadores têm
sido o local onde se tenta vincular o crescimento do mercado imobiliário
ao progresso da cidade. A simbologia do progresso pretende justificar a
necessidade do crescimento urbano como maneira de organizar a cidade
e como instrumento para regular o preço da terra, ao revés do debate
técnico sobre a temática.
Tem-se ainda a ampla defesa da propriedade absoluta, havendo, nos
debates acerca de temas fundiários, ao se tratar de vazios urbanos nas
cidades, frases como: estas terras “têm dono”, procurando dar o tom
imponderável da licitude, mesmo que os supostos “donos da terra” não
1060
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1061
duzido pela modificação da ordem espacial que estabelece ao empresário
urbano a sua capacidade de bancar os vazios urbanos, considerando-se
as variáveis do custo de produção habitacional e da ineficiência dos me-
canismos de tributação, [...] “porque os interesses econômicos das escalas
mais abrangentes colidem com as necessidades da escala da cidade”24.
Portanto, a cidade compacta, com a gestão adequada de seu território,
garantiria sua sustentabilidade. Ao contrário, seria privilegiada a corrup-
ção urbanística essencialmente por meio de alterações legislativas, com
objetivos de favorecer interesses particulares do mercado imobiliário.
Condição que, além de acarretar prejuízos às cidades, refletiria numa
maior incidência de afastamento das classes menos favorecidas das re-
giões centrais, obrigando-as a viver em lugares cada vez mais precários.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1062
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1063
apresenta uma disfunção grave no processo de votação proporcional, nas
coligações partidárias. Por desconhecimento, o eleitor não sabe para onde
vai o seu voto, fator que gera natural desinteresse, pelo próprio baixo grau
de politização. Os eleitores votam por obrigação, o que reforça a crise de
confiança no Legislativo.
A mobilização popular e até uma possível intervenção do Ministério
Público têm efeito sobre as decisões que ferem o interesse público nas
Câmaras Municipais.
A judicialização do debate acerca das cidades, com as transformações
de políticas e planos urbanos, tem deslocado as discussões da disputa do
espaço urbano, que deveria estar no campo da mediação, para o Judici-
ário. Verifica-se então que se por um lado o deslocamento é prejudicial
por não pautar da mediação, por outro garante ao cidadão seus direitos
constitucionais, embora sem empoderamento o resultado se tornasse
comprometido.
Portanto, optar pela mediação levando os debates sobre as cidades às
conferências, às audiências públicas, enfim à efetiva participação popular,
com o uso dos instrumentos discutidos neste estudo, viabilizaria, a médio
e em longo prazo, uma melhor qualidade de vida à população, com eco-
nomia de recursos. Nesse contexto, a judicialização, além de representar
um retrocesso, no aspecto participativo, pela falta do empoderamento,
isola as decisões, não interage e na maioria das vezes, mesmo atendendo
aos interesses da população, fica distante do seu cotidiano.
REFERÊNCIAS
1064
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1065
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NOTAS
1 Doutor em Geografia. Graduado em Direito. Universidade Federal do Tocantins. Professor do Curso de Di-
reito (Direito Urbanístico) e Docente Permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional.
E-mail: jbazolli@uft.edu.br
2 NOVAES, W. Agenda 21: um novo modelo de civilização. In: TRIGUEIRO, C. Meio ambiente no século
21. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 49.
3 SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. p. 15.
4 NOSSO FUTURO COMUM. Comissão Mundial da Organização das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (UNCED). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. 430 p. Disponível
em: <http://pt.scribd.com/doc/12906958/Relatorio-Brundtland-Nosso-Futuro-Comum-Em-Portugues>.
Acesso em: 30 ago 2012. p. 9.
5 Nações Unidas. Declaração da Cúpula do Milênio das Nações Unidas. Centro de Informações das Nações
Unidas. Nova York, 2000. http://www.unric.org/html/portuguese/uninfo/DecdoMil.pdf. Acesso em 2 abr 2013.
6 MONITOR TRACK LEARN SUPPORT (MDG). The Millennium Development Goals (MDGs): the national
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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7 QUINTO JUNIOR, L. D. P. Nova legislação urbana e os velhos fantasmas. Revista Estudos Avançados,
São Paulo, v. 17, n. 47, p. 187-196, 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ ea/v17n47 /a11v1747.
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9 MARICATO, E. Ministério das Cidades e a política nacional de desenvolvimento urbano. Políticas sociais:
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10 BRASIL. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Brasília, 2004. 85
p. Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/index.php/biblioteca-snpu>. Acesso em: 16 ago 2012. p.29.
11 LITTLE, A. D. Future of urban mobility: towards networked, multimodal cities of 2050. Boston, 2011. 28
p. Disponível em: <http://www.adlittle.com/downloads/tx_adlreports/ADL_ Future_of_ urban_mobility.pdf>.
Acesso em: 29 ago 2012.
12 SILVA, J. A. D. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997.
13 MARICATO, E. Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. 3ª ed. Petropólis: Vozes, 2008. p. 96.
14 HARADA, K. Direito Urbanístico: Estatuto da Cidade. Plano Diretor Estratégico. São Paulo: NDJ,
2004. p. 41.
15 MATUS, C. Adeus, senhor presidente: governantes governados. Tradução de Luís Felipe Rodrigues
del Riego. 3ª ed. São Paulo: Fundap, 1996.
16 Id., Ibid.
17 GUMUCHIAN , H. E.; GRASSET, R.; LAJARGE, Y. E. R. Les acteurs, ces oubliés du territoire. Paris:
Anthropos, 2003.
18 AROCENA, J. El desarrollo local: un desafio contemporáneo. Montevideo: Taurus, 2001.
19 AMIN, S. Les luttes pour la terre et les ressources naturalles et la construction d’alternatives.
Valencia: Foro Mundial sobre la Reforma Agraria, 2005.
20 SANTOS, M. Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec, 1997.
21 ROMERO, M. A. B. Urbanismo sustentável para a reabilitação de áreas degradadas: construindo um
sistema de indicadores de sustentabilidade urbana. Brasília: UNB, 2008. p. 528. Disponível em: <http://
vsites.unb.br/fau/pesquisa/sustentabilidade/linhas_de_pesquisa/ Pesquisa/Pesquisa/universal 2006REL%20
parte%20I.pdf>. Acesso em: 9 ago 2012.
22 CARLOS, A. F. A. A cidade. 8ª ed. São Paulo: Contexto, 2005. (Repensando a Geografia). p. 89.
23 PRALON, E. M.; FERREIRA, G. N. Centralidade da Câmara Municipal de São Paulo no processo decisório.
In: ANDRADE, R. D. C. (Org.). Processo de governo no Município e no Estado. São Paulo: EDUSP, 1998.
pp. 73-86. p. 86.
24 SPOSITO, M. E. B. A produção do espaço urbano: escalas, diferenças e desigualdades socioespaciais. In:
CARLOS, A. F. A. et al. A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas e desafios. São
Paulo: Contexto, 2011. p. 139.
25 ANDRADE, R. D. C. Processos decisórios na Câmara dos Vereadores e na Assembleia Legislativa de São
Paulo. In: ANDRADE, R. D. C. A. (Org.). Processo de governo no município e no Estado: uma análise a
partir de São Paulo. São Paulo: EDUSP, 1998. pp. 15-40. p. 18.
1067
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1069
da falta (ou da raridade) de paradigmas e antecedentes para a modulação
de seus marcos – legais ou regulamentares e, também, administrativos.
Assim, os percalços são inevitáveis, e várias questões permanecem em
aberto, mas já se vislumbra a possibilidade efetiva de utilização do PEUC
no combate à resiliência dos “vazios urbanos” e, portanto, na exigibilida-
de de usos que atendam à função social da propriedade imóvel urbana,
sempre considerando as estratégias e objetivos próprios ao planejamento
urbano de cada município, com suas peculiaridades, obrigatoriamente
estampados nos respectivos planos diretores.
A exposição principia com uma abordagem jurídica e urbanística acerca
da trajetória do PEUC no Brasil, anotando certas dificuldades e questões
que se colocaram aprioristicamente, e que serviram como balizas para as
alternativas adotadas na regulamentação e na gestão do instrumento. Em
seguida, trataremos de caracterizar o município e sua realidade urbana, as
opções acolhidas pelo Plano Diretor e a pertinência do PEUC neste contex-
to. Prosseguiremos descrevendo o instrumental (procedimentos, bancos de
dados e de informações, etc.) manejados pela administração, encerrando
com um resumo dos produtos até o momento e as perspectivas futuras.
1070
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1071
É na tensão entre esses elementos que o Estatuto da Cidade (Lei
10.257/2001) irá disciplinar o PEUC e seus sucedâneos (IPTU progressivo
no tempo e desapropriação com pagamento em títulos), nos artigos 5º
a 8º, 42 “I” e 46 (consórcio imobiliário), com destaque para as regras de
procedimento da notificação, mas também outros tantos dispositivos dos
artigos citados e que avançam na aplicabilidade do instrumento por sobre
a proteção exacerbada da propriedade privada, dominante até então no
arcabouço jurídico brasileiro. Antes disso, porém (art. 2º, VI, “e”), o Estatuto
coloca como uma das diretrizes gerais da política urbana a “ordenação
e controle do uso do solo, de forma a evitar: (...) a retenção especulativa
de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização”.
Esse cenário poderia apontar para a adoção ampla do PEUC pelos
municípios, ao institucionalizarem a política urbana local. Entretanto,
como anotam Oliveira e Biasotto (2011, 79-84), 87% dos planos diretores
(chegando a 100% em estados como Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro,
e, no geral, mais do que, por exemplo, a outorga onerosa ou as operações
urbanas consorciadas) o fizeram, mas de maneira acrítica e irrefletida, sem
relação com as estratégias do desenvolvimento urbano ou apenas trans-
crevendo o texto do Estatuto. Pior que isso, sem avançar na aplicabilidade
do instrumento (por exemplo, determinando as porções do território sobre
o qual incidiria) e, quando o fazem, em muitos casos isso se dá de forma
edulcorada ou restritiva.
Assim, o PEUC encontra-se numa espécie de círculo vicioso, onde a
raridade das experiências concretas faz aumentar a inapetência dos go-
vernos e mesmo da sociedade civil em sua adoção, com poucas tentativas
de rompimento. Entretanto, forçoso é reconhecer que a implementação
do PEUC em qualquer realidade urbana implica, sim, em esforço razoável,
de levantamentos e análises complexas, em face de certos condicionantes
ou limites, alguns dos quais anotaremos abaixo.
1072
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1073
notificação e controle do cumprimento das obrigações de edificar, parcelar
ou utilizar. Assim, nos parece decisivo (i) definir e aperfeiçoar a utilização
das fontes de informação (cadastros municipais ou registrários, dados
sobre serviços utilizados, como água e energia elétrica-especialmente
valiosos para aferir a não-utilização, diligências e documentação por
imagens aéreas e fotos, etc.); (ii) a capacitação das equipes responsáveis
pelas notificações, as quais devem ser pessoais, tanto quanto possível;(iii)
a abertura para impugnações por parte dos proprietários; (iv) a celeridade
das averbações perante os cartórios de registros de imóveis; e, sobretudo
(v) a definição de uma rotina de acompanhamento dos desdobramentos
da notificação, seus percalços e entraves6.
1074
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1075
A expansão urbana deixou interstícios – terrenos vazios ou subutili-
zados e, mais recentemente, imóveis não utilizados – em meio ao tecido
urbano fora dos mananciais e, até mesmo, na região central. Em resposta,
a estratégia adotada pelo planejamento da cidade veio no sentido de indu-
zir o cumprimento da FSPIU, visando o direito à moradia, a proteção das
áreas ambientalmente sensíveis e a recuperação do ambiente construído
ou da paisagem urbana,11 que se deteriora com a presença do abandono
que caracteriza, quase sempre, esse conjunto de imóveis.
Assim é que o plano diretor aprovado em 2011 trata objetiva e deta-
lhadamente do instrumento do PEUC, definindo:
que o mesmo se aplica à Macrozona Urbana Consolidada, cujos limi-
tes coincidem com a bacia do Tamanduateí, onde se quer induzir a plena
utilização da propriedade imobiliária;
que o objeto do instrumento são os imóveis com área igual ou superior
a 1.000m² não edificados ou subutilizados (com coeficiente de aproveita-
mento menor que 0,20), bem como as edificações não utilizadas há mais
de três anos;
os casos de isenção da obrigação (atividades econômicas que não
demandem edificação para exercer suas finalidades, bem como alguns
usos e atividades especiais);
os procedimentos gerais para a notificação e os prazos para o cum-
primento da obrigação.
1076
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1077
de sua proximidade do centro principal e do padrão de urbanização, de
forma que na primeira etapa foram incluídos o bairro Centro e dois bairros
de classe média, localizados ao norte do centro no sentido do município de
São Paulo; na segunda etapa, bairros que conformam um anel envoltório
ao bairro Centro; e na terceira e última etapa os bairros mais afastados;
priorização das ZEIS 2 – Zonas Especiais de Interesse Social, formadas
por imóveis vazios ou subutilizados reservados pelo zoneamento para a
produção habitacional, incluídas na primeira etapa de notificações, qual-
quer que seja sua localização na Macrozona Urbana Consolidada, dada
a relevância da questão habitacional e a perspectiva de que a notificação
induza ao cumprimento da função social da propriedade consistente, nesse
caso, na produção de habitação social.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4. A APLICAÇÃO DO INSTRUMENTO
1079
Os estudos basearam-se em informações do cadastro imobiliário, que
foram associadas ao banco de dados espaciais disponível no Sistema de
Informações Geográficas (SIG) da prefeitura municipal.14 Inicialmente foi
realizada uma consulta na base de dados bruta do cadastro imobiliário,
selecionando-se somente os lotes com área igual ou maior que 1.000 m²
(mil metros quadrados); estes foram representados no SIG, ambiente em
que se realizaram as consultas espaciais, das quais resultou a identificação
e uma listagem preliminar de imóveis vazios ou subutilizados,15 que ainda
foi submetida a uma comparação com a listagem de 2010 e a uma análise
do Departamento de Planejamento Urbano, visando eliminar flagrantes
imperfeições ou desatualizações do cadastro imobiliário, em especial
grandes empreendimentos implantados em imóveis que continuavam a
constar como não edificados.
De posse da listagem assim obtida, que totalizava 565 imóveis, foram
realizadas pesquisas no Sistema de Acompanhamento de Projetos de
Obras Particulares (OBRPAR), visando identificar os imóveis que possuíam
projetos em análise, alvará de construção e certificado de conclusão de
obras. Estes últimos – os imóveis com certificado de conclusão de obras
– foram excluídos da listagem, o que resultou num rol de 458 imóveis a
serem notificados por se apresentarem não edificados ou subutilizados. Os
demais – imóveis com projeto em análise ou com alvará de construção –
permaneceram na listagem de notificáveis, uma vez que somente a efetiva
execução das obras de construção ou ampliação os poderia desobrigar.16
Ainda restava a identificação dos imóveis não utilizados, para o que
foram buscadas várias fontes. De início foi consultado um levantamento
assistemático realizado em 2009 pela Secretaria Municipal de Desenvol-
vimento Econômico e Turismo (SDET) que fornecia informações acerca
de unidades industriais desativadas e, na sequência, realizadas vistorias
conjuntas entre as duas secretarias municipais – a SDET e a Secretaria
de Planejamento Urbano (SPU), encontrando-se 11 imóveis nessas con-
dições. Para complementar as informações recorreu-se aos indicadores
de consumo das concessionárias de serviços públicos, os quais podem se
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1081
quadro 1: Imóveis notificáveis por classes e etapas
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1083
qUADRO 2: Etapa 1: estágio das notificações
e atos subsequentes (ago. 2013)
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5. PERSPECTIVAS PARA O FUTURO MEDIATO
1086
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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põe sobre a aprovação do Plano Diretor do Município de São Bernardo do Campo
e dá outras providências.
________Lei nº 6.186, de 27 de dezembro de 2011. Dispõe sobre o instrumento
do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios instituído pelo Plano Diretor
do Município de São Bernardo do Campo, e dá outras providências.
________Decreto nº 18.437, de 16 de abril de 2013. Regulamenta a Lei nº
6.186, de 27 de dezembro de 2011, que dispõe sobre o parcelamento, edificação ou
utilização compulsórios, instituído pelo Plano Diretor do Município de São Bernardo
do Campo, e dá outras providências.
________Plano Local de habitação de Interesse Social de São Bernardo do
Campo: 2010-2025. Secretaria de Habitação da Prefeitura do Município de São
Bernardo do Campo, 2010.
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SOUZA, M. L. de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à
gestão urbanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
NOTAS
1 Claudia Virginia é arquiteta, mestre em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ), doutoranda em Pla-
nejamento e Gestão do Território (UFABC) e diretora de Planejamento Urbano da Prefeitura de São Bernardo
do Campo (PMSBC) – claudia.virginia@saobernardo.sp.gov.br; Fernando Bruno é mestre (PUCSP) e doutor em
Direito do Estado (USP) e professor da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu – fgbruno@uol.
com.br; Mauricio Gazola é arquiteto e urbanista, especialista em geoprocessamento – (UNICAMP) e assistente
do Departamento de Planejamento Urbano da PMSBC – mauricio.gazola@saobernardo.sp.gov.br; Wagner Bossi
é arquiteto e urbanista, mestre em Estruturas Ambientais Urbanas (FAUUSP) e gerente da implementação do
PEUC na PMSBC – wagner.bossi@saobernardo.sp.gov.br .
2 “Art. 182. (...)
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor,
exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado,
que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados
o valor real da indenização e os juros legais.”
3 BRUNO FILHO; DENALDI, 2009, p.39-40.
4 Algumas das questões levantadas aqui já o foram em outro trabalho de nossa autoria (BRUNO FILHO; DE-
NALDI, 2009), outras surgiram durante a experiência aqui relatada.
5 Anote-se a posição de Victor Carvalho Pinto (2002, p. 132 e ss.) no sentido de que, na verdade, a “não
utilização” seria gênero, do qual “não-parcelamento” e “não-edificação” seriam espécies. Apenas estas duas
últimas situações, portanto, seriam passíveis de regulação pelos municípios.
6 A correta e completa instrução dos processos administrativos, um para cada imóvel cujo proprietário foi
notificado, é medida essencial, o que já fora intuído por BUENO (2002, p.96-98).
7 Dados dos censos demográficos do IBGE mostram que São Bernardo do Campo registrou as seguintes Taxas
Geométricas de Crescimento Anual (TGCA) nos intervalos considerados: 10,74% (1950-60), 9,52% (1960-70),
7,76% (1970-80), enquanto que o Estado de São Paulo, registrou, nos mesmos intervalos as taxas de 3,57%,
3,20% e 3,49%. As taxas nacionais naqueles períodos eram ainda menores (3,7%, 2,78%, 2,48%).
8 O Macrozoneamento vigente toma por base as bacias hidrográficas como se verá no Mapa 1.
9 Não cabe aqui aprofundar a argumentação sobre o papel da legislação da antiga legislação de mananciais do
Estado de São Paulo, que de tão restritiva acabou por fazer cair o preço da terra, o interesse dos proprietários
e o controle sobre ela. Numerosos autores já se dedicaram ao tema, dentre eles MARICATO (1996).
10 SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2010.
11 Conforme princípios fundamentais e objetivos gerais da política urbano-ambiental constantes do plano
diretor do município – Lei 6.184/2011.
12 Conselho da Cidade e do Meio Ambiente de São Bernardo do Campo, constituído nos termos dos conselhos
de cidades recomendados pelo Ministério das Cidades e Conselho Nacional das Cidades, que agrega, também,
as funções de conselho de meio ambiente.
13 As inconsistências estão relacionadas à desatualização cadastral, haja vista que embora a equipe da Se-
cretaria de Finanças realize atualizações pontuais elas não são suficientes para acompanhar a dinâmica de
crescimento da cidade, gerando divergências entre o parcelamento real, legal e fiscal.
14 O cadastro imobiliário municipal é alimentado e mantido pelo Sistema Integrado de Arrecadação Municipal
(SIAM), onde as informações alfanuméricas são armazenadas no banco de dados corporativo Oracle. O SIAM
possibilita a realização de inúmeras consultas aos atributos cadastrados como, por exemplo, área de terreno
e área construída. Através do Sistema de Informações Geográficas (SIG) foi possível associar a base de dados
espacial à alfanumérica utilizando como link a inscrição imobiliária.
15 Por meio de uma sequência de cruzamentos espaciais usando métodos de intersecção e identificação, foi
possível relacionar os lotes aos bairros e às ZEIS 2 e classificá-los como vazios, quando a área construída era
igual a zero, e como subutilizado, quando a razão entre e área construída e a área de terreno era menor que 0,20.
16 Decisões como esta não foram tomadas facilmente. Por vezes, implicaram em sucessivos debates entre os
membros da equipe, como comentaremos adiante.
17 Os procedimentos de vistoria, elaboração do laudo técnico, autuação de processo administrativo e notifi-
cação vem ocorrendo progressivamente, em várias frentes, já que cada procedimento compete a uma equipe
diferente. Dessa forma, alguns imóveis já foram notificados, enquanto outros ainda cumprem os procedimentos
precedentes.
18 A notificação é aqui entendida no sentido amplo, incluindo, além do ato de notificar, as providências
anteriores e posteriores ao mesmo.
19 Houve caso em que, feita a notificação ao proprietário identificado no cadastro fiscal imobiliário, este a
repassou ao alegado proprietário atual que, por sua vez, pediu a impugnação da notificação, juntando escri-
tura de compra e venda lavrada em cartório de notas e não registrada no competente registro imobiliário.
20 O último recadastramento imobiliário foi realizado em 2007 e, desde então, as equipes fiscais se orientam
com base em imagens de satélite e trabalhos de campo. Novo recadastramento está em fase de contratação.
21 Foram recebidos e indeferidos pedidos de impugnação da notificação em casos do tipo.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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do poder regulamentar do Executivo, assomando muito mais complexo do
que se supõe, verdadeiro poder-dever, ou antes, dever-poder.
Nada obstante, perspectivas contemporâneas divergentes têm buscado
assentar sobre novos fundamentos tais prerrogativas, sendo da lavra de
Carlos Ari Sundfeld uma das críticas mais contundentes à noção de “poder
de polícia”, em sua vertente clássica:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Tanto assim, que postura idêntica tem sido encampada pelos Tribu-
nais Superiores, para endossar o caráter de discricionariedade técnica da
aprovação de projetos de loteamento, que somente se consubstancia em
ato jurídico perfeito com o registro6.
Por sua vez, o controle a que se assujeita a atividade edilícia enseja
análise mais detida do ‘direito de construir’, historicamente configurado
de modo diverso pela legislação, doutrina e jurisprudência nacionais.
Na perspectiva civilística convencional, emanava o direito de construir
diretamente do direito de propriedade imobiliária, como um dos poderes
dominiais, impassível de sofrer qualquer restrição externa. Já sob a ótica
do direito administrativo, de maneira genérica, o achatamento do ius ae-
dificandi pode ser interpretado como modalidade de intervenção estatal no
direito de propriedade, tendo, como contraponto, a pretensão indenizatória
do particular atingido. Ambos os vieses foram conciliados no Código Civil
brasileiro de 2002, na dicção do art. 1.299: “o proprietário pode levantar em
seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os
regulamentos administrativos”. Duas dimensões vêm à baila na prescrição:
o direito de vizinhança – ele mesmo sob reorientação no bojo da onda de
constitucionalização do direito civil, por autores como Luiz Edson Fachin7,
especialmente no dito “uso anormal da propriedade” do Título III, Capítulo
V, Seção I (CC/2002), ao lado dos “regulamentos administrativos”, que
mais se aproximam do debate que ora se propõe.
Em giro inovador, o paradigma urbanístico atual caracteriza essa
restrição imposta pelo zoneamento à possibilidade de edificar não como
limitação externa ao direito de propriedade, mas como conformação
imanente ao seu próprio núcleo essencial, por força da necessária funcio-
nalização da propriedade urbana inscrita no art. 182, §2º, da Carta Magna
e que deflui, concretamente, das exigências fundamentais de ordenação
da cidade expressas nos Planos Diretores Municipais. Impende salientar
que, a partir de hermenêutica sistemática das normas de regência, não
1093
se pode deixar de compreender que o Plano Diretor, em sentido material,
engloba, na realidade, o conjunto da legislação urbanística imprescindí-
vel à definição do que seja, em cada situação prática, a função social da
propriedade urbana, sob pena de tornar mera carta de princípios, com
elementos programáticos de baixo grau de vinculação, descambando em
ilusão de planejamento8. Defendemos, portanto, a extensão do regime jurí-
dico próprio do Plano Diretor também às regras locais de uso, ocupação e
parcelamento do solo, bem como à Lei de Perímetro Urbano, no mínimo,
o que já vem sendo decantado em determinadas decisões judiciais9.
Parece nítido, contudo, que, mesmo sob a égide desta reformulação, a
disputa não cessa, mas regressa assentada sobre outros termos: o sacri-
fício exigido pelas normas urbanísticas chega a fulminar o núcleo essencial
do direito de propriedade? Este “núcleo essencial” depende, por óbvio, da
vocação do bem inserto em suas circunstâncias materiais, ou seja, da
“aptidão natural do bem em conjugação com a destinação social que
cumpre, segundo o contexto em que esteja inserido”, nas palavras de
Celso Antônio Bandeira de Mello10, ou a “viabilidade prática e econômica
do emprego da coisa”, na didática de Sundfeld11. A titulo ilustrativo, tem-se
o posicionamento da doutrina jus-urbanística portuguesa, na dicção de
Mário Esteves de Oliveira, que oferece uma composição: “subjetivamente,
quanto à sua titularidade, o proprietário tem a garantia concreta e efetiva
da Constituição. Já quanto ao uso objetivo da propriedade, essa garantia
é abstrata e virtual – pois, embora sejam seus os usos ou as utilidades que
dela se podem tirar, eles são apenas aqueles que possam ser tirados (ou
que não estejam proibidos de serem tirados)”12.
No cenário do direito brasileiro, é notório que o Estatuto da Cidade (Lei
10.257/2001) desgarrou do direito de propriedade dos imóveis urbanos,
expressamente, o direito de superfície e o direito de construir. A despeito
de vozes esparsas em sentido contrário, alinhamo-nos com a premissa de
que a mera regulação, em tese, do potencial construtivo de um terreno,
não induz legitimidade para que o particular pleiteasse ressarcimento por
perdas e danos do Poder Público, visto que a generalidade da comunidade,
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do direito de construir pelo particular, o autor assevera que o mesmo
se afigura como bem autônomo, espécie sui generis de direito real,
inclusive averbável:
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Municipais. Normas técnicas, tanto as institucionalizadas pela Associa-
ção Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por exemplo, quanto padrões
consensuais na comunidade científica também devem ser obedecidos:
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com o zoneamento poderiam ser sumariamente impedidos a não
ser que haja pré-ocupação em relação à legislação restritiva, caso
em que poderia o mesmo seguir funcionando, uma vez iniciado,
sem que possa receber ampliação posterior;
c) usos tolerados ou permissíveis: dependeriam de autoriza-
ção precária do órgão competente no Município, decorrendo de
mera liberalidade.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1101
dade de pluralidade de licenciamentos em paralelo. Malgrado as inúmeras
propostas para resolução dos conflitos de competência, certo é que o
art. 10, §1º da Resolução CONAMA n. 237/199728 obriga os Municípios a
apresentar aos entes estaduais ou federais incumbidos do licenciamento
declaração de conformidade do empreendimento com a legislação local
de uso e ocupação do solo, em tímido diálogo inter-escalar.
Nos Estados Unidos da América, berço do impact assessment, caso pa-
radigmático foi apreciado pela Court of Appels of New York no ano de 1986.
Acompanhemos a narrativa de Antônio Figueiredo Beltrão: a Associação
de Trabalhadores e Empregados Chineses ajuizou demanda contra o
Município (City of New York), alegando que as alterações no planejamento
urbano da região de Chinatown, desconsideraram que a introdução de
condomínios de luxo aceleraria a retirada de residentes e comerciantes e
alteraria em demasia as características da comunidade local. A ré respon-
deu que não havia previsão legal explícita de necessidade de estudo sobre
impacto social ou econômico em Manhattan. Ao final, o tribunal decidiu
que “os padrões existentes de concentração, distribuição ou crescimento
da população e as características da comunidade ou vizinhança, bem como
o potencial deslocamento, em longo termo, de residentes e comerciantes,
são condições físicas que necessariamente devem ser consideradas pela
agência quando da análise do potencial do projeto em causar efeitos sig-
nificativos no ambiente”29.
No tocante ao Estudo de Impacto de Vizinhança, propriamente, a dou-
trina brasileira indica que, à semelhança de seu congênere ambiental30, sua
elaboração e dados não suprimem inteiramente o juízo de conveniência e
oportunidade do administrador, já que o estudo prévio se presta a franquear
alternativas diversas a serem sopesadas, na correlação custo-benefício.
A despeito de não-vinculante, estabelece um grau a mais de exigência,
recaindo não sobre o conteúdo da decisão pública em si, mas sobre sua
motivação, sua reserva de consistência31. O agente decisório poderá adotar
uma das várias soluções fornecidas pelo EIV, porém deverá fundamentar
tecnicamente a escolha, além de submetê-la ao crivo da população, via
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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sucessivas gestões, acarreta em sérios problemas dessa ordem. Toshio
Mukai enfrenta o problema:
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de ofício, a fim de rever seu ato, com sua anulação”40. De outra sorte, “a
revogação é ato de controle do mérito. Dar-se-á quando sobrevier motivo
de interesse público que desaconselhe a realização da obra licenciada,
tal como: a) mudança das circunstâncias (...) b) adoção de novos critérios
de apreciação (...) c) erro na sua outorga”41. Da figura do erro de outorga,
contudo, não se infere erro de direito, mas sim, equívoco de natureza
técnica, imputável ao agente público avaliador do projeto. Por conse-
guinte, somente “a revogação que gerar prejuízo para o titular da licença
provocará a obrigação de indenizá-lo por parte da Administração”42. Entre
outras variáveis, despesas realizadas com a realização da obra e/ou com
a elaboração do projeto da construção poderão indicar a extensão do dano
material suportado pelo particular.
1105
de autoridade competente para correção de irregularidade constatada,
especialmente após o encerramento do devido processo administrativo,
esbarraria no crime de desobediência do art. 330 do Código Penal. Longe
disso, a usual dispersão dos procedimentos, órgãos e agentes do Muni-
cípio dificulta delimitar a quem incumbe a atribuição final de declarar e
aplicar as medidas pertinentes e a judicialização é uma constante, tanto
por parte do Estado, quanto dos particulares, frustrando a celeridade e a
efetividade das medidas adotadas. Esse ambiente de inércia e animosidade
é, parcialmente, conseqüência de compreensões errôneas do fenômeno
da ordenação territorial e de seu equivalente jurídico, qual seja, o direito
administrativo ordenador.
Em face das recentes notícias de terríveis sinistros como incêndios em
localidades despreparadas e desabamento de prédios inteiros44 (conspicu-
amente associadas a falhas no licenciamento ou insuficiente fiscalização),
ameaçando a vida dos cidadãos e a incolumidade pública, quiçá seja um
dos esclarecimentos centrais a retomar o balanceamento da segurança
pública com a segurança jurídica, no destrinchamento dos mecanismos
acauteladoras e sancionadoras manejados pela Administração Pública:
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1107
Trata-se, em suma, de conflito entre um direito ou interesse difuso (ordem
urbanística e/ou meio ambiente urbano) e um direito individual/coletivo
indisponível fundamental (moradia digna).
Nessas oportunidades, a solução deverá balancear os elementos do
caso concreto, com influxo do princípio da proporcionalidade-razoabili-
dade para optar pelo tipo de intervenção (regularização ou demolição) de
menor potencial lesivo: “tal como a atividade tipificante que responde
pela configuração in abstracto das infrações e sanções administrativas, a
atividade tipificadora e sancionadora in concreto assujeita-se às injunções
normativas do princípio da razoabilidade-proporcionalidade”51. A ponde-
ração tem sido adotada, entre outras cortes, pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná52.
Em situações excepcionais, como as supra referenciadas, há que se
reconhecer a serventia da teoria do fato consumado, na direção da estabili-
zação dos efeitos dos atos viciados53. O decurso do tempo e a consolidação
do processo de urbanização podem tornar a situação fática de tal modo
inalterável, sua modificação a fórceps tão atentatória a direitos fundamen-
tais, que o benefício social será inequívoco em se tolerar a sobrevivência
no ordenamento jurídico, de um ato administrativo (licença ou autoriza-
ção) eivado de irregularidade, ainda que insanável, como uma espécie de
prescrição urbanística.
O mesmo se poderia afirmar de determinados tipos de obras, as quais,
frente ao positivismo acrítico sobre a complexidade da dinâmica urbana,
seriam consideradas “clandestinas”. Isto, desde que configurado interesse
social. O “interesse social”, integrante, hoje, da noção geral de “interesse
público”, pode se configurar pela ocupação por população de baixa ren-
da ou outros grupos sociais vulneráveis. Nesse sentido, é modalidade de
cláusula geral urbanística que emerge com destaque no âmbito do Estatuto
da Cidade e foi, mormente, consolidada pela Lei 11.977/2009, a permitir
a flexibilização de parâmetros e índices urbanísticos (como os de uso e
ocupação do solo), para regularização fundiária dessa natureza. Enquanto
o primeiro diploma define, entre os instrumentos político-jurídicos do art.
1108
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4º, V, as Zonas Especiais de Interesse Social (alínea ‘f’), o último anuncia, com
todas as letras, a viabilidade da regularização fundiária de interesse social54.
Ora, a regularização de um assentamento informal, logo, fora dos
padrões urbanísticos apontados no zoneamento, é incontestavelmente
recepcionada pelo direito brasileiro com fundamento no primado da
moradia digna, admitindo-se, por conseguinte, não o saneamento de
infrações administrativas (construções clandestinas), mas a flexibilização
dos regulamentos administrativos (e, nos termos do art. 54, mesmo dos
regramentos ambientais, atendidos alguns critérios) para que tais edifi-
cações deixem a irregularidade. É dizer, altera-se a norma e se anistiam
eventuais discrepâncias anteriores, mas não se convive com a sanção
impune, ignorando-a. Se o Estado tem o poder-dever de sancionar, muito
mais detém o dever-poder de regularizar, o que o Poder Judiciário tem
reiteradamente avençado na experiência dos loteamentos irregulares55.
Muito distante dos argumentos conservadores por vezes invocados, as
Zonas Especiais de Interesse Social, não constituem espaços de exceção,
de não-direito, de mera tolerância ou de leniência, mas territórios com
parâmetros particulares de uso e ocupação do solo, espaços de prioriza-
ção para a prestação estatal, antes objeto de políticas públicas do que de
polícias públicas.
6. (IN)CONCLUSÕES
1109
ainda o potencial que esta nova configuração apresenta para resolução
conflitos entre os particulares e as Administrações Públicas. Estas, por sua
vez, por uma pluralidade de motivos, tampouco alcançaram patamares
satisfatórios de implementação dos respectivos instrumentos de política
urbana capazes de efetivar a função social da propriedade por meio desta
bifurcação entre solo e potencial construtivo56.
Na dimensão dos licenciamentos, a discrepância de prazos, o exces-
so de burocracia, a obscuridade da redação de leis municipais (quando
existem), a ausência ou precariedade dos fluxos internos e a deficiente
comunicação entre os diversos setores e órgãos do Poder Executivo, aqui,
destacadamente o municipal, emperram os trâmites, dilatam o tempo e
abrem margem ao personalismo, ao favorecimento ilícito, ao clientelismo
político e ao acesso a informações privilegiadas, quando de alguma forma
influentes são os interessados. Subsiste também dúvida sobre a necessida-
de/conveniência de submeter projetos e intervenções públicas ao mesmo
tipo de licenciamento urbanístico, embora certas legislações municipais
assim o prevejam. Tem-se identificado, por todo o país, a gravidade dos
impactos multifários de grandes projetos urbanos alavancados no contexto
dos programas de desenvolvimento, por vezes mesmo de maior monta
que empreendimentos privados, carecendo de maior planejamento e de
instâncias de mediação de conflitos57.
Igualmente, é de fácil percepção que os mesmos gargalos normativos
obstaculizam a efetividade das sanções administrativas, que encontram,
paralelamente, uma série de entraves na baixa capacidade institucional
das gestões, na frágil estrutura para o adequado desempenho das tarefas
de fiscalização e na leniência/omissão do Poder Público na autuação das
infrações e aplicação das medidas cabíveis. Tanto no controle preventivo
quanto repressivo, a morosidade nos procedimentos, a incerteza sobre os
modos e limites das medidas acauteladoras passíveis de aplicação extraju-
dicial e a sobreposição de competências entre agentes de entes federativos
diversos – a exemplo da relação por vezes distanciada entre os técnicos
municipais e os membros do Corpo de Bombeiros Militar, estadual – sig-
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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1112
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador-adjunto do Núcleo de Estudos
em Direito Administrativo, Ambiental, Urbanístico e do Desenvolvimento do Programa de Pós-Graduação em
Direito da UFPR (NEDAUD/UFPR). Integrante do Núcleo Curitiba do INCT Observatório das Metrópoles. Assessor
jurídico do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério
Público do Estado do Paraná. E-mail: hoshino.thiago@gmail.com
2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de Polícia em matéria urbanística. In: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DE SÃO PAULO. Temas de Direito Urbanístico. Vol 1. São Paulo: Imprensa Oficial, 1999, p. 25.
3 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 11.
4 Nesse sentido, é de se mencionar a opinião de Victor Carvalho Pinto, que condiciona as transformações
urbanísticas ao princípio – infelizmente ainda pouco articulado pelo direito pátrio, mas largamente em voga na
Europa Ocidental – da vinculação situacional: “O regime do parcelamento do solo estatuído pela Lei 6.766/1979
também consagra o princípio da vinculação situacional, na medida em que condiciona a atividade de urba-
nização a uma prévia programação urbanística do plano diretor, que inclua o terreno em uma zona urbana,
de expansão urbana ou de urbanização específica (art. 3º).Ainda que a gleba se situe em zona urbana ou de
expansão urbana, nem por isto dispõe seu proprietário do direito de parcelá-la. Antes que possa apresentar
projeto de loteamento, deverá aguardar da prefeitura o estabelecimento das diretrizes específicas para aquele
parcelamento. (...) Fica claro, portanto, que o proprietário não tem o direito de parcelar sua gleba. Esse direito
é conferido pelo plano diretor e pelas diretrizes específicas. (...) Não pode haver, portanto, parcelamento em
cidades desprovidas de plano diretor. (PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico – Plano Diretor e Direito de
Propriedade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 281-286)
5 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 434-435.
6 “APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA PELO OFICIAL. LOTEAMENTO. REGISTRO DE PARCELAMENTO.
APROVAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO. ATO JURÍDICO PERFEITO. DIREITO ADQUIRIDO. I – O ato de aprovação,
pelo chefe do Poder Executivo Municipal, de pedido de parcelamento de solo urbano para fins de loteamento,
não materializa ato jurídico perfeito, pois o ato administrativo ‘aprovação’ tem natureza discricionária e precária,
podendo ser revisto pela administração a qualquer tempo, quando não materializado o ato que se pretendia
efetuar. II - Ainda que a legislação vigente à época não prescrevesse prazo para o competente registro (Decreto
Lei nº 58/37), a partir da edição da disposição normativa que previu tal formalidade, esta passou a ser exigível
dentro do prazo ali estabelecido. Extrapolado tal lapso temporal, não têm os interessados o direito inconteste
de inscrever o referido empreendimento no registro público a qualquer tempo, pois tal providência poderia,
em última análise, inclusive, vir a macular princípios basilares da Administração, além do ordenamento legal
vigente com relação ao parcelamento urbano e leis ambientais ligados a interesses coletivos da mais variada
espécie. APELO CONHECIDO E IMPROVIDO” (STF. Agravo de Instrumento n. 738125 GO. Relator: Min. GILMAR
MENDES. Julgamento: 10/09/2013, fls. 365/366).
7 Sobre o assunto, conferir: FACHIN, Luiz Edson. Direitos de vizinhança e o novo Código Civil brasileiro: uma
sucinta apreciação. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES; Jones Figueirêdo. (Org.). Questões controvertidas no novo
Código Civil. São Paulo: Método, 2004, p. 191-208.
8 VILLAÇA, Flavio. As ilusões do Plano Diretor. Arquivo digital disponível em: http://www.belem.pa.gov.br/
planodiretor/pdfs/A%20ILUSAO_DO_PLANO%20DIRETOR.pdf. São Paulo: edição do autor, 2005. Acesso em
1113
julho/2013.
9 Foi o caso do Município de São Sebastião, apreciado pelo Tribunal de Justiça Bandeirante: “(...) Nestes termos,
considerando, conforme se colhe dos autos, que não existe, formalmente, na atualidade, no Município de São
Sebastião lei constitutiva do plano diretor, mas materialmente, constituindo a Lei Complementar n° 81/2007, em
parte, lei dessa natureza, e mesmo que, dispondo referido diploma a respeito de normas sobre zoneamento, uso
e ocupação do solo, haveriam as entidades comunitárias de participar do estudo para a elaboração do projeto
que nela se converteu.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação Direta de Inconstitucionalidade n°
147.807.0/6. Relator Walter de Almeida Guilherme,11 de março de 2009).
10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Natureza jurídica do zoneamento: efeitos. In: Revista de Direito
Público 61/39.
11 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. 1ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 93
12 OLVEIRA, Mário Esteves de. In: Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n. 3, p. 197, 1995.
13 Profundizando este debate, vide: CORREIA, Fernando Alves. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade.
Coimbra: Almedina, 2001.
14 OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo
brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 317.
15 PINTO, Victor Carvalho. Direito Urbanístico – Plano Diretor e Direito de Propriedade. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2005, p. 314-316.
16 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 12ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 546-457.
17 PINTO, V. C. Op. cit., p. 247-248.
18 SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 334.
19 PINTO, V. C. Op. Cit., p. 299.
20 MEIRELLES, H. L. Op. cit., p. 525-526.
21 RJTJRS 161:411.
22 MALUF, Pedro Tavares. Licença edilícia e plano urbanístico no direito português. In: DALLARI, Adilson Abreu
e DI SARNO, Daniela Campos Libório (coords.) Direito Urbanístico e Ambiental. Belo Horizonte: Editora Fórum,
2007, p. 405.
23 CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. Coimbra: Almedina, 2001, p. 341.
24 Embora a jurisprudência venha admitindo regulamentação via decreto: “ADMINISTRATIVO. HORÁRIO DE
FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. LIMITAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Prevendo o Decreto
040/05 do Município de Santa Maria que o funcionamento de estabelecimentos comerciais no horário da
madrugada deve ser precedido de estudo de impacto de vizinhança, é dado ao Município, no exercício do seu
poder de polícia, vedar o funcionamento de estabelecimento neste período se o estudo assim recomendar. 2.
AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.” (TJRS. Agravo de Instrumento nº 70.014.612.550, Quarta Câmara
Cível, Relator Des. Araken de Assis, julgado em 28/06/2006).
25 Inúmeros trabalhos acadêmicos têm chamado atenção para este viés. Sandra Cureau, Subprocuradora-Geral
da República e coordenadora da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (Meio Ambiente e Patrimônio
Cultural), conclui, entre outras coisas, que: “(...) 5. Devido ao grau de participação social ainda insuficiente e à
deficiência dos estudos sobre o chamado meio sociocultural, as condições socioambientais e econômicas não
estão sendo repostas, em muitos casos, de modo a permitir a reprodução do meio e do modo de vida dessas
populações; 6. os estudos ambientais são insuficientes e falhos. Para a questão social, é fundamental que, além
das metodologias quantitativas, sejam empregados métodos qualitativos e participativos; 7. como os diagnós-
ticos têm sido falhos, a identificação e a avaliação de impactos socioculturais também têm sido deficientes e as
propostas de medidas mitigadoras insuficientes (...)” (CUREAU, Sandra. A deficiência de avaliação do chamado
meio sociocultural, nos estudos de impacto ambiental, e suas conseqüências para as a comunidades afetadas
pelas grandes obras. In: GALLI, Alessandra (coord.) Direito Socioambiental. Vol. 1. Curitiba: Juruá, 2010, p. 394).
26 “Artigo 6º - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes atividades técnicas:
I - Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto completa descrição e análise dos recursos ambientais
e suas interações, tal como existem, de modo a caracterizar a situação ambiental da área, antes da implantação
do projeto, considerando:
c) o meio sócio-econômico - o uso e ocupação do solo, os usos da água e a sócio-economia, destacando os sítios
e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, as relações de dependência entre a sociedade
local, os recursos ambientais e a potencial utilização futura desses recursos.”
27 DALLARI, Adilson Abreu. Instrumentos da Política Urbana. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal
10.257/2001). 2ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 84-85.
28 “Art. 10 - O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas:
§ 1º - No procedimento de licenciamento ambiental deverá constar, obrigatoriamente, a certidão da Prefeitura Mu-
nicipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento ou atividade estão em conformidade com a legislação
aplicável ao uso e ocupação do solo e, quando for o caso, a autorização para supressão de vegetação e a outorga
para o uso da água, emitidas pelos órgãos competentes”
1114
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
29 Cinhese Staff and Workers Association v. City of New York, 68 N.Y.2d 359,363 (1986). Conferir: BELTRÃO,
Antonio Figueiredo Guerra. Estudo de Impacto Ambiental (EIV) e Estudo de Impacto de Vizinhança. In: AHMED,
Flávio (org.). Cidades Sustentáveis no Brasil e sua Tutela Jurídica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009, p. 78.
30 “A não vinculatividade do Poder Público deve-se ao fato de que o EIA não oferece uma resposta objetiva
e simples acerca dos prejuízos ambientais que uma determinada obra ou atividade possa causar” (FIORILLO,
Celso Antonio Pacheco e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável. São
Paulo: Max Limonad, 1997, p. 212).
31 O conceito é veiculado no presente trabalho na acepção que lhe deu Peter Häberle: “Colocado no tempo, o
processo de interpretação é infinito, o constitucionalista é apenas um mediador (Zwischenträger). O resultado
de sua interpretação está submetido à reserva da consistência (Vorbehalt der Bewährung), devendo ela, no
caso singular, mostrar-se adequada e apta a fornecer justificativas diversas e variadas, ou ainda, submeter-se
a mudanças mediante alternativas racionais.” (HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: A sociedade aberta
dos intérpretes da Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 42).
32 MENCIO, Mariana. A influência do Estudo de Impacto de Vizinhança na expedição da licença urbanística para
construção de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente ur-
bano. In: PIRES, Luís Manuel Fonseca et alli. Estudos de Direito Urbanístico. Vol 1. São Paulo: Editor Cetras
Jurídicas, 2006, p. 88.
33 MUKAI, Toshio. Direito urbano e ambiental. 3ª edição. Belo Horizonte: editora Fórum, 2006, p. 346.
34 “EMENTA: Licença de construção – Revogação. Fere o direito adquirido a revogação de licença de construção
por motivo de conveniência, quando a obra já foi iniciada. Em tais casos, não se atingem apenas faculdades
jurídicas – o denominado ‘direito de construir’ – que integram o conteúdo do direito de propriedade, mas se
viola o direito de propriedade que o dono do solo adquiriu com relação ao que já foi construído, com base na
autorização válida do Poder Público. Há, portanto, em tais hipóteses, inequívoco direito adquirido, nos termos
da Súmula 473” (STF. RE 85.002-SP. Rel. Min. Moreira Alves. RTJ 79/1016).
35 “EMENTA: Direito de construir - Mera faculdade do proprietário, cujo exercício depende de autorização do
Estado - Inexistência de direito adquirido à edificação anteriormente licenciada, mas nem sequer iniciada, se
supervenientemente foram editadas regras novas, de ordem pública, alterando o gabarito para construção no
local. (...) a licença anteriormente concedida não está imune à superveniência de regras novas editadas no
interesse público, alterando o gabarito para a construção no local” (STF. Agravo Regimental em Agravo de
Instrumento 135.464-0/RJ. Relator: Ministro Ilmar Galvão. Julgamento: 05 de maio de 1992)
36 Quanto às demais Cortes de Justiça: “subsiste a licença de estabelecimento comercial dada anteriormente
à declaração de zona residencial” (RDA 114:287). Da mesma forma, no Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo: “EMENTA: Zoneamento - Estabelecimento industrial para exploração de pedreira regularmente licen-
ciado pela municipalidade - Lei posterior doMunicípio alterando o zoneamento da cidade - Não pode o Poder
Público, ‘manu militari’, interromper o funcionamento de estabelecimento industrial, regularmente licenciado
de acordo com os usos conformes, sob pena de se ferir direito adquirido (...) não há dúvida de que o interesse
público deve prevalecer sobre o particular, mas também é manifesto que aquele não pode ser sacrificar, ar-
bitrariamente, o direito do particular (...) se a Prefeitura pretender a imediata cessação de qualquer atividade
desconforme, mas com pré-ocupação da zona, deverá indenizar cabalmente o seu exercente, amigavelmente
ou mediante desapropriação” (RT 548:232 e ss.).
37 “Administrativo. Licença para construir deferida pela autoridade municipal. Restrição superveniente da
legislação estadual. Obra ainda não iniciada. Se a obra ainda não foi iniciada, a restrição é válida. Precedentes
do Supremo Tribunal Federal. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – Segunda turma. Resp. n. 103.298/PR.
Rel. Min. Ari Pargendler. Data do Julgamento: 17.11.1998).
38 SILVA, Carlos Medeiros. Parecer: ‘Licença para Construir – Ato Administrativo – Revogação – Ilegalidade e Ino-
portunidade – Modificação da Jurisprudência Administrativa – Respeito às Situações Constituídas’. RDA, 109, p. 269.
39 “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. TERCEIRO.
CABIMENTO. SÚMULA Nº 202 DO STJ. SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE AÇÃO CIVIL PÚBLICA DECLA-
RANDO NULAS AS LEIS MUNICIPAIS Nºs.5389/2010 E 5.391/2010, QUE ALTERARAM A LEI Nº 3.253/1992, QUE
DISPõE SOBRE O ZONEAMENTO, PARCELAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO DO MUNICÍPIO
DE SÃO LUIS, POR AUSêNCIA DE ESTUDOS TÉCNICOS, DE PUBLICIDADE, DE TRANSPARêNCIA E DE PAR-
TICIPAÇÃO POPULAR EM SEUS PROCESSOS LEGISLATIVOS, RECONHECENDO INCIDENTALMENTE OFENSA
À CF, E CONTRARIEDADE AO ESTATUTO DA CIDADE (LEI FEDERAL Nº 10.257/2001) E À LEI MUNICIPAL Nº
4.669/2006, QUE DISCIPLINA O PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE SÃO LUIS. LEIS DE EFEITOS CONCRETOS.
ALEGAÇÃO DE INADEQUAÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA QUE AFETA A ESFERA JURÍDICA DE
TERCEIROS, DECLARANDO NULOS OS ATOS PRATICADOS SOB A ÉGIDE DAS DITAS LEIS, ALCANÇANDO
OS ALVARÁS DE CONSTRUÇÃO JÁ CONCEDIDOS ÀS EMPRESAS CONSTRUTORAS COM OBRAS EM ANDA-
MENTO E A COMERCIALIZAÇÃO DE IMÓVEIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍCIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.” (TJMA.
Câmaras Cíveis Reunidas. Mandado de Segurança n. 29167/2012. Relator: Des. Jamil de Miranda Gedeon Neto.
Julgamento: 05/04/2013).
1115
40 SILVA, J. A. Op. cit., p. 448.
41 SILVA, Idem, p. 449.
42 SILVA, J. A. Idem, p. 450.
43 SUNDFELD, C. A. Op. Cit., p. 76.
44 Referimo-nos, especificamente, aos casos da Boate Kiss, em Santa Maria (RS) e do prédio em obras da
Avenida Mateo Bei, em São Paulo (SP), os quais ganharem a mídia nacional no ano de 2013 e trouxeram
novamente à baila o tema do licenciamento e do controle/fiscalização das edificações.
45 SUNDFELD, C. A Idem, p. 78.
46 “O embargo da obra pela Prefeitura deve ser precedido de notificação da fiscalização para a devida correção
das irregularidades verificadas, e se não foram corrigidas nas condições e prazos estabelecidos justifica-se a
interdição dos trabalhos por meios diretos do próprio Município, e até emprego de força policial requisitada,
se houver resistência do embargado” (MEIRELLES, H. L. Op. cit., p. 458).
47 MUKAI, T. Op. cit., p. 390.
48 SUNDFELD, C. A. Op. Cit., p. 83.
49 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 26-28.
50 “Em se tratando de obra licenciada, a ordem de demolição somente será expedida após processo regular,
com direito de defesa, no qual se desconstitua a licença (por anulação ou cassação) e, não sendo efetuada
a demolição pelo próprio interessado, caberá a demolição compulsória.” (MUKAI, Toshio. Op. cit., p. 389.)
51 OLIVEIRA, J. R. P. Op. Cit., p. 485.
52 “DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE PRECEITO COMINATÓRIO.
PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO DA AÇÃO. APRECIAÇÃO
CONJUNTA. RECURSO REFERENTE À POSSIBILIDADE DE SE DEMOLIR OU NÃO ÁREA DE 1 M2 (UM METRO
QUADRADO) QUE NÃO OBEDECE AO RECUO FRONTAL ExIGIDO PELO PODER PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE.
OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PREJUÍZOS DO APELADO SUPERIORES AOS BENEFÍCIOS
A SEREM OBTIDOS PELA COLETIVIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO
CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Considerando-se que a preliminar de nulidade da sentença se confunde
com o mérito da ação, deve ser apreciada conjuntamente com ele. 2. Não há que se falar em demolição
de construção que avança 1 m2 (um metro quadrado) sobre área de recuo frontal desde que ine-
xista dano ambiental, bem como risco à segurança ou à saúde de terceiros e que o prejuízo do
proprietário do imóvel seja em muito superior ao benefício obtido pela coletividade. Aplicação do
princípio da proporcionalidade.” (TJPR - 5ª C.Cível - AC - 593800-9 - Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Curitiba - Rel.: José Marcos de Moura - Unânime - J. 22.03.2011)
53 “(...) após um certo lapso de tempo, diante de determinadas circunstâncias fáticas e jurídicas, há a esta-
bilização do vício – ou seja, o que era um ato inválido passa a ser ato irregular – e a conversão do dever de
invalidar em dever de sanar – quer dizer, o sistema exigia a edição de um ato invalidante, mas passa a exigir a
edição de um ato redutor, convertedor ou convalidante (...)” (MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios
do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 452).
54 “Art. 47. Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:
(...)
VII – regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados,
predominantemente, por população de baixa renda, nos casos:
a) em que a área esteja ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, 5 (cinco) anos;
b) de imóveis situados em ZEIS; ou
c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de interesse para implantação
de projetos de regularização fundiária de interesse social”
55 “RECURSO ESPECIAL. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO IRREGULAR. MUNICÍPIO. PODER-DEVER
DE REGULARIZAÇÃO. (...) 4. A ressalva do § 5º do art. 40 da Lei 6.766/99, introduzida pela Lei n. 9.785/99,
possibilitou a regularização de loteamento pelo Município sem atenção aos parâmetros urbanísticos para a
zona, originariamente estabelecidos. Consoante a doutrina do tema, há que se distinguir as exigências para a
implantação de loteamento das exigências para sua regularização. Na implantação de loteamento nada pode
deixar de ser exigido e executado pelo loteador, seja ele a Administração Pública ou o particular. Na regularização
de loteamento já implantado, a lei municipal pode dispensar algumas exigências quando a regularização for
feita pelo município. A ressalva somente veio convalidar esse procedimento, dado que já ratificado pelo Poder
Público. Assim, com dita ressalva, restou possível a regularização de loteamento sem atenção aos parâmetros
urbanísticos para a zona. Observe-se que o legislador, no caso de regularização de loteamento pelo município,
podia determinar a observância dos padrões urbanísticos e de ocupação do solo, mas não o fez. Se assim foi,
há de entender-se que não desejou de outro modo mercê de o interesse público restar satisfeito com uma
regularização mais simples. Dita exceção não se aplica ao regularizador particular. Esse, para regularizar o
loteamento, há de atender a legislação vigente. 5. O Município tem o poder-dever de agir para que o loteamento
urbano irregular passe a atender o regulamento específico para a sua constituição. 6. Se ao Município é imposta,
1116
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
ex lege, a obrigação de fazer, procede a pretensão deduzida na ação civil pública, cujo escopo é exatamente a
imputação do facere, às expensas do violador da norma urbanístico-ambiental. 5. Recurso especial provido.”
(STJ. Recurso Especial n. 448216/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma. Julgado em 14/03/2003).
56 Para conclusões do mesmo teor a que chegou a pesquisa nacional conduzida pela Rede de Avaliação e
Capacitação para a Implementação dos Planos Diretores Participativos, vide: JÚNIOR, Orlando Alves dos Santos;
MONTANDON, Daniel Todtmann (Orgs.). Os Planos Diretores Municipais Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico
e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2011.
57 Esse risco foi reconhecido pelo Ministério das Cidades e recebeu uma investida sistemática, porém incipiente,
na Portaria n. 317, de 19 de julho de 2013, a qual buscou regulamentar, em sua própria redação, “medidas e
procedimentos a serem adotados nos casos de deslocamentos involuntários de famílias de seu local de moradia
ou de exercício de suas atividades econômicas, provocados pela execução de programa e ações, sob gestão
do Ministério das Cidades, inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento”.
1117
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Perversão de instrumentos
urbanísticos em prol dos megaeventos
esportivos: o financiamento das obras
na Arena da Baixada
Júlia A. Franzoni1
Rosangela M. Luft2
INTRODUÇÃO
1119
concorrente a respeito do tema, eles podiam criar e regulamentar instru-
mentos urbanísticos com certa liberdade.
Suprindo o vácuo legislativo federal sobre a matéria, em 10 de julho de
2001 foi promulgada a lei nacional nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade,
que dispõe sobre as “normas gerais” de política urbana. Desde então, nos
três níveis federativos este tema passou a ter que observar e ao mesmo
tempo se adaptar, aos critérios legais presentes tanto na Constituição
Federal, quanto nas normas do Estatuto da Cidade. Essa condicionante
implica que todos os instrumentos urbanísticos consolidados em período
anterior ao Estatuto, caso contrariem suas diretrizes, serão considerados
revogados, tendo em vista os mecanismos de direito intertemporal do
sistema jurídico brasileiro, salvo as garantias relativas ao ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (Decreto-Lei n. 4.657/42).
A partir desses marcos regulatórios federais – Constituição Federal e
Estatuto da Cidade as características norteadoras da política urbana são:
1120
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1121
nos Estádios e seus entornos, nos terminais turísticos, nas adjacências
dos aeroportos e portos ficariam a cargo do Estado do Paraná e da Pre-
feitura de Curitiba6.
Considerando que em Curitiba optou-se por um estádio privado para
sediar os jogos da Copa do Mundo 2014, o Estádio Joaquim Américo co-
nhecido como “Arena da Baixada”, foi firmado, consequentemente, um
Termo de Compromisso. Neste, figuraram os entes públicos que acordaram
a Matriz de Responsabilidades (Estado do Paraná e Município de Curitiba)
e o presidente do Clube Atlético Paranaense, clube detentor do estádio.
No “Anexo I” da Matriz de Responsabilidade, foi apresentada uma tabela
(Anexo B – Estádio/Arena) na qual se coloca que a reforma e ampliação do
Estádio Joaquim Américo se daria com recursos do próprio Clube Atlético
Paranaense e da União, via BNDES.
Diante disso, em setembro do mesmo ano, foi estabelecido o Convênio
19.275 entre o Estado do Paraná, a Prefeitura de Curitiba (que intervinha
através do IPPUC), e o Clube Atlético Paranaense, para a adequação do
estádio Joaquim Américo às condições impostas pela FIFA.
No Convênio 19.275 ficou estabelecido, por sua vez, que cada parte
seria responsável por 1/3 do valor estimado para execução da obra, o
que significou à época um valor equivalente a 45 milhões para cada parte
e um limite global de 130 milhões. Ressalta-se que na cota parte do Clube
Atlético Paranaense estavam incluídos os incentivos fiscais e os projetos
de obras executados e pagos pelo Clube antes de firmar o Convênio; o
que mascarou, em certa medida, que o valor a ser pago pelo Clube seria
efetivamente menor em relação aos entes públicos.7
O Convênio também determinou que o Estado do Paraná não repas-
sasse de forma direta o valor equivalente a sua cota parte para as obras
do estádio, de forma que os 45 milhões de reais devidos por ele seriam
destinados para obras conjuntas com o município em demais projetos,
medidas e programas relacionados à Copa do Mundo de 2014.8 Dessa
maneira, seria o Município de Curitiba quem ficaria responsável direta-
mente por 2/3, ou seja, 90 milhões em recursos para a reforma da Arena
da Baixada.9
1122
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1123
deriam ser repassados integralmente como remuneração da construtora
selecionada para a obra.11
Para que essa estratégia pudesse se concretizar, em novembro de 2010,
foi publicada a Lei Municipal 13.620, que instituía o potencial construtivo
relativo ao estádio Joaquim Américo. No mesmo sentido, foi aprovada
a Lei Estadual 16.733, que permite que o Tesouro do Estado, através do
Fundo de Desenvolvimento Econômico – FDE, apoiasse financeiramente
o Projeto de reforma e ampliação do estádio Joaquim Américo, embasado
no interesse público e coletivo que este envolveria (o que se questiona por
se tratar de investimento em bem privado, vinculado a contrapartidas de
caráter público-social duvidoso).
Com a atualização dos custos das obras, foram firmados o Termo
Aditivo à Matriz de Responsabilidade e os Termos Aditivos ao Convênio
celebrado por Estado, Município e Atlético, em que se apontou o novo
valor do projeto em um total de 234 milhões de reais – valor a ser repartido
igualmente entre os três entes responsáveis.
Em agosto de 2011 ocorreu o primeiro repasse de verbas por parte do
Estado do Paraná para a Prefeitura no valor de 7 milhões de reais, sem
que as obrigações da Cláusula 1º, §2 do Convênio – melhoria na drenagem
das bacias do rio Água Verde e desapropriação dos imóveis em torno do
Estádio – tivessem sido cumpridas.
No intuito de viabilizar a recepção dos recursos da Prefeitura através
do potencial construtivo, foi criada ainda em agosto do mesmo ano pelos
conselheiros do Clube Atlético Paranaense uma Sociedade de Propósito
Específico, a CAP S/A ARENA DOS PARANAENSES, com participação
acionária total do clube.
Apenas em dezembro é que foi publicado o Decreto Municipal
1.957/2011, que decretou de interesse público os imóveis do entorno da
Arena da Baixada, cumprindo-se o primeiro passo para as desapropriações,
conforme exigia o Convênio 19.275.
Em abril de 2012 foi lançado o relatório número 1 da Comissão de
Fiscalização Copa de 2014 do Tribunal de Contas do Estado Paraná. O Tri-
1124
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1125
dito junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
– BNDES, até o montante de R$ 138.450.000,00 a ser aportado no Fundo
de Desenvolvimento Econômico – FDE, sendo que este valor deverá ser
utilizado exclusivamente para reforma e ampliação do Estádio (art. 1º).
Em seguida, foi firmado novo Termo Aditivo ao Convênio 19.275, que
determinava, principalmente, que o CAP até dezembro de 2014 entregasse
à prefeitura de Curitiba imóveis com valor equivalente aos desapropriados
em torno do Estádio para sua ampliação.
Nesse meio tempo, tem-se o lançamento do relatório número 2 da
Comissão de Fiscalização da Copa de 2014 do TCE, que buscou verificar
as providências cumpridas pelos atores envolvidos, conforme determinado
no relatório número 1.
Em agosto veio o relatório número 3 da Comissão, cujo escopo era
verificar a execução dos projetos e obras relacionadas ao megaevento
tendo como base o estabelecido na Matriz de Responsabilidades para
cada ente federativo.
No mês de novembro, o órgão pleno do Tribunal de Contas do
Estado julgou questão referente à natureza jurídica dos recursos
transferidos por meio de potencial construtivo, decidindo que se tra-
tava de recursos públicos.
Em dezembro, na última sessão da Câmara Municipal sob antiga ges-
tão da Prefeitura de Curitiba, foi aprovada a Lei Municipal 14.219/12, que
alterava dispositivos da Lei 13.620/10, aumentando o valor máximo para
concessão de potencial construtivo ao estádio para R$ 123.066.666,67.
Além de estabelecer que o CAP teria que dar as contrapartidas sociais ao
Município por receber tal crédito, sem, contudo, especificá-las.
O primeiro acontecimento referente ao caso relatado no ano de 2013
foi o repasse de recursos financeiros pelo Governo do Estado do Paraná
à CAP S/A, por meio de financiamento via FDE, sem cumprir todas as
determinações estabelecidas pelo Tribunal de Contas do Estado.
Em 26 de junho de 2013 foi publicado o Decreto Municipal n. 985/2013,
que “dispõe sobre a forma de pagamento das cotas oriundas da concessão
1126
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1127
Chegou-se até a afirmar que se tratava de um novo instituto criado pelo
Município de Curitiba. Iremos debater em detalhes este tema para de-
monstrar que não se trata de um novo instrumento urbanístico, mas sim
do desvirtuamento da outorga onerosa do direito de construir.
2. INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS
RELATIVOS AO DIREITO DE CONSTRUIR:
TRANSFERÊNCIA E OUTORGA ONEROSA
1128
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1129
tórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;
Servir a programas de regularização fundiária, urbanização de
áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de
interesse social.
1130
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1131
do CAb, não pertence ao proprietário do imóvel, mas sim ao Município,
razão pela qual é a Prefeitura quem negocia onerosamente este potencial
adicional de construção.
Por isso afirmamos que sempre será outorga onerosa do direito de
construir ou solo criado quando o potencial construtivo utilizado vier
desse “banco de potencial construtivo”18 criado pelas leis municipais
ao diferenciarem o CAb do CAm para setores ou zonas da cidade. A lei
municipal estabelece, portanto, um crédito de potencias de construção
que integram o patrimônio do Município, através dos índices urbanísticos
previamente prescritos.
O emprego do CAm também tem como fundamento o princípio da justa
distribuição dos benefícios e ônus do processo de urbanização. Contudo,
diferentemente da lógica própria à transferência do direito de construir
referida acima, no caso da outorga onerosa do direito de construir o
raciocínio é que aquele que constrói mais do que o coeficiente básico
de aproveitamento, gerando um adensamento superior no local, deverá
compensar coletivamente este seu benefício pessoal.
Uma observação de extrema importância em relação à outorga onerosa
do direito de construir diz respeito à destinação que deve ser dada a essa
contrapartida adimplida pelo proprietário beneficiado – adimplemento este
que não necessariamente precisará ser em dinheiro.
O Estatuto da Cidade estabelece expressamente todas as destinações
que poderão ser empregadas pela municipalidade a este recurso da outorga
onerosa: i) regularização fundiária; ii) execução de programas e projetos
habitacionais de interesse social; iii) constituição de reserva fundiária; iv)
ordenamento e direcionamento da expansão urbana; v) implantação de
equipamentos urbanos e comunitários; vi) criação de espaços públicos de
lazer e áreas verdes; vii) criação de unidades de conservação ou proteção
de outras áreas de interesse ambiental e; viii) proteção de áreas de interesse
histórico, cultural ou paisagístico (artigo 31 c/c 26 do EC).
Esta vinculação legal não ocorre sem motivos. Uma vez que a ou-
torga onerosa do direito de construir gera maior impacto urbanístico em
1132
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1133
3. OUTORGA ONEROSA DO DIREITO
DE CONSTRUIR NA CIDADE DE CURITIBA
1134
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1135
Verde), e os Decretos nº 359/2012 (Dispõe sobre a outorga onerosa para a
concessão de incentivos ao programa especial de governo) e nº 606/2007
(Regulamenta a Lei nº 12.080/2006, que cria reserva particular do patri-
mônio natural - RPPNM). Isso demonstra um descaso do Município em
relação à supremacia da lei do plano diretor e da necessária coerência
que deve ser mantida entre as leis urbanísticas municipais.
No Município de Curitiba existem algumas hipóteses específicas de
aplicação da outorga onerosa do direito de construir que são geridas
pela Secretaria Municipal de Urbanismo:
1136
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
“solos criados”. Isto nos induz a concluir que este potencial será
vendido com prioridade em relação aos demais. A questão prin-
cipal que se coloca é: para que finalidade vai este dinheiro
arrecadado pelo Município na execução dos PEG?
1137
parâmetros, por transferência de potencial construtivo, conforme esta-
belecido na legislação em vigor”.
A mesma lei fixa que “caberá ao Clube Atlético Paranaense, beneficiário
da concessão dos créditos do potencial construtivo, a devida e proporcional
compensação e contrapartidas sociais ao Município de Curitiba. (art. 7º).
As perguntas que até então não foram respondidas são: que compensação
e contrapartidas são essas? Uma vez que a lei vincula o uso dos recursos
obtidos com a venda do potencial construtivo, o CAP irá respeitar estas
vinculações legais ao realizar as contrapartidas?
A prefeitura de Curitiba liberou 257.143 cotas de potencial construtivo
ao Atlético e deixou à disposição do clube para utilizar os papéis como
garantia em empréstimos. O primeiro valor apresentado pela Secretaria de
Urbanismo indicava que cada título equivalia à R$ 500,00 totalizando quan-
tia diferente dos 123 milhões indicados (o valor ultrapassa 128 milhões).
Ocorre que, muito embora tenham sido previstas essas duas modali-
dades de utilização do potencial construtivo, há o risco de que os títulos
sejam integralmente utilizados para pagamento dos custos da obra. A
parte que seria destinada para atuar como garantia de empréstimo será,
na verdade, coloca no mercado para captação de recurso e amortização
da dívida. Se não for alterado o quadro atual, o Atlético estará, de fato,
utilizando recurso do Município de Curitiba para quitar seus próprios em-
préstimos, recursos esses que estão vinculados por lei a investimentos em
urbanismo, patrimônio histórico e ambiental e habitação social.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1138
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1139
porque as hipóteses para repasse dos recursos obtidos com a venda dos
títulos estão expressamente previstas em lei e financiar obra de estádio
privado não estão entre elas. Está evidenciado que a utilização irregular
do potencial construtivo está a serviço da garantia da reforma e ampliação
do estádio, frente ao risco alarmado de inviabilidade de financiamento da
operação pelo Clube Atlético. O Município de Curitiba opta pela ilegalidade,
em prejuízo da ordem urbanística e do interesse público, em prol suposta
obrigação de viabilizar o Megaevento esportivo na cidade.
É preciso lembrar, por fim, que nas disposições transitórias da lei do
Estatuto da Cidade estão disciplinadas hipóteses de improbidade admi-
nistrativa. O artigo 52 prescreve:
REFERÊNCIAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Bacharel e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), advogada associada
da Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos, e-mail juliafranzoni@gmail.com.
2 Bacharel e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutoranda em Direito
da Cidade na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Direito Urbanístico na Université Paris
1 – Panthéon-Sorbonne, Professora da UERJ, e-mail rosangelaluft18@yahoo.com.br.
3 A autonomia político-legislativa atribuída aos Municípios pelo poder constituinte, confere-lhes discriciona-
riedade para a estruturação de suas normas e, de consequência, para definir a espécie legislativa de aprovação
das leis urbanísticas. Para entender qual a lógica normativa de um Município, deve-se inicialmente recorrer a
sua lei orgânica. Além de sua função organizacional, ela elenca os temas sobre os quais o Município deverá
legislar e prevê o formato da lei, se será complementar, ordinária ou se admitirá regulamentação por decreto.
Em função disso, existem Municípios em que o plano diretor é lei complementar, outros ordinária, em outros,
ainda, toda a legislação urbanística é lei complementar. Mesmo o plano diretor pode mudar a denominação
para plano de desenvolvimento estratégico, plano de desenvolvimento integrado, plano diretor de desenvol-
vimento sustentável, entre outras titulações.
4 Com um tratamento específico quando for empregado em uma operação urbana consorciada.
5 O levantamento dos dados analisados neste arquivo foi fruto de trabalho coletivo realizado pelo Comitê
Popular da Copa de Curitiba, do qual as autoras são integrantes. Esse coletivo tem promovido importante
trabalho de monitoramento e incidência nos órgãos públicos, denunciado práticas violadoras de direitos
relacionadas à realização da Copa do Mundo de 2014 na cidade. Em relação à reforma e ampliação da Arena
da Baixada, o Comitê acompanha o caso desde o início e promoveu ações de denúncia, divulgando notas de
repúdio contra a utilização do instrumento do potencial construtivo, realizando eventos públicos de discussão
e oficiando autoridades responsáveis.
6 Em alguns casos também da Prefeitura de São José dos Pinhais, onde se situa o Aeroporto Afonso Pena.
7 Clausula Segunda, Parágrafo Primeiro, Inciso III
8 Clausula Segunda, Parágrafo Primeiro, Inciso I do Convênio e item V do Plano de Trabalho
9 Clausula Segunda, Parágrafo Primeiro, Inciso II
10 Clausula Quarta, Parágrafo Único
11 Clausula Quinta, Parágrafo Único
12 Art. 5º As transferências do potencial construtivo, serão efetuadas na forma de acréscimo ao potencial
construtivo dos lotes, nos parâmetros máximos previstos na Lei Municipal nº 9.803, de 3 de janeiro de 2000.
Art. 6º As condições e critérios para a concessão e transferência de potencial construtivo de que trata esta lei
serão regulamentadas pelo Município de Curitiba, através de decreto, conforme estabelece a Lei Federal nº
10.257/2001 e Lei Municipal nº 11.266/2004.
13 Art. 1º Parágrafo único. O incentivo que trata do caput deste artigo consistirá na concessão de parâmetros,
1141
por transferência de potencial construtivo, conforme estabelecido na legislação em vigor.
14 Processo n. 229047/2012 do TCE/PR, pauta da sessão de 01/11/2012: ““A comissão que estudou o assunto
disse em primeiro passo que não enquadrava nem na outorga onerosa, nem na transferência de potencial
construtivo, mas sim, que se apoiava numa outra hipótese prevista no estatuto da cidade que é justamente
outras práticas de intervenção urbana na qual a comissão vislumbrou que através desse dispositivo então, o
Município estava criando uma unidade especial de potencial construtivo que em nada está similarizado com a
transferência do potencial construtivo que é o instrumento que realmente foi incorporado na política urbana”.”.
15 CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. Vol. 1. Coimbra: Almedina, 2006, p. 623.
16 http://www.curitiba.pr.gov.br/servicos/cidadao/potencial-construtivo-relacao-de-imoveis-com-disponi-
bilidade-para-transferencia/1118, consulta em 26/08/2013.
17 ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Do solo criado (outorga onerosa do direito de construir) - instrumentos
de tributação para a ordenação do ambiente urbano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 64.
18 A Prefeitura não pode criar solo para além do limite estabelecido na legislação. O coeficientes de aproveita-
mento do tipo CAb e CAm foram estabelecidos nas leis de 2000, sem muitas modificações posteriores. Esse banco
estabelecido pela Prefeitura, portanto, está lastreado nos permissivos provenientes dos índices urbanísticos
cuja quantidade não é conhecida só pelo Município, mas também pelo mercado imobiliário que atua na cidade.
19 Processo n. 229047/2012 do TCE/PR, pauta da sessão de 01/11/2012: “a conclusão do relatório sustenta a
natureza de bem público ou de recurso público, não orçamentária, mas um patrimônio público que será des-
tinado, na forma da lei municipal, em consonância com a lei do Estatuto das Cidades para atividade especial”.
20 Esse processo foi amplamente criticado por movimentos sociais e academia. Alegam ter-se tratado de mera
atualização dos planos já existentes, sendo as adaptações meramente principiológica.
21 Art. 59. A outorga onerosa do direito de construir, também denominado solo criado, é a concessão emitida
pelo Município, para edificar acima dos índices urbanísticos básicos estabelecidos de coeficiente de apro-
veitamento, número de pavimentos ou alteração de uso, e porte, mediante contrapartida financeira do setor
privado, em áreas dotadas de infraestrutura.
22 I - eixos estruturantes; II - eixos de adensamento; III - áreas com predominância de ocupação residencial
de alta, média e baixa densidade; IV - áreas de ocupação mista de alta, média e baixa densidade; V - áreas
com destinação específica. Aplica-se, também, nos lotes com testadas para os eixos viários principais e para
a regularização de edificações.
23 a) eixos estruturantes: até 2 (dois); b) eixos de adensamento: até 2 (dois); c) áreas de ocupação mista alta,
média e baixa densidade: até 2 (dois); d) áreas com predominância de ocupação residencial de alta, média e
baixa densidade: até 1 (um); e) áreas com destinação específica: até 1 (um). E, para os terrenos com testada para
eixos viários principais, legislação específica poderá indicar acréscimos máximos de até 01 (um) coeficiente.
24 Lei nº 9.800, de 03 de janeiro de 2000, que dispõe sobre o Zoneamento, uso e Ocupação do Solo do Município
de Curitiba e dá outras providências; Lei nº 9.801, de 03 de janeiro de 2000, que dispõe sobre os Instrumentos
de Política Urbana no Município de Curitiba; Lei nº 9.802, de 03 de janeiro de 2000, que institui incentivos
para a implantação de Programas Habitacionais de Interesse Social; Lei nº 9803, de 03 de janeiro de 2000,
que dispõe sobre a Transferência de Potencial Construtivo; Lei nº 9.804, de 03 de janeiro de 2000, que cria o
Sistema de Unidades de Conservação do Município de Curitiba e estabelece critérios e procedimentos para
implantação de novas Unidades de Conservação; VI - Lei nº 9.805, de 03 de janeiro de 2000, que cria o Setor
Especial de Conservação Sanitário Ambiental e dá outras providências; VII - Lei nº 9.806, de 03 de janeiro de
2000, que institui o Código Florestal do Município e dá outras providências.
25 Ademais, a Lei Municipal 12.816/2008 dispõe que: “Art. 10. Constituirão recursos do FMHIS: VII. as receitas
provenientes da venda ou transferência de potencial construtivo, previstos na Lei Municipal N.º 9.802, de 3
de janeiro de 2000”;
26 http://www.curitiba.pr.gov.br/servicos/cidadao/potencial-construtivo-simulador/1115
27 http://www.copa2014.curitiba.pr.gov.br/conteudo/termos-aditivos/828
28 (Art. 40. § 4o No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os
Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e debates com
a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; II – a
publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos
documentos e informações produzidos).
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
ANEXO
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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Tabelas das leis que fixam CAb e CAm em Curitiba (as cores das colunas corres-
pondem às cores das letras com o nomes das zonas ou setores, demonstrando a
criação de novas zonas/setores ou a subdivisão de zonas/setores já existentes
com a fixação de novos coeficientes)
1146
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Direitos sociais e
políticas públicas direito
à cidade sustentáve
1. INTRODUÇÃO.
É sabido que até pouco tempo não existiam políticas públicas voltadas
para a cidade e a melhoria das condições estruturais locais. Não se inda-
gava qual seria o futuro citadino e seu desenvolvimento. O que importava
era expandir e gerar divisas. Dois fenômenos históricos intimamente im-
bricados surgem como protagonistas da problemática da política urbana
no Brasil: a industrialização e o êxodo rural.
A partir do desenvolvimento industrial que eclodiu no Sudeste, na dé-
cada de 40, consideráveis massas de população dirigiram-se para os gran-
des centros, fixando-se nas regiões periféricas. Conquanto o destino dos
migrantes fosse preponderantemente os centros recém-industrializados
do Sudeste, muitos deles também se dirigiram para as grandes cidades
de outras regiões do Brasil. E, mais recentemente, a partir da década de
90, a migração voltou-se para os centros regionais.
Segundo dados do IBGE, enquanto a população rural de 1940 a 2000
passou de 28,3 milhões para 31,8 milhões, a urbana, no mesmo período,
saltou de 12,9 milhões para 138 milhões. (IBGE, 2001).
Outro fenômeno importante notado é a excessiva desigualdade social,
ainda remanescente, que impele a parcela menos favorecida a se tornar
extremamente dependente de políticas públicas. O certo é que o poder
público, em face do crescimento populacional e do êxodo rural, mostrou-se
impotente para assegurar infraestrutura mínima nas grandes áreas que se
1147
urbanizavam de modo precário, em desatendimento aos padrões exigidos
pela legislação em vigor. Tampouco implantou políticas habitacionais
coerentes com esse processo.
De fato houve uma expansão desenvolvimentista por meio da industria-
lização. O período se caracterizou pelo predomínio do capital imobiliário
especulativo. Como exemplo é possível citar a cidade do Rio de Janeiro,
quando ainda na década de 1960, possuía grandes vazios de terras, en-
quanto boa parte da população se aglomerava em morros e favelas.
No início da década de 80, observou-se a o crescimento da demanda por
moradia das classes sociais de baixa renda e da cidade do Rio de Janeiro
também se extrai um bom exemplo, pela eleição de Leonel Brizola para
prefeito no ano de 1980. Este no início de sua campanha possuía apenas
5% das intenções de votos e com a proposta de distribuição de terras, com
uma proposta de um milhão de moradias. Elegeu-se, sobretudo a partir
dessa proposta.
Esse fato chamou a atenção do governo militar e para o efeito político
dessa eleição, o que fez com que os militares também criassem um plano
de ação com relação aos problemas das cidades. Passou-se, a partir dessa
nova experiência, a tomar-se postura com as finalidade de se buscar um
equilíbrio entre a acumulação da propriedade privada e as necessidades
sociais. Isso por meio da intervenção estatal, mais uma tentativa de ma-
nutenção dos moldes do Welfare State.
Em São Paulo, nos termos de trabalho de coleta de dados desenvolvi-
do pela Caixa Econômica Federal3, o Poder Público veio a impor regras à
indústria da construção e locação de prédios apenas na última década do
século xIx. Dessa forma, a partir da chegada das massas de trabalhadores
provenientes de diversos locais, ao chegarem a São Paulo, esse municí-
pio, com precárias condições habitacionais, proliferação indiscriminada
de loteamentos e insuficiência de serviços de saneamento básico, ainda
teve que buscar novas opções em termos de moradia para os rurícolas
presentes nos diversos êxodos rurais.
Porém, o sistema da casa própria não surtiu muito efeito e buscaram-
1148
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
-se novas soluções, conforme afirma Gabriel Bolaffi, durante muitos anos
acenou-se aos trabalhadores a promessa da obtenção de uma casa própria.
Isso não foi cumprido. Criou-se o BNH (Banco Nacional da Habitação)
buscando-se suprir essa lacuna. O aluguel de casas constituiu-se uma
das soluções encontradas, pois caso o novo morador não se adaptasse a
solução era mais rápida. Porém, até mesmo os barracos na periferia das
cidades já estavam mais caros que as prestação do Sistema Financeiro
de Habitação.4
Somente nos anos 70, o então governador do Estado de São Paulo,
Laudo Natel, enfatizou a questão do desenvolvimento do interior com
o Plano Rodoviário de Interiorização do Desenvolvimento (PROINDE),
pois já vislumbrava os efeitos deletérios da excessiva concentração na
região metropolitana.
Desde aquela época até hoje o sistema habitacional encontra problemas
relevantes. Atualmente, busca-se progressivamente uma integração entre
público e o privado para resolver a questão orçamentária e encontrar a tão
esperada regularização fundiária por meio da transformação da posse em
propriedade. Exemplo disso pode ser dado por meio das operações urbano-
-consorciadas, cujo objeto é a parceria público-privada para melhoria
da infraestrutura urbana, sobretudo com o auxilio de empresas privadas
atuantes em setores de serviços de natureza eminentemente pública.
O desafio atual, nas palavras de Kaplan, é lograr uma atuação estatal
com planejamento estratégico, a partir do devido processo legal, seguin-
do políticas públicas voltadas para a coletividade sem se olvidar de uma
integração e do atendimento dos objetivos estabelecidos no art. 3º da
Constituição Federal, no sentido de se garantir o desenvolvimento na-
cional a partir de uma sociedade livre, justa e solidária. O auxilio privado
não corresponde à abolição de meios legais para se contratar terceiros.
Na verdade, a eficiência, em um de seus desdobramentos clássicos, cor-
responde ao entendimento de que o Estado não seja mais visto como
um dinossauro faminto sugando os contribuintes, mas uma força motriz
capaz de otimizar os recursos sociais levando ao progresso, geração de
1149
emprego e renda, maior transparência e resultados, e a uma sociedade
naturalmente mais justa e democrática em todos os sentidos. 5
Uma das preocupações que se observam nas normas dedicadas ao
urbanismo é possível ser identificada no Código de Posturas de São Paulo,
de 1886, que destacava as condições de moradia como principal fator de
comprometimento da salubridade urbana. Dessa forma, já se proibiu a
construção de cortiços no perímetro central.6
O que se oberva, a todo tempo, é que as políticas públicas urbanas
devem estar atreladas a um estudo aprofundado das necessidades que
envolvem a região. Ao se falar em municípios, não se pode esquecer que
podem estar inseridos em regiões metropolitanas ou aglomerações ur-
banas, gerando a necessidade de uma decisão conjunta dos municípios
envolvidos. Maiores necessidades são encontradas nos municípios ca-
rentes de obras de infraestrutura que deveriam ser objeto de cooperação
entre Estado e União, a exemplo, do que ocorre com a Baixada Santista.
A Região Metropolitana sofre com recursos escassos e necessidade de
ampliação da malha viária e ferroviária. Quem se pode responsabilizar
por essas obras vultosas e necessárias?
Aqui se buscará analisar as primeiras tentativas de se criar uma le-
gislação urbana voltada para as necessidades sociais e acompanhada
de políticas públicas condizentes com a necessidade de expansão de
infraestrutura e da própria urbanização. Os primeiros capítulos traçarão
o histórico de uma tentativa de criação de um código urbanístico. Os
posteriores indicarão a criação do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001,
e serão observadas como as políticas públicas deveriam acompanhar os
processos de planificação municipal.
1150
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1151
militares, devido a premente necessidade social das massas por moradia,
resposta à positiva repercussão das propostas de campanha do prefeito
eleito do Rio de Janeiro Leonel Brizola.8
O Projeto de Lei 775 de 1983 é um paradigma no sentido de que “coloca
como base da política de desenvolvimento urbano a questão social, através
da função social da propriedade”. Além disso, elenca a função do Poder
Público em melhorar a qualidade da vida da população, e trás mais ino-
vação quando prevê no art. 22 a criação de ‘áreas restritas’, que são áreas
de proteção ambiental nas cidades.9
Adotava como pontos básicos: a) oportunidade de acesso à propriedade
urbana e à moradia; b) justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes
da urbanização; c) correção das distorções da valorização da proprieda-
de urbana; d) regularização fundiária e urbanização específica de áreas
ocupadas por população de baixa renda; e e) adequação do direito de
construir às normas urbanísticas. 10
Apresentava, de forma harmônica e sistemática, diretrizes, instru-
mentos e normas gerais que deveriam pautar o desenvolvimento urbano.
Também previa a ação conjunta das três esferas de governo para a for-
mulação e implantação da política urbana.11
O Projeto não foi aprovado. Sua tramitação e discussão estabeleceram-
-se tão lentamente que praticamente coincidiram com os debates da
Constituinte de 1987, o que acabou ajudando muitas de suas propostas
inovadoras, tal como a função social da propriedade, da maneira que foi
agregada ao texto constitucional.
Nesse sentido, o trabalho do Movimento Nacional de Reforma Urbana
que propôs e apresentou a Emenda constitucional Popular pela Reforma
Urbana foi de grandiosa valia e importância. Pautada pelos princípios de
obrigação do Estado em assegurar os direitos urbanos, função social da
propriedade, direito à cidade, gestão democrática da cidade. Princípios
esses insculpidos no capítulo “Política Urbana”, materializados pelos
artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988.
A conquista legislativa no âmbito federal se cristalizara: a Constituição
1152
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1153
com ela se importam diretamente, sobretudo para imposição de tributos e
o estabelecimento das obrigações a elas relacionadas em face do cumpri-
mento das funções legalmente estabelecidas. O instituto da propriedade
ganhou formas diferenciadas de tratamento positivando-se as exigências
que os legisladores consideram essenciais e criando normas estritas,
sobretudo no código de obras ou leis afins, a fim de se estabelecer os
desígnios adequados por meio do plano diretor ou mesmo de uma lei
com essa finalidade. Assim, sem se desatar da teoria civilista a partir dela
buscou-se uma função que pudesse ser atribuída ao bem sem retirar-lhe
o conteúdo econômico. Assim, o respeito à função social não esvazia o
direito de propriedade constitucionalmente estabelecido.
A importância do ao cumprimento da função social se reflete nos
dispositivos constitucionais que sancionam sua inobservância, chegan-
do até a expropriação do bem, conforme se depreende dos dispositivos
constitucionais contidos no parágrafo 4º do art. 182 e do art. 184, este
ultimo referente a propriedade rural. A importância ainda foi sublinhada
pela repetição do principio no inciso II e III do art. 170 da Constituição. Não
obstante entendimentos no sentido de que a função social não diminui
a propriedade ela condiciona seu uso a observância de fatores, sem os
quais, podem gerar ônus ao proprietário a ponto de ate mesmo perder o
bem que possui.
Em que pesem diversas opiniões acerca do tema, a verdade é que a
função social limita a propriedade e não a inutiliza o a torna imprópria
para fruição, desta forma ocorreria, na verdade, a desapropriação indireta.
Normas e atos normativos de origens diversas condicionam a utilização
da propriedade a observância de determinados parâmetros, sem os quais
se configura uma oposição ao que se poderia considerar seu uso social.
Certamente, há uma redução do uso pleno da propriedade. Certamente vai
de encontro ao anterior conceito que simplesmente deixava o proprietário
livre para decidir acerca do destino de seu bem imóvel. A propriedade
hoje está sujeita a normas urbanísticas impostas pela municipalidade a
fim de se atender uma série de exigência e sobretudo adequar o uso da
1154
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1155
essa legislação inovadora, eram muitas obrigações, e um grande ônus não
só político, pois envolveria diversos interesses, como também econômico,
no sentido de que teriam que despender recursos para a implantação na
prática desses dispositivos. A missão era tentar equilibrar os interesses
dos diversos setores e classes sociais, a obrigação era integrar a cidade.
Visando a aplicabilidade da inovadora legislação, os municípios pas-
saram a se valer de instrumentos de controle normativo, por exemplo,
inserindo em suas leis orgânicas modos e limitações ao direito de proprie-
dade e ao direito de construir, prevendo o modo de uso da propriedade; e
em seus planos diretores a forma de expansão das cidades, criando, por
exemplo, distritos industriais.
Ainda assim, havia dificuldades e dúvidas até porque não havia a re-
gulamentação específica, o que somente se deu em 2001 com o advento
da Lei federal n. 10.257 que ficou conhecida como Estatuto da Cidade,
mais de doze anos após a apresentação de seu projeto junto ao Senado
em junho de 1989.
Exemplificando, entre os importantes instrumentos para assegurar
a Função Social da Propriedade, o Estatuto da Cidade regulamentou a
questão do Imposto Territorial Urbano (IPTU) progressivo, que é uma
forma de coibir a especulação imobiliária e a subutilização de proprieda-
des urbanas, evitando a criação de vazios urbanos, através da sobretaxa
à propriedade ociosa, tal como foi implantado através de Lei Municipal
na cidade de Ponta Grossa/PR. Está em acordo com o Princípio à medida
que o proprietário paga conforme a devida utilização da sua propriedade,
forçando o proprietário a dar um fim digno à sua propriedade.
No bojo desta política intervencionista, imprescindível ressaltar que
ainda pouco antes da promulgação do Estatuto da Cidade, a Emenda
Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, mediante alteração do
texto do art. 156, §1‒, caput, e inserção dos incisos I e II do respectivo
artigo da Carta Magna, autorizou a instituição de IPTU progressivo em
razão do valor do imóvel, bem como a instituição de alíquotas diferentes
em razão da localização e uso do imóvel14.
1156
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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outros instrumentos em outras áreas, tais como o transporte, por exemplo.
Mas este trabalho não visa esgotar o assunto, mas sim abrir a discussão.
4.CONCLUSÕES
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
1159
KAPLAN, R. S.; NORTON, D. P. The balanced scorecard - Measures that drive per-
formance. Harvard Business Review, v. 70, no. 1, 1992. Balanced Scorecard-Mapas
Estratégicos: convertendo ativos intangíveis em resultados tangíveis. Tradução de
Afonso Celso da Cunha Ser.
LEME MACHADO, Paulo Afonso. Estudos de direito ambiental. São Paulo:
Malheiros, 1994.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petró-
polis: Vozes, 2001.
Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo.2002- 2012, SEMPLA (org) São
Paulo: Ed. SENAC; Prefeitura Municipal de São Paulo, 2004, p. 29
SABOYA, Renato. Estatuto da Cidade – breve histórico. Disponível em: http://
urbanidades.arq.br/2008/02/estatuto-da-cidade-breve-historico/. Acesso em 3
mar 2013.
São Paulo: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/habitacao/.../index.php.
Lei 10.041 - 25 de Fevereiro de 1986 - Acrescenta ao § 2º do artigo 25, da Lei......
Lei nº 11.228/92 - Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo.
Acessado em 16.08.2013.
SÃO PAULO. Secretaria de Habitação de São Paulo. Cidade Legal. http://www.
habitacao.sp.gov.br/noticias/index.asp?Destino=VW¬icia_id=1094&Area=NO
TICIA&idiomas=PO. Acessado em 04 mar 2013.
NOTAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1161
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A efetivação do
direito ao lazer na
cidade de Belém
1. INTRODUÇÃO
1163
perfizeram no decorrer da história humana. Eles se referem à consagra-
ção de direitos desejados para a esfera individual, mas que, devido sua
importância, devem ser efetivados no âmbito coletivo, objetivando atender
os interesses mais necessários à uma coletividade.
Eles tiveram, oficialmente, sua origem relacionada a um momento his-
tórico predominantemente marcado por revoluções sociais, econômicas
e políticas, foram elas as chamadas revoluções burguesas. Nesse sentido,
foram positivados, ou seja, exteriorizados através do texto jurídico escri-
to, por meio de uma série de documentos que compõem um marco na
história do direito2.
Este gênero de direitos contempla uma série de espécies que seriam re-
lacionadas à educação, saúde, previdência social, proteção à maternidade
e à infância, assistência aos desamparados, ao trabalho e ao lazer. Dessa
forma, tendo em vista o caráter de essencialidade destes não somente
quanto ao âmago individual de cada cidadão, mas quanto à coletividade
social, conforme já dito anteriormente, é dever do Estado garanti-los em
seu ordenamento jurídico, bem como efetivar políticas públicas para que
os mesmos sejam realizados na prática3.
Em conformidade com a concepção apresentada, pode-se dizer também
que os direitos sociais seriam uma das faces dos direitos fundamentais – ou
seja, dos direitos humanos recepcionados pela Constituição da República
Federativa do Brasil – e devem ser oferecidos pelo Estado a fim de propor-
cionar aos seus cidadãos uma melhor qualidade de vida4.
A partir deste contexto, o direito ao lazer é um dos vieses sociais a ser
garantidos pelo Estado. A possibilidade de usufruto do lazer está relacio-
nada às atividades que podem ser exercidas pelo cidadão em seu tempo
livre, mas para que isso de fato ocorra deve a sociedade estar consciente
do seu papel de fiscalizadora das prestações estatais5.
De acordo com Dias (2009, p. 81), “o lazer é uma conquista decorrente
da redução da jornada de trabalho”, sendo esta conquista consagrada em
dos principais documentos jurídicos trabalhistas, em âmbito nacional, que
é a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º
1164
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
de maio de 1943. Dessa forma, o direito ao lazer tem relação direta “com
as condições de trabalho e com a qualidade de vida, donde sua relação
com o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado” (SILVA, 2011, p. 316).
1165
No âmbito infraconstitucional a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001,
também conhecida como “Estatuto da Cidade” - que regulamenta os arts.
182 e 183 do Capítulo II – Da Política Urbana, da própria legislação consti-
tucional -, tem como finalidade consagrar a competência do Município no
sentido de legislar e implementar as variáveis constituintes das diretrizes
do planejamento e da gestão urbanística municipal através de um plano
diretor e de outras leis de competência municipal.
O Estatuto da Cidade reconhece a importância do direito ao lazer em
seu art. 26, inciso VI e art. 2º, inciso I. Nesse sentido, a política urbana
exercida em conjunto pelas esferas da União, dos Estados e, em especial,
dos Municípios deve objetivar efetivar a todos os cidadãos, independen-
temente de quaisquer distinções que possam existir entre estes, o pleno
desenvolvimento e acesso às funções sociais da cidade de forma demo-
crática e participativa, tal como preleciona Lei Fundamental de 1988.
Nesse sentido, pode-se dizer que tanto o reconhecimento de insti-
tutos relacionados à política urbana quanto a sua forma de aplicação à
realidade devem ser discutidos de maneira democrática entre o Poder
Público e todos os seguimentos da sociedade, pois será ela quem fará uso
destes benefícios e, por isso, cabe a ela dizer quais são as necessidades e
particularidades existentes entre os seus componentes. Contudo, não há
como pensar em instrumentos jurídicos que sejam impostos, pois estes
não seriam eficazes, bem como também seriam ilegítimos.
1166
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1167
4. PARANORAMA VISUAL DO DIREITO AO LAZER
NO ESPAÇO URBANO DO MUNICÍPIO DE BELéM
Figura 1. Local: Avenida João Paulo II. Data e hora de captura da imagem: 20 de novembro de 2011 às 15h12min.
1168
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O segundo local visitado foi a Praça da República (vide figura 2), uma
das mais antigas e belas da cidade. No dia da visita, se pode perceber que
havia funcionários da Prefeitura realizando limpeza no local, bem como a
presença de guardas municipais. Apesar disso, foi perceptível a presença
de pessoas em situação de risco, tais como: moradores de rua. Embora,
haja informações veiculadas pela Prefeitura10 de que está sendo realizada
uma revitalização da iluminação pública deste local e haja uma placa da
Prefeitura neste espaço divulgando a mesma informação (vide figura 3),
não foram vistos funcionários competentes realizando este serviço.
Figura 2. Local: Praça da República. Data e hora de captura da imagem: 20 de novembro de 2011 às 16h09min.
Figura 3. Local: Praça da República. Data e hora de captura da imagem: 20 de novembro de 2011 às 16h13min.
1169
O terceiro espaço a ser visitado foi o cinema Olympia que em 24 de abril
de 191211 foi a primeira sala de cinema a ser inaugurada em Belém. Ainda
hoje está em funcionamento, destacando-se a boa preservação interna
do local e o seu corpo de funcionários que prestam um bom atendimento
ao público. No entanto, a fachada apresenta pichações e uma pintura já
desgastada (vide figura 4).
Figura 4. Local: Olympia. Data e hora de captura da imagem: 20 de novembro de 2011 às 16h32min.
1170
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Figura 5. Local: Museu de Arte Sacra de Belém (MAS). Fonte: Revista Museu.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1171
REFERÊNCIAS
NOTAS
1 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Pará - UFPA, estagiária do Tribunal Regional do Trabalho
da 8ª Região, e-mail: luananunes_bandeira@hotmail.com.
2 Nesse sentido, Mendes; Coelho; Branco (2009, p. 759) dispõem que: Declaração de Direitos de Virgínia, na
América do Norte, em 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em1789; e, mais
tarde, lograram expandir-se em documentos de abrangência internacional, como a Declaração Universal dos
Direitos do Homem, aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1948.
3 Assim, Mendes; Coelho; Branco (2009, p. 760) colocam que: Assim concebidos, isto é, como direitos a que
correspondem obrigações de fazer, a cargo não apenas do Estado, mas da sociedade, em geral — não por
acaso, ao enunciar alguns desses direitos (e. g., saúde e educação), a nossa Carta Política afirma que eles
constituem “direitos de todos e dever do Estado” —, a primeira e radical indagação que suscitam esses novos
direitos é saber como torná-los efetivos (…).
4 Para corroborar com esta tese, Silva (2011, p. 286) diz que: (...) podemos dizer que os direitos sociais, como
dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta
ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos
mais fracos, direitos que tendem a realizar a equalização de situações sociais desiguais.
5 Dias (2000, p. 82) faz o seguinte apontamento, colocando que: (...) “é preciso exigir”: superfície verde ne-
cessária à organização racional dos jogos e esportes das crianças, dos adolescentes e dos adultos; instalações
de centros de entretenimento intelectual ou de cultura física, salas de leitura ou de jogos, pistas de corrida ou
piscina ao ar livre; parques, florestas, áreas de esporte, estádios, praias (...).
6 Nesse sentido, temos o apontamento de Mendes; Coelho; Branco (2009, p. 9): Essa opção, é evidente, advém
da compreensão de que a Constituição, para ter estabilidade e duração, não pode constitucionalizar matérias
sujeitas a oscilações quotidianas, nem cristalizar interesses, relevantes embora, que digam respeito apenas a
grupos particularizados e não à nação como um todo.
7 A fim de ratificar essa visão crítica a estes direitos, MENDES; COELHO; BRANCO (2009, p. 762) colocam que:
(...) o que significa dizer em conformidade com o disposto no Título VIII — Da Ordem Social, no qual esses
distintos direitos encontram seu desenvolvimento, os mecanismos de sua eficácia ou de seu sentido teleológico
e a previsão de ações afirmativas para a sua realização prática, embora ainda longe de serem satisfatórias.
8 Nesse liame, dentre elas, podem ser apresentadas as seguintes leis municipais:
Lei nº. 8.022 promulgada em 10 de julho de 2000. Dispõe sobre a criação, composição, competência e fun-
cionamento do Conselho Municipal de Esporte e Lazer de Belém;
Lei nº. 7.630 de 24 de maio de 1993. Esta dispõe os estádios, cinemas, teatros e estabelecimentos de lazer ou
cultural, licenciados ou fiscalizados pelo Município de Belém. A partir de 25 de junho 2002, teve os seus arts.
1º e 2º modificados pela Lei nº. 8.148;
Lei nº. 8.629 promulgada em 21 de janeiro de 2008. Ela destina-se, prioritariamente, à criação da Secretaria
1172
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1173
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A técnica disciplinar da
informalidade no Centro de
São Paulo na contemporaneidade
(2006-2012)1
INTRODUÇÃO
1175
Nesse sentido, o centro, como local privilegiado na oferta de bens e ser-
viços, passa a ser objeto da cobiça das corporações nacionais e interna-
cionais, aliado a eventos midiáticos, como a Copa do Mundo de 2014, e
a escassez de outras áreas da cidade com grandes áreas para construção
civil e megaprojetos.
Porém, indaga-se: os espaços públicos do centro de São Paulo deveriam
atender a uma perspectiva de vida com dignidade a toda a população ou
ao estímulo às privatizações elitistas? Essa indagação tem como cenário
o tratamento dispensado por governos locais, nos últimos anos, com a
informalidade3 no centro, em especial na tradicional área situada nas
imediações da Estação da Luz, denominada de Cracolândia4, bem como
o tratamento dispensado pelos governos locais a quem trabalha na infor-
malidade no centro: moradores em situação de rua, vendedores ambu-
lantes, sem-teto, imigrantes ilegais; Ora reprimindo a quem necessita de
trabalho, ora fazendo vistas grossas para a exploração da pobreza alheia.
A Constituição Federal nos ajuda a entender essa questão. O artigo
5º, inciso xxIII, é taxativo quando dispõe que a propriedade atenderá
a sua função social. Portanto, uma cidade plural envolve o acesso aos
espaços públicos para todos: ricos e pobres. A Emenda Constitucional
26/2000 inseriu o direito à moradia, no art. 6º, entre os direitos sociais.
Numa interpretação principiológica, há a sinergia desse dispositivo, com
o princípio da dignidade da pessoa humana, mediante garantia de mora-
dia digna para todos, e não apenas para alguns endinheirados. Além do
direito à saúde, alimentação, trabalho, maternidade, infância, assistência
aos desamparados.
A partir da perspectiva ético-jurídica, o poder público deveria observar
os princípios fundamentais que balizam o próprio Estado de Direito capi-
talista. Temos as cláusulas pétreas expressas na Constituição Federal que,
em seu artigo 1º, caput, II, III e IV, apresenta como fundamentos do Estado
Democrático de Direito: a cidadania, a dignidade da pessoa humana, aliado
aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Também o artigo 3º,
caput da CF/88, aponta, como objetivos fundamentais da República Fed-
1176
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1177
dade diz respeito às garantias, pelo Estado, de que o indivíduo não lhe dê
fim com seus próprios meios; além de assegurar-lhes proteção mediante
condições adequadas de vida para todos: educação de qualidade, saúde,
moradia, emprego, renda e uma política de assistência social de laços
de solidariedade, com vistas à reinserção social e familiar do individuo.
1. AS MEDIDAS DISCIPLINARES DA
POBREZA NO CENTRO DE SÃO PAULO
à LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
1178
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1179
mento’ implementado no início de 2012 para afastar as pessoas
do crack tenha surtido efeito [...]. A operação terminou também
em ação na Justiça, com o Ministério Público Estadual pedindo ao
governo paulista R$ 40 milhões de indenização por danos morais
coletivos. Segundo a ação, os usuários foram alvo de bombas,
pancadas, cachorros e das caminhadas forçadas. (CARDOSO, O
Estado de S. Paulo, 2013).
2. O DISCIPLINAMENTO DA INFORMALIDADE
A PARTIR DO DISCURSO ELITISTA
1180
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1181
setores dominantes, com a aparência do benefício a todos. Inclusive, ganha
ares de legitimidade perante a maioria da população. Refiro-me, aqui, às
ideologias presentes nas leis como instrumento de realização de vontades.
A disciplina se realiza nas ações de apropriação dos territórios das
áreas central, pelo uso da técnica (leis, polícia 24 horas, câmeras, armas,
balas de borracha, helicópteros), como instrumento de poder e controle
sobre o corpo e a mente das pessoas e suas ações. A sanidade e a loucura
passam pela disciplina, pela expulsão de sujeitos considerados “estranhos”
a determinados territórios, utilização dos meios repressivos pelos rigores
da aplicação da lei, da ação policial e, mesmo, em extensão, pela popula-
ção que legitima esse processo por meio da hostilidade aos dependentes
químicos que migram para seu bairro.
Em última análise, é pelo controle dos acessos, a identificação, a se-
paração e o isolamento dos considerados “doentes dos sadios”, que se
realiza o projeto disciplinar permanente. Como exemplo, temos a inter-
nação compulsória em discussão entre judiciário, executivo e sociedade
civil. A vigilância é o grande instrumento disciplinar que permite todo o
controle social. Entre as ações disciplinares, identificamos: a criação de
leis, operações urbanas, fiscalização e repressão policial, instalação de
câmeras em áreas centrais e seu entorno e privatização dos espaços, com
destaque para a “comunidade” enquanto parceira da polícia e do poder
público, na realização de uma utopia de cidade.
As contradições sociais ficam mais evidentes. No entanto, quando se
estabelece um status crescente na onda de violência e ampliação midiática
de programas policialescos na busca por audiência a qualquer custo, passa
a sensação de insegurança insustentável do “cidadão de bem” (acima de
qualquer suspeita). Aponta-se, pois, mais uma vez, na direção das perife-
rias o lócus das ações policiais no combate aos “criminosos”.
A análise dos conteúdos de jornais revelam a “violência como ins-
trumento de poder”12, no processo de “segregação espacial” da cidade
pelos governos em sintonia com as elites locais. Procura-se legitimar
uma nova ordem social calcada no moralismo elitista conservador e
autoritário na condução social das políticas governamentais impulsio-
nadas pela mídia local.
1182
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1183
direitos fundamentais e sociais, respectivamente do artigo 5º e 6º e seus
incisos da Constituição Federal (explicitados ao longo do artigo), diante
das ideologias presentes nas mesmas.
REFERÊNCIAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Artigo elaborado a partir da Dissertação de Mestrado em Políticas Sociais pela Universidade Cruzeiro do Sul
com o título “A Concepção saneadora da pobreza nas políticas públicas contemporâneas (2006-2011), na Cidade
de São Paulo: análise crítica do processo de disciplinamento da informalidade” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2011).
2 Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito – FADISP. Advogado. E-mail: affonsodir@
gmail.com.
3 “O termo informalidade, para fins de estudo e análise, foi utilizado para referir-se aos excluídos dos espaços
da cidade, em especial: moradores em situação de rua, mendigos, flanelinhas, catadores de material para
reciclagem, dependentes químicos, entre outros que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Esse
termo, portanto, para fins metodológicos de pesquisa, obedece a um critério restritivo diante da complexidade do
fenômeno social que o termo envolve e do universo de pessoas que se encontram em situação de pobreza
em uma Cidade das dimensões estruturais e espaciais como São Paulo” (OLIVEIRA SOBRINHO, 2011, p.14).
4 Cracolândia: região central conhecida como Luz, objeto de operação urbana denominada Nova Luz (incluído
tradicional centro de compras como Santa Ifigênia), em parceria entre governos municipal, estadual e a inicia-
tiva privada que trabalha no sentido de retirada dos dependentes químicos da área pela ideia de revitalização,
incluída a desocupação de parte da área para realização do chamado Projeto Nova Luz. Essa área, conhecida
como Nova Luz, é objeto de especulação imobiliária, por ser o centro de São Paulo, um local privilegiado no
acesso a bens e serviços, e que tem atraído os olhares da nova classe média por grandes projetos imobiliários
para área. Em janeiro de 2012, teve início a operação centro legal, uma parceria entre governo municipal,
estadual e polícia militar para coibir o consumo de drogas por parte dos dependentes químicos em nome da
defesa do direito à vida e à saúde, com forte repressão policial, inclusive com uso de balas de borracha, sirenes
24 horas correndo atrás da multidão de usuários, na chamada operação dor e sofrimento, em que sempre que
ocorre a aglomeração de viciados ocorre a dispersão policial, fase denominada “dor e sofrimento”.
1185
5 “[...] ‘Limpeza’ do Centro? Depois da desastrada reforma do sistema de albergues, que vem reduzindo as
vagas disponíveis para moradores de rua e causou espanto por sua insensibilidade no trato de uma questão
particularmente delicada, tendo em vista seus aspectos sociais e humanos, a Prefeitura da capital acaba de
tomar uma segunda medida igualmente infeliz em relação a essa população desamparada. Portaria publicada
no dia 1º de abril regulamenta os procedimentos a serem observados pela Guarda Civil Metropolitana (GCM)
no trato com os moradores de rua, cabendo-lhe ‘contribuir para evitar a presença de pessoas em situação de
risco nas vias públicas da cidade e locais impróprios para a permanência saudável das pessoas’. Isto deverá
ser feito por meio da ‘abordagem e encaminhamento das pessoas, observando as orientações da Secretaria
Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social’. Isto quer dizer, como explica Bruno Paes Manso em re-
portagem publicada no Estado de quarta-feira, que os guardas poderão incomodar os moradores de rua, para
levá-los a deixar essa condição. Uma das formas de fazer isso é o chamado ‘toque de despertar’. Em vários
locais do centro da cidade – como a Praça da Sé e em frente à Bolsa de Valores –, os guardas estão acordando
diariamente os que dormem deitados nas calçadas. Eles podem ficar ali, desde que sentados [...]” (Editorial,
O Estado de S. Paulo, 16/04/2010).
6 “Lei nº 14.977, de 11 de setembro de 2009. Cria a Gratificação por Desempenho de Atividade Delegada, nos
termos que especifica, a ser paga aos Policiais Militares e Civis que exercem atividade municipal delegada ao
Estado de São Paulo por meio de convênio celebrado com o Município de São Paulo”. Disponível em: < http://
www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=12092009L%20
149770000%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20&secr=&depto=&descr_tipo=LEI>. Acesso em:
23/11/2011 às 20h40. “A operação Delegada – também conhecida como ‘bico oficial’ – é um convênio entre
a Polícia Militar e a Prefeitura, em que militares fardados, mas de folga, patrulham regiões determinadas da
capital – deverão ser 20 endereços até o fim de novembro. Os agentes recebem por hora trabalhada os valores
de R$ 12,33 para os praças (soldados, cabos e sargentos) e de R$ 16,45 para os oficiais (tenentes e capitães).
Todos os participantes podem atuar até 96 horas por mês – divididas em turnos de oito horas por dia [...]”
(HADDAD, O Estado de S. Paulo, 28/10/2010)
7 “Impacto da recente ‘Operação Cracolândia’: Em janeiro deste ano foi iniciada a ‘operação cracolândia’ no
centro da cidade de São Paulo (principalmente na Rua Helvetia), onde até o mês de março de 2012 (momento
em que este relatório é composto) a polícia está restringindo a circulação de usuários e traficantes de drogas
naquela região. Dos indivíduos em situação de rua entrevistados, 83,2% ficaram sabendo ou assistiram a ope-
ração, 16,0% não e 0,8% não lembravam. Para os 83,2% que responderam afirmativamente, 40,9% circulavam
ou pernoitavam próximo a Região da Cracolândia. (57,4% não e 1,7% se recusaram a responder). Para estes a
vida dos indivíduos em situação de rua foi afetada por essa operação de forma positiva (para 10,5%), de forma
negativa para 17,2% e os restantes 72,3% acham que não interferiu na sua vida, foi, portanto, indiferente [...]”
(FESPSP; PMSP, 2012, p. 80).
8 “Acrescenta e altera dispositivos à Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional
de Políticas sobre Drogas, dispor sobre a obrigatoriedade da classificação das drogas, introduzir circunstâncias
qualificadoras dos crimes previstos nos arts. 33 a 37, definir as condições de atenção aos usuários ou depen-
dentes de drogas e dá outras providências”. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fi
chadetramitacao?idProposicao=483808 >. Acesso em 19/07/2013.
9 O discurso saneador se revela como potencial instrumento que legitima as demandas do privado sobre o
público; como técnica, visa limpar a cidade da pobreza extrema, por, nessa ótica, não contribuir para a utili-
dade produtiva dos territórios como ordem hegemônica (das leis, vontades e utopia da cidade limpa e ordeira).
Nesse sentido, o saneamento se traduz em caso de saúde pública do ponto de vista das condições de vida e
trabalho dos dependentes químicos, moradores em situação de rua, prostitutas que, em última análise, não se
enquadram no padrão de moralidade burguesa. Mas, por outro lado, assume também ares de higienização de
ruas, avenidas e logradouros públicos pela ideia de degradação física e social, associados a sujeitos doentes
que precisam passar por medidas de tratamento como a internação compulsória aos dependentes químicos.
O grande instrumento promotor da assepsia é o poder público que usa da técnica (pelas leis, polícia, projetos
de revitalização) para a garantia da ordem e bem-estar da elite pela purificação da sociedade dos vícios e das
degenerações humanas. Por outro lado, a mídia atua como instrumento difusor de ideologias a serviço da
ordem global e local. Tem, assim, função mediadora de atuação dos interesses privados sobre o público e do
poder econômico sobre o político.
10 “[...] O Panóptico é uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto,
sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto. Dispositivo importante, pois automatiza
e desindividualiza o poder. Este tem seu princípio não tanto numa pessoa quanto numa certa distribuição
concertada dos corpos, das superfícies, das luzes, dos olhares; numa aparelhagem cujos mecanismos internos
produzem a relação na qual se encontram presos os indivíduos. As cerimônias, os rituais, as marcas pelas
quais se manifesta no soberano o mais-poder são inúteis [...]. Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma
relação fictícia. De modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comporta-
mento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à observância das receitas [...].
1186
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação,
ganha em eficiência e em capacidade de penetração no comportamento dos homens; um aumento de saber
vem se implantar em todas as frentes do poder, descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as
superfícies onde este se exerça [...]” (FOUCAULT, 2008, p. 167-169).
11 No caso de São Paulo, o projeto hegemônico envolve ideologias difundidas pelos governos locais e a iniciativa
privada, que promove o saneamento da pobreza pela apropriação dos espaços, criação de leis, regulamentos,
propaganda. Também pelo disciplinamento dos dependentes químicos, moradores de rua como segmento que
incomoda a concepção elitista de cidade ordeira, culta e civilizada.
12 Envolve a violência simbólica e física, a partir da negação dos direitos básicos do cidadão como moradia
aos sem-teto, enquanto não atendimento da função social da propriedade; as intervenções urbanas, a partir
de medidas saneadoras da pobreza e disciplinamento da informalidade como: bancos antimendigo, “toque
de despertar” e o fechamento de albergues nas áreas centrais; a perseguição policial aos vendedores ambu-
lantes pela Operação Delegada; o Projeto Nova Luz e as medidas disciplinares como a internação forçada
aos dependentes químicos. E o conjunto de ações disciplinares e ideologias saneadoras a serviço das elites
pela administração municipal e estadual em parceria com a iniciativa privada, enquanto constituidoras de
exclusão aos informais que se encontram em condição de vulnerabilidade social. Entre os sintomas recentes
da violência, temos a formação de novos espaços de segregação a partir da especulação imobiliária, para
atender a demanda de setores das classes médias emergente em condomínios fechados enquanto consumo
que alimenta corporações, entre as quais a indústria da segurança privada. Também, a violência aos informais
se dá no campo da atuação truculenta da polícia, em relação às manifestações sociais contra trabalhadores
informais, estudantes e população pobre em geral.
1187
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1189
Estatuto da Cidade, estabelecendo diretrizes gerais para a política urbana
visando à garantia da funcionalização da cidade e promoção do bem estar
de seus habitantes.
Entre as funções sociais da cidade estabelecidas pelo Estatuto da Ci-
dade, se destacam a habitação, o trabalho, a circulação e o lazer, visando
a plena integração dos seres humanos, seu crecimento educacional e
cultural, num ambiente saudável e ecologicamente equilibrado.4
No presente trabalho, iremos analisar o direito à cidade, e sua con-
sequente funcionalização, do ponto de vista dos territórios “excluídos”.
Deste modo, trataremos dos efeitos deste “novo” direito sobre as políticas
públicas implementadas nestes territórios, moradia em geral dos menos
favorecidos e mais carentes de implementação de políticas que lhes garan-
tam melhores qualidades de vida e a acesso à cidade em sentido amplo.
2. hISTóRICO DA SEGREGAÇÃO
ESPACIAL NAS CIDADES BRASILEIRAS
1190
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1191
concentrar grande parte da população sem qualquer infra-estrutura para
tanto, dando origem a incontáveis favelas e loteamentos clandestinos,
vistos como a única solução de moradia para a população de baixa renda.
Este processo se tornou ainda mais intenso com a industrialização e
a crescente demanda por mão de obra nas grandes cidades. Iniciou-se, a
partir daí, um forte movimento de êxodo do campo e das cidades menores
para as metrópoles em busca de oportunidades e melhores condições de
vida, o que só agravou os já grandes problemas de infra-estrutura nas
periferias, com o aumento expressivo do seu número de habitantes.
Destaque-se que nestes lugares se estabeleceram fortes redes sociais
de cooperação entre os moradores na tentativa de suprir, de certa maneira,
a carência de infra-estrutura gerada pelo abandono do Estado em relação
a estas áreas, redes estas que se tornaram uma característica sociologi-
camente peculiar destes territórios.
Com os inúmeros problemas gerados pelo excesso populacional nos
centros urbanos, já na metade do século xx - mais precisamente em
1964 - foi criado o Banco Nacional de Habitação – BNH, com a preten-
são de estabelecer uma política pública de moradia para os mais pobres
tendo na prática, entretanto, se mostrado uma mera estratégia do go-
verno para ampliar a indústria de construção subsidiando, em verdade,
o capital imobiliário.
1192
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1193
A exemplificação deste fenômeno na cidade de Salvador – BA é feita
por Ângela Gordilho6 , senão vejamos:
1194
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1195
negação completa ao direito à cidade, entendido como o conjunto de suas
potencialidades, sendo imperiosa a modificação de tal cenário em obser-
vância ao disposto no artigo 183 da Constituição Federal, regulamentado
pelo Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01.
O fato que se impõe, e que merece estudos visando a sua solução, é
que, mesmo com todas as políticas públicas de controle e muitas vezes
até de remoção desta população, as favelas e os assentamentos ilegais
continuam crescendo em ritmo bastante superior aos da população da
“cidade formal”. Desta forma, ao longo das últimas décadas a reformulação
das políticas públicas destinadas a estas áreas mostra-se urgente, sendo
necessário repensar seus objetivos e sua efetividade real na solução do
problema de habitação no país, sob o novo prisma da garantia do direito
à cidade, previsto constitucionalmente e regulamentado pelo artigo 2 º,
inciso I, do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01).
1196
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1197
Outro aspecto importante que deve ser observado necessariamente
para o sucesso das políticas de integração é a necessidade de permanência
do Estado nestes territórios “informais”, até então tidos como esquecidos.
Por certo, as intervenções cirúrgicas do Estado nestes territórios pro-
piciam um panorama de melhorias limitado, sendo certo que, a medida
em que o Estado se retira, a comunidade precisa encontrar soluções al-
ternativas para a manutenção das estruturas criadas, constituindo apenas
melhorias de curto prazo, o que demonstra uma maior preocupação dos
governos com a visibilidade política do que com a efetiva melhoria das
condições de vida da população.
Esta postura estatal de promoção de intervenções cirúrgicas, em ge-
ral com fins eleitoreiros, nas favelas e assentamentos informais apenas
contribui para a manutenção de sua população numa condição inferior
de cidadania e para o aumento da segregação espacial.
Este ciclo vicioso mantém essa população refém das práticas cliente-
listas, impedindo sua afirmação como grupo e integração com o território
da “cidade formal”. Além disso, impede seu acesso a diversos direitos
prescritos como fundamentais pela Constituição Federal.
Deste modo, faz-se necessária uma intervenção de longo prazo do
Estado, não apenas promovendo melhorias físicas no território e sua
1198
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5. CONCLUSÃO
1199
tipo de comportamento propiciará a inclusão desta população e a com-
pleta integração dos territórios até então segregados, não com o ônus de
torná-los iguais à cidade formal, mas sim com a positivação do diferente,
passando a ser visto como um elemento integrador e enriquecedor da
cidade como um todo.
Neste contexto, o direito e a função social da cidade, previstos consti-
tucionalmente, devemm pautar as políticas públicas a serem aplicadas a
estes territórios, garantindo a integração entre cidade formal e informal
com respeito às peculiaridades das áreas de assentamento informais e
fornecendo aos seus habitantes as condições mínimas de fruição das
potencialidades da cidade em que vivem.
BIBLIOGRAFIA
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Bacharel em Direito e mestranda em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Email: tarcylafidalgo@gmail.com
2 Carta Mundial pelo Direito à Cidade. In V FORUM SOCIAL MUNDIAL, 2005, Porto Alegre. Disponível em
<http://www.forumreformaurbana.org.br/index.php/documentos-do-fnru/41-cartas-e-manifestos/133-carta-
-mundial-pelo-direito-a-cidade.html>
3 BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
tuicaocompilado.html>
4 MEDAUAR, Odete. Estatuto da Cidade: comentários, 2ª. Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
5 MARICATO, Erminia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência.
São Paulo: Hucitec, 1996.
6 GORDILHO, Angela. Legalidade e exclusão urbanística nas grandes cidades brasileiras: um estudo de caso,
Salvador – BA. A Lei e a Ilegalidade na Produção do Espaço Urbano, Belo Horizonte:Del Rey, 2003.
7 Op. Cit.
8 FERNANDES, Lenise. A Favela e o Direito à Cidade: desafios à integração democrática no século xxI. In III
Jornada Internacional de Políticas Públicas, Questão Social e Desenvolvimento no século xxI, 1997, Maranhão.
Anais. Maranhão: 2007. Disponível em: <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIII/html/Trabalhos/
EixoTematicoJ/bd7c591ba6b0641bb8bcLenise.pdf>
9 Op.cit.
1201
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1203
É com esta finalidade que este artigo traz algumas considerações
sobre a dimensão urbanística e social do Direito a Cidade e sua relação
mediada pelo direito para a efetivação, para depois abordar como, através
do relato da experiência da comunidade Nova Costeira, em São José dos
Pinhais, podemos identificar práticas insurgentes que informam novos
contornos deste direito.
1204
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1205
entre outras coisas, a função social da cidade e da propriedade urbana.
O marco seguinte para uma compreensão jurídica e não apenas sócio-
política do direito à cidade foi a Lei Federal nº 10.257/200124, o Estatuto
da Cidade, que vem regulamentar o capítulo da política urbana da Con-
stituição Federal. A sua aprovação tardia – depois de 11 anos tramitando
entre Câmara e Senado – se explica pelos interesses de grupos embutidos
no Estado em postergar ao máximo sua definição, tendo em vista que a
grande mobilização dos movimentos populares no início da década de 90
lhes desenhava um panorama político pouco favorável25. Não obstante, o
Estatuto sinaliza um entendimento renovado do direito urbanístico, não
mais colocado em separado da gestão urbana, mas sim ali onde sempre
pertenceu: no coração dos processos políticos26. Para Edésio Fernandes,
não devemos subestimar “o impacto que a nova lei pode ter sobre a ordem
jurídica e urbanística no Brasil, uma vez que suas possibilidades sejam
assimiladas e suas disposições efetivamente postas em prática”27.
A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik distingue três campos em que se
concentram as inovações do Estatuto: além da já mencionada renovada
compreensão da gestão urbana, que deve agora incorporar “a ideia de
participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino das
cidades”28 – manifestando-se, pois, em políticas urbanas que se afastem
da “ficção tecnocrática dos velhos Planos Diretores de Desenvolvimento
Integrado, que tudo prometiam”29, apesar de não disporem do mínimo
necessário à própria efetivação –, ele traz também um conjunto de novos
instrumentos urbanísticos voltados à normatização e, principalmente, à
indução e ao controle do uso do solo urbano, no sentido de uma justa dis-
tribuição de cidade a todos. O terceiro campo de inovações é a normativa
respeitante à regularização dos assentamentos informais, matéria em que
o Estatuto é bem sucedido já por retirar das sombras conflitos que antes
caíam em ambíguo ecótono entre o legal e o ilegal30. A cidade real, deste
modo, deixa de ser ficção na letra da lei: reconhece-se a existência e, mais
que isso, a legitimidade das ocupações de terras para moradia, bem como
a possibilidade – e o dever – de sua legalização jurídica31.
1206
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1207
3. DIREITO à CIDADE, ESTADO CAPITALISTA
E MECANISMOS DE DISPERSÃO
1208
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1209
configurar qualquer espécie de monolítico instrumento de uma classe
contra a outra, mas sim por ser informado pela lógica do capital51 e por
seu papel constitutivo no processo de acumulação52 – tem por função
política geral o “dispersar” das contradições e das lutas sociais suscitadas
pelo modo de produção capitalista, de modo a “mantê-las em níveis ten-
sionais funcionalmente compatíveis com os limites estruturais impostos
pelo processo de acumulação”53. Com este fim, o Estado lança mão de
um conjunto articulado e complexo de “mecanismos de dispersão”, que
podem ser internamente diferenciados em mecanismos de socialização/
integração, de trivialização/neutralização, e de repressão/exclusão54.
Sendo a pacificação global das tensões inatingível, a mobilização destes
mecanismos é vária e assimétrica, à dependência das condições históricas
concretas. O direito, contudo, sob a condição de privilegiada mediação
entre o político e o econômico55, é o principal responsável por acionar
tais mecanismos56.
Estas categorias guardam grande potencial explicativo, revelando-o
quando postas em movimento sobre um recorte contextual. Vem a pro-
pósito fazê-lo agora, brevemente, a partir das vicissitudes em torno da
Vila Nova Costeira, situada em São José dos Pinhais, município da Região
Metropolitana de Curitiba – cujo caso será explorado com maior vagar
adiante. Neste ponto, basta-nos o enfoque sobre a atuação estatal face
à comunidade.
O Poder Público de São José dos Pinhais protagonizou falsas resoluções
e a recorrente irresolução dos problemas da comunidade, articulando, em
conjunto ou alternadamente, mecanismos de integração e de trivializa-
ção. Com isso, prolongou-se a despolitização do conflito, ainda que sob
o assomo nunca ausente de eventual recurso à remoção.
O surgimento da Vila Nova Costeira reconduz já a uma integração:
sua ocupação deu-se através da realocação emergencial, em 1995, de
residentes de outro assentamento, atingido por enchente. O terreno em
que se fixou a população, concedido com permissão do Poder Municipal,
trazia já um histórico de desacertos: votado à União para fins de expansão
1210
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1211
sendo que, na época, os realocados receberam da prefeitura títulos de
concessão de uso precários, datados para vencimento dali a cinco anos.
Além disso, a distribuição por parte da Secretaria de Habitação de núme-
ros prediais referentes aos lotes estava individualizada por “proprietário”
(conforme termo utilizado).
A prefeitura de São José dos Pinhais nunca contestou a posse dos lotes
individuais ou da gleba como um todo, durante os cinco anos de validade
dos termos de uso; igualmente, nunca investiu na infraestrutura da área,
abandonando-a por completo. Todas as benfeitorias que se observam na
comunidade são fruto da construção de cada morador, sendo apenas estes
os responsáveis pela pavimentação das ruas, implantação de calçadas e
manilhas, além de aquisição de postes para receber iluminação pública.
Esta comunidade avança no sentido da busca insurgente dos seus di-
reitos, construindo uma cidadania que não tem como fonte a legalidade
estatal, mas suas práticas sociais que vão conformando um projeto próprio
– da comunidade para a comunidade.
Os moradores utilizam os serviços públicos a que têm direito, como es-
colas e unidades de saúde, porém, não podem usufruir do serviço dos
correios, uma vez que não possuem o Código de Endereçamento Postal
pelo fato de seus imóveis não estarem devidamente regularizados. Isto
implica em dificuldades com as correspondências, mas não impede o
recebimento das faturas de cobrança das taxas dos serviços essenciais,
como água, esgoto e luz. Além disso, reforça a informalidade, já que difi-
culta a comprovação de residência (necessária para abertura de conta em
bancos, por exemplo) e acentua a pobreza, negando o acesso ao trabalho
àqueles que não dispõem de endereço formal.61
Tal realidade permaneceu ignorada até o ano de 2008 quando, através
do decreto 2.347 de primeiro de setembro, a prefeitura reconheceu a área
como Zona Especial de Interesse Social.
Tal reconhecimento, que serviria a abrir as portas da regularização da
área, bem como poderia responder a esse histórico de reiteradas restrições
e violações de direitos dos “invisíveis” de Nova Costeira, é esquecido e
1212
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1213
Da mesma forma que em outras cidades que irão hospedar jogos
do mundial, formou-se em Curitiba um Comitê Popular da Copa (CPC),
articulação da sociedade civil construída por organizações, entidades e
pessoas independentes, com o objetivo de acompanhar e fiscalizar as
ações movidas em função dos jogos, assessorando aqueles que venham
a ter seus direitos violados por elas. O caso da Nova Costeira se destaca
no contexto de Curitiba, primeiramente por se tratar de uma comunidade,
um agente coletivo, e, em segundo lugar, dado o seu histórico e por ser,
dentre aquelas áreas a serem desapropriadas, a única em situação irre-
gular, o que aprofunda o drástico de sua situação, dificultando a sua luta
na lógica de um Estado burocrático. Desde o anúncio das obras, a vida
na comunidade mudou radicalmente, pelo sentimento de insegurança e
ameaça sempre presente, ao mesmo tempo que se iniciaram os processos
de mobilização por direitos que compõem o Direito à Cidade.
O diálogo entre a comunidade e o Comitê se inicia em 2012, através
de reuniões na comunidade entre a equipe do CPC e, primeiramente, a
Associação de Moradores, buscando diagnosticar o impacto das obras.
Disso, resultou o oficiamento da Infraero, Prefeitura Municipal de São José
dos Pinhais e Governo do Estado do Paraná, demandando-se acesso ao
projeto e esclarecimentos quanto ao modo de sua execução, com deli-
mitação da área atingida, bem como acesso ao projeto de regularização
fundiária da área.
Mesmo com a assessoria jurídica do CPC e o oficiamento desses ór-
gãos, o acesso à informação mostrou-se muito restrito. O que ocorreu foi
um mero repasse de competências interórgãos ou o absoluto silêncio na
resposta desses ofícios. Diversas reuniões foram feitas entre a Comissão
de Moradores, assessorada pelo Comitê, e estes órgãos oficiais, na entrega
desses ofícios e como meio de pressão e exigência do acesso à informação.
Estudando alternativas de regularização da área, a equipe do Comitê
chegou à Concessão Uso Especial Para Fins De Moradia como instrumen-
to adequado a responder à realidade da Nova Costeira e ao contexto de
desapropriação eminente.
1214
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1215
foram consagrados à elaboração do pedido, que contou com a adesão,
até aquele momento, de 85 famílias. Outras oficinas foram realizadas em
março de 2013 para a coleta final de documentos e assinatura dos pedidos
administrativos de CUEM, culminando com o protocolo de 63 pedidos na
Prefeitura de São José dos Pinhais no dia 06 de maio, em reunião oficial
entre a Comissão de Moradores e a Prefeitura.
O caso da Nova Costeira é emblemático por articular, a um só tempo,
todo um histórico de violação do direito à cidade e da função social da
propriedade, bem como a sistemática violação de direitos da população
fragilizada nos contextos de megaprojetos. Nesse sentido, dado os grandes
interesses que a cercam no atual contexto – econômicos e políticos –, a
visibilidade, após anos de completo abandono, é sintomática, mas deve
também servir de estratégia, como forma de denúncia.
É nesse marco que o Comitê Popular da Copa viabilizou a visita à
comunidade da Relatora Especial da ONU para Moradia Adequada, Ra-
quel Rolnik, em outubro de 2012. O Grupo de Trabalho sobre Moradia
Adequada, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República, do qual faz parte o professor Nelson Saule Júnior, também
visitou a comunidade em setembro de 2012. Além destas, durante feve-
reiro de 2013, a Nova Costeira recebeu, ainda, a equipe de Auditoria Par-
ticipativa da Secretaria de Controle Interno da Presidência da República,
responsável por detectar e monitorar violações de direitos decorrentes
de obras públicas associadas à Copa do Mundo de 2014, consequência
do trabalho dos Comitês Populares da Copa em todo o Brasil, no traba-
lho de assessoria e resistência das comunidades atingidas, dando voz e
visibilidade a suas histórias.
Realiza-se com este processo outro Direito a Cidade, que visa romper
a lógica do Estado com seus mecanismos de dispersão, de integração e,
portanto de desmobilização. Ao mesmo tempo em que a comunidade
busca a visibilidade externa, perante o Estado e a sociedade, busca o seu
próprio reconhecimento e legitimidade como sujeitos de direitos, e de fonte
de conformação do espaço urbano. Trata-se de uma forma insurgente
1216
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1217
o Direito a Cidade, ocasionando uma tensão, um conflito em seu lado
mais positivo, de liberação de práticas para além do estatal, em que se
organizam as dimensões emancipatórias do Direito a Cidade.
A comunidade da Nova Costeira que antes fora invisibilizada – seja
pela omissão do Estado ou por seus mecanismos de integração – hoje
constrói em sua prática cotidiana o seu entendimento sobre o Direito a
Cidade a partir das suas demandas concretas, presentes que irradiam para
um futuro de transformação de sua cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1218
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1219
______. Estatuto da Cidade: função social da cidade e da propriedade. Alguns aspectos
sobre população urbana e espaço. p. 9/25. Disponível em: http://revistas.pucsp.
br/index.php/metropole/article/view/8807/6528. Acesso em 18 de julho de 2013.
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é parte da solução, a solução que é parte do problema. In: FERNANDES, Edésio;
ALFONSIN,Betânia.A lei e a ilegalidade na produção do espaço urbano. Belo Hori-
zonte: Editora Del Rey, 2003.
NOTAS
1220
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6 Graduando do Curso de Direito da Universidade Federal do Paraná e bolsista do projeto de extensão PROExT
“Cidade em Debate: questões metropolitanas”, e-mail: andradepia1@gmail.com
7 OSÓRIO, Leticia Marques. Direito a Cidade como Direito Humano Coletivo. In: FERNANDES, Edésio, ALFONSIN,
Betânia. Direito Urbanistico: estudos brasileiros e internacionais. Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2006, P. 195.
8 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução de Rubens Eduardo Farias. São Paulo: Moraes, 1991, p. 135
9 Idem, p. 118
10 Idem, p. 135
11 FERNANDES, Edésio. Constructing the ‘Right to the City’ in Brazil, p. 208. Disponível em:
http://law.gsu.edu/jjuergensmeyer/spring2013/Edesio.Fernandes.Right.City.pdf.
12 MARCUSE, Peter. „Du kannst nicht bis zur Revolution warten, wenn du gerade einen Schlafplatz brauchst“:
depoimento. [24 de maio, 2012]. Jungle World. Entrevista concedida a Moritz Wichmann. Disponível em: http://
jungle-world.com/artikel/2012/21/45520.html.
13 MARCUSE, Peter. Whose right(s) to what city?. In: BRENNER, Neil; MARCUSE, Peter; MAYER, Margit (orgs.).
Cities for people, not for profit: critical urban theory and the right to the city. Nova York: Routledge, 2012, p. 35
14 ATTOH, Kafui A.. What kind of right is the right to the city?, p. 670.
15 HARVEY, David. Rebel Cities: from the Right to the City to the Urban Revolution. Londres, Nova York:
Verso, 2012, p. xi
16 Idem, p. xiii
17 Idem, p. xii
18 Vale lembrar que “movimentos sociais” não se confundem, de pronto, com “movimentos populares”.
19 SOUZA, Marcelo Lopes de. Which right to which city? In defence of political-strategic clarity, p. 316. Disponível
em: http://interfacejournal.nuim.ie/wordpress/wp-content/uploads/2010/11/Interface-2-1-pp315-333-Souza.
pdf. No mesmo sentido, Marcuse diagnostica, em sua entrevista, uma gradual “socialdemocratização” da ex-
pressão assim que o horizonte do direito à cidade perde lugar às exigêncios de direitos à cidade: à habitação,
aos serviços urbanos, ao meio-ambiente, etc.
20 SAULE JÚNIOR, Nelson; UZZO, Karina. A trajetória da reforma urbana no Brasil. Disponível em: http://www.
redbcm.com.br/arquivos/bibliografia/a%20trajectoria%20n%20saule%20k%20uzzo.pdf.
21 Diferentemente, anota Carlos Frederico Burnett que, quanto à “posição legalista” adotada pelo Fórum
Nacional da Reforma Urbana após a aprovação da Constituição, “provavelmente, a velha crença positivista
na neutralidade do Estado perante as classes sociais e em sua suposta racionalidade, capaz de resolver o
caos urbano, pesou decisivamente na estratégia política”. Ver BURNETT, Carlos Frederico Lago. Da tragédia
urbana à farsa do urbanismo reformista: a fetichização dos Planos Diretores Participativos. Tese de Doutorado,
UFMA, 2009, p. 230.
22 Idem, p. 260
23 Idem, p. 262
24 FERNANDES, op. cit., p. 202. Em seu art. 2º, inciso I, consta como diretriz geral da política urbana o “direito
a cidades sustentáveis”.
25 BURNETT, op. cit., p. 227
26 FERNANDES, op. cit., p. 218
27 Idem, p. 212
28 ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade – Instrumento para as cidades que sonham crescer com justiça e beleza.
In: ROLNIK, Raquel; SAULE JÚNIOR, Nelson. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana. São
Paulo, Pólis, 2001, p. 5
29 Idem, p. 7
30 RODRIGUES, Arlete Moysés. Estatuto da Cidade: função social da cidade e da propriedade. Alguns aspec-
tos sobre população urbana e espaço, p. 12. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php/metropole/
article/view/8807/6528.
31 Idem, p. 13
32 Idem, p. 16 e 17
33 Idem, p. 20
34 Idem, p. 19
35 HARVEY, op. cit., p. 80
36 MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 113
37 FERNANDES, op. cit., p. 218.
38 SINGER, Paul. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, Erminia (org.). A Produção
Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial. 2ª ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1982, p. 33
39 ENGELS, Friedrich. Para a Questão da Habitação. Disponível em:
http://ciml.250x.com/archive/marx_engels/portuguese/portuguese_engels_para_a_questao_da_habita-
cao_1873.pdf. Embora matéria repisada, vale lembrar quão distante da realidade está o rol de necessidades
básicas que o salário-mínimo é suposto atender, de acordo com o art. 7º, IV, da CF.
1221
40 HARVEY, op. cit., p. 18
41FRANZONI, Júlia Ávila. Política urbana na ordem econômica: aspectos distributivos da função social da
propriedade. Dissertação de Mestrado, UFPR, 2012, p. 67
42 Idem, p. 66
43 Idem, p. 63
44 Idem, p. 78
45 SANTOS, Boaventura de Sousa. O Estado, o Direito e a Questão Urbana. In: FALCÃO, Joaquim de Arruda
(org.). Conflito de Direito de Propriedade. Invasões Urbanas. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 35
46 SMOLKA, Martim O.. Regularização da Ocupação do Solo Urbano: o problema que é parte da solução, a
solução que é parte do problema, p. 2. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. A lei e a ilegalidade na
produção do espaço urbano. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2003.
47 RODRIGUES, Arlete Moysés. Desigualdades socioespaciais – A luta pelo Direito à Cidade. p, 74. Disponível
em: http://revista.fct.unesp.br/index.php/revistacidades/article/viewFile/571/602
48 Hipótese de que toma parte Paul Singer no texto citado. Ver SINGER, op. cit., p. 36.
49 SMOLKA, op. cit., p. 2 e 3. Segundo Jacques Távora Alfonsin, tais intervenções públicas – que não são ca-
pazes de alterar as regras do jogo imobiliário urbano – constituem “visível capitulação diante dos mecanismos
de mercado e expressa confissão da sua própria impotência política”. In: ALFONSIN, Jacques Távora. O acesso
à terra como conteúdo de direitos humanos fundamentais à alimentação e à moradia. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2003, p. 97. Boaventura de Sousa Santos, por sua vez, percebe três limites estruturais
que votam ao fracasso (com relação aos fins explicitamente formulados) toda política urbana dos Estados
capitalistas: a defesa da propriedade privada, o funcionamento da renda fundiária, e os recursos financeiros
tornados disponíveis pelo processo de acumulação. Ver SANTOS, op. cit., p. 61
50 FERNANDES, op. cit., p. 208
51 SANTOS, op. cit., p. 10
52 Idem, p. 12
53 Idem, p. 15
54 Idem, p. 16
55 Idem, p; 10
56 Idem, p. 18
57 Como anota Boaventura de Sousa Santos, “tanto o anúncio e a promulgação [de uma reforma], por um lado,
como o não seguimento e a inaplicação, por outro, devem ser concebidos como mecanismos de dispersão”.
Idem, p. 67.
58 BACHTOLD, Martha Villwock. Produção de habitação de interesse social e direito à moradia – o caso da vila
Nova Costeira em São José dos Pinhais. Monografia de Graduação, UFPR, 2012, p. 84.
59 Ver adiante.
60 “Estas lutas jurídicas são colectivas e políticas, embora utilizem as formas e as instituições jurídicas indivi-
dualistas do Estado liberal e tenham de partir da separação entre o jurídico e o político para, com base nela,
gizar estratégias várias de articulação entre ambos”. SANTOS, ob. cit., p. 72.
61 SMOLKA, op. cit., p.07
62 Conforme lê-se em notícia oficial do governo do estado, disponível em: http://www.aen.pr.gov.br/modules/
noticias/article.php?storyid=62797&tit=Governo-articula-movimento-para-antecipar-construcao-da-terceira-
-pista-no-Afonso-Pena
63 SANCHEZ, Fernanda et all. Produção de Sentido e Produção do Espaço: Convergências discursivas sobre
grandes projetos. xI Encontro Anual da ANPUR, 2005.
64 ESTADO DO PARANÁ. Decreto 3.409 de dezembro de 2011 que declara de utilidade pública área destinada
à implantação da nova pista de pouso e decolagens do Aeroporto Internacional Afonso Pena, Publicado no
Diário Oficial Nº 8606 de 09/12/2011. Disponível em: http://celepar7cta.pr.gov.br/SEEG/sumulas.nsf/2b0
8298abff0cc7c83257501006766d4/95dcccec51a15dd283257965003937b0?OpenDocument. Acessado em 09
de agosto de 2013.
65 HOLSTON, James. Espaços de Cidadania Insurgente. Revista de IPHAN nº 24. 1996, p. 243. Disponível em :
docvirt.no-ip.com/docreader.net/WebIndex/WIPagina/RevIPHAN/8870‒ . Acessado em 02 de agosto de 2013.
66 Idem, p. 250.
67 RANDOLPH, R. Formação de planejadores subversivos no Brasil? Um pequeno confronto entre uma nova
proposta do planejamento e a prática de formação de planejadores urbanos nos cursos de pós-graduação no
Brasil. In: xIII Encontro Nacional da ANPUR, 2009, Florianópolis / SC. Planejamento e gestão do território.
Escalas, conflitos e incertezas. Florianópolis : ANPUR - UFSC, 2009. v. 1.
1222
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Lysie Reis1
1223
De fato, uma leitura pouco atenta do livro “Direito à Cidade” de Lefeb-
vre pode apontar para um manifesto, o que justifica-se pela ambiência de
protestos libertários que vivia o autor na França de 1968. O livro refere-se
mais à Cidade do que ao Direito, mas abre uma discussão que pretende
superar a idéia do bem estar social e da universalização do acesso à cidade
capitalista. O Direito ao qual se refere propõe uma ruptura com a desigual-
dade do processo de urbanização e apela para que seja priorizada a vida
urbana e não a cidade em si. Sua proposta, baseada na transformação
social em prol de uma sociedade urbana mais justa, defende a autogestão
local e, sobretudo, a democracia. Em 2006, David Harvey, na publicação
“A Produção Capitalista do Espaço”, retoma o ideário do “Direito à Cidade”
como estratégia de ruptura aos ditames da condição pós moderna que,
em seus processos de flexibilização econômica, vem acentuando a crise
capitalista2. Harvey atesta que Lefebvre estava certo ao insistir que a re-
volução tem de ser urbana, no sentido mais lato do termo.
Voltemos ao caso brasileiro em uma breve retrospectiva sobre os
avanços nesse campo. Antes da promulgação da Constituição, constitui-se
um fórum de debates que dá origem a uma proposta de Emenda Popular
de Reforma Urbana. Novas organizações sociais surgem para lutar contra
a exclusão e as desigualdades nas cidades e essa articulação solidifica a
base para o Movimento Nacional de Reforma Urbana (MNRU), que, em
1987, dá origem a uma rede, o Fórum Nacional de Reforma Urbana, que
hoje está presente em todos os estados brasileiros. Da Emenda Popular
de Reforma Urbana a constituinte de 1988, absorveu apenas dois artigos,
o 182 e 183, que formaram o capítulo sobre política urbana. Dois princí-
pios fundamentais foram organizados no artigo 182: a função social da
propriedade, que submete o direito de propriedade ao interesse coletivo,
e a função social da cidade, indicando que a política de desenvolvimento
urbano deve pautar-se no desenvolvimento das funções sociais das cida-
des. A partir de então torna-se obrigatório o Plano Diretor para cidades
com mais de vinte mil habitantes e regulamenta-se os seguintes instru-
mentos jurídicos e urbanísticos: parcelamento, edificação ou utilização
1224
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1225
cada vez mais por requalificar o patrimônio edificado, principalmente os
mais apropriados à indústria turística. Não houve discussão sobre como
seria trabalhada a questão da função social sobre a especificidade dessas
área, nas quais o número de edificações ou terrenos baldios em estado
de vacância é considerável.
1226
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1227
pedra pela primeira vez) aplaudiam a gerência técnica e política da obra
que teve o Governo do Estado, por meio de duas de suas instituições, o
IPAC7 e a CONDER8, como único gestor do recém-inaugurado Pelourinho,
como é popularmente chamado o Bairro.
Voltemos ao passado para compreender o presente. Até 1991, mais
de 20 planos e ações tinham sido endereçados à reversão do estado de
abandono em que se encontrava o lugar. Cabe aqui a ressalva de que o
abandono, tanto físico quanto social, advém dos poderes públicos e não
das pessoas que ali moraram. Estas se apropriaram do casario abandonado
e o revitalizaram segundo suas ordens, possibilidades e expectativas. As
estratégias anteriores refletem-se sobre a última intervenção como ex-
periências de um aprendizado. Este aprendizado se dá através das ações
do próprio Estado, que, apesar das limitações, encontradas ao longo dos
anos em que atuou na área, conseguiu criar um lastro de fragmentos
de operações pontuais e a implantação de um número considerável de
equipamentos culturais. Além disso, constituiu um corpo técnico que
experimentou, nos caminhos que se mostraram ineficazes, um conjunto
de medidas abandonadas na última intervenção.
Desde a década de setenta do século passado, a reivindicação política
de segmentos culturais - que atuavam na conscientização e autoestima
da população local - vai estimulando o reinvestimento simbólico desse
espaço. Na década seguinte, a afirmação da identidade negra torna-se mais
evidente e passa a ser articulada como produto cultural apto a ingressar
nos circuitos nacionais e internacionais do mercado cultural. Por outro
lado, o investimento no turismo, já uma tendência global, é apreendido
intensa e decisivamente como “vocação” da Cidade do Salvador e como
vetor de seu projeto de desenvolvimento.
O poder público percebeu a atratividade cultural que despontava no
centro antigo e como esta poderia ser aproveitada na requalificação
local. O Pelourinho, hierarquicamente, já tinha assumido o “[...] papel
central de uma rede de territórios estruturada a partir da organização e
multiplicação de grupos formadores de uma dinâmica cultural na cidade”
1228
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1229
a alguns espaços, especialmente as praças, chegando, inclusive, a “[...]
não comercializar bebidas populares a preços acessíveis”(PELOURINHO,
a pós-recuperação, 1994, p 15). Cabe a ressalva de que quem enchia as
ruas era um público de baianos, especificamente jovens e negros.
Após a função habitação ter sido consideravelmente reduzida na área
“restaurada”, outros espaços, no próprio núcleo antigo, começaram a
receber ex-moradores, que ocupavam edificações abandonadas, faziam
adaptações e lá começavam a construir nova relação com bairro e vizi-
nhança. De alguma forma surgem novos conflitos sociais e um certo mal-
-estar social que chega a “perturbar”, em certos períodos, o ambiente de
lazer, oferecendo perigo ao visitante desavisado que circula pelas áreas
circunvizinhas ao “novo” espaço, como, por exemplo, o bairro do Salda-
nha, tendo em vista, como atesta a própria CONDER, a “[...] transferência
da marginalidade que se localizava nas áreas recentemente restauradas”
(BAHIA, 1995 ,p 08).
Entre 1995 e 1997, mesmo em ritmo lento, a “operação Pelourinho”
continuou na promoção de eventos culturais nas áreas semipúblicas,
como as praças, sendo toda a verba subsidiada pela Secretaria de Cultura
do Estado. Portanto a intervenção aparentemente se manteve, só que
inserida numa perspectiva de ampliação da infraestrutura turística de
Salvador; perspectiva esta vinculada à tentativa de elevar a atratividade
de toda a região do Estado da Bahia, marcado por atributos culturais e
paisagísticos. A própria Cidade do Salvador recebeu o ‘novo Pelourinho’
e muitos outros subespaços de atividades de turismo e manifestações
socioculturais com grandes potencialidades paisagísticas e recursos na-
turais. Outros fatores impulsionaram a não continuidade do dinamismo
revelado após a inauguração. Entre estes, destaca-se o surgimento, na
própria Cidade do Salvador, de outras áreas com boa capacidade de
atração, infraestrutura e diversidade de ofertas tão competitivas quanto
as do Pelourinho, que, de resto, continuava sendo uma forte referência
cultural na cidade. Por outro lado, a atratividade deste local não conseguia
atingir a clientela de classe média e média alta da cidade, que continu-
1230
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1231
ou um sistema de co-gestão”(FUTURA,1996:s.p). Desde então, os comer-
ciantes locais deixaram de acreditar nesta possibilidade, tendo em vista
que, dessa forma, estariam dando espaço ao retorno da marginalidade,
o que, segundo Palácios já estava acontecendo na área da Praça da Sé
e do Paço; além disso, havia a diminuição do turismo e a redução do
uso da área pela própria população de Salvador (PALÁCIOS,1996). O
estudo previa que, se ocorresse paralisação das obras, haveria perda do
investimento até então empenhado e o retorno da antiga marginalidade.
Provavelmente, isto acarretaria a evasão dos comerciantes e a ocupação
da área “restaurada” pelo comércio informal. O referido relatório alerta
para uma possível perda do estoque imobiliário pela sua rápida degrada-
ção e, conseqüentemente, queda no valor dos imóveis. Por fim, o estudo
diz que este panorama influenciaria o aumento do desemprego e pouca
confiabilidade do setor público em investimento sociocultural e do patri-
mônio local. Depois de dois anos de conclusão da 4ª etapa, a 5ª etapa é
iniciada. O ano é 1997 e as obras em questão inseriam monumentos de
caráter religioso de grande porte, como o Convento de São Francisco e a
Catedral Basílica, além de quarteirões circundantes da Praça da Sé11. Esta
etapa perdurou por três anos em ritmo lento.
Mesmo tendo sido idealizado em dez etapas, com fim previsto para
2000, o projeto de revitalização do centro histórico, só no início de 2000,
tem as obras da 6ª etapa iniciada. Foram realizadas intervenções em al-
guns edifícios isolados na área do Passo e Carmo, tal como a revitalização
do Convento do Carmo, que até hoje está parada. Foram feitas obras na
Igreja de São Francisco, além de 62 casarões, apesar de terem anunciado
a intervenção em 115 imóveis. Durante estes anos vão surgindo coletivos
que endereçam críticas ao modelo adotado pelo Estado. A presidente da
Associação dos Moradores e Amigos do Carmo (AMACAP), a aposentada
Maria de Lourdes de Oliveira critica o gerenciamento da 6ª etapa: “[...]
Aqui ninguém sabe de nada, o que é CONDER ou o que é IPAC e como as
coisas estão sendo feitas”. Os associados da APITO12 também reclamam
de “falta de transparência” (apud, 2004 c, p.3).
1232
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1233
restaurantes típicos e as lojas de artesanato, hoje abundantes nas áreas
já requalificadas. O mix-funcional rendia-se a um dos aspectos mais efi-
cazes para conferir vitalidade ao local, ou seja, inseriria, num dos atos
do espetáculo, o cotidiano, a vida como ela é. Esperava-se por crianças
jogando bola pelas ruas, pelo cheiro da comida caseira exalando, pais e
mães chegando do trabalho, idosos nas calçadas e talvez, com alguma
sorte e absorvido pela atmosfera de fantasia, o turista veja, atravessando
alguma esquina, Dona Flor, Pedro Archanjo ou, até mesmo, Tereza Batista.
A previsão era de que mais de 120 prédios fossem reformados a um cus-
to de 29 milhões de reais financiados pela Caixa Econômica Federal (CEF).
Mas não era qualquer um que poderia morar nos casarões tombados do
século xVII e xVIII. O privilégio estaria restrito às famílias de funcionários
públicos estaduais e municipais concursados, com renda mensal compro-
vada de dois a seis salários mínimos. A Prefeitura não concederia alvará a
novos pontos comerciais na região, exceto a um estacionamento e a um
mini shopping, com padaria, farmácia, salão de beleza, banca de jornal.
Os novos moradores estariam nas proximidades de verdadeiros ícones da
arquitetura erudita da Bahia, como o Seminário de São Dâmaso, um solar
do século xVII, e a Igreja e Convento de São Francisco, do século xVIII.
Mas quem ocupava estes casarões? Aqueles que os guardaram nos
anos de abandono, enquanto o poder público endereçava suas verbas
ao crescimento, expansão e melhoramentos de outras áreas da cidade.
Durante este longo tempo, o cotidiano fez sua história. Famílias pobres
amontoadas em cortiços, prostitutas, mães de família, traficantes e ho-
mens trabalhadores viviam segundo seus próprios códigos sociais. Para
o governo, estas pessoas não eram donas dos imóveis, restando-lhes
duas opções: ou recebiam o que Governo chama de “auxílio-relocação”
ou alugam as casas do Governo na periferia. Talvez a mudança do termo
intencione a desconstrução da idéia de propriedade, ou seja, para o não-
-proprietário cabe o tal auxílio, enquanto que, ao proprietário, caberia a
indenização. A questão da propriedade tem sido, até agora, o cerne do
embate que mistura moradores que se apropriaram do que estava esque-
1234
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1235
o direito de vender seus imóveis. Conclamar todos a uma ação conjunta
tornou-se impossível. Grande parte dos moradores estava desemprega-
da, vivendo de pequenos bicos. Por consequência acabaram aceitando o
“auxílio-relocação” pago pela CONDER para que deixassem o local. Eram
quantias que variavam entre R$ 700 e R$ 2,8 mil, nada além dos R$ 4 mil
no ano de 2005, já que estas famílias não tinham escritura de posse do
imóvel. E, apesar de não garantir a compra de outra moradia ou mesmo
o compromisso com um aluguel, os moradores a aceitavam. Resultado:
gastavam tudo e passavam a morar em piores condições e, muitas vezes,
na rua. A CONDER, procurada para esclarecer o episódio, afirmou que as
famílias que possuíam toda a documentação do imóvel, inclusive escritu-
ra, tinham recebido valores superiores a R$ 20 mil de indenização. Além
disso, a assessoria da CONDER informava que a todos foram oferecidas
moradias no subúrbio a uma mensalidade de pouco mais de R$ 50 para
que não ficassem desamparados, porém a maioria não aceitou, interes-
sada no dinheiro (SANTOS, 2002)17. Quem aceitou ir para Coutos, tratou
de tirar seus filhos da escola no meio do ano letivo e, até hoje, as duas
escolas existentes no “Centro Histórico” estão vazias.
Os moradores que ficaram organizaram a AMACH18, e uma de suas
representantes explicava que as famílias que ainda estavam no Centro
Histórico não queriam impedir a recuperação dos casarões, mas também
não querem sair de lá. E afirmava:
1236
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1237
chega aqui e pede 30 ou 50 centavos de farinha ou de açúcar, eles não tem
dinheiro nem para comprar um quilo”. Muitos mantiveram vínculo com
o antigo bairro, como é o caso de Edivaldo Amorin que todo dia volta ao
Pelourinho para vender cerveja junto a uma baiana de acarajé. O Presi-
dente da CONDER não avaliava de forma negativa a relocação e atestava
que “[...] as dezoito famílias que optaram por morar em Coutos estão
inseridas socialmente e melhorarão sua condição por conta de parcerias
entre a CONDER e ONGs que atuam na área”. O jornal A Tarde procurou
os ex-moradores do Pelourinho que moram nos conjuntos habitacionais
e nenhum reconhecia tais benesses. “ONG? Que é isso? Questionou um
deles” (CASTRO, 2004b,p.4) 22.
As ocorrências nos fazem perceber que, na prática, a “recuperação”
desse “centro histórico” é uma medida segregadora, que visa o sane-
amento moral de uma fatia do corpo social à proporção que entende
embelezamento, restauração, como uma prática elitista e autoritária.
Mas nada disto estava previsto no Termo de Referência que anuncia-
va os moldes da intervenção em 1991, que prometia, “[...] sobretudo
atenção com o habitante, “[...] efetiva participação das comunidades
residentes” (TERMO DE REFERêNCIA, 1991, s.p). Pouco depois, o IPAC
justificou a expulsão alegando que a população pobre e marginal não
era compatível com o turismo, o que prejudicaria a manutenção do
acervo arquitetônico e urbanístico.
Para pedir o financiamento ao BID para a 7ª etapa , o discurso oficial
abaixa o tom e retoma os ideais do Termo de Referência de 1991. Na car-
ta de intenções diz que vai avaliar a vulnerabilidade da população local,
com vistas a determinar prioridades de ação que considerem os anseios e
necessidades definidos pela comunidade e vai “[...] identificar a população
residente na área a fim de fornecer subsídios para a elaboração de projetos
visando sua fixação, seu reassentamento e indenização”. Na mesma carta,
diz-se que todas as esferas do poder público serão chamadas a participar,
bem como a sociedade civil, [...] que será representada principalmente
pelo capital imobiliário, que vem sinalizando através de propostas de al-
1238
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1239
como expressão da dignidade da pessoa humana [...] Não há, na hipótese,
cultura popular a ser protegida!” (BAHIA, 2003,p.15;18). Está claro que a
implicação do conceito de pobre como aquele que é incapaz de conservar
tornou-se uma máxima, “não sabem conservar, mas sabem depredar”.
Mas a pior, certamente, é a de que eles não têm cultura.
Uma das maiores vitórias da AMACH aconteceu no dia 1º de junho de
2004, às 10h30, quando foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC), firmado pelo promotor de justiça da cidadania Lidivaldo Reaiche
Raimundo Britto e pelos procuradores Mariana Matos Oliveira e Eduardo
Carrera, respectivamente do Estado e da CONDER. Garantir a permanência
de cerca de 103 famílias nos imóveis que estão sendo recuperados para
o uso habitacional na 7ª etapa de revitalização do Centro Histórico de
Salvador foi seu objetivo em resposta à peleja que se instaurou entre o
Estado e a AMACH, depois que o Ministério Público, em 2002, instaurou
um Inquérito Civil para apurar a desocupação dos imóveis. Nenhuma
associação de moradores do Brasil havia, até então, alcançado conquista
semelhante em relação às áreas urbanas de caráter patrimonial.
Por conta da pressão da associação de moradores foi incluído no pro-
jeto inicial o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH,
atualmente batizado de PHIS, que abrange famílias com renda inferior a
três salários mínimos. Assim, o que estava previsto para ser destinado
ao Programa Pro - Moradia, atual ProHabit, teve que ser redistribuído. Os
investimentos passaram a ser do Ministério das Cidades, do programa
Monumenta e do Governo do Estado da Bahia.
Os ideais do TAC, composto por 17 itens, resultaram de diversas reu-
niões dessa Associação que, mesmo não tendo sede, teve acolhimento
em diversos bares e casas da área. A luta caminhou e se intensificou, pois
a condição de permanência está vinculada ao pagamento das moradias.
Mas, como morar na área sem ter o antigo comércio? Para sobreviver
no local, que receberá também novos moradores oriundos do programa
PROHABIT, será necessário dar direito às vidas que foram desestrutura-
das com extermínio de suas relações de vizinhança, de lazer e trabalho.
1240
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1241
Seu manifesto teve, no ano passado, a seguinte resposta da Regional
do IPHAN na Bahia:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1243
de forma prioritária no país. Também em 2003, a Conferência das Cida-
des instituiu o Conselho Nacional das Cidades, instância de participação
que faz parte das principais ações do Ministério. A partir dessa estrutura,
incentiva-se a criação de espaços de participação para o planejamento
territorial nos níveis estadual e municipal.
Nessa perspectiva, o dispositivo legal regulamenta aquilo que, no âm-
bito do urbanismo contemporâneo, já é conhecido: a ineficácia das ações
que excluem das discussões aquele que distintivamente vive o lugar nas
suas dimensões cotidianas. Vale destacar que o ápice da concordância
sobre a gestão participativa ocorreu em 1996 no Habitat II. Nesse fórum,
foram destacadas as vantagens gerenciais e sociais da participação popu-
lar, sendo esta, ao final, uma prática amplamente recomendada. Houve um
alerta sobre a manipulação política das metodologias implementadas que
levam as populações excluídas a interiorizarem o estigma da incapacidade
e dependência, o que as faz apresentar, diante dos métodos tradicionais
de elaboração técnica de planejamento, dificuldade de cognição e inex-
periência nas ações democráticas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1244
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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NOTAS
1 Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Doutora em História Social (UFBA); Professora Adjunta da Universidade
Estadual da Bahia, lotada no colegiado de Direito (Campi I) ; e-mail Lysie60@hotmail.com
2 Em sua recente visita ao Brasil pela ocasião do seu mais novo livro “Para entender o Capital”, Harvey defendeu
formas de organização econômica, política e social de natureza anti-capitalista, visto que o cenário mundial
aponta um panorama nada satisfatório, que inclui o aumento da desigualdade social, a crescente violação
da democracia, o alinhamento da mídia com poderosos carteis que alimentam a corrupção e a consequente
destruição do meio ambiente.
3 Em 1983, um convênio firmado entre a quinta DR do IPHAN - pró-memória, o IPAC e a Prefeitura Municipal,
criou o ETELF (Escritório Técnico de Licenciamento e Fiscalização) que tem como atribuição a aprovação dos
projetos específicos de intervenção em áreas de interesse histórico e cultural do município, além da elaboração
de parâmetros que devem nortear a execução desses projetos. Consultar lei municipal nº 3289/83.
4 Tendo em vista a manutenção e administração dessa área, foi criada, através da Lei 3.688/86, a Administração
Regional do Centro. Até 1990 não existia uma definição clara dos papéis inerentes às duas administrações
criadas: a Fundação Gregório de Matos e o Parque Histórico, sendo ambas gerenciadas pelo Administrador
Regional do AR-Centro; nesse mesmo ano, após sancionados os decretos, a estrutura da Fundação foi alterada.
Surge a figura do administrador do Parque Histórico e o novo Regimento da AR-Centro.
5 “Pelourinho ganha Prêmio Rainha Sofia na Espanha” disponível em http://www.revistamuseu.com.br/
noticias/not.asp?id=2530&MES=/8/2003&max_por=
6 Tal prêmio foi instituído há 22 anos com ênfase para a poesia, literatura e medicina. Há treze, a premiação
é concedida para a área de patrimônio. Já receberam o prêmio, São Domingos, no Caribe, e Cartagena das
Índias, na Colômbia.
7 Sigla para Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural.
8 Sigla para Companhia de Desenvolvimento Urbano. Atualmente, esta é a empresa estatal que também
administra os programas habitacionais do governo do Estado.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
9 Festa de toda terça-feira no Pelourinho, já marcada pela tradicionalidade de uma missa realizada na Igreja
de S. Francisco, seguida do ensaio musical do Grupo Cultural Olodum. Nesse dia, é enorme o público composto
por populares que se espalham pelas ruas do bairro em busca de lazer e diversão.
10 Para a população local, o Pelourinho oferece ainda poucos postos de trabalho no setor de serviço e nas
pequenas e médias empresas. Segundo pesquisa do Sebrae (1994), 63% das empresas do Pelourinho empregam
de 1 a 5 pessoas; 16,1% empregam de 6 a 10 pessoas e 6,4% empregam de 11 a 20 pessoas.
11 Nesse conjunto, estavam 62 casarões e o custo total anunciado, incluindo as igrejas, esteve em torno de
R$ 10 milhões.
12 Sigla para Associação dos Proprietários de Imóveis Tombados.
13 Mais uma vez, dezenas de famílias foram retiradas e foram gastos R$ 12,4 milhões.
14 Ação de número 38.148-7/2002.
15 Decreto nº 8.218/02 assinado pelo então Governador Otto Alencar em 8 de abril de 2002.
16 A referência se dirige à Regra do Decreto-lei de Desapropriação de número 3.365/41. Enquanto isso, o
Governo do Estado alega que não há inconstitucionalidade no ato da desapropriação, pois a intenção é cumprir
a Lei nº 8.218/02 que autoriza o Poder Executivo a “[...] doar à CONDER os imóveis que indica, assim como
a CONDER a alienar imóveis no Centro Histórico de Salvador”. Não é a primeira vez que o Ministério Público
interfere na briga entre moradores do “Centro Histórico” e CONDER. Há sete anos, um grupo de oito famílias
do prédio 34 da Rua Ribeiro dos Santos foi retirado do prédio pelo IPAC, sob a alegação de que iriam fazer a
reforma. O prazo marcado para o reassentamento das famílias no mesmo local foi de oito meses. Descumprido
constantemente, o atraso motivou os moradores a procurarem o Ministério Público que pressionou. Durante
as obras, o IPAC alugou casas menores para os moradores nas imediações. Após o mês de agosto de 2003, a
CONDER prometeu ao Ministério Público pagar um salário mínimo por cada mês de atraso, acumulados hoje
em R$ 1.680,00, até agora em negociação. No dia 8 de março de 2004, a CONDER devolveu a edificação aos
seus moradores (CASTRO, 2004 d, p.7).
17 Depois de seis anos ininterruptos de pagamento desta mensalidade, o(a) contribuinte tem direito à posse
legal da casa.
18 Associação dos Moradores e Amigos do Centro Histórico.
19 O único módulo policial fica em Lagoa I e o colégio ainda não está pronto. Para sair do conjunto habitacional
e chegar até a Escola Municipal Fazenda Coutos, as crianças fazem um caminho perigoso.
20 AMORES é a sigla para Associação dos Moradores de Rua de Salvador.
21 O “Internet” também morou na área que hoje engloba a 7ª etapa, na Rua do Bispo, 69, depois foi para o
albergue da Baixa dos Sapateiros e através da SETRADS, conseguiu a casa no Moradas da Lagoa II.
22 O jornal também tentou ter acesso a lista dos 18 relocados, mas foi vetado com a justificativa de que a em-
presa não queria alimentar polêmica, já estando este assunto na esfera do Ministério Público Estadual (MPE).
23 Mesmo assim, a juíza da 7ª vara da Fazenda Pública terá de deliberar sobre o caso, enquanto isso, os R$
29 milhões do Monumenta-Bid não saem para a continuidade das obras.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Entre a uniformização e o
multiculturalismo: o Programa
Vila Viva à Luz do Reconhecimento1
INTRODUÇÃO
1249
integrado e definição das prioridades e ações locais. Porém, vem-se cons-
tatando, por meio dos estudos realizados no Aglomerado da Serra e na
Vila São Tomás, que a participação popular no programa é restrita, não
atendendo-se, portanto, a demandas centrais das comunidades, o que cul-
mina na construção de lógicas perversas de intervenção no espaço urbano.
O trabalho em questão se insere no contexto do grupo de pesquisa bi-
nacional “Cidade e Alteridade: Convivência multicultural e justiça urbana”,
iniciativa interdisciplinar da Universidade Federal de Minas Gerais e do
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em parceria com
a Universidade Federal de Viçosa e a Universidade de Itaúna. Utilizou-se
como método investigativo a pesquisa etnográfica, a qual inclui os proce-
dimentos de anotações em caderno de campo, coleta de histórias de vida,
observação direta do cotidiano e das ações dos diversos atores sociais
envolvidos em políticas públicas de urbanização, registros fotográficos,
entrevistas semi-estruturadas individuais ou coletivas (gravadas ou não),
respeitado seu consentimento à realização da pesquisa.
Toma-se como ponto de partida a concepção de que os diferentes
grupos sociais criam e ressignificam o espaço urbano de acordo com o
contexto social, cultural, econômico e político em que vivem. Constroem-
-se, assim, grupos territorializados por meio de processos que envolvem a
formação de laços de identificação entre os seus moradores e entre estes
e o espaço que habitam. Nesse sentido, a cidade abriga uma diversidade
de formas de viver, conviver e de se conceber o ambiente urbano.
Constata-se, porém, que no âmbito das intervenções públicas urbanas
em áreas consideradas vulneráveis se desconsidera o multiculturalismo
intrínseco aos ambientes de convivência social. Ao partir-se da imposição
de modelos homogeneizantes de intervenção, o que se tem como resul-
tado é a institucionalização de políticas opressoras, marcadas pelo não
reconhecimento do sujeito e da diversidade constituidora de suas relações
e de suas possibilidades de ocupação do espaço. Importante destacar aqui
o desafio trazido por Boaventura Santos (2003), em seu livro “Reconhecer
para libertar, os caminhos do cosmopolitismo cultural” o qual preleciona
1250
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1251
inevitavelmente escolhe um modelo, um estilo de vida que será imposto
aos demais grupos sociais. Destarte, o resultado dessas intervenções são
cidades uniformizadas.
Ainda é flagrante, portanto, a incompreensão da moradia como di-
reito subjetivo e a falta de entendimento acerca da sua complexidade,
em especial no que tange à atuação prestacional do Estado voltada à
concretização do direito de grupos socialmente excluídos. De forma mais
ampla, pode-se afirmar que as falhas citadas se estendem às políticas de
efetivação do direito à cidade. Percebe-se, portanto, que o conteúdo das
políticas voltadas à construção de moradias e do espaço urbano devem
compreender a diversidade sociocultural do ambiente sob pena de estas
representarem formas de violência contra os próprios detentores do direito.
Tem-se como exemplo flagrante dessa política pública padronizante
de intervenção urbana o Vila Viva, concebido pela prefeitura de Belo Ho-
rizonte como um programa de urbanização de vilas e favelas, que elenca
como principais objetivos a regularização fundiária e a urbanização, que
reivindica uma atuação multidimensional, tanto no âmbito jurídico e
urbano quando no social e econômico, tendo por alicerce a participação
popular. Contrariamente a essa afirmação de que a política seria multidi-
mensional e participativa, o que se observa repetidamente ao longo das
investigações realizadas pelo projeto Cidade e Alteridade é que programa
tem sido marcado pela falta de informação dos afetados e pela não possi-
bilidade de deliberação sobre aspectos centrais da política. Tal aplicação
tem conduzido à desconfiguração do modo de viver das populações desses
territórios e a uma grande quantidade de remoções forçadas de famílias,
com a realização de obras que não atendem aos principais anseios e
necessidades das comunidades. A imposição de uma concepção padroni-
zada de morar, com a construção de unidades habitacionais uniformes e
padrões de urbanismo pré-determinados desrespeita, de maneira frontal,
as particularidades das comunidades atingidas.
O que se pretende ressaltar nesse artigo é que a efetiva participação
das comunidades desde a fase de planejamento dos programas públicos
1252
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1253
sua vontade em um vasto território, só foi possível com a padronização
das pessoas sob sua jurisdição e controle.
A homogeneização da população dentro de um mesmo território na-
cional e a invenção de uma identidade patriótica se deu de forma a igualar
os menos diferentes e a excluir os mais diferentes do status de cidadão. Na
Europa, a religião, em especial, exerceu importante papel nessa uniformi-
zação de comportamento e valores, possibilitando, assim, a criação dos
primeiros Estados Nacionais modernos. Sobretudo em Portugal e Espanha,
foi marcante a atuação do Tribunal de Inquisição para a padronização
dos menos diferentes e a expulsão, por meio de guerras, dos mouros e
outros “mais diferentes”. Na América Latina a religião também foi o gran-
de mecanismo da conquista colonial: o Vaticano legitimou a invasão da
América e concedeu, a partir da emissão de Bulas papais, aos portugueses
e espanhóis “o direito de invadir, conquistar e subjugar a quaisquer [...]
inimigos de Cristo, suas terras e bens e a todos reduzir à servidão e tudo
praticar em utilidade própria e dos seus descendentes”(RIBEIRO, 1995, p.
67). A imposição da religião católica tinha o sentido uniformizador, de
destruir o povo originário e construir neles a cultura europeia. Em todos
os lugares onde se formou, o Estado moderno se assentou na exclusão
política de todos aqueles que não se enquadravam em seus critérios para
aceder ao estatuto de cidadão. A exclusão social e política é, portanto,
fundacional à modernidade ocidental(SANTOS, 2008, 2010).
O modelo colonialista e capitalista brasileiro historicamente conduziu
um processo violento de expropriação de terras e desterritorialização de
povos em favor de um sistema específico de acumulação e apropriação
das riquezas por determinados grupos políticos e econômicos. O geno-
cídio e o etnocídio das populações brasileiras indígenas, camponesas,
quilombolas, negras, formou um povo desterrado, um povo que hoje vive,
majoritariamente, nas cidades, um povo que resiste aos novos processos
de expropriação de terras na medida em que avançam os interesses da
especulação imobiliária nas cidades.
Nas periferias das cidades, pessoas, vindas das mais diversas raízes,
1254
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1255
rizonte, ao negar a diversidade cultural, não garante (e até mesmo viola)
o direito à moradia.
O território com o qual o programa Vila Viva lida é a favela, local onde
a vida cultural é intensa e não hegemônica. A moradia, por sua vez, é
componente intrínseco da identidade dos moradores com o espaço, posto
que é determinante na organização social e no estilo de vida das pessoas.
A partir de pesquisa de campo envolvendo um intenso diálogo com
a comunidade local do aglomerado Serra e São Tomás, a equipe de pes-
quisadores do projeto Cidade e Alteridade concluiu que a grande maioria
dos atingidos pelo programa rejeitavam a proposta de reassentamento
habitacional da prefeitura. Para Lefebvre, os técnicos urbanistas “não per-
cebem [...] que todo espaço é produto, e [...] que esse produto não resulta
do pensamento conceitual [mas] das relações de produção a cargo de um
grupo atuante” (Silva, 2013, p.1230).
A partir do cenário de implementação do Programa Vila Viva, pretende-
-se demonstrar com esse artigo a permanência da lógica uniformizadora
do Estado Nacional, que não atende à diversidade do meio urbano. No
caso, impõe-se, a partir do modelo de urbanização, uma única concep-
ção de vida urbana aceitável: àqueles que não se adaptarem a ela, resta
resignar-se à parca indenização oferecida pelo Município e à migração
para a zona metropolitana de Belo Horizonte, longe do trabalho e, muitas
vezes, de serviços essenciais, como saúde e educação. Nesse processo, é
clara a superposição de um modo de vida a outro: expulsam-se os mais
diferentes e uniformizam-se os menos diferentes.
1256
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1257
Outro exemplo de afronta à cultura local é a desconstituição do capital
social das favelas à medida que o programa, ao remover as moradias,
desconsidera os laços sociais e referenciais espaciais construídos em
determinada localidade. (GUSTIN, 2012) Há, portanto, impacto direto no
sentimento de pertença dessas populações, que são desenraizadas de seu
contexto e história. Esse desenraizamento produz sofrimento humano e
injustiça social.
Segundo Fraser (2005) a compreensão de injustiça cultural ou simbólica
passa por padrões sociais de representação, interpretação e comunicação.
Assim, o não reconhecimento dos sujeitos, que se constitui a partir da
imposição e da dominação cultural, subalterniza determinadas pessoas
a padrões de interpretação e de comunicação associadas à outra cultura,
estranha e hostil. A injustiça cognitiva, que ocorre quando os sujeitos
são considerados invisíveis pelos entes representativos, produz exclusão
social, cultural e política, ou seja, produz injustiça social. (SANTOS, 2008)
O que acontece no âmbito da política pública Vila Viva é exatamente
isso: o estilo de morar das comunidades é desvalorizado em virtude dos
padrões sociais dominantes. A sistemática pública cultural-valorativa,
que promove exatamente a imposição de padrões “superiores”, produtos
da ausência de reconhecimento, tem resultado em injustiças estruturais.
Pode-se dizer ainda que o Vila Viva, apesar de propor o contrário, não
é participativo, pois não se assenta no verdadeiro reconhecimento dos
moradores das áreas onde é implementado. Conforme se constatou nas
entrevistas, os espaços de reuniões e planejamento da execução das obras
de urbanização da comunidade não são verdadeiramente deliberativos,
mas meramente informativos na medida em que é extremamente reduzida
a capacidade de os moradores alterarem os planos inicialmente esboçados
pelo município e seu corpo técnico. Além disso, as reuniões avaliadas
foram marcadas pela condução autoritária de funcionários companhia
urbanizadora, a Urbel, bem como pela falta de um diálogo horizontal
entre técnicos e moradores, o que se agravava pelo uso ostensivo de uma
linguagem técnica de difícil cognição por aqueles.
1258
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1259
redistribuição e (falso) reconhecimento, seriam definidos exatamente por
nesse espaço político, no caso, onde se definiria “quem” está incluído
ou não nos espaços de discussão acerta do “que” será feito e “como”
será feito. Assim,
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1261
a representação seria de fato transformativa à medida que, nesses
quadros, os envolvidos
RECONhECIMENTO DA DIVERSIDADE E
EXERCÍCIO DEMOCRáTICO DO PODER POPULAR
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1263
do direito, como no caso do direito à moradia. O conceito de reconheci-
mento, segundo Axel Honneth, vem da tradição filosófica hegeliana para a
qual o reconhecimento significa ver o outro como seu igual, mas separado
deste, isto é, uma pessoal se torna um indivíduo, constitui sua subjetivi-
dade, ao reconhecer o outro (Honneth 2003). Neste contexto, reconhecer
a diversidade social e seu reflexo no ambiente construído é necessidade
precedente à efetivação do direito à moradia. E essa diversidade deve
ser não apenas reconhecida pelos demais grupos urbanos, mas efetivada
como um outro diverso e autônomo (GUSTIN, 2003).
Nancy Fraser (2003) aponta que o reconhecimento visa combater injus-
tiças de matriz cultural, com raízes em padrões sociais de representação,
interpretação e comunicação, tais como: 1) dominação cultural (hostil à
própria cultura); 2) não-reconhecimento (invisibilidade); 3) desrespeito
(estereotipação). Constata-se, porém, infelizmente com relevância, que
tais injustiças são flagrantes em programas habitacionais, que pretendem
efetivar o direito à moradia: há uma dominação cultural que visa à impo-
sição de um padrão de moradia – refletindo um estilo de vida diverso da-
quele existente -; há também, por parte dos gestores de políticas públicas,
um não reconhecimento da diversidade, provocando a invisibilidade dos
grupos como sujeitos de direito. A conclusão não pode ser menos óbvia:
urge necessário, então, a reestruturação dessas programas públicas, sendo
imprescindível o reconhecimento da diversidade da cidade para implan-
tação de políticas democráticas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1264
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1265
Ainda, a qualidade de uma vida, e especialmente de morar, se faz per-
ceber quando esta atende às necessidades e vontades de seus habitantes,
tendo reconhecidas, porém, as suas diferenças, bem como assegurada a
igualdade em relação à integração na cidade, com acesso, por exemplo,
a serviços públicos e às redes de acesso à educação, saúde, transporte,
cultura e lazer. Ao se trabalhar com projetos como o Vila Vila, previa-
mente estruturados e padronizados, perde-se a atenção às peculiaridades
das populações para as quais esses projetos são destinados e deixa-se
de reconhecer a diversidade intrínseca às formas de se habitar a cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1266
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Ananda Martins Carvalho. Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora
do Projeto Cidade e Alteridade da UFMG.
Fábio André Diniz Merladet, bacharel em Ciências Sociais (UFMG) e pesquisador do Projeto Cidade e Alteridade
da UFMG. E-mail: fabioandredm@hotmail.com
Isabella Gonçalves Miranda, bacharel em Ciências Sociais (UFMG) e pesquisadora do projeto Cidade e Alteridade
da UFMG. E-mail: bellagm2@hotmail.com
Lívia Lages. Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Projeto Cidade
e Alteridade da UFMG. E-mail: lblages07@gmail.com
Thaís Lopes Santana Isaías. Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora
do Projeto Cidade e Alteridade da UFMG. E-mail: thaislopes@hotmail.com.br
2 O problema do mau enquadramento tem um caráter mais profundo em função da importância crucial do
enquadramento para todas as questões de justiça social. Longe de ter significância marginal, o estabeleci-
mento do enquadramento está entre as decisões políticas mais consequentes. Ao constituir tanto os membros
quanto os não membros de uma única vez, essa decisão efetivamente exclui os últimos do universo daqueles
a serem considerados dentro da comunidade em questões de distribuição, reconhecimento e representação
política-comum. O resultado pode ser uma grave injustiça. Quando questões da justiça são enquadradas de
uma forma que, erroneamente, exclui alguns indivíduos do âmbito de consideração, a consequência é um
tipo específico de metainjustiça, em que se negam a esses a chance de formularem reivindicações de justiça
de primeira ordem em uma dada comunidade política. Semelhante à perda do que Hannah Arendt chamou
de “direito a ter direitos”, esse tipo de mau enquadramento é uma espécie de “morte política” (Arendt, 1973,
pp. 269-284). Aqueles que o sofrem podem se tornar objetos de caridade ou benevolência. Desprovidos da
possibilidade de formular reivindicações de primeira ordem, eles se tornam não-sujeitos em relação à justiça.
1267
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Imóveis ociosos na
implementação de políticas
Habitacionais para idosos
INTRODUÇÃO
1269
com outras transformações, como as demográficas, as sociais e as
econômicas (OMRAM, 2001). Atrelam-se ainda, outros fatores como as
altas taxas de crescimento da população nas décadas de 1950 e 1960
(SCAZUFCA et al, 2002).
Além do aumento do número de idosos na população, estudos mos-
tram uma tendência crescente de pessoas maiores de 60 anos morarem
sozinhas. De acordo com Debert e Simões (2011) em países como Ale-
manha, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Japão a coresidência está
em declínio. Para Prado e Perracini (2011), pesquisas recentes revelam a
diminuição do número de idosos morando com filhos nos Estados Unidos
e na Europa. No Brasil essa tendência também aumenta. No estado de São
Paulo, segundo o IBGE, no ano 2000, 19,4% dos idosos viviam sozinhos.
Debert e Simões (2011: 1574) defendem os estudos que mostram que
morar sozinho na velhice provoca a “segregação espacial dos idosos que
possibilita a ampliação de sua rede de relações sociais, o aumento do
número de atividades desenvolvidas e a satisfação na velhice”. Os auto-
res afirmam que é essa a conclusão que chegam os estudos sobre idosos
vivendo em conjuntos residenciais e condomínios fechados com serviços
e outras facilidades, ou ainda, em hotéis ou congregate housings.
1270
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1271
2 MODALIDADES hABITACIONAIS PARA IDOSOS
1272
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1273
órgão da Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo. Em divulgação
do panorama habitacional de interesse social, nos anos 2007/2008, na
modalidade intitulada “Programas Habitacionais para Demandas Espe-
ciais”, a CDHU coloca a moradia para idosos dividida em três tipos de
políticas habitacionais: Vila Dignidade, República da Melhor Idade e Cota
para Idosos em todos os Conjuntos.
5 - Casa Lar: é uma alternativa de residência, cujo atendimento pro-
porciona uma melhor convivência do idoso com a comunidade, contribuin-
do para sua maior participação, interação e autonomia. É uma moradia
participativa destinada a idosos que estão sós ou afastados do convívio
familiar e com renda insuficiente para sua sobrevivência.
6- Atendimento Integral Institucional: é o atendimento prestado
em uma instituição asilar, prioritariamente aos idosos sem famílias, em
situação de vulnerabilidade, oferecendo-lhes serviços nas áreas social,
psicológica, médica, de fisioterapia, de terapia ocupacional, de enferma-
gem, de odontologia e outras atividades específicas.
São estabelecimentos com denominações diversas, correspondentes
aos locais físicos equipados para atender pessoas com 60 anos e mais,
sob regime de internato, mediante pagamento ou não, durante um perío-
do indeterminado e que dispõe de um quadro de recursos humanos para
atender às necessidades de cuidados com assistência, saúde, alimentação
higiene, repouso e lazer dos usuários, além de desenvolver outras ativi-
dades que garantam qualidade de vida. São exemplos de denominações:
abrigo, asilo, lar, casa de repouso, clínica geriátrica ancianato. Estes es-
tabelecimentos poderão ser classificados segundo as três modalidades,
observando a especialização de atendimento, sendo:
- modalidade I: é a instituição destinada a idosos independentes para
atividades da vida diária, mesmo que requeiram o uso de algum equipa-
mento de auto-ajuda, isto é, dispositivos tecnológicos que potencializam
a função humana, por exemplo andador, bengala, cadeira de rodas, adap-
tações para vestimenta, escrita, leitura, alimentação, higiene etc. Com
capacidade máxima recomendada para 40 pessoas, com 70% de quartos
1274
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1275
gramas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o
idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria,
observado o seguinte: reserva de pelo menos três por cento (3%) das
unidades habitacionais residenciais para atendimento aos idosos.
Embora a lei determine esse direito, nas nossas cidades é preciso
averiguar se a gestão pública, por meio de seus órgãos competentes,
está exercendo a fiscalização, imprescindível para minimizar a demanda
habitacional da população idosa.
1276
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1277
Com o movimento a favor da Reforma Psiquiátrica (e Reforma Sanitá-
ria), surgiu também o conceito de Moradia Assistida, uma das formas de
tratamento daqueles internos.
Embora o modelo de Moradia Assistida possa variar em suas regras,
basicamente consiste num sistema onde o usuário usufrui de uma resi-
dência (localizada na zona urbana) e deve tomar conta de si, praticando
os atos necessários para a sua subsistência, manutenção da residência e
para a sua reinserção social, quando necessário, havendo acompanha-
mento multidisciplinar, pautado, entretanto, pela liberdade do assistido.
Há um acompanhamento, normalmente uma forma de gestão, para
saber se o morador respeita as regras do local. Trata-se de um auxílio
aos necessitados, dotando-os de estrutura suficiente para exercerem suas
atividades cotidianas.
A ideia é que há nas moradias um número pequeno de habitantes,
atividades culturais, profissionalizantes, sociais etc., tudo visando ao
bem-estar e à reinserção social, dando um tratamento mais humanizado
aos necessitados, os quais devem desenvolver senso de auto-cuidado e
responsabilidade.
Pode haver algumas variáveis, como no caso de moradia para depen-
dentes químicos, para alcoolistas, moradores de rua, cada qual com suas
peculiaridades.
Dependendo do modelo, a residência pode ser mantida pelos familiares
dos usuários ou até mesmo pelo poder público, como é o caso dos antigos
hospitais psiquiátricos.
Dessa forma, não se trata de cuidar de excluídos (tal qual acontecia
nos manicômios), e sim de diferentes, por assim dizer, gerando, pelo seu
modelo, uma maior possibilidade de recuperação e inserção social, já que
são tratados em residências, com diversas atividades e maior senso de
responsabilidade, tudo conforme o instituto proposto.
Nesse sentido, para a CDHU, responsável pela implantação das Vilas
Dignidade no Estado de São Paulo a “moradia assistida pelos serviços de
saúde e proteção social, acessibilidade, conforto e segurança”, tem por
1278
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1279
é aplicada no município de Santos e é definida como um dos
eixos da política nacional de assistência social;
Reforma de moradias isoladas: bastante solicitada por prefeituras
para dar condições a idosos de permanecerem na sua residência
com mais segurança e conforto, evitando sua institucionalização.
Ação que possibilita melhorar o estoque habitacional existente,
concebido, em geral, sem as condições de acessibilidade para a
velhice e a deficiência.
1280
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1281
Os requisitos para idosos entrarem no Programa Vila Dignidade são:
possuir 60 anos ou mais, independentes para a realização de atividades
de vida diária; ter renda mensal de até 01 salário mínimo (alteração dada
pelo decreto 56.448 – a redação original dizia 02 salários mínimos); ser
preferencialmente sós ou sem vínculos familiares sólidos (o Decreto de
2010 traz a expressão “vínculos familiares extremamente fragilizados, em
decorrência de abandono, situação de vulnerabilidade e risco pessoal e
social); ser residente no município há pelo menos dois anos.
O programa é implementado nas cidades que aderirem e compromete-
rem-se com as regras estabelecidas pelo governo do estado. Os recursos
do tesouro são repassados pela secretaria estadual da habitação à CDHU,
que executa a construção em terreno próprio ou da Prefeitura.
A Secretaria de Habitação também realiza o acompanhamento técnico
e financeiro dos recursos repassados, articulando-se com outros órgãos
públicos e entidades da sociedade civil na busca de ações integradas para
a segurança da aplicação e execução do programa.
A CDHU, após elaborar os projetos, sempre observando as especifi-
cações técnicas, contrata e executa as obras, doando para a prefeitura o
terreno (caso seja seu), as edificações, bem como o mobiliário das casas
e da área comum.
As prefeituras identificam e selecionam os idosos que serão os futuros
moradores, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela CDHU, esco-
lhendo dentre eles os que precisam de moradia, os que se adéquem mais
ao perfil estabelecido, considerando ainda o critério de necessidade dentre
a demanda do município.
Além disso, cuidam da aprovação da legislação pertinente e dos pro-
jetos, nos respectivos órgãos, elaborando, inclusive, um projeto social
obrigatório, conforme modelo e diretrizes estabelecidos pela Secretaria
Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social.
O projeto social, após elaborado, deve ser aprovado pela própria se-
cretaria, que também presta à prefeitura uma acessoria técnica na sua
execução, monitorando e avaliando o processo de gestão sócio-municipal,
inclusive, pós-ocupação das moradias.
1282
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1283
As modalidades podem ser implementadas em construções novas ou
adaptadas em imóveis ociosos. De fato, há de se considerar o enorme po-
tencial humano em fazer, desfazer e refazer construções. Mas deve-se ter
a preocupação com a constante remexida dos espaços existentes, sejam
naturais, sejam já transformados, pois a ausência de ação criteriosa do
homem desconstrói o existente. As modificações normalmente implicam
transtornos socioespaciais.
Assim do velho cria-se o novo. Segue-se a lógica dominante dos países
capitalistas, cuja máxima é atender aos interesses do mercado; segundo
Topalov (1979), quanto mais metros quadrados construídos, mais lucros.
As políticas habitacionais não devem se prestar a esse papel.
A prática do abandono de imóvel nas cidades impõe pesado ônus ao
meio ambiente e à população, especialmente a mais carente, provocando,
além de outros problemas sociais, a formação de vazios urbanos e de um
enorme estoque de prédios ociosos. Esses imóveis também são chamados
de espaços desconstruídos livres (FRANCISCO, 2002), como sinônimo de
vagos, ociosos, abandonados, desocupados.
Os espaços desconstruídos livres, segundo a teoria da desconstrução,
podem ser reutilizados, ou requalificados. Maricato (2001) ensina que as
intervenções no imóvel ocioso podem significar renovação ou reabilitação
(ou requalificação). Segundo a autora, à renovação pode-se atribuir uma
ação “cirúrgica” destinada a substituir edificações envelhecidas, desvalo-
rizadas, que apresentam problemas de manutenção, por edifícios novos,
maiores [...] (MARICATO 2001: 125). Nesse caso há uma mudança no uso
e ocupação do solo e quem ganha é o grande capital imobiliário.
Já na reabilitação ou requalificação, os maiores interessados são a
população residente, e prevalece o esforço comum, traduzido na parti-
cipação social e na solidariedade, atribuindo-se uma ação que preserva,
o mais possível, o ambiente construído existente (MARICATO, 2001).
Requalificando-se um imóvel, resgata-se a totalidade-essência da cons-
trução, praticando-se a desconstrução engajada, aquela que remexe os
espaços minimamente, permitindo que eles continuem vivos e cheios de
história (FRANCISCO, 2002).
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1285
dificultam alcançar o direito à cidade. Os imóveis ociosos que permeiam
o espaço urbano e a deficiência nas políticas públicas habitacionais são
reflexos disso.
Às camadas mais carentes, ou aos grupos específicos da população,
como os idosos, especialmente os de baixa renda, sem família, e sem
moradia, essa problemática reflete na qualidade de vida e bem estar
do cidadão.
Com o envelhecimento populacional acelerado, esse cenário delinea-
do no espaço urbano não será mais suportado, uma vez que aumentará
de forma exponencial a demanda por moradia para pessoas com mais
de sessenta anos. No mesmo sentido, os espaços desconstruídos livres,
caracterizados pelos imóveis ociosos, abandonados necessitam ser requa-
lificados e ocupados, atendendo à função social da propriedade.
Necessário implementar modalidades de moradia digna que contem-
plem não só a casa, mas que reforcem a qualidade de vida e o sentido
de pertencimento do idoso ao local que habita. São formas de inclusão
socioespacial e alcance do direito à cidade. Para tanto, imprescindíveis
mudanças de atitude da sociedade, do Estado e da própria família que
deverão organizar-se para minimizar a demanda com alternativas inte-
ligentes e acolhedoras.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a legislação
brasileira tem feito sua parte. Nesse sentido, modalidades habitacionais
e tipologias de serviços de atendimento ao idoso estão delineadas em
diversas leis. Por exemplo, a Portaria 73 do Ministério da Previdência e
Assistência Social (2001) apresenta projetos de moradia e serviços, o ar-
tigo 38 do Estatuto do Idoso estipula as cotas para idosos nos conjuntos
habitacionais públicos, já praticadas no estado de São Paulo desde 1999
pela CDHU, bem como a Vila Dignidade, programa do governo de São
Paulo criado em 2009. Essas, dentre outras soluções de moradia digna,
estão postas na legislação, esperando saírem do papel e serem executadas
nas cidades; os instrumentos já estão devidamente regulamentados no
Estatuto da Cidade.
1286
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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www.scielo.br/pdf/rbepop/v23n1/v23n1a02.pdf>. Acesso em: mar. 2011.
NOTAS
1 Mestre e Doutora em Engenharia Urbana pela UFSCar. Professora Adjunta do Departamento de Gerontologia
– UFSCar. Advogada. cristinaantoniossi4@gmail.com
2 Mestre e Doutora em Serviço Social pela PUC/RS. Professora Adjunta do Departamento de Gerontologia –
UFSCar. Assistente Social. marisazazzetta@yahoo.com
3 Doutor em Geografia-UNESP. Professor Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana-
PPGEU-UFSCar. Arquiteto. jfran@ufscar.br
4 Entrevista realizada com a gerente de pesquisa habitacional da CDHU em maio/2012.
1289
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1291
CONSIDERAÇÕES SOBRE O
CONCEITO DE DANO AMBIENTAL
1292
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1293
norma legal pretendeu uma visão mais ampla, deste modo, tutelando das
violações ambientais materiais e imateriais.
1294
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano
a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá
obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.8
1295
Neste caso, ao fazer referência ao artigo 1º da Convenção da UNESCO,
em relação ao patrimônio cultural, prevê que:
1296
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
sua fundação até os dias atuais, foi desvelada e fundada por Francisco
Caldeira Castelo Branco em 12 de janeiro de 1616, e deu origem ao seu
primeiro núcleo urbano.
A Cidade Velha foi o primeiro núcleo urbano de Belém e era denomi-
nada por muitos de “Cidade”, com o processo de construção do Forte do
Presépio, sendo um ponto de estratégia de defesa e limite de ocupação
dos portugueses na Amazônia12.
Com o processo do fortalecimento da colonização e jurisdição portu-
guesa, a cidade Velha, se propala para área não fortificada, de casas de
construções de taipa e cal, posteriormente vai delineando-se em diversos
prédios de arquitetura colonial são adornados de azulejos portugueses.
O século xVII é assinalado por construções de inúmeras igrejas e
catedrais tais como: São João (antiga Catedral de Belém), Carmo, Santo
Antônio, das Mercês, São Francisco xavier, atualmente denominada de
Santo Alexandre, as mencionadas construções estavam vinculadas ao
assentamento das ordens religiosas no referido bairro, configurando como
o espaço geográfico de Belém como maior número de igrejas existentes13.
Na segunda metade do século xIx e início do século xx, Belém vivencia
o boom da borracha, que estava relacionada à expansão e exportação da
economia gomífera para a Europa e Estados Unidos, o qual vai repercutir
em um desenvolvimento urbano da cidade de Belém, e terá como princi-
pais características a modernização, remodelação e embelezamento da
cidade, nos moldes da influência européia mais precisamente francesa.
O período do século xIx, foi marcado por notáveis construções tais
como: Palacete Azul ou Palácio Antonio Lemos, Mercado Bolonha, hoje
denominado de Mercado de Ferro de Belém, loja Paris N’América (onde
atualmente funciona uma loja de tecidos), Museu Paraense Emílio Goeldi,
algumas construções de Praças como Batista Campos, Praça Siqueira Men-
des (atual Praça do Relógio), Praça Dom Pedro II, e Praça Felipe Patroni.14
O relatado bairro é caracterizado pelo Largo da Sé ao Carmo, em di-
reção à Rua Siqueira Mendes, defendida por muitos historiadores como
a primeira Rua de Belém. Outro patrimônio edificado de grande expres-
1297
sividade existente no bairro é a Catedral de Belém de autoria de Joaquim
Manuel da Rocha artista de prestígio na corte portuguesa no século xVIII.
Segundo o arquiteto Flávio Sindrim Nassar em entrevista intitulada:
“Cidade Velha revela seus tesouros” o mesmo contextualiza que:
1298
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Fonte: www.carlosaugusto.com
1299
Neste sentido, em 13 de janeiro de 1993 a Prefeitura Municipal de
Belém publicou a Lei 7.603/93, no qual preceitua a respeito do Plano
Diretor Urbano de Belém, estabelecendo princípios e diretrizes, visando
promover a função social da cidade prevista na Carta Magna, seu artigo
1º institui a seguinte norma:
1300
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1301
Na mesma edição intitulada de: “O místico, o sagrado a História de
Belém: Cidade Velha, a sombra da origem que não pode se esvair”, a an-
tropóloga Anaíza Vergolino, concedeu entrevista a cerca do conjunto de
prédios históricos existentes no bairro da Cidade Velha, os quais acarretam
para Belém uma necessidade de conservação da identidade quanto ao
patrimônio histórico, cultural edificado.
Nos últimos anos, este conjunto histórico cultural que perfaz todo
o bairro, vem sofrendo intensa descaracterização, provocada
não somente pelos moradores do bairro, mas pelos empresários
locais. O bairro da Cidade Velha é hoje quase o porão da cidade, o
lugar de guardar mercadorias. Tem movimento comercial durante
o dia, nos fins de semana fecha a porta e silencia.26
Fonte: www.google.imagens.com.br
1302
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Fonte: www.diárioonline.com.br
1303
Assim sendo, conforme ilustra a imagem acima certifica-se que:
1304
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INSTRUMENTOS DE TUTELA DO
PATRIMôNIO hISTóRICO E CULTURAL
DA CIDADE VELhA E ENTORNO
Por muitos anos a nossa família pagou pra igreja o aluguel. Mas
faz tempo que não pagamos. O salão alto e mal cuidado con-
serva o forro de madeira original e os azulejos no piso e serve
como depósito de sal. A fachada, muito desgastada, apresenta
marcas de infiltração. Os vidros das janelas estão quebrados e
as luminárias de vidro, suspensas em gancho foram roubadas.31
1305
No dia 02 de março de 2008, foi publicada no periódico, “Amazônia”
a matéria denominada: “Memória da Cidade que o tempo apaga”, a qual
discorre sobre a Lei 7.709 de 1994, que regula sobre o Centro Histórico de
Belém, orientando o morador a conservar o seu imóvel, para a concessão
do benefício com desconto do IPTU, através do Programa Monumenta o
qual esclarecia:
1306
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1307
Neste sentido, revelam-se proeminentes construções arquitetônicas,
verdadeiros patrimônios histórico cultural edificados tais como: o “Casarão
do Ferro de Engomar”, pois após ser espoliado violentamente no dia 28
de janeiro de 2012 e com parte de sua estrutura danificada permanente-
mente, o jornal Diário do Pará publicou no dia 12 de fevereiro de 2012,
uma matéria denominada de: “Memória Ameaçada”, a qual retratou a
condição do prédio histórico “Casarão do Ferro de Engomar”, ou seja, a
ausência de precaução e de políticas efetivas de preservação do mesmo40.
O prédio histórico Palacete Vitor Maria da Silva, que por estar localizado
na Praça de Ferro de Engomar, na Travessa Veiga Cabral com Presidente
Pernambuco, ficou conhecido como “Casarão do Ferro de Engomar ”, é
uma construção do final do século xIx, tendo em sua arquitetura painéis
de azulejos estilo art noveau, criados pela empresa francesa A. Arnoux e
Bouanger & Cie, os quais, parte dos azulejos e das grades foram aniqui-
ladas e extraviadas.
Fonte: www.defender.org.br
1308
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1309
e suas torres, largos e praças, coretos, mercados e feiras - em
interação com a Baía de Guajará, é suficientemente expressivo
para retratar a história urbana de Belém.44.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1310
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1311
NOTAS
1 MBA em Organização e Gestão no Terceiro Setor na Amazônia (UNAMA), Especialista em História Social
da Amazônia (UNAMA), Especialista em Docência do Ensino Superior na Amazônia (UFPA), Bacharela em
Direito (UNAMA), Especializanda em Processo: Constitucional, Civil, Penal e Trabalhista (OAB/PA Mauricio de
Nassau). Licenciada e Bacharela em História (UFPA). Docente Colaboradora e Pesquisadora UFOPA/PARFOR.
Docente SEDUC-PA e Técnica em Gestão Cultural - História- SECULT-PA. sandra.educacao@hotmail.com
1312
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Movimentos sociais,
assessoria jurídica popular
e direito à cidade
INTRODUÇÃO
1313
Em meados dos anos 1970, o modelo econômico concentrador e o
autoritarismo do regime começam a ser questionados não somente por
estudantes e intelectuais, mas também pela Igreja Católica, por associações
profissionais como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Bra-
sileira de Imprensa, e até por empresários insatisfeitos com a intervenção
do Estado na economia. Inicia-se um novo movimento sindical no ABC
paulista, enfatizando sua autonomia em relação a partidos políticos e a
estruturas burocráticas5. As mobilizações originadas nas periferias urbanas
adquirem visibilidade, expressando-se em ações diretas como ocupações,
abaixo-assinados, ida de comissões a órgãos públicos, marchas etc. Na
época, outros movimentos sociais (MS) também se constituíram, trans-
cendendo o nível local e tendo como sujeitos categorias transversais às
classes sociais: mulheres, negros, homossexuais, ecologistas e outros.
Esses “novos movimentos sociais” tinham em comum a articulação entre
as dimensões da política, da cultura e da economia, expressas numa nova
concepção de cidadania, vinculada a interesses e valores historicamente
definidos. Houve um “alargamento do âmbito da cidadania”, no sentido de
ir além de reivindicar pertencimento ao sistema político, para se constituir
em uma “proposta de sociabilidade”, ou seja, mudar o foco da relação entre
Estado e indivíduos, para as relações que se dão na sociedade civil6. Esta
concepção combinava-se com uma postura espontaneísta e “anti-Estado”,
que preconizava a democracia direta, resistia à presença de militantes de
partidos políticos e recusava a institucionalização7.
Durante a década de 1980, essa postura começou a arrefecer. Não se
tratava apenas de uma tendência interna, mas de uma resposta a mu-
danças mais amplas advindas do processo de redemocratização, como o
pluripartidarismo, o retorno da dinâmica eleitoral e, consequentemente, a
maior aproximação entre os partidos políticos e os movimentos sociais8.
De parte do Executivo, a transformação expressou-se na abertura de certas
agências para formas participativas de elaborar e implementar políticas
públicas, incentivando a formação de associações locais9. A ascensão de
administrações de esquerda em grandes cidades enfatizou a “participa-
1314
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1315
A ordem jurídica vigente passa a sofrer pressões internas e externas por
mudanças no modelo de justiça liberal e formalista, o que leva a concep-
ções inovadoras, como o pluralismo jurídico e o “direito achado na rua” 17.
MUDANÇAS POLÍTICAS E
INSTITUCIONAIS PóS-CONSTITUIÇÃO DE 1988:
NOVOS DIREITOS, NOVOS ATORES
1316
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1317
aceitação plena na comunidade jurídica. Não é comum o acesso a essa
temática nas faculdades federais de direito, como evidencia a grade cur-
ricular de grande parte dos cursos de Direto das universidades federais do
país24, onde são poucas as disciplinas sobre assessoria jurídica popular,
pluralismo jurídico, teorias críticas do direito ou outros temas afins. Isto
reflete a ênfase que é dada à educação jurídica formalista e tradicionalista.
No caso da assessoria jurídica popular, o profissional, além do aporte
técnico, desempenha um papel político, como ressaltou uma das entrevis-
tadas para a pesquisa realizada pelas autoras: “a assessoria jurídica popular
parte de uma opção política, de uma visão do fazer Direito e da autonomia
[do] profissional enquanto advogado. Trabalhar com movimentos sociais
é uma opção de prática, uma opção de visão de mundo”. (Entrevista rea-
lizada em 17 de julho de 2013)25. O “advogado popular” exerce o papel de
educador junto aos grupos assessorados, em consonância com a proposta
emancipatória desenvolvida por Paulo Freire, segundo a qual “ninguém
educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam
entre si, mediatizados pelo mundo”26.
Assim, é fundamental que a relação entre educadores (advogados po-
pulares) e educandos (movimentos sociais e comunidades assessoradas)
seja pautada por uma perspectiva dialógica, pela qual estes últimos não
sejam simplesmente “clientes”, mas sujeitos de uma práxis. O uso do termo
práxis, aqui, não é casual, pois, como já foi destacado, não se trata apenas
de uma atuação com fins utilitários, mas sim, de uma atividade criativa e
transformadora27. É nessa linha que o EFTA tem procurado atuar, como
será visto a seguir.
1318
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1319
sua atuação29. Face à repercussão negativa, o Procurador Geral da ALCE,
Reno ximenes, declarou que a exoneração fora decorrente de um “lapso
de processamento de dados”, face à solicitação de cortes nas despesas
da ALCE: “o presidente [da Assembleia] chegou pra mim e falou: ‘Reno,
eu preciso de um corte de 30% do que é supérfluo’. Eu fiz e entreguei pra
ele” 30. Ressaltou que
1320
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1321
como profissionais liberais que assumem a opção política de defender os
grupos marginalizados, até mesmo quando os interesses desses grupos
transpõem a esfera do jurídico e vão de encontro ao poder instituído.
Outra marca específica da assessoria jurídica popular é o perfil dos
sujeitos que majoritariamente buscam o EFTA: movimentos sociais, co-
munidades e associações que já conhecem o histórico de sua atuação
em defesa dos direitos humanos. Esse reconhecimento da identidade do
Escritório ocorre também devido ao acompanhamento extrajudicial dos
casos. Um dos advogados entrevistados esclarece:
1322
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÃO
1323
REFERÊNCIAS
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NOTAS
1 Socióloga, Doutora em Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Ceará, Professora Asso-
ciada, pesquisadora do CNPq. E-mail: lindagondim@uol.com.br
2 Graduanda em Direito, Universidade Federal do Ceará, bolsista de Iniciação Científica do CNPq. E-mail:
kauhanahsm@gmail.com
3 Trata-se do projeto “guarda-chuva” intitulado Habitação e meio ambiente em conflito: novas configurações
dos conflitos socioambientais em Fortaleza-CE. Tal projeto, apoiado pelo CNPq e pela Fundação Cearense de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), vem sendo desenvolvido no Laboratório de Estudos da
Cidade (LEC)/UFC, sob a coordenação da prof.ª Linda Gondim e com a participação da estudante Kauhana
Moreira, que é bolsista de Iniciação Científica do CNPq.
4 DOIMO, Ana Maria. A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação política no Brasil pós-70.
Rio de Janeiro: Relume Dumará: ANPOCS, 1995.
5 SADER, Eder. quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalha-
dores da Grande São Paulo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
6 DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In: ______.
(Org.). Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 108.
7 GONDIM, Linda M. P. Os movimentos sociais urbanos: organização e democracia interna. Sociedade e Estado,
v. VI, n. 2, p. 129-159, jul.-dez. 1987; DOIMO, 1995, op. cit.
8 CARDOSO, Ruth Correa Leite. A trajetória dos movimentos sociais. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Anos 90:
política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 81-90.
1326
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
9 TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO,
Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 47-103.
10 SOARES, José Arlindo; GONDIM, Linda. Novos modelos de gestão: lições que vêm do poder local. In:______;
CACCIA-BAVA, Silvio. Os desafios da gestão municipal democrática. São Paulo: Cortez, 1998. p. 61-96.
11 TELLES, Vera da Silva. Sociedade civil e a construção de espaços públicos. In: DAGNINO, Evelina (Org.).
Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1996. p. 91-102.
12 BOBBIO, BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo, Campus. 1978; SILVA, Cátia Aida. Promotores
de justiça e novas formas de atuação em defesa de interesses sociais e coletivos. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, São Paulo, v.16, n. 45 . fev. 2001.
13 ALBUQUERQUE, Maria do Carmo. Participação cidadã nas políticas públicas. In: HERMANNS, Klaus (Org.).
Participação cidadã: novos conceitos e metodologias. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2004.
p. 15-60.
14 Vale lembrar que direitos coletivos são aqueles relativos a coletividades cujos membros são identificáveis,
tendo entre si uma relação jurídica – como, por exemplo, os moradores de um conjunto habitacional. Tais
direitos têm como característica distintiva a indivisibilidade, ou seja, não é possível identificar a parte que
cabe a cada indivíduo quando os interesses são atendidos. Os direitos difusos são também indivisíveis, mas
é impossível identificar individualmente seus sujeitos, que se vinculam apenas em relação a um fato exter-
no – como no caso de pessoas que sofrem os efeitos de uma atividade poluente. Para uma discussão mais
aprofundada, ver: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988.
15 Note-se que a ACP já fora regulamentada em 1985 pela lei n.º 7347, mas sua aplicação limitava-se à defesa
dos interesses relacionados à preservação do meio ambiente e do patrimônio artístico, histórico, paisagístico
e turístico. Em 1990, a Lei n.º 8078 (Código de Defesa do Consumidor) tornou mais abrangente o alcance da
ACP, incluindo a proteção a “[...] qualquer outro interesse difuso ou coletivo” (art. 111, inciso II). Mais de dez
anos depois, a Lei n.º 10.257 (Estatuto da Cidade) agregou a “ordem urbanística” (art. 53). Podem propor ações
civis a União, Estados, Municípios, empresas públicas, autarquias, fundações, sociedades de economia mista e
associações com pelo menos um ano de existência, além do Ministério Público; somente este último, porém,
pode determinar a instauração do inquérito civil que antecede a ACP.
16 SANTOS, Boaventura Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez, 1994; SILVA, Cátia Ainda, 2011, op. cit.; SOUSA FILHO, José Geraldo. Direito como liberdade: o direito
achado na rua – experiências populares emancipatórias de criação do direito. Tese de doutorado. Universidade
de Brasília. Brasília, 2008; TELLES, Vera da Silva, 1996, op. cit.
17 SANTOS, Boaventura Sousa. Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada. In: SOUTO, Claudio; FAL-
CÃO, Joaquim (Orgs.). Sociologia e Direito. São Paulo: Pioneira, 1980; SOUSA FILHO, José Geraldo. Direito
como liberdade: o direito achado na rua – experiências populares emancipatórias de criação do direito. Tese
de doutorado. Universidade de Brasília. Brasília, 2008.
18 Cumpre lembrar que no ordenamento jurídico brasileiro, o MP tem autonomia funcional e administrativa
tanto em relação ao Judiciário, como ao Executivo. Seus membros ingressam na carreira por concurso público e
têm as mesmas garantias que os magistrados (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos).
KERCHE, Fabio. O Ministério Público e a Constituinte de 1987/88. In: SADEK, Maria Tereza (Org.). O sistema
de justiça. São Paulo: Sumaré, 1999. p. 61-75.
19 FUKS, Mário. Conflitos ambientais no Rio de Janeiro: ação e debate nas arenas públicas. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 2001.
20 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. p. 213.
21 Aqui, distinguimos prática e práxis, considerando este último termo no sentido marxista, ou seja, “atividade
livre, universal, criativa e autocriativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz) e transforma (conforma)
seu mundo humano e histórico e a si mesmo” (BOTTOMORE, 1997). Já o conceito de prática se refere a ape-
nas uma dessas dimensões da práxis: a atividade de caráter utilitário-pragmático, muitas vezes, vinculada às
necessidades imediatas.
22 WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao Pensamento Jurídico Crítico. 7 ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 171-172.
23 Entre os principais autores que trabalham nessa perspectiva, podemos citar: Vladimir Luz, Roberto Lyra,
Boaventura Sousa Santos e Antônio Wolkmer.
24 Este dado foi obtido através da consulta aos sites das seguintes universidades:
UFPB (<http://www.ufpb.br/sods/consepe/resolu /1990/Rsep9013.htm> Acesso em: 08 jun. 2013);
UFPE (<http://www.ufpe.br/proacad/images/cursos_ufpe/direito_perfil_0805.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2013),
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UFRN (< http://www.sigaa.ufrn.br/sigaa/link/public/curso/curriculo/100840> Acesso em 08 jun. 2013),
UFPI (< http://www.ufpi.br/subsiteFiles/direito/arquivos/files/Grade%20Curricular%20-%203020_5%20e%20
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1327
UFRJ (<http://www.direito.ufrj.br/index.php? option=com_content&view=article&id=16:grade-curricular-
2010&catid=12:graduacao-2010&Itemid=26>. Acesso em: 08 jun. 2013),
UFPR(<http://www.direito.ufpr.br/index.php?option=com_content&view=category&id=127&layout=blog&It
emid=261> Acesso em: 08 jun. 2013).
25 Os nomes das pessoas entrevistadas não são mencionados, a fim de preservar sua privacidade, como
estabelece o Código de Ética da Associação Internacional de Sociologia.
26 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 45 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. p. 37.
27 BOTTOMORE, op. cit.
28 O texto do convênio é reproduzido em DIÓGENES, Christianny. Assessoria Jurídica Popular – Teoria
e prática emancipatória. 2007. Dissertação (Mestrado em Ordem jurídica constitucional) – Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza, 2006.
29 Na Carta dos movimentos sociais pelo fortalecimento da assessoria jurídica e em defesa do escritório Frei Tito
de Alencar (março, 2011), constam assinaturas de 49 movimentos sociais, comunidades, entidades não go-
vernamentais, pastorais da Igreja Católica e organizações estudantis. Esse documento foi dirigido ao então
presidente da ALCE, Roberto Cláudio Rodrigues Bezerra, e à presidente da Comissão de Direitos Humanos e
Cidadania, deputada Eliane Novaes.
30 Exoneração dos advogados do Escritório Frei Tito foi “lapso”, diz procurador. Disponível em: http://www.
portaldomar.org.br/blog/portaldomar-blog/categoria/noticias/ce-exoneracao-dos-advogados-do-escritorio-
-frei-tito-foi-lapso-diz-procurador. Acesso em: 01 fev. 2013.
31 Ibid.
32 Ibid.
33 “Art. 5.º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LxxIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita
aos que comprovarem insuficiência de recursos. [...] Art. 134.º - A Defensoria Pública é instituição essencial
à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do art. 5º, LxxIV”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm>. Acesso em: 13 ago 2013.
34 A Lei Complementar n.º 80, de 12 de janeiro de 1994, organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito
Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados. No Ceará, a Defensoria
Pública Geral do Estado foi criada pela Lei Complementar n.º 06, de 28 de abril de 1997.
1328
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1329
pensar e viver a vida em sociedade, Ermínia Maricato expõe o que re-
almente está em jogo nos ambientes urbanos: de um lado aqueles que
desejam um local adequado para viver, do outro aqueles que pretendem
somente extrair lucros4.
Esta e outras situações geram cenários de injustiça. A reação compõe,
dentre outros aspectos, o movimento por “Justiça Ambiental”. A identifi-
cação dos conflitos socioambientais respalda a compreensão do conceito
de justiça ambiental, que, por sua vez, se fundamenta na “análise ética
para a eliminação das condições e decisões sem equidade, procurando
incorporar o direito dos indivíduos e comunidades de serem protegidos da
degradação ambiental, da poluição hídrica, da efetiva defesa dos direitos
humanos”5, do direito à cidade.
Assim, o presente trabalho tem por objetivo aproximar os campos
de atuação do movimento por justiça ambiental e o direito à cidade,
apresentando pontos de convergência e divergência entre ambos e
sugerindo que esta aproximação possa fortalecer o campo de ação de
ambos os movimentos.
A luta por direitos e por acesso à justiça social e ambiental demanda
da implementação de um projeto educativo orientado para o exercício
e ampliação do conceito de cidadania, para a formação de uma cultura
que reforce a organização e a mobilização social. É neste sentido que a
educação ambiental se apresenta, com ênfase em sua tendência crítica,
como possibilidade político pedagógica para a construção da cidadania
ambiental, de sociedades mais justas e sustentáveis.
1330
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1331
É neste contexto que surge o movimento por Justiça Ambiental nos
Estados Unidos, a partir da década de 1960, partindo da denúncia de tra-
tamento diferenciado em alguns bairros para a questão do saneamento e
disposição final de rejeitos tóxicos e perigosos. Ele toma força na década
de 1980, buscando demonstrar que os impactos ambientais negativos
se distribuíam de forma desigual em função de gênero, raça e condição
econômica11.
Esta ideia reforça as afirmações de Acselrad et.al.12, que consideram que
o movimento por justiça ambiental “defende posições anticapitalistas” e se
posiciona de forma contrária ao pensamento ambientalista conservador,
dominante na atualidade, para o qual
1332
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1333
A garantia do direito à cidade e, por conseguinte, a possibilidade de
enfretamento das condições que caracterizam a injustiça ambiental, de-
mandam por parte do estado, da adoção de uma “política urbana rigoro-
samente pautada pela defesa dos interesses coletivos em detrimento dos
interesses individuais de propriedade”. 23
Do ponto de vista jurídico, isso requer a incorporação do princípio da
função social da propriedade, “razão de ser” do direito à cidade, uma vez
que é capaz de regular o uso da propriedade e do solo urbano e coibir a
especulação imobiliária. 24
Indo além, a efetivação direitos dos sociais resultam “da eventual
capacidade das lutas populares de impor às classes dominantes um
compromisso sobre novos direitos; direitos esses que, por si mesmos,
não destroem o capitalismo, mas que nem por isso são desejados pelas
classes dominantes”.
É diante destas constatações que se prestigia Loureiro e Layrargues ao
proporem os princípios que orientam para um novo modelo societário,
que conduza à justiça ambiental:
1334
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1335
identidade de classes e de pertencimento a grupo social, insti-
tuições, relações econômicas, etc.).
1336
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1337
Do ponto de vista da teoria crítica, as relações sociais tendem
a ser assimétricas, desiguais, injustas, porque uns, para manter
os privilégios historicamente conquistados, valem-se do poder
econômico, político, jurídico e cultural, que têm a seu dispor,
enquanto outros se encontram cada vez mais pressionados pela
vulnerabilidade social e econômica, e agora também ambiental,
em um frágil equilíbrio para manter a coesão social.
1338
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1339
pendendo para um maior individualismo, ora pendendo para um maior
sentimento de coletividade. Os excessos, de ambos os lados, deixam ci-
catrizes profundas, difíceis de serem curadas.
A busca por pontos de encontro entre os temas abordados aponta para
um núcleo comum de ideias, indicando a possibilidade de fortalecimento
dos laços comuns. É incontroverso que as temáticas do direito à cidade,
da justiça ambiental e da educação ambiental crítica rejeitam a fatalidade
dos acontecimentos naturais, que alijam parte da população de direitos
garantidos a outros. Assim, como “ter que morar em uma encosta de mor-
ro” não é destino natural de uma pessoa, também o deslizamento desta
mesma encosta não é um fenômeno natural imprevisível. Uma família só
escolhe este lugar para morar porque não tem outro mais adequado, de
acordo com as circunstâncias do momento. E a permissividade do poder
público da manutenção daquela situação, indica ao menos, a falta de uma
política habitacional adequada, e no mais, a consciência de que se trata
de área fora de comércio.
Embora a educação não seja o único caminho capaz de promover
transformações sociais, sem ela estas transformações se tornam impos-
síveis. Neste sentido, é fundamental difundir um projeto político pedagó-
gico capaz de abarcar a dimensão social das questões ambientais, a sua
multidimensionalidade. Este projeto educativo não pode assumir o estado
de neutralidade, mas defender práticas que favoreçam a leitura crítica da
realidade, o posicionamento contrário ao saberes instituídos, que perpe-
tuam a degradação social e ambiental. A educação ambiental crítica nos
traz este olhar e propõem ampliar o exercício de cidadania, por meio do
qual indivíduos e comunidades se tornam capazes de intervir no ambiente
e contribuir para a construção de um modelo societário que possibilite o
acesso aos direitos e caminhe na construção da justiça ambiental.
Por fim, é importante destacar que gestão democrática de todos os
interesses da sociedade é um pilar que sustenta as teorias apresentadas.
É por meio do diálogo que elas se posicionam e defendem novas formas
de interação entre ambiente e sociedade. Adotar uma posição contrária
1340
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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NOTAS
1 Doutor em Direito da Cidade pela UERJ. Professor dos cursos de Graduação e Mestrado em Direito da UEL
– Universidade Estadual de Londrina. E-mail: miguel.etinger@gmail.com.
2 Médica Veterinária, MSc. Especialista em Educação Ambiental (CRHEA/USP São Carlos, SP). Professora do
Curso de Especialização em Economia do Meio Ambiente – Valoração, Licenciamento e Educação Ambiental
da UEL – Universidade Estadual de Londrina. Consultora em Educação Ambiental.
3 IANNI, Octavio. Raças e classes sociais no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 132.
4 MARICATO, Ermínia. “Porque as metrópoles brasileiras rebelaram-se”. Outras mídias. Disponível em:
<http://outraspalavras.net/outrasmidias/capa-outras-midias/por-que-as-metropoles-brasileiras-rebelaram-
-se/>. Acesso em 27 ago 2013.
5 ROCHA, Júlio César de Sá. Direito às águas e racismo ambiental: gênero e raça/etnia e a extensão da cidadania
pelas águas. In: LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo (Org.). Gestão pública do ambiente e educação
ambiental: caminhos e interfaces. São Carlos: RiMa Editora, 2012, p. 104.
6 O “direito à cidade” pode ser caracterizado nos termos do artigo I.2 da Carta Mundial pelo Direito à Cidade,
redigido por diversas organizações ao redor do mundo, como: “O Direito a Cidade é definido como o usufruto
equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia e justiça social; é um direito que
confere legitimidade à ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar
o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os
direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente e inclui os direitos civis, políticos,
econômicos, sociais, culturais e ambientais Inclui também o direito a liberdade de reunião e organização, o
respeito às minorias e à pluralidade ética, racial, sexual e cultural; o respeito aos imigrantes e a garantia da
preservação e herança histórica e cultural”.
7 BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade.
8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
9 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. “Educação, cidadania e justiça ambiental: a luta pelo direito à existên-
cia”. In: CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental a Formação do Sujeito Ecológico.
São Paulo: Cortez, 2011, p. 166.
10 Ibid. p. 164.
11 ACSELRAD, Henri. Justiça Ambiental – novas articulações entre meio ambiente e democracia.
Disponível em: <http:www.justicaambiental.org.br>. Acesso em 14 ago. 2013.
12 ACSELRAD, Henri et.al. O que é justiça ambiental? São Paulo: Garamond, 2008.
13 IANNI, op. cit., p.7.
14 ROCHA, Júlio César de Sá. Direito às águas e racismo ambiental: gênero e raça/etnia e a extensão da
cidadania pelas águas. In: LOUREIRO, 2012, p. 111.
15 Ibid, p. 104.
1343
16 Ibid. p. 105.
17 TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e cidadania: Reflexões sobre o direito à cidade. In: Lua Nova, São
Paulo, 87, p. 2012, p.8.
18 Ibid. p.8.
19 MARICATO, Ermínia. Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência.
São Paulo: Hucitec.1996, apud TRINDADE, op. cit., p.9.
20 TRINDADE, op. cit., p.11.
21 MARICATO, Ermínia. “Metrópoles desgovernadas”. Estudos Avançados, 2011, v.25, n.71, p.7-22.
22 MARICATO, Ermínia. O estatuto da cidade periférica. In: CARVALHO, Celso Santos; ROSSBACH, Ana Clau-
dia. (orgs.). O estatuto da cidade: comentado. São Paulo: Ministério das Cidades/ Aliança das Cidades,
2010, p.5-22.
23 TRINDADE, op. cit., p.11.
24 Ibid. p. 153
25 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; LAYRARGUES, Phlippe Pomier. Ecologia política, justiça e educação
ambiental crítica: perspectivas de aliança contra-hegemônica. In: Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 11
n. 1, jan./abr. 2013, p. 64.
26 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. “Educação ambiental no debate das ideias: elementos para uma EA
crítica”. In: CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental a Formação do Sujeito Ecológico,
São Paulo: Cortez, 2011, p. 158.
27 ACCIOLY, Inny; SÁNCHEZ, Celso. “A educação ambiental crítica no enfrentamento dos desafios da política
ambiental contemporânea no parlamento brasileiro”. In: Rev. Eletrônica Mestr. Educ. Ambient. v.27, jul-
-dez.2011, p. 93.
28 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. “Problematizando conceitos: contribuição à práxis em educação
ambiental”. In: LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; LAYRARGUES, Phlippe Pomier; CASTRO, Ronaldo Souza
de (orgs.). Pensamento complexo, dialética e educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2.ed., 2011, p.154.
29 ACCIOLY; SÁNCHEZ, op. cit. p. 105.
30 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo; LAYRARGUES, Phlippe Pomier. “Ecologia política, justiça e educação
ambiental crítica: perspectivas de aliança contra-hegemônica”. In: Trab. Educ. Saúde. Rio de Janeiro, v. 11
n. 1, p. 64, jan./abr. 2013, p.64.
31Ibid., p.68.
32 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental no debate das ideias: elementos para uma EA
crítica. In: CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental a Formação do Sujeito Ecológico.
São Paulo: Cortez, 2011, p. 157.
33 LOUREIRO; LAYRARGUES, op. cit., p.64.
34 GUIMARÃES, Mauro. Educação ambiental crítica. In: LAYRARGUES, Phlippe Pomier (ccord.). Identidades
da educação ambiental brasileira. Ministério do Meio Ambiente. Diretoria de Educação Ambiental. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente, 2004, p. 31.
35 LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. “Educação ambiental crítica: do socioambientalismo às sociedades sus-
tentáveis”. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v.35, n.1, jan./abr. 2009, p.148.
36 GUIMARÃES, op. cit., p. 33.
37 LOUREIRO; LAYRARGUES, op. cit., p.65.
38 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina; 2006.
39 LIMA, op. cit., p.148.
40 SANTOS, Silvana Sidney Costa; HAMMERSCHMIDT, Karina Silveira de Almeida. “Complexidade e a religação
de saberes interdisciplinares: contribuição do pensamento de Edgar Morin”. In: Rev Bras Enferm. Brasília,
jul-ago; 65(4): 561-5, 2012, p.564.
41 LAYRARGUES, Philippe Pomier. “Muito além da natureza: educação ambiental e reprodução social”. In:
LOUREIRO; LAYRARGUES; CASTRO, (orgs.). Pensamento complexo, dialética e educação ambiental.
São Paulo: Cortez, 2.ed., 2011, p. 77.
42 Ibid. p. 77.
43 LIMA, op. cit., p.148.
44 CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. “Educação, cidadania e justiça ambiental: a luta pelo direito de exis-
tência”. In: CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental a Formação do Sujeito Ecológico.
São Paulo: Cortez, 2011, p. 163.
45 LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. “Educação ambiental e movimentos sociais na construção da cida-
dania ecológica e planetária”. In: LOUREIRO; LAYRARGUES; CASTRO, op. cit., p.75.
46 Lima, op.cit.
47 Trindade, op. cit.
1344
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1345
volvimento tem disponibilizado a cidade aos interesses mercadológicos
dos empreendedores. Por outro lado, a sociedade civil sente- se cada vez
mais deslocada do cotidiano urbano, tendo em vista que seu direito ao
uso e acesso a este espaço marginaliza-se com a atuação dos agentes
empreendedores. Não obstante, o binômio público-privado tem se apre-
sentado como entrave ao reproduzir um sentido de cidade problemática
e defeituosa, facilitando, com isso, a perda da memória sobre o espaço
urbano e a criação de perspectivas para o seu futuro.
Em contraposição a isso, surgem alguns nichos de resistência que, pau-
tados na valorização do imaginário, tentam reproduzir novas perspectivas
para o desenvolvimento da cidade e a reestruturação de sua identidade.
Ao estimular o uso da cidade como de interesse comum – uso comum –,
esses nichos passam a volver o estudo sobre o desenvolvimento urbano,
tendo como ponto de partida o pensar o futuro desses espaços, que a cada
dia ganham mais adeptos. Tais nichos correspondem às redes de desen-
volvimento urbano, subdivididas em três grandes eixos: redes de cidades
saudáveis, redes de cidades educativas e redes de cidades na luta contra a
pobreza; todas pautadas na perspectiva do desenvolvimento sustentável,
caracterizando-se, portanto, como rede de cidades sustentáveis.
O direito à cidade ou à cidadania passa a ser, portanto, um dos princi-
pais vetores das propostas de desenvolvimento urbano, uma vez que as
propostas de planejamento passam a levar em consideração a valoriza-
ção do indivíduo uma vez que segmentos da sociedade organizada são
chamados a pensar o futuro e a exercer o papel de coadministradores dos
espaços públicos, especialmente nos grandes centros, que contam com
uma sociedade ideologicamente mais ativa e compromissada com a luta
pelos interesses coletivos.
Nesse sentido, no âmbito do planejamento urbano, é possível eviden-
ciar pelo menos três estágios de políticas públicas: o primeiro, voltado
para criação de regulamento de uso e de responsabilidade pelo uso e
ocupação dos espaços; o segundo, voltado para a montagem de estrutura
de proteção e de reparação das áreas modificadas; e, o terceiro, voltado
1346
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1347
defesa. Sendo assim, os que não se encaixavam nos ditames sócias pré-
-estabelecidos, eram excluídos das cidades, que, cercadas de muralhas e
em constante vigilância, expulsavam os mesmos, e obrigava-os a construir
suas vidas fora da convivência social antes formada.
O espaço urbano da cidade capitalista tem cada vez mais apresentado
em sua estrutura características complexas, a exemplo dos processos
segregacionistas. Todavia, a realidade das segregações e novas feições
urbanas, deixaram de ser apenas relacionadas com o todo urbano, aden-
trando inclusive os espaços de uso e acesso coletivos.
Em uma de suas frases, Henri Lefebvre afirmou, que “A cidade não é
apenas uma linguagem, mas uma prática” (BASSUL, 2002a). Compreen-
demos que esse conceito traduz totalmente a ideia de direito à cidade,
mesmo porque, como a produção do espaço urbano vem sendo formada
e, consequentemente distribuída, em função do modelo de sociedade em
construção, o direito tem a finalidade de pensar e esquematizar a função
social das cidades, bem como a concretização da ação cidadã, das polí-
ticas urbanas, do controle social dos membros da sociedade e luta pela
ausência da exclusão social, se não o faz, pelo menos deixou positivado
o direito à cidade, com as garantias coletivas e individuais descritas na
Constituição Federal.
Já no século xVIII, Jean-Jacques Rousseau conceituava e defendia a
ideia da terra como fator de injustiça social: “O primeiro que, cercando
um terreno, lembrou-se de dizer: “Isto me pertence”, fundando, portanto,
a estruturação da sociedade civil; deixando claro de que guerras, crimes,
impurezas e tragédias teria poupado ao gênero humano aquele que,
arrancando as cercas e atulhando os fossos, tivesse gritado aos seus se-
melhantes: “Guardai-vos de escutar este impostor. Estais perdidos se vos
esqueceis de que os frutos a todos pertencem e a terra não é de ninguém”
(ROUSSEAU, 1973).
Embora as lutas travadas no transcorrer de dois séculos tenham trans-
formado as relações sociais, estas, em sua maioria advindas das causas
iníquas identificadas por Rousseau, pois se naquele tempo os homens
1348
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1349
apresentadas. Milton Santos percebeu que, no curso da globalização tecno-
lógica precisava-se de “renascimento do sentido de Nação”, concordando,
portanto, com Henri Lefebvre, que em 1969 denominou as cidades como
lugar do “encontro”, como espaço de formação e construção. Para ambos,
a cidade não poderia ser desassociada do “urbano”, pois seria esta última,
que projeta a realidade do “uso”. Assim, são as práticas socioespaciais
que dariam concretude ao que chamamos de cidade.
Entretanto, as cidades ao mesmo tempo em que são apresentadas como
espaço provocador de identidades, são também apontadas como objeto
manipulável do mercado territorial, ao realizar ações segregacionistas.
Segundo Seixas (2003a, p.10) os ‘equipamentos urbanos’ apresentam-se
como ‘dúplices’, por ter como funções principais o “consumir, habitar,
trabalhar” contrapondo com a visão do “divertir-se; imaginar-se; realizar-
-se”, o autor define ainda que “esta nova formula que se aplica na cidade
contemporânea nos modelos arquiteturais que enformam as principais
funções sociais: habitar, trabalhar e divertir-se”.
O que vivenciamos cotidianamente como pura prática é o percurso
“trabalho-casa-trabalho” (SEIxAS, 2003b, p.6,). Porém, nas sociedades
urbanas atuais, o medo tem favorecido a construção de novas práticas
socioterritoriais e socioespaciais. Esse novo modelo, tornou- se expressa-
mente notável por conta do medo, resultado tanto da violência física como
aquela de origem imaterial. Assim, os lugares ora assolados pelos convívios
familiares, passam a ser territorializados por novos grupos sociais, que
ao exercerem neste espaço suas condutas, influenciam o distanciamento
dos espaços da cidade, devido a suas práticas criminosas.
A violência, portanto, se caracteriza como um fenômeno que não
apenas atua na administração de bens e comprometendo a integridade
física, como também a partir de simbolismos.
1350
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1351
dios, ficando à frente inclusive da Bahia (7ª) e Rio de Janeiro que ocupa a
17ª posição (WAISELFISZ, 2012, p. 25). Comprovando assim, o novo perfil
da violência no país.
A cidade de Campina Grande apresenta, conforme o IBGE (2010), uma
população em torno de 385.213 habitantes. Entretanto, o fenômeno da
violência também tem fornecido mudanças socioespaciais significantes
na cidade. De acordo com Santos (2011a, 2012)7, a presença de crimes,
especialmente em bairros centrais da cidade, tem resultado em novas
práticas socioterritoriais por parte dos habitantes. O Mapa do Instituto
Sangari (2010), mostrou que a posição de Campina Grande com relação
a homicídios de jovens ficou em 10º lugar, ficando a frente de Vila Velha
- ES (20º), Diadema – SP (27º), ambas, cidades com número aproximado
de habitantes. O mapa também mostra que está a frente de países como
Costa Rica, com 4 milhões de habitantes e 16 homicídios; Japão, com
126 milhões de habitantes e 57 homicídios; Espanha, com 43,3 milhões
de habitantes e 27 homicídios; e, Itália, com 58 milhões de habitantes e
31 homicídios.
Apesar de interiorana, Campina Grande possui em seu histórico retra-
tos de uma cidade impulsionada para o desenvolvimento. Tornou-se um
“espaço socioeconômico significativo no conjunto do Estado da Paraíba
entre o final do século xIx e o começo do século xx, a partir, da redefinição
do eixo dos transportes e a consolidação da matriz comercial-algodoeira”
(OLIVEIRA, 2009, p. 12). Porém, durante o período do Estado Novo, a
cidade passou a evidenciar a crise do ciclo regional agroexportador, sua
descapitalização, migração, regressão e estagnação. Com a crise do ciclo
do algodão, a cidade passa a atuar no setor industrial, o que acarretou em
transformações importantes (DINIZ, 2009), especialmente com formação
de duas zonas industriais nas décadas de 1940 e 60, ambas localizadas
em eixos rodoviários, próximo ao Açude Velho e outra no Açude de Bo-
docongó, cruzando a cidade. Com isso começou a ocorrer os primeiros
sinais de descentralização de algumas de suas atividades econômicas.
Na atualidade, a cidade apresenta- se como importante espaço urbano
1352
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1353
de uso público. Assim, ao se materializar na cidade, esse fenômeno passa
a desconstruir as relações de identidade, provocando a disseminação de
novas práticas socioterritoriais.
Entretanto, é interessante salientar que a violência deixou de ser ex-
clusiva dos grandes centros urbanos e passou a caracterizar a realidade
também, de cidades médias e pequenas. Segundo Hughesa (2004), a partir
dos anos 90, a violência surgiu como tema central nas discussões sobre
seu crescimento e abrangência, bem como, um dos principais questiona-
mentos acerca das condições sociais e urbanísticas das cidades. Com a
exclusão social e a precária condição da periferia, começa-se a eclodir os
riscos, notadamente advindos da vulnerabilidade em que a sociedade se
encontrava, a criminalidade passa a ser traduzida em ambiente de rede,
tendo como figura tipológica principal o homicídio, a tradução maior é a
elevação do índice de homicídios, é como se fosse um “efeito dominó”,
ou seja, a violência no meio urbano e os homicídios estão vinculados ao
desabrochar do trafico de drogas e a disseminação de armas de fogo.
Em alguns países, como é o caso do Brasil a violência urbana tem
emitido mais vítimas do que países em guerra. Assim, o direito à vida,
assegurado pela Constituição tem se tornado cada vez mais longe da
realidade dos aglomerados urbanos. Além disso, o art. 3.º, incisos I, II, III
e IV da Constituição Federal/1988, apresenta os objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil, garantindo, portanto, “a construção
de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional, a
erradicação da pobreza e a marginalização, redução das desigualdades
sociais e regionais; e por fim, promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discrimina-
ção”. Estes objetivos foram disciplinados de maneira infraconstitucional
pelo Estatuto da Cidade, adotando uma soma de instrumentos e medidas
para o alcance de uma democracia participativa, partindo da gestão de-
mocrática das cidades. Dessa forma, os habitantes teriam liberdade de
acesso às condições e melhorias, dignidade de vida e, consequentemente,
o desenvolvimento qualitativo das cidades sustentáveis e do direito.
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Autoria: SANTOS, 2011.
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Vale ressaltar que o discurso da falta de segurança nos espaços da
cidade tem haver, conforme os resultados obtidos, na falta de medidas
preventivas, principalmente aquelas advindas do poder público no não
cumprimento das leis, assim não existem medidas preventivas, corrobo-
rando no aumento dos focos de violência na cidade.
A norma existe como espécie de punição para os infratores que não a
cumpre, submetendo os mesmos às exigências da lei por órgãos institu-
cionalizados pelo Estado. A lei torna-se mais eficaz e efetiva se realizada
de forma participativa, sendo, sua execução e elaboração reguladas além
dos direitos, ou seja, trazendo consigo, também, o cumprimento dos
deveres. Em uma de suas colocações, Raffaele de Giorgi atentou que “os
princípios possibilitam um tratamento diferenciado, variável, da valora-
ção social do ilícito” (2007a, p.32), ou seja, por causa do direito que nos
é imputado é que surgem as ações, o direito só “caminha” por ter como
canal primordial as ações, sendo assim, essas ações executam-se ao ser
imposta a lei aos indivíduos.
A democracia brasileira progrediu na medida em que gerou as leis, por
exemplo, o Estatuto da Cidade, corroborando com o direito à participação,
institucionalizando desse modo, ductos para o diálogo entre a sociedade
civil e o poder público, tornando viável o exercício colaborador das fun-
ções do Estado. Por outro lado, “a legitimidade da atuação desses canais
de participação, que é diretamente proporcional à sua apropriação pela
sociedade civil, ainda representa um desafio”. (DIDIER; ZANETI, 2009,
p.226- 227).
Outro fato é que as pesquisas demonstraram que, as práticas criminosas
como o aumento do tráfico de drogas em alguns espaços têm favorecido
interferências quanto à mobilidade das pessoas, as mesmas não estão
sentindo mais segurança em se locomover com tranquilidade nos ambien-
tes de Campina Grande. De acordo com um dos sujeitos entrevistados10:
“Tamanha a turbulência que existe hoje na cidade, não tem mais a tran-
quilidade. Eu particularmente me sinto torturado”. De acordo com outro
entrevistado “A gente não tem mais o direito de andar livremente, a gente
1358
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espaço para que não venham a se tornar vitimas do mesmo, conforme
ressaltado pelo entrevistado11 “então evitar os espaços públicos hoje é uma
maneira de inibir o ataque de criminosos”. Pode- se analisar também, que
de fato a violência tem interferido no uso dos espaços públicos, uma vez
que não apenas os delitos de maior complexidade, mas também os meno-
res e até mesmo a própria reprodução do fenômeno no imaginário social,
contribui no distanciamento quando as práticas espaciais e territoriais.
Além da violência psicológica que sofrem os habitantes em decorrên-
cia do medo, existe também o aumento da depreciação de determinados
espaços de Campina Grande, com destaque aos abertos, tendo em vista
a falta de segurança e a ocorrência constante de pequenos delitos efetu-
ados especialmente por usuários de drogas, que apesar de não afetarem
com maior intensidade os habitantes, também os inibem e propagam o
medo, pois embora criados para que os habitantes possam contemplar a
cidade e desempenharem o livre lazer, tem na verdade sido distanciados
do cotidiano dos cidadãos, uma vez que, a inibição de seu uso é a única
maneira encontrada para que não venham a ser vitimas de atos criminosos
que possam gerar danos a suas vidas.
Aqui devem ser colocadas em destaque as políticas públicas estabele-
cidas pela Constituição Federal de 1988 que, trouxe normas específicas,
estas, voltadas à construção e desenvolvimento das funções sociais da
cidade que têm nas ações promovidas pelo poder estatal a tradução do seu
exercício legítimo pela comunidade. A ideia é a supremacia do interesse
público que figura como exercício de um direito público normativizado
na Constituição.
Sendo assim, pode-se analisar que a violência tem contribuído para a
expansão do medo. O que significa dizer que se identifica uma consequente
redução dos espaços públicos como locais destinados ao livre acesso e
lazer na cidade, tornando-se espaços de depreciação e distantes no con-
vívio dos habitantes. Em detrimento desse efeito, tem-se expandido na
violência urbana o que chamamos de “medo social”. Apesar desse medo
ser edificado por parcela da sociedade, acaba gerando reações adversas,
1360
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1361
de desenvolvimento urbano, realização e acompanhamento de projetos,
e a gestão democrática por via participativa da população” (Fórum Social
Mundial/ 2001)12.
O direito à cidade determina-se como desfrute justo das cidades, in-
corporado aos princípios de sustentabilidade e da justiça social. Como
direito coletivo dos habitantes urbanos, em especial dos grupos desajuda-
dos e vulneráveis, objetiva-se em alcançar o referto exercício do direito,
conferindo-lhes legitimidade de ação e organização para um modelo de
vida apropriado.
O que nos deixa perplexos com relação ao amontoado de aconteci-
mentos, advindos da violência e da criminalidade na cidade de Campina
Grande, é que, além da população explicitar o sentimento de medo e
insegurança vividos habitualmente por ausência principal de serviços
públicos como segurança, essa sensação correlaciona-se com a impressão
deixada pela atuação dominante de novos grupos, estes, criminosos. A
atuação desses grupos repele o direito à cidade, direito antes adquirido
pela população através do Estatuto da Cidade, ou seja, além da ocorrência
de eventos criminosos como, por exemplo, fixação do tráfico de drogas,
o alto índice de roubos, furtos e homicídios; estão sendo abduzidas as
condições que os habitantes têm de satisfazer-se de tal direito.
Assim, foi possível perceber de acordo com as pesquisas que, de fato,
a violência tem interferido no uso e direito à cidade, uma vez que o direito
a mesma vai além da mera existência de seus objetos fixos. Corresponde
também em favorecer aos habitantes o livre acesso, com segurança aos
diversos equipamentos urbanísticos para que possam desempenhar e
reproduzir práticas socioterritoriais sustentáveis nestes ambientes.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1362
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1363
futuro através do direito, são, portanto: o ‘Direito do Exercício do Direito’
e o ‘Direito da Sanção’. No pensamento do autor é o povo que surge como
‘fonte de poder’, por ter sido o seu poder privado e violentado.
Portanto, a busca incessante pelo direito à cidade leva, consequente-
mente, a existência de contínuos conflitos. O direito vem para manifestar
a sua vontade, pesar o que se exclui e “cortar” as arestas. Esse mesmo
direito não deve apenas dizer a sociedade qual o modelo ideal de dignidade,
mas, acima de tudo, trazer o direito concreto para o concreto. Excluir toda
forma de exclusão. Ser justo por banir toda injustiça. Pois o direito rico
em justiça expulsa de si toda forma de injustiça, como define Raffaele De
Giorgi: “o direito exclui de si o que não é direito” (DE GIORGI, 2007c, p.38).
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WAISELFISZ. Júlio Jacob. Mapa da violência dos municípios brasileiros. Brasília:
MJ/MS: RITLA/ Instituto Sangari, 2011.
WAISELFISZ. Júlio Jacob. Mapa da violência dos municípios brasileiros. Brasília:
MJ/MS: RITLA/ Instituto Sangari, 2012.
NOTAS
1 Bacharelando em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB-CH) e estagiário do Ministério Público
do Estado da Paraíba. E-mail: petrus_cabral@hotmail.com
2 Licenciada em Geografia pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: samarairis_santos@
hotmail.com.
3 Pós-Doutorando em Teoria do Direito e Sociologia do Direito no Centro di Studi sul Rischio dalla Facoltà di
Giurisprudenza dell`Università del Salento - CSR-FG-UNISALENTO (2013-2015); Doutor em Ciências Jurídico-
-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra FDUC (2003-2007), Professor Titular da
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E-mail: lucianonascimento@hotmail.com.
4 Doutor em Geografia Urbana (2008) pela Universidade pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), câm-
pus de Presidente Prudente, Professor Titular da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail:
xtojunio@hotmail.com
5 BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade e Legislação Correlata. 2. ed., atual. Brasília
: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2002. 80 p.
6 As bases quantitativas desses registros podem ser consultadas na página do Instituto Sangari (http://www.
institutosangari.org.br/mapadaviolencia).
7 Pesquisas de iniciação científica (PIBIC/ CNPq) realizadas durante o período de 2010 à 2012, onde realizou-se
um mapeamento da violência urbana em Campina Grande e a análise da interferência da violência no uso e
reprodução de práticas socioespaciais em espaços públicos da cidade.
8 Mapa elaborado a partir da pesquisa (SANTOS, 2011) sobre o Mapeamento da violência urbana em Campina
Grande- PB, premiada em 3º lugar, categoria estudante do ensino superior no Prêmio Jovem Cientista.
9 Entrevista individual realizada com representante da sociedade civil para a pesquisa sobre a influência da
violência urbana nos espaços públicos de Campina Grande (SANTOS, 2012). As considerações foram realizadas
partindo da análise qualitativa do discurso do sujeito coletivo.
10 Entrevistas individuais obtidas através da pesquisa sobre a interferência da violência urbana nos espaços
públicos de Campina Grande-PB (SANTOS, 2012).
11 Entrevistas individuais obtidas através da pesquisa sobre a interferência da violência urbana nos espaços
públicos de Campina Grande-PB (SANTOS, 2012).
12 O documento do Fórum Nacional de Reforma Urbana sobre a Carta Mundial pelo Direito à Cidade encon-
tra- se disponível em: http://www.forumreformaurbana.org.br/index.php/documentos-do-fnru/41-cartas-e-
-manifestos/133-carta-mundial-pelo-direito-a-cidade.html
1366
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
1367
conjuntos habitacionais padronizados em regiões periféricas e em grande
série. Embora sejam construídos, geralmente, em formato de condomí-
nios fechados, não se pode igualá-los ao mesmo fenômeno dos demais
enclaves fortificados, como os condomínios de luxo, shopping center,
empresariais etc.
O presente artigo objetiva lançar reflexões críticas sobre o direito à
cidade e o direito à moradia, apontando semelhanças e distinções entre
os condomínios fechados de luxo e aqueles voltados para as camadas
populares veiculada ao Programa Minha Casa Minha Vida no município
de João Pessoa.
Para isso se recorrerá a vertente jurídico-sociologica, mediante
levantamento bibliográfico, documental e estatístico e por meio do
método materialista-histórico dialético, cuja contradição é fundante
no processo de desmascaramento da psedoconcreticidade. Objetiva-
-se garantir um acúmulo teórico-político que possa apontar direções
para tratar o déficit habitacional como mais um elemento de uma crise
maior, que é a crise urbana.
1368
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1369
duz o paradigma liberal surgido no final do século xVIII que, mediante a
afirmação de princípios como da igualdade, assegurava, abstratamente,
a cada pessoa igualdade de oportunidade para seguir um determinado
modo de vida e alcançar ascensão social e econômica.
Por sua vez, a conformação dos espaços públicos são inevitavelmente
desiguais, tendo em vista que entre as transformações da modernidade,
está o desenvolvimento do sistema capitalista, que se fundamenta na
desigualdade e depende da escassez, inclusive moradia, para sua manu-
tenção e reprodução.
1370
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1371
O próprio poder público torna-se criador privilegiado de escassez;
estimula, assim, a especulação e fomenta a produção de espaços
vazios dentro das cidades; incapaz de resolver o problema da
habitação, empurra a maioria da população para as periferias;
e empobrece ainda mais os mais pobres, forçados a pagar caro
pelos precários transportes coletivos e a comprar caro bens de
um consumo indispensável e serviços essenciais que o poder
público não é capaz de oferecer. (SANTOS, 2005, p. 123)
1372
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1373
dade, uma vez que a reprodução do capital separa e tende a ressaltar as
especificidades dos lugares para facilitar a sua comercialização. Trata-se,
nas palavras de Corrêa, “de algo antigo metamorfoseado em novo” (2010,
p. 157).
Nesse sentido, os enclaves fortificados tendem a se conformar, espe-
cialmente no plano simbólico, a partir de sua valorização diferenciada,
como a forma moderna de morar, própria dos grupos de maior poder
aquisitivo ou daqueles que se esforçam para fazer parte desse segmento.
Ainda mais, em cidades menos desenvolvidas, onde os menores preços
da terra urbana (influenciados pela maior disponibilidade de áreas lote-
áveis) e os custos de vida e de construção comparativamente menores
facilitam o acesso a esse tipo de produto imobiliário até para grupos de
poder aquisitivo médio.
É possível observar, inclusive, que o direito à natureza (ao campo e à
suposta natureza pura) adentrou para a prática social há algum tempo em
favor de lazeres associados as moradias privilegiadas, como é possível de
ser observado em alguns enclaves fortificados. Nos dizeres de Lefebrve,
“a natureza entra para o valor de troca e para a mercadoria; é comprada
e vendida” (1969, p.107).
Ocorre que os lazeres comercializados, industrializados, conformados
institucionalmente, no contexto do sistema capitalista, destroem essa
“naturalidade”. Logo, os referidos produtos imobiliários se apropriam da
escassez de “naturalidade”, por se tornarem uma especificidade, e a ofe-
recem nestes empreendimentos, onde seus possuidores ou proprietários
possam usufruir e trafegar por ela.
O condomínio Bosque das Orquídeas, localizado no bairro de luxo
Altiplano Cabo Branco, do município de João Pessoa, representa um exem-
plo clássico de enclaves fortificados que se apropria do marketing verde
para oferecerem a natureza como mais um valor de troca. Isto é, uma
mercadoria a ser consumida por aqueles puderem pagar pelo privilégio de
morar num condomínio fechado em contato com a suposta naturalidade,
conforme exposto na citação abaixo.
1374
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1375
4. O PRIVILéGIO DA CASA PRóPRIA
1376
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1377
tórios que subjugam a criatividade e o improviso dos homens e mulheres
em intervirem na realidade que os rodeiam.
O Residencial Irmã Dulce, descrito acima, envolve uma quantidade
de unidades habitacionais que supera aproximadamente 23% dos 223
municípios do estado da Paraíba, em relação a presença de domicílios
permanentes nestas localidades (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA, 2010). Representa uma constatação fática que justifica o
termo ‘bloco de cidades’ usado anteriormente por exibirem uma quanti-
dade exorbitante de moradias localizada num mesmo espaço em formato
de enlatados.
Ainda assim, o pacote habitacional aqui observado é bem recepcio-
nado, especialmente pelas classes mais populares, incluindo os setores
médios que podem ter acesso as unidades habitacionais voltados para
famílias com uma renda entre três e dez salários mínimo. Por outro lado,
a acessibilidade e boa localização das unidades habitacionais envolvidos
ao MCMV melhoram progressivamente na medida que a renda familiar
dos beneficiários aumentam.
Em João Pessoa há três empreendimentos do MCMV entre a faixa de três
a seis salários mínimo e outros três entre a faixa de seis a dez salários mí-
nimo. Contudo, alguns destes apresentam particularidades que permitem
apontar contradições do princípio da igualdade proposto na Constituição
Federal mediante a execução de políticas públicas habitacionais.
O Residencial Eleonora Coutinho é um empreendimento, assim como
o Irmã Dulce, veiculado ao Programa Minha Casa Minha Vida, mas com
distinções exorbitantes, tanto geograficamente como em relação a estética.
Localizado num dos bairros mais valorizado no mercado imobiliário de
João Pessoa, o referido residencial é ainda composto por um único edifício
vertical, distinto dos demais ao seu redor. Não obstante ter o privilégio de
possuir, nos espaços comuns, área de lazer com piscina, salão de festas,
terraço aberto e ainda está próximo da praia, é, destacadamente, na sua
embalagem publicitária para o mercado, localizado ao lado de um sho-
pping center8.
1378
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1379
dos antigos mecanismos de espoliação urbana” (BASTOS, 2012, p. 78).
Além de enfrentar o déficit de habitação, o plano visa mitigar os efeitos
do desaquecimento da economia produzidos pela crise mundial instau-
rada em 2008, assim como o Plano Nacional de Habitação Popular do
BNH coincidiu com a crise do petróleo em 1973, mediante o aumento de
investimentos no setor da construção civil e a possibilidade de geração
de emprego e renda. A relação entre crises econômicas e o lançamento
de grandes pacotes habitacionais não se limitam a realidade brasileira
conforme afirma Harvey.
1380
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1381
que são 101.888 pessoas (8,5%), acima da média nacional (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010). Enquanto a escas-
sez for predominante, elemento fundante para o sistema capitalista, as
condições mínimas de moradias promovidas pelo MCMV, padronizadas,
em zonas de periferias ou não, para muitas pessoas ainda representarão
uma conquista de direitos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1382
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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1384
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1385
ANEXO
1386
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1387
NOTAS
1 Bacharel em Direito. Mestrando em Ciências Jurídicas na Universidade Federal da Paraíba. E-mail: phillipe-
cupertino@hotmail.com. Telefone: (83) 96678359.
2 Pós-Doutora em Ciências Jurídica-Econômicas. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. E-mail: mluizalencar@gmail.com. Telefone: (83) 8879 2122.
3 Informações extraídas do endereço eletrônico do empreendimento Ecomax, referente ao condomínio Bosque
das Orquídeas, 2013.
4 Id., 2013.
5 Informações extraídas do site oficial da Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2013
6 Id.,2013.
7 Informações extraídas do site oficial da Prefeitura Municipal de João Pessoa, 2013.
8 Informações extraídas de anúncio publicitário em anexo.
9 Informações do anúncio publicitário em anexo, 2012.
10 Disponível em: <http://www.joaopessoa.pb.gov.br/prefeito-entrega-residencial-anayde-beiriz-e-benefi-
cia-584-familias-carentes/ >. Acesso em: 29 jul. 2013.
11Disponível em: <http://www.olx.com.br/395-residencial-eleonora-coutinho-3-quarto-s-joao-pes-
soa-r-184000-00-iid-447290760>. Acesso em: 29 jul. 2013.. Acesso em: 29 jul. 2013.
12 Disponível em: <http://twitpic.com/52pyop >. Acesso em: 29 jul. 2013.. Acesso em: 29 jul. 2013.
13 Disponível em: <http://www.guiamais.com.br/guia-de-bairros/jardim+veneza-joao+pessoa-pb >. Acesso
em: 29 jul. 2013.
14 Disponível em: <http://op.joaopessoa.pb.gov.br/?p=1439>. Acesso em: 29 jul. 2013.
1388
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O papel da legislação
como instrumento de
regulação urbanística
Luiz Alberto Souza1
1389
Conforme estudos de Raquel Rolnik (1997), para se compreender o
processo de construção do sistema de normatização urbanística das
cidades brasileiras é preciso, não somente contextualizar a questão da
imposição da lei no cenário urbano, mas e principalmente, entender os
mecanismos que originaram o conceito de legalidade urbana, que de certa
forma, contribuiu para produzir as diversas formas espaciais da estrutura
interna das nossas cidades.
A tese mais corrente sobre as origens do direito urbanístico vincula
sua raiz ao nosso Direito Administrativo (Meirelles, 1989), sendo estuda-
do pioneiramente pela Faculdade de Direito do Recife em 1851 e tendo a
primeira obra sistematizada sobre o assunto publicada em 18574.
Com o advento da republica (1889), o sistema jurídico brasileiro passou
a se inspirar no direito público norte-americano, produzindo importan-
tes reflexos na estruturação futura de nosso arcabouço jurídico. Nesse
momento, é fundamental ressaltar que a formação e consolidação dos
estados brasileiros passam a se constituir em importante elemento de
equilíbrio do poder político. Inspirado na teoria da separação dos poderes
de Montesquieu5, o modelo republicano instaurado no Brasil, optou pelos
postulados vigente nos Estados Unidos baseado no princípio do “rule of
law” e no “judicial control” 6.
Sobre a filiação do direito administrativo no Brasil, o jurista Hely Lopes
Meirelles (1989:48) faz a seguinte observação:
1390
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1391
O Código Civil de 19167 pioneiramente introduziu dispositivos legais
visando disciplinar questões referentes ao uso do solo urbano e do direito
de construir. Aos poucos, a legislação com fins urbanos é introduzida no
cotidiano de nossas cidades, sem, no entanto, uma política oficial capaz
de dar rumos e orientar de forma ordenada o processo de urbanização
em curso. Sem dúvida, a trajetória da legislação urbanística brasileira está
fortemente vinculada às origens do urbanismo sanitarista.
Marco regulatório fundamental e, uma espécie de divisor de águas, foi
à aprovação da Lei Federal n°. 6.766 em 1979, denominada de Lei de Par-
celamento do Solo Urbano, considerada precursora no âmbito jurídico de
regras para disciplinar as relações do uso do solo para fins urbano. O fato
importante desta lei foi que ela passou a criminalizar a conduta de quem
implantasse loteamentos de forma irregular ou clandestina e substituiu
o arcaico Decreto Lei n°. 58/378 que já não atendia mais às necessidades
da regulação da produção do solo urbano em nossas cidades.
É a partir da década de 1970 que o país através dos movimentos sociais
organizados inicia uma longa luta em prol da chamada Reforma Urba-
na, que entre tantos pleitos, clamava pelo acesso a terra urbanizada e à
moradia digna. A incorporação pela Constituição Federal de 1988, de um
capítulo específico para a Política Urbana, consolidada nos artigos 182 e
183 e, pelo entendimento do artigo 24, inciso I, o ordenamento jurídico
brasileiro reconhece o direito urbanístico como um ramo autônomo do
direito quando declara ser competência concorrente da União, dos Estados
e do Distrito Federal legislar sobre esse assunto.
A continuidade do movimento pela Reforma Urbana aposta suas
fichas na aprovação de uma lei que fosse capaz de instrumentalizar os
municípios em suas políticas públicas, com força para reverter o quadro
especulativo instaurado nas grandes cidades pela apropriação do espaço
urbano. Após onze anos de tramitação legislativa é aprovada a Lei Federal
nº 10.257/2001, denominada de Estatuto da Cidade, que se apresentava
como a possível tábua de salvação das cidades, pois serviam de estimulo
e instrumental para a construção de novos Planos Diretores, desta vez,
1392
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1393
classe trabalhadora nas grandes cidades preocupava os pensadores da
época. Marx e Engels são uns dos principais críticos do sistema capitalis-
ta vigente que impõe péssimas condições de vida aos trabalhadores das
cidades industriais inglesas na metade do século xIx.
No início do século xx, o biólogo e filósofo Patrick Geddes (1910) publi-
ca sua obra “Cities in Evolution”, considerada como um dos marcos teórico
no enfrentamento das questões urbanas e regionais. Um de seus méritos
foi de introduzir o pensamento do planejamento regional como uma das
formas necessárias de compreender a expansão das cidades. Para Geddes,
através do seu conceito de região natural, o crescimento da cidade pode-
ria ser distribuído a partir de um território mais amplo, aproveitando-se
melhor os “recursos naturais em equilíbrio com a agricultura e os bosques,
formando um todo lógico e esparso” (Jacobs, 2000:19).
Mais recentemente, o urbanismo contou com a contribuição da visão
socioeconômica, com destaque para pensadores como Milton Santos e
David Harvey. O enfoque socioeconômico prevalece, onde a produção da
cidade é vista a partir das relações de troca e como o locus ideal para a
reprodução do capital.
1394
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
feito Pereira Passos entre 1903 e 1906 provocou reações diversas, a favor
ou contra, mas sem dúvida se constituíram em um importante marco na
história da prática do urbanismo higienista no Brasil.
Mais tarde, a participação do urbanista francês Alfred Agache foi fun-
damental para que o campo disciplinar do planejamento urbano passasse
a ser visto com mais interesse no Brasil. Agache junto com outros colegas
arquitetos e engenheiros, fundou em 1911 em Paris, a SFU - Société Fran-
çaise des Urbanistes11. Sob a influência da SFU, a França aprova em 1919 a
sua primeira lei nacional cujo objetivo visava ordenar o planejamento de
seu território, intitulada de “l’Aménagement, l’embellissement et l’extension
des villes”, mais conhecida como Lei Cornudet12 que se tornaria o embrião
do sistema francês de planejamento.
No ano de 1923, a SFU organiza na cidade de Strasbourg, o primeiro
Congresso Internacional de Urbanismo e de Higiene Municipal, que contou
com numerosa participação de estudiosos e autoridades francesas e tam-
bém estrangeiras, que discutiram propostas para tornar as cidades mais
saudáveis e funcionais, através da utilização do urbanismo como um
instrumento de planejamento. Até então, os limites disciplinares entre o
urbanismo e o planejamento urbano permaneciam muito tênues.
Nessa época, o urbanismo começava a ser introduzido no Brasil, princi-
palmente por engenheiros e arquitetos que retornavam de seus estudos na
Europa, como o arquiteto carioca Atílio Correia Lima e pelos paulistanos,
Luiz Ignácio de Anhaia Mello e Francisco Prestes Maia.
Em 1930, é elaborado pelo engenheiro Prestes Maia para a cidade de
São Paulo, o denominado Plano de Avenidas que mais tarde o ajudaria
a se eleger prefeito da cidade de São Paulo para um longo mandato
(1938 – 1945).
Bastante convicto de suas teses, em 1932 o urbanista francês D. Alfred
Agache afirma o caráter multidisciplinar dessa nova prática que emergia
no âmbito das políticas públicas, num misto de ciência, arte e filosofia:
“L’Urbanisme – nous l’avons souvent dit dans nos conférences – est à la fois
une science, un art et une philosophie.”
1395
Ao mesmo tempo, para se caracterizar como ciência, defendia que os
estudos urbanísticos precisavam ser precedidos de métodos científicos e
de um minucioso trabalho de análise, bem como em elaborar uma síntese
geral para que se possam prever os melhoramentos necessários para o
desenvolvimento futuro das cidades. Nessa época, o campo disciplinar do
urbanismo cresce acompanhando o avanço da cidade fordista, sobretudo
nos Estados Unidos e em alguns países da Europa. Surgia então, a neces-
sidade de adaptar a emergente ciência urbanística aos novos tempos da
produção em massa. É, sobretudo com base nas teorias sociológicas dos
integrantes da Escola de Chicago, entre os quais Louis Wirth (1897-1952),
que o urbanismo era utilizado como categoria explicativa dos fenômenos
socioespaciais. O fenômeno da urbanização passou a ser visto como
um novo e revolucionário “modo de vida13” e a cidade era reconfigurada
pela sociedade industrial, abrindo espaços para a imposição de novos
costumes e padrões.
O advento do automóvel veio então sacramentar ainda mais esse
novo estilo, gerando demandas e necessidades cada vez mais ao gosto
dos novos tempos (Jacobs, 2000). Para os integrantes da Escola de Chi-
cago, a “ecologia humana” servia de base para seus estudos empíricos
centrados na estrutura urbana e tendo como cenário, a própria cidade
de Chicago (Coulon, 1995). Esses estudos tornaram evidente que as
contradições inerentes ao capitalismo se materializavam no ambiente
construído das cidades.
A introdução da técnica e da racionalidade até então, somente utili-
zada no interior dos espaços físicos industriais, passa a compor o arse-
nal de ferramentas à disposição nas pranchetas dos urbanistas, agora
também, imbuídos do objetivo de “disciplinar” o crescimento da cidade
através do projeto.
Começava a ser gestado o embrião do campo disciplinar do plane-
jamento urbano quase que como uma extensão do modo de produção
industrial vigente e que serviu de inspiração para o movimento moder-
nista-funcionalista. A cidade se torna assim uma espécie de laboratório
1396
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1397
Nesse período pós-segunda guerra, o debate teórico predominante
não procurava responder qual era a cidade necessária para as pessoas,
mas sim como ela devia ser para proporcionar o seu possível desenvol-
vimento econômico. A forma da cidade devia contemplar a possibilidade
de expansão das atividades produtivas.
O predomínio da divisão técnica do trabalho e da produção industrial
expressava-se nas intervenções urbanísticas levadas a efeito principal-
mente nas novas cidades que surgiam na América do Norte. O automóvel
já dominava a paisagem urbana das principais cidades mundiais e se
constituía de certa forma, num novo e ”imprescindível” símbolo de prospe-
ridade, além de marcar o novo estilo de vida que moldaria definitivamente
o ambiente construído (Maricato, 2001).
A experiência prática do planejamento industrial passa então a fazer
parte da rotina do urbanismo e contribui para a aceitação da ideia da ado-
ção do planejamento como um instrumento a enfrentar os problemas do
contexto urbano. Esse processo seria então visto não apenas e somente
como mais um instrumento de trabalho, mas e principalmente como sím-
bolo de uma nova ordem dominante de pensamento e como uma forma
de controle social sobre a cidade, a serviço da reprodução do capital.
O advento da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) interrompe, mesmo
que parcialmente, o emergente debate acerca da função do urbanismo e do
planejamento urbano das cidades. Nesse período predomina, a partir dos
Estados Unidos, a importante contribuição teórica através dos integrantes
da chamada Escola de Chicago, que passa a utilizar análises sociológicas
para interpretar o modo de vida urbano e a estrutura interna das cidades.
Enquanto isso no Brasil, entusiasmados com o movimento modernista,
expoente da arquitetura brasileira, Oscar Niemeyer apresenta em 1940 o
projeto para a construção do novo bairro da Pampulha na cidade de Belo
Horizonte, e que se constitui no primeiro marco da nossa arquitetura
modernista alinhada fortemente às diretrizes preconizadas pelos CIAMs.
Idealizado pelo então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubistchek,
que posteriormente seria também o executor do plano da cidade de Bra-
1398
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1399
Até mesmo entre os pontos positivos como, a criação do Conselho
Nacional das Cidades durante a Conferência Nacional das Cidades de
2003, cujo objetivo central é de orientar e formular a Política de Desen-
volvimento Urbano para o país, nestes dez anos de atuação ainda busca
o fortalecimento desta instância, face à fragilidade política no âmbito do
Ministério das Cidades.
1400
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1401
de realimentar o debate sobre o papel que o planejamento urbano pode
e deve desempenhar nos dias atuais bem como, numa perspectiva de
visão futura.
No Brasil ainda é urgente discutir como fomentar e redirecionar a
compreensão do papel a ser desempenhado pela desgastada figura do
plano diretor17 e como o direito urbanístico pode exercer sua fundamental
função mediadora, aliado a um novo e necessário papel do Estado que
deve priorizar políticas socialmente territorializadas. Essa nova postura
de exercitar o planejamento urbano deve primar por uma maior inclusão
social ao reconhecer à necessidade de uma política direcionada para
uma construção de justiça territorial nas cidades. Esse princípio ainda
pouco discutido (e muito menos utilizado) precisa ser reforçado e conso-
lidado com a ratificação do conceito ainda incipiente da função social da
propriedade e da cidade. Acreditamos que, a insana prática de cada vez
mais aumentar o nosso já inchado arcabouço jurídico relativo às questões
urbanísticas, não se mostra suficiente para garantir uma perspectiva de
justiça social em nossas cidades e muito menos em garantir procedimentos
participativos e democráticos.
A interpretação literal da lei positiva é ainda um dos entraves que
precisa ser superado. A constante judicialização do planejamento urbano
ultrapassa as fronteiras da sua pretensa racionalidade para assumir um
papel quase que penalizador, ao invés de disciplinador. Para Hobbes (1988)
pensador inglês do século xVI apesar de sua postura política a favor da
utilização da força da lei como instrumento de controle do poder, quanto
indagado sobre a racionalidade jurídica assim se expressou:
Que a lei nunca pode ser contrária à razão é coisa com que
nossos juristas concordam, assim como com que não é a letra
(isto é, cada uma de suas frases) que é a lei, e sim aquilo que é
conforme a intenção do legislador. Isto é verdade, mas subsiste
a dúvida quanto àquele cuja razão deve ser aceite como lei.
Não pode tratar-se de nenhuma razão privada, porque nesse
caso haveria tantas contradições nas leis como há nas escolas
(Hobbes, 1988:164).
1402
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Hobbes talvez tenha exagerado em sua crítica. Mas de certa forma, ela
se enquadra no âmbito do planejamento urbano, uma vez que muitas legis-
lações urbanísticas é o puro reflexo da ideia individual de seu idealizador.
A defesa de Hobbes18 passava pela garantia do poder racional atribuído
a um Estado legislador, que sendo “uma só pessoa, não é fácil surgir qual-
quer contradição nas leis, e quando tal acontece à mesma razão é capaz, por
interpretação ou alteração, de eliminar a contradição” (Hobbes, 1998:164).
A nossa tradição brasileira de planejamento urbano está historicamente
atrelada ao império do pretenso racionalismo. No âmbito dos problemas de
natureza urbana vivenciamos uma constante busca pelos seus estudiosos
de aplicar a teoria da racionalidade técnica como forma de “solucionar”
seus conflitos. Essa falsa sensação do poder da técnica em transformar
as relações socioespaciais, contribuiu em muito, não só para o agrava-
mento dos problemas de natureza urbana, como também para aumentar
o descrédito no próprio planejamento urbano.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1403
direito social. Inúmeros episódios recentes mundo afora reconhecem
que a população está cada vez mais disposta a exigir sua participação em
processos decisórios que garantam, não somente uma possível melhoria
na qualidade de vida nas cidades, mas e principalmente, o seu direito em
participar de seus processos decisórios.
Entre esses movimentos, destaque para os eventos ocorridos em 2013
na Turquia, onde milhares de pessoas ocuparam durante semanas o Par-
que Taksim Gezi em Istambul como protesto contra a sua destruição para
dar lugar a mais um empreendimento comercial. Em seu livro Rebel Cities
(2012), o geógrafo David Harvey prevê que novas e profundas mudanças
urbanas acontecerão a partir de movimentos sociais em defesa do direito
à cidade. Segundo ele, “... a revolução será urbana ou não será” e volta a
reconhecer de forma explícita a atualidade da tese defendida nos anos
de 1960 por Henry Lefebvre em seu clássico livro Direito à Cidade (1967),
onde já defendia que as possíveis transformações urbanas aconteceriam
a partir de intensas manifestações sociais para impor novas práticas ur-
banas nas grandes cidades.
O exemplo do movimento em defesa do Parque Taksim na Turquia é
bastante emblemático e, de certa forma, situa o atual momento em que
também se encontra esse tema na pauta e na agenda do movimento no
Brasil. O poder judiciário brasileiro aos poucos, avança na compreensão da
importância dos direitos urbanos. Progressivamente, algumas conquistas
na defesa de direitos das minorias, na defesa do acesso a terra urbani-
zada, à moradia digna e ao transporte eficiente vem sendo concedidas
pelo judiciário.
Os diversos planos diretores municipais elaborados pós Estatuto da
Cidade demonstram que, em sua grande maioria incorporou os instrumen-
tos jurídicos e urbanísticos que em tese, possibilitam garantir mecanismos
de controle social mais efetivo dos processos de planejamento urbano,
em particular, com a implantação dos conselhos municipais da cidade21.
Entretanto, ainda foram tímidos os avanços e conquistas no âmbito da
qualificação urbana das nossas cidades. Ao mesmo tempo, o que preocupa
1404
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1405
bem como da morosidade que a justiça se manifesta nestes casos. Como
a maioria dos Conselhos é de caráter deliberativo, as decisões no âmbito
das suas atribuições deveriam prevalecer.
Por fim, defendemos a urgência da retomada de um debate mais amplo
sobre o papel dos Planos Diretores e da legislação urbanística na constru-
ção de cidades melhores e o alcance de seus resultados. Talvez ainda seja
um pouco cedo. Mas nunca é tarde para ter essa esperança.
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MARICATO, Ermínia (2001). As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias.
1406
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Arquiteto e Advogado. Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ. Professor da Universidade de Blumenau – FURB. E-mail: lasouza@furb.br
2 Além do clássico, Teoria Geral do Direito Civil de 1890, Beviláqua foi também o principal mentor do projeto
que deu origem ao primeiro Código Civil Brasileiro em 1916.
3 A primeira experiência de codificação das leis é datada de 1804, na França, com a compilação do Code Civil
des Français, que ficou mais conhecido como Código de Napoleão.
4 Meirelles, Hely L. (1989). Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais.
5 Na clássica obra L’ Esprit des Lois de 1748, Montesquieu, formulou a teoria da separação dos poderes entre
Executivo, Legislativo e Judiciário.
6 O princípio do “rule of law”, de tradição anglo-saxônica, fundou as bases conceituais do Estado de Direito
sob a ótica liberal e positivista do domínio da lei. O “judicial control”, de tradição americana, tem sua origem
como instrumento na defesa dos direitos individuais, e como característica que o poder judiciário atua na
interpretação dos conflitos sociais.
7 O Código Civil Brasileiro de 1916 vigorou até 10/01/2003, quando entrou em vigor o novo Código Civil,
instituído pela Lei n.º 10.406, de 10/01/2002.
8 O Decreto-lei n. 58/37 teve vigência até ser promulgado o Decreto-lei n. 271/67 em 28/02/1967, que tratava
das disposições sobre o parcelamento do solo urbano, porém ele nunca foi regulamentado, o que tornou suas
disposições sem efeito.
1407
9 Considerado como o primeiro urbanista do ocidente, o engenheiro Idelfonso Cerdá, escreveu em 1867 sua
obra denominada de Teoria Geral da Urbanização, considerada a primeira a dar um tratamento científico à
técnica de organização das cidades. Conforme artigo de Francine Founier, disponível no site, www.unesco.
org/most/cerda.htm e acessado em 03/11/2004.
10 Para Choay, a utopia nas teorias urbanísticas, passou a incluir dois traços comuns: a abordagem crítica de
uma realidade presente e a modelização espacial de uma realidade futura. A utopia urbana elabora, numa
perspectiva não prática, em termos quase lúdicos, um instrumento que poderia servir efetivamente para a
concepção de espaços reais (1980).
11 A história da SFU e os principais momentos desse movimento podem ser encontrados no site www.
urbanistes.com.
12 A Lei Cornudet, foi implantada pela necessidade do disciplinamento da reconstrução da França depois da
assinatura do armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Ela foi inspirada na legislação sobre o uso
do solo existente em países vizinhos, como a Suécia (1874), Grã-Bretanha (1909) e Países – Baixos (1901).
13 O sociólogo norte-americano Louis Wirth, foi um dos fundadores da Escola de Chicago e defendia o uso
da sociologia como instrumento para compreender as transformações sociais e culturais promovidas pelo
fenômeno da urbanização, e publicou em 1938 seu famoso artigo intitulado “Urbanism as a way of life”.
14 Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna – CIAMs, ocorreram entre os anos de 1928 - 1956 e
foram os grandes espaços de discussão e difusão do urbanismo modernista, na defesa do racionalismo e do
funcionalismo no planejamento urbano das cidades.
15 “Não sou, jamais fui, modernista. Aliás, tenho horror a esse conceito que me soa falso, mas sempre participei
dos movimentos de renovação válidos.” Frase de Lúcio Costa contida no livro: Lucio Costa Um Modo de Ser
Moderno. Nobre, Ana L. e outros (orgs.) (2002). São Paulo: Editora Cosac & Naify.
16 O início do Conjunto da Pampulha foi composto pela Igreja de São Francisco de Assis, do Museu de Arte, da
Casa de Baile e do Iate Clube. Além de Oscar Niemeyer, participaram outros artistas como Portinari, Ceschiatti
e do paisagista Burle Marx.
17 O termo “plano diretor” já não atende mais a ideia e a concepção ideológica do instrumento. Para tanto,
somos partidários que não se empregue mais esse termo, sendo que a terminologia mais apropriada é de
“plano de desenvolvimento urbano”.
18 O pensamento de Hobbes estava baseado no absolutismo político do Estado monarca. Esse poder seria
derivado de contratos estabelecidos entre os indivíduos e capazes de transformar o estado de natureza, segundo
na sociedade, todos os homens viveriam em guerra contra todos os homens.
19 A pesquisa abrangeu 524 municípios de todos os estados brasileiros e pode ser acessada através do site:
www.observatoriodasmetropoles.org.br.
20 A Carta Mundial pelo Direito à Cidade pode ser acessada em sua íntegra através do site: www.forumre-
formaurbana.org.br
21 A pesquisa realizada pelo Ministério das Cidades em 512 municípios brasileiros entre 2008 e 2010 atestou que
a maioria dos municípios brasileiros contava com Conselho da Cidade e o Plano Diretor previa instrumentos
como ZEIS e mecanismos de regulação fundiária.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1409
Optou-se pelo método de abordagem dialético a partir do qual se anali-
sou a aplicação da referida normativa à situação em concreto. Assim, para
a realização do estudo foram empregados os métodos de procedimento
monográfico e estudo de caso.
Por fim, além de incitar o debate acerca do caso da Vila Chocolatão, o
presente estudo propõe-se a analisar em que medida foram observadas
as recomendações e garantias protetivas do direito à moradia previstas
tanto no plano nacional quanto internacional.
1410
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1411
ter acesso pleno, sustentável e prioritário aos recursos adequados
para obter moradia;
Localização: a moradia adequada deve estar em local que permita
o acesso às opções de emprego, ao transporte público eficiente,
aos serviços de saúde, às escolas e creches, à cultura e ao lazer;
Adequação cultural: os usos e os costumes das comunidades
e dos grupos sociais devem ser respeitados nas construções e
reformas das habitações.
1412
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1413
As funções sociais da cidade, como interesses difusos, devem
compreender o acesso de todos ao direito à cidade para os atuais
e futuros habitantes das cidades, considerando os componen-
tes deste direito como à moradia, os equipamentos e serviços
urbanos, o transporte público, o saneamento básico, à cultura,
e o lazer14.
1414
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1415
Figura 1: Centro de Porto Alegre
A Vila era formada por 225 famílias, totalizando 732 pessoas, que so-
breviviam, em sua maioria, da catação, da triagem e da comercialização
de material reciclável23. Embora existissem outras atividades econômicas,
a lógica24 da comunidade girava em torno do lixo que lá era ressignificado,
transformando-se em fonte de renda25.
1416
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1417
e locais alagadiços nos quais havia significativo acúmulo de lixo, gerando
condições extremas de insalubridade para a população31.
Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2009. Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2010.
1418
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3.1 O Reassentamento
1419
em projetos e buscavam recursos, a Chocolatão crescia. Seus moradores
permaneciam vivendo em condições de absoluta precariedade.
Durante a tramitação da ação reivindicatória, foi elaborado pelo DE-
MHAB o projeto posteriormente divulgado tanto pela autarquia quanto
pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA) como um modelo a ser
seguido para os casos de reassentamento da população de baixa renda.
A execução do projeto foi conduzida principalmente pela Secretaria
Municipal de Governança Solidária Local, a qual fomentou a organização
de diferentes entidades públicas e privadas na Rede para a Sustentabilidade
da Vila Chocolatão, que tinha por principal objetivo promover a remoção
daquela comunidade.
A municipalidade reconhecia a extrema vulnerabilidade social da Vila
Chocolatão e sua dependência da região central. Isso, contudo, não foi
suficiente para que fossem realizados esforços para reassentar a comu-
nidade em uma área mais próxima.
A Governança Solidária acreditava que seu projeto seria suficiente
para garantir a sustentabilidade da comunidade no novo assentamento,
evitando, dessa forma, o abandono das casas e o retorno à irregularidade.
Assim, divulga na mídia e em meio acadêmico que:
1420
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Figura 5: mapa
1421
2011, estendendo-se até o dia 24 daquele mês. A retirada das famílias,
em virtude da peculiaridade do caso, contou com forte aparato policial.
Figura 6: a remoção
1422
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2012. Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2012.
1423
Assim, também, não foi considerada a adequação cultural, uma vez
que a comunidade tinha geografia e costumes próprios que não foram
observados no momento de elaboração do projeto do loteamento.
Além disso, não foi preenchido o requisito da disponibilidade de
serviços e equipamentos públicos, o que afetou significativamente o
direito à saúde e à educação. Conforme reconhecido pela própria munici-
palidade, a região de reassentamento já contava com uma grande carência
de equipamentos e serviços públicos45. A transferência da Vila Chocolatão
para esta localidade incrementou o já deficitário sistema de saúde local.
Segundo os moradores, a qualidade do serviço de saúde prestado nas
proximidades do loteamento é muito aquém daquela oferecida na região
central. O acesso ao sistema é dificultado pelas longas filas, pela limitação
no número de atendimentos, bem como pela carência de profissionais e
de infraestrutura.
Além dos empecilhos relacionados à saúde, os moradores comentaram
sobre questões relacionadas ao ensino. Existem relatos sobre a dificulda-
de de adaptação de crianças e adolescentes da antiga Vila às escolas da
região. Outra queixa bastante recorrente diz respeito à creche construída
no loteamento, a qual está sendo mantida por entidade externa que tem
cobrado mensalidades e ameaçado vedar a matrícula dos filhos de pais
inadimplentes. Além disso, o horário de funcionamento, muitas vezes, é
incompatível com a rotina laboral dos pais. Foi mencionado, ainda, que
crianças estranhas à comunidade estão ocupando as vagas que deveriam
ser destinadas aos filhos dos moradores do loteamento.
Na Nova Chocolatão, também, não está contemplado o custo acessí-
vel, pois os gastos envolvidos na manutenção das habitações aumentaram
consideravelmente, sendo, frequentemente, incompatíveis com a renda
da população reassentada. No loteamento, os moradores depararam-se
com custos que não existiam no antigo local, tais como a luz, a taxa das
casas, o transporte, a creche.
Durante boa parte do processo de reassentamento, o requisito da aces-
sibilidade foi ignorado, pois as famílias da Chocolatão, caracterizadas, em
1424
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
sua maioria, por uma situação de vulnerabilidade, tiveram seu acesso pleno
à moradia dificultado pela cobrança de uma taxa pela posse da casa46.
Diante desse contexto, as lideranças comunitárias, assessoradas pelo
GAJUP, comunicaram ao Ministério Público Federal uma série de descum-
primentos do que fora pactuado com a municipalidade, dentre os quais
estava a cobrança das taxas das casas. Em razão disso, recentemente, foi
suspensa a cobrança desses valores por parte do Município.
Cabe enfatizar que a suspensão da taxa das unidades habitacionais
ocorreu devido à mobilização comunitária. Essa cobrança é originalmente
prevista no projeto. Sua existência, portanto, afetava o requisito da aces-
sibilidade, bem como comprometia o elemento do custo acessível, uma
vez que esse gasto é computado juntamente com os demais existentes
no núcleo familiar.
Até a suspensão do valor das moradias, eram realizadas sucessivas
cobranças dos moradores inadimplentes sob pena extinção contratual,
comprometendo, portanto, o requisito da segurança da posse. O fato
de essa postura ter ocorrido representa uma afronta ao direito à moradia e
uma distorção das supostas finalidades do projeto divulgado como modelo.
Por fim, em relação às condições de habitabilidade dos domicílios,
realmente, houve uma melhora significativa em comparação com a situ-
ação anterior, conforme apontado pelos próprios moradores.
Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2012. Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2012.
1425
O resultado já era o esperado, uma vez que as novas moradias são
constituídas de alvenaria em um ambiente salubre e dispõem de rede de
esgoto, de fornecimento de água potável, de energia elétrica. Ainda em
relação à infraestrutura, os moradores levantaram observações interessan-
tes. As construções concluídas há dois anos já apresentavam problemas
na infraestrutura e na rede de esgotos.
Foi relatado, também, que, nos dias de chuva, há alagamentos em al-
gumas áreas do loteamento. Segundo os moradores, isso ocorre em razão
do entupimento dos bueiros pelo lixo que, na falta de local específico, é
depositado nas esquinas.
Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2012. Fotografia: arquivo interno GAJUP, 2012.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1427
-se que menos da metade dos moradores beneficiados pela realocação
permaneceram no loteamento.
Diante disso, constata-se que o projeto da Vila Chocolatão vai de
encontro à concepção atual do direito à moradia prevista tanto no plano
nacional quanto no internacional. Observa-se que não foram plenamen-
te atendidos os elementos constitutivos do direito à moradia adequada
elencados no Comentário Geral n° 4 do Comitê de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, o que acarretou a supressão de direitos que já estavam
garantidos na antiga área de ocupação. Além disso, verifica-se que não
foram observadas as recomendações e garantias previstas na Constituição
Federal de 1988 e no Estatuto da Cidade.
A remoção da Vila Chocolatão desconsidera, portanto, a construção
doutrinária e legislativa inaugurada com a Constituição de 1988 e, na
prática, reproduz a velha lógica da expulsão da população de baixa renda
para as áreas periféricas e não valorizadas da cidade. Ela representa, por-
tanto, um retrocesso na política urbana porto-alegrense e uma violação
do direito à cidade.
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-modelo-de-transferencia-de-comunidades-insalubres-3308088.html>. Acesso
em:09/08/2013.
NOTAS
1 O presente artigo originou-se do trabalho de conclusão de curso apresentado pela autora em dezembro
de 2012.
2 Bacharela em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP). Pós-graduanda em Direito
Municipal pela Escola Superior de Direito Municipal (ESDM). Integrante do Grupo de Assessoria Justiça Po-
pular (GAJUP-SAJU/UFRGS) e do Grupo de Extensão e Pesquisa em Direito Urbanístico da FMP. E-mail: giani.
cazanova@gmail.com.
3 Art. xxV Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Toda pessoa tem direito a um padrão de vida
capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez,
viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.
4 Alguns exemplos são o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966); a Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver
(1976); a Agenda Habitat (1996); os Comentários Gerais nos 4 e 7 do Comitê das Nações Unidas de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
5 Art. 11,§1º, PIDESC: Os estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de
vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas,
assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apro-
priadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da
cooperação internacional fundada no livre consentimento.
6 O Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, instituído em 1985, é um órgão das Nações Unidas
responsável pelo controle dos tratados em matéria de Direitos Humanos. ALFONSIN, Betânia; FERNANDES,
Edésio. Coletânea de Legislação Urbanística: normas internacionais, constitucionais e legislação ordinária.
Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.33.
7 OSÓRIO, Letícia Marques. Direito à Moradia Adequada na América Latina. In: ALFONSIN, B; FERNANDES,
E. (Org.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e
processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p.33.
8 São citados como exemplo no Comentário Geral n° 4: idosos, crianças, mulheres, portadores de deficiências,
vítimas de desastres naturais, moradores de áreas de risco, segmentos empobrecidos.
9 SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre:
Fabris, 2004, p.133.
10 Art. 5, xxIII; Art.6; Art. 7; Art. 21,xx; Art.23,Ix; Art. 30, VIII; Art. 182; Art. 183.
11 MELO, Lígia. Direito à moradia no Brasil: política urbana e acesso por meio da regularização fundiária.
Belo Horizonte:Fórum, 2010, p.40-42.
12 Parcelamento e edificação compulsórios; IPTU progressivo no tempo; desapropriação sanção (art. 184, § 4°).
13 SAULE JÚNIOR, Nelson. Direito Urbanístico: vias jurídicas para políticas urbanas.Porto Alegre: Fabris,
2007, p.52.
1430
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
14 Ibidem, p.54.
15 São eles: os direitos de superfície e preempção; a outorga onerosa do direito de construir; a transferência
do direito de construir; as operações urbanas consorciadas; o estudo de impacto de vizinhança.
16 São eles: as zonas especiais de interesse social; a usucapião especial de imóvel urbano; a concessão de
direito real de uso; a concessão de uso especial para fins de moradia.
17 São eles: o parcelamento e edificação compulsórios; o IPTU progressivo no tempo; a desapropriação com
títulos da dívida pública; o consórcio imobiliário.
18 MELO, Op.Cit. p.33
19 SAULE JÚNIOR, 2007, p.52
20 MELO, Op.Cit. p.32
21ASSOCIAÇÃO DE GEÓGRAFOS BRASILEIROS – SEÇÃO PORTO ALEGRE. Laudo técnico sócio-econômico
do processo de reassentamento da Vila Chocolatão. Porto Alegre, 2011, p.8. Disponível em: <http://
www.agb.org.br/documentos/LaudoTecnico.pdf>. Acesso em 09/08/2012.
22 SANTINI, Giovana. Vila do Chocolatão: encontros da collage na arquitetura. Dissertação de Mestrado no
Programa de Pós Graduação em Arquitetura. Porto Alegre: UFRGS, 2007, p.37.
23 DEMHAB. Projeto de trabalho técnico social: Vila Chocolatão. Porto Alegre, 2010, p.6.
24 Ao todo existiam seis galpões na Vila Chocolatão. Alguns donos dos depósitos eram proprietários, também,
de moradias e de carrinhos. Em muitos casos, o dono de galpão cedia ao papeleiro a utilização do carrinho.
Em contrapartida, este deveria vender àquele o material coletado. A mesma relação se estendia às moradias.
25 AZAMBUJA, Marcelo Andrade de.; ALT, Júlio Picon. Uma história de Assessoria Popular: o trabalho do
GAJUP na Vila do Chocolatão. In: Anais do II Seminário de Pesquisa, Direito e Movimentos Sociais.
Goiáis: IPDMS, 2012, p.5.
26 SANTINI, Op.Cit. p.43.
27 O Grupo de Assessoria Justiça Popular (GAJUP) é um dos quinze diferentes grupos integrantes do progra-
ma de extensão Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). Desde agosto de 2009, o grupo realiza atividades de Assessoria e Educação Popular na Vila
Chocolatão. AZAMBUJA; ALT, Op.Cit.p.01.
28 DEMHAB, Op.Cit.p.10,13.
29 ASSOCIAÇÃO DE GEÓGRAFOS BRASILEIROS – SEÇÃO PORTO ALEGRE. Laudo técnico sócio-econômico
do processo de reassentamento da Vila Chocolatão. Porto Alegre, 2011, p.28 Disponível em: <http://
www.agb.org.br/documentos/LaudoTecnico.pdf>. Acesso em 09/08/2013.
30 Ibidem, p. 36.
31 DEMHAB, Op.Cit.p. 11.
32 Ibidem, p.12.
33 AGB, Op.Cit.p.25-36.
34 Uma minuciosa análise da tramitação da Ação Reivindicatória em questão foi realizada no estudo de
Adriana Strohaecker (2011, p.70-74).
35 SMOLKA, Martim. Regularização da ocupação do solo urbano: a solução é parte do problema, o problema
é parte da solução. In: ALFONSIN, B; FERNANDES, E. (Org.). A Lei e a ilegalidade na produção do espaço
urbano. Belo Horizonte: DelRey, 2003. p.279.
36 COSTA, Denise Souza; SOUZA, Vânia Gonçalves de. Direito à moradia digna e educação emancipadora: o
paradigma da rede de sustentabilidade da Vila Chocolatão. In: Anais do II Congresso de Direito Urbano-
-Ambiental: congresso comemorativo aos 10 anos do Estatuto da Cidade. v. 2. Porto Alegre: Exclamação,
2011, p.1118.
37 ZERO HORA. Remoção de vila da Capital coloca à prova modelo de transferência de comuni-
dades insalubres. Disponível em: < http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2011/05/remocao-
-de-vila-da-capital-coloca-a-prova-modelo-de-transferencia-de-comunidades-insalubres-3308088.html>.
Acesso em:02/05/2013
38 Disponível em: <http://citiesprogramme.com/cities/americas/brazil/porto-alegre/social-inclusion-project-
-for-vila-chocolatao>. Acesso em: 09/08/2013.
39 O loteamento está situado no Bairro Mário Quintana, caracterizado por um indicie de vulnerabilidade social
bastante elevado. A região, anteriormente chamada Chácara da Fumaça, tornou-se, na década de 80, o local de
destino das remoções promovidas pelo Poder Público. Foram deslocados para o local um número significativo
de populações retiradas de áreas de risco e de ocupações irregulares. Em razão disso, o bairro sofreu um surto
populacional que ocasionou muitas demandas de equipamentos e serviços urbanos. DEMHAB, Op.Cit.p.8.
40 O documento foi firmado, por intermédio do Ministério Público Federal, em 09 de maio de 2011. Foram
pactuados meios para assegurar os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, ao lazer. Disponível em:
<http://www.prrs.mpf.mp.br/home/bancodocs/cac/poa/termo_compromisso_anexos_chocolatao.pdf/
view?searchterm=vila%20chocolat%C3%A3o>. Acesso em: 09/08/2013.
41 Nesta pesquisa, para que fosse possível analisar os reais efeitos do reassentamento, optou-se pela utilização
1431
de uma metodologia de produção de dados de forma direta, através da técnica de observação e da técnica
de realização de entrevistas junto à população afetada. Por esse motivo, foram realizadas, entre os dias 18
de agosto a 10 de novembro de 2012, dezessete entrevistas com os moradores da antiga Vila Chocolatão.
Apesar das limitações dos resultados obtidos devido ao reduzido número de entrevistas, o material coletado
mostrou-se muito revelador.
42 “Os esforços conjuntos da prefeitura de Porto Alegre, órgãos públicos, moradores e parceiros privados para
a transferência dos moradores da Vila Chocolatão se transformaram num modelo de reassentamento reco-
nhecido em diversas outras cidades”. Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/
default.php?p_noticia=142576&CHOCOLATAO+MODELO+DE+GOVERNANCA+RECONHECIDO+INTERNACI
ONALMENTE.
43 Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...] II – gestão democrática por meio da parti-
cipação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação,
execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
44 Em ofício encaminhado em 17/10/2012 à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, a Associação de
Catadores comunicou que a Unidade de Triagem conta com apenas 40 vagas e acrescentou que essa limitação
advém da carência de infraestrutura e de capacitação adequada.
45 DEMHAB, Op.Cit. p.8
46 Conforme o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, firmado entre os moradores e o DEMHAB, “os
concessionários pagarão mensalmente pela concessão instrumentada a título de contribuição obrigatória em
face da renda familiar declarada”. Além disso, o “inadimplemento injustificado por mais de 180 (cento e oitenta
dias) acarretará a extinção da Concessão”.
1432
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1433
plano inicial, mas apresenta senão todos, a maior parte dos problemas
das demais cidades que possuem suas dimensões.
Imagens dos croquis que acompanham o memorial descritivo do plano de Lucio Costa disponíveis em: http://
arquitetandoblog.wordpress.com/2009/04/17/lucio-costa-brasilia-50-anos-memorial-do-plano-piloto-e-o-
-pensamento-de-lucio-costa/
1434
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1435
e considerações positivas e ou negativas, afinal ela ainda era um plano,
um projeto de cidade.
Mas apesar de um projeto, a ideia de mudar a capital e localiza-la no
eixo de expansão do país era uma ação audaciosa que havia sido mate-
rializada pelo trabalho de um arquiteto.
Por outro lado Carlos Nelson em Brasília – belo sonho ideológico que se
tornou um pesadelo, texto escrito em 1979, discute o fato de que ao mesmo
tempo em que a cidade quando foi concebida representou muito para o
Brasil, “tornara-se um instrumento ambíguo que servia para nos dar orgulho
com uma força tão avassaladora que era capaz de impor ordem a desertos
e nos provocar medo.” (SANTOS, 1979 in xavier e Katinsky, 2012 – p. 199).
Ambos os autores aparentam leve deslumbre com a ideia e o projeto
para a nova cidade, mas o que está apresentado nos dois textos é a am-
biguidade que representavam o projeto para a mudança da capital e a
construção de Brasília no cenário nacional na década de 1960.
“Brasília idealizada como cidade igualitária, um lugar para os iguais”,
onde os filhos dos funcionários e os filhos dos ministros andassem e
brincassem lado a lado, 20 anos mais tarde é uma cidade e como toda
a cidade brasileira enfrenta praticas de pesadelo, como comenta Carlos
Nelson, que diz ainda que os arquitetos que a projetaram imaginaram que
mudando a forma poderiam mudar a realidade.
Vivemos nas cidades brasileiras, na atualidade, e toda a cidade bra-
sileira que se preza enfrenta praticas de pesadelo como já informava
Carlos Nelson em 1979 e talvez esses nossos pesadelos tenham crescido
em projeção geométrica.
Podemos então argumentar que apesar de Brasília partir de um projeto
que considerava a organização da ocupação e da setorização dos usos
na cidade não escapou de seguir o mesmo caminho da maior parte das
cidades brasileiras que foi o crescimento desordenado – vide a perma-
nência e o crescimento das cidades satélites – o qual produziu elevado
grau de desigualdade seja ela territorial, ou social. E desta forma deve ser
objeto de estudo para a reavaliação da participação e do desempenho do
1436
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1437
fossem altos. A atuação do Estado era então exacerbadamente empresarial,
ressaltando a preocupação com o retorno financeiro de seus investimentos.
Desta forma, os investimentos e obras foram sempre voltados aos locais
que asseguravam esse retorno financeiro, melhor dizendo, às áreas mais
ricas das cidades.
Ainda no início da década de 1970 a população brasileira torna-se pre-
dominantemente urbana, 56% da população total passa a viver nas cidades,
contra 45% em 1960, conforme dados do Censo do IBGE daquele ano.
A crescente urbanização aliada à insuficiência da infraestrutura refor-
çaram os mecanismos de segregação social e espacial da população mais
pobre, acentuando a distância entre os diferentes grupos sociais que, por
sua vez, fragmentaram a cidade (ANTONUCCI, et al,2010.)
De um modo geral, quase a metade da população brasileira que re-
side em centros urbanos convive com a deficiência na infraestrutura de
saneamento básico e no atendimento dos serviços públicos, não sendo
apenas característica exclusiva dos assentamentos precários. Indicadores
urbanos do Censo Demográfico do IBGE de 1991 apontavam para o núme-
ro absoluto das carências habitacionais naquela ocasião: 10,17 milhões
de domicílios não estavam conectados à rede de água, 5,4 milhões dos
domicílios urbanos não eram atendidos por coleta de lixo urbano e 16,5
milhões não dispunham de instalações sanitárias adequadas.
Desde os anos 1980, o número de habitantes em favelas tem sido
expressivo e crescente. Considerando a taxa média de 04 habitantes por
domicílios nas favelas em 1980, o Censo do IBGE registrou 480.595 domi-
cílios, o que correspondia a 1,89% dos domicílios brasileiros; em 1991 este
número sobe para 1,14 milhões de domicílios em favelas, representando
3,28% do total dos domicílios brasileiros. Em 2000 o número de domicílios
passa a ser cerca de 1,65 milhões, 3,04% dos domicílios do país.
1438
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1439
Em 2010, o país possuía 6.329 aglomerados subnormais (assentamentos irregulares conhecidos como favelas,
invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros)em 323 dos 5.565
municípios brasileiros. Eles concentravam 6,0% da população brasileira (11.425.644 pessoas), distribuídos
em 3.224.529 domicílios particulares ocupados (5,6% do total). Vinte regiões metropolitanas concentravam
88,6% desses domicílios, e quase metade (49,8%) dos domicílios de aglomerados estavam na Região Sudeste.
(IBGE, 2010)
1440
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1441
No âmbito da Carta de Atenas foram estabelecidos parâmetros para
a melhoria da qualidade das habitações precárias, enfatizando aspectos
que deveriam ser alterados:
1442
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1443
Humanos Sustentáveis num mundo em urbanização.
A Agenda Habitat II4, resultado desta Conferência, estabeleceu um
conjunto de diretrizes políticas e compromissos entre os governos de
diversas nacionalidades, visando melhoria das condições de moradia nas
áreas urbanas e rurais, e estabeleceu como princípio fundamental a com-
pleta realização do direito à habitação adequada e, consequentemente,
o direito à cidade.
Apenas no início do século xxI, é que de fato o direito à cidade passa
a ser uma palavra-chave que irá nortear e articular as proposições urba-
nísticas em prol de um ambiente urbano com qualidade.
A Carta Mundial do Direito à Cidade (2004), do Fórum das Américas5,
define o direito à cidade “como o usufruto equitativo das cidades dentro
dos princípios da sustentabilidade e da justiça social”. Segundo o docu-
mento, o direito à cidade refere-se ao:
1444
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1445
periferias e a expansão espraiada do território das grandes cidades.
Essa autora reforça que a política habitacional e o planejamento urbano
caminhavam lado a lado e perseguiam um duplo objetivo: dar lugar a uma
ordem espacial e social racional e construir uma cidadania moderna, em
que a população contribuiria para a melhoria e a educação. Neste discurso
havia uma contradição, uma vez que, na prática, a participação popular
se limitava a decisões locais e pontuais, e nem sempre era acompanhada
e esclarecida quanto à atuação dentro dos programas.
A década de 1980 é um marco na mudança da visão sobre as cidades.
Dois elementos importantes modificam o panorama: a participação popu-
lar e a questão do meio ambiente. O problema da habitação nas grandes
cidades não é mais o acesso das massas marginalizadas à moradia, e sim
o da proteção dos sítios. (Ibidem)
No interior do processo de redemocratização do país nos anos de 1980
é retomado o Movimento de Reforma Urbana. Durante a campanha de
elaboração da nova Constituição Federal, o Movimento Nacional pela Re-
forma Urbana - MNRU encaminha à Assembleia Constituinte uma emenda
popular contendo a crítica à política habitacional, indicando que o governo
federal, até então, não tinha como foco o atendimento às famílias de baixa
renda e convocando ao debate popular.
No período que antecedeu a promulgação da Constituição Federal de
1988 ocorre a implementação dos programas de mutirões, onde a inserção
da atuação da população frente à problemática habitacional faz aumentar
a participação e a mobilização popular. A partir de então emergem no país
as primeiras experiências de urbanização de favelas.
Para França (2009), a urbanização de favelas faz parte da construção
de um modelo de intervenção do Brasil da década de 1980, alternativo
aos padrões estabelecidos pelo governo federal em parceria com estados
e municípios nos anos de 1960 e 1970, por meio do SFH e do BNH.
Apesar das várias ações do poder público, relacionadas ao provimen-
to de unidades habitacionais no Brasil, a criação do Sistema Financeiro
de Habitação e dos programas definidos no âmbito do BNH, não foi
1446
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1447
A visão sobre a moradia é amplificada, em 2004, reconhecendo que
a habitação é casa e cidade, portanto não se podia mais ignorar que as
favelas eram uma alternativa habitacional para a população de baixa
renda, bem como não se poderia mais pensar a construção de unidades
habitacionais desvinculadas da implantação de infraestrutura de sanea-
mento ambiental e do atendimento pelos bens e serviços públicos.
2007 é o ano do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que
abarcava as ações para melhoria das condições de habitabilidade, onde
o projetos para urbanização de favelas contemplavam a construção de
unidades habitacionais para o reassentamento das famílias moradoras
dos assentamentos precários objeto das intervenções.
Em 2009, o Governo Federal do Programa Minha Casa Minha Vida -
PMCMV, com o objetivo de produzir unidades habitacionais com vistas a
diminuição do déficit habitacional que girava entorno de 7 Milhões, em
números absolutos e de modo a enfrentar a crise econômica por meio da
dinamização das atividades da construção civil.
Dois anos após o lançamento do Programa, cerca de 1 milhão de uni-
dades já haviam sido contratadas, grande parte no segmento econômico,
o qual abarca principalmente a faixa de renda entre três e dez salários
mínimos. Os números mostram, portanto, que a produção imobiliária
brasileira recente foi fortemente impulsionada pelo programa, que envol-
veram importantes recursos públicos.
O PAC entra em 2010 na sua 2ª etapa, sendo em 2011 selecionados
494 empreendimentos no eixo PMCMV/ Urbanização de Assentamentos
Precários. O PMCMV investiu R$ 129,3 bilhões em empreendimentos na
segunda fase do PAC. Desde seu lançamento, 1,8 milhões de casas e
apartamentos foram contratados. Desse total, 53% foram concluídas. Até
2014 está prevista a contratação de dois milhões de moradias.
Dos R$ 324,3 bilhões aplicados até 2012 no PAC2, R$ 108,6 bilhões são
na área de financiamento habitacional, com verba liberada pelo Ministé-
rio das Cidades – Mcidades. Estes números foram divulgados no quarto
balanço do PAC II.
1448
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Que cidade queremos para as gerações futuras? A dificuldade na mudança do padrão de urbanização esbarra,
ainda mais, no fato de que a ideia da “cidade justa” não foi ainda assimilada pela sociedade. Ao contrário,
e infelizmente, os elementos de status que caracterizam e supostamente embelezam a péssima produção
habitacional do segmento econômico são razão de grande procura e satisfação, mesmo ambientalmente tão
questionáveis. Em geral, os aspectos que alimentam os panfletos de vendas de imóveis e embasam o sonho
da casa própria da classe média, embutem equívocos arquitetônicos e urbanísticos que parecem, à primeira
vista, muito sedutores para o consumidor. (FERREIRA, 2012)
1449
A CIDADE E O ARqUITETO
1450
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1451
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1452
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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NOTAS
1454
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Preservação do
patrimônio cultural:
direito à cidade?
INTRODUÇÃO
1455
todavia, que estas mudanças conformaram novas políticas públicas, na
medida em que foram gestadas e praticadas no âmbito interno institucio-
nal, pouco refletindo em suas ações externamente.
A Constituição Federal de 1988 evidenciou uma ruptura com os con-
ceitos até então vigentes. Em seu artigo 216 formulou nova conceituação
para o patrimônio, agora definido como cultural, abrangendo o acervo
material, tanto o monumental como o vernacular, e também as diversas
manifestações consideradas intangíveis, ou imateriais. Deliberou, ainda, o
compartilhamento de responsabilidade pela tutela dos bens culturais entre
os três entes federativos – União, Estados e Municípios e, também, com
as comunidades envolvidas. Alguns anos mais tarde, ao regulamentar a
política urbana, o Estatuto da Cidade elenca várias diretrizes para garantir
o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana” (artigo 2º, Lei nº 10.257, de 10/07/2001) e inclui a proteção do
patrimônio cultural neste rol.
Entretanto, analisando a trajetória das políticas públicas de proteção
do patrimônio cultural, principalmente o urbano, podemos considerar que
têm contribuido para o desenvolvimento das funções sociais da cidade?
Em que medida a proteção do patrimônio cultural é vista e vivenciada
como promotora de cidadania? Existe relação direta entre direito à cidade
e proteção do patrimônio cultural?
Estas questões são o tema de reflexão deste artigo, que não tem a pre-
tensão de esgotar o assunto, mas de reforçar a necessidade da proteção
do patrimônio cultural entrar na pauta de discussão do direito urbanístico
e, principalmente, da abordagem político-teórico-conceitual se estender
para além da questão cultural, compondo o rol de variáveis garantidoras
do direito à cidade.
1456
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1457
ção da morfologia urbana, das edificações, das manifestações culturais
urbanas? Ao refletir sobre o processo dialético da industrialização e da
urbanização e as conseqüentes transformações urbanas, Henri Léfèbvre
(2001, p.12) constata que
1458
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
como “obra”, apropriadas pelos cidadãos. Como colocado por Milton San-
tos, as relações estabelecidas pelos homens com os espaços construídos
dependem do grau de cumplicidade e do sentimento de pertencimento a
eles atribuído, pois
1459
Inspirada na metodologia européia de proteção do patrimônio, de-
senvolvido no decorrer do oitocentos, a legislação nacional estabelece
o tombamento como o principal instituto de proteção do patrimônio. O
Decreto-lei 25/37 define “patrimônio histórico e artístico nacional” os
bens materiais que se vinculam a fatos “memoráveis” ou que tenham
“excepcional” valor, recortando com clareza quais os critérios a serem
utilizados para a seleção das coisas a serem patrimonializadas, assim
como estabelece a necessidade da inscrição dos bens nos Livros do Tombo
para a efetivação da proteção.
1460
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comportamento e na percepção das populações, pela existência de “(...)
um sentimento ambíguo com relação ao patrimônio: ao mesmo tempo
que ele remete ao passado e a uma relação de afetividade, ele indica
impossibilidade de mudanças e, consequentemente, de progresso (...)”
(SIMÃO, 2006, p. 44).
Além disto, o exercício da cidadania, já bastante diminuído e contra-
posto pelo Estado neste período, resultou quase inexistente em relação ao
patrimônio urbano e sua proteção. Intimidada pelo desconhecimento do
valor “histórico e artístico” de seu próprio lugar, as populações recuaram
de ações coletivas e assumiram uma reação individual à ação impositiva do
Estado, na medida em que os proprietários ou responsáveis pelos imóveis
destruíam ou alteravam seus imóveis à revelia das determinações legais.
Esta fase da vida nacional, que sofreu significativas mudanças no reco-
nhecimento de direitos e na conformação da cidadania, seja em relação
à questão social, trabalhista e, inclusive, ambiental, não vivenciou, para
a proteção do patrimônio cultural, a mesma dinâmica.
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1463
A Constituição Federal define no título dedicado à política urbana, em
seu artigo 182, que será o poder público municipal o responsável pela
política de desenvolvimento urbano, que “tem por objetivo ordenar o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-
-estar de seus habitantes”. Considerando que, nas últimas décadas do
século xx, os documentos internacionais sobre a proteção do patrimônio
já abordam a fundamental integração entre preservação e planejamento
urbano8, entendemos que, repassando aos municípios a responsabilidade
pela gestão urbana, o Estado brasileiro reforça o compartilhamento do
dever da preservação do patrimônio cultural urbano. O papel do instituto
federal preservacionista – o IPHAN, soberano e paternal, começa a se
transformar, na medida em que as municipalidades e os estados-membros
também podem e devem abarcar como função constitucional a proteção
do patrimônio cultural.
Em 2001, ao regulamentar a Constituição Federal, o Estatuto da Ci-
dade define as diretrizes gerais para a garantia das cidades sustentáveis
e aponta a proteção do patrimônio cultural e natural como partícipe da
política urbana, confirmando normativamente a condição imbricada entre
planejamento urbano e patrimônio cultural. Além disto, entre os instru-
mentos de política urbana elencados neste estatuto, alguns são aplicáveis
à preservação do patrimônio cultural, como o parcelamento, edificação
ou utilização compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e a desapropria-
ção por títulos da dívida pública; o Estudo de Impacto de Vizinhança; a
Transferência do Direito de Construir; a Operação Urbana Consorciada9
e outros que porventura sejam identificados pela Municipalidade como
passíveis de utilização em seus Planos Diretores.
Estas definições indicam alterações bastante significativas na concei-
tuação da política pública da proteção do patrimônio cultural urbano, ao
integrá-la com o planejamento urbano. O que constatamos, atualmente,
é a existência de normativas específicas municipais e estaduais versando
sobre a proteção do patrimônio cultural, assim como planos diretores
urbanos em cujo escopo encontra-se também a temática do patrimônio
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1465
destinados a obras e ações de caráter urbanístico, além das tradicionais
obras de restauração e conservação em monumentos reconhecidos, o que
pode ser considerado um reflexo das mudanças ocorridas na compreensão
da natureza da preservação do patrimônio cultural, integrada às questões
urbanas. Talvez este entendimento esteja ainda restrito ao âmbito insti-
tucional e técnico; ainda não temos dados suficientes para concluir se as
populações já compreendem a extensão destas alterações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Maria Cristina Rocha Simão é arquiteta (1983) e mestre em Geografia (2000) pela UFMG, doutoranda em
Urbanismo pelo PROURB/ UFRJ; professora efetiva do Curso de Conservação e Restauro do IFMG Campus
Ouro Preto; cristina.simao@ifmg.edu.br.
2 Henri Lefebvre, no livro O Direito à Cidade, utilizado como base para estas reflexões, trabalha com o con-
ceito de cidade como “obra”, contrastando com “produto”. Desta forma, relaciona a obra com valor de uso e
o produto com valor de troca.
3 No início do terceiro milênio foi aprovado o Estatuto da Cidade, instituto nacional que regulamenta a política
urbana, estabelecendo “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urba-
na em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”
(parágrafo único, artigo 1º, Lei nº 10257, de 10/07/2001).
4 A atuação dos intelectuais brasileiros nos movimentos modernistas e preservacionista, ambígua numa primeira
leitura, é questão debatida e estudada por muitos pesquisadores. Eduardo Jardim de Moraes (apud FONSECA,
2005, p. 90) considera que “em países de formação mais recente, como o Brasil, cuja tradição ainda estava por
construir, a adesão imediata ao novo descaracterizaria a produção artística no que ela teria de particular – o
seu caráter nacional – perdendo assim também o seu valor universal, enquanto arte.”
5 Para aprofundamento deste tema, ver FONSECA (2005), onde a trajetória da política federal de preservação
no Brasil é estudada detalhadamente.
6 Os primeiros 30 anos de atuação do instituto são assim conhecidos por refletir uma postura obstinada, uma
“devoção completa e desinteressada de uma equipe ao trabalho da instituição” (FONSECA, 2005, p.126), enca-
beçada pelo intelectual mineiro Rodrigo Melo Franco de Andrade, que o presidiu desde a fundação até 1967.
7 O Estado Democrático de Direito é estabelecido no artigo 1º da Constituição Federal de 1988: “A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa
humana”; o parágrafo único do mesmo artigo dita que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Ainda, no artigo 5º é garantido
a todos igualdade perante a lei, nos seguintes termos: “xxIII – a propriedade atenderá a sua função social;
LxxIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo (...) ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (...)”
8 Corrobora esta afirmação o artigo 1º da Carta de Washington: “Para ser eficaz, a salvaguarda das cidades e
bairros históricos deve ser parte integrante de uma política coerente de desenvolvimento econômico e social, e
ser considerada no planejamento físico-territorial e nos planos urbanos em todos os seus níveis.” (CURY, 2000,
p. 282). A Carta de Washington – Carta Internacional para a salvaguarda das cidades históricas, foi resultado
de reunião do ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, realizada em Washington em 1986.
9 Os instrumentos regulamentados pelo Estatuto da Cidade podem e devem ser usados nas situações em que
o município identificar a necessidade de intervenção, motivados pela questão social, ambiental, cultural ou
estratégica, por meio do Plano Diretor. “Nesse sentido, o Estatuto da Cidade oferece um conjunto de instrumentos
que, incorporados a avaliação dos efeitos da regulação sobre o mercado de terras, oferece ao poder público uma
maior capacidade de intervir – e não apenas normatizar e fiscalizar – o uso, a ocupação e a rentabilidade das
terras urbanas, realizando a função social da cidade e da propriedade.” (Brasil, Estatuto da Cidade, 2002, p. 62)
10 O Monumenta foi um programa estratégico do Ministério da Cultura, com financiamento do Banco Intera-
mericano de Desenvolvimento e apoio da Unesco. Objetivava garantir condições para a sustentabilidade do
patrimônio e, nos últimos anos, atuou em 26 municípios, todos possuidores de acervo tombado pelo IPHAN.
Fonte: http://www.monumenta.gov.br/site/?page_id=164; acessado em 15/08/13
11 “O PAC Cidades Históricas é uma ação intergovernamental articulada com a sociedade para preservar o
patrimônio brasileiro, valorizar nossa cultura e promover o desenvolvimento econômico e social com susten-
tabilidade e qualidade de vida para os cidadãos. (...) Ampliar a abrangência dessa estratégia de desenvolvi-
mento, para posicionar o patrimônio cultural como eixo indutor e estruturante, é o objetivo do PAC Cidades
Históricas que atuará, inicialmente, em 44 cidades, de 20 estados da federação, com a disponibilização de R$
1 bilhão de reais até 2015, em obras públicas. Outros R$ 300 milhões estão destinados a uma linha de crédito
para proprietários de imóveis de cidades tombadas pelo IPHAN.” Fonte: http://portal.iphan.gov.br/portal/
montarPaginaSecao.do?id=14926&retorno=paginaIphan; acessado em 15/08/13.
12 DIDONET (2012, p. 31) cita Rosângela Cavallazzi ao explicar que “a paisagem urbana materializa os conflitos
sociais em um processo complexo, produto da conjugação dos elementos naturais e artificiais, conceito que
participa da construção do espaço urbano com a força dos seus valores simbólicos”.
13 Os estudos de Salvador Muñoz Viñas (2003) têm sido referenciais na atualidade. Ver também a tese de
CARSALADE (2007), que apresenta uma análise detalhada do fenômeno patrimonial, sob uma abordagem
fenomenológica.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
TAC: garantia do
direito à cidade?
INTRODUÇÃO
1471
Nos casos de violação do direito à cidade, onde é explicitado conflito
entre a sociedade civil e o poder público local (Prefeitura ou Governo do
Estado, no caso de Salvador) ou a iniciativa privada, um instrumento que
pode ser utilizado para garantia desse direito, no âmbito local, é o Termo de
Ajustamento de Conduta, do qual discorreremos mais adiante, na maioria
dos casos, proposto e mediado pelo Ministério Público. Este instrumento
não está previsto no Estatuto da Cidade ou mesmo na legislação local,
porém, na maior parte dos casos comentados, foi ele o responsável por
assegurar os direitos de comunidades frágeis, do ponto de vista da proteção
dos interesses sociais e urbanísticos.
O presente artigo é, pois, um convite à discussão desse instrumento,
o TAC (instrumento/procedimento extrajudicial destinado a adequar a
conduta do descumpridor da lei), na sua utilização pelo Ministério Público
pela garantia do direito à cidade. E, como elementos para essa discussão,
trazemos à baila três exemplos de TACs utilizados para esse fim: o dos
Alfaiates da Rua da Misericórdia nº 1, o dos moradores da 7ª Etapa de
Recuperação do Centro Histórico de Salvador e o da Rede de Associações
de Saramandaia (este último aguardando finalização).
1472
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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O TAC DOS ALFAIATES
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1475
(BARROS; PUGLIESE, 2011, p. 14). Nessas condições, conforme destaca
Fernandes, os moradores deixaram o edifício com o objetivo de viabilizar
a reforma e ainda:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1477
Regulamento Operativo do Programa Monumenta, que começou a ser
implementado em 2001. Entre julho de 2001 e fevereiro de 2002 já haviam
sido pagos 1.023 auxílios relocação a uma média de R$ 1.882 por família
(SETEPLA/TECNOMETAL, 2002). Em 2003, o total de famílias indenizadas
chegava a 1.292.
Como a grande preocupação do projeto da 7ª Etapa era a sua susten-
tabilidade14 econômica, financeira e institucional, e esse era o critério
para caracterizá-lo como bem sucedido ou não, a justificativa para a
necessidade de substituição da população era a sua incapacidade de pa-
gamento das prestações das moradias a serem habilitadas na área e sua
subseqüente manutenção.
Dando seguimento ao projeto, em abril de 2002 é publicado o decreto
de desapropriação dos imóveis privados da área da 7ª Etapa15, mesmo
com 698 moradores ainda residindo no local. Essas pessoas se recusa-
ram a deixar seus imóveis, não aceitaram receber os auxílios-relocação
nem as ofertas de reassentamento oferecidos pela CONDER e resolveram
lutar pela sua permanência na área. A intenção do Estado era agilizar o
andamento do projeto e, em poder da imissão de posse, ter respaldo legal
para expulsar os moradores da área.
Esse é o contexto para a criação da Associação dos Moradores e Ami-
gos do Centro Histórico (AMACH), formalizada em 3 de julho de 2002. A
partir de então, uma série de ações é iniciada pela AMACH no sentido de
impedir a expulsão dessa população, entre elas a ação civil pública (n.
38.148-7/2002) ajuizada pelo Ministério Público, com pedido de ordem de
liminar contra o governo do Estado e a Conder, com o objetivo de barrar
o processo de relocação, por ele classificado como de assepsia social.
Assim, a negociação, intermediada pelo Ministério Público da Bahia, en-
volvia a AMACH, o Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria de
Desenvolvimento Urbano (SEDUR) e da CONDER e o Ministério da Cultura.
Esse processo de negociação resultou na criação de um Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) em 1º de junho de 2005, firmado entre a
AMACH, a CONDER, o MinC, com a mediação do Ministério Público da
1478
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1479
O TAC, além da garantia da permanência das famílias, objetivo maior
do acordo, ainda compromete as partes envolvidas a viabilizar: a reloca-
ção provisória dos moradores durante o tempo de execução das obras,
a discussão do projeto de recuperação da 7ª Etapa com os moradores
visando à compatibilização das unidades à composição das famílias, a
instalação da sede da associação na área, a contratação de mão-de-obra
local. No caso de descumprimento de alguma das cláusulas do TAC, o
compromissado infrator será obrigado a pagar multa diária de mil reais,
enquanto durar a irregularidade. Ficou ainda instituído um Comitê Gestor,
responsável pelo controle social do processo. Definido como “instância
participativa efetiva da comunidade no projeto” (TAC, 2005, p. 2), o Comitê
tem por objetivo a análise e deliberação sobre as solicitações realizadas
pelas famílias cadastradas e possui um representante de cada entidade
a seguir citada: CONDER, Secretaria de Combate à Pobreza do Estado da
Bahia, SEDUR, AMACH, do CEAS, Universidade Estadual de Feira de San-
tana e Cooperação para o Desenvolvimento da Morada Humana – CDM.
O que se viu, no entanto, foi um grande atraso nas obras dos imó-
veis de habitação de interesse social, chegando-se ao ponto de, como
destaca Mourad,
1480
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
As obras na 7ª Etapa se estendem há tanto tempo (já são sete anos) que
já nem é possível mensurar o desgaste da população e do próprio Estado
nesse processo. 68 famílias ainda vivem em imóveis alugados, muitos em
condições igualmente precárias às que viviam antes de serem relocados.
Pró Cida conta que os moradores já passaram e continuam passando por
situações constrangedoras com os freqüentes atrasos no pagamento dos
aluguéis dos imóveis onde vivem, compromisso da CONDER no TAC até
quando durarem as obras e os moradores possam ocupar seus aparta-
mentos definitivamente.
O TAC DE SARAMANDAIA
1481
a serviços e infraestuturas básicas como água, esgotamento sanitário,
coleta de lixo, saúde e educação é bastante precário. Agravante dessa
situação, parte da ocupação encontra-se abaixo da rede de transmissão
de energia elétrica de alta voltagem da Companhia Hidro Elétrica do São
Francisco, área non aedificandi definida por lei. Por esses motivos, o Bairro
é definido como Zona Especial de Interesse Social pelo Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano desde 2008.
1482
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1483
(ainda não assinado até o presente momento) firmado com a JHSF, além
das medidas mitigadoras da mobilidade urbana, de permeabilidade social
e integração espacial e de conforto urbano ambiental para o entorno da
área (com destaque às medidas específicas ao bairro de Saramandaia): a
requalificação do largo contíguo à Escola Marisa Baqueiro Costa, um curso
de capacitação profissional / lideranças comunitárias e educação am-
biental para mil pessoas (incluindo, além dos moradores de Saramandaia,
moradores de Pernambués) e a implantação de uma quadra poliesportiva
em área de 500 m2 no bairro de Saramandaia.
Uma cláusula penal desse termo garantirá que o descumprimento com-
provado das cláusulas do TAC aditivo acarretará no pagamento de multa
no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia útil de descumprimento.
1484
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1485
A praça é classificada como bem de uso comum do povo pelo atual
Código Civil, o que implica a sua afetação como bem público. Essa des-
tinação pública de uso implica a inalienabilidade, imprescritibilidade,
impenhorabilidade e não-oneração da praça. Caso haja sua utilização por
particulares a sua finalidade pública deveria permanecer.
Contudo, esses pressupostos não foram observados na Praça de On-
dina, desde que a Prefeitura, através da Superintendência de Controle e
Ordenamento do Controle e Uso do Solo (SUCOM), concedeu sua utili-
zação para a instalação de camarote de carnaval pela empresa Premium
Produções no contrato referido.
O fato de parte da área da praça integrar o patrimônio da União, exigia
ainda uma prévia cessão da área federal ao Município, que não foi ob-
servada. Soma-se ainda a esse conjunto de ilegalidades e irregularidades
a inexistência de licitação regular que legitimasse a outorga de área à
empresa Premium.
Além da ilegalidade em ceder um bem de uso comum do povo para
exploração comercial, através de sua utilização como camarote, destaca-
-se que essa é uma das poucas praças do bairro de Ondina19, fato que por
si já enseja um uso mais democratizado da mesma.
O Plano Diretor de Salvador (Lei No 7.400/2008) estabelece que a praça
é uma das modalidades de Espaço Aberto Urbanizado (EAU), definido como
área pública urbanizada destinada ao convívio social, ao lazer, à prática de
esportes e à recreação ativa ou contemplativa da população (Art. 241, §2°).
Porém, as funções de uma Praça vão muito além dessa definição oficial.
Enquanto elemento de urbanização, a praça é um espaço público comum
de convivência, que deveria contar com ampla acessibilidade, permitindo a
fruição, o encontro e ou a troca entre os seus diferentes usuários. A praça
é ao mesmo tempo espaço cívico, de lazer, de esportes, mas também de
manifestações culturais e políticas.
Neste sentido, considerando o contexto de uma manifestação cultural
tão popular, como o carnaval de Salvador, a Praça de Ondina deveria, estar
sendo pensada em termos de qualificação da programação do carnaval,
1486
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÕES
1487
nº 1 sem que seu direto conquistado em termo seja efetivado. Na 7ª Etapa,
as obras se arrastam, atrasando a entrega dos apartamentos aos seus be-
neficiários, fragilizando a AMACH e as relações sociais do lugar. No caso
do TAC de Saramandaia, apesar de ainda não se registrar a extrapolação
dos prazos instituídos para a execução das medidas compensatórias e de
reversão de impactos pelo empreendimento Horto Bela Vista, também
não há sinal de que tais medidas estejam em curso de implementação.
O TAC é instrumento importante na garantia do direito à cidade, po-
rém, não o efetiva, quando não leva a cabo a execução das suas cláusu-
las penais. A cobrança das multas garantidas nesses termos poderia ser
o impulso necessário ao Estado (nos casos dos Alfaiates e da 7ª Etapa)
para dar celeridade às obras e ao cumprimento das demais cláusulas
dos termos. Verificamos, nesses casos, que o TAC não prevalece sobre a
incompetência e inoperância do Estado, nem tampouco se impõe a ele.
Assim, o TAC, esse instrumento utilizado para evitar a judicialização dos
processos e sua característica morosidade (face a lentidão dos processos
judiciais hoje na Bahia), não têm servido como procedimento de garantia
amigável e célere dos direitos.
Na experiência dos três primeiros TACs nota-se um descompasso entre
a garantia de direitos que esses instrumentos se propõem a instaurar e a
efetividade de tais direitos, que não chegam a ganhar materialidade. Já o
caso do TAC estabelecido devido à ocupação da Praça de Ondina por um
camarote, a situação é extremamente controversa, na medida em que é
proposto um ajustamento de conduta que regulariza uma situação eivada
de ilegalidades e que viola o direito à cidade, através da privatização de
um bem de uso comum do povo. Trata-se de uma guinada conservadora
na utilização do TAC.
Estas experiências evidenciam que o TAC enquanto um instrumento,
não garante por si mesmo avanços sociais e políticos, colocada a pers-
pectiva do direito à cidade. Seus sentidos são constituídos e disputado no
curso da ação social, em torno de diferentes, e frequentemente divergentes
interesses, conforme os agentes envolvidos.
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A ação, embora possa provir do nada, por assim dizer, atua sobre
um meio no qual toda reação se converte em reação em cadeia,
e todo processo é causa de novos processos. Como a ação atua
sobre seres que também são capazes de agir, a reação, além de
ser uma resposta, é sempre uma nova ação com poder próprio
de atingir e afetar os outros. Assim, a ação e a reação jamais
se restringem, entre os homens, a um círculo fechado, e jamais
podemos, com segurança, limitá-la a dois parceiros. (ARENDT,
2007, p. 203)
1489
penaliza pecuniariamente os infratores da lei. Para o caso do desvirtua-
mento da perspectiva do direito à cidade no TAC relacionado à ocupação
da Praça de Ondina pelo Camarote Salvador, a intensificação da mobili-
zação da sociedade na cobrança do seu cumprimento podem contribuir
para a ruptura no caminho de descrédito que esse instrumento parece
trilhar nos dias atuais.
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1490
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1491
10 Informação retirada da página virtual do Ministério Público Federal <http://www.pgr.mpf.gov.br/conheca-
-o-mpf/sobre-a-instituicao/atuacao-na-area-civel/?searchterm=TAC>, em 10 de agosto de 2012.
11 “Documento da CONDER, já em janeiro de 1992, explicita o caminho da realização do projeto em direção a
uma solução pelo mercado, que resolveria, sem comoção social, o problema da vizinhança indesejável. O uso
habitacional para qualquer faixa de renda estava praticamente excluído do projeto” (FERNANDES, 2006, p. 15).
12 Os domicílios existentes no imóvel eram chefiados por 07 alfaiates, 01 auxiliar de alfaiate, 01 comerciante,
01 doméstica, 02 vendedoras, 01 ambulante, 01 cozinheiro e 01 garçom (FERNANDES, 2006).
13 O deputado em questão era Zilton Rocha (PT).
14 “Por recuperação sustentável entende-se a execução de obras de conservação e restauro e de medidas
econômicas, institucionais e educativas, para ampliar o retorno econômico e social dos investimentos do
programa, aplicando-os em sua conservação permanente” (SETEPLA/TECNOMETAL, maio de 2002).
15 Decreto n. 8218/02.
16 Embora as unidades sejam subsidiadas, será cobrada uma taxa proporcional ao rendimento de cada família
pelo prazo de dez anos.
17 A Caixa Econômica Federal foi o agente financeiro responsável pela operacionalização dos financiamentos.
18 Aqui cabe um parênteses acerca do empreendimento Camarote Salvador: é o camarote de acesso mais
caro no carnaval, com os preços dos ingressos variando entre R$ 900 e R$ 2.900 nos seis dias da festa. Se
fizermos a conta considerando a média dos valores dos ingressos multiplicados pelo número de “associados”,
temos uma arrecadação mínima de ingressos de R$ 6 milhões, isso sem contar os valores dos patrocínio que
o camarote recebeu.
19 De acordo com informações do Sistema Cartográfico e Cadastral do Município do Salvador (SICAD), a Praça
de Ondina, denominada oficialmente de Praça Luiz Sande, é a única que integra a relação de logradouros
públicos dessa localidade (ver Mapa Digital de Salvador, disponível em <http://www.mapadigital.salvador.
ba.gov.br/src/php/app.php>. Acesso, jul, 2013).
1492
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1493
zação e manifestação, na busca da transparência sobre os destinos das
cidades e, consequentemente, dos cidadãos. Esses novos modos, aqui
referem-se, principalmente, às redes sociais existentes na internet.
Esse é o foco do texto, que procura trazer, a partir de uma experiência
na cidade do Recife, o relato de um processo democrático, na aprovação
de um empreendimento de impacto na cidade, mostrando as tensões e
conflitos e os atores que o protagonizaram: o executivo (Prefeitura do Re-
cife - PR); o judiciário (Tribunal de Justiça de Pernambuco – TJPE; a Justiça
Federal, em Pernambuco – TRF 5), o Ministério Público Estadual e Federal;
o Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU (órgão, vinculado à Prefei-
tura, de representação paritária entre o poder público e a sociedade civil),
e a sociedade civil, abrigada nas redes sociais da internet, notadamente,
o movimento Direitos Urbanos – DU. O relato baseia-se em documentos
obtidos na internet - nas páginas dos órgãos oficiais e nas redes sociais
nela abrigadas.
No século xIx, sociedade civil foi uma expressão adotada por Hegel,
em 1821 , na sua obra Filosofia do Direito, para a sociedade natural ou
sociedade pré-política, ao contrário dos filósofos precedentes a ele, que
consideravam a sociedade civil como a sociedade política. Esta sociedade
deveria ser regulada, dominada e anulada na ordem superior do Estado.
Em Engels esta situação se inverte: a sociedade civil, onde se processam
as relações econômicas, é o elemento decisivo; o Estado, a ordem política,
é o elemento subordinado. A sociedade civil se confunde, na perspectiva
de Engels e Marx, com a estrutura ou a base material, cuja antítese é a
superestrutura (o político-jurídico e ideológico) ou a antítese Socieda-
de Civil/Estado; em Marx a sociedade civil congrega a luta de classes.
Gramsci entende a sociedade civil de outra forma, estabelecendo uma
terceira antítese, na medida em que coloca dois planos superestruturais:
sociedade civil e sociedade política, sendo que o primeiro refere-se aos
1494
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1495
democrática na sociedade, fruto da crise da democracia representativa,
com o surgimento de novos movimentos sociais e de novos sujeitos sociais.
Gohn apresenta três formas de compreensão de sociedade civil. A
primeira corresponde à forma pós-medieval, pós-hobbesiana, tratada
por Locke, Rousseau, Hegel, até Tocqueville, em que a sociedade civil
abrangia uma série de instituições fora do Estado, incluindo o mercado
capitalista, associações e organizações públicas e privadas. A segunda
corresponde às teorias de Marx e seus seguidores, na qual as atenções
se concentram no Estado, refluindo a importância da sociedade civil e da
participação democrática, em favor de discussões sobre lutas de classe e
pobreza, nas ciências sociais. A terceira forma corresponde ao retorno às
teorias democráticas, em função de mudanças que estavam ocorrendo no
mundo, na busca pela democratização; nesta, a sociedade civil passa a
ser compreendida não “apenas como espaço para ações individuais, mas
ela deve construir um senso coletivo de obrigações sociais, de responsa-
bilidade social que declinaram na segunda etapa”8.
Essa terceira forma de sociedade civil se constrói no contexto da ex-
pansão da cultura democrática ocorrida na América do Sul e leste europeu,
que se fez junto com o crescimento e o fortalecimento das respectivas
sociedades civis nacionais. Essa época, final dos anos 60 e a década de
70, corresponde a um período em que ocorrem profundas transformações
na sociedade, do ponto de vista econômico, político e cultural. Do ponto
de vista econômico coloca-se esse período como a crise do fordismo e
passagem para o chamado modelo da acumulação flexível, quando se
apresentara a crise do Estado, chamado de Estado do bem-estar social
ou Estado-providência.
No contexto da crise do Estado do bem estar e da oposição ao sistema
político existente no leste europeu, na América Latina e, em particular no
Brasil, alguns autores, como Avritzer9 apresentam este processo como
o nascimento da sociedade civil, já que nos períodos anteriores esta era
caracterizada pela falta de autonomia em relação ao Estado. A concepção
de sociedade civil é a que a reconhece em sua heterogeneidade, que de-
1496
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1497
de da sociedade civil, por exigência legal. Neles, apresenta-se um desafio:
“construir mecanismos capazes de minorar os efeitos das desigualdades
sociais no interior dos processos deliberativos, de forma a permitir que a
construção dos acordos não esteja sujeita à influência de fatores endóge-
nos como o poder, a riqueza e as desigualdades pré-existentes”14. Esses
conselhos apresentam uma característica assumida pelos movimentos
sociais, na busca da participação cidadã – a institucionalização, entendida
como a vinculação desse processo à estrutura governamental.
Esses espaços democráticos, conquistados no processo constituinte,
são responsáveis pela ampliação da esfera pública, ampliação que, se-
gundo Gohn15 , tem três origens: a conquista de espaços na constituição,
pela pressão da sociedade civil organizada; as determinações constitucio-
nais sobre a participação institucionalizada e, desenvolvimento de novas
redes de atuação na questão social, pelo terceiro setor, em parceria com
as políticas públicas. A autora destaca que esses espaços são locais para
os cidadãos exercerem a fiscalização sobre o governo eleito e neles, a
participação cidadã tem ocorrido num contexto de tensões e conflitos, de
explicitação de interesses, onde há, por um lado, a busca da democratiza-
ção, maior acesso às informações e igualdade de participação, por outro,
há a tentativa de destacar apenas as obrigações, os deveres dos cidadãos.
2. A AMPLIAÇÃO DA DEMOCRACIA
1498
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1499
das políticas públicas, através do diálogo, da negociação de conflitos,
do compartilhamento do poder e, ainda, uma maior eficácia e eficiência
administrativa. Mas, mesmo com os referidos limites, “os conselhos não
podem ser vistos como substitutos da democracia representativa nem
como braços auxiliares do executivo, nem como substitutos da participa-
ção popular em geral.” 19
Para além dos conselhos, outros canais de ampliação da democracia
tem surgido, como fóruns e conferências de políticas públicas. Há, no
entanto, um novo modelo de participação, que busca a transparência na
ação pública: são as redes sociais na internet. Segundo Lemos20
Esse autor afirma que “para além das formas de participação amplia-
das, acredito que a tecnologia abre o caminho para o compartilhamento
de responsabilidades pela tomada de decisões políticas”.
Castells21 coloca que os usos de CMC(comunicação mediada por
computador) já alcançam toda esfera de atividades sociais: telebanco;
compras on-line; o ensino universitário à distância; as comunicações
pessoais por correio eletrônico; o sexo e a política. No caso da política, o
autor observa que é crescente o uso do correio eletrônico para difundir
a propaganda política e a criação de sites para divulgar promessas. Em
relação ao tema deste trabalho, a democracia, o autor ainda expõe que
esta tem sido influenciada por experimentos de participação eletrônica
dos cidadãos, citando os exemplos da Cidade Digital de Amsterdã, criada
na década de 1990; de Seattle e outras cidades dos Estados Unidos, que
construíram “redes comunitárias com a finalidade de fornecer informações,
incentivar o debate entre os cidadãos e reafirmar o controle democrático
sobre questões ambientais e política local.”
Gohn22 , tratando dos movimentos sociais na atualidade, no Brasil
1500
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CASTELLS24 afirma
1501
3. A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE
NO PROJETO NOVO RECIFE
1502
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1503
Como de praxe, inicialmente, haveria uma apresentação do projeto,
feito pelo requerente, mas, no início da reunião, o Ministério Público
(que não tem assento no conselho) pediu a palavra para informar que
tramitava nas promotorias, estadual e federal, um inquérito civil que trata
exatamente desse processo.
1504
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1505
cício da função, e o movimento Direitos Urbanos – DU, que se utilizando
da internet e das redes sociais, criou um site e um grupo no facebook. As
informações que subsidiam este texto, foram, então, obtidas na web, no
referido site, e no mural do grupo e da promotora, no Facebook. A autora
havia aderido ao grupo, anteriormente, o que veio a facilitar a obtenção
de informações; quanto ao mural da promotora, ele é visível para todos,
mas só permite postagens de amigos por ela adicionados.
A promotora do MPPE publicou:
1506
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1507
O projeto Novo Recife levantou o interesse sobre os destinos da cidade.
Segundo o DU, vários movimentos organizados participam do debate:
movimentos como o SOS Corpo, o Centro D. Hélder Câmara,o IAB - PE, o
Conselho de Arquitetura e Urbanismo, os Comitês Populares da Copa, a
Associação Caranguejo Uçá da Ilha de Deus e as associações de morado-
res do Coque, além de especialistas, professores universitários e políticos.
Durante uma audiência no legislativo, foi entregue uma petição on-line
com mais de 1,6 mil assinaturas, o que mostra a capacidade de mobiliza-
ção que os movimentos têm, com o uso da internet. A jornalista Mariana
Moreira que entregou a petição, afirmou: “Conseguimos essa mobilização
em uma semana e, se for preciso, nos vamos às ruas. Isso é só o começo”30
Na tentativa de ampliar a participação e influenciar nas decisões,
o DU entregou um carta à Prefeitura, solicitando a transferência, para
um auditório, da reunião extraordinária do CDU, a ser realizada no dia
30/11/2012, já que a sala do Conselho não comporta um número maior
de observadores. O pedido não foi atendido e houve tumulto, do lado
de fora da reunião, com a presença da guarda municipal, para conter
os manifestantes. O DU havia organizado, via Facebook, o movimento
#Ocupe12oAndarDaPrefeituraAs9DaManhaDoDia30! Na véspera, o evento
tinha mais de 600 confirmações.
Em 19/12/2012, dois integrantes do grupo DU entraram com Ação
Popular com pedido de liminar à 7ª Vara da Fazenda Pública do Recife,
pedindo a nulidade de todos os atos praticados, em relação ao processo
e suspensão da reunião do CDU, marcada para o dia 21/12/2012. No dia
da reunião, o grupo obteve decisão favorável, o que significou a suspen-
são da reunião do CDU, já iniciada. Uma nova reunião foi marcada para
o dia 28/12/12.
Em 27/12/2012, o DU entra com uma 2ª Ação Popular propondo a
nulidade dos atos que viessem a ser praticados até que se regularizasse
a composição do CDU e, ainda, a suspensão da nova reunião marcada
para o dia 28/12/2012. O Juízo de Plantão concedeu parecer favorável,
na mesma data. Ao mesmo tempo , os empresários entram com Ação de
1508
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1509
mações à Prefeitura do Recife e realizou duas audiências com os órgãos
da Prefeitura, IPHAN, Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de
Pernambuco e os empreendedores. Já em maio de 2012, realizou mais
duas audiências com os órgãos da Prefeitura. Em 2012, também foram
realizadas mais três audiências, com a presença da Prefeitura, Agência
CONDEPE/FIDEM e empreendedores.
Em 17/12/2012, depois de ter tentado influenciar, sem sucesso, a
reunião, com o argumento que o conselho estava ferindo a lei, já que a
paridade não estava sendo respeitada, o MPPE propôs uma Ação Civil
Pública, solicitando a nulidade dos processos referentes aos projetos ar-
quitetônicos do empreendimento imobiliário Novo Recife, sob a alegação
de o processo ser incompleto, não tendo a análise de órgãos de outros
níveis de governo, como FUNDARPE, Agência CONDEPE/FIDEM, DNIT e
IPHAN.O projeto foi analisado a provado na reunião do Conselho, do dia
28/12/2012. Após a aprovação do processo, o MPPE solicita a suspensão
dos processos administrativos, que é concedida, em 20/02/2013, pelo
TJPE; esta decisão foi revogada em 27/03/2013.
A polêmica não ficou restrita ao âmbito da justiça estadual. Em
06/02/2013, o Ministério Público Federal em Pernambuco propõe uma
Ação Civil Pública, com pedido de liminar, contra empresários, Prefeitura
e IPHAN, e suspensão da decisão do CDU e paralisação da demolição dos
galpões. A Justiça Federal em primeira instância suspende a decisão do
CDU, em 26/02. Na mesma data é realizada uma audiência no TRF 5, com
o Ministério Público Federal, Prefeitura, IPHAN e empreendedores. O TRF
5 suspende a liminar concedida pela primeira instância, em 15/03/2013.
Em 22 de março, o MPF apresenta Agravo Inominado, solicitando recur-
so da decisão, a fim de restaurar a eficácia da liminar objeto do pedido e
suspensão de sua execução. Em 08/05/2013, o pleno do TRF 5, nega o
recurso e mantém a suspensão da liminar. Em 05/08/2013, o Procurador
Regional da República contesta a decisão do pleno do TRF 5 por meio
de Embargo de Declaração nº 12311/2013. Quer dizer, o processo ainda
tramita na justiça.
1510
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÃO
1511
ampliar, efetivamente, a democratização da gestão pública. No caso em
questão, mesmo sem ter conseguido(ainda) alcançar os resultados que
pretendia, o povo mostrou que está atento sobre os destinos da cidade,
que sabe se mobilizar, se posicionar e usar os recursos que dispõe. Isto
tudo faz parte do aprendizado de viver e exercer a democracia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1512
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1513
20 http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_canal=41&cod_noticia=18864, Acesso
em 02/05/2013
21 CASTELLS (2012, p. 448
22 GONH, 2011, Pp.336
23
24 CASTELLS, 2012: 443
25 CASTELS, 2012:440.
26 http://direitosurbanos.wordpress.com/about/
27 (http://direitosurbanos.wordpress.com/about/)
28 CARNEIRO, 2012, p.7
29 Harvey, 2012, p. 61
30 http://direitosurbanos.wordpress.com/about/
31 http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/noticias/2013/01/11/vizinhos_do_novo_recife_morado-
res_do_coque_desconhecem_o_projeto_144278.php. Acesso em 20/05/2013
32 CARVALHO; LEITÃO. 2010: 405
1514
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Valéria Pinheiro1
INTRODUÇÃO
1515
Neste meio tempo, em 2007, o Brasil é escolhido como sede da Copa
2014 (sendo, em 2009, também selecionado para receber as Olimpíadas
2016). Houve uma euforia da população e de setores econômicos que
já vinham sendo beneficiados com as políticas urbanas federais. Estes
anúncios dos megaeventos no país parecem prenunciar a consolida-
ção de um modelo de planejamento urbano baseado na realização de
grandes projetos, com a perspectiva de atrair enormes investimentos e
promover significativas mudanças nas cidades (OLIVEIRA, 2012; ROLNIK
& RIBEIRO 2012).
Fortaleza foi uma das 10 cidades brasileiras escolhidas como sedes da
Copa de 2014. Nas cidades-sede, sob o argumento de modernizar suas in-
fraestruturas e promovê-las mundialmente, tem-se presenciado processos
de violações de direitos e de desrespeito a pactos firmados em espaços
institucionais de discussão sobre a cidade. Isso pode ser constatado em
documentos de denúncias elaborados por entidades da sociedade civil,
como é o caso do dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no
Brasil2 e de recomendações feitas pela Relatoria Especial da Organização
das Nações Unidas (ONU) para o Direito a Moradia3.
Viu-se então surgir local e nacionalmente reações a este modelo de
intervenção urbana. Surgiram novas articulações e movimentos urbanos
tradicionais incorporaram o tema dos megaeventos nas suas agendas.
Estamos diante de um contexto que levanta a hipótese de que as formas
de lutas sociais urbanas em Fortaleza, notadamente a partir do da luta
por um plano diretor participativo, efetivaram mudanças nas estruturas e
redes, nos significados atribuídos e nos equilíbrios e correlações de força.
1516
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1517
Nacionalmente, o momento pós-abertura é de construção de uma
nova Constituição Federal. Até então, os interlocutores dos processos de
planejamento e regulação do solo eram os setores empresariais que têm
o crescimento urbano como negócio principal (loteadores, construtores,
incorporadores, consultoria), a tecnoburocracia do setor público e agentes
políticos (vereadores e gestores municipais).
Então é neste período que convencionou-se considerar o (re)surgimen-
to6 do Movimento de Reforma Urbana (como um conjunto enunciado de
conceitos e propostas, vinculados a uma articulação de sujeitos políticos
organizados e unificados), cuja articulação adquiriu visibilidade quando
da proposição da emenda popular da reforma urbana, que obteve 200 mil
assinaturas e foi apresentada à Assembléia Nacional Constituinte.
O Movimento de Reforma Urbana torna-se Fórum Nacional de Reforma
Urbana (FNRU) em 1987, sendo composto por diversos segmentos inte-
ressados no debate e proposição sobre as cidades brasileiras, tais como:
movimentos populares, organizações não governamentais, entidades
acadêmicas e de pesquisa e entidades profissionais.
Villaça (1999) demarca este período como importante para o planeja-
mento urbano, que até então, era despolitizado. Com os primeiros debates
públicos sobre o uso do espaço urbano entre os diversos segmentos, os
interesses vinculados a este mesmo espaço foram explicitados.
A atuação do FNRU também concretiza-se no plano local, com a cons-
tituição de fóruns regionais, estaduais e municipais de Reforma Urbana,
com tempos de fundação e características que variavam de acordo com
o contexto local.
E isso nos remete de volta à Fortaleza, cujos agentes da luta pelo direito
à cidade encontraram, nesse período, no discurso do campo da reforma
urbana identidade e convergência e terão atuação destacada no âmbito
do poder local.
Os anos 90 trazem um agravamento das condições de precariedade
na periferia da cidade. Mas nesta década cabe ressaltar, para fins dessa
análise, o surgimento de várias entidades mediadoras (surgimento ou a
1518
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1519
mover a gestão democrática da cidade e a reforma urbana, monitorando
e influenciando as políticas públicas de habitação e meio ambiente por
meio de uma atuação conjunta com os movimentos sociais e populares
na luta pela efetivação do direito à cidade” (NUHAB, Folder Construindo
uma cidade de tod@s, 2003).
Composto por movimentos populares de luta pela moradia (que tinham
representação nacional no FNRU – FBFF, CMP, MCH, MLB), ONGs (CDVHS,
CEARAH Periferia, Centro Socorro Abreu, as duas primeiras filiadas ao
FNRU), pastorais sociais (Cáritas e CEBs), projetos universitários de asses-
soria jurídica popular (CAJU, NAJUC, SAJU), escritório de Direitos Humanos
(EFTA), o NUHAB foi o ator político de mais destaque na luta pelo direito
à cidade em Fortaleza durante a década de 20008.
Pretende-se citar o caso da revisão do Plano Diretor pois esta foi a
principal atuação das entidades do campo da reforma urbana nesta década
e como a concretização de vários avanços estabelecidos na lei federal
de desenvolvimento urbano dependem fundamentalmente do Plano Di-
retor, a sua revisão foi vista pelo NUHAB como uma ótima oportunidade
de explicitar os conflitos urbanos e disputar um outro modelo de cidade.
Desde o início do processo de revisão do PDDU ocorreram questiona-
mentos por parte de entidades da sociedade civil, pelo falta de diagnóstico,
pela equipe responsável, pela falta de participação popular.
Nos quase oito anos em que se desenrolou o processo, milhares de
pessoas participaram de eventos ligados à revisão do plano diretor, sejam
promovidos pela Prefeitura, Câmara, ou organizados pela sociedade civil.
Apostando na oportunidade da difusão do tema do Direito a Cidade e
tentando tornar possível a centralidade deste nas diversas lutas empre-
endidas em Fortaleza, diante da omissão da prefeitura em promover as
discussões públicas sobre a proposta de legislação urbanística que estava
sendo elaborada, é o NUHAB que passa a promover debates sobre o Plano
e o Estatuto da Cidade em algumas comunidades, na universidade e junto
a outros fóruns e redes.
Assim o tema da participação popular ganha centralidade e polariza os
1520
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1521
revisão da lei municipal de desenvolvimento urbano que movimentou o
debate sobre “a cidade que temos e a cidade que queremos”. E, apesar
de altos e baixos9, houve em todos estes anos a afirmação do campo
da reforma urbana – representado pelo NUHAB - como mediador/arti-
culador dos movimentos sociais urbanos em torno do eixo da luta pelo
direito a cidade.
E o que fica depois disso, em termos de continuidade das práticas
democráticas? Segundo opina Machado,
1522
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1523
vislumbra o grande impacto sobre a estruturação das cidades e o alinha-
mento do Estado com os interesses do capital, desconhecendo as práticas
de planejamento urbano.
Tão ou mais grave que esta verdadeira farra privada com recursos
públicos é a instauração progressiva do que vem sendo qualifi-
cado como cidade de exceção. Decretos, medidas provisórias, leis
votadas ao arrepio da lei e longe do olhar dos cidadãos, assim
como um emaranhado de sub-legislação composto de infinitas
portarias e resoluções constroem uma institucionalidade de ex-
ceção. Nesta imposição da norma ad hoc, viola-se abertamente
o princípio da impessoalidade, universalidade e publicidade da
lei dos atos da administração pública. Interesses privados são
favorecidos por isenções e favores, feitos em detrimento do
interesse público. Empresas privadas nacionais e internacionais
submetem a nação e as cidades a seus caprichos - melhor dizer,
interesses. Nestas operações, que a linguagem oficial chama de
parcerias público-privadas, o público, como é sabido, fica com
os custos e o privado com os benefícios. Afinal de contas, os
promotores dos mega-eventos falam de esporte mas tratam de
negócios. (Dossiê Megaeventos e Violação de Direitos Humanos
no Brasil, 2011, p. 7)10
1524
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1525
Direcionando o olhar para a cidade de Fortaleza, todos esses problemas
têm sido constatados e replicados.
A partir dos embates no longo processo da revisão do plano diretor, se
conclui que as lutas empreendidas não se materializaram em mudanças
efetivas na institucionalidade, em forma de avanços legislativos, projetos
e espaços de gestão democrática. O tão aclamado pacto pela cidade não
ocorreu e, ao fim do processo, houve inclusive uma inflexão nas práticas
de transparência e controle social.
O início da preparação da cidade para a Copa 2014 – e as ameaças ao
direito à cidade advindos dela - encontra então os movimentos sociais
urbanos desgastados entre si, além de desacreditados da gestão municipal.
Mas a ameaça ao direito à cidade das pessoas é agravada nesse contexto
de megaeventos.
Isso nos leva então a perceber as perspectivas de surgimento de novas
articulações (ou reconfiguração das existentes), na busca por ampliação
do seu poder no espaço social, discorrendo sobre a capacidade dos movi-
mentos comporem uma base mais ampla para fazer frente ao acirramento
das violações de direito contemporâneas.
O que já se pode constatar em Fortaleza é a existência de dois atores
políticos centrais nessa luta: o Comitê Popular da Copa e o Movimento
de Luta em Defesa da Moradia. Ambos têm como principal bandeira a
defesa das comunidades ameaçadas de remoção por conta dos projetos
da Copa 2014, mas também pautam questões relacionadas à trabalho
formal e informal, exploração sexual, falta de transparência, aumento da
dívida pública, legislações de exceção... Desde 2010, com destaque para o
Comitê, têm obtido importantes vitórias na proteção do direito à moradia
de centenas de moradores e na visibilização das críticas à falsa promessa
de progresso e desenvolvimento que o megaevento traria para a cidade.
Tais articulações são compostas por pessoas e entidades que sem dúvida
encontram referência no espaço de debate promovido pelo campo popular
quando da revisão do Plano Diretor. Mas há pouca ou nenhuma referência
ao campo da reforma urbana, como costuma-se conhece-lo.
1526
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
1527
bana no Ministério das Cidades (2003-2010), 2013. Tese (Doutorado em
Ciências Sociais) Universidade Estadual de Campinas. São Paulo, 2013.
VILLAÇA, F. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil.
In Déak, C. e Schiffer, S. R. (orgs.). O processo de urbanização no Brasil. São
Paulo: Fupam/Edusp, 1999.
NOTAS
1 Bacharel em Direito pela UFC/CE, especialista em Gestão de Projetos Sociais pela UNIFOR e Mestranda em
Planejamento e Regional pelo IPPUR/UFRJ; pacienciarevolucionaria@gmail.com
2 Elaborado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares (ANCOP), reúne informações sobre impactos
de obras e transformações urbanas realizadas para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016.
3 Como exemplo: Resolução13/2010 sobre megaeventos e direito à moradia, disponível em http://direitoa-
moradia.org/?page_id=1200&lang=pt, acessado em 03 de março de 2013.
4 De acordo com os estudos do IBGE sobre as Regiões de Influência de Cidades (2007).
5 A capital cearense foi apontada como a quinta cidade mais desigual do mundo, de acordo com o relatório
State of the World’s Cities 2012/2013 (ONU)
6 Discursos e ações da sociedade civil para reivindicação da solução de problemas urbanos já aconteciam
nacionalmente desde a década de 60, mas giravam preponderantemente em torno do tema da moradia strictu
sensu. Quando se considera o surgimento do movimento de reforma urbana apenas no fim dos anos 80 é
dessa perspectiva de uma articulação com um perfil mais estruturado de críticas e propostas para as cidades.
7 Exemplos de mediadores: ONGs, partidos políticos, Igrejas...
8 Outras entidades fizeram parte do NUHAB em algum momento, como a ONG Oficina do Futuro e o Civita (proje-
to de extensão da Arquitetura UFC), mas as listadas acima foram as que mais duraram e atuaram enquanto rede.
9 Notadamente a partir de 2007 a mobilização perdeu dinamicidade, principalmente pela longa duração do
processo e pelo cansaço das pessoas das comunidades que não conseguiam mais convencer os moradores a
participar das atividades, pois estes não viam resultados. Além disso, as lideranças comunitárias mais ligadas
à rede eram as mesmas que acompanhavam outras discussões puxadas pela gestão, como o Projeto Orla,
Orçamento Participativo, as diversas conferências, o que causou um acúmulo de demandas para as mesmas.
A imprensa também passou a não dar mais muito espaço para o assunto.
10 Elaborado pela Articulação Nacional dos Comitês da Copa (ANCOP), que tem representações nas doze
cidades-sede.
11 Em reportagem à Revista Caros Amigos, Maricato trata ironicamente deste viés: “Há um conceito popular de
que verticalização, especulação imobiliária, valorização do preço da terra e dos imóveis é progresso” (Revista
Caros Amigos, janeiro de 2013)
1528
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Experiências de participação
popular nas contradições de um
ensaio democrático: mesas técnicas
de água e comitês de terra urbana
na Venezuela
Flávio Higuchi Hirao1
1. INTRODUÇÃO
1529
Este artigo pretende colocar em relevo esta complexidade, por meio do
exemplo de práticas e propostas relacionadas à democracia participativa
e protagônica durante as gestões de Chávez de 1999 a 2013. Serão apre-
sentadas as experiências dos Comités de Tierra Urbana (CTU), voltados à
regularização fundiária e urbanização das favelas e as Mesas Técnicas de
Água (MTA), que tinham como objetivo envolver a comunidade das favelas
no projeto e execução de obras hidráulicas. Com o objetivo de contextu-
alizar essas experiências participativas dentro do processo histórico de
descentralização na Venezuela, o artigo aborda de forma introdutória o
processo de descentralização anterior a Chávez, iniciado em 1984 com a
formação da Comisión Presidencial para la Reforma del Estado (COPRE). Esta
contextualização histórica será fundamental para que possamos abordar
a complexidade política venezuelana para além da figura de Chávez.
1530
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1531
belecer a legimitidade das instituições republicanas e manter o modelo
de democracia do pacto (SILVA MENDES, 2012: 89). A COPRE criou uma
rede de “Copres regionais”, cujas atividades avivaram as manifestações
a favor da descentralização (URBANEJA, 2009, p.74 em CARMO et. al.);
entre suas exigências estava incluída a eleição direta dos governadores
dos estados, então designados pelo Presidente da República.
Quando a COPRE publicou suas propostas em 1986 o próprio executi-
vo que havia criado a Comissão se opôs frontalmente a ela, resistindo às
transformações políticas propostas (LÓPEZ MAYA, 2005: 48). As condições
favoráveis para a aprovação de algumas reformas se deram durante as
eleições de 1988 quando os candidatos Carlos Andrés Pérez pelo partido
AD e Eduardo Fernándes pelo partido COPEI se comprometeram a incluir
em seus programas de governo as reformas políticas propostas pela COPRE
(CONTRERAS NATERA, 2003).
O acontecimento que mudou radicalmente os rumos da história política
venezuelana ocorreu em 27 de fevereiro de 1989. Nesta data uma revolta
popular de magnitude sem precedentes tomou a capital Caracas e todas
as grandes cidades do país. Conhecido como Caracazo, a revolta durou
cinco dias em Caracas, e teve como saldo mais de 400 mortos. Diante de
tamanha desestabilização social, o aprofundamento das reformas políti-
cas se tornou imperativo. Assim, ainda no ano de 1989 foram aprovadas
leis fundamentais de de reforma do Estado, entre as quais destacamos:
Ley sobre Elección y Remoción de Gobernadores de Estado, Ley Orgánica de
Descentralización, Delimitación y Transferencia de Competencias de Poder
Público (LODDTC) e a Ley Orgánica de Régimen Municipal.
A lei que tratava dos governadores de Estado estabeleceu as eleição
direta para governadores, que então eram designados pelo presidente da
república. A lei orgânica de descentralização transferia ao nível regional
competências até então atribuídas ao governo federal. A lei que tratava
do regime municipal separou as funções do executivo e do legislativo, até
então reunidas no Consejo Municipal. Ressalta-se que esta lei criou as
parroquias e juntas parroquiales, com o objetivo de propiciar a descentrali-
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1533
Eleito, Chávez convocou uma Assembléia Constituinte, e a nova Carta
Magna foi aprovada em dezembro de 1999 sob Referendo Popular. Em
seu preâmbulo, a Constitución de la República Bolivariana de Venezuela
(CRBV) afirma que tem como fim “refundar la República para establecer una
sociedad democrática, participativa y protegónica, multinétnica y pluricultural
en un Estado de justicia, federal y descentralizado (...)”. Além dos poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário foram instituídos o Poder Cidadão e
o Eleitoral. O Poder Legislativo se tornou unicameral, estabelecendo a
Assembléia Nacional.
Se por um lado o governo de Chávez indicava o fortalecimento da des-
centralização e da democracia participativa, por outro era criticado pela
concentração de poderes em suas mãos. Segundo Villa (2005), “dentre as
críticas à nova Constituição, destaca-se a excessiva concentração de poder
nas mãos do presidente, que passou inclusive a ter o poder de legislar por
meio da lei habilitante a respeito de qualquer matéria. Em finais do ano 2000,
a Assembléia Nacional aprovou um pacote de 49 leis habilitantes” (grifo no
original). Entre as leis habilitantes, as mais polêmicas eram a Lei de Terras
e a Lei de Hidrocarbonetos4.
Quanto ao território nacional, o novo governo apresentava a proposta
da descentralização-desconcentrada, tese defendida pelo então ministro
de Planificación y Desarrollo Jorge Giordani. Segundo Contreras Nanteras
(2003), “en palabras de sus principales portavoces, la política de descen-
tralización-desconcentrada tiene como propósito fundamental aprovechar
las potencialidades del país para lograr una distribución más equilibrada y
sostenible de las actividades productivas, las inversiones y la población a lo
largo del territorio nacional”. A nova Constituição criou o Consejo Federal
de Gobierno que, segundo a Exposição de Motivos da Assembléia Nacional
Constituinte, terá como funções “planificar y coordinar horizontalmente
las políticas y acciones para el desarrollo del proceso de descentralización
y la administración del Fondo de Compensación Interterritorial destinado al
financiamiento de inversiones públicas con el fin de promover el desarrollo
equilibrado de las regiones de menor desarrollo relativo” (VENEZUELA, 2009).
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1535
população das favelas “desceu ao vale” a saquear comércios, foi organi-
zada em 1991 a primeira Asamblea de Barrios de Caracas (ABC). Segundo
Andrés Antillano (2005), “la Asamblea de Barrios tuvo un aporte muy im-
portante en definir algunos elementos de lo que podría ser un programa de
luchas de los barrios de Caracas. El planteamiento de regularización de la
tenencia de la tierra ocupada por los pobladores de las comunidades popu-
lares, las discusiones sobre la rehabilitación física de barrios, la propuesta
de cogestión del servicio de agua de la ciudad, la demanda de autogobierno
local, contribuyeron, entre otros, a enunciar y forjar el itinerario de lucha de
los barrios caraqueño”. As ABC duraram até o ano de 1993 e chegaram a
reunir dirigentes de mais de 200 favelas da capital (ANTILLANO, 2005).
Segundo Daniel Matos, Enrique Torres e Alejandro Fermín (2011: 63),
“de las discusiones realizadas en las ABC surge un conjunto de propuestas
que, siguiendo a Antillano (2005), podemos afirmar que contribuyeron a
forjar e enunciar el itinerario de lucha de los barrios caraqueños. Las pro-
puestas eran diversas y algunas de ellas fueron puestas en marcha, desde el
año 2000, con el mandato del presidente Hugo Chávez Frías. Tal es el caso
de los Comités de Tierra Urbana (CTU) y su lucha por la regularización de
la tierra urbana, las Mesas Técnicas de Água y su lucha por la cogestión del
servicio de agua de la ciudad, los Consejos Comunales y la demanda por el
autogobierno local, etcétera”.
O conceito de Mesas de Trabalho surgiu em Puerto Ordaz na gestão do
partido LCR nos anos 1990, como um lugar de encontro de funcionários
locais com suas comunidades com o objetivo de resolver problemas de
maneira conjunta. As MTA podem ser compreendidas como um desenvol-
vimento dessas mesas de trabalho, especialmente para o tema da água,
promovidas pelo prefeito de Caracas Aristóbulo Istúriz8, do mesmo LCR,
em sua gestão de 1993 a 1996 (LÓPES MAYA, 2011: 29).
Segundo Santiago Arconada (2006), “básicamente, lo que se le planteaba
a todas las comunidades era los elementos básicos de un diagnóstico parti-
cipativo. Se planteaba la necesidad de elaborar el censo de la comunidad, de
comprender el problema que se tenía en términos de suministro, para lo cual
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hidrográfica em questão era o setor José Félix Ribas, onde habitam mais
de 100 mil pessoas, e constitui uma das 4 partes que formam o complexo
do Petare - considerada uma das maiores favelas do mundo. No início da
intervenção, esta liderança, que também faz parte dos CTU, comparou a
bacia hidrográfica do José Félix Ribas com a bacia em frente ao Petare,
um bairro formal de classe média, onde segundo ela não há falta água
em nenhum dia da semana. Naquele momento, a liderança acabara de
ampliar a discussão da pequena comunidade à rede urbana como um todo,
passando antes pela escala intermediária da bacia hidrográfica.
O aprendizado político dentro de uma experiência em uma MTA se
alimenta da amplitude de questões técnicas e políticas que acabam se de-
senvolvendo a partir da questão da água, conforme descrevem Lacabaña
e Cariola (2005: 127): “el proyecto constituye un paso fundamental para la
comunidad ya que da una visión de futuro concreto y permite organizar la
participación para lograrlo. Además, las MTA se encargan de cogestionar el
financiamiento de los proyectos ante diversas instituciones y de regularizar el
pago del agua, como una responsabilidad que la comunidad debe comprender
y asumir. En este proceso se crean relaciones entre las comunidades y las
instituciones que dan cuenta no solamente de un cambio en la gestión del
servicio, sino también en la cultura ciudadana: el desarrollo de valores propios
de la ciudadanía –entre otros: la tolerancia, la tenacidad, la responsabilidad–, el
aprendizaje de derechos y deberes, el encuentro de saberes técnico y popular”.
Na opinião de Margarita López Maya, a contribuição da MTA, como
conceito e como prática, à melhora da qualidade da democracia venezuela
parece inquestionável (LÓPEZ MAYA, 2011: 56). A autora lembra que a
experiência inspirou outras inovações, como as mesas técnicas de gás,
eletricidade, etc.
A experiências das MTA foram sem dúvida fundamentais para o desen-
volvimento dos Comités de Tierra Urbana. Ao tratar da questão da regulari-
zação fundiária, os CTU trazem à tona a questão do reconhecimento. Este
é um tema especialmente destacado entre os militantes dos CTU, sendo
expressa no título do artigo Lucha por Reconocimiento, de Andrés Antillano
1538
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
(2005), liderença que partipa dos CTU desde sua fundação. A consideração
da coincidência dos termos com a obra de Axel Honnet (2003), também
intitulada Luta por Reconhecimento, pode ser profícua, dado o interessante
quadro conceitual fornecido pelo filósofo alemão para a interpretação dos
conflitos e movimentos sociais na atualidade9.
O não reconhecimento da população moradora nos assentamentos pre-
cários se evidenciava na ausência destes nos mapas da cidade de Caracas.
O nível de conflitividade desta situação pode ser compreendido quando
tomamos em conta que mais de 50% da população da Venezuela vive em
assentamentos precários (CILENTO, 1996 em ANTILLANO, 2005). Tratava-
-se, portanto, do não reconhecimento de metade da população do país10.
Cabe ressaltar que a Ley de Ordenación Urbanística (LOU), aprovada em
1987, reconhecia a existência dos assentamentos precários, denominados
como “asentamientos no controlados”, que poderiam ser objeto de planos
especiais. No entanto, a lei não criava instrumentos que permitissem, na
prática, a regularização dos assentamentos.
O ponto de inflexão na questão dos assentamentos precários foi o
Decreto 1666, promulgado pelo presidente Hugo Chávez em fevereiro de
2002. O Decreto apresentava como objetivo “iniciar, con la participación
protagónica de las comunidades organizadas, el proceso para regularizar la
tenencia de las tierras urbanas ocupadas por barrios y urbanizaciones popu-
lares, procurando la debida coordinación interinstitucional”. Também neste
Decreto se intitucionalizaram os Comitês de Terras Urbanas11.
Na Venezuela existem cerca de 7000 CTU´s, sendo que cada Comitê
representa uma poligonal com uma quantidade próxima a 200 famílias
(MADERA, 2010). Os Comitês são eleitos em assembléias públicas em sua
comunidade, entendida como um território “não maior do que 200 famílias
e que por sua origem, idiossincrasia, espaço geográfico, constitua uma
unidade” (ANTILLANO, 2006: 203), ou seja, um território limitado onde
seja possível haver uma identificação enquanto comunidade.
Andrés Antillano explica que a participação no processo de regulariza-
ção urbana integral conformaram a base para uma “nova forma de poder”,
1539
construída sobre a participação direta das pessoas, a relação ‘cara a cara’
sobre um território definido, para decidir sobre problemas comunitários
e cotidianos, e sua superação. Se trata de “criar uma relação ‘conviven-
cial’ de participação e poder, longe das formas burocráticas e formalistas
tentadas até agora” (ANTILLANO, 2006: 204).
O instrumento da Carta del Barrio consolida o reconhecimento daquela
comunidade. Se entendermos que o reconhecimento parte da dialética
entre a identidade interna (os fatores comuns que formam um determi-
nado coletivo) e externa (o que diferencia aquela comunidade das outras),
perceberemos a importâncias das Cartas. Em relação ao externo, o barrio
se distingue por não ser “formal” ou “regular”, e sua identidade se afirma
enquanto comunidade que luta pelos direitos da formalidade. Segundo
Garcia-Guadilla (2006), “la Carta del Barrio que debe elaborar el CTU expresa
la identidad de los CTU pues en ella se recoge la historia del barrio desde su
fundación y de la comunidad que allí se estableció, su idiosincrasia y tradi-
ciones, así como las normas de convivencia acordadas colectivamente por
la comunidad. El valor político de la Carta del Barrio radica en que, además
de dotarles de una identidad común, el acuerdo que establece la comunidad
en torno a estas normas mínimas de convivencia compromete a todos los
miembros en un proyecto colectivo”.
Os CTU assumiram uma importância para além das favelas, ao forma-
rem a base de uma ampla articulação de movimentos urbanos, denomina-
da Movimiento de Pobladoras e Pobladores12 (MPP). O MPP congrega, além
dos CTU, o movimento de ocupantes de edifícios, a Red Metropolitana de
Inquilinos13 e os Campamentos de Pioneros-Nuevas Comunidades Socia-
listas14 (MOVIMIENTO DE POBLADORAS Y POBLADORES, 2010).
Desde a sua formação, os CTU têm atuado ativamente na definição
dos rumos da política urbana, tendo participado da formulação das leis
posteriores ao Decreto 1666, com destaque para a Ley Especial de Regu-
larización Integral de la Tenencia de la Tierra de los Asentamientos Urbanos
Populares, aprovada em 2006, e sua revisão no ano de 2011. Nas palavras
da própria organização, em referência à revisão da lei de 2011, “hemos
1540
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1541
na Venezuela?” Entre os residentes em favelas, 85% responderam que
sim. Entres os residentes na cidade “formal” 55% disseram crer que havia
democracia no país.
É comum ouvirmos que na Venezuela encontramos a mais avançada
democracia, pois participativa e protagônica. Tão comum quanto ouvirmos
que a Venezuela é uma ditadura populista e autoritária. Tais extremos são
expressões da polarização e da intensa disputa de projetos políticos. Em
cada extremo podemos vislumbrar claramente os discursos exagerados
e caricaturais produzidos por ambos lados da disputa política.
Se por um lado tais discursos reduzem a realidade política a esquemas
explicativos primários - da ditadura populista à democracia perfeita - por
outro a coexistência e disputa de discursos tão díspares indicam a comple-
xidade do processo político. Não seria exagero dizer que o chavismo existe
sob o signo da contradição, parafraseando André Singer em sua análise
sobre o lulismo (SINGER, 2012). São certamente contradições de outra
natureza. Tais contradições, em lugar de deslegitimarem os processos
políticos dos países em questão, se mostram como o resultado inevitável
do avanço da democracia em países de altíssima desigualdade social.
No Brasil, as experiências do Orçamento Participativo em algumas
prefeituras petistas indicavam a possibilidade de uma democracia de alta
intensidade (SANTOS, 2007) quando o Partido dos Trabalhadores (PT)
assumisse o governo federal. Apesar dos avanços nos sistemas basea-
dos em conselhos, fundos e planos locais, o protagonismo político da
sociedade civil nos assuntos do Estado ainda é extremamente limitado.
Tal distanciamento está sendo, inclusive, pauta de muitas interpretações
sobre as manifestações que tomaram as ruas das grandes cidades do país
no mês de junho de 2013.
No tema urbano, a morosidade dos efeitos do Estatuto da Cidade e
a avassaladora eficácia do programa habitacional Minha Casa Minha
Vida cujo formato não prevê a participação popular15 freiaram as ex-
pectativas de quem imaginava o aprofundamento da democracia direta
nas cidades brasileiras.
1542
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Se Luiz Inácio Lula da Silva entrou no poder amparado por uma ins-
tituições sólidas como o PT, sindicalismo, movimentos sociais urbanos
e campesinos, Comunidades Eclesiais de Base, etc., para muitos Hugo
Chávez assumiu o poder em 1998 vindo, no discurso caricatural citado na
introdução deste artigo, “do centro do universo”. De fato, Chávez criara
seu próprio partido para concorrer às eleições no ano de 1998, com o
qual conseguiu desbancar o bipartidarismo de 40 anos de AD e COPEI. No
entanto, a partir de uma gestão centralizada em sua figura, levou adiante
um processo político que incluía formas ousadas e criativas de democracia
participativa, das quais abordamos neste artigo apenas duas delas.
O lema de Simón Rodriguez, professor do libertador Simón Bolívar,
“ou inventamos ou erramos” é repetidamente utilizado nos discursos
chavistas, e não é incomum a denominação do atual processo como
“experimento bolivariano”. De fato, parece ser mesmo um ensaio de
novas formas de democracia, com invenção, acertos e também erros16.
O atual processo político venezuelano iniciado desde Chávez contém
contradições que demandam um grande esforço interpretativo, prejudi-
cado pela hiper-polarização política e pela dificuldade de análise de um
processo em andamento - em criação e em disputa. Cabe, no entanto,
colocar em relevo as contradições, próprias de qualquer democracia no
continente, que contribuam no debate sobre os caminhos democráticos
na América Latina.
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NOTAS
1 Arquiteto graduado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mestrando em Arquitetura e Ur-
banismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e pesquisador da
Missão do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) na Venezuela. Membro do Coletivo Usina-CTAH
(coletivo de profissionais que atuam junto aos movimentos populares urbanos de São Paulo).
e-mail: flavio.higuchi@gmail.com.
2 Denominado desta forma durante após a ascenção de Chávez ao poder, o termo é tema de debate.
3 Referência ao nome da fazenda onde fora firmado.
4 Segundo Villa (2005), “o governo passou a exigir que o capital venezuelano tivesse maioria acionária nas
parcerias com petroleiras estrangeiras atuantes no país, o que os defensores da liberalização do setor viram
como retrocesso”.
5 Foram criadas mais de 20 missões sociais desde o início da década de 2000, que contemplam um amplo
espectro da proteção social. Na tema educacional, foi criada a Misión Robinson I, destinada à alfabetização.
Uma mostra contundente do impacto da missão foi a declaração em 2005, por parte da UNESCO, da Venezuela
enquanto “Território Livre do Analfabetismo” pela UNESCO. Misión Robinson II, destinado à educação básica,
Misión Ribas, e Misión Sucre, voltada aos estudos universitários. Ainda no tema da educação, foram criadas
as missões Robinson I, Ribas, e Sucre, destinadas à educação básica, média e universitária respectivamente.
6 Retirado de www.pdvsa.com em novembro de 2012. A PDVSA, empresa estatal de petróleo, financia e
inclusive gerencia grande parte das missões sociais.
7 Em discurso em seu programa semanal Alo Presidente, Chávez definiu da seguinte forma as EPS: “Empresas
de Producción Social: son aquellas entidades económicas dedicadas a la producción de bienes o servicios, en las
cuales el trabajo tiene significado propio, no alienado, auténtico; en las cuales no existe discriminación social en el
trabajo y de ningún tipo de trabajo, no existen privilegios en el trabajo asociados a la posición jerárquica. Aquellas
entidades económicas con igualdad sustantiva entre sus integrantes, basada en una planificación participativa y
protagónica, y bajo régimen de propiedad estatal, propiedad colectiva o la combinación de ambas” (EL TROUDI,
H., MONEDERO, J. C. , 2006: 91).
8 Atualmente Istúriz é governador do Estado de Anzoátegui, pelo PSUV (Partido Socialista Unido de Venezuela).
9 Axel Honnet (2003), tido como o principal expoente da terceira geração da Escola de Frankfurt, a partir a
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
teoria de reconhecimento de Hegel busca formular um quadro interpretativo dos conflitos sociais com base na
luta pelo reconhecimento intersubjetivo, que se daria a partir da experiência de desrespeito. Segundo Salvadori
(2011), essa luta ocorre “devido à experiência do desrespeito que se dá desde a luta pela posse da propriedade
até à pretensão do indivíduo de ser reconhecido intersubjetivamente pela sua identidade. (...) As mudanças
sociais podem ser explicadas por meio do desrespeito, gerador de conflitos sociais. Os conflitos surgem do
desrespeito a qualquer uma das formas de reconhecimento, ou seja, de experiências morais decorrentes da
violação de expectativas normativas. A identidade moral é formada por essas expectativas. Uma mobilização
política somente ocorre quando o desrespeito expressa a visão de uma comunidade. Portanto, a lógica dos
movimentos coletivos é a seguinte: desrespeito, luta por reconhecimento, e mudança social”.
10 Boaventura de Souza Santos nos lembra de que “a principal característica estrutural dos mapas reside em
que, para desempenharem adequadamente as suas funções, têm invevitavelmente que distorcer a realidade”.
O autor se referia à necessidade intrínseca dos mapas de trabalhar com escala, projeção e simbolização, ou
seja, distorções da realidade. Santos continua seu racicínio explicando que “a distorção da realidade que isso
implica não significa automaticamente distorção da verdade, se os mecanismos de distorção da realidade
forem conhecidos e puderem ser controlados”. (SANTOS, 1988: 142, 143)
11 Segundo o Decreto 1666, os CTU devem se organizar a fim de:
“a. Fomentar la participación de los miembros de la comunidad en el análisis y formulación de observaciones,
propuestas, opiniones y comentarios sobre el Anteproyecto de Ley de Regularización de la Tenencia de la Tierra en
los Asentamientos Urbanos Populares,
b. Recopilar información que facilite la realización del inventario de las viviendas y edificaciones que conforman
los barrios y urbanizaciones populares; así como el levantamiento de planos provisionales, que definan los límites
geográficos donde se asienta la comunidad, identificando el ordenamiento urbanístico espontáneo, natural e
histórico e indicando el parcelamiento y sus usos, a los fines de su incorporación en el registro de asentamientos
urbanos especiales;
c. Elaborar los listados de familias que integran la comunidad del barrio o urbanización, o sectores dentro de los
mismos, a los fines de la suscripción de la Carta del Barrio, como instrumento de reconocimiento del barrio suscrito
en forma colectiva por los vecinos.
d. Iniciar procesos de discusión a fin de definir y decidir las medidas que deben adoptarse en el barrio o urbaniación
popular para mejorar el hábitat, y elevar dichas propuestas a la municipalidad u demás entes competentes, con el
fin de contribuir en la formación, ejecución y control de las políticas públicas para la rehabilitación integral de los
asentamientos urbanos, a partir de la regularización de la tenencia de la tierra”.
12 Um marco importante da influência das experiências latino-americanas para os movimentos de moradia
da Venezuela foi o Fórum Social Mundial de 2006, sediado em Caracas. Nesta ocasião foi possível estreitar os
laços com as organizações irmãs da América Latina. A partir de então o MPP se tornou membro da Secretaria
Latinoamericana de la Vivienda Popular – SELVIP, que articula organizações populares de base latinoameri-
canas, como a Federación Uruguaya de Cooperativas de Vivienda por Ayuda Mutua – FUCVAM (Uruguai), o
Movimiento de Ocupantes e Inquilinos – MOI (Argentina), a Federación de Tierra e Vivienda – FTV (Argenti-
na), a União Nacional por Moradia Popular - UNMP (Brasil), e o Movimiento de Pobladores en Lucha (Chile).
13 A Red Metropolitana de Inquilinos é formada por famílias que enfrentam situações de despejo, o alto custo
dos alugueis, e a especulação (MOVIMIENTO DE POBLADORAS Y POBLADORES, 2010: 21).
14 Os Campamentos de Pioneros-Nuevas Comunidades Socialistas são organizações de luta pelo acesso ao
solo urbano, para a construção de habitação sob um modelo autogestionário de planejamento participativo
de projetos integrais de habitat, propriedade coletiva e trabalho solidário (MOVIMIENTO DE POBLADORAS Y
POBLADORES, 2010: 21). Em termos organizativos, os Campamentos se assemelham com as organizações
vinculadas à União dos Movimentos de Moradia (UMM) no Brasil. Os Campamentos nasceram da experiência
dos CTU.
15 Com exceção da modalidade Minha Casa Minha Vida Entidades, pequena em termos proporcionais.
16 Um sociólogo ligado ao governo, a respeito de frase de Simón Rodriguez, emitiu a seguinte opinião em uma
conversa informal: na Venezuela se inventa, se acerta muito e se erra muito. O que suporta o erro é o petróleo.
1547
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1549
que a SPU deverá realizar levantamento dos imóveis públicos federais que
possam ser destinados a políticas habitacionais direcionadas à população
de menor renda, no âmbito do SNHIS - Sistema Nacional de Habitação de
Interesse Social. Isto enseja na atribuição de que o Patrimônio da União
assuma protagonismo na política habitacional federal, devendo alimentar
o SNHIS para viabilizar o acesso a terra urbanizada para população de
menor renda, efetivando o direito à moradia digna e à cidades sustentáveis,
visando também minimizar os impactos negativos gerados pelo padrão
essencialmente especulativo do crescimento urbano.
Este dispositivo, que é um dos pilares da Lei nº 11.481/2007, é fruto de
intensas discussões entre órgãos do governo federal com os movimentos
sociais e representantes de setores da sociedade civil organizados no
Conselho Nacional das Cidades e foi debatido na mesma ocasião em que
se discutia a constituição do Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social, instituído por meio da Lei Federal nº 11.124/2005.
Dados oficiais do Ministério das Cidades2 demonstram que o déficit
habitacional brasileiro, em 2011, foi estimado em cerca de 5,4 milhões de
moradias. Estudo do IPEA aponta que cerca de 3,9 milhões se concentram
na faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos3. O mesmo estudo aponta que
houve queda do déficit habitacional em 12% entre os anos de 2007 e 2011.
Contudo, dados oficiais apontam que continuamos a ter no Brasil mais de
5 milhões de imóveis ociosos, sub utilizados em e áreas urbanas dotadas
de infra estrutura. Soma-se a esta proporção absurda a incipiente oferta
de áreas bem localizadas com preço acessível, especialmente nas cidades
com maior demanda de habitação, fato que tem dificultado o acesso a
terra urbanizada para efetivação das políticas de provisão habitacional
para a população de menor renda. O que temos visto é a construção em
massa de empreendimentos habitacionais nas franjas das grandes cidades,
em áreas sem infraestrutura, sem equipamentos públicos, sem transporte
público adequado.
Um das prioridades do Governo Federal atualmente é o êxito do Progra-
ma Minha Casa Minha Vida. Isso se evidencia pelo conjunto de programas
1550
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1551
2 . GTN - GRUPO DE TRABALhO NACIONAL
DE APOIO à PRODUÇÃO SOCIAL DA MORADIA
1552
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1553
3. GTES – GRUPOS DE TRABALhO ESTADUAIS
1554
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1555
contratação do financiamento desta junto à CAIxA.
Enquanto a Entidade elabora o projeto, leva à aprovação da prefeitura e
órgãos ambientais e toma as demais providências necessárias para obter o
financiamento aprovado junto à CAIxA, a SPU promove todas as medidas
necessárias para regularização patrimonial do imóvel, tornando-o livre e
desimpedido para a destinação proposta e assina o contrato de destina-
ção com a entidade, prioritariamente, por meio de Cessão, sob o regime
de Concessão de Direito Real de Uso – CDRU, com cláusulas resolutivas.
Os 26 estados e o Distrito Federal formaram seus GTEs em 2009, sendo
que houve renovação dos seus membros a partir de 2011, quando ocorreu
renovação dos membros do Conselho Nacional das Cidades e dos Con-
selhos Estaduais das Cidades. A lógica de composição dos GTEs é que na
ausência de indicação da sua composição pelos segmentos representados
nos Conselhos Estaduais das Cidades nos estados e DF, os segmentos com
assento no Conselho Nacional das Cidades indicam os seus representan-
tes pra os GTEs. Vale ressaltar que, em meados de 2011, em função da
nova composição do Conselho Nacional das Cidades, o GTN passou por
processo de recomposição de seus representantes.
II. Resultados alcançados:
Após quatro anos de trabalho, mais de 150 imóveis da União foram
vistoriados, dos quais 132 foram selecionados pelos GTEs com o propósito
de serem destinados, prioritariamente, a entidades sem fins lucrativos
para produção social da moradia com recursos dos programas federais
PSM – FNHIS e MCMV Entidades - FDS.
Até julho de 2013, 38 imóveis da União foram destinados. Após a cons-
trução dos empreendimentos habitacionais nesses imóveis a previsão é
que mais de 8.000 famílias serão diretamente beneficiadas nos estados
da BA, DF, GO, PA, PE, PI, RJ, SP e TO.
Os contratos de destinação desses imóveis apresentam cláusulas re-
solutivas condicionando prazos e regras específicas para cumprimento da
finalidade para a qual o imóvel foi destinado. Caso ocorra descumprimento
do acordado, o imóvel será revertido ao patrimônio da União.
1556
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1557
4. PRINCIPAIS AVANÇOS:
1558
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1559
Ele deve apresentar inicialmente características físicas, urbanísticas e
ambientais adequadas para atender à finalidade habitacional, estar re-
gistrado no Cartório de Registro de Imóveis e apresentar disponibilidade
cadastral no Sistema Integrado de Administração Patrimonial – SIAPA,
que é o sistema de gestão dos imóveis dominiais do patrimônio da União.
Dificuldades afetas diretamente à SPU, entre as quais: a escolha e reser-
va, por meio dos GTEs, de imóveis inadequados para atender a demanda
habitacional, sendo necessário estabelecer como rotina a capacitação per-
manente da equipe técnica da SPU e padronização das orientações sobre
os procedimentos a serem adotados nas vistorias, bem como na análise
de viabilidade técnica dos imóveis para abrigar empreendimentos de HIS.
Ausência ou imprecisão de informações sobre os imóveis da União e
pouca ou nenhuma oferta de imóveis em alguns estados, devido à ine-
ficiência e desatualização das informações nos Sistemas de Gestão dos
Imóveis da União e nos processos administrativos.
Morosidade e dificuldades técnicas para realização de trabalhos de
campo, de elaboração de peças técnicas, como memorais descritivos, des-
membramentos de áreas, etc.; morosidade dos procedimentos de cartório
e dificuldades internas do órgão na definição de prioridades e estratégias
para regularização patrimonial dos imóveis.
Dificuldade de identificação de imóveis que não estão ociosos nos
Sistemas de Gestão de Imóveis da União, mas de fato estão vagos para
uso, sub- utilizados ou utilizados por quem não tem registro nenhum na
SPU, de imóveis com inscrições de ocupação inadimplentes, de imóveis
da ex RFFSA e de outros órgãos extintos, etc. ou ainda, de imóveis que
não estão sendo utilizados por entes públicos (casos de imóveis entregues
às forças armadas ou a órgãos da administração pública federal) e falta
de estratégia que dê agilidade aos procedimentos para cancelamento de
ocupantes existentes.
Dificuldades para acessar elementos técnicos (como plantas aerofoto-
gramétricas, levantamentos topográficos, laudos de contaminação, entre
outros) necessários para caracterizar imóveis e que poderiam ser utilizados
1560
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6. DIFICULDADES IDENTIFICADAS
qUE TRANSCENDEM à ESFERA DA SPU
7. CONCLUSÃO
1561
a partir desta análise, uma orientação normativa, para que sirva como
ferramenta de trabalho no âmbito das Superintendências do Patrimônio
da União nos estados e DF. Além disso, há necessidade de melhorar a
fiscalização dos contratos, para que efetivamente seja cumprida a função
social da propriedade pública. Não é papel do órgão do Patrimônio da
União fiscalizar a indicação das famílias pelas entidades, mas sim fazer
cumprir a função social do patrimônio imobiliário da União, em apoio às
políticas públicas prioritárias do Governo Federal.
No caso, a sua atribuição é dar efetividade na destinação de áreas da
União para empreendimentos geridos por entidades sem fins lucrativos,
tanto para ampliação da escala de destinações de imóveis da União,
quanto para ampliar a oferta da produção social da moradia em imóveis
públicos federais. Para tanto, é fundamental definir estratégias para
enfrentamento das dificuldades levantadas acima, visando ao aperfeiço-
amento dos procedimentos internos à SPU, da relação com as entidades
organizadoras (EO) habilitadas pelo Ministério das Cidades, bem como
entre os parceiros da administração pública federal e local, visando à
construção de uma pactuação federativa sólida, e estabelecimento de
compromissos que sejam efetivamente cumpridos.
BIBLIOGRAFIA
1562
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1563
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Novas formas de
participação popular
Jacqueline Custódio1
INTRODUÇÃO
1565
democrática, justa, equitativa e sustentável2. Assim, passa-se a analisar
esses instrumentos de participação, identificando quais são mais efetivos,
de forma a ampliar e sistematizar seus efeitos.
1566
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1567
Bonavides vai além, quando argumenta que a democracia positivada,
enquanto direito de quarta geração há de ser, necessariamente, uma
democracia direta, só tornada possível através dos avanços tecnológicos
de comunicação, acesso à informação correta e às aberturas pluralistas
do sistema (2008, p.571).
Assim sendo, a participação popular já está consagrada na doutrina
e na legislação como direito e determinação a ser seguida pelo poder
público, aqui em especial, pelo poder público municipal, já que se trata
da gestão democrática da cidade. Legalmente, o Estatuto da Cidade enu-
mera, de forma exemplificativa, os instrumentos capazes de implementar
a participação da população na gestão e nas políticas urbanas, conforme
será analisado mais adiante.
Tais meios, não obstante serem de fundamental importância, muitas
vezes, não têm sido suficientes para dar efetividade às decisões populares
(FERNANDES, 2008), ocorrendo, inclusive, resultado diverso, ao legitimar
propósito contrário à vontade dos cidadãos. Ainda assim, são instrumentos
legais e devem ser bem conhecidos para sua perfeita utilização.
2.1 Observações sobre os instrumentos de gestão democrática
Sem a intenção de esgotar a análise de todos os meios de garantir a
gestão democrática relacionados no Estatuto da Cidade, o texto limitou-
-se a formular algumas observações sobre alguns deles, em especial sob
a perspectiva da experiência na cidade de Porto Alegre.
Na cidade do Orçamento Participativo (OP), muitas mudanças ocorre-
ram no que diz respeito à participação popular. Com a troca de partido no
governo municipal, a tendência foi esvaziar de certa forma essa instância,
sem, contudo, eliminá-la, posto que tal iniciativa foi consagrada mun-
dialmente, tendo sido selecionado pela ONU como uma das 40 melhores
experiências de gestão local em 1995 (BOKLAGE, 2011, p.241). Hoje se tem
uma representação mais burocrática, com uma inclinação à partidarização
das lideranças, ditas, comunitárias3.
Evidentemente, a participação popular não ficou restrita ao OP, visto
que está prevista, de forma mais ampla, no Estatuto da Cidade. Já nas
1568
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1569
Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul solicitou a anulação de
uma audiência pública através de uma ação civil pública, por encontrar
irregularidades na realização das reuniões, em razão da cooptação de
participantes, através da distribuição de alimentos por empresas privadas,
e restrição da participação de entidades4.
Mesmo em espaços em que se supõe a existência de um poder de de-
cisão por parte da população, como é o caso do CDMUA, não é o que se
observa na prática. A composição deste conselho é de 25 membros, sendo
oito representantes de entidades governamentais que tratam de matéria
afim (um representante em nível federal, um, estadual e seis, municipais),
oito representantes de entidades não governamentais, constituídas por
entidades de classe e afins ao planejamento urbano (como IAB, Sindicato
da Construção Civil, OAB/RS, entre outras) e oito representantes das Regi-
ões de Gestão do Planejamento (membros das comunidades, eleitos pelo
voto direto dentro de cada região). Por fim, o titular do órgão responsável
pelo gerenciamento do Sistema Municipal de Gestão do Planejamento
(SMGP), na qualidade de Presidente do conselho5. Essa composição, por
si só, já traz certo desequilíbrio de forças, pois coloca a comunidade em
desvantagem numérica em relação aos representantes do poder público.
Além disso, em termos de representação legislativa, os interesses de
grupos com maior poder econômico, como construtoras, incorporadoras
e imobiliárias, têm sido defendidos, muitas vezes, em decisões contrárias
ao interesse manifestado pela população. Constata-se esse poder pela
nominata de doadores dos vereadores que tiveram as campanhas mais
caras. Segundo notícia veiculada em jornal local, “os números revelam
ainda que incorporadoras e construtoras integram, isoladamente, o setor
que mais abriu os cofres para candidatos que lideram o ranking” 6.
Somada aos fatores já referidos, encontra-se a exigência de conheci-
mento, muitas vezes técnico e específico, para instrumentalizar a participa-
ção de representantes da comunidade nas discussões e decisões referentes
ao planejamento urbano. Também nesse sentido é possível detectar um
desequilíbrio de forças entre comunidade e administração pública, uma
1570
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1571
3.1 Características dos novos movimentos sociais
1572
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1573
A transição da indignação para a esperança é acompanhado de deli-
beração no espaço de autonomia, que ocorre através de assembleias ou
comitês designados em assembleias. Isso se justifica pela já comentada
ausência de líderes e pelo sentimento de descrédito na representação
política vigente e conhecida. No entendimento de Castells (2012, p.225),
a questão chave para o movimento é a união, sentimento através do qual
as pessoas vencem o medo e descobrem a esperança. A união é ponto
de partida e fonte de empoderamento, que se estabelece numa rede ho-
rizontal, sustentada pela cooperação e solidariedade, prescindindo de
lideranças formais.
Além disso, conclui Castells (2012, p.226), tais movimentos são alta-
mente autorreflexivos, questionando-se indivíduo e coletivo, raramente
programáticos, não violentos e políticos em sentido amplo. Eles projetam
uma nova utopia de democracia em rede, baseada nas comunidades lo-
cal e virtual em interação. Acrescenta, ainda, que utopias não são meras
fantasias. A maioria das ideologias políticas modernas têm suas raízes
em sistema políticos originados de utopias (Castells, 2012, p.228). O que
esses movimentos estão propondo em suas práticas é uma nova utopia no
cerne da cultura da sociedade em rede: a utopia da autonomia do sujeito
em face às instituições da sociedade.
1574
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1575
a possibilidade da difusão dessa insatisfação através da potente ferramenta
que é a internet, torna-se palpável a identificação entre os participantes e
o sentimento de união transforma-se em fonte de empoderamento (Cas-
tells, 2012, p.225). A cidade, como base sobre a qual se desenvolve a vida
urbana (NYGAARD, 2010, p.49), é o palco onde tais ações efetivamente
produzem efeitos, retroalimentando a cadeia de atos voltados à construção
da cidade dentro da perspectiva de cidadania.
Os grupos se mobilizam entorno de uma causa, divulgam-na através
de redes sociais, ampliando seu campo de atuação, e determinam um dia
e local para desenvolver a ação proposta. Conforme a natureza da cau-
sa, haverá ou não uma interação com a administração pública. Existem
causas que se propõem a incentivar a cidadania e a convivência urbana,
promovendo a integração entre a população e estimulando condutas de
urbanidade. São eventos de formação de participação, sem demandas
diretas ao poder público, que disseminam o pensamento coletivo e con-
sequente preparação dessa comunidade como agente de transformação,
atuando diretamente nos espaços de participação e exercendo o direito/
dever de fiscalizar.
Um segundo tipo de causa é aquele em que existe um problema a res-
peito do qual o poder público encontra-se omisso ou contrário ao anseio
da população. São ações que necessitam da atuação concreta da adminis-
tração municipal, no sentido de fazer ou de deixar de fazer determinada
atividade, como conservação de um espaço público ou não edificação em
local representativo para determinada comunidade, como, por exemplo,
um parque. Tais ações podem envolver atividades colaborativas, onde o
grupo desempenha a função que deveria ser da administração pública,
com intuito de chamar a atenção para o assunto, exigindo uma solução
definitiva para o problema. Também, podem apenas ser mobilizações no
sentido de pressionar o poder público para que suas decisões estejam de
acordo com as demandas populares sobre questões pontuais.
Quando nem os canais institucionalizados de participação, nem as
formas alternativas de intervenção mostram-se capazes de fazer valer os
1576
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÃO
1577
demanda por parte do poder público ou, ainda, a formação de consciência
social em relação à cidade e aos espaços de convivência.
A alternativa de democracia participativa não prescinde do modelo
representativo. São, isso sim, formas complementares de participação po-
pular. Da mesma forma, a participação nas instâncias postas pelo Estatuto
da Cidade não é incompatível com a participação direta e pontual, oriunda
da nova formatação da sociedade. E, com o acesso cada vez maior da
população às novas tecnologias, a tendência é que essa participação direta
assuma maior importância no cenário decisório. É crescente a percepção
que o Estado Democrático começa a ser dependente da tecnologia, pois
essa amplifica o alcance da informação e facilita o acesso do cidadão aos
seus representantes.
Os resultados que vêm sendo obtidos até o momento, tendo como base
alguns movimentos ocorridos em Porto Alegre, são díspares. Algumas vi-
tórias importantes, algumas derrotas marcantes, mas, indiscutivelmente,
um ganho imenso no que diz respeito à construção da cidadania. E as
atuais mobilizações que perpassam o país demonstram que a população
já começa a assumir uma postura ativa na defesa e exercício de seus
direitos. Resta saber se essas formas de mobilização vão conseguir dar
respostas satisfatórias para as questões relativas à construção de nossos
centros urbanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1578
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1579
Exclamação, 2011, p.207-220.
PORTO ALEGRE. Lei Complementar 646, de 22 de julho de 2010. Altera e
inclui dispositivos, figuras e anexos na Lei Complementar 434, de 1º de dezembro
de 1999 - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre
(PDDUA)- e alterações posteriores e dá outras proviência. Disponível em <http://
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Acesso em 23.06.2013.
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SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direito Fundamentais: uma teoria geral
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SHETH, D. L. Movimentos Sociais e aspirações democráticas. Capítulo I. In: SAN-
TOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da
democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
SILVA. Jose Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5.ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2008.
NOTAS
1 Graduada em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público RS, delegada eleita para o Fórum
da Região de Planejamento 6 do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental – Prefeitura de
Porto Alegre. Email: jacquecustodio@gmail.com.
2 Conforme a Carta Mundial pelo direito à cidade. Disponível em http://www.forumreformaurbana.org.
br/index.php/documentos-do-fnru/41-cartas-e-manifestos/133-carta-mundial-pelo-direito-a-cidade.html.
Acesso em 08.06.2013.
3 Concorda com essa percepção Marco Aurélio Costa apud OLIVEIRA FILHO (2011, p.216), quando tece
comentário sobre experiência de institucionalização da participação popular: “As experiências brasileiras de
planejamento participativo a nível local têm se institucionalizado mais por exigências das outras instâncias
governamentais (obrigações decorrentes das leis federais e do repasse de recursos de órgão governamentais),
do que por iniciativas próprias, ocasionando um comportamento formalista e o que poderíamos denominar
prefeiturização de muitos conselhos.”
4 Notícia completa disponível no site do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul: http://www.mp.rs.
gov.br/imprensa/noticias/id11204.htm?impressao=1. Acesso em 13.06.2013.
5 Art. 40 do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PPDUA).
6 Texto do artigo As 10 campanhas mais caras para vereador na eleição de Porto Alegre. Disponível em http://
zerohora.clicrbs.com.br/rs/politica/eleicoes-2012/noticia/2012/09/as-10-campanhas-mais-caras-para-
-vereador-na-eleicao-de-porto-alegre-3892958.html. Acesso em 23.06.2013.
7 Manuel Castells é professor de sociologia e diretor do Instituto Interdisciplinar de Internet na Universidade
1580
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Aberta da Catalunha (UOC), em Barcelona. Notabilizou-se por ser um dos principais pensadores de influência
da Tecnologia da Informação na sociedade. Entretanto, em relação à concepção de modelos de planejamento
urbano, ao lado de Jorgi Borja, filia-se ao do planejamento estratégico, cujo case de sucesso é a cidade de Bar-
celona, tendo produzido vários trabalhos difundindo as virtudes desse modelo. E nesse sentido, recebe forte
crítica de alguns autores, como Carlos B. Vainer, para o qual tal estratégia de marketing urbano transforma
a cidade em mercadoria a ser vendida, tendo na perspectiva econômica seu alicerce. Mas em função de sua
inquestionável influência teórica para a reflexão sobre as cidades contemporâneas e, acima de tudo, por es-
tudar o papel das novas tecnologias de informação e comunicação nas transformações econômicas, políticas
e sociais do mundo, não poderia deixar de ser citado.
8 Página do movimento disponível em: <https://www.facebook.com/AquiBateUmCoracaoPortoAlegre>.
Acesso em 22.06.2013.
9 Página do movimento disponível em: <https://www.facebook.com/ProjetoVizinhanca?fref=ts>. Acesso em
22.06.2013.
10 Página do movimento disponível em:<https://www.facebook.com/raizurbanars?fref=ts>. Acesso em
22.06.2013.
11 Página disponível em:<http://portoalegre.cc/>. Acesso em 22.06.2013.
12 O Site pode ser visitado em: <http://gabinetedigital.rs.gov.br/>. Acesso em 22.06.2013.
1581
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Orçamento participativo:
participação popular efetiva
no planejamento urbano
1583
Contudo, a verdadeira essência da democracia, que consiste na “autori-
dade da cidadania popular e soberana exercitada em termos decisórios de
verdadeira instância” 4não poderá ser encontrada em muitos dos modelos
atuais de exercício do poder democrático.
Na tentativa de construir uma definição de democracia participativa,
pode-se afirmar que ela não coincide com a noção de democracia re-
presentativa, que surge como uma possível solução à impossibilidade
fática do exercício da democracia direta por cada indivíduo. No modelo
representativo, a população, por meio de um processo eleitoral, escolhe
seus representantes, que irão exercer diretamente o poder democrático. O
pressuposto da democracia representativa é a ideia de que “esses repre-
sentantes eleitos serão fiéis aos interesses dos cidadãos durante o período
em que exercerem o mandato eletivo”.5
No entanto, isto não é o que realmente acontece. As limitações desse
modelo podem ser destacadas no próprio processo eleitoral. Os cidadãos
que pretenderem serem representantes da população no exercício do poder
democrático não possuem condições de igualdade na disputa eleitoral. É
discrepante a desigualdade entre as campanhas dos grandes partidos e
aqueles que não possuem recursos suficientes para competir em condições
de igualdade no processo eleitoral. Não há no sistema político brasileiro,
por exemplo, mecanismos que realmente proporcionem maior equidade
entre os candidatos durante o processo eleitoral. Além disso, a grande
maioria dos partidos recebe individualmente doações do setor privado
que, com certeza, irá cobrar sua “bondade para o processo democrático”
durante o mandado daqueles que ajudaram, financeiramente, a eleger.
Isso já compromete a independência da atuação dos representantes do
povo, comprometendo a legitimidade do processo eleitoral como definidor
dos representantes do povo.
Contudo, durante o mandato existem outros problemas que aumentam
a distância entre a verdadeira vontade popular e o que é decidido pelos
representantes eleitos. Uma das causas deste distanciamento é a “incapa-
cidade dos partidos políticos de canalizarem adequadamente os múltiplos
1584
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1585
possível). Já a iniciativa popular possibilita que um universo enorme de
cidadãos, em conjunto, proponha um projeto de lei, que, não necessaria-
mente, será votado pelo Legislativo.
Feitas essas considerações e ponderadas às diferenças e deficiências
da democracia representativa e da democracia semi-direta, surge à demo-
cracia participativa como “único modelo capaz de pôr cobro ao ludíbrio
do poder popular”.7 A democracia participativa é aquela presa pelo real
exercício do poder soberano do povo. Só através do exercício autônomo
e efetivo do poder democrático por meio da participação popular é que
se poderão concretizar os objetivos da sociedade brasileira expressos na
Constituição. E, como logo será tratado, muitos desses objetivos serão
concretizados através da implementação de políticas públicas pelo Estado.
A inserção da participação popular na criação e gestão dessas políti-
cas públicas é uma das determinações na nossa Constituição e um dos
inúmeros benefícios do exercício democrático participativo.
1586
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1587
Muitas vezes o que foi planejado e pactuado socialmente é deixado de
lado devido ao seu caráter fortemente intervencionista. Ainda que exista
um plano (transformado em lei) que, na sua essência, vise diminuir as
desigualdades da cidade, sua execução é ignorada. Um exemplo disso se
dá com a instituição do IPTU progressivo no tempo. Esse imposto marcado
pela extra-fiscalidade tem como objetivo principal forçar que a propriedade
cumpra a sua função social. Ele é previsto em inúmeros planos diretores e
tem respaldo tanto na Constituição Federal no artigo 182, §4º, II bem como
no Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001. Porém, muitos planos diretores
deixam sua regulamentação para lei específica que, propositalmente,
nunca é criada tornando esse instrumento urbano progressista ineficaz.
Quando a Constituição estabelece o Estado Social como objetivo a ser
perseguido pela República Federativa Brasileira e que uma das finalida-
des desse Estado é diminuir as desigualdades entre os indivíduos, será
necessária a intervenção estatal para diminuir essas diferenças do espaço
urbano a fim de se atender ainda ao Princípio da Justa Distribuição dos
Benefícios e Ônus derivados da atuação urbanística9.
O planejamento urbano é, portanto, um dos instrumentos pelo qual o
Estado irá intervir na realidade urbana para concretizar os objetivos sociais
definidos pelo povo no exercício do poder soberano.
1588
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
(xxIII) que a propriedade atenderá a sua função social. Sendo direito fun-
damental, qualquer restrição ao direito de propriedade deverá atender ao
Princípio da Reserva Legal. De acordo com esse princípio, toda restrição
aos direitos fundamentais deverá ser feita através de Lei em sentido estrito,
ou seja, é necessário que restrições a esses direitos sejam aprovadas pelo
Poder Legislativo.
As leis urbanísticas têm como principal característica o intervencionis-
mo no direito de propriedade privada para condicionar o exercício deste
ao interesse da coletividade (interesse público propriamente). Fato é que,
ao criar leis como o Código de Obras ou a Lei de Uso e Ocupação do Solo,
o Estado passa a limitar o exercício do Direito de Propriedade, atingindo
as faculdades inerentes a esse direito.
Essas limitações presentes nas leis urbanísticas e nos planos diretores
são fundamentais para que a propriedade urbana cumpra a sua função
social e para que a coletividade não seja prejudicada pelos abusos dos
particulares no exercício do direito de propriedade. Contudo, as restri-
ções ao exercício do direito de propriedade só serão legítimas se forem
justificadas pelo interesse público.
O outro viés do planejamento urbano, não menos intervencionista, se
evidencia através da execução de políticas públicas, como um desdobra-
mento do planejamento urbano.
Compreende-se, aqui, políticas públicas como “programas de ação
governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as
atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes
e politicamente determinados”.10 Os objetivos dessas políticas públicas,
notadamente as de caráter urbanístico, estão definidos, na esfera local,
nos Planos Diretores Participativos dos municípios brasileiros.
A criação de políticas públicas e o planejamento urbano possuem uma
relação íntima uma vez que essas políticas irão buscar concretizar aquilo
que foi determinado nos planos urbanísticos e irão interferir diretamente
na configuração do espaço urbano.
Para que essa política seja criada e executada ela dependerá de outro
1589
importante instrumento de gestão pública, o Orçamento Público. Não será
possível a implementação das políticas públicas no espaço urbano sem a
anterior previsão das receitas para sua execução. Logo, a concretização
dos objetivos sociais e politicamente determinados dependerá de previsão
orçamentária.
Pode-se considerar que, no contexto do Estado Social, o orçamento
público não é mera peça formal necessária para se realizar uma despesa
pública. O Orçamento Público é também “instrumento de gestão urbana”11.
1590
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1591
deliberado pela sociedade democraticamente. Essa participação da popula-
ção, contudo, não se confunde com uma participação formal que se realiza
muitas vezes para se atender certas exigências legais, exclusivamente. A
participação popular na criação e gestão das políticas públicas deverá ser
realmente capaz de decidir os rumos da atuação estatal.
É necessário que a vontade popular esteja presente no orçamento
público para que seja possível realizar as transformações sociais que se
almeja do espaço urbano. Cabe ao povo o protagonismo na elaboração
do orçamento. Com a participação efetiva será possível concretizar os
objetivos definidos democraticamente e traduzidos em políticas públicas
criadas e executadas conforme a vontade popular soberana.
1592
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1593
distâncias entre a real vontade popular e a atuação estatal. Através do
orçamento participativo, o povo poderá realmente decidir quais são os
objetivos da sociedade pensados localmente.
4. CONCLUSÃO
1594
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1595
NOTAS
1596
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
1597
entre 2007 e 2011 em termos relativos (proporção entre os domicílios que
faltam e o número de famílias existentes).” (LOUZAS, 2013)
A coabitação compreendeu cerca de 30% do déficit habitacional, o
que corresponde a 1,674 milhão de famílias compartilhando o mesmo
domicílio, mas com intenção de obter sua própria residência; o mesmo
percentual aproximado de 30% foi encontrado para domicílios em condi-
ções inadequadas, ou seja, aqueles que têm suas paredes ou teto feitos
de material não-durável, o que corresponde a 1,677 milhão de domicílios.
Os domicílios em aglomerados subnormais (favelas), corresponde a 60%
do total do déficit, estimado em 2,175 milhões nestas áreas (SINDUSCON,
2013, p. 5;11).
A recente pesquisa também reafirma a conclusão do resultado anterior
ao afirmar que “A falta de moradias aflige, sobretudo, as famílias de menor
renda.” (SINDUSCON, 2013, p. 11)
No entanto, na contramão do problema, identificou-se que de 2000
a 2002 “[...] praticamente 60% dos recursos sob gestão federal foram
destinados às famílias que ganhavam mais de 5 s. m. [salários mínimos]
que representavam 8% do déficit habitacional.” (MARICATO, 2005, p. 1).
Assim, parece claro que o grande desafio do Estado e da sociedade nas
próximas décadas será como solucionar a questão habitacional e todas
as outras dela decorrentes, tais como escassez de terrenos, mobilidade
e poluição ambiental.
A esse desafio acrescenta-se um fato que torna os problemas ainda
mais prementes: a conhecida influência do capital imobiliário sobre as
decisões políticas voltadas para os problemas urbanos. Desde a elaboração
de planejamentos urbanos até a alocação de recursos, essa influência faz
com que se privilegie o interesse de grupos econômicos mais influentes
em detrimento da população carente que mais precisa destes recursos
(Cf. MENDONÇA; COSTA, 2011).
Este trabalho é fruto da pesquisa científica intitulada “A participação
popular nos conselhos gestores de políticas públicas: estudo de caso do
Conselho Municipal de Habitação de Belo Horizonte”, realizada no período
1598
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1599
A pesquisa foi desenvolvida em três etapas e focos de análise: a primei-
ra tratou da estrutura, composição e competência do Conselho (DIAS &
COSTA, 2013; DIAS, 2013); a segunda analisou da qualificação estrutural,
representatividade e atuação do CMH, segundo a ótica dos representantes
da sociedade civil (DIAS; COSTA, 2013).
Nesta terceira etapa e, dando continuidade aos estudos anteriores, este
trabalho tem por escopo aprofundar o estudo institucional do Conselho,
a partir da análise das atas das suas reuniões, como explicitado adiante.
1600
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1601
A falta de previsão de um local próprio para essa população se instalar
fez com que, em 1895, dois anos antes da inauguração da cidade, Belo
Horizonte já possuísse duas áreas de ocupações definidas, além de cafuas
e barracos4 proliferados por toda a cidade, com cerca de três mil pessoas
(GUIMARÃES, 1991).
O zoneamento da cidade foi dividido em Zona Urbana, Zona Suburbana
e Seção Agrícola. A Zona Urbana, delimitada pela Avenida 17 de Dezembro
– que mais tarde seria denominada Avenida do Contorno – constituía o
centro da cidade, em que se instalariam a maior parte da população (pro-
prietários e funcionários públicos) e os prédios da administração pública. A
Zona Suburbana, instalada logo em volta da Zona Urbana, seria designada
para futura expansão da malha urbana assim que a Zona Urbana estives-
se plenamente ocupada. Já a Seção Agrícola, instalada ao redor da Zona
Suburbana, foi pensada como um cordão verde que abasteceria a cidade,
destinada à elite do interior do Estado habituada a esse tipo de atividade.
Como se pode notar pelo zoneamento da cidade, não foi reservado
local adequado para a população operária encarregada de construir Belo
Horizonte ou para a população de baixa renda que foi atraída pelas novas
oportunidades de emprego na capital, pois tal população era considerada
meramente temporária na cidade que, uma vez construída, não iria mais
necessitar dessa mão de obra. Os trabalhadores de baixa renda, assim “[...]
não eram considerados adequados para o modelo de capital moderna que
se pensava para Belo Horizonte.” (BAESSO, 2006).
Como ocorreu no Rio de Janeiro e em São Paulo, a população estrangei-
ra na cidade influenciou de modo decisivo na formação de organizações
e associações operárias, o que ocorreu, no caso de Belo Horizonte, logo
nos primeiros anos de existência da cidade, visando ao mútuo socorro e à
educação moral de seus membros (GUIMARÃES, 1991, p. 85). Assim como
no resto do país, “[...] é frequente, na historio da Belo Horizonte, o registro
sobre greves, protestos e movimento de diversas categorias profissionais
nos primeiros anos da cidade.” (GUIMARÃES, 1991, p. 86).
1602
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1603
Alguns autores (TORRES, 1962; GUIMARÃES, 1991) apontam que foi em
meados da década de 1920 que a população de baixa renda de Belo Hori-
zonte assume postura de disputa pelo território urbano com a Prefeitura. As
primeiras lutas de moradores de baixa renda para melhoria de condições da
infraestrutura urbana como água, energia elétrica e transporte ocorreram
nos bairros da Zona Suburbana como Santa Efigênia, Floresta, Lagoinha e
Calafate (SOMARRIBA, 2004). Em função dos problemas de infraestrutura
da periferia da cidade surgiam cada vez mais intensamente organizações e
movimentos associativos que buscaram reivindicar melhorias de estrutura,
assim como a população de muitas favelas se organizou para enfrentar
o Estado e, mesmo após as contínuas remoções, reestruturaram diversas
vezes ocupações próximas as áreas nobres.
Em meados da década de 1910, a população da Zona Suburbana
representava 70% dos 38.000 habitantes da cidade (ANDRADE; MAGA-
LHÃES,1998, p. 47). Assim, o projeto de cidade moderna pensada para a
capital, associado à ideia elitista de espaços reservados para uma determi-
nada camada da sociedade, fez com que “[a]o contrário das expectativas
dos idealizadores da capital, o crescimento do tecido urbano deu-se no
sentido periferia-centro.” (BAESSO, 2006, p. 10).
A partir da década de 1930 os interesses econômicos industriais
recaíram sob a Zona Suburbana da cidade, levando a um processo de
ordenação do caos existente até então (GUIMARÃES, 1991). Ainda sim,
a década de 1930 foi marcada por diversas manifestações populares que
exigiam infraestrutura urbana para os bairros periféricos sendo, muitas
delas, incentivadas por movimentos partidários (SOMARRIBA, 2004).
Com a implantação do Estado Novo de Getúlio Vargas (1937), devido à
repressão política e à censura de impressa, não há dados de manifestações
urbanas no período, configurando um retrocesso social para história dos
movimentos sociais em todo o país (SOMARRIBA, 2004).
Com a abertura política, em 1945, diversos movimentos se reorganiza-
ram, além de surgirem novos movimentos e comitês com base partidária
que voltaram a estabelecer posição de cobrança por melhorias urbanas
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1605
Com o processo de abertura política, foram reestruturados em Belo
Horizonte muitos movimentos de interesse da população favelada e sem
casa, como, por exemplo, a União dos Trabalhadores de Periferia (GUI-
MARÃES, 1992).
Pela ação e pressão desses movimentos sociais foi elaborado o Projeto
de Lei pelo qual Belo Horizonte ficou reconhecida como a capital emanci-
padora no trato com a questão urbana. Pode-se dizer que a gestão voltada
prioritariamente para os problemas habitacionais no Município de Belo
Horizonte teve início somente em 1983, com a Lei nº 3.532 que criava o Pró-
-Favela (Programa Municipal de Regularização de Favelas). O Pró-Favela
visava à urbanização e à regularização jurídica de algumas vilas e favelas
do Município. O principal ponto desse programa foi o reconhecimento do
direito de a população favelada permanecer na sua moradia. Apesar de ter
gerado poucos resultados efetivos, o Programa ficou conhecido no Brasil
como um modelo pioneiro de gestão urbana preocupada com questões
sociais (FERNANDES & DOLABELA, 2010).
É importante salientar que a história dos movimentos sociais, princi-
palmente os não institucionalizados e de menor abrangência, em Belo
Horizonte, é de difícil mapeamento. A maior parte dos estudos históricos
em relação à formação da cidade e dos movimentos sociais trata apenas
da dita história formal, ou seja, a levantada a partir de dados oficiais, abor-
dando apenas de modo marginal esses movimentos. As dinâmicas sociais
mudam com grande velocidade e se não forem registradas desaparecem
sem deixar rastro na história. Por muito tempo, a atuação dos movimentos
sociais sem casa ou em prol do direito à moradia em Belo Horizonte não
foi foco de estudos na Universidade. A riqueza e diversidade dos movi-
mentos sociais no período de formação de Belo Horizonte provavelmente
são de uma diversidade muito maior do que os estudos empreendidos
até o momento puderam catalogar e descrever, como demonstrado pela
revisão da literatura sobre o assunto.
1606
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1607
definição das agendas políticas por meio de um canal institucionalizado
de atuação coletiva.
Os Conselhos foram um dos mecanismos encontrados para gerar a
reaproximação do Estado e da sociedade, levando à ampliação do espaço
público, através da construção de redes de cooperação e troca de infor-
mações. Para Calazans (2012, p. 15), por intermédio dos Conselhos “[...]
o Estado se torna [...] mais permeável às demandas da sociedade [...].”
Eles passaram a se constituir, por lei, como uma espécie de Assembleia,
a partir da qual a Sociedade Civil e o Estado debatem as mais diversas
temáticas de interesse público, tendo, na maioria dos casos, poder deli-
berativo, ou seja, poder para decidir de forma concreta e obrigatória as
políticas públicas e ações governamentais.
Tais Conselhos foram organizados nas três esferas federativas (União,
Estado-membro e Município), em que participam o poder público (ge-
ralmente representantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo) e
diversos segmentos da sociedade civil, entre outros atores, a depender
da área do Conselho.
A década de 90 pode ser considerada o período de “explosão” dos
conselhos, tendo sido adotados na maior parte dos Municípios brasileiros,
nas mais diversificadas áreas e matérias. Dados divulgados pelo IBGE, em
2001, somente corroboram com essa informação, já que em 1999 mais
de 90% dos 5.564 Municípios brasileiros possuíam Conselhos na área da
saúde e da educação (BRASIL, 2001). Em 2011, por sua vez, foi apurado
que de “[...] 2009 a 2011, 1.041 novos conselhos municipais foram criados
no Brasil, totalizando 15.719.” (BRASIL, 2012). Ou seja, os Conselhos, que
na década de 90, eram vistos como uma oportunidade de democratiza-
ção das políticas públicas, são, hoje, uma realidade na gestão e dinâmica
sociopolítica da maior parte dos Municípios brasileiros.
Apesar de permitir a participação da população interessada nos proces-
sos políticos ligados às mais diversas áreas, é importante ressaltar que a
participação nos Conselhos se faz através da representatividade, ou seja:
a sociedade deve se organizar para eleger membros que a representem
1608
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1609
financiamento e a execução das atividades por meio da coordenação
de órgãos diversificados, sendo possível, ao menos formalmente, a par-
ticipação social em quase todas as etapas. Toda a PMH se organizaria
em torno da participação de grupos organizados, chamados Núcleos de
Moradias. Os Núcleos de Moradia são associações, geralmente regionais,
ligadas à luta pela moradia, criados como mecanismos de participação
nos Orçamentos Participativos Habitacionais (OPH). A função dos OPH
era a de definir quais famílias deveriam ser priorizadas nos programas
habitacionais do município. Para participar dos OPHs a pessoa deveria
se filiar a um Núcleo, participar de todas as reuniões da associação, na
qual eram indicadas, pelos próprios associados, como família prioritária
através de uma auto-organização.
O Fundo Municipal de Habitação teria a função de financiar os pro-
gramas de iniciativas habitacionais do município, que seriam executadas
e planejadas, pela Urbel (Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte) e
pela Secretaria Municipal de Habitação.
O CMH constituiu um dos principais canais institucionais de partici-
pação da sociedade civil na Política Municipal de Habitação e, logo, um
dos pilares mais importantes do SMH. O CMH foi concebido como órgão
deliberativo e competente para analisar, discutir e aprovar os objetivos,
diretrizes e prioridades da Política Municipal de Habitação de Belo Hori-
zonte. Criado pela lei municipal nº 6.508 de 12 de janeiro de 1994, o CMH
pauta-se pela lógica participativa do Sistema Municipal de Habitação, ao
chamar os setores representativos da população de baixa renda do mu-
nicípio para participar e deliberar sobre suas políticas urbanas.
De acordo com o Art. 10 da Lei nº 6.508/94, o CMH tem caráter de-
liberativo e competência para analisar, discutir e aprovar, dentre outros
os objetivos, diretrizes e prioridades da Política Municipal de Habitação,
inclusive propondo a reformulação ou revisão de planos e programas,
a captação e aplicação de recursos para a produção de moradia, além
do acompanhamento e avaliação da gestão econômica e financeira dos
recursos voltadas para habitação.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1611
pluralidade e proporcionalidade; como se dá a formulação das regras de
funcionamento e definição da pauta. No grau de representação sopesou-se,
como indicadores, como são definidas as entidades que podem concorrer
ao assento no Conselho; o número de cadeiras por segmento e como são
escolhidos os conselheiros.
Na segunda parte da análise foi realizada análise de conteúdo das
atas do Conselho. Essa análise baseou-se nas atas divulgadas no Diário
Oficial do Município de Belo Horizonte e nas atas disponibilizadas pela
Secretaria do CMH no período de abril de 2010 a março de 2013. O perío-
do em questão foi selecionado por abranger dois mandatos diferentes do
Conselho (o 2010/2011 e o 2012/2013).
Como explicita CUNHA (2007), a análise do conteúdo dessas atas pode
levar a uma compreensão qualitativa e quantitativa das reuniões do Con-
selho. Para a realização desse estudo foi empreendida a análise das atas,
categorizando os temas das reuniões, as falas dos participantes, assim
como os contextos em que elas foram expressas. A partir dessa catego-
rização foi possível classificar e agregar os temas adotados no Conselho,
avaliando-os tanto sob a perspectiva qualitativa, assim como quantitativa
mediante a verificação da frequência com que os temas foram abordados.
Durante o período selecionado para efetuar a análise das atas, de abril
de 2010 a junho de 2013 (39 meses), foram realizadas 32 reuniões do CMH,
sendo que uma delas foi a Conferência Municipal de Habitação de 2011
e, no período, ocorreram quatro reuniões extraordinárias. Os meses em
que as reuniões não ocorreram, concentraram-se no segundo semestre
de 2012, no qual, em um período de seis meses, somente ocorreram
duas reuniões. Apenas 17 das 32 atas analisadas foram publicizadas por
intermédio do Diário Oficial do Município de Belo Horizonte (DOM/BH).
As outras 15 atas analisadas foram disponibilizadas em meio digital pela
Secretaria do CMH em março de 2013 para fins desta pesquisa.
Das 32 atas analisadas, só em 18 constou lista de presença. Nas outras
14, concentradas a partir de meados do segundo semestre de 2011, não
houve lista dos presentes nas reuniões, sendo que, neste caso, somente
foi avaliada a presença dos conselheiros no biênio 2010/2011.
1612
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1613
Acerca do critério do grau de representação averiguou-se que podem
indicar e votar em candidatos para concorrer ao assento do Conselho
as entidades que se inscreverem junto à Companhia Urbanizadora de
Belo Horizonte (URBEL). O número de cadeiras por segmento é definido
na lei instituidora do Conselho e os conselheiros da sociedade civil são
escolhidos em plenária aberta na qual votam as entidades cadastradas.
Os conselheiros do Poder Público são indicados pelo Poder Executivo
(nove membros) e os do Poder Legislativo (dois membros) pela Câmara
de Vereadores. Assim, conclui-se que o grau de representação formal do
Conselho é alto.
A análise estrutural do Conselho apresentou alguns resultados que
poderiam, a princípio, deturpar o processo democrático de formação de
vontade na gestão da política pública municipal de habitação. Em primeiro
lugar, foi averiguado que, de julho de 2012 até março de 2013, o Conse-
lho se reuniu apenas duas vezes, nos meses de outubro e dezembro de
2012. A falta das reuniões foi justificada pelo Conselho devido, primeiro,
a questões burocráticas envolvendo a substituição dos representantes do
Poder Legislativo à época das eleições legislativas e, no início de 2013,
envolvendo a mudança de governo no Poder Executivo, do qual vários
membros saíram do Conselho em virtude de mudanças de secretarias.
Quanto a estas justificativas, é importante salientar dois pontos. O primeiro
diz respeito à cobrança dos Conselheiros para que as reuniões voltassem
a ocorrer, como foi salientado por muitos deles em entrevistas realizadas
para essa pesquisa, demonstrando uma pressão dos mesmos sobre a
Prefeitura, pelo seu direito de deliberar. O segundo ponto diz respeito ao
fato de que a maior parte dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas
de Belo Horizonte não deixou de funcionar devido aos fatos ocorridos
(mudanças no período pré e pós-eleitoral), mesmo que todos eles tenham
a participação do Poder Executivo e, alguns deles, do Poder Legislativo.
Outro grave déficit democrático detectado é o fato de o Conselho não
possuir uma agenda previamente divulgada das reuniões em meios de
grande circulação para a população em geral, como ocorre com outros
1614
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1615
mínimo de titulares ou suplementes deste seguimento (9 representantes).
Em relação ao Poder Legislativo percebe-se que em média houve repre-
sentação deste seguimento em apenas 3 reuniões do CMH.
Nas reuniões do Conselho são tratados, ou ao menos citados, em mé-
dia, 5 assuntos por reunião. Em relação ao conteúdo destes assuntos, O
Quadro 1 resume os principais assuntos tratados e o número de reuniões
em que tais assuntos foram abordados:
Quadro 1
Assuntos tratados nas reuniões do CMH de Belo Horizonte (2010-2013)
Fonte: Atas de 32 reuniões do Conselho Municipal de Habitação de BH (Abril de 2010 a Março de 2013)
Os dados apresentados nas atas estudadas podem ser vistos como uma
continuação ou reflexo dos resultados da análise institucional. A primeira
conclusão obtida do Quadro 1 é que o CMH atua de modo restrito no que
concerne aos assuntos que deveria tratar.
Os movimentos em prol da moradia em Belo Horizonte podem ser
divididos em dois grupos distintos. O primeiro são os movimentos envol-
vidos com a política institucional de produção de moradia no município,
organizada a partir de Núcleos de Moradia. O segundo grupo social são
os movimentos em prol da reforma urbana de Belo Horizonte, como o
Movimento das Brigadas Populares ou o Fórum de Moradia do Barreiro,
que atuam, dentre outros modos, com a ocupação de terrenos subutili-
1616
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1617
Da mesma forma, quando o CMH tratou da venda de terrenos públicos
para destinação do dinheiro ao Fundo Municipal de Habitação, as princi-
pais ideias vieram do Poder Público que apenas necessitava do aval dos
Conselhos para legitimar esta decisão. Não houve significativa discussão
em torno do assunto, que foram abordados durante as reuniões de junho,
julho e novembro de 2011, e a aprovação do projeto de lei que autorizou
a venda dos terrenos em junho de 2012. No entanto, o projeto teve uma
repercussão negativa na mídia, entre os movimentos sociais em prol da
reforma urbana e no Ministério Público Federal, que denunciou o proje-
to como uma tentativa de privatização dos espaços públicos da cidade
(NASSIF, 2012)
Outro ponto importante diz respeito à capacidade propositiva do Con-
selho. Em uma primeira análise percebeu-se que houve vinte e quatro reu-
niões em que surgiram proposições ou encaminhamentos, configurando
alto teor propositivo do CMH. No entanto, analisando-se mais atentamente
foi possível perceber que somente quatro destas vinte e quatro propostas
foram, ao menos, devidamente discutidas, mesmo que não gerassem reso-
luções normativas. As quatro propostas que foram efetivamente discutas
em outro momento foram: a criação de oficina para esclarecimento de
dúvidas do PLHIS, o adiamento da entrega do PLHIS para possibilidade
de maoires esclarecimentos, construção de uma cartilha do PLHIS de
esclarecimento para os Núcleos de Moradias e aprovar em resolução os
critérios para as entidades se cadastrarem na PMH. Os outros vinte enca-
minhamentos ou proposições foram esquecidos, demonstrando, assim,
a incapacidade do Conselho encaminhar e levar a discussão as ideias
e proposições que não dizem respeito a assuntos meramente técnicas.
Dentre eles podem-se citar importantes proposições que afetam diremente
a dinâmica municipal e de organização do CMH, como: a mudança das
reuniões para um local mais acessível aos conselheiros; a sugestão de
que famílias do mesmo Núcleo obtivesssem apartamentos próximos,
para manutenção de laços sociais; a criação de uma ouvidoria do CMH;
a criação e distribuição de um jornal do CMH; a solicitação que os gastos
1618
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 CONCLUSÃO
1619
na realidade urbana da cidade, deve-se começar a repensar sua lógica e
estrutura de funcionamento.
Os referenciais teóricos deste trabalho partem dos pressupostos que
os canais institucionais de participação podem funcionar de forma de-
mocrática e inclusiva sem serem cooptados pelo sistema administrativo
ou pelos processos políticos clientelistas. Se algum desses fatores ocorre
é porque é chegada a hora da sociedade, como principal interessada nas
medidas tomadas por esse canal, se reapropriar desse espaço participativo
através da pressão pela sua reestruturação e reorganização para que ele
volte a ser sinônimo de democracia e representatividade.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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TORRES, João Camillo de Oliveira. história de Minas Gerais. Belo Horizonte:
Difusão Pan-Americana do Livro, 1962, v. V, Terceira Parte.
NOTAS
1 Mestre e doutora em Direito Administrativo pela UFMG. Professora do Departamento de Direito Público da
Faculdade de Direito da UFMG e da Universidade Fumec. Bolsista de Produtividade em Pesquisa 2 do CNPq.
E-mail: mariaterezafdias@yahoo.com.br.
2 Graduanda de Ciências do Estado na Faculdade de Direito da UFMG, bolsista de iniciação cientifica pelo
CNPq. E-mail: stefane.rabelo@yahoo.com.br.
3 A gentrificação urbana pode ser entendida como um processo de elitização que gera grande especulação
imobiliária em áreas antes ocupadas pela população socialmente carente, resultando na mudança em tais
localidades em relação a hábitos e valores econômicos (NOBRE, 2003). Quando uma área se torna atraente
para uma população mais abastarda ocorre a valorização geral nos preços da terra e custo de vida. Tal pro-
cesso, também chamado de expulsão branca, faz com que o preço de vida em tais locais não seja acessível
para a população carente antes residente, levando à sua mudança para outras localidades, geralmente mais
distantes do centro e com custo de vida mais barato.
4 De acordo com Berenice Guimarães (1991, p. 64), “[...] as cafuas são casas de barro, coberta de capim; os
1623
barracos são feitos de tábuas e cobertos de capim ou zinco e ambos podem estar localizados em áreas invadidas.”
5 A área operária se localizou, espacialmente, na região central-sul onde, atualmente, se situa o Barro Preto.
6 O Programa Vila Viva visa a reestruturação física e ambiental dos assentamentos de baixa renda de Belo
Horizonte, a partir de diagnóstico integrado dos principais problemas da área em com definição das prioridades
locais e das ações necessárias para atendê-las, com a participação da comunidade em todas as etapas (PIMEN-
TA, 2008). O Programa teve inicio em 2005 no maior complexo de favelas de Belo Horizonte, o Aglomerado
da Serra e até hoje o Vila Viva já foi executado em 12 comunidades da região central de Belo Horizonte. Das
diversas críticas levantadas sobre a implementação do Vila Viva, as principais são a cerca da falta de partici-
pação efetiva da população, falhas na regularização fundiária, morosidade para pagamento das indenizações
das pessoas removidas, pressão para abandona das casas entre outros. A esse respeito consultar documentário
“Uma Avenida no Meu Quintal” (PROGRAMA PÓLOS DE CIDADANIA, 2011).
7 O tema do PLHIS foi tratado nas reuniões de junho e julho de 2010, de setembro de 2010 a janeiro de 2011,
de março a maio de 2011e em junho, julho e novembro de 2011.
8 De acordo com a Lei 6508/94, o Conselho é constituído de 20 membros titulares, sendo 6 representantes das
entidades populares, 2 representantes vinculados à produção de moradia, 9 representantes do poder executivo,
2 do poder legislativo e 1 membro escolhido pelo Executivo em listas tríplices apresentadas por entidades de
profissionais liberais relacionadas com o setor.
1624
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1625
ordenamento jurídico há mais de 10 anos, tal dispositivo ainda não encon-
trou correspondência prática na realidade da grande maioria das cidades
brasileiras (a confirmar a desabonadora citação de Jürgen Habermas4).
Parece não haver dúvidas de que a principal razão está na persistência
de um modelo de representação política fracassado, responsável por agre-
gar à jovem democracia brasileira os mesmos sintomas de esgotamento
de democracias maduras europeias. Tal fracasso se funda em padrões
disfuncionais de comportamento, que mesclam a existência de uma le-
gislação avançada acerca da matéria, descumprida pelo Poder Público,
passando por iniciativas ainda pouco consistentes de mobilização popular,
a despeito das grandes manifestações públicas organizadas em torno
do problema da mobilidade urbana nas grandes metrópoles brasileiras,
ocorridos em junho de 2013.
Esse, porém, não será o enfoque do presente trabalho, que pretende
se debruçar, ainda que sem a pretensão de esgotar o assunto, sobre a
seguinte questão: por que a democracia participativa, a despeito desse
retrospecto histórico e no contexto do direito à cidade – e mais espe-
cificamente em sua gestão democrática – ainda encontra significativa
dificuldade de realização?
Tentarei enfrentar essa pergunta em três etapas, ao apresentar o fun-
damento filosófico e normativo-legal da democracia participativa (1) e,
em seguida, verificar se seus pressupostos encontram correspondência
prática ou se há limitações estruturais, de um ponto de vista institucional,
para a participação e quais são as dificuldades individuais e coletivas de
acesso à esfera pública (2), e a como medir a qualidade da participação
(3). Estou convencido que a principal contribuição deste ensaio será o de-
talhamento do problema, o que poderá dar abertura a novas investigações
que se voltem a discutir formas de superação.
Para tanto, recorrerei às principais contribuições teóricas de autores
como Jürgen Habermas e John Rawls acerca do tema da deliberação públi-
co, e também a estudos empíricos acerca da participação. Espera-se como
resultado enriquecer o debate contemporâneo acerca da participação,
1626
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. OS FUNDAMENTOS DA DEMOCRACIA
PARTICIPATIVA: ENTRE A LEGITIMIDADE
PROCEDIMENTAL E A JUSTIÇA SUBSTANTIVA
1627
razão pela qual não fornece prescrições de como agir concretamente
para o desempenho das tarefas práticas, não sendo, portanto, normativa.
A normatividade da razão comunicativa está na obrigatoriedade de
quem age comunicativamente apoiar-se em pressupostos pragmáticos
contrafactuais, empreendendo idealizações e atribuindo significados idên-
ticos a enunciados, e levantando pretensões de validade ao que profere.
Deve também considerar imputáveis os destinatários, ou seja, enxergá-los
como verazes consigo mesmos e com os outros. Com Habermas:
1628
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1629
2. LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS,
DIFICULDADES INDIVIDUAIS E COLETIVAS
1630
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1631
dessa premissa, desestimula-se o participante de opinar e dedicar seu
tempo a defender suas posições, sobretudo quando o Estado se vê como
dissociado da sociedade civil organizada, ou, quando muito, devedor de
satisfação nos períodos que antecedem as eleições, no esquema clássico
da representação.
Ainda que observados os critérios discursivos para que os resultados
da deliberação sejam legítimos, nem sempre eles atendem à finalidade
de tensionar a esfera política à tomada de decisão. Eis, então, o decisivo
problema estrutural da participação, que abre caminho para outra disfun-
cionalidade típica da experiência democrática brasileira, na medida em
que, enquanto as iniciativas de participação da sociedade civil organizada
patinam e encontram dificuldade para ecoar nas esferas de decisão polí-
tica, essa dificuldade não é encontrada pelos grandes players econômicos
do mercado imobiliário que, ao concentrarem significativa quantidade de
recursos, financiarem campanhas eleitorais e terem condições reais de
intervenção, colonizam o planejamento das cidades. Não espanta, então,
que as grandes metrópoles brasileiras se transformaram em verdadeiros
laboratórios de problemas urbanos, tais como o binômio especulação
imobiliária/espoliação urbana, (i)mobilidade urbana, precariedade legal
de parcela significativa das habitações, déficit habitacional etc, todos im-
bricados com questões como meio ambiente, violência urbana e outros.
No entanto, superada essa falha, mediante a regulamentação do artigo
que dispõe sobre a gestão democrática das cidades, estaria resolvido o
problema da participação? Seguramente que não. Há dificuldades coletivas
e individuais – algumas já evidenciadas por Habermas na última citação –
que impedem o efetivo acesso à esfera e ao debate público.
Nas grandes cidades, a questão da mobilidade - tema unificador dos
movimentos populares que tomaram suas ruas em junho de 2013 - é res-
ponsável por subtrair tempo precioso dos cidadãos. Deslocar-se de casa
para o trabalho e para lá retornar ao final do expediente é, por vezes, ta-
refa que consome 3, 4 horas. Como dedicar tempo, então, à participação?
Não há, também, o reconhecimento do valor público deste ato. Dificil-
1632
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1633
importante porque permite aprimorar a participação, otimizar os indica-
dores obtidos nas sessões públicas de discussão e orientá-los para formas
mais efetivas de intervenção e controle social.
O primeiro passo é assumir que seria simplista demais defender que a
totalidade de cidadãos tenha acesso irrestrito a um microfone numa audi-
ência pública. Há uma limitação física, posto que não há espaço disponível
para reunir eficazmente todos os habitantes de São Paulo, à maneira da
democracia direta ateniense. E não se obteria, ainda isso fosse possível,
um resultado prático adequado.
Daí que é necessário fazer uma pergunta anterior: dentro do processo
deliberativo participativo, quem tem legitimidade representativa para
falar em nome da diversidade de componentes sociais interessados na
resolução dos problemas urbanos?
Inúmeros são os envolvidos. São associações de bairros, de mulheres,
são coletivos, sindicatos. São estudantes, associações de imigrantes (legais
e ilegais). São indígenas e sua representação legalmente prevista. São
associações de classe, empresários. São pesquisadores, clubes de serviço,
igrejas. Daí emana a qualidade da participação, embora seja necessário
especificar um pouco mais os critérios definidores dessa participação. Em
primeiro lugar, é certo que há grupos nos quais se observa identidade de
propósitos. Então, como garantir a qualidade representação no contexto
da participação? Há que se construir, então, um critério de aferição legi-
timidade. É necessário que as organizações exerçam eficaz fiscalização
acerca da coerência do discurso de seu representante.
Antes disso, é necessário que a Administração Pública, notadamente
do Poder Executivo, garanta transparência à agenda de ações políticas
dentro de um recorte temporal razoável (p. ex.: um ano), suscetível de
entrar na agenda da deliberação pública. Esse será o ponto de partida
para fomentar os processos participativos, que terão maior impacto, de
início, nas questões que envolvam um público específico e limitado (p. ex.:
mudança nas regras de zoneamento de um determinado bairro).
Questões complexas, como a discussão de um Plano Diretor, decerto
1634
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
ALGUMAS CONCLUSÕES
1635
cimento da ideia e dessas questões laterais é de fundamental importância
para que a participação democrática atinja sua finalidade. Por isso, é papel
da Universidade atuar como caixa de ressonância das vozes da rua, ao
traduzi-la em reflexão transformadora, da mesma forma que é dever do
Estado oferecer espaços e respaldo institucional para que o tema perma-
neça na pauta de discussões públicas.
É passado o tempo do protagonismo estatal divorciado da sociedade
civil. Mais de 70% da população brasileira mora nas cidades. As grandes
metrópoles estão, cada vez mais, se tornando fonte de transtornos e en-
traves ao desenvolvimento humano. Com o crescimento da complexidade
do problema urbano, pensar a cidade se tornou dever de todos. Esse o
desafio do porvir, do qual depende toda a posteridade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1636
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Doutorando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito pela Univer-
sidade de São Paulo. Professor convidado da Escola Paulista da Magistratura. E-mail: wilsonlevy@gmail.com.
2 VITALE, Denise. Democracia direta e poder local: a experiência brasileira do orçamento participativo. In. CO-
ELHO, Vera Schattan P. e NOBRE, Marcos. Participação e Deliberação – Teoria Democrática e Experiências
Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 243.
3 Coincidência ou não, situação análoga ocorre nas discussões sobre o papel e o alcance das chamadas co-
missões da verdade, o que diz muito sobre a maturidade de nossa sociedade civil para a discussão de temas
de interesse nacional. Afinal, ainda nas comissões da verdade, ainda não conseguimos compreender que há
uma diferença fundamental entre as infrações legais cometidos por agentes estatais e os delitos praticados
por indivíduos ou grupos de pessoas, qual seja, a de que a violação de direitos pelo Estado, a estrutura insti-
tucional que se justifica em razão da preservação de direitos e garantias fundamentais, representam, por sua
natureza, crimes de lesa-humanidade. O resultado desse impasse, que perdura mesmo após quase 30 anos do
fim do período de exceção (de 1964 a 1985), é evidente por si e muito danoso para, simbolicamente, superar
os traumas do passado e impedir a repetição de erros históricos. Com efeito, enquanto o país patina no debate
sobre a necessidade de uma reflexão que olhe com cuidado sobre aquilo que aconteceu, não se consegue
avançar no debate sobre os meios e limites destinados a aprimorá-la.
4 Com ele: “(...) o problema de Hegel retorna de outra maneira, quando consideramos aquelas sociedades em
que o teor imaculado do texto constitucional não é mais do que a fachada simbólica de uma ordem jurídica
imposta de forma altamente seletiva. Nesses países, a realidade social desmente a validade das normas, para
cuja implementação faltam as condições efetivas e a vontade política. Uma semelhante tendência à ‘brasilização’
poderia até mesmo se apossar das democracias estabelecidas do Ocidente”. HABERMAS, Jürgen. Verdade e
justificação – Ensaios filosóficos. Trad. Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2002, p. 222.
5 ROUANET, Luiz Paulo. O debate Habermas-Rawls: uma apresentação. Reflexão (PUC-Campinas), v. xxV, n.
78, 2000, p. 111-117.
6 HABERMAS, Jürgen. Três modelos normativos de Democracia. In. Lua Nova, n. 36, 1995, p. 20.
7 Idem, p. 42.
8 Essa a lista fornecida por Luiz Paulo Rouanet em “Sobre o caráter ‘abstrato’ da democracia deliberativa”,
com base na obra RAWLS, John. Reply to Habermas, p. 425. Op. Cit., p. 185.
9 ROUANET, Luiz Paulo. Op. Cit., p. 185.
10 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia v. 2. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997, p. 54. Assinale-se a força da citação. De certa forma, ela abala a convicção, que este autor
compartilha, de que a obra de Habermas padece de intransponíveis déficits sociológicos, na esteira do pensa-
mento, entre outros, de Axel Honneth.
11 HOLSTON, John. Cidadania Insurgente - disjunções da democracia e da modernidade no Brasil. Trad. Claudio
Carina. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 323.
1637
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 - INTRODUÇÃO
1639
precisam de complementação financeira às suas receitas próprias para
equilibrar o orçamento.
Fugindo a tendência da maioria dos municípios brasileiros encontram-
-se aqueles que se beneficiam de rendas compensatórias vindas da ex-
ploração de recursos naturais como royalties e participações especiais
que potencializam a criação de políticas redistributivas e um ambiente
democrático que possibilite investimentos mais igualitários na cidade. É o
caso de Campos dos Goytacazes que foi escolhida como alvo da pesquisa.
Neste contexto, A discussão sobre a democracia no âmbito da gestão
municipal ganha novas dimensões ao se analisar alguns mecanismos de
participação da sociedade como, por exemplo, os conselhos municipais,
1640
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1641
vimento dos MSUs constituiu-se num marco de mudanças nas formas
tradicionais de atuação das classes populares havendo uma separação
entre o tradicional e o novo.
Neste cenário, o tradicional estaria, destacadamente, ligado às práticas
políticas clientelistas das sociedades amigos de bairros (SABs) do final
da década de 1940. Já o novo modelo de atuação das classes populares
caracteriza-se por meio de uma atuação política baseada: i) na autonomia
frente ao Estado e aos partidos políticos; ii) na negação e no combate às
práticas clientelistas e às estratégias de cooptação política; iii) no enfren-
tamento direto com o poder público.
De acordo com Calderón12, os MSUs emergentes responsáveis por este
novo modelo organizavam-se em torno da verificação do cumprimento
dos acordos firmados com o poder público, tendo como instrumento de
pressão frente aos governantes as mobilizações públicas quando da não
consecução de tais compromissos. Tornaram-se assim,
1642
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1643
Dentro deste contexto, o tema acerca da gestão municipal e da demo-
cracia ganha novas dimensões quando se somam os recentes mecanismos
de participação da sociedade organizada e os interesses que entram em
conflito pelos recursos críticos, agora geridos pelos municípios. Em uma
perspectiva normativa, os conselhos municipais se apresentam como
uma das maiores mudanças institucionais da descentralização federativa,
1644
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1645
3–O ESTATUTO DAS CIDADES E OS
MECANISMOS PARTICIPATIVOS LOCAIS
1646
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1647
Com o Decreto n0 5.790, o cenário muda, o ConCidades torna-se de-
liberativo, fator relevante no que tange a uma democracia participativa.
Como expõe Fedozzi et al:
1648
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1649
pos, apesar de haver um movimento em prol da criação desse Conselho,
ele ainda não foi efetivado.
A 50 Conferência Municipal das Cidades realizada nos dias 28 e 29 de
maio de 2013 foi o palco do embate da polêmica construção do ConCidades
no Município. A 50 Conferência Municipal das Cidades teve como tema
“Quem muda a cidade somos nós: Reforma Urbana já!” e foi realizada
como etapa preparatória para a Conferência Nacional. Em Campos a
Conferência foi organizada pelos secretários municipais de Meio ambiente
Wilson Rodrigues Cabral Filho, que presidiu o evento, e pelo Secretário
de Planejamento e Gestão Fábio Augusto Viana Ribeiro e contou com a
participação de representantes da sociedade civil, das associações de
classe, partidos políticos e membros de instituições acadêmicas, assim
como também de outros representantes do governo.
Nesse ínterim, alguns participantes utilizaram a realização da 50 Con-
ferência para postular a efetivação do ConCidades através da posse dos
membros que foram eleitos na conferência anterior. Na 40 Conferência
Municipal da Cidades houve uma eleição para o ConCidades, todavia,
essa eleição está envolvida numa forte polêmica. Por um lado, as pessoas
que foram eleitas pleiteiam a posse no ConCidades, por outro, temos
o poder público Municipal deslegitimando essa eleição alegando que a
mesma ocorreu quando a plenária estava esvaziada não tendo quórum
suficiente para eleição.
Todavia, ficou clara a posição do poder público municipal em não dar
posse aos conselheiros, assim como também não efetivar o ConCidades.
Outra alegação do poder público é que os Conselhos Municipais de Meio
Ambiente e Urbanismo, Habitação e Transportes já efetivados serviriam
como substitutos do ConCidades.
Em contrapartida, os representantes que foram eleitos conselheiros na
conferência anterior pleiteavam que se fosse feita outra eleição durante
a 50 Conferência. Entretanto, como eles haviam impetrado uma ação na
justiça para que fosse dada a eles a posse, os representantes do governo
determinaram que a nova eleição ficasse suspensa até decisão judicial. Isso
1650
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1651
Este exemplo denota claramente que o conselho possui potencial de
funcionamento alinhado a sua finalidade original, mas este depende das
“intenções democráticas” e interesses do Executivo Municipal que coor-
dena os mecanismos decisórios participativos locais possuindo, desta
forma, poder para interferir por meio da cooptação impactando direta-
mente no conjunto de liberdades que asseguram o exercício dos direitos
de cidadania, comprometendo o processo democrático. No município, a
força política do governo é proporcional a sua capacidade de cooptação,
assim quanto maior a cooptação mais recursos para manter o controle
de suas bases.
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
1652
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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1654
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Doutor em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Professor da Univer-
sidade Candido Mendes/Campos. rodrigoanidolira@gmail.com
2 Doutora em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF. Professora da
Universidade Candido Mendes/Campos.ludmatta@yahoo.com.br
3 Notas sobre a região petro-rentista da Bacia de Campos. In: CARVALHO, A. M e TOTTI, M. E. F. Formação
1655
Histórica e Econômica do Norte Fluminense. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. p.275-307.
4 Os Municípios novos ricos do petróleo são mais solidários com sua população? Disponível em http://www.
royatiesdopetroleo.ucam-campos.br. Acesso em 05/09/07.
5 Federalismo no Brasil: análise da descentralização financeira da perspectiva das cidades médias. Disponível em:
http://www.nemesis.org.br/docs/thomp7.pdf> Acesso em: 12/10/2006.
6 SANTOS JUNIOR, O.A.; RIBEIRO, L. C. Q. AZEVEDO, S. Democracia e gestão local: a experiência dos con-
selhos municipais no Brasil. In: __. (orgs). Governança democrática e poder local. A experiência dos conselhos
municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan. 2004.p.12
7 Gestão Municipal e Equidade: Reflexões a partir de duas cidades de porte médio. Caderno CEDEC n.23. 1991.
8 BORJA apud LESBAUPIN, I. Poder Local x Exclusão Social. A experiência das prefeituras democráticas no
Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
9 Grupo de Estudos sobre a Construção Democrática. Os movimentos Sociais e a Construção Democrática:
Sociedade Civil, Esfera Pública e Gestão Participativa. Idéias – Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Hu-
manas. São Paulo, 1999.p.35.
10 Sob o signo da vontade popular. O Orçamento Participativo e o dilema da Câmara Municipal de Porto Alegre.
Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ. 2002.
11 O caráter dos novos movimentos sociais. In: SCHERER-WARREN, I.; KRISCHKE, P. J. (Org.) Uma revolução
no cotidiano? Os novos movimentos sociais na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1987.
12 Conselhos Municipais: representação, cooptação e modernização da política patrimonialista. In: SOUZA,
D. B.. Conselhos Municipais e Controle Social da Educação. São Paulo: xamã. 2008.
13 Ibdem.
14 Mitos da descentralização: mais democracia e eficiência nas políticas públicas. Revista Brasileira de Ciências
Sociais. São Paulo, nº 31, ano 11, junho de 1996. p.16
15 Democracia e gestão local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. In: __. (orgs). Governança
democrática e poder local. A experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan. 2004.p.12
16 Patrimônio cultural e gestão democrática em Belo Horizonte. In: Varia Historia. Belo Horizonte, n. 18, Set,
p.83-98. 1997,p.96.
17 AZEVEDO, S; ANASTASIA, F. Governança, accountability e responsividade: reflexões sobre a institucio-
nalização da participação popular em experiências desenvolvidas e Minas Gerais. In: Encontro da Associação
Brasileira de Ciência Política, 2, PUC/São Paulo, nov, 2000,p.03.
18 CUNHA, F.S..Patrimônio cultural e gestão democrática em Belo Horizonte. In: Varia Historia. Belo Horizonte,
n. 18, Set, p.83-98. 1997,p.96.
19 GOHN, M, G. Papel dos conselhos gestores na gestão pública. São Paulo: Informativo CEPAM, ano I, n.3, p. 07-
17. 2001.p.11. AVRITZER, L. Reforma política e participação no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.p.39.
20 Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas. 2004.p.428.
21 Gestão democrática da cidade. In: DALLARI, A. A.; FERRAZ, S. (orgs.). Estatuto da Cidade. São Paulo: Ma-
lheiros, p. 322-341. 2002.p.329
22 Ibdem 20 p.349.
23 Ibdem 6
24 Voto e Clientelismo na cidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado (Políticas Sociais). PUC-SP. São Paulo:
1999.
25 BRASIL. Lei n0 10.257 de 10 de julho de 2001- Estatuto das Cidades. Disponível em: http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acesso em: 01/07/2013
26 BRASIL. Controladoria Geral da União http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/BGU/2003/Volume1/V23%20-
-%20MCID.pdf. Acesso em: 01/07/2013.p.01
27 Participação no espaço público: o caso do Conselho das Cidades. Dissertação de Mestrado (Sociologia)
UNB/Brasília,2009.p.41
28 Participação, Cultura Política e Cidadania. Sociologias, Porto Alegre, ano 14, n.30, mai/ago. 2012,p.25
29 COHEN, J. Deliberation and Democratic Legitimacy. In: HAMLIN. A e PETTIT, P.(eds.). The Good Polity: Nor-
mative Analysis of the State. Oxford: Basil Blackwell,1989, p. 19 apud FEDOZZI, Luciano et al. Participação,
Cultura Política e Cidadania. Sociologias, Porto Alegre, ano 14, n.30, mai/ago. 2012,p.26
30 IBGE. Censo demográfico 2010. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em: 01/07/2013.
31 PIQUET, Rosélia. Da Cana ao Petróleo: uma região em mudança. In PIQUET, Rosélia (org.) Petróleo, Royalties
e Região. Petrópolis: Garamond, 2003, p. 219.
32 Ibdem 31
33 Representação, Participação e Cooptação nos Conselhos Municipais em Campos dos Goytacazes. Tese de
Doutorado (Sociologia Política) UENF/RJ: 2012.
1656
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Participação popular e
judicialização de conflitos
ambientais em Aracaju-SE
INTRODUÇÃO
1657
de uma lógica normativa, na qual o aparato regulatório contrapõe-se à
realidade da produção do espaço capitalista. Diante disso, consideram-se
quão intensos são os conflitos sócioambientais na configuração urbana e
refletem a busca por melhores condições de vida da população da ZEU.
Os conflitos sociais desencadearam em Aracaju, com mais intensida-
de nos últimos anos na Zona de Expansão Urbana - ZEU, repercutindo
a necessidade de intensa mobilização dos moradores sob a forma de
movimentos sociais. Estes, organizados de forma descentralizada, con-
trariam o modelo tradicional de gestão centralizada implantado, ausente
de canais de participação popular, embora existam conselhos municipais,
mas com nenhuma ou pouca inserção dos moradores. O objetivo da luta
é a obtenção da distribuição de oportunidades igualitárias e transparência
nas decisões dos problemas urbanos.
A luta pela democracia no planejamento urbano traduz-se no enfren-
tamento das desigualdades sociais, através de uma maior participação
da sociedade no processo de decisão das políticas públicas, visando à
promoção de melhor distribuição de serviços e resolução dos conflitos
socioambientais.
1. CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E
PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO NA
ZONA DE EXPANSÃO URBANA DE ARACAJU
1658
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1659
Figuras 1 e 2: Protesto dos moradores da ZEU – cobrança pelo direito à cidade
1660
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1661
cipal, o que se constitui um dos sérios obstáculos para o exercício da
gestão democrática.
Fruto das reivindicações do COMBAZE, talvez o maior ganho para a
área seja a conscientização dos gestores públicos e do poder legislativo,
quanto à atenção com vistas à ocupação da ZEU, perante as necessidades
locais. Os próprios moradores são os maiores fiscais das irregularidades e
denunciam os desastres provocados pela ação de outros agentes.
A razão da participação, segundo a diretora do COMBAZE, reside no
fato da população ter começado
1662
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1663
Quadro 2 - Zona de Expansão Urbana de Aracaju
Participação do Ministério Público
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Em 1994, a primeira tentativa de tratamento paisagístico na Praia de
Aruana foi realizada pela Secretaria Municipal de Planejamento – SEPLAN.
Nessa época, contabilizaram-se 64 edificações construídas na faixa lito-
rânea com uso misto, residencial e comercial. A fiscalização deficiente e
o gerenciamento inadequado do projeto fizeram com que equipamentos
como quiosques fossem utilizados posteriormente como bares (MINISTÉ-
RIO PÚBLICO FEDERAL, 1999).
Em 1998, o Departamento de Estradas e Rodagens – DER/SE executou
a obra da Rodovia José Sarney e indenizou vários bares que se localizavam
na faixa de domínio da rodovia, sendo que a maior parte deles melhorou
as suas edificações, acarretando o aumento do valor da indenização
recebida. A Associação dos Moradores do Aruana – AMAR, insatisfeita
com as condições do uso, iniciou a Campanha SOS-Aruana Urgente,
contando com o apoio do Ministério Público Federal, que resultou num
Termo de Ajuste de Conduta – TAC, dando 90 dias aos barraqueiros para
se adaptarem às exigências, como a não utilização das barracas para fins
residenciais (idem).
Em 2000, foi assinado um Termo de Ajuste de Conduta no MPF entre
a ADBAMA e os comerciantes da Praia de Aruana que determinava que
os bares que não apresentassem o registro de ocupação perante a União
e à Prefeitura e licença ambiental da ADEMA deveriam desocupar o local
(idem). Segundo informações da PMA/ SEPLAN, dos 73 bares existentes
em 2001, nenhum tinha registro de ocupação que legitimasse sua perma-
nência, ou qualquer título que lhes concedesse posse ou propriedade. Além
disso, verificou-se que os barracos contrariavam aspectos urbanísticos,
como desrespeito à faixa de domínio da rodovia, ligação clandestina de
energia, ausência de rede de água e esgoto.
Após diversos embates e ausência de soluções foi assinado, em 2004,
outro Termo de Ajustamento de Conduta entre MPF, Prefeitura e os proprie-
tários, que obrigou o município a desenvolver um projeto de construção
e de padronização das edificações e seu entorno. Desse convênio surgiu
o Projeto de Reurbanização da Orla de Aruana.
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Apesar de drástica, a medida pode ser em parte creditada na omissão
do poder público municipal, que contribuiu para a expectativa por parte
dos comerciantes de que a situação se arrastaria sem definições por longo
tempo, em verdade por mais de oito anos. Observa-se, ainda, que o des-
fecho se deu após a inclusão da administração municipal como parte no
Termo de Ajustamento de Conduta e, por decisão final da Justiça Federal.
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Figura 5: Realidade Ambiental da ZEU
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imobiliários da zona.
O Ministério Público Estadual assinou mais um TAC em 2006, desta vez,
junto à ADEMA (órgão estadual licenciador ambiental), que definiu critérios
para licenciamento ambiental na ZEU, dividindo-a em duas áreas: a Zona
Crítica, “considerada àquela que atualmente apresenta os maiores problemas
de drenagem natural”, cujo órgão “não licenciará nenhum empreendimento
com sistema de tratamento dos esgotos cuja disposição final dos efluentes
seja através de infiltração no solo” (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
SERGIPE, 2006a, p.4). Na outra área, correspondente ao restante da zona,
somente serão licenciados aqueles empreendimentos
1671
Entretanto, as maiores restrições diziam respeito referente às empresas
de construção civil, pois a Empresa Municipal de Obras e Urbanização
- EMURB não poderia conceder novos alvarás e negar o “Habite-se” às
construções em andamento que não obedecessem ao TAC. Essas, ainda,
deveriam apresentar cronograma de execução dos projetos e obras e re-
solver de forma emergencial, os problemas resultantes dos alagamentos.
O Governo Municipal e o Estadual foram condenados a solucionar o
entrave da drenagem e do esgotamento sanitário, resultado da ausência
de comprometimento com a questão ambiental. No auto de decisão está
anunciado que esses problemas
1672
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1673
ticas ambientais. Além disso, o controle e a fiscalização da execução das
normas tem se mostrado insuficiente.
Na prática, em Aracaju, principalmente na Zona de Expansão Urbana,
ocorre um antagonismo na legislação, que reconhece o acentuado déficit
de infraestrutura e serviços públicos e, ao mesmo tempo, define coeficiente
de aproveitamento na área igual a três. Ao possibilitar ao mercado imo-
biliário a criação de maior área construída, o resultado é o adensamento
populacional, a degradação das dunas, lagoas de drenagem e mangues,
a ocorrência das calamidades naturais, como alagamentos e inundações,
prejudicando as condições de vida da população e distanciando-se do
ideal da “capital da qualidade de vida” difundido como slogan da gestão
municipal atual.
Como decorrência, a população tem se organizado e acionado a Justiça
que, através dos Termos de Ajustamento de Conduta, exigem a resolução
dos problemas. Esses TAC´s tem substituído a função de planejamento
na gestão pública no que se refere às questões urbanas e ambientais.
Entretanto, as exigências impostas não têm sido concretizadas em sua
totalidade, devido à indisponibilidade de recursos e à exiguidade dos
prazos solicitados.
A Zona de Expansão Urbana de Aracaju é marcada pela degradação
das suas condições urbanas e ambientais, pela atuação do Poder Executivo
municipal ou estadual, que estimula a ocupação através dos investimentos
em intervenções e pela lógica do mercado imobiliário, em busca de novas
fronteiras de valorização fundiária. Embates entre diferentes interesses,
que se resumem em ocupar ou não áreas e dotar as áreas já ocupadas de
infraestrutura, dão os contornos da luta pela apropriação do espaço na
ZEU de Aracaju.
Em meio às frágeis condições ambientais, as inúmeras tensões refle-
tem o repúdio da população à fraca atuação do Poder Público. As mani-
festações são intensas, a cobrança é ativa. Os moradores participam, ao
exigir não somente intervenções, mas um planejamento integrado que
sirva, efetivamente, para auxiliar no desenvolvimento local. Isto permite
1674
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1675
to de seus deveres, quando esses são substituídos pelo planejamento
integrado e pela implementação da política urbana municipal. A ordem
judicial de paralisar a emissão de licenças, numa área deficiente de sa-
neamento ambiental, foi tardia, mas essencial. Isso porque as discussões
sobre a necessidade do Plano de Macrodrenagem começaram junto aos
órgãos competentes, antes mesmo do Plano Diretor de 2000. Em realidade,
passaram-se onze anos e medidas como a preparação e a implementação
do plano não haviam sido tomadas.
Contudo, mesmo com o desempenho do Ministério Público, ainda se
observa morosidade no andamento das ações e na reparação dos danos
causados pelo Poder Público com a implementação de atividades nocivas
à sociedade. Ainda assim, os moradores tem se valido desta instituição
como estratégia para se fazer ouvir e garantir sua cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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NOTAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1679
No terceiro estágio, após apresentação do histórico da legislação urba-
nística e definições teóricas pertinentes, o presente trabalho busca redefinir
o conceito de participação pública contido na legislação analisada para
incluir em seu conteúdo a necessidade vinculante de transferência de poder
decisório. Destaca-se, ainda neste capítulo, a associação do conceito de
participação pública com os limites de atuação do Poder Público – adstrito
do princípio da legalidade. Por fim, os conceitos trabalhados são aplicados
à previsão de participação pública contida no Estatuto da Cidade.
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1681
seja executada em âmbito local – através do Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei – e que seu principal objetivo é
o de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, CFRB). Nesse mesmo
sentido destaca-se a figura do Plano Diretor que – a despeito da sua real
eficiência9 – cumpre o papel de principal instrumento de planejamento
urbano local.
Ao passo que a gestão do espaço urbano deve ser executada pelos
municípios, a CFRB declarou ser competência da União a elaboração de
diretrizes gerais para orientar o desenvolvimento urbano, inclusive no
que se refere à habitação, saneamento básico e transportes urbanos (cf.
art. 21, xx)10.
Assim, com base nos referidos dispositivos constitucionais é que o
Estatuto da Cidade, instituído por meio da Lei n. 10.257/01, encontra
fundamento. É nesse instrumento normativo que as diretrizes gerais da
política urbana, conforme arts. 21, xx, 182 e 183 da CFRB.
O Estatuto da Cidade apresenta a expressão ordem urbanística como
um novo valor/bem a ser defendido por meio da Ação Civil Pública. Se-
gundo Machado, apesar de não haver uma definição acerca da expressão
acima, seria possível extrair do art. 1º, §1º, do Estatuto, uma orientação
para estabelecer seu conceito. Nesse sentido, afirma o referido autor:
Ordem urbanística é o conjunto de normas de ordem pública e de interesse
social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,
da segurança, do equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos11. Ainda
segundo Machado, a ordem urbanística seria a institucionalização do justo
na cidade.
Como será detalhado a seguir, a forma utilizada pelo legislador para
buscar atingir o justo foi, dentre outros, imbuir no Estatuto da Cidade o
princípio da participação pública. Assim, o controle social foi previsto
como requisito obrigatório, garantidor da implementação adequada do
regramento da Lei n. 10.257/01.
1682
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A Lei n. 10.257/01, em seu art. 2º, define postulados para guiar o Poder
Público indicando as finalidades a serem atingidas, os caminhos a serem
percorridos e os atos que devem ser evitados. Segundo Carvalho Filho13,
diretrizes gerais da política urbana seriam o conjunto de situações urba-
nísticas de fato e de direito a serem alvejadas pelo Poder Público no intuito
de constituir, melhorar, restaurar e preservar a ordem urbanística, de modo
a assegurar o bem-estar das comunidades em geral. Dentre as diretrizes
gerais associadas direta e indiretamente à participação publica (e.g. art.
2º, II, III, V, xIII, etc.) destaca-se a
1683
Impacto de Vizinhança – EIV16 (art. 4º, VI), e, em especial, a previsão que
determina que os instrumentos que demandam dispêndio de recursos por
parte do Poder Público devem ser objeto de controle social (art. 4º, §3º).
A gestão participativa é verificada ainda no principal mecanismo para
a gestão urbanística local, o Plano Diretor. Com a função, dentre outros,
de conferir conteúdo à função social da propriedade urbana, a elaboração
e a fiscalização do Plano deve incluir a sociedade civil por meio de audi-
ências públicas, debates com a população e associações representativas,
acesso e publicidade aos documentos e informações produzidos (art. 40,
§4º, I, II, III).
Por fim, o Estatuto dedicou, ainda, capítulo específico sobre a gestão
democrática da cidade. O capítulo IV do Estatuto, além de exemplificar os
instrumentos que podem ser utilizados para incluir a sociedade no debate
sobre o urbano (i.e., através de órgãos colegiados, debates, audiências
públicas, consultas públicas, conferências e autorizando a iniciativa po-
pular de projeto de lei, planos, programas e projetos de desenvolvimento
urbano – art. 43, I, II, III), prevê a inclusão obrigatória e significativa da
sociedade nos organismos gestores das regiões metropolitanas e demais
aglomerações urbanas visando garantir o controle direto das atividades
desses organismos e o pleno exercício da cidadania (art. 45).
Segundo Fiorillo17, o capítulo IV romperia com a visão administrativis-
ta que visa disciplinar as cidades através de regramentos impostos pelo
Poder Público para permitir, com base nos fundamentos constitucionais
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CFRB) e da cidadania (art. 1º,
II, CFRB), a garantia da tutela do urbano através da participação direta.
Carvalho Filho18 complementa a visão acima ao afirmar que a gestão
democrática prevista no Estatuto exclui a tradicional gestão exclusiva
do Poder Público que, segundo o autor, acabou por ensejar uma série de
descalabros na ordem urbanística, e continua ao afirmar que, se um plano
urbanístico resulta apenas de pareceres técnicos elaborados em gabinetes de
autoridades administrativas, as ações que dele provierem não representarão,
com certeza, os anseios das comunidades. Nota-se, em nenhum momento
1684
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1685
Segundo Moraes21, o Estado Constitucional configura-se como uma das
grandes conquistas da humanidade. Nesse sentido, as grandes qualidades
desse modelo seriam: (i) o Estado de direito, e (ii) o Estado democrático.
O Estado de direito caracteriza-se por apresentar, dentre outras, as
seguintes premissas: (i) primazia da lei; (ii) separação de poderes como
garantia da liberdade ou controle de possíveis abusos; (iii) reconhe-
cimento e garantia dos direitos fundamentais incorporados à ordem
constitucional, etc.
O Estado democrático, que possui, dentre outras, a função de afastar
a tendência humana ao autoritarismo e à concentração de poder, deve
ser regido por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e
pelo povo. Nesse sentido, a Carta Magna brasileira, no parágrafo único
do art. 1º adota o princípio democrático ao afirmar que todo poder emana
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos
termos desta Constituição, e, mais adiante o corrobora por meio do art. 14,
a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei. O princípio demo-
crático exige a participação de todos na produção da vida política, a fim
de garantir respeito à própria soberania popular22. Em outras palavras, o
pressuposto democrático, em tese, serviria como garantia de legitimação
e limitação do poder.
Todavia, o exercício da democracia representativa por si só não garante
que todos que tenham direito a voto sejam efetivamente representados23.
Dessa forma, para que não se verifique verdadeira ditadura da maioria, o
exercício do poder democrático – isto é, a forma pela qual o povo participa
do poder – deverá se valer não só dos mecanismos de representação, mas
também dos mecanismos participativos24.
Segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino25
1686
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1687
híbridas de relação entre a representação e a participação, esse objetivo
ainda não foi alcançado no Brasil democrático28.
Ao concluir, Avritzer afirma que as formas de participação precisam
de meios de articulação com o legislativo sob pena de possuírem redu-
zida eficiência, inviabilizando a tarefa de complementação de déficits ou
incompletudes presentes tanto no sistema representativo como no direto.
Por outro lado, há quem critique o crescimento da participação da
sociedade civil que, em diversos momentos, não se sente efetivamente
representada pelos mecanismos formais. Nesse sentido, Leydet afirma que,
apesar de a sociedade civil29 aparecer como o lugar possível de um projeto
verdadeiramente democrático, sua atuação é questionável. Primeiro, se-
gundo a autora, porque essa situação configuraria um paradoxo, eis que
não sendo eleitos pelo conjunto dos cidadãos, dificilmente a sociedade
civil poderia pretender uma melhor representatividade que a dos eleitos.
Em segundo lugar a autora identifica a ocorrência de dois sintomas: (i)
a desvalorização da eleição como princípio fundamental de legitimação
democrática; e (ii) o questionamento da qualidade de representante(s) do
governo eleito30.
A despeito da pertinência das críticas levantadas ao modelo republi-
cano, esse trabalho se filia a corrente que segue na direção apontada por
Avritzer nas obras já mencionadas. Isto é, no sentido de que a participação
pública pode influenciar positivamente a qualidade de determinadas po-
líticas públicas, possuindo efeitos distributivos e de redução da pobreza.
1688
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1689
popular. Para tanto, instrumentos de representação e participação deverão
ser complementarmente utilizados. Contudo, em momento algum essa
participação pode ser adjetivada para excluir, reduzir, mitigar ou mascarar
seus efeitos. Conforme acima entendido, qualquer tentativa de redução
do exercício da democracia vai de encontro à própria fundamentação do
Estado brasileiro.
Participação
Lema e tópico central em programas e doutrinas reformistas ge-
neralizadas a partir dos anos 60, quando se pensou em contrapor
à massificação, à centralização burocrática e aos monopólios de
poder o princípio democrático segundo o qual todos os que
são atingidos por medidas sociais e políticas devem participar
do processo decisório, qualquer que seja o modelo político ou
econômico adotado35. (grifos nossos)
1690
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1691
Na definição acima apresentada, a autora destaca que a necessária
transferência de poder e sua capacidade inclusiva são conteúdos primor-
diais da participação pública. Ao inserir cidadãos desprovidos de poder
decisório (no âmbito da representação), a participação possibilita a esses
indivíduos que colaborem no desenvolvimento de um horizonte futuro.
Essa possibilidade de participação na formulação e implementação de
políticas públicas produz efeitos positivos, como a redução de desigual-
dades sociais, segundo Avritzer40.
Arnstein cria, ainda, uma tipologia de oito níveis de participação41.
Apesar de a escala ser uma simplificação da realidade, por meio dela é
possível constatar – como a própria autora o faz – que formas de “ma-
nipulação”, “terapia”, “informação”, “consulta” e “apaziguamento”, em
verdade, não podem ser caracterizados como participação. Isso porque,
esses mecanismos de suposta intervenção popular se limitam – no má-
ximo – a ouvir as eventuais colaborações, sem, no entanto, garantir que,
efetivamente, a população será atendida. Assim, a participação será veri-
ficada somente nas situações em que houver transferência de poder, caso
contrário, resultará em um procedimento vazio e frustrante para aqueles
desprovidos de poder.
1692
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1693
princípio da democracia e da participação, atingindo diretamente o
princípio da legalidade. Essa idéia pode ser preliminarmente extraída
de Fagundes ao afirmar que é preciso, ainda, que [a atuação da Admi-
nistração Pública] se exerça segundo a orientação dela [da lei] e dentro
dos limites nela [da lei] traçados47.
Tendo em vista a obrigação de o Poder Público observar o princípio da
democracia e da participação, avalia-se para fins da presente análise, duas
possíveis situações em que se poderia questionar a validade de seus atos:
(i) quando o mecanismo de participação – previsto na legislação – não é
observado (ou é insuficientemente observado); ou (ii) quando não se veri-
ficar um tratamento justo e igualitário na produção dos atos estatais. Em
ambos os casos, haverá violação do princípio da legalidade. No primeiro,
verificar-se-á desobediência à própria legislação em vigor. No segundo,
a atuação do Poder Público colidirá com o princípio da democracia e da
participação, fundamento do próprio Estado Democrático de Direito.
1694
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1695
for conduzida de maneira democrática. Contudo, essa interação entre
sociedade e Poder Público na formulação de políticas públicas urbanas
não se resume aos mecanismos formais de participação. A expressão
“democrática” não foi utilizada de forma descuidada, pelo contrário, a
opção pelo emprego do referido termo tem a finalidade de garantir que
o Poder Público obrigatoriamente inclua a sociedade, de forma direta, na
gestão do domínio urbano. Isso significa dizer que os assuntos locais liga-
dos à ordem urbana devem passar pelo controle social. Note que não há
espaço para a discricionariedade do ator público, a intervenção popular é
obrigação legal. Ou seja, a inobservância desse comando legal implica na
extrapolação dos limites do agir público, violando, assim, dentre outros,
o princípio da legalidade.
Não há que se falar, todavia, que a listagem contida no art. 43, por
exemplo, vincule e limite o significado da expressão “gestão democrática”.
Em verdade, pode-se extrair exatamente o contrário, isto é, a opção pela
utilização da expressão “entre outros” no referido artigo reforça a idéia
de que o legislador em jamais pretendeu restringir a participação, forne-
cendo – em contraste – ampla margem para o desenvolvimento de outros
instrumentos para melhor permitir a inclusão da sociedade na formulação
de políticas públicas urbanas.
Nesse mesmo sentido pode-se analisar a previsão de participação pú-
blica na elaboração do Plano Diretor. Inclusive interessante notar que, no
art. 40, §4º, o legislador incluiu pelo menos um efetivo instrumento de
participação direta, ao afirmar que os Poderes Legislativo e Executivo têm
o dever de garantir não só a informação (através das audiências públicas),
como também, a realização de debates, instrumento que pressupõe efetiva
interação da sociedade civil interessada com o Poder Público.
Por fim, a leitura do legislador sobre a participação pública foi tão am-
pla que, no art. 45, fez questão de incluir a intervenção popular quando
as questões urbanas locais forem tratadas por organismos regionais (e.g
regiões metropolitanas e as aglomerações urbanas). Nesse artigo, há a
utilização da expressão “controle direto” evidenciando uma vez mais a
1696
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CONCLUSÃO
1697
em sua plenitude se, entre outros, os instrumentos de participação forem
amplos e irrestritos, sendo vedada sua utilização para outros fins, senão
o de permitir o controle social pelos grupos deficitários de representação
pelo modelo representativo tradicional.
Exatamente pela necessidade de conceber a participação como verda-
deiro instrumento de transferência de poder, como defende Arnstein55, é
que este trabalho optou por adjetivar a participação como “efetiva”. Apesar
de essa qualificação poder ser considerada um equívoco, este artifício
tem por finalidade contrastar a utilização do referido instituto apenas
formalmente, como mais um requisito previsto na legislação. Assim, é
possível concluir que, nos casos em que não houver essa transferência
de poder decisório – e ai poder-se-á avaliar o nível de permuta –, será
incorreto considerar que houve participação pública e, por conseguinte,
preenchido o requisito legal.
Considerando essa acepção de participação pública, e tendo em vis-
ta que a atuação do Poder Público está adstrita ao limite definido pelo
princípio da legalidade, nos casos em que houver a previsão legal de
participação e não se verificar transferência de poder, o ato em questão
será ilegal e ilegítimo.
Mesmo diante da dificuldade de implementação56 decorrente da elevada
complexidade dos problemas urbanísticos, a participação deve ser sempre
um elemento de destaque quando da elaboração das políticas públicas
urbanas. Isso porque, a necessidade de ampla e efetiva participação dos
envolvidos no processo de construção do espaço urbano está relacionada,
dentre outros, com o elevado grau de interação entre o território e as rela-
ções sociais, como claramente expõe Rosa no trecho a seguir destacado:
1698
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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3 PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 130-168;
PRADO JUNIOR, Caio. história Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1998. p. 225-256.
4 A desapropriação por utilidade pública veio a ser prevista na Carta Magna para fundamentar regramentos
anteriores que autorizavam desapropriações para, por exemplo, construção de vias férreas por meio da Lei n.
816/1855. A referida lei, apesar de ser anterior à República, foi sendo ampliada por meio da edição de outras
normas para incluir a previsão de desapropriação para outras finalidades públicas (e.g. as obras de renovação
urbana no Rio de Janeiro no início do século xx).
5 Art. 15. A autonomia municipal será assegurada: (...)
II - pela administração própria, no que respeite ao seu peculiar interesse, especialmente quanto:
a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação de suas rendas, sem prejuízo da
obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; e
b) à organização dos serviços públicos locais
6 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 56-57.
7 FREITAG, Barbara. Teorias da Cidade. Campinas: Editora Papirus, 2006. p. 125-149.
8 A CFRB, por sua vez, conferiu considerável atenção à matéria urbanística/ambiental ao longo de seu texto
(arts. 21, xx; 23, III, IV, VI e VII; 24, VII e VIII; 182; e 225, etc.).
9 Sobre as críticas acerca da concepção e do uso do instrumento plano diretor ver: VILLAÇA, Flávio. Uma
contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: O processo de urbanização no Brasil.
DEÁK, Csaba. SCHIFFER, Sueli Ramos. (org.). São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999. p. 171-243.
10 Como intermediário nessa situação encontram-se os Estados (art. 24, I, CFRB) que, concorrentemente,
possuem a competência para legislar sobre direito urbanístico.
11 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
376-377.
12 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª ed. São Paulo: Revista dos
1701
Tribunais, 2005. p. 714-715.
13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2005. p. 20-21.
14 Segundo Carvalho Filho, a participação da coletividade seria classificada como uma diretriz social, ou
seja, que visa proporcionar algum tipo de benefício direto à coletividade, individual ou coletivamente, ou que
admitem a participação da comunidade no processo de urbanização (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op.
cit., p. 23). Como se demonstrará no decorrer desse trabalho, a previsão de participação pública contida no
Estatuto da Cidade não é facultativa ou tampouco mero requisito formal. O controle social efetivo é obrigatório
e indispensável para a gestão do espaço urbano.
15 Nota-se que o caput do art. 4º, que define os instrumentos, não é taxativo, autorizando o legislador e/ou
administrador vislumbrar outras ferramentas para a gestão da cidade.
16 Deve-se destacar o EIA e o EIV como exemplos de instrumentos que contemplam a participação pública,
pois há em seu processo de elaboração momento específico e obrigatório em que deve haver participação da
sociedade civil (em audiência pública, ou na fase de comentários públicos aos estudos).
17 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2008. p. 126-127.
18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2005. p. 37-38.
19 BONIZZATO, Luigi. O advento do Estatuto da Cidade e conseqüências fáticas em âmbito da pro-
priedade, vizinhança e sociedade participativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 168.
20 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Lisboa:
Almedina, p. 87.
21 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2008. p. 05.
22 Sobre o princípio democrático, interessante destacar a definição de democracia de Schmitt: As a state
form as well as governmental or legislative form, democracy is the identity of ruler and ruled, governing and
governed, commander and follower (SCHMITT, Carl. Constitutional Theory. North Carolina: Duke University
Press, 2008. p. 264).
23 No caso da representação dos interesses das gerações futuras, faz-se necessário observar que, mesmo
apesar destes (que não existem e que poderão existir) não possuírem direito ao voto, seus interesses devem
ser considerados, sob pena, dentre outros, de violação ao art. 225 da Constituição Federal de 1988.
24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 136-142.
25 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 2. 5ª ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. p. 889.
26 Outras formas de participação direta são asseguradas ao longo do texto constitucional, como, por exemplo:
arts.10, 11, 194, VII, 206, VI, 216, §1º, etc.
27 AVRITZER, Leonardo. Sociedade Civil e Participação Social no Brasil. <http://www.democracia-
participativa.org/files/AvritzerSociedadeCivilParticipacaoBrasil.pdf> (acessado pela última vez em 01.08.12)
28 AVRITZER, Leonardo. Reforma política e participação no Brasil. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA,
Fátima (org). Reforma política no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 35-42
29 A própria autora esclarece que o conceito de sociedade civil por ela utilizado no trabalho em referência
corresponde ao esquema tripartite adotado por Jürgen Habermas e discípulos (e.g. Jean Cohen e Andew Arato),
em que se distingue a sociedade civil tanto do mercado quanto do Estado.
30 LEYDET, Dominique. Crise de representação: o modelo republicano em questão. In: Retorno ao republi-
canismo. CARDOSO, Sérgio. (org.) Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 67-92.
31 CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1987. p. 169.
32 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2008. p. 21.
33 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 2. 5ª ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. p. 1107.
34 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
p. 104-105.
35 RIOS, José Arthur. Participação. In: SILVA, Benedicto. (coord.). Dicionário de Ciências Sociais. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 1987. p. 869-870.
36 INTERNATIONAL ASSOCIATION FOR PUBLIC PARTICIPATION – IAP2. Core Values, 2007. <http://www.
iap2.org/> (acessado pela última vez em 05.08.12)
37 PERKINS, Douglas D.; ZIMMERMAN, Marc A. Empowerment Theory, Research, and Application. In: American
Journal of Community Psycholoy, Vol. 23 n.5 1995. p. 569-579.
38 ARNSTEIN, Sherry R. A Ladder of Citizen Participation. In: Journal of the American Institute of Plan-
ners, Vol. 35, n. 4, July, 1969. p. 216-224.
39 ARNSTEIN, Sherry R. Op. cit., p. 216-224.
1702
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1703
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1705
Não obstante a previsão constitucional e legal do instituto do plane-
jamento e seu viés participativo, o que se observa é que o Direito Admi-
nistrativo não o vê, sendo ele, então inexiste: esta é a primeira crítica.
Num segundo momento, traz à discussão acerca da própria Adminis-
tração Pública que também, mesmo diante das previsões normativas do
planejamento, não o reconhece de forma plena, o que se traduz que não
vê esse objeto na sua inteireza. Isto se assevera e específica quando do po-
sicionamento do Supremo Tribunal Federal através de Repercussão Geral.
Por fim, numa quarta parte, o trabalho apresenta uma possibilidade de
que o planejamento participativo não pode ser distanciado de um nível de
procedimento dentro de um modelo atual da Administração Pública que
busca o resultado como garantia da eficiência da Administração Pública.
1706
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1707
ler o sistema, por que poderá inclusive comprometer a estrutura desse
mesmo sistema noutra ótica, é uma forma abissal, homogênea que não
se pode ser recepcionado num mundo hoje que é plural.
As coisas existem quando falamos sobre elas, como já dito por Nieztche,
mas é imperioso que o cientista, que o pesquisador tenha olhos para ver
todo o mundo, todo o objeto, a realidade da vida.
O planejamento pode se enquadrar nessa perspectiva. O planejamento
como instituto do direito, que é uma função da Administração Pública,
que deve ser construído de forma participativa, que deve ser tratado como
inerente a atuação do Estado não pode ser não visto, ou mesmo inexistente
seja pelo Direito Administrativo, seja pelo Administrador, seja pelo próprio
Poder Judiciário. Isto porque, o planejamento participativo, principalmente,
urbano, é o retrato da realidade dos habitantes de uma cidade, é o retrato
da própria cidade, é o que melhor pode expressar do Direito à Cidade, é
o que poderá atingir as funções sócias da cidade.
Demonstrar, assim, que o planejamento está do outro lado do abismo
e mesmo propor um pensamento pós-abissal demanda uma leitura cé-
tica do próprio Direito Administrativo e de como a Administração trata
esse instituto.
Carlo Ari Sundfeld bem coloca essa visão cética em um de seus re-
centes trabalhados13.
O autor destaca na sua apresentação que os céticos preferem olhar en-
viesado para as coisas14. Isto quer dizer que esse olhar cético proposto, do
qual esse trabalho se alia, apresenta essa definição de cético como uma
forma de testar as coisas, de irritá-las, que brinca com as convenções, que
inventa, que não se receia da realidade15.
O olhar cético se fundamenta numa crítica, no apontar uma determina
aspecto que a maioria daqueles que constroem o Direito Administrativo
ou mesmo o aplicam no mundo real, como a Administração Pública, ou
mesmo o Poder Judiciário, o não o fazem. É incentivar a um pensamento
1708
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1709
Estado de Direito, dando-lhe ainda o caráter de Democrático, o que impul-
sionou uma nova relação de poder, de organização social e de estrutura
do direito. Trouxe, portanto, em seu conteúdo, vários dispositivos que
fazem menção ao ato de planejar que deve ser procedido pelo Estado na
definição e construção de direitos que versem sobre os mesmos diver-
sos bens jurídicos. A título de exemplo para o presente trabalho pode-se
destacar: habitação e saneamento básico (23, Ix); reforma agrária (184,
§4o); transporte (Artigo 208, VII); o art. 182, parágrafo 1º (Plano Diretor).
O planejamento, então, dá um primeiro salto com relação a seu re-
conhecimento quanto um instrumento/fim para garantir direitos funda-
mentais através de implementações de políticas públicas, definindo –o
planejamento- princípios, diretrizes, objetivos.
1710
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1711
Em relatório elaborado pelo Núcleo Jurídico de Políticas Públicas – NU-
JUP, do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, revelou-se que os Manuais de
Direito Administrativos não tratam do planejamento como uma função
da Administração Pública.
Foram consultados 39 (trinta e nove) manuais de Direito Administrativo,
de 1956 até 2012, partindo-se da premissa de que o planejamento compõe
uma das funções da Administração Pública. Identificou-se o seguinte: (i)
muitos autores tratam função da administração pública como sendo ati-
vidade da administração pública; (ii) a grande maioria ainda, versam de
forma genérica sobre as funções do próprio Estado, apontando elas como
aquelas dos Três Poderes que o formam; (iii) a maioria também destaca
como sendo funções da Administração Pública aquelas relacionadas ao
serviço público, ao poder de política, a intervenção e ao fomento21, o que
se repete quando uns autores fazem menção a outros que assim as define,
por fim: (iv) há aqueles que apresentam uma classificação das funções
administrativa, desenvolvem outras teorias como a função administrati-
va formal ou material, típica ou atípica, orgânica e inorgânica, mas sem
tratar do planejamento como uma destas; (v) há os que fazem menção ao
planejamento, mas ou tratando como um instrumento que não pertence
do sistema jurídico, sendo puramente estratégico, ou apenas citando-o.
Dentre esses últimos, inicia-se com Álvaro Lazzarini, que afirma que o
planejamento seria inviável sob o ponto de vista dos princípios jurídicos
que informam as atividades de Administração Pública:
1712
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1713
Hely Lopes Meirelles, que mesmo tendo sua obra Direito Administrativo
reeditada e atualizada, sendo a última edição de 2012, tratou o planeja-
mento no âmbito intrínseco da própria Administração Pública, ainda que
sob a ótica de ser ele definidor de metas:
1714
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1715
políticas públicas que visam garantir direitos fundamentais e sociais por
meio de planos, planejamentos e programas que garantam as funções
sociais da cidade.
Estes dados foram colhidos junto ao IBGE/MUNIC30, dados referentes
a municípios brasileiros, tendo como base o ano de 2011 e apenas os
municípios do Estado de Minas Gerais. Foram destacadas as tabelas que
descrevem políticas públicas relacionadas à função social da cidade, à
exceção das funções de trabalho e lazer, que não se encontrou programas
ou plano ou planejamento a elas relacionados direta ou indiretamente.
Foi, então, analisado três tipos de tabela: aquela que versa sobre moradia/
habitação; aquela que versa sobre alguma forma de circulação/mobilidade
urbana e sobre saneamento básico.
O outro dado utilizado no presente trabalho como retrato do mundo
da vida, foi o Relatório do Observatório das Metrópoles, datado de 2011
em conjunto com o IPPUR/UFRJ, intitulado Os planos diretores munici-
pais pós-estatuto da cidade: balanço crítico e perspectiva31. Este trabalho
se assentou na análise de vários Planos Diretores de cidades escolhidas
dentre 27 Estados-Membros, sendo realizada uma seleção de alguns mu-
nicípios que culminou em 526 relatórios, referentes ao mesmo número de
municípios com Plano Diretor. Ainda, houve 27 relatórios referentes aos
Estados-Membros, mais 26 estudos de casos.
Colhidos os dados extraídos dos próprios planos, vários profissionais
apresentaram relatos em que tem caráter demonstrativo e de diag-
nóstico dos planos, apontando seus dados qualitativos e apontando
algumas soluções.
A quarta e última parte do presente trabalho é justamente extrair desse
relatório analítico e crítico três capítulos que versem sobre as funções da
cidade e que foram diretamente abordados na obra em comento: habita-
ção/moradia, circulação/mobilidade e saneamento.
Pelas tabelas constantes, no IBGE/MUNIC, com relação à habitação/
moradia apresenta-se diversos dados, visto que existentes diversas po-
líticas púbicas nesse sentido, seja no que concerne a Planos Diretores,
1716
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1717
Por fim, no que concerne a circulação/mobilidade urbana, encontrou-
-se apenas uma tabela que versa sobre plano ou programa de acesso a
pessoas com deficiência. Nela existente em Minas Gerais 116 municípios
que o possuem, sendo que também não converge para o número de Planos
Diretores, que é menor.
Com isso, não inexistente um planejamento no que toca a tal função
da cidade integrado as demais políticas urbanas:
1718
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1719
participativo há muito está previsto, o que revela que somente agora, mais
de vinte dez anos da edição do Estatuto da Cidade, é que este aspecto do
planejamento é tratado sob essa maneira mais ampla.
1720
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1721
mundo da vida. Noutro giro, sendo ele estabelecido no mundo da vida
jurídico por meio do novo modelo de Administração pública, a formali-
dade participativa, principalmente na definição das políticas públicas que
estabelecem as funções sociais da cidade, não pode ser negada para dar
força a uma flexibilidade ou uma eficiência imediata.
Há que se evitar assim uma guerra santa na melhor definição de
Sundfeld42 entre esses dois tipos de modelo no que concerne ao instituto
do planejamento ou mesmo ter um Direito Administrativo com caracte-
rísticas esquizofrênicas.
A solução para esse conflito se baseia, portanto, na copresença43 desses
dois mundos, sendo ela estabelecida de um lado no reconhecimento desse
lado do abismo desse instituto, do outro na busca da melhor compreensão
e aplicação da finalidade participativa quando se está a definir uma política
pública que busca o bem estar dos habitantes de uma cidade (art. 182, do
CR/88), afastando alguns privilégios que possam advir de ações flexíveis.
O planejamento urbano não foge a essa condição quando o Estatuto
da Cidade impõe uma gestão democrática da cidade nos planejamentos,
programas e planos que visam concretizar as funções sociais da cidade.
Ora, o que se estabelece a partir disso é que a cidade seja de todos e
conceituada por todos. E isto somente ocorre através de um determina-
do procedimentalismo baseando um mínimo formalismo para se atingir
um máximo de eficiência, dando transparência e democracia à política
pública44, além garantir uma cidade mais inclusiva:
1722
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
6. CONCLUSÃO
1723
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1724
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1725
Rio de Janeiro: Ed. Letra Capital: Observatório das Metrópoles: IPPUR/UFRJ, 2011.
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Melhora-
mento. 2008.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para céticos. São Paulo: Ed.
Malheiros. 2012.
NOTAS
*
Mestrando em Direito Público do Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Mineira de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas; pesquisador/extensionista do Núcleo Jurídico
de Políticas Públicas – NUJUP – da PUC/Minas; fredguimaraes31@hotmail.com.
**
Doutora em Direito. Professora Titular do Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Mineira de Direito
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/Minas; Coordenadora Geral do Núclo Jurídico de
Políticas Públicas – NUJUP – da PUC/Minas; marinella.araujo@hotmail.com.
3 SANTOS, Boaventura Souza. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes.
In: Epistemologias do Sul. SANTOS, Boaventura Souza; MENESES, Maria Paula (org.). São Paulo: Cortez
ed., 2010. p. 30-67.
4 Idem. p. 32.
5 Idem, p. 32/33.
6 Idem, p. 33.
7 Idem, p. 34.
8 Idem, p. 32.
9 Idem, p. 52/53.
10 Idem, p. 53.
11 Sobre a identificação do diverso e da pluralidade recomenda-se a leitura do texto Lucrécio e o Simulacro,
de Gilles Deleuze, na sua obra: Lógica do Sentido. 4ª ed. SP: Ed. Perspectiva, 1998.
12 SANTOS, Boaventura, Souza. Ob. Cit. p. 53.
13 SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo para Céticos. São Paulo: Malheiros, 2012.
14 Idem, 13.
15 Idem, 13.
16 Este histórico se encontra bem descrito na seguinte obra: PIRES, Maria Coeli Simões. Esgotamento do mo-
delo de desenvolvimento excludente no Brasil e ressemantização das atividades de planejamento e articulação
governamentais à luz do paradigma democrático. in Nova organização administrativa brasileira. MODESTO,
Paulo (org.). 2a ed. revista e ampliada. Belo Horizonte: Ed. Fórum. 2010, p.175/197.
17 SUNDFELD, Carlos Ari. Ob. Cit. p. 114/117.
18 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Melhoramento. 2008, p. 90
19 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. I; tradução: Flávio Breno
Siebeneichier. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 158.
20 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de Participação Política: legislativa, administrativa,
Rev. Disc. Jun. Campo Mourão, v. 4, n° i, p. 124— 140, jan./jul. 2008. p. 136
21 Como exemplo, citamos: GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e
parte especial. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense: 2009. CUNHA Jr., Direy. Curso de Direito Administrativo.10ª
ed. Florianópolis: Ed. Podium. 2011. ALExANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo
Descomplicado. 18ª ed. São Paulo: Forense, 2010. PESTANA, Márcio. Direito Administrativo Brasileiro.
Rio de Janeiro: Ed. Elsevier, 2008.
22 LAZZARINI. Álvaro. Estudos de Direito Administrativo. CAHALI, Yussef Said (coord.) São Paulo: Ed.
RTr. 1996. p. 31.
23 MUKAI, Toshio. Direito Administrativo. São Paulo: editora Saraiva, 1999. p. 76.
24 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. atualizada por Fabrício Motta. São Paulo:
editora Atlas, 2010. p. 49.
25 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2010. p. 54.
26 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2012. p. 78.
27 PESSOA, Robertônio Santos, Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 40.
28 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2012.
1726
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
p. 817.
29 SANTOS, Boaventura Souza. Idem, p. 32.
30 Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/perfilmunic/2011/defaulttab_pdf.shtm
31 SANTOS Jr, Orlando Alves; MONTANDON, Daniel Todtamann (org.) Os planos diretores municipais pós-
-estatudo da cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. Letra Capital: Observatório das Metró-
poles: IPPUR/UFRJ, 2011.
32 CARDOSO, Antônio Lúcio, SILVEIRA, Maria Cristina Bley. O plano diretor e a política de habitação. Idem,
p. 122.
33 BRITTO, Ana Lúcia. Saneamento Ambiental nos Planos Diretores. Idem. p. 151/152
34 BURN, Liane Nunes. A política de mobilidade urbana e os planos diretores. Idem. p. 167.
35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 607.940/RG/DF, publicado no DJU em 08/06/2011. Disponível em
< http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=623934 > acesso em 15/08/2013.
36 Maria Sylvia Zanella Di Pietro estabelece a diferença com base em documentos estatais produzidos à época
da implementação nesse novo modelo. Para maiores informações: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias
na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada
e outras formas. 8ª ed. São Paulo: editora Atlas. 2011, p. 30/36.
37 SUNDFELD, Carlos Ari. Ob. Cit. p. 85/92.
38 Idem. p. 87/88.
39 Idem. p. 92.
40 Idem. p. 92.
41 HABERMAS, Jürgen. Três modelos de normativos de democracia. Cadernos do Legislativo. ALMG, BH 3
(3), 105-122, jan/jun. 1995. Disponível em <http://consulta.almg.gov.br/opencms/export/sites/default/consul-
te/publicacoes_assembleia/periodicas/cadernos/arquivos/pdfs/03/habermas.pdf > acesso em maio de 2013.
42 SUNDFELD, Carlos Ari. Ob. Cit. p. 92.
43 SANTOS, Boaventura Souza. Ob. Cit. p. 32.
44 BRAGA, apud BLANC, Priscila Ferreira. Plano Direto Urbano & Função Social da Propriedade. Curitiba:
Juruá Editora, 3ª tiragem. 2006.p. 108.
45 ARAÚJO, Marinella Machado. Políticas Públicas de Inclusão: as função estratégia da política de desenvol-
vimento urbano e a efetividade de direitos sociais. In: BERNARDES, Wilba Lúcia Maia; CHAVES, Glenda Rose
Gonçalves, MOUREIRA, Digo Luna (orgs). Direito Público: Perspectivas e Atualidades. Belo Horizonte:
Del Rey, 2010. P. 77.
1727
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS INTRODUTóRIAS
1729
Com a finalidade de avançar na construção de parâmetros de monitora-
mento da participação popular, para avaliação ou mesmo de exigibilidade,
faz-se necessária a análise a partir de casos concretos de funcionamento
de instrumentos, mecanismos de participação popular, aprofundar o con-
teúdo de um direito à participação em construção.
Por isso, o itinerário a ser percorrido, pretende partir da discussão sobre
democracia, em especial a deliberativa-participativa e sua conformação
legal, repassando sobre o caso do Conselho Municipal das Cidades de
Curitiba - CONCITIBA, para ao término, iniciar um esboço do que pode-
riam ser indicados como diretrizes a serem cumpridas para uma efetiva
participação popular.
1730
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1731
É imprescindível para se avançar quanto à participação popular e no
fortalecimento da democracia deliberativa, contrapor as várias objeções
que se construíram para a garantia da democracia direta, como tal temos
a entender que os indivíduos aspiram, na verdade, ser liberados do far-
do de terem de ocuparem-se, eles mesmos, dos negócios coletivos7 em
detrimento da delegação para os políticos e por isso mesmo de uma de-
mocracia representativa. Outros entendem que o povo, a sociedade, não
tem capacidade técnica para participar de decisões sobre os assuntos de
interesses coletivos. E por último, a alegação que no Brasil, por ser um país
de contornos continentais, e que seria apenas um ideal, sendo realizável
apenas em pequenas coletividades.
Todas estas afirmações tendem a deslegitimar movimentos sociais,
comunidades urbanas como interlocutores junto ao Poder Público e de-
tentores de um poder para a transformação de demandas em direitos.
Mudança em nossa concepção do que seja participação e povo,
são essenciais para pensar o direito a participação e as condições de
monitoramento de implementação deste direito no âmbito de nossas
cidades. Para este trabalho, partirmos do que não é, para se construir,
algumas diretrizes que serão defendidas. Por isso, têm-se que povo
não é mais aquilo que, se ideologicamente abarca todos os que vivem
dentro de um território, politicamente se contrapõe a uma elite dirigen-
te: não havendo mais assimetrias estruturais de poder e instituições
garantidoras dessas assimetrias.
Já em relação à participação, esta não será mais a participação como
também prevê do povo como um ator cuja presença é tolerada sob certas
conjunturas, mas que continua, no essencial e/ou maior parte do tempo,
alienado em relação ao exercício do poder8.
Para avançar em balizas do nosso entendimento sobre a participação
popular temos que nos afastar dessas concepções, aproximando-se de um
conceito ampliado, onde povo é a “totalidade do corpo de cidadãos, sem
a distinção entre cidadãos de primeira classe e cidadãos de segunda ou
terceira classe”9 e participação será quando nenhum grupo, seja estrutural
e essencialmente, excluído do exercício do poder”10.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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tralizador, tecnocrata e de defesa de interesses de grupos restritivos, na
formulação e implementação de políticas públicas.
Diante deste panorama, tem sido frequente nas experiências de demo-
cracia deliberativa e de participação popular, a utilização desses espaços
e instrumentos como lugar de discussão (formalizado) da esfera pública e
de legitimação do poder de grupos de interesses, onde participação nesta
forma de gestão pode tornar-se muito mais simbólica do que efetivamente
inclusiva.
De forma a conferir maior força teórica a estas evidências acima citadas,
colaciona-se a análise do processo de participação popular no Conselho
Municipal de Curitiba - CONCITIBA no período de 2010 a 2012, indicando
os limites e possibilidades da gestão democrática das cidades, mas princi-
palmente aspectos para conformar um direito à participação dos cidadãos.
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Desenvolvimento Urbano’, coordenada pelo Observatório das Metrópoles.
Destarte que a produção deste escrito tem por objetivo, trazer o recorte
de alguns dados da pesquisa, a partir dos seguintes aspectos: (i) represen-
tação das organizações e representações entrevistadas no CONCITIBA;
(ii) escolaridade e renda dos conselheiros; (iii) quem elabora a pauta e
como ocorre esse processo; (iv) capacidade deliberativa do CONCITIBA.
Para tal investigação foram realizados como procedimentos, o trabalho
de campo, articulado pelo grupo do projeto Cidade em Debate, que acom-
panhou as reuniões do Conselho Municipal, levantamento de legislações
e atas do conselho e a aplicação do questionário junto aos conselheiros.
No primeiro procedimento procurou-se realizar o acompanhamento
das reuniões para compreensão da dinâmica de funcionamento e relações
entre os conselheiros, no segundo momento buscou-se a aplicação direta
dos questionários, em agendamento individual com os representantes.
Quanto à aplicação dos questionários, foi utilizado o método quanti-
-qualitativo de análise. Para Martinelli12 as pesquisas quantitativas são im-
prescindíveis para trazer retratos da realidade, dimensionar os problemas
que se investiga. As metodologias qualitativas aproximam pesquisador e
sujeitos pesquisados, permitindo ao primeiro conhecer as percepções dos
segundos, os significados que atribuem a suas experiências, seus modos de
vida, ou seja, oferece subsídios para trabalhar com o real em movimento,
em toda a sua plenitude.
A decisão de trabalhar com tipos de metodologias diversas, se deve a
importância da integração das mesmas no processo de investigação na
área de pesquisa social diante dos grandes debates que permeiam a gestão
democrática da política urbana.
Além disso, promulga-se como relevante utilizar o método da obser-
vação participante, pois no acompanhamento das reuniões e discussões
entre os atores sociais, há análises essenciais que somente podem ser
dimensionadas em contato direto com a realidade a ser investigada.
A observação participante segundo Minayo13 é o momento em que se
ressaltam as relações informais do pesquisador no campo. Neste sentido,
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presariais, entidades de trabalhadores, entidades profissionais, acadêmicas
e de pesquisa e ONGs) e 34% pertencem a instituições do poder público
municipal. Mesmo com várias tentativas de contato com os representantes
dos movimentos sociais para aplicação do formulário de pesquisa, não se
obteve êxito para coleta das informações com estes.
Deste modo, a pesquisa teve um maior desenho de respondentes da
sociedade civil, principalmente as entidades profissionais, acadêmicas e
de pesquisa e trabalhadores representados por suas entidades sindicais.
A composição do CONCITIBA em sua segunda gestão imputa 57% das
vagas para membros da sociedade civil e 43% para representantes do
poder público.
Outro elemento considerado como destaque na pesquisa é à distri-
buição dos conselheiros do CONCITIBA quanto à escolaridade. Todos os
conselheiros que responderam os questionários possuem pelo menos o
ensino superior incompleto. Além disso, 42% dos conselheiros têm ensino
superior completo, sendo que 34% destes possuem algum tipo de espe-
cialização ou pós-graduação. O que revela um conselho com alto grau de
escolaridade dos participantes.
Referente ao padrão de renda individual dos Conselheiros é identificado
que o maior percentual refere-se à renda entre 05 a 10 salários mínimos,
47%, seguido de expressivo quantitativo de conselheiros que recebem entre
10 a 20 salários mínimos, 25%. O menor percentual de renda identificado
na pesquisa foi de 03 a 05 salários, 8%. Ressalta-se deste modo, que os
conselheiros têm um padrão de ganhos individuais acima dos parâmetros
de renda familiar da maioria dos brasileiros, em dados definidos pelo IBGE,
na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), tal qual medida pelo IBGE
(2010). A pesquisa, que abarcou uma amostra de domicílios urbanos e
rurais, demonstra que a família brasileira tem um rendimento médio de R$
2.763,47, sendo identificado nos dados da pesquisa que a renda individual
da maioria dos conselheiros, já supera este valor.
A heterogeneidade na composição, verificada pela diversidade das
organizações representadas nos conselhos, caminha, assim, ao lado de
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Referente à proposta das pautas a serem discutidas em cada reunião
do conselho, há identificação na pesquisa, que a maioria dos respon-
dentes compreende que quaisquer conselheiros poderão propor a pauta
no Conselho.
É importante demonstrar que em análise a Ata da 12ª reunião ordinária
do Conselho no ano de 2010, sendo a primeira reunião com a 2ª gestão do
Conselho, houve a definição dos principais assuntos a serem trabalhados
no primeiro ano de mandato e também determinada a metodologia das
reuniões e escolha das pautas. Nesta reunião, foi solicitado pelos conselhei-
ros, que os materiais e apresentações referentes à pauta de cada reunião
seriam encaminhadas juntamente com a convocação, tendo o intuito de
apreensão prévia sobre os temas a serem debatidos.
Em análise a Ata da 16ª reunião ordinária, identifica-se que foi realizada
avaliação e a definição de novos procedimentos metodológicos para as
reuniões. Sobre a escolha das pautas, definiu-se trabalhar 02 assuntos
por reunião, mediante a complexidade dos temas tratados. Ficou também
decidido, que os temas listados seriam validados de uma reunião ordinária
para a outra.
No processo de análise pela observação participante, comprova-se
que, no Conselho essa ratificação das pautas em cada reunião dificilmente
ocorreu e quando ocorria, por muitas vezes não era cumprido o que ficou
definido na plenária da reunião anterior, diversas vezes a mudança de pau-
ta das reuniões aconteceu sem o conhecimento prévio dos conselheiros.
Outro dado relevante identificado na pesquisa está relacionado ao
número de decisões ou deliberações propostas pelo conselho, sendo
constatado nas entrevistas que, 57% dos participantes identificam que
há um baixo número de decisões ou deliberações pelo Conselho e 41%,
identificando como médio número de decisões, não havendo respostas
para a indicação de altos números de deliberação.
No processo de análise preliminar nos dados evidenciados na pes-
quisa, aponta que ainda há uma capacidade pequena de decisões pelo
CONCITIBA. Evidencia-se que capacidade propositiva de um conselho
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Essas informações podem advertir sobre a caminhada pela democra-
tização do Conselho, questionando se, realmente este espaço contribui
para os grupos sociais historicamente excluídos do processo de decisão
e possam ter oportunidade de determinar a respeito da política urbana,
ou, se consolida a reprodução de ações de grupos que sempre estiveram
no poder da capital e assim prevalecem na defesa dos interesses elitistas.
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Hoje, diante do acúmulo da discussão quanto o que se entende por
participação popular é preemente a qualificação e aprofundamento da sua
exigibilidade jurídica, inclusive trazendo contornos do que poderíamos
chamar de um Direito à Participação.
Ao se propor estipular parâmetro de realização do Direito à Participa-
ção, que possam ser generalizáveis e abstratos que possam ser aplicáveis
a situações concretas diversas, não retira a margem de discussão e deli-
beração da própria sociedade, comunidade de uma cidade em estabelecer
outros critérios para o seu cumprimento, que sejam adequados cultural-
mente ao seu contexto histórico no tempo e no espaço.
Pensar em articular um conteúdo próprio do Direito de Participação
Popular é em primeiro lugar viabilizar uma força coerciva sobre os ges-
tores públicos quando da implementação de mecanismos de participação
popular, mas também no desenvolvimento do de processo participação,
inclusive sobre as formas e assuntos de deliberação.
A outra face é que simultaneamente pode-se falar em responsabili-
dade administrativa pelo descumprimento destes parâmetros, ensejando
possíveis ações judiciais administrativas, para a garantia deste direito.
Por entender que o sistema jurídico é formado por um conjunto de
princípios e regras, como assevera Dworkin, em relação à democracia
deliberativa nas cidades, pode-se encontrar no Estatuto das Cidades, o
principio da Gestão Democrática, como vimos anteriormente, mas a ausên-
cia de regras sobre esta Gestão Democrática, se atendo apenas no elenco
de instrumentos. Por isso, faltam regras que garantam uma dimensão
normativa mais eficaz e detalhada sobre o Direito à Participação, regras
aplicáveis à maneira do tudo ou nada.25
As regras e princípios possuem funções importantes e distintas, ne-
cessitando o sistema jurídico de ambos para o alcance dos objetivos
traçados no próprio sistema, por isso a importância para a garantia do
Direito à Cidade a composição de princípios e de normas especificas so-
bre a democracia deliberativa em nossas cidades, pois acarretaria maior
segurança jurídica aos cidadãos, principalmente aqueles grupos que em
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mas que garante uma democracia substantiva que amplie a participação,
nos termos já defendidos aqui.
Em relação ao primeiro item, do desenho institucional, têm-se os
principais parâmetros no tocante a sua institucionalidade e condições de
discussão e deliberação, e mais permeáveis de que haja sua juridicização.
Pode-se dividir este parâmetro em duas dimensões, estática e dinâ-
mica. A estática, quanto ao arcabouço institucional e de funcionamento
e condições de participação, e a dinâmica, sobre os processos decisórios.
Na dimensão estática especificamente ao arcabouço institucional,
podem-se deduzir os seguintes aspectos: necessidade de um marco legal
que institua o instrumento de participação, que seja protegido contra as
mudanças políticas advindas das eleições; que seja estipulado de forma que
as suas decisões não tenham apenas caráter consultivo, mas deliberativo
para determinadas questões de planejamento; que possua estrutura admi-
nistrativa e financeira própria e autônoma, que seja destinado um espaço
físico adequado para o trabalho da equipe de apoio dos instrumentos de
participação; permanência e continuidade da prática deliberativa; e por
último que haja uma obrigatoriedade no marco legal, que a administra-
ção pública considere os debates realizados na formulação das políticas
públicas urbanas e sua vinculação orçamentária.
Enquanto na dimensão dinâmica temos o processo decisório em si, que
deve garantir os seguintes aspectos: permitir que a fala dos participantes
seja livre e autônoma, que a linguagem no processo de argumentação não
seja tecnocrática, mas popular de fácil compreensão e entendimento; que
se estabeleça a construção de um diálogo e que se evite a decisão por
maioria dos participantes; que se estabeleça igualdade de legitimidade
entre os técnicos do poder público, os movimentos sociais e comunidades
urbanas, deve ser estipulado anteriormente às regras do debate para co-
nhecimento de todos os cidadãos; que seja garantido o tempo necessário
para discussões que vem a ter impacto para a toda a sociedade de uma
cidade; clareza nos encaminhamentos posteriores a discussão com o esta-
belecimento de responsabilidades para os representantes governamentais
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de maneira a permitir que a posterior implementação da decisão seja
monitorada pelos participantes do processo decisório, mas também para
aqueles que estiveram ausentes do processo possam acompanhar e tomar
ciência das discussões e por isso também se sentirem responsáveis pela
deliberação.
A ideia era trazer algumas reflexões para a eventual construção de um
Direito à Participação que seja efetiva e possibilite aprimorar a democracia
deliberativa em nossas cidades, implementando o princípio da Gestão De-
mocrática das nossas cidades, fortalecendo assim a cultura democrática.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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YOUNG, I. M. Representação Política, Identidade e Minorias. Lua Nova, 2006, Nº
67, p.139-190.
NOTAS
1 Assistente Social, Mestranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná, integrante do Projeto
de Extensão e Pesquisa Cidade em Debate, e-mail: andrea.braga@ufpr.br.
2 Assistente Social, Especialista em República, Democracia Participativa e Movimentos Sociais da Univer-
sidade Federal de Minas Gerais, integrante do Projeto de Extensão e Pesquisa Cidade em Debate, e-mail:
clarice0707@gmail.com.
3 Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Professor de Direitos Humanos do
Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal do Paraná, integrante do Projeto de Extensão e Pesquisa
Cidade em Debate, e-mail: leandrofranklin@ufpr.br.
4 MARICATO, E. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011, p.89.
5 SANTOS, N. R. Democracia Participativa e Política Pública no Contexto Neoliberal: o caso do Conselho da Crian-
ça e do Adolescente de Curitiba. Paper no xxVII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu – MG, 2003, p. 237-280
6 GODOY, M. G. Constitucionalismo e Democracia: uma leitura a partir de Carlos Santiago Nino e Roberto
Gargarella. 139 f. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Pós-graduação em Direito do Estado da
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011, p.75.
7 SOUZA, M. L. Mudar a Cidade: Uma Introdução Critica ao Planejamento e à Gestão Urbana. Bertrand, Brasil,
Rio de Janeiro, 2004, p. 328.
8 Ibid., p.333.
9 SOUZA, 2004, p. 333.
10 SOUZA, op. cit., p. 333.
11No estudo foi promovida análise que mostra a participação popular para a discussão sobre a adequação
do Plano Diretor ao Estatuto das Cidades em 2004. O relatório apresentado, em diversos momentos exibe
em seu conteúdo à limitação na ação organizativa e participativa do município de Curitiba, no que se refere
aos preceitos de participação e gestão democrática prescritos no Estatuto das Cidades (OBSERVATÓRIO DAS
METRÓPOLES, 2010, pág. 34-37).
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
12 MARTINELLI, M. L. (Org.). O uso das abordagens qualitativas na pesquisa em Serviço Social: um instigante
desafio. São Paulo: Veras Editora, 1994, p. 30.
13 MINAYO, M. C. de S. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. São Paulo: Hucitec-
-Abrasco, 1992.p. 10.
14 DAGNINO, E. Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 38.
15 Além de Dagnino (2006), há identificação de outros autores que realizam abordagem semelhante: Tatagiba
(2002), Teixeira (2002) e Silva (2002).
16 Evidencia-se o relatório de pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA,
titulada, perfil socioeconômico e participativo dos conselheiros nacionais, que trazem dados desta elitização
de diversos conselhos de políticas públicas no Brasil. (RELATÓRIO DE PESQUISA CONSELHOS NACIONAIS
PERFIL E ATUAÇÃO DOS CONSELHEIROS, pág. 17-29, 2013);
17 A descrição referente à elitização dos conselheiros há também estudos de Fuks (2004), Perissinotto (2004)
& Souza, (2004).
18 TEIxEIRA, E. C. Movimentos Sociais e Conselhos. Cadernos Abong, nº 15, julho de 1996, p. 10.
19 YOUNG, I. M. Representação Política, Identidade e Minorias. Lua Nova, 2006, Nº 67, p. 149.
20 JACOBI, P. Ampliação da cidadania e participação: desafios na democratização da relação poder público,
sociedade civil no Brasil, tese de Livre Docência, USP, São Paulo. 2006, p. 445.
21 DAGNINO, 2002, p. 283.
22 DAGNINO, op. cit. p. 283.
23 ABERS, R. Inventing Local Democracy: neighborhood Organizing and participatory Policy-Majing in Porto
Alegre, Brazil. Los Angeles. In: SOUZA, M. L. Mudar a Cidade: Uma Introdução Crítica ao Planejamento e à
Gestão Urbana. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2004, p.387.
24 SOUZA, op. cit., p.387.
25 DWORKIN, R. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.42-43.
26 FARIA, C. F.; RIBEIRO, U. C. Entre o legal e o real: o que dizem as variáveis institucionais sobre os conselhos
municipais de políticas urbanas? In: AVRIZTER, Leonardo. (org). A Participação Local no Brasil, 2010, p. 42-43.
27 Ibid., p. 45.
28 SANTOS, B. S. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de
Ciências Sociais 63, 2002, p. 237-280, p. 20-25.
29 DAGNINO, 2002, p.295.
30 DAGNINO, op. cit, p. 295.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A influência do coeficiente
de aproveitamento: a experiência
de Belo Horizonte
1. INTRODUÇÃO
1753
Alvo de grandes críticas, a alteração legislativa pontual trazida pelo
art. 16 da Lei 9.950/10, acrescentou à Lei 7.165/96 – estabelece o Plano
Diretor (PD) do Município de Belo Horizonte – em seu Título IV, dentre
outros, o Capítulo Ix, que no art. 74-J, §§2º e 4º, estabeleceu os Coeficien-
tes de Aproveitamento Básico (CAb) e Máximo (CAm), bem como fixou os
valores relativos aos Coeficiente de Aproveitamento (CA), ocasionando a
redução do potencial construtivo dos imóveis belo horizontinos.
A referida alteração, ainda em seu art. 50, alterou os incisos I, III e
xVII do art. 46 da Lei 7166/96 – Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do
Solo (LPOUS) – estabeleceu novas diretrizes para fins de computação do
cálculo do CA, o que gerou, e ainda gera, muitas especulações e polêmicas
acerca do tema.
Todavia, tem-se neste trabalho, que esta alteração busca atender
ao princípio do desenvolvimento sustentável, pois pode ser visto como
instrumento de contenção ao crescimento desordenado da cidade, em
alguns pontos, a longo prazo, haja vista que a redução do CA ocasionará
a redução do número de unidades habitacionais em determinadas regiões
da capital, e consequentemente haverá a redução do número de pessoas
e automóveis circulando nesses locais.
Por esta razão, pensar a alteração legislativa que ora se discute apenas
pelo seu viés econômico, deve ser considerada uma atitude precipitada,
que denota ao crítico uma visão míope da realidade que de vê por detrás
da referida alteração.
Defende-se ainda, que a mudança legislativa pontual deste instrumento
de política urbana deve ser feita em consonância com o PD e a LPOUS,
a fim de propiciar um planejamento integrado e sustentável do espaço
público urbano; sendo esta a única maneira de alcançar um desenvolvi-
mento sustentável, de modo a cumprir as funções da cidade.
1754
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1755
sendo um direito que se concretiza quando o Poder Público implementa
políticas para que as populações de baixa renda tenham acesso a moradia
em áreas urbanizadas; tal temática encontra-se prevista na segunda parte
da referida carta, que trata do atual estado crítico em que se encontram
as cidades, possuindo maior relevância a questão do adensamento popu-
lacional, que pode ser observado na quantidade de pessoas x altura dos
prédios dos grandes centros urbanos.
Diante do congestionamento de pessoas as condições de moradia
acabam por ficarem prejudicadas, em razão, principalmente, da condição
de pobreza que afeta grande parte da população, associada ao fato de que
quanto mais a cidade cresce, menor é a preocupação com o meio ambiente.
Em contrapartida, nas áreas consideradas nobres, existe um cuidado extra
com a questão ambiental, notadamente de ordem paisagística.
O trabalho é atividade fundamental para a sustentabilidade econômica
de uma cidade, tendo sido observado, no congresso que culminou com
a elaboração da Carta de Atenas, que a divisão das áreas destinadas a
cada situação, como moradia, comércio, indústria e outros, é feita através
do zoneamento, inclusive na atualidade, o qual permite que cada área
da cidade receba uma destinação e uma limitação de aproveitamento,
diferente do ocorre que os locais de trabalho nem sempre estão dispostos
racionalmente na cidade.
Há bem pouco tempo atrás as oficinas estavam ao lado das moradias,
mas com o crescimento acelerado das cidades e dos meios de produção
que necessitavam escoamento de seus produtos, houve um afastamento
dos locais de trabalho em relação as moradias, passando a ser necessário
a utilização de meios de transporte, que dependem de vias de acesso que
comporte o fluxo de veículos, as quais são usadas por um número cada
vez maior de pessoas.
O lazer é importante para a realização integral do ser humano, sendo
estimulado através da criação de espaços de recreação. Entretanto, este
teve de ser adaptado em razão do adensamento populacional, eis que o
lazer, antes pensado como convivência com outros indivíduos através
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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que tragam resultado a curto e médio prazo, e que são previstas no Plano
Diretor da cidade.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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desenvolvimento que seja sustentado por outro crescimento e subsidiado
por uma visão do que seja uma sociedade boa. A meta é construir uma
civilização com maior equidade na distribuição de renda e de bens, de
modo a reduzir o abismo entre os padrões de vida dos ricos e dos pobres.
A dimensão econômica deve ser tornada possível através da alocação
e do gerenciamento mais eficiente dos recursos e de um fluxo constante
de investimentos públicos e privados. A eficiência econômica deve ser
avaliada em termos macrossociais, e não apenas através do critério da
rentabilidade empresarial de caráter microeconômico.
A dimensão ecológica, através do uso de ferramentas ampliativas,
busca intensificar o uso do potencial de recursos dos diversos ecossis-
temas, com um mínimo de danos aos sistemas de sustentação da vida,
além da redução do volume de resíduos e de poluição, promovendo a
intensificação da pesquisa para a obtenção de tecnologias de baixo teor de
resíduos e eficientes no uso de recursos para o desenvolvimento urbano,
rural e industrial.
A dimensão espacial deve ser dirigida para a obtenção de uma confi-
guração rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição terri-
torial de assentamentos urbanos e atividades econômicas, reduzindo a
concentração excessiva nas áreas metropolitanas e freando a destruição
de ecossistemas frágeis, mas de importância vital, através de processos
de colonização sem controle.
A dimensão cultural inclui processos que busquem mudanças dentro
da continuidade cultural e que traduzam o conceito normativo de eco-
-desenvolvimento em um conjunto de soluções específicas para o local,
o ecossistema, a cultura e a área.
Após uma análise das dimensões da sustentabilidade, fica clara a
conclusão que nenhuma dimensão pode se sobressair sobre as demais.
Antes, estas devem ser analisadas de forma sistêmica e integradora.
Assim, apenas a priori a alteração possui aspecto negativo, pois quando
analisada conjuntamente a conclusão será diversa.
O princípio da sustentabilidade, previsto constitucionalmente na norma
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legislação municipal é um instrumento válido para a contenção, a médio e
longo prazo, do crescimento desordenado da cidade. A referida alteração
equaliza as dimensões, de modo a permitir que todas as funções da cidade
sejam alcançadas de forma sustentável.
Apesar da diminuição do CA reduzir o potencial construtivo dos terre-
nos em Belo Horizonte, o aumento no valor dos imóveis reduzirá consi-
deravelmente o número de habitantes nestas regiões, com conseqüente
diminuição no número de veículos circulando na região, o que acarretará
a redução da emissão de poluentes, tanto por parte dos veículos quanto
por parte dos pedestres, permitindo, ainda, moradias mais dignas, maior
mobilidade e melhora na qualidade de vida da população.
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Por esta razão, apesar de reduzido o valor do CA em determinadas
regiões, ainda será possível, considerando os demais instrumentos de
política urbana, que os imóveis da capital alcancem o potencial construtivo
em igual proporção ao antes existente.
É indiscutível que a definição de políticas públicas governamentais
possui como objetivo a realização de preceitos existentes na CF/88, mas
é indispensável que as políticas públicas sejam integradas para que haja
a efetivação dos direitos constitucionais consagrados.
Celso Ferrari17 ensina:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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ou da interpretação concretizadora pelo Poder Judiciário, mas
também de políticas públicas que garantam a realização concreta
desses direitos.
Por esta razão, a alteração legal não pode ser considerada degrau para
a especulação imobiliária, devendo o valor sofrer um aumento razoável
para que o este não fique inacessível para a maior parcela da população.
Ademais, o planejamento urbano integrado passa a exercer papel diretivo,
de modo a possibilitar que o poder público impeça que o capital imobiliário
continue determinando livremente que grupo de pessoas ocupará as áreas
urbanas estruturalmente privilegiadas.24
Segundo Bertolo25 esse propósito de sustentabilidade das funções so-
ciais da cidade, em suas diversas dimensões, não devem estar ligados a
modelos externos, apesar de ser possível aprender com eles. As políticas
públicas devem ser desenvolvidas de acordo com as peculiaridades da
realidade cultural, ambiental, socioeconômica e política de cada cidade.
Somente quando o direito à cidade puder ser exercido em sua plenitude
será possível a efetivação da função social da cidade: “isto inclui o direito
a vida com dignidade, a moradia, a alimentação, a saúde, a segurança,
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”26
Isto porque a política urbana aqui estudada não constitui um fim em si
mesmo, não existindo de forma isolada, esta deve, coordenar-se com as
demais políticas do município e com as demais inúmeras políticas setoriais.
Sundfeld apud Costa27 afirma:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5. CONCLUSÃO
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muitas regiões, e o estabelecimento de novas situações de adensamento
ainda inexistentes, que geram poluição, falta de mobilidade, ausência de
qualidade de vida, dentre outros tantos problemas que o poder público,
dificilmente, consegue resolver após estabelecidos, por contemplarem
caras soluções.
Apesar de muito criticada, sobretudo pelos empresários do ramo da
construção civil e por alguns consumidores, a alteração, a longo prazo,
trará melhoria da qualidade de vida daqueles que transitam ou vivem na
capital, isto porque a mesma, pretende reduzir o número de pessoas e
veículos circulando em determinadas regiões, consideradas já saturadas
ou com potencial de crescimento demográfico reduzido.
Por esta razão, a alteração não deve ser analisada sob uma única
ótica, mas deve ser vista de forma integrada, com todas as dimensões
que a sustentabilidade possui. Ver a mudança exclusivamente pelo viés
econômico denota ao crítico um olhar míope e viciado; que atrapalha a
visão de um universo mais amplo. Assim, a medida que foi apresentada
no presente artigo busca apenas garantir que os direitos básicos previstos
constitucionalmente sejam alcançados, através do pleno exercício das
funções da cidade.
O Município trabalha para que seus munícipes possam ter toda uma
gama de atendimentos e possam usufruir, da forma mais equilibrada pos-
sível, de todas as funções que a cidade possui e deve oferecer. Para tanto,
os instrumentos de políticas públicas existem e necessitam de adequação
de acordo com as mudanças necessárias para cada cidade, que vão se
modificando ao longo do tempo.
Decerto, poucos foram os empreendimentos já concluídos sob a égide
da nova legislação, razão pela qual ainda é cedo para afirmar que esta
encarecerá os imóveis na proporção divulgada. Entretanto, já é possível
concluir que a medida surge como uma tentativa do poder público em
tentar controlar um problema que é cada vez mais crescente e que é a
fonte de todos os demais problemas que as grandes cidades possuem.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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Mattos. A experiência de planejamento integrado, com o foco em resultados, do
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NOTAS
1770
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
partida os conceitos norteadores formulados pela Dra. Marinella Machado Araújo, coordenadora do Núcleo.
2 COSTA, Heloisa Soares de Moura. Processos recentes de expansão metropolitana e implicações socioam-
bientais: a experiência de Belo Horizonte. In: FERNANDES, Edésio (Org.). Direito Urbanístico e Política Urbana
no Brasil.Belo Horizonte: Del Rey. 2001, p.388ss
3 Idem, p.389.
4 GARCIAS, Carlos Mello. BERNARDI, Jorge Luiz. As funções sociais da cidade. Unibrasil. Revista de Direitos
Fundamentais & Democracia. Vol. 4. 2008. Disponível em:
http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/48. Acesso em 16 ago. 2013.p.11
5 Idem. p.12
6 SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Malheiros. 1995. p.124
7 SOUZA, Clarisse. Mudança em legislação deve aumentar preço dos imóveis em BH nos próximos anos.
Belo Horizonte: Estado de Minas. Disponível em: http://estadodeminas.lugarcerto.com.br/app/noticia/
noticias/2013/02/01/interna_noticias,46924/mudanca-em-legislacao-deve-aumentar-preco-dos-imoveis-
-em-bh-nos-proximos-anos.shtml - Último acesso em 16/08/2013
8 MUKAI, Toshio. Direito urbano e ambiental.4ª ed. Belo Horizonte: Fórum.2010. p.109
9 SANCHS, Ignacy. Desenvolvimento Includente, Sustentável, Sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008,
p. 37/38.
10 Trânsito e transporte são os maiores problemas de Belo Horizonte, segundo pesquisa. O Tempo. 21/05/2013.
Disponível em: http://www.otempo.com.br/cidades/tr%C3%A2nsito-e-transporte-s%C3%A3o-os-maiores-
-problemas-de-belo-horizonte-segundo-pesquisa-1.649673. Acesso em 16 ago. 2013.
11 SILVA. p.162
12 SILVA; Ana Paula Chahim da; ARAÚJO, Marinella Machado de. O planejamento urbano como ação afirmativa
para inclusão sócioespacial. 2007. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/
ana_paula_chahim_da_silva.pdf. Acesso em: 28 ago. 2013. p.1335
13 Idem. p.1335
14 BELO HORIZONTE, Lei Municipal que Institui o Plano Diretor. 7165, de 27 de agosto de 1996. art. 60
15 Idem. art. 69
16 Idem. art.74-J
17 FERRARI, Celso. Curso de Planejamento Municipal Integrado – Urbanismo. São Paulo: Pioneira. 1977. p.110
18 COSTA, Camila Maia Pyramo. Parelamento e Edificação Compulsórios: uma (re)leitura do planejamento
integrado e participativo das políticas públicas urbanas e habitacionais. Belo Horizonte: Programa de Pós
Graduação em Direito. PUC Minas. 2012.p.156
19 Idem. p.110
20 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva. 2005. p.90
21 MARQUES, Ana Ivone Salmon; BARCELOS, Guilherme Lucas; TEIxEIRA, Regis Mattos. A experiência de
planejamento integrado, com o foco em resultados, do espírito santo. II Congresso Consad de Gestão Pública
– Painel 4: Desenvolvimento equilibrado: um desafio regional. Disponível em: http://www.consad.org.br/
sites/1500/1504/00000031.pdf Acesso em: 17 ago. 2013
22 RIZZO JÚNIOR, Ovídeo. Controle Social efetivo de políticas públicas. 2009. 207f. Tese (Doutorado) Univer-
sidade de São Paulo. p.104
23 ARAÚJO, Marinella Machado de. Política de desenvolvimento urbano no estatuto da cidade: em que realmente
avançamos com o modelo de planejamento regulado pela Lei nº 10257, de 10 de julho de 2001? In: COSTA,
Geraldo Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes de. (Org.). Planejamento Urbano no Brasil: trajetória, avanços e
perspectivas. Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2008, p.179
24 Idem. 2007. 1336
25 BERTOLO, Rozangela Motiska. Das funções sociais dos institutos jurídicos às funções sociais da cidade.
Porto Alegre: LUME Repositório Digital. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://www.
lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13148/000598345.pdf?sequence=1. Acesso em 17 ago. 2013. p.145
26 ROCHA, Júlio César de Sá da. Função ambiental da cidade. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p.36.
27 Idem. 2012, p.158
28 Idem. 2007.p.1330
1771
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1773
servação participante de reuniões públicas voltadas à discussão desses
projetos, que começam a ocorrer tanto no âmbito de audiências públicas,
em realização nas quatro Macrozonas, como no Conselho Municipal de
Política Urbana (COMPUR) e em organizações da chamada sociedade
civil. Como primeira etapa de um trabalho de análise mais ampla, que
se deseja desenvolver ao longo do ano em curso – inclusive em caráter
de pesquisa aplicada, isto é, voltada ao oferecimento de contribuições e
subsídios ao processo público de apreciação e discussão dos projetos de
lei em questão – o presente artigo será dedicado ao caso da proposta de
nova lei de parcelamento do solo.
2. O SENTIDO DA LEGISLAÇÃO
URBANÍSTICA NOS MARCOS DO
CAPITALISMO AVANÇADO
1774
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1775
as desigualdades, uma vez que as áreas ocupadas pelas classes mais
poderosas recebem, em geral, mais recursos em infraestrutura do Poder
Público e contam com vantagens urbanísticas e de localização captadas
ou criadas pelo mercado imobiliário. Nas áreas ditas populares, por sua
vez, percebe-se que a dificuldade de acesso aos meios de transporte e
à infraestrutura de habitabilidade onera os moradores, além de causar
prejuízos à sua saúde e qualidade de vida.
É este o contexto no qual se inserem as leis urbanísticas. A regula-
mentação do espaço urbano é um elemento importante neste processo,
podendo atuar de duas formas distintas:
1776
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1777
vez que a competência para esse controle (de acordo com o art. 30 da
Constituição, corroborada pelo Estatuto da Cidade) é dos Municípios, cuja
legislação elitista, burocrática e, muitas vezes, desatualizada também
contribui que decisivamente para dificultar o acesso ao lote regular por
parte da população de baixa renda. Isto contribuiu para o aumento de
favelas e cortiços nas grandes cidades brasileiras, e induz à periferização
de considerável parcela da população.
Nelson Saule, defende que a Lei nº 9.785/99, que altera a Lei nº
6.766/79, trouxe importantes mudanças em relação à política de mora-
dia e proteção da posse para a população moradora de assentamentos
urbanos informais. O autor enumera dois objetivos centrais introduzidos
pela nova lei7:
1778
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1779
Os conceitos de loteamento e desmembramento já estavam com-
preendidos na lei em questão e não são alterados. O parcelamento
integrado à edificação é aquele no qual a construção de edificações é
feita simultaneamente à realização das obras de urbanização. O par-
celamento de pequeno porte é o executado em área inferior a dez mil
metros quadrados, ou quando do desmembramento que resulte em, no
máximo, 5 (cinco) unidades.
Os conceitos de condomínio urbanístico e loteamento com controle de
acesso são figuras semelhantes, mas com distinções substanciais. Dentre
elas, pode-se destacar:
1780
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1781
4. A REVISÃO DA LEI DE PARCELAMENTO
NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
1782
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1783
Determina-se, ainda, que não poderão ser destinados à doação obri-
gatória as faixas consideradas como non aedificandi.
Segundo a explanação, feita na aludida reunião do COMPUR, pela equi-
pe da Secretaria Municipal de Urbanismo, atualmente, a área destinada
a equipamentos públicos deve abrigar, necessariamente, uma escola. O
projeto de lei pretende dar mais flexibilidade à utilização do local, tendo
em vista que existem áreas da cidade que já possuem escolas em nú-
mero suficiente. Poderão, então, ser instalados equipamentos públicos
de qualquer tipo, a depender da análise das necessidades da população
residente na localidade.
Mas esta não é a única alteração. O Decreto nº 3.800/1970 continha
não só a exigência de doar áreas ao Município, mas também a de construir
escolas-padrão (artigo 54). Esta obrigação não foi reproduzida no projeto
de lei em discussão. Permanece a obrigatoriedade da doação, porém se
abriu mão da prerrogativa de exigir que o equipamento público seja cons-
truído pelo loteador, retrocedendo-se em relação a uma exigência pública
que, em virtude dos mais de quarenta anos de sua vigência, já se poderia
considerar como absorvida pelos loteadores. Transfere-se, portanto, esse
custo à coletividade, interferindo a legislação projetada na distribuição dos
ônus e benefícios da urbanização, que constitui uma das pedras de toque
da política urbana contemporânea, consagrada pelo próprio Estatuto da
Cidade (art. 2º, Ix)
O PLC reafirma o seu propósito de conferir maior flexibilidade aos
modos de satisfação da obrigação de doação de áreas ao permitir que
a área doada se localize fora do loteamento, em qualquer localidade do
Município. Neste caso, entretanto, três critérios deverão ser observados:
1784
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1785
criadas no município desde o ano de 1993, que até hoje ainda não dispõem
– nenhuma delas! – de uma legislação própria de parcelamento da terra,
o que permite inferirmos que tal norma será aplicável a essas áreas em
virtude da inexistência de qualquer outra, aliado ao fato de o projeto de
lei em discussão não excluir a sua própria incidência em AEIS.
Possibilitar o remembramento significa legitimar a apropriação de
vários pequenos lotes regularizados para a implementação de um grande
empreendimento ou de edificações com padrões de classe média / alta, por
exemplo. Amparado por este dispositivo, o empreendedor poderá adquirir
uma série de lotes, remembrá-los e destinar o novo lote à implantação
de habitação para classes mais altas ou de usos e atividades com fortes
discrepâncias em relação aqueles tradicionalmente encontrados em fa-
velas14. Com isso, todo o investimento do poder público em regularizar e
garantir o direito à moradia da população de baixa renda ali residente fica
comprometido, vindo a beneficiar aqueles que, em tese, estariam excluídos
do público-alvo dessas políticas. O ideal seria vedar expressamente a pos-
sibilidade do remembramento em AEIS, deixando para as leis específicas
(regulamentadoras do parcelamento, uso e ocupação no caso particular
de uma determinada área) apenas a determinação das características
específicas à localidade, tais como as áreas mínimas dos lotes, a fim de
orientar o processo oposto – o de desmembramento.
Outro ponto a destacar, talvez o principal de todos eles, é a insuficiên-
cia no que tange a participação popular no processo da aprovação desse
pacote de leis. Os projetos foram enviados à Câmara sem a realização
de qualquer evento destinado à permitir a participação da população na
sua elaboração. Posteriormente, foram realizadas 4 (quatro) reuniões no
COMPUR e agendadas 4 (quatro) audiências públicas, uma em cada uma
das macrozonas da cidade. Até o momento, duas destas audiências já
foram realizadas. O que se percebeu no acompanhamento destes espa-
ços, no entanto, é que a participação popular não tem sido efetiva. Boa
parte das reuniões ocorreu durante o dia, quando a maioria da população
está trabalhando e não pode comparecer. Além disso, a divulgação das
1786
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em uma leitura inicial do projeto que visa instituir a nova lei de parce-
lamento do solo no município do Rio de Janeiro, o que se destaca em sua
análise é que ele praticamente ignora a temática da habitação de interesse
social e da regularização fundiária, que correspondem a duas ações es-
truturantes no quadro da política urbano-ambiental da cidade, conforme
definição do próprio Plano Diretor (artigo159), deixando de aproveitar a
oportunidade de progredir no tratamento integrado destas matérias no
1787
âmbito do planejamento urbano. Trata-se de uma lacuna incompatível com
o estado da arte do desenvolvimento conceitual e das políticas urbanas
nos últimos dez anos, bem como com o anunciado intuito de regulamentar
e efetivar o recente Plano Diretor carioca, editado em 2011.
Os cinco PLCs submetidos pela Prefeitura à Câmara Municipal, em
abril de 2013, demandam, ainda, muitas reflexões e discussões. Reco-
nhecemos a necessidade da ocupação desses espaços de participação em
parceria com os agentes e organizações da sociedade civil já engajados
nesse processo15, com o objetivo que a futura lei possa contemplar os
anseios sociais, contribua para a democratização da cidade e possibilite
a efetivação de direitos fundamentais, como é o caso do direito à cidade.
Em que pese a dificuldade de concretizar a prática participativa, acre-
ditamos ser indispensável a cobrança do poder público no sentido de
ampliar a discussão para diversos segmentos da sociedade e qualificar as
arenas públicas de debate. Longe de reforçar “fetichismos” vinculados aos
mecanismos de participação, a superação da cultura política meramente
representativa é um desafio posto, onde a própria construção metodológica
se sustenta na participação popular.
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so em 18/jun de 2013. Acesso em 18/06/2013.
NOTAS
6 PINTO, Victor Carvalho. O parcelamento do solo urbano e a Lei 9785/99. In: SAULE Jr., Nelson (Org.), Direito
à cidade: trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 239-262.
7 SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre:
Sergio Fabris, 2004, p. 357-358.
8 SAULE JUNIOR, Nelson. Agenda da Reforma Urbana no Projeto de Lei 3.057/00. Disponível em:http://
www.forumreformaurbana.org.br/index.php/artigos-de-interesse/68-urbanismo/128-agenda-da-reforma-
-urbana-no-projeto-de-lei-305700.html. Acesso em 18/jun de 2013. Acesso em 18/06/2013.
9 ROLNIK, Raquel; SAULE JUNIOR, Nelson. Temas estratégicos da Reforma Urbana no Projeto de Lei
3057/2000: revisão da Lei 6766/1979. Disponível em: http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=pl%20
3057%20raquel%20rolnik&source=web&cd=1&cad=rja&ved=0CCoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.unmp.
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ei=Z03DUeH_OsP00gGNpYDICw&usg=AFQjCNGV4zTPY1REL6PiYzQojjsanx35qg&bvm=bv.48175248,d.dmg.
Acesso em 18/06/2013, sem paginação.
10 Ibidem.
1789
11 Segundo Diógenes Gasparini, “A disciplina dos aspectos urbanísticos do parcelamento de glebas localizadas
nas zonas urbanas ou de expansão urbana, por dizer de perto com o interesse local, cabe, como de há muito
asseguram os municipalistas, ao Município” (GASPARINI, 1988, p. 2).
12 Máxima extraída da obra “A Revolução dos Bichos”, um romance satírico do escritor inglês George
Orwell, publicado no Reino Unido em 1945.
13 Em alguns municípios, e no Estatuto da Cidade, essas unidades do zoneamento da cidade são denominadas
ZEIS, isto é, zonas de especial interesse social.
14 Tal como seria o caso da casa noturna e do empreendimento hoteleiro que há algum tempo instalaram-se
na favela do Vidigal, conforme noticiado em http://altovidigal.com/novosite/?p=897.
15 Como seria o caso da Federação de Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro (FAM-RIO)
e do Sindicato dos Engenheiros (SENGE). Para além, também reconhecemos a necessidade de ampliação da
participação para outros setores da sociedade nem sempre organizados.
1790
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1791
Diante de tal realidade, o presente artigo objetiva ensejar o debate
acerca da pertinência dos condomínios fechados no ambiente urbano bra-
sileiro, enfatizando as consequências advindas destes empreendimentos
para o conceito tradicional de cidade, ressaltando a postura dos Poderes
Públicos e a situação de leis urbanísticas, tais como o Estatuto da Cidade
e os Planos Diretores diante de tais empreendimentos, atribuindo, ao
final, enfoque especial ao tema, na cidade de Salvador, capital do Estado
da Bahia, no Brasil.
1792
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1793
O Estatuto da Cidade introduz avanços jurídicos e urbanísticos im-
portantes que regulamentam, redefinem ou detalham instrumentos tais
como: o imposto sobre a propriedade predial e territorial; a desapropriação
e tombamento de imóveis; a concessão de uso especial para fins de mo-
radia; o parcelamento ou edificação compulsórios, o usucapião especial
e contribuição de melhoria, o direito de superfície, o direito de preemp-
ção; a outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; a
transferência do direito de construir; as operações urbanas consorciadas;
a regularização fundiária; a assistência técnica gratuita para as comuni-
dades e grupos sociais menos favorecidos, as unidade de conservação e
zonas especiais de interesse social, entre outros. Além disso, o Estatuto
da Cidade defende a existência do Direito à Cidade e à Moradia, do IPTU
progressivo e da Função Social da Propriedade14.
Dallari15 considera que o Estatuto da Cidade configura marco ex-
tremamente relevante para o desenvolvimento dos estudos de Direito
Urbanístico, uma vez que representa o ponto de partida para uma futura
sistematização normativa desta matéria. Acrescenta não haver possibi-
lidade de que a legislação do Município, sobretudo o Plano Diretor, atue
em descompasso com suas normas.
Villaça16 afirma que o Estatuto da Cidade foi muito aguardado, por re-
presentar uma frente, talvez das mais importantes, na tentativa de impor
credibilidade aos Planos Diretores municipais.
1794
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1795
1.2 Plano Diretor
1796
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1797
Considera que “a questão da democracia nos planos diretores e no
processo de planejamento territorial é complexa, desgastante, requer muita
paciência dos atores e continuará um desafio por muito tempo”34. E reforça
que “a intensidade e o ‘peso’ das diferentes forças políticas e econômicas
que interferem no plano podem desequilibrá-lo irreversivelmente e/ou
condená-lo à ineficácia”35.
1798
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1799
solo; b) a organização da circulação; e, c) a legislação, é pertinente tecer
algumas considerações.
Primeiramente, quanto à ocupação do solo, os condomínios fechados
de luxo não obedecem aos ditames legais, uma vez que, dentre outros
fatores, muitas vezes são construídos em áreas socialmente vulneráveis,
ambientalmente frágeis, consideradas Áreas de Preservação Perma-
nente (APP), Áreas de Proteção Ambiental (APA), algumas vezes, sob a
incumbência de realizar ações de responsabilidade ambiental, conforme
salienta Henrique45.
Para agravar tal situação, presencia-se uma postura permissiva por
parte do Poder Público das metrópoles brasileiras, frente aos movimen-
tos especulativos do mercado imobiliário, que submete a organização do
espaço urbano aos interesses e demandas do capital imobiliário46.
No que concerne à organização da circulação, estes empreendimentos
fechados, muitas vezes, configuram entraves à livre circulação da popu-
lação das cidades em que são construídos. Henrique47, fazendo referência
a um condomínio construído no município de Mata de São João, litoral
norte da Bahia, destaca que o empreendimento atua como uma barreira
para a comunidade local usuária da praia, uma vez que dificulta o acesso
a este setor da cidade.
Neste contexto, citam-se, ainda, a existência das denominas “ruas
particulares”, fechadas com correntes ou cancelas que impedem o uso
público. A Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.766/1979) não ad-
mite a existência de ruas particulares, pois as normas de urbanificação não
permitem transformar áreas públicas obrigatórias em áreas privatizadas.
Quanto ao terceiro objeto do urbanismo, qual seja, a legislação, tem-
-se que os condomínios fechados inexistem na legislação, segundo a qual
o parcelamento do solo urbano pode ser feito na forma de loteamento e
de desmembramento, com a obrigatoriedade de oferecimento do siste-
ma de circulação, equipamentos urbanos e comunitários (equipamentos
públicos de educação, cultura, saúde e lazer) e espaços livres para uso
público, definidos e mensurados em relação à densidade de ocupação do
empreendimento48.
1800
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1801
vezes é extremamente omisso em seu dever de fiscalizar os empreendi-
mentos e esclarecer a população.
Scheinowitz considera que a vida urbana pode ser “atrapalhada” por
“leis inadequadamente aplicadas, leis laxistas, representantes da autorida-
de que não têm idéia do que seja organização, que não fiscalizam e que,
em verdade, são amadores no pior sentido da palavra”56.
Vasconcelos57 salienta que os condomínios fechados são ilegais.
Silva58 ressalta que há extrapolação dos limites conferidos pela Lei nº
4.591/1964, quando se realiza o arruamento de glebas e posterior divisão
das quadras em lotes, ou subdivisão de quadras inteiras em lotes, com
aproveitamento das vias de circulação oficial preexistentes. Nesses casos,
ocorre parcelamento urbanístico do solo, o que requer obediência às leis
federais sobre loteamento e leis municipais relativas à matéria urbanística,
de viés público, diferentemente da Lei nº 4.591/1964, de caráter privado.
1802
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1803
aos imóveis, à medida que sua aquisição requer o dispêndio de altos va-
lores monetários. Do ponto de vista geográfico, o autor os define como
territórios excludentes.
1804
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1805
A ampliação dos investimentos imobiliários na região metropolitana de
Salvador desencadeou na construção de empreendimentos habitacionais
mais qualificados no setor. Um exemplo é o “Vilas do Atlântico”, projetado
como novo conceito de moradia, que associava uma vida saudável inte-
grada à natureza, idealizando comunidade homogênea que viveria longe
da criminalidade e de outros males urbanos. A partir de então, diversos
loteamentos e condomínios fechados passaram a se instalar na região,
atraindo segmentos de média e alta renda74.
Atualmente, Salvador apresenta-se enquanto uma metrópole nacional,
detentora de grande potencial turístico, devido, sobretudo, ao fato de dispor
de diversificada riqueza natural. Vem incrementando crescentemente a
metropolização turística, destacando-se no cenário nacional e mundial75.
No que se refere ao fomento do turismo na Bahia, tem-se que, em 1973,
foi elaborado o primeiro plano turístico para o Estado, além de planos
de cunho urbanístico e regional, que incluíam a recuperação de bairros
históricos de Salvador, e o planejamento de vários trechos da sua orla
marítima (Plano da Orla Marítima)76.
Com quase 3 milhões de habitante, 3ª capital do Brasil, Salvador dispõe
de aproximadamente 14% de áreas aptas a novas ocupações habitacio-
nais – o que demonstra a existência de déficit habitacional –, além de
estar sofrendo gradativo aumento nos seus índices de violência. Estes
dados demonstram que a cidade apresenta dois vetores de estruturação
do espaço urbano: as favelas (ou ocupações espontâneas), e os condomí-
nios fechados. Ambos se destacam por explicitar as tensões sociais que
caracterizam a ocupação desigual do espaço da cidade e as contradições
entre a dimensão do público e do privado77.
Setores como o da Avenida Paralela, Horto Florestal, Iguatemi, Orla
Atlântica, entre outros, estão sendo apropriados pelo mercado imobiliário,
muitos com capital estrangeiro, produzindo loteamentos – muitos dos
quais, destinados à construção de condomínios fechados – adquiridos
por estrangeiros, sobretudo, portugueses e espanhóis78. Ressalte-se que
grande parte destes imóveis de alto padrão adquiridos por compradores
1806
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1807
urbanização nesses setores. Em Salvador existem “ilhas da modernidade” e
vastas áreas marcadas pela precariedade, pela pobreza e pela segregação85.
Diante dos fatos, constata-se o emergir de uma anticidade no município
de Salvador, em decorrência da expansão dos condomínios fechados de
luxo, isto porque, estes empreendimentos, dentre outros fatores, criam
rupturas no “tecido urbano” e são responsáveis por obstaculizar ou impe-
dir a livre circulação86. Os condomínios fechados, sobretudo os de luxo,
negam a realidade cotidiana das cidades, que consiste na interação dos
bairros, na diversidade cultural, no encontro de cidadãos nas ruas, praças,
comércio, anulando a experiência da vida pública, múltipla e diversa87.
1808
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1809
no direito à cidadania, à moradia digna, à liberdade ir e vir, ao conforto
ambiental. Ademais, a instalação de condomínios fechados de luxo nas
cidades, tem gerado impactos de vizinhança, causado danos à natureza
local. Provoca a expulsão e exclusão das comunidades locais das benesses
do desenvolvimento sócio-espacial.
Diante da problemática suscitada pelos condomínios fechados de luxo,
ressalta-se a postura permissiva que o Poder Público tem assumido, par-
ticularmente, em Salvador, perante tais empreendimentos imobiliários,
possibilitando o delinear de anticidade, contrariando a lógica do urbanismo
democrático, enquanto, na realidade, deveria priorizar a inclusão social
e abolir qualquer forma de exclusão. Cogita-se anticidade, ainda, devido
ao fato de que condomínios fechados intensificam a segregação sócio-
-espacial no urbano, criando obstáculos para o encontro e a reunião de
pessoas, para o consumo coletivo de objetos, de ideias. Os condomínios
fechados, de modo geral, promovem rupturas no tecido urbano e vão de
encontro à diversidade caracterizadora das cidades. Além disso, à medida
que são projetados visando atender ao público estrangeiro e de alto poder
aquisitivo, restringem a possibilidade de construção de habitação popular,
tão indispensável nas metrópoles brasileiras, onde o déficit habitacional e
a consequente proliferação de moradias informais é crescente.
Referências
1810
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1811
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PEREIRA, Gilberto Corso (orgs.). Como anda Salvador e sua região metropo-
litana. Salvador: Edufba, p.189-211,2008.
1812
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1813
25 IDEM.
26 FERNANDES, Edésio. Estatuto da Cidade: razão de descrença ou de otimismo? Adicionando complexidades
à reflexão sobre a efetividade da lei. FDUA – Fórum de Direito Urbano e Ambiental. n. 47, 2009, p. 22.
27 VILLAÇA, Flávio. Reflexões sobre as cidades brasileiras..., cit.
28 IDEM
29 SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador..., cit., p. 147.
30 VILLAÇA, Flávio. Reflexões sobre as cidades brasileiras..., cit.
31 IDEM, p. 189
32 COTA, Daniela Abritta; MOL, Natália Aguiar. Produção imobiliária e regulação urbana em Belo Horizonte
(1997-2002). In: COSTA, Geraldo Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes de (orgs.). Planejamento urbano no
Brasil trajetória, avanços e perspectivas. Belo Horizonte: C/Arte, p. 229-247, 2008.
33 MATOS, Ralfo Edmundo da Silva. Plano Diretor, gestão urbana e participação..., cit.
34 IDEM, p. 160
35 IDEM, P. 167
36 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador. In: CARVALHO,
Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso (orgs.). Como anda Salvador e sua região metropolitana.
Salvador: Edufba, p. 81 – 107, 2008.
37 IDEM
38 IVO, Any Brito Leal. Jardins do Éden: Salvador, uma cidade global-dual. Caderno CRh. Salvador, n. 64,
p. 131-146, 2012.
39 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador..., cit., p. 97.
40 FREITAS, Willian de Souza. A impossibilidade jurídica da instituição do loteamento fechado. In: DALLARI,
Adilson Abreu; DI SARNO, Daniela Campos Lobório (coord.). Direito Urbanístico e Ambiental. Belo Hori-
zonte: Fórum, p. 245 – 267, 2011.
41 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
42 IVO, Any Brito Leal. Jardins do Éden: Salvador, uma cidade global-dual..., cit.
43 IDEM, p. 133
44 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro..., cit.
45 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
46 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador..., cit.; HENRIQUE,
Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
47 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
48 IVO, Any Brito Leal. Jardins do Éden: Salvador, uma cidade global-dual..., cit.
49 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro..., cit.
50 IDEM
51 IDEM
52 FREITAS, Willian de Souza. A impossibilidade jurídica da instituição do loteamento fechado..., cit.
53 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro..., cit.
54 FREITAS, Willian de Souza. A impossibilidade jurídica da instituição do loteamento fechado..., cit.
55 IDEM
56 SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador..., cit., p. 71
57 VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Processo e formas sócio-espaciais das cidades: propostas para avançar
no debate. In: SILVA, Sylvio Bandeira de Melo e (org.). Estudos sobre dinâmica territorial, ambiente e
planejamento. João Pessoa: Grafset, 2011.
58 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro..., cit.
59 IDEM, p. 347
60 IDEM
61 FREITAS, Willian de Souza. A impossibilidade jurídica da instituição do loteamento fechado..., cit.
62 VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Processo e formas sócio-espaciais das cidades..., cit.
63 IDEM
64 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador..., cit.
65 SANGODEYI-DABROWSKI, Delphine. As raízes ideológicas da segregação no Brasil..., cit.
66 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
67 IVO, Any Brito Leal. Jardins do Éden: Salvador, uma cidade global-dual..., cit., p. 134
68 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
69 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador..., cit.
70 LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Tradução: Rubens Eduardo Frias. 5.ed. São Paulo: Centauro, 2011.
71 MATOS, Ralfo Edmundo da Silva. Plano Diretor, gestão urbana e participação..., cit., p. 160.
72 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador..., cit.
73 SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador..., cit.
1814
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
74 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador..., cit.
75 SILVA, Sylvio Bandeira de Mello; SILVA, Barbara-Christine Nentwig; CARVALHO, Silvana Sá de Carvalho.
Metropilização e turismo no litoral norte de Salvador: de um deserto a um território de enclaves?. In: CARVALHO,
Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso (orgs.). Como anda Salvador e sua região metropolitana.
Salvador: Edufba, p.189-211,2008.
76 SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador..., cit.
77 IVO, Any Brito Leal. Jardins do Éden: Salvador, uma cidade global-dual..., cit.
78 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
79 SILVA, Sylvio Bandeira de Mello; SILVA, Barbara-Christine Nentwig; CARVALHO, Silvana Sá de Carvalho.
Metropilização e turismo no litoral norte de Salvador..., cit.
80 COTA, Daniela Abritta; MOL, Natália Aguiar. Produção imobiliária e regulação urbana..., cit.
81 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
82 IDEM, p. 161
83 SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador..., cit., p. 107
84 SANGODEYI-DABROWSKI, Delphine. As raízes ideológicas da segregação no Brasil..., cit.
85 CARVALHO, Inaiá Maria Moreira de; PEREIRA, Gilberto Corso. As “cidades” de Salvador..., cit.
86 VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Processo e formas sócio-espaciais das cidades..., cit.
87 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
88 GORDILHO-SOUZA, Angela. Limites do habitar: segregação e exclusão na configuração urbana contem-
porânea de Salvador e perspectivas no final do século xx. 2. ed. Salvador: Edufba, 2008, p. 435
89 SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador..., cit.
90 GORDILHO-SOUZA, Angela. Limites do habitar..., cit.
91 SILVA, José Carlos Alves da. Favelas e meio ambiente urbano..., cit.,
92 GORDILHO-SOUZA, Angela. Limites do habitar..., cit.
1815
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Roberto Braga2
Denise Helena Baldisseri3
1. INTRODUÇÃO
1817
A legislação municipal de parcelamento do solo (Lei Complementar nº
207/2007) determina que os projetos de loteamentos para fim residencial
devem reservar o percentual de 5% da área total do empreendimento (ex-
cluída a Área de Preservação Permanente – APP - quando houver) a serem
doadas para a Prefeitura Municipal para a implantação de equipamentos
comunitários. Essas áreas constituem 15.903,715 m2 para o loteamento
“Condomínio Terramérica Home Premium – Taquaral I”, e 4.370,045 m2
para o loteamento “Jardim América”, perfazendo o total de 20.273,76 m2.
Pelo processo autorizado pelo PLC 013/2012, a Prefeitura Municipal
dispensaria a reserva de áreas institucionais dos dois loteamentos em
troca da doação de duas partes de um imóvel localizado no Bairro Chicó,
na periferia sul da cidade, uma com 34.024,57 m2, e outra com 98.317,13
m2, perfazendo um total de 132.341,70 m2. O PLC 013/2012 também
autorizaria o Município a afetar 20.300 m2 dessa área para destinação à
implantação de Equipamentos Comunitários, ficando os 112 mil m2 res-
tantes com destinação aberta.
2. AS áREAS INSTITUCIONAIS EM
PROJETOS DE LOTEAMENTO
1818
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
sito mínimo de 10% para os espaços livres de uso público (área verdes) e
5% para as áreas institucionais (equipamentos urbanos e comunitários).
Em 1999, com a Lei Federal 9.785/99, a exigência do percentual mínimo
de 35% foi revogado, ficando os municípios livres para definirem os per-
centuais para essas áreas.
No município de Piracicaba, o parcelamento do solo urbano é regi-
do pela Lei Complementar 207/2007, que determina a destinação do
percentual mínimo de 5% da área total da gleba (excluídas as áreas de
preservação permanente) à implantação de Equipamentos Comunitários,
podendo tal percentual ser ampliado em função da densidade de ocupa-
ção. A lei determina também que as áreas institucionais deverão possuir
declividade inferior a 10%.
1819
modalidade de parceria público-privada cuja implantação tem gerado
certa polêmica na medida em que, ao mesmo tempo em que pode trazer
melhorias sociais e ambientais, pode também ser fonte de operações
imobiliárias lucrativas, em detrimento do interesse público. Nesse último
aspecto, vale citar o caso da Operação Urbana Faria Lima, instituída no
final da década de 1990 na cidade de São Paulo, cujo beneficiário maior foi
o capital imobiliário. Assim, uma operação urbana só pode ser justificada
na medida em que traga efetivamente benefícios sociais e ambientais
para a cidade e que haja um equilíbrio entre o benefício público e o ganho
privado resultantes.
No município de Piracicaba, o Plano Diretor (Lei Complementar
186/2006) também prevê a possibilidade da realização de Operações Ur-
banas Consorciadas. Nesse caso, a lei específica que aprovar a operação
deverá conter, conforme seu artigo 150:
1820
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
lei específica para cada caso, em que deverá haver interesse público com-
provado e considerando os impactos urbanísticos e ambientais gerados.
4. ESTUDO DE CASO
Piracicaba é uma cidade paulista de porte médio, com 370 mil habitan-
tes, e localizada a 170 km da Capital do Estado, na região administrativa
de Campinas. Na última década vem apresentando forte expansão do
mercado imobiliário associada à tendência nacional e ao crescimento
econômico industrial que vive o município.
Em novembro de 2012, a Prefeitura Municipal de Piracicaba encami-
nhou projeto de Lei Complementar (PLC 13/2012) à Câmara Municipal
autorizando a dispensa do percentual de 5% destinado à implantação de
equipamentos comunitários em dois projetos de loteamentos, o “Condo-
mínio Terramérica Home Premium – Taquaral I”, no Bairro Taquaral e o
“Jardim América”, no Bairro Nova Piracicaba. Como compensação pela
dispensa das áreas institucionais, os loteadores doariam à municipalidade
duas áreas localizadas no Bairro Chicó (ver Figura 1).
1821
As áreas institucionais dispensadas nos loteamentos totalizariam 20,2
mil m2 e as áreas a serem doadas em compensação totalizariam 127,3
mil m2 (ver tabela 1). À primeira vista, a permuta seria vantajosa para
o município, que ganharia uma área seis vezes maior do que a original.
1822
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Figura 2: Localização aproximada das áreas 1 e 2 em consideração para permuta no Bairro Chicó.
Área 1 - 98.317,13 m2
Área 2 – 34.024,57 m2
Fonte: http:// www.Google Earth.com. (Acessado em 03/04/2013)
1823
Conforme pôde ser verificado, por meio de análise de material carto-
gráfico, visitas de campo e depoimento de moradores, tais áreas sofrem
inundações periódicas devido à própria dinâmica fluvial do Ribeirão Pira-
cicamirim, bem como em função do tipo de solo e vegetação ali presentes.
Desse modo, essas áreas possuem severas restrições à urbanização, o
que as torna inadequadas à implantação de Equipamentos Comunitários
ou mesmo de habitações populares, fatos que contrariam os argumentos
propostos pela Municipalidade para a aprovação do PLC 13/2012.
Figura 3: Bairro Chicó (fotos da área 1), margem esquerda do Ribeirão Piracicamirim.
Fotos: Roberto Braga. Data: 30/03/2013
1824
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Figura 4: Bairro Chicó (fotos da área 2), margem esquerda do Ribeirão Piracicamirim.
Fotos: Roberto Braga. Data: 30/03/2013
1825
Tabela 2 – Valor estimado das áreas
institucionais e de compensação
* estimativa feita pelos autores com base nos valores médios para os bairros em questão anunciados divul-
gados pelo mercado imobiliário local
** estimativa feita pela Prefeitura
5. CONCLUSÕES
1826
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
NOTAS
1827
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1829
2. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA POLÍTICA
URBANA E A EDIÇÃO DO ESTATUTO DA CIDADE
1830
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Artigo 2°
(...)
II - gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade,
na formulação e acompanhamento dos planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano;
1831
O Estatuto prevê uma série de instrumentos para a efetivação do princí-
pio da democracia participativa como a obrigatoriedade da ocorrência
de audiências e consultas públicas, na elaboração e gestão do
plano diretor e no acesso público a todas as informações dos processos,
conforme disposto no artigo 40, § 4o 4. (grifei)
1832
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1833
disposição legislativa de superação da ideologia autoritária, centralizadora
e paternalista que permeia as práticas de planejamento urbano no país e
obrigando os administradores ao cumprimento das tarefas no sentido de
promover a democratização do planejamento e da gestão.
Podemos considerar a participação popular como fundamento jurí-
dico e normativo do planejamento urbano como um todo e nos planos
diretores em especial. Entretanto, muitos destes requisitos tidos como
obrigatórios raramente têm sido cumpridos na elaboração dos planos
diretores municipais6.
Há uma série de argumentos favoráveis aos modelos políticos de
participação popular como evolução do sistema democrático7: Há de se
destacar que promove a reflexão crítica sobre a realidade, o compar-
tilhamento e maior responsabilização sobre o público e os interesses
coletivos, a priorização dos aspectos a partir do olhar do cidadão e dos
seus interesses, o aprendizado e o crescimento da cidadania, do mesmo
modo que evita privilégios a grupos restritos da sociedade e a corrupção
através da transparência dos processos.
As inovações legislativas trazidas pela Constituição Federal e pelo
Estatuto da Cidade e outros dispositivos legislativos ainda são, na práti-
ca, muito limitadas em relação à efetividade da participação popular nos
processos. As administrações municipais embora incorporem, por força
de lei, a idéia da participação popular na elaboração dos planos diretores
e na formalização de “instâncias participativas” como fóruns, conferên-
cias e conselhos, pouco avança, no sentido de ampliar e qualificar esta
participação.
Embora tenha ocorrido a ampliação dos canais de participação como
os Conselhos e órgãos colegiados e a institucionalização dos orçamentos
participativos a partir do Estatuto da Cidade, o resultado desta ampliação
é ambíguo:
1834
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1835
tivo e legislativo municipal, e/ou os membros de grupos organizados da
sociedade, especialmente os grupos econômico-empresariais8, ocorrendo
um misto da “prefeiturização” com um modelo de mediação de interesses
com o de grupos empresariais9.
Mantêm-se em geral, o centralismo das decisões no poder executivo,
tanto poder de nomear representantes quanto na possibilidade de in-
fluenciar na organização e na composição de órgãos como os Conselhos
dos Planos Diretores e os Conselhos da Cidade. A forma de escolha dos
representantes nestas instâncias não está imune às influências políticas
e dos grupos de pressão, especialmente dos grupos econômicos que tem
grande interesse nos valores relativos à terra urbana.
Estas questões alcançaram especial interesse em razão do adensa-
mento construtivo e a valorização dos estoques imobiliários nas cidades,
que vem ocorrendo nos últimos anos. A capacidade das prefeituras e os
Conselhos Municipais decidirem sobre questões como os índices constru-
tivos, estoques do solo criado, localização e liberalização de empreendi-
mentos, dentre outros, fazem com que em muitos processos ocorra um
interesse velado de grupos empresariais e a cooptação e manipulação da
participação por parte de políticos locais e empresários10.
Embora se perceba gradativamente, avanços em relação à tomada de
consciência e pressão da sociedade civil bem como nas decisões judiciais
referentes aos temas do planejamento e gestão das cidades11, a partici-
pação das populações nestes processos tem sido restringida pelas admi-
nistrações locais, que salvo exceções, tem pouco interesse na ampliação
e qualificação efetiva da participação popular12.
4. CONCLUSÕES
1836
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1837
Pode-se afirmar que mesmo em documentos com intenções democráti-
cas como muitos dos atuais planos diretores “participativos”, as práticas de
planejamento, e especialmente as de gestão, ocorrem de forma restritivas
à participação popular. Estes problemas guardam relação a problemas
estruturais da própria democracia, como na dificuldade de criar “cultura
participativa” quanto no descompromisso dos administradores públicos
quanto às demandas populares.
Entendemos assim que a validação das expectativas democráticas pas-
sa pela ampliação e reestruturação dos ambientes de participação direta
e, também na melhoria dos sistemas deliberativos como os Conselhos
Municipais que tratam das questões urbanas. Certamente ampliaram-se
os instrumentos de democracia participativa nas decisões urbanas, só que
estas determinações democráticas para tornarem-se efetivas, dependem, e
muito, da organização e pressão da sociedade, de um comportamento ético
democrático do administrador, bem como da efetividade dos controles
do Ministério Público e do Poder Judiciário e da ampliação da vinculação
normativa das administrações municipais.
O Estatuto da Cidade é uma lei avançada sob muitos aspectos e que
disponibiliza elementos para a conformação de um planejamento de-
mocrático e participativo, entretanto, entre o “discurso” normativo e as
práticas políticas ainda há um grande distanciamento, especialmente em
relação à qualidade e efetividade da participação. A Resolução 25 do Con-
selho das Cidades, embora não tenha o “status” de lei, apresenta elementos
de materialidade normativa que merecem ser consideradas como norma
jurídica de eficácia plena.
Passados mais de dez anos da promulgação do Estatuto da Cidade se faz
necessária uma releitura crítica dos instrumentos e dos institutos
democráticos previstos, ampliando e “explicitando” ainda mais o
sentido da participação proposta e incluindo regras de efetivida-
de destas expectativas, especialmente considerando as previstas nas
resoluções do Conselho Nacional das Cidades, incorporando-os no texto
do Estatuto da Cidade, bem como na obrigatoriedade da existência de
1838
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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NOTAS
1 Advogado, doutor em planejamento urbano e regional (Propur-Ufrgs), pós-doutor em Direito pelo Centro
de Direito de Ordenamento do Território e do Urbanismo – CEDOUA da Universidade de Coimbra - Portugal,
professor universitário (IMED). E-mail: joaotelmofilho@uol.com.br.
2 Carla Portal Vasconcellos. Arquiteta. Doutoranda em planejamento urbano e regional (Propur-Ufrgs), Pro-
fessora universitária (UPF). E-mail: carlaportal@upf.br.
3 Podemos citar, dentre outros, os dispositivos referentes aos direito reais, à posse e a propriedade no novo
Código Civil Brasileiro, os dispositivos da Lei 6766/76 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano e suas alterações),
do Código Florestal Brasileiro as Resoluções 001 do Conselho Nacional do Meio Ambiente e a Resolução 25
do Conselho Nacional das Cidades.
4 Vide recentes decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no provimento das Ações Direta
de Inconstitucionalidade n.º 70002576072, referente a Lei Complementar Municipal n.º 44/2001 da cidade de
Bento Gonçalves, em razão da violação aos princípios da democracia participativa e da separação dos Poderes
pela iniciativa legislativa de vereador para alteração da lei do Plano Diretor e, do provimento da Ação Direta
1840
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1841
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1843
Apesar desta constatação, é preciso repensar o plano diretor e seu
papel. Já que sua importância e obrigatoriedade são inarredáveis, é mister
transformar a prática histórica deste instituto, aproximando-o da realidade
das cidades brasileiras e atribuindo-lhe a possibilidade de ser, de fato,
eficaz para os problemas urbanos. Neste sentido, mostra-se necessário
definir o que é característico desta atividade planejadora do Estado, o
que implica também em estabelecer qual o conteúdo necessário do plano
diretor. Todavia, o plano diretor só pode descolar-se do plano de legisla-
ção simbólica, influindo diretamente na realidade urbana, se incorporar
mecanismos de gestão e participação democrática.
Este trabalho, assim, propõe-se a fazer, em primeiro lugar, a apre-
sentação das críticas ao instituto do plano diretor e aos principais pro-
blemas que a atividade planejadora apresentou em sua história para, em
seguida, buscar um conteúdo para tal instrumento, algo que justifique
a importância dada a ele pela Constituição e pelo Estatuto da Cidade.
É necessário não perder de vista, contudo, as peculiaridades locais na
elaboração do plano diretor, para que ele não se torne um instrumento
meramente enunciativo e teórico.
1844
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1845
buscam não mais justificar obras de embelezamento, mas explicar a falta
de solução dos “problemas urbanos”. As explicações vêm sob expressões
como “crescimento descontrolado”, “caos urbano”7, dentre outras, ressal-
tando, portanto, que o mal estava na própria cidade e na maneira como
ela se formava.
Assim, o período seguinte que merece destaque no presente traba-
lho é associado por Flávio Villaça8 ao “planejamento integrado” e aos
“superplanos”. É o período em que se afirma que os problemas urbanos
não são apenas de ordem física (e, portanto, sujeitas a intervenções de
engenheiros e arquitetos); em consequência, surgem os volumosos diag-
nósticos técnicos e interdisciplinares. É este divórcio entre a técnica e a
prática política da administração da cidade que explica uma das razões de
seu fracasso de implementação: os planos eram elaborados por técnicos
fora da rotina da administração e, portanto, sem considerar os aspectos
políticos das demandas urbanas.
Ou talvez a causa do fracasso está na análise feita por Peter Hall9 quan-
do estuda o desenvolvimento da teoria do planejamento: “o planejamento
se espalhara em camada tão fina sobre área tão vasta que praticamente
se esvaziara de sentido; é o que reza o título do famoso escrito de Aaron
Wildavsky, ‘If Planning is Everything, maybe it’s Nothing’.”
Assim, muitos desses planos continham apenas “recomendações”,
que não eram endereçadas a nenhum órgão específico, o que dificultava
sua execução10. A denominação de “superplanos”, ou de “comprehensive
planning”, para usar a expressão em inglês, advinha do fato de que os
planos tornavam-se complexos, englobando uma variada gama de ques-
tões sociais e urbanas que não tinham a menor penetração nos interesses
políticos da administração municipal. Muitos desses estudos eram feitos
por escritórios privados, em decorrência da deterioração da administra-
ção pública municipal11, o que causava um distanciamento ainda maior
entre a técnica e a realidade política das cidades. O resultado são “planos”
gigantescos – o Plano Urbanístico do Município de São Paulo (PUB), por
exemplo, tinha 3.400 páginas –, quase sempre lançados no final das gestões
1846
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1847
características de todas elas nos tipos de planos apresentados por Flávio
Villaça. Com efeito, tais planos servem por vezes para “adiar a solução de
conflitos sociais através de compromissos dilatórios [...], exatamente por-
que está presente a perspectiva da ineficácia da respectiva lei”18. Notam-se
também elementos do que Neves chama de “legislação-álibi”, na qual “o
legislador, muitas vezes sob pressão direta do público, elabora diplomas
normativos para satisfazer as expectativas dos cidadãos, sem que com
isso haja o mínimo de condições de efetivação das respectivas normas”19.
Há que se considerar, também, que a legislação urbanística tem estabe-
lecido padrões que são seguidos apenas por uma minoria das construções
realizadas, gerando o que se chama de “cidade irregular” ou “cidade pre-
cária”, muitas vezes a maior parte do que se produz no território urbano20.
Este descompasso pode ser resumido no que Marcelo Neves chama de
legislação simbólica destinada a confirmar valores sociais, “uma forma
de reconhecimento da ‘superioridade’ ou predominância social” da con-
cepção valorativa de um determinado grupo, sendo “secundária a eficácia
normativa da respectiva lei”21. De qualquer sorte, em qualquer uma das
três tipologias citadas, é importante destacar o papel de legislação sim-
bólica, que “se restringe a formular uma pretensão de produzir normas,
sem tomar nenhuma providência no sentido de criar os pressupostos para
a eficácia”22.
Tal concepção parece ser compartilhada por Flávio Villaça, para quem
o plano diretor transforma-se em pura ideologia, desvinculada das práti-
cas da administração municipal e da efetiva realização de obras urbanas.
Peter Hall, embora não parta de uma matriz marxista como parece ser
o caso de Flávio Villaça, apresenta uma conclusão semelhante sobre o
divórcio entre teoria e prática. Para o autor inglês, enquanto os teóricos
1848
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1849
3. qUATRO MOMENTOS DO PLANEJAMENTO
URBANO: DO SANITARISMO AO EMPREENDEDORISMO
1850
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1851
consideradas necessárias para ordenar o crescimento urbano,
tem levado ao estabelecimento de parcerias com o empresa-
riado local.40
1852
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1853
tente, bem como das respectivas causas”48, identificando-se os problemas
da cidade e as principais demandas da população local. É aqui também que
entram diagnósticos sociais, econômicos, fundiários, demográficos etc. É
de se questionar, porém, se a função de diagnóstico integra o próprio plano
ou apenas faz parte do processo de planejamento. De outro lado, embora
não negue a correição de um diagnóstico da realidade urbana – principal-
mente em cidades cada vez maiores e complexas – Flávio Villaça questiona
o papel técnico destes “estudos” dentro do processo de planejamento:
1854
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1855
privadas que se incluam naquele perímetro. Não obstante, seus titulares
não perderão seus respectivos direitos de propriedade, embora não possam
promover adensamentos em descompasso com a zona de consolidação.
A última função apresentada por Fernando Alves Correira55 diz res-
peito à gestão do território. Incluem-se aqui os instrumentos que serão
utilizados para atingir-se os objetivos elencados no plano diretor, tais
como aqueles definidos no Estatuto da Cidade e os instrumentos de ges-
tão democrática. De acordo com o autor português, é aqui que o plano
conecta-se com a execução concreta de suas prescrições, apesar do seu
caráter eminentemente diretivo.
Nesse sentido, o art. 42 do Estatuto da Cidade traz algumas diretrizes
sobre o conteúdo do plano diretor, em especial sobre seus instrumentos
de gestão. Em primeiro lugar, o plano diretor é exigido caso o município
queira aplicar os mecanismos de controle do uso do solo estabelecidos
pelo art. 182, § 4.º, da Constituição Federal (consoante regra do art. 41,
III, do Estatuto) e, claro, estes mecanismos devem estar previstos como
instrumentos de gestão no plano diretor. Além disso, o plano diretor deve
abordar os instrumentos do direito de preempção, da outorga onerosa do
direito de construir, das operações urbanas consorciadas e da transferên-
cia do direito de construir (inciso II do art. 42). A propósito, o Estatuto da
Cidade disciplinou diversos institutos jurídicos, alguns dos quais inéditos
em nosso ordenamento jurídico; isto não significa, porém, que os planos di-
retores não possam estabelecer adaptações próprias à sua realidade local.
Finalmente, o inciso III do art. 42 estabelece a necessidade de o plano
diretor conter mecanismos de acompanhamento e de controle de seus
próprios dispositivos, e aí entram, por certo, os instrumentos de gestão
democrática da cidade, previstos nos arts. 43 e 44 do Estatuto.
Ainda quanto à função de gestão do território, José Afonso da Silva
destaca seu caráter institucional:
1856
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
[...] O plano diretor não é o lugar adequado para ‘as cidades’ tra-
tarem, por exemplo, dos problemas que as ‘crises do capitalismo’
ou ‘a globalização contemporânea’ vêm trazendo para elas. [...]
É claro que as propostas urbanísticas podem ter – e, em geral,
têm – implicações econômicas e financeiras. Entretanto, aquelas
referentes ao desenvolvimento econômico, dadas as limitações
do governo municipal, são de alcance muito restrito num plano
diretor. [...]
O plano diretor inovador dos anos de 1990 elegeu como objeto
fundamental o espaço urbano de sua produção, reprodução
e consumo. Para tanto, seus instrumentos fundamentais, li-
mitados aos da alçada municipal, são, basicamente, os de
natureza urbanística, tributária e jurídica. A terra urbana, a
terra equipada, eis o grande objeto do plano diretor. [...]
1857
A superestimação dos poderes de um plano diretor ainda é um
dos mecanismos mais utilizados pela ideologia dominante para
desmoralizar o planejamento urbano.60
1858
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5. CONCLUSÃO
1859
Carlos Ari Sundfeld65 lembra que o direito urbanístico, exatamente
por decorrer de uma visão totalizante de mundo, está exposto ao risco de
tornar-se totalitarismo estatal: seja como “Estado que se fecha à influência
da sociedade, tanto na tomada de suas decisões como no desenvolvimen-
to de suas ações materiais (isolamento estatal)”, seja como “Estado que
impede sistematicamente a ação individual (auto-suficiência estatal)”.
Tal assertiva não implica em necessariamente descartar-se o papel do
Estado no planejamento e, em última análise, na elaboração e aplicação
do plano diretor. O Estado não pode, entretanto – na crítica apresentada
no decorrer do trabalho –, servir puramente ao empreendedorismo ur-
bano, devendo buscar sua legitimidade na coordenação democrática do
pluralismo da cidade.
Ademais, neste processo, mostra-se necessário superar o simbolismo
que o plano diretor adquiriu na história do planejamento urbano brasileiro,
evitando-se os “superplanos” e os “planos sem mapa”, puramente ideo-
lógicos, a que se refere Flávio Villaça. Sendo fruto de um planejamento
eminentemente técnico, não servem como modelo para a construção
de um novo paradigma do plano diretor. Também é preciso evitar-se as
armadilhas do chamado “empreendedorismo urbano” apresentadas por
David Harvey e Ângela Moulin Penalva Santos, embora, dentro da pon-
deração de interesses feita no processo de elaboração do plano diretor,
pareça impossível ignorar-se seu papel.
De qualquer sorte, ainda que se conceda que o planejamento não seja
a forma única de se resolver todos os problemas urbanos, é importante
reconhecer seu papel dentro da democracia. Como adverte José Afonso
da Silva, citando Lubomir Ficinski:
1860
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1861
NOTAS
1 Mestrando em Direito da Cidade pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Promotor de Justiça no Mi-
nistério Público do Distrito Federal e Territórios. E-mail: tiagof@hotmail.com.
2 Veja-se a respeito HALL, Peter. Cidades do Amanhã. São Paulo: Perspectiva, 2005, p. 208.
3 VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DEÁK, Csaba & SCHI-
FFER, Sueli Ramos (org.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: Edusp, 2004, p. 178 – destacou-se.
4 Ibid., p. 195.
5 Ibid., p. 197-8.
6 Ibid., p. 200-1.
7 Ibid., p. 206.
8 Ibid., p. 212.
9 Op. cit., p. 396.
10 VILLAÇA, Flávio, op. cit., p. 213.
11 Ibid., p. 216.
12 Ibid., p. 217-8.
13 Ibid., p. 215.
14 Ibid., p. 219.
15 Ibid., p. 220.
16 Ibid., p. 221.
17 Ibid., p. 221.
18 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 41.
19 Ibid., p. 36.
20 Nesse sentido, MARICATO, Erminia. O impasse da política urbana no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011, p.
105. No mesmo sentido, ESTATUTO da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília:
Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, p. 41: “E assim, foram se configurando cidades
caracterizadas pelo contraste entre um espaço contido no interior da cada vez mais minuciosa moldura da
legislação urbanística e outro, normalmente três vezes maior, eternamente situado numa zona intermediária
entre o legal e o ilegal”.
21 Op. cit., p. 33.
22 Ibid., p. 31.
23 Op. cit., p. 222.
24 Op. cit., p. 403.
25 ESTATUTO da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos De-
putados, 2001, p. 43.
26 VILLAÇA, Flávio, op. cit., p. 232.
27 MARICATO, Erminia, op. cit., p. 141. De acordo com Erminia Maricato, o plano diretor foi incluído pelo
chamado “centrão” da Assembleia Constituinte.
28 Op. cit., p. 158.
29 Op. cit., p. 234.
30 Ibid., p. 235.
31 Planejamento urbano: para quê e para quem? Revista de Direito da Cidade, Rio de Janeiro, UERJ, v. 1.
n. 1, maio de 2006, p. 41.
32 Ibid., p. 43.
33 Op. cit., p. 399.
34 Ibid., p. 5-6.
35 Título da edição brasileira (WMF, Martins Fontes, 2011), o original inglês chamava-se The Death and Life
of Great American Cities.
36 SANTOS, Ângela Moulin S. Penalva, op. cit., p. 44.
37 Op. cit., p. 393-4.
38 Ibid., p. 394.
39 O termo já havia sido empregado antes, por exemplo, por David Harvey. A produção capitalista do
espaço. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2006.
40 SANTOS, Ângela Moulin Penalva, op. cit., p. 47.
41 Ibid., p. 47-8.
42 Op. cit., p. 181-2.
43 Op. cit., p. 49-51.
44 Ibid., p. 57-8.
45 CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 1989,
1862
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
p. 170.
46 Op. cit., p. 223.
47 Op. cit., p. 181-6.
48 Ibid., p. 181.
49 Op. cit., p. 236.
50 Op. cit., p. 182.
51 ESTATUTO da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos, p. 43.
52 Direito urbanístico brasileiro, 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 125.
53 Op. cit., p. 183.
54 Para uma discussão mais aprofundada sobre a atividade de conformação do direito de propriedade, confira-
-se BRITO, Miguel Nogueira de. Propriedade privada: entre o privilégio e a liberdade. Lisboa: Fundação
Manuel dos Santos, 2010, em especial p. 93-8.
55 Op. cit., p. 185.
56 Op. cit., p. 126.
57 Op. cit., p. 384-5.
58 Op. cit., p. 175.
59 Ibid., p. 181.
60 Ibid., p. 237-8. Destacou-se.
61 Esta parece ser a leitura de Rose Compans em Empreendedorismo urbano: entre o discurso e a prá-
tica. São Paulo: Unesp, 2005, especialmente entre as páginas 55-66.
62 Op. cit., p. 91.
63 Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana, 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2011, p. 72/3.
64 Mudar a cidade: uma introdução ao planejamento e à gestão urbanas. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006, p. 333-4.
65 O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In: DALLARI, Adilson & FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade:
comentários à lei 10.257/2001. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 56-7.
66 Op. cit., p. 97.
1863
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1865
Brasil, publicada no livro “Os Planos Diretores Municipais Pós Estatuto da
Cidade: balanço crítico e perspectivas”, organizado pelo Observatório das
Metrópoles (IPPUR/UFRJ) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro através de convênio
com o Ministério das Cidades. Os resultados apresentados no livro não
foram animadores, pois apesar da grande maioria dos municípios con-
tarem com a aprovação do Estatuto da Cidade em seus planos diretores,
ainda é longo o caminho para que os instrumentos do Plano Diretor sejam
capazes de efetivamente auxiliar no acesso a terra urbanizada a todos.
O início da década de 2000, ao mesmo tempo em que cria expectativas
na direção do direito a cidade, assiste ao aumento paulatino de crédito e
financiamento habitacional fortalecendo o capital imobiliário e promoven-
do a continuidade das aventuras especulativas do mercado imobiliário,
tão presentes na produção das cidades, fazendo acentuar os processos de
segregação socioespacial tão combatidos quando todo este movimento
de transformações descrito anteriormente se iniciou.
A seguir será apresentada neste texto uma breve análise das recentes
mudanças institucionais e normativas da política urbana do país, assim
como o novo cenário imobiliário, resultando em uma prática de planeja-
mento urbano cada vez mais contrário ao direito à cidade. Na sequência,
é apresentado o caso da cidade de Maringá, através de um emblemático
empreendimento imobiliário, o qual deixa flagrante este descompasso.
1. AVANÇOS E RETROCESSOS DA
POLÍTICA URBANA BRASILEIRA
1866
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1867
Na continuidade do avanço das políticas urbanas, em 2003 é criado
o Ministério das Cidades e a destinação, sobretudo, para as áreas de
habitação e saneamento são inseridos dentro de uma visão ampliada e
integrada das questões de desenvolvimento urbano. As decisões se tor-
naram descentralizadas e tomadas com envolvimento da comunidade,
através da participação nas audiências e conferências públicas em nível
municipal, estadual e federal. O quadro que se colocou foi da retomada
do papel do Estado central na definição de uma política capaz de enfren-
tar as dinâmicas do chamado “capital imobiliário” por meio de políticas
e instrumentos redistributivos, que pudessem recuperar e redistribuir as
mais-valias urbanas e prevenir o enriquecimento sem justa causa gerado
pelos investimentos públicos em nossas cidades.
Um dos principais avanços da criação do Ministério das Cidades foi a lei
nº 11.124/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação– SNH
e estabelece as bases do desenho institucional da política nacional, cria o
Fundo Nacional de Habitação - FNH e institui o Conselho Gestor do FNH.
O Sistema Nacional possui dois subsistemas com fundos específicos, um
voltado à habitação para a baixa renda e outro para o mercado privado.
Pela primeira vez, a população de baixa renda é assistida com recursos
capazes de minimizar déficit habitacional então na ordem de 7 milhões
de domicílios, um avanço. Dando continuidade a nova política urbana, em
2009 é aprovado o Plano Nacional de Habitação dando as bases para os di-
versos planos municipais construídos de forma participativa, muitos deles
já iniciados em 2008, na expectativa de ser lançado sobre os municípios,
um verdadeiro olhar sobre seus específicos problemas habitacionais. Na
contramão, entretanto, de todo este novo quadro, o governo federal lança
no mesmo ano de 2009 em conjunto com os principais empresários do
setor da construção civil, um programa habitacional para sanar o déficit de
moradias – o Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, o qual revela-se
mais como um programa voltada a dinamização do mercado imobiliário.
Iniciava-se um retrocesso na política urbana e habitacional brasileira.
1868
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1869
de 2009 do PMCMV - Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida - lei
11.977/2009.
Amplamente criticado pela academia2, este Programa ambicionava
construir 1 milhão de casas em sua primeira versão (meta já cumprida)
e 2 milhões na segunda, já demonstrando ser, como defende Shimbo
(2012), um programa de habitação social de mercado, sendo construído
não só como política para sanar o déficit habitacional do país, (o qual foi
se acumulando durante quase duas décadas sem política habitacional
para baixa renda), mas como pacote ante-crise, dinamizando a construção
civil, a qual já contava com cenário financeiro propício para dinamizar
ainda mais o setor.
O PMCMV surge como alinhavo final de um processo de financeirização
da habitação e injeção poderosa de créditos imobiliários no mercado. Além
disso, vem descolado de um plano a longo prazo, uma vez que desconsi-
dera avanços institucionais recentes na política urbana como as ZEIS e o
Plano Nacional de Habitação - PLHIS, que como ressalta Bonduki (2010),
foi atropelado pelas medidas do governo em conter a crise econômica e
dinamizar a construção civil; e assim, assiste-se a inserções pontuais, por
exemplo, em áreas não programadas pelos planos diretores e de habitação,
como é o caso das cidades a serem estudadas.
1870
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
que se assiste são conjuntos populares em áreas eleitas pelo capital imo-
biliário e segundo seus critérios, uma vez que até mesmo os usuários são
escolhidos pela definição do investimento.
Não só o PMCMV, mas as classes médias e altas, com grande oferta de
crédito no mercado, fizeram com que os anos de 2010 a 2012, assistis-
sem a uma produção imobiliária vertiginosa de norte a sul do país, já em
momento de desaceleração no ano de 2013, frente à numerosa oferta de
produtos habitacionais. Assim, o quadro de segurança financeira descrito
anteriormente associado a um programa habitacional desenhado para o
mercado, cria todas as condições para que o capital imobiliário (cada vez
mais seguro e libertário e que tem encontrado gestões públicas suscetíveis
à manipulação da legislação urbana), imprima nas cidades novamente a
desigualdade urbanística, social e ambiental.
1871
hoje conurbados de Sarandi e Paiçandu, os absorvedores da pobreza,
crescendo sob condições socioespaciais bem inferiores ao pólo.
Fig. 1 – Localização do município de Maringá no país, estado e a inserção de sua área urbana. Fonte: Obser-
vatório das Metrópoles – núcleo RMM, 2013.
1872
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1873
a esta altura, da renda que seria possível obter a partir da localização dos
terrenos em Maringá, que mais tarde também se valorizarão pelo mono-
pólio (fig.8), como ressalta Villaça (2012, p.39), quando expõe o preço da
terra- localização.5
Na década de 70, com o processo do êxodo rural promovido pela
substituição do café pela soja, além da geada severa de 1975, segue com
vertiginoso crescimento seguido de ações públicas de infraestrutura para
acomodar os moradores que em fins de 1976 já ocupavam 82,43% dos
lotes. Sucessivas ampliações do perímetro urbano são realizadas deixando
enormes vazios à espera da especulação, elevando assim a fragmentação
urbana e valorizações desiguais de solo urbano. Embora a cidade contasse
com um escritório técnico na área urbanística, que controlava (mesmo an-
tes da lei federal 6766/79), todo desenvolvimento urbano, não se imprimia
a mesma qualidade em toda cidade, sendo os bairros populares menos
atendidos e a propaganda de cidade planejada já não mais se sustentava
em todo seu perímetro.
Nesta mesma década se intensifica a verticalização da cidade, que não
mais se concentra na área central, demarcando na paisagem o que já era
desejo do governo federal, reforçar a cidade como pólo regional noroeste.
Inicia-se nesta década um mercado imobiliário voltado para a produção de
edifícios verticais residenciais, bastante especulativo e rentável em relação
ao setor de serviços que irá se concentrar na oferta à classe média e alta,
com exceção dos inúmeros edifícios do BNH feitos para classe popular.
Mais uma vez a parceria Estado-mercado acontecia.
Rodrigues (2004, p. 74) apresenta que havia ainda uma parcela da
população sem acesso ao mercado legal, dando origem a ocupações
irregulares em terrenos públicos espalhados pela cidade, assim como
alguns núcleos de favelas. O processo de favelização foi assistido nesta
época na maioria das maiores cidades do país, mas a forma como foram
erradicadas definitivamente em Maringá e sem chances de reincidências
foi peculiar. Assim a partir da gestão iniciada em 1973 até 1988, foram
erradicadas todas as habitações subnormais existentes na cidade, sendo
1874
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1875
recusar proposta encomendada para o arquiteto Oscar Niemeyer, retalha a
região em lotes possíveis de serem especulados pelo mercado, se dirigindo
para lá todo capital imobiliário.
Já na década de 90, há um declínio na produção face à economia do
país e novos ajustes dados pela legislação urbana em Maringá. Aprova-se
então em 1991 o Plano Diretor Integrado de Desenvolvimento pela Lei
Complementar 01 de 27 de dezembro. Neste plano é inserida pela primeira
vez a questão metropolitana como diretriz de desenvolvimento do espaço
urbano e regional. O zoneamento, principal instrumento regulatório do
Plano é atualizado duas vezes em 1994 e em 1999.
Em 1997, foram criados dois órgãos para conduzir as ações públicas
e a fiscalização na área urbana: Secretaria de Desenvolvimento Urbano
e Habitação – SEDUH – e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
de Maringá – IPPLAM, sendo este último extinto com menos de dois anos
de existência, contraditório para uma cidade nascida sob a égide do pla-
nejamento. Um novo conjunto de leis foi aprovado no ano de 1999, entre
elas, o Sistema Viário Básico. Como colocam Cordovil e Rodrigues (2010,
p.1), a visão tecnocrática que perpassa a elaboração dos planos anterio-
res permaneceu naquele momento, pois ainda não havia a orientação de
incluir participação da sociedade civil no processo.
Paralelamente aos planos que o poder público tinha para cidade, em
1996, a entidade de maior influência de Maringá - ACIM – Associação
Comercial e Industrial, motivada por responder à recessão econômica
imposta à cidade, mobiliza uma parcela da sociedade, sobretudo do ramo
imobiliário, para repensar a cidade. Este movimento assume o controle
político da cidade dando origem aos sucessivos planos estratégicos de
futuro, amparando ações dos gestores e alimentando cada vez o que mar-
caria a produção imobiliária da década de 2000, uma produção pautada
na visão da cidade-mercadoria, como define Vainer (2000).
Nos anos de 2000 e 2002 dois planos diretores são elaborados, mas
não transformados em lei, ficando até 2005 sem alterações, diante de
gestões descompromissadas com a aprovação de um novo documento
1876
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1877
para áreas até então à margem do planejamento da cidade, como antigas
áreas industriais e adjacências da linha férrea. Também incorporou os
instrumentos do Estatuto da Cidade, a contenção da ocupação nas bor-
das do perímetro urbano, entre outros aspectos, desenhando um plano
mais afinado com o município. Todavia a definição e implementação
de suas leis específicas, tanto de ordenação como dos instrumentos do
Estatuto, tiveram que esperar quatro anos para que fossem efetivamente
implementadas. Com exceção da outorga onerosa que era de interesse
do mercado e de pontuais aprovações de ZEIS, os demais instrumentos
que assegurariam o direito à cidade por meio do acesso à terra urbana só
foram implementados em 2011, assim, o problema de falta de moradia
para a população de baixa renda e as desigualdades no acesso ao solo
urbano, com ocupação inclusive dos inúmeros vazios, foram até hoje
pouco enfrentados.
As ZEIS em Maringá, um dos principais instrumentos que estão na
direção do alcance ao direito à cidade, foram aprovadas somente após
elaboração do PLHIS do município em 201, sendo regulamentadas através
da nova lei de zoneamento (lei 888/11), entretanto se localizam ou em ter-
renos públicos que foram desafetados em diversos bairros ou em distritos
de Maringá, com a argumentação de que não havia terrenos na cidade,
cujos valores suportassem instalação de habitações sociais. Percebe-se
que a decisão de pulverização das ZEIS na cidade impede a criação de
bolsões de pobreza e as inseri nos bairros já consolidados, próximo aos
serviços e infraestrutura, prerrogativas do próprio instrumento, no entanto
promoveram a anulação de futuras áreas de lazer nas comunidades onde
tiveram seus terrenos públicos substituídos por habitações.
A partir de 2008, o poder público, respaldado pelo Conselho Munici-
pal de Planejamento e Gestão Territorial (em decisões não unânimes),
tem apresentado várias alterações no plano diretor em conferências e
audiências sempre realizadas nas segundas ou terças-feiras em horário
comercial, apesar das reclamações junto ao Ministério Público por par-
te de alguns setores da sociedade. A plenária, boa parte formada pelos
1878
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1879
ano foi aprovada a lei 941/13, que mesmo pretendendo contemplar o
artigo 31 do Estatuto e atender a diversidade de finalidades previstas,
sabe-se que foi estratégico para utilizá-la no favorecimento aos novos
empreendimentos, sendo isso que ocorreu. O projeto Eurogarden a ser
apresentado é o caso mais emblemático.
1880
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1881
de edifícios de múltiplo uso para o terreno onde funcionava o antigo ae-
roporto da cidade, em área de 57,8 alqueires, até então vizinho da área
onde se especulava transferir o centro cívico. Trata-se de um novo bairro
que pretende abrigar 12 mil habitantes, comércios, serviços e áreas de
lazer de alto padrão. Para tanto, foi criada uma sociedade de propósito
específico, que incorporou empresários de várias áreas até então não
vinculados a área imobiliária, que vislumbram como seus futuros clientes,
moradores não só da cidade, como de outras localidades, que segundo
eles, visualizarão um paraíso para viver o resto de suas vidas. O slogan
utilizado pelo empreendimento é “um lugar que você gostaria de morar,
mas não sabia onde ficava”.
O projeto depois de elaborado foi apresentado à prefeitura, a qual
entusiasmada com as possibilidades do desenvolvimento urbanístico da
cidade, encaminhou ao Conselho Municipal de Planejamento do município,
um projeto de lei que criava a “Zona Especial Vinte e Três - ZE23 – Euro-
garden” . O mesmo foi aprovado em conferência pública sob inúmeros
protestos da sociedade civil, alterando-se, portanto, a lei 888/11 que trata
do novo uso e ocupação do solo do município.
Recentemente, dando continuidade a regulamentação do projeto, foi
aprovada a operação urbana consorciada Eurogarden. Nesta, por meio
de outorga onerosa os empresários ganharão potencial construtivo via
contrapartida de 30 milhões, os quais se reverterão em infraestrutura na
própria área dos próprios investidores, uma vez que esta estará ladeada
pelo novo centro cívico. Esta manobra não poderia ocorrer até 2012,
quando foi alterada a lei de outorga que previa exclusivamente para
habitação social, passando a permitir gastos com infraestrutura. Assim
os empreendedores com apoio quase irrestrito do legislativo, mas sob
protestos de algumas instituições, conseguissem usar a verba paga pela
outorga para benefício próprio (fig 3 e 4).
1882
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1883
Eurogarden, ao lado do novo centro cívico, atualmente já aprovado para
a cidade. A região que hoje já conta com alguns condomínios fechados,
ainda possui considerável população moradora de média e baixa renda
visto que os bairros limítrofes foram ocupados desde os primeiros anos da
cidade, podendo-se prever futuro processo de gentrificação. Neste sentido
afirmam Tows e Mendes (2011, p.11 ) verifica-se que em Maringá o poder
público se movimenta mais na direção de transformar Maringá em cidade
empreendimento, viabilizando novas áreas solváveis ao mercado, inclu-
sive áreas que estavam em pousio social ou possuíam outras atividades.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1884
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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NOTAS
1886
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Daniel Gaio1
1887
criado, que procura conjugar quatro mecanismos básicos: a) coeficiente
de aproveitamento único; b) vinculação a um sistema de zoneamento
rigoroso; c) transferência do direito de construir; e d) proporcionalidade
entre solos públicos e privados7.
Em suma, a adoção do solo criado a partir do coeficiente único de
aproveitamento urbanístico possibilita efetivamente estabelecer uma
relação de igualdade entre os proprietários urbanos, além de favorecer
a redistribuição dos benefícios entre os não proprietários. Entretanto,
como o Estatuto da Cidade estabelece uma cláusula aberta para que os
municípios tomem a decisão sobre o zoneamento, o solo criado transita
de uma eficiente técnica perequativa a uma condição agravadora das
desigualdades urbanísticas.
1888
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1889
seja, como contrapartida aos incentivos construtivos, o proprietário efetua
pagamento em dinheiro ao município (outorga onerosa do direito de cons-
truir25), além de se comprometer com a salvaguarda do bem ambiental.
Preliminarmente, sublinha-se que tal salvaguarda não depende neces-
sariamente da aplicação das citadas técnicas urbanísticas, na medida em
que o dever constitucional de proteção ao meio ambiente imposto ao Poder
Público e aos proprietários por si bastaria para garantir a integridade dos
atributos ambientais. Além disso, percebe-se que no município de Curitiba
há um fator extralegal decisivo, como demonstra pesquisa realizada em
126 áreas verdes particulares, em que 82% dos proprietários afirmaram
que preservam esses espaços por motivos históricos, culturais, familiares
e ecológicos26. Igualmente os estímulos fiscais têm contribuído para a
proteção de bens ambientais, os quais muitas vezes são concedidos de
modo cumulativo com os incentivos construtivos27.
Entretanto, os resultados quantitativos obtidos com a aplicação da
transferência do direito de construir e da outorga onerosa em Curitiba,
além de garantir a proteção de um expressivo número de espaços am-
bientais28, vêm demonstrando que a solução urbanística tem reduzido a
níveis bastante baixos o questionamento de prejuízos decorrentes das
vinculações ao conteúdo do direito de propriedade29.
Por outro lado, ainda que exitosa a aplicação das supracitadas técni-
cas de compensação, é necessário analisar os critérios que permearam
a relação entre espaços ambientais protegidos e direito de propriedade,
notadamente no que se refere às condições de aproveitamento urbanístico
e às suas implicações para o conjunto da cidade.
Observa-se inicialmente que, no que diz respeito ao cálculo do coefi-
ciente de aproveitamento, a legislação de Curitiba pressupõe uma relação
de igualdade entre os espaços ambientais protegidos e os demais imóveis
situados no seu entorno30. Considerando que a maior parte das compen-
sações urbanísticas não é acompanhada da cessão da propriedade ao
Poder Público31, além dos valores auferidos com o incentivo construtivo,
o titular do bem igualmente usufrui as vantagens econômicas decorrentes
da utilização do imóvel.
1890
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1891
nas cidades ocasiona uma mudança de percepção acerca da paisagem de
matas fechadas, rios e outros elementos não construídos, que passam a
ser caracterizar como um diferencial positivo na definição do preço dos
imóveis urbanos.
Ainda no que diz respeito à sustentabilidade econômica, percebe-se
que o conjunto da legislação de Curitiba não discrimina a concessão das
compensações urbanísticas em virtude da intensidade da restrição do
conteúdo ao direito de propriedade. Nesse sentido, notadamente no que
se refere às áreas verdes, a uniformização dos critérios de compensação
deixa de considerar determinados aspectos que são importantes para
definir a necessidade e o alcance dos incentivos, tais como: a extensão do
imóvel e a sua relação com a percentagem de área protegida; a definição
e percentagem do regime de proteção (conservação ou preservação); as
condições físico-territoriais do terreno e sua relação com as legislações
ambientais de “caráter geral”; e a relevância da sua biodiversidade.
Interessante observar que a análise específica quanto à necessidade
da concessão de compensação em virtude de restrições ambientais não
é estranha na legislação de Curitiba, sendo verificada, por exemplo, na
hipótese das faixas de proteção ao longo dos cursos d’água inviabiliza-
rem a ocupação do imóvel38. Desse modo, considerando que todas as
solicitações de benefícios são analisadas de modo individualizado, nada
impede que o Poder Público realize a tarefa de ponderar acerca da solução
urbanística mais adequada ao caso concreto, de modo a aplicar, quando
necessário, quaisquer “condições especiais de uso e ocupação do solo”39
e incentivos de natureza fiscal40.
Entretanto, ainda que se defenda uma margem de discricionariedade
à Administração para ponderar acerca da necessidade de concessão das
medidas compensatórias, é necessário que a legislação estabeleça limites
máximos a tais parâmetros. Além disso, tendo em vista que a Constituição
Federal atribui aos espaços ambientais uma função social qualificada — o
que fundamenta uma maior compressão do conteúdo do direito de proprie-
dade —, é imprescindível que essas áreas possuam aproveitamento urba-
1892
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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NOTAS
1894
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
7 Essa configuração foi no Brasil inicialmente proposta por MOREIRA, Antônio Cláudio Moreira Lima [et. all.].
O Solo Criado. São Paulo: CEPAM, 1975; em seguida, foi igualmente defendida por SILVA, José Afonso da.
Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: RT, 1981, p. 310-313.
8 Conforme a Lei 7.288/69 (município de São Paulo).
9 Cf. o Dec. 5.162/75 (município de Porto Alegre). Cf. FISCHER, Maria Helena de Souza. Uma abordagem sobre
a transferibilidade do direito de construir. Mimeografado. Porto Alegre: Prefeitura Municipal de Porto Alegre
- Secretaria do Planejamento, 1986, p. 20. Ressalta-se que no ano de 1975 já era defendida expressamente
a utilização da transferência do direito de construir para a proteção de áreas verdes. Cf. MOREIRA, Antônio
Cláudio Moreira Lima [et. all.]. O Solo..., op. cit., p. 18.
10 O que foi suplantado em 2001 por meio do Estatuto da Cidade. Cf. os arts. 28 a 31 e 35 da Lei Federal 10.257/01.
11 Cf. Lei 6.337/82 (município de Curitiba).
12 Anota-se que a concessão de incentivo construtivo no próprio terreno não caracteriza, propriamente,
transferência do direito de construir.
13 Conforme dispõem os arts. 3º e 4º da Lei 6.337/82 (município de Curitiba). Para os bens culturais com maior
grau de complexidade — como os prédios da Universidade Federal do Paraná e o da Catedral Metropolitana —,
o restauro é viabilizado por meio da alienação de cotas de potencial construtivo a serem utilizadas em outros
imóveis. Cf. o Dec. 380/93 (município de Curitiba).
14 Como dispõe o art. 4º, II, do Dec. 408/91 (município de Curitiba). Denomina-se aqui como “novo incentivo”
pois a transferibilidade de solo foi originalmente concebida apenas para o aproveitamento urbanístico não
utilizado em decorrência de vinculações estatais.
15 Cf. o art. 8º, parágrafo único, do Dec. 185/00 (município de Curitiba).
16 Cf. a Resolução municipal nº 02/99, da Comissão de Avaliação do Patrimônio Cultural, e o art. 12 do Dec.
625/07(município de Curitiba). O condicionamento do incentivo à recuperação do bem protegido igualmente é
exigido no município de Belo Horizonte. Cf. PELLEGRINO, Maria Beatriz Conde. Transferência do direito de cons-
truir. Revista do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Belo Horizonte, vol. 38, jan.-mar. 2001, p. 127-149, p. 137.
17 Cf. o art. 4º da Lei 9.804/00 (município de Curitiba).
18 Cf. o art. 4º da Lei 12.080/06, e o art. 7º do Dec. 606/07 (município de Curitiba).
19 As disposições do antigo Código Florestal (art. 2º, II, “a” da Lei 4.771/65, com redação dada pela Lei nº
7.803/89) foram seguidas e até ampliadas pelo município de Curitiba. Cf. o art. 2º da Lei municipal 9.805/00
(alterado pela Lei municipal 9.991/00).
20 Cf. o art. 4º, I da Lei 9.805/00 (município de Curitiba). Além dessa possibilidade, a transferência do direito
de construir também pode ocorrer quando a área for cedida para implementação de equipamentos públicos
(art. 4º, II da Lei municipal 9.805/00).
21 Cf. art. 2º da Lei 9.803/00 (município de Curitiba).
22 Cf. o art. 2º da Lei 9.803/00, e o art. 10 do Decreto 190/00 (município de Curitiba).
23 Cf. o art. 3º, § 2º da Lei 9.801/00 (município de Curitiba).
24 Cf. o art. 7º da Lei municipal 6.819/86; o art. 26 da Lei municipal 8.353/93; o Dec. municipal 782/95; o art.
4º da Lei municipal 9.805/00; o art. 11 da Lei municipal 9.806/00; e o art. 6º, § 2º, do Dec. 194/00 (exceção
feita à Reserva Particular do Patrimônio Natural Municipal - Lei municipal 12.080/06, regulamentada pelo Dec.
municipal 606/07). Complementarmente, a legislação em vigor estabelece a concessão de um abono caso não
seja utilizada a totalidade do coeficiente de aproveitamento previsto pela zona onde o imóvel se encontre (Cf.
o art. 8º do Dec. municipal 194/00).
25 Embora do ponto de vista conceitual a outorga onerosa do direito de construir se refira ao aumento do
coeficiente de aproveitamento básico, o Estatuto da Cidade também prevê a possibilidade de alterar o uso do
solo mediante contrapartida (art. 28 a 31 da Lei Federal 10.257/01). Com efeito, não há sentido em vedar que
os demais parâmetros de ocupação do solo (altura, taxa de ocupação, recuos) não possam ser alterados por
meio de uma outorga onerosa.
26 Cf. PEREIRA, Mauri César Barbosa [et. all.]. Políticas para conservação de áreas verdes urbanas particulares em
Curitiba – o caso da Bacia Hidrográfica do Rio Belém. Floresta. Curitiba, jan.-abril 2006, vol. 36, nº 01, p. 101-110.
27 Cf. o art. 88 da Lei complementar 40/01; o art. 10 da Lei 9.806/00; e o art. 10 do Dec. 194/00 (município
de Curitiba).
28 Embora não tenha sido possível obter todos os dados referentes à concessão do solo criado e da transfe-
rência do direito de construir em Curitiba, considera-se que as informações a seguir descritas são suficientes
para demonstrar a efetividade dos referidos instrumentos. As áreas verdes urbanas protegidas até 2007 por
meio da transferência do direito de construir e do solo criado totalizam 686.639,49 m². Em relação aos bens
culturais, entre 1998 a 2009, foram protegidas 77 edificações, envolvendo o manejo de 354.228,33 m² de
potencial construtivo (Dados da Secretaria Municipal de Urbanismo de Curitiba e do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba).
29 Em pesquisa realizada junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, não foram encontrados, entre os anos
2000 a 2009, julgados referentes à indenização decorrente de vinculações ambientais no município de Curitiba.
1895
30 Cf. o art. 7º da Lei 6.819/86; o art. 1º do Dec. 782/95; e o art. 1º e 8º do Dec. 194/00. Diferentemente da
legislação de 1974, a qual estabelecia o coeficiente de aproveitamento igual a 1 (um). Cf. o art. 6º da Lei
4.857/74 (município de Curitiba);
31 Anota-se que é reduzida a possibilidade de cedência ao Poder Público do imóvel beneficiado por incentivos
construtivos, como nos casos da implantação de equipamentos de uso público nas faixas de preservação per-
manente ao longo dos cursos d’água (art. 4º da Lei municipal 9.805/00) e do Setor Especial de Áreas Verdes
(art. 15, parágrafo único da Lei municipal 9.806/00; e art. 6º, § 2º do Dec. municipal 194/00), e da ampliação
de unidades de conservação (art. 4º da Lei municipal 9.804/00).
32 Cf. BITENCOURT, Ana Paula Mota de. A transferência do direito de construir para a conservação do patri-
mônio cultural: a experiência da cidade de Curitiba. 2005. 205 f. Dissertação (Mestrado) – Desenvolvimento
Urbano, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005, p. 100.
33 Nesse caso, a outorga onerosa do direito de construir seria concedida com isenção de pagamento. Cf. o
art. 30, II da Lei Federal 10.257/01.
34 Cf. o art. 3º, VI da Lei 9.804/00, combinado com o Dec. 194/00 (município de Curitiba).
35 Cf. o art. 3º, VI da Lei 9.804/00 (município de Curitiba).
36 Cf. o art. 11 da Lei 9.806/00; e o art. 6º, § 2º do Dec. 194/00. Com pequenas alterações, esse modelo é
previsto desde meados da década de 80 do século passado (art. 7º da Lei 6.819/86; art. 26 da Lei 8.353/93;
e Dec. 782/95). Em sentido contrário, registra-se que a legislação que adequa o Plano Diretor de Curitiba ao
Estatuto da Cidade estabelece que as “áreas de proteção ambiental” devem ter o uso do solo restringido. Cf.
o art. 11, VI da Lei 11.266/04 (município de Curitiba).
37 Embora a legislação estabeleça que essas áreas devem ter condições especiais de administração e uso. Cf.
o art. 2º da Lei 9.804/00 (município de Curitiba).
38 Cf. o art. 4º, I da Lei 9.805/00 (município de Curitiba). Entretanto, ao contrário do que dispõe o referido
dispositivo legal, não há sentido em autorizar a transferência apenas parcial do direito de construir se resta
inviabilizada a ocupação do imóvel. Portanto, a utilização desse instrumento somente se justifica se realizada
a transferência total do potencial construtivo, cumulada com a cessão da área ao Poder Público, conforme
dispõe o art. 4º, II da Lei 9.805/00. Cabe observar que a compensação por inviabilização da ocupação do
imóvel igualmente é prevista em virtude de vinculações de natureza urbanística. Cf. o art. 2º da Lei 9.803/00,
e o art. 10 do Decreto 190/00.
39 Veja-se que essa flexibilidade é contemplada no caso das faixas de preservação ao longo dos cursos d´água.
Cf. o art. 4º da Lei 9.805/00 (município de Curitiba).
40 Cf. o art. 88 da Lei Complementar 40/01.
41 Além disso, deve-se ainda considerar os impactos sobre a infraestrutura urbana ocasionados pelos acrés-
cimos construtivos. Acerca dessa problemática, ver GAIO, Daniel. Uma breve..., op. cit.
1896
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Suzane Concatto1
Sérgio Torres Moraes2
1. INTRODUÇÃO
1897
Nesse artigo, como recorte de pesquisa, foi analisado o “Estado” e suas
responsabilidades enquanto um dos agentes na dinâmica de produção do
espaço urbano, tanto conceitualmente quanto nas pesquisas de campo,
cientes de que para uma análise mais aprofundada é importante estudar
também outros produtores do espaço.
O principal objetivo do artigo é a análise do papel do Estado, no âmbito
municipal, em relação aos desastres ambientais focando especificamente
na problemática das inundações. Como forma de efetivar as pesquisas
práticas, foi escolhida a cidade de Itajaí/SC como estudo de caso.
As motivações que a caracterizam esta prioridade de análise estão
atreladas ao fato de que o Município possui um histórico de inundações,
sendo que a do ano de 2008 foi a mais grave das mais recentes, contabi-
lizando 18.208 desabrigados e 1.929 desalojados. Porto e rodovias foram
danificados e os prejuízos para a indústria pesqueira e porto foram de R$
7.4 milhões. (DEFESA CIVIL SANTA CATARINA, 2013). Em setembro de
2011, outra inundação fez com que o Porto de Itajaí novamente parali-
sasse suas atividades, com grandes perdas para a economia. A frequência
destes eventos e a falta de recursos técnicos e financeiros que o município
enfrenta para sua reconstrução salientam a relevância deste estudo.
O desenvolvimento desse trabalho parte de uma revisão bibliográ-
fica referente aos temas “produção do espaço urbano” e “inundações” e
busca verificar a dinâmica da atuação do Estado na área urbana de Itajaí
a partir das leis de zoneamento e cruzamentos de mapas de inundação.
1898
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1899
Segundo Tucci existem duas formas de atuar diante a problemática
das inundações: uma é através de medidas estruturais, que caracterizam-
-se por serem grandes obras de engenharia em locais específicos, como
barragens e contenções. Outra são as medidas não estruturais que têm
tendências voltadas ao planejamento, pois buscam elementos como edu-
cação ambiental, zoneamento que caracterizam locais de risco, medidas de
alerta, desenvolvimento de tipologias à prova de enchente e entre outras.
1900
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1901
O porto de Itajaí caracteriza grande importância para o município
e estado de Santa Catarina. Em 2010, representou 1,25 mil atracações,
em 2009 1,02 mil e em 2008 mil atracações (PORTO ITAJAÍ, 2013). A
economia do município é sustentada pelo porto, comércio atacadista de
combustível, pesca e setor de produção industrial. O Rio Itajaí-Açu tem
grande importância para o município, possibilitando o desenvolvimento
industrial e comercial da região. E justamente por sua vocação hídrica e
condições geológicas há o favorecimento de frequentes inundações em
suas áreas urbanas e rurais.
Existem relatos de inundações desde 1851 onde Reinoldo Gaertner,
sobrinho de Dr. Blumenau relata as grandes chuvas em seu “Diário” da
Colônia (SILVA, 1975). E Santos (2010) faz uma compilação de enchentes
no Vale do Itajaí, por década:
Tabela 1- Enchentes no Vale do Itajaí por década (1850-2000).
Fonte: Santos-2010
1902
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1903
Figura 3- Inundações de 2001,2008 e 2011
Fonte: DEFESA CIVIL(2013) sobreposição feita por Suzane Concatto
1904
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1905
A área em roxo claro teve a maior mudança de 1989 para 2012, pas-
sando de usos restritos (mas que ainda permitia uso residencial) para
somente serviços.
A seguir, o cruzamento da inundação comum aos 3 anos com o zo-
neamento de 2012:
Figura 7- Cruzamento dos usos predominantes do zoneamento de 2012 e inundação comum aos 3 anos
Fonte: Prefeitura municipal de Itajaí e Defesa Civil de Itajaí. Mapa modificado por Suzane Concatto
1906
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1908
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1909
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A redução da discricionariedade
administrativa frente ao princípio da
sustentabilidade urbana: novos desafios
para a elaboração de políticas públicas
INTRODUÇÃO
1911
ções acerca da discricionariedade administrativa no sentido de apresentar
a alteração do conteúdo desta faculdade do administrador, a qual, em
razão das diretrizes constitucionais garantidoras de direitos fundamentais,
passa a reduzir o seu espaço de liberdade de escolha, vinculando-o em
profundidade e extensão, a ponto de tratar-se, hoje, de uma “discriciona-
riedade intensamente vinculada.”
Neste contexto, a Lei 12.587/2012, que institui a Política Nacional de
Mobilidade Urbana, será objeto de análise, com a finalidade de identifi-
car, em um instrumento legal concreto, diretrizes normativas capazes de
reduzir, delimitar e condicionar a atuação e as escolhas do administrador.
1912
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1913
Saúde e higiene têm sido preocupações de formuladores de políticas
urbanas na América Latina desde meados do século xIx. Nas últimas dé-
cadas, esses problemas foram “ambientalizados” e questões de acesso à
água, esgoto e coleta de resíduos sólidos passaram a ser colocadas como
temas não apenas de justiça ambiental, mas de emergência.
Outros problemas ambientais urbanos constatados no contexto de crise
ambiental são o uso preponderante de veículos automotores, diante da
má qualidade do transporte coletivo, e o aumento excessivo dos resíduos
sólidos, associado à disseminação, nos centros urbanos, de grandes cen-
tros comerciais, revelando o alto padrão de consumo. Dentre as principais
dificuldades socioambientais enfrentadas pelos municípios brasileiros, está
a gestão dos resíduos sólidos urbanos. O crescimento das cidades e o au-
mento do volume do lixo apresentam-se como uma das maiores ameaças
à existência humana e representam uma difícil tarefa ao gestor público.
A poluição visual e sonora contribuem para a geração de doenças
conhecidas como “doenças da modernidade”, tal como o estresse, a fa-
diga e a depressão. A política habitacional é outro fator grave na questão
urbana. As cidades brasileiras, no dizer de Fernandes6 são poluídas, caras,
ineficientes, injustas e ilegais, em função das décadas de urbanização in-
tensiva. A urbanização crescente, atrelada ao aumento de pobreza, gera
pressão sobre a terra urbana. Dessa forma, “na falta de opções adequadas
e acessíveis de moradias oferecidas pelo mercado e pelas políticas públi-
cas, entre 40% a 80% da população brasileira estão vivendo ilegalmente
nas áreas urbanas [...]”7
O déficit habitacional para famílias de baixa renda favorece a proli-
feração de moradias irregulares e ilegais, cujas consequências não são
apenas percebidas no impacto ambiental urbano decorrente da poluição
hídrica, por exemplo, devido à ausência de sistema de esgoto, trazendo,
também, implicações sociais e econômicas. Viver de forma ilegal repercute
na inexistência de segurança jurídica da posse ou da propriedade e na falta
de acesso à infraestrutura urbana. Acrescenta-se a isso a vulnerabilidade
das classes mais pobres ao se verem coagidas a pagar aluguéis mais caros
1914
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1915
A compreensão das cidades, portanto, deve partir de um contexto
social voltado a uma preocupação socioambiental crescente, o qual de-
verá propiciar ao Administrador Público e aos operadores de Direito uma
análise interdisciplinar das questões complexas, as quais, não raras vezes,
geram conflitos entre direitos fundamentais e demanda um repensar do
campo de liberdade decisória do administrador. “Essa tensão tem gerado
uma fragmentação ainda maior na ação das agências públicas, e tem sido
caracterizada pela falta de diálogo, várias formas de intolerância e por
um vazio de decisões.”11
Apresentado o cenário desolador e caótico das cidades brasileiras,
reféns dos riscos socioambientais, desenvolve-se, por outro lado, na legis-
lação brasileira, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a
partir de garantias e princípios constitucionais. Se a garantia legal alterará
a realidade, eis uma incógnita. As bases, todavia, já foram firmadas.
1916
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1917
propriedade e da cidade. O Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, define as
diretrizes para a construção da sustentabilidade urbanoambiental16 com a
garantia a direitos individuais à terra urbana, moradia, saneamento, infra-
estrutura urbana, transporte e serviços públicos, trabalho e lazer, para as
presentes e futuras gerações (Estatuto da Cidade, art. 2º, inc. I). Soma-se
a estes a garantia ao direito difuso à ordem urbanística (também previsto
no art. 53 da Lei de Ação Civil Pública) e a gestão democrática das cidades
expressa na gestão orçamentária participativa como condição obrigatória
para a aprovação do orçamento pelo Legislativo Municipal (Art. 4º, inc. II,
letra “f” do Estatuto da Cidade), além da criação de órgãos colegiados de
política urbana (conselhos), bem como a previsão de instrumentos jurídicos
para avaliação de impactos (estudo de impacto de vizinhança - Art. 36).
O direito à cidade une o direito urbanístico ao direito ambiental. Pres-
tes17 explica esta interface como uma “visão jurídica macro” traduzida
pelo Direito urbanoambiental. No campo das políticas públicas, o direito
à cidade une a prática municipal ao conceito de escassez dos bens am-
bientais naturais, a fim de incorporar medidas racionais de reutilização
da água, energia solar, resíduos sólidos, promoção da acessibilidade e
garantia da mobilidade urbana atreladas ao bem estar da coletividade. A
Lei 10.257/2001 possui esta intenção ao prever normas de ordem pública
e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do
bem-estar coletivo, da segurança e do equilíbrio ambiental.
A conceituação do direito à cidade seria inconcebível sem a análise
do papel do cidadão na participação efetiva nas políticas públicas e sua
inclusão como ator social no repensar o seu habitat. A interação entre
os cidadãos pressupõe a implementação do princípio da informação18, a
“porta de entrada do conhecimento básico à educação e ao interesse por
valores juridicamente protegidos ao bem-estar da pessoa humana indivi-
dual, social ou coletivamente considerada.”19
No âmbito municipal, os gestores públicos devem promover a susten-
tabilidade por meio de um documento legal detentor de diretrizes gerais
passíveis de implementação local, evitando conflitos e respeitando seu
1918
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1919
sequentemente, em razão de décadas de problemas derivados da falta
de planejamento urbano e precário provimento de serviços públicos, as
cidades cumularam problemas sociais, econômicos e ambientais.
O papel da ordem jurídica tem sido essencial para coibir o uso inade-
quado do espaço urbano ao estimular o seu uso coletivo e, principalmente,
para reverter o palco de desigualdades sociais e impactos ambientais
negativos que resultam na baixa qualidade ambiental de vida nas cidades
agravadas pelas diversas formas de poluição, sobretudo oriundas do pro-
cesso produtivo e do sistema dominante de transporte por automóveis.
Com base no exposto, consolidado o direito à cidade e à sustentabili-
dade urbana21, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012)
consolida-se como uma das recentes e inovadoras normativas cujo escopo
é a efetividade ao acesso universal à cidade, o fomento e a concretização
das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos
e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do plane-
jamento e gestão democráticos, cujo fim último é a consolidação de um
dos direitos fundamentais sedimentados na Carta Política.
Sob os auspícios do princípio do desenvolvimento sustentável das
cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais, este novo marco
legal unifica as agendas verde e marrom (ambiental e urbana), base para
o planejamento urbano e essencial para uma gestão político-institucional,
político-administrativa e político-social eficiente, voltada ao bem-estar do
cidadão e da sadia qualidade de vida na cidade.
A partir deste instrumento legal - a Lei 12.587/2012 – direcionam-se
as reflexões a um instituto jurídico tão tradicional quanto presente, cujos
reflexos incidem de maneira acentuada nas tomadas de decisões em
todos âmbitos de atuação estatal direta ou indireta, com efeitos intensos
e permanentes na sociedade. Está-se a se tratar da aplicabilidade da dis-
cricionaridade administrativa e dos possíveis efeitos condicionantes da
principiologia urbanoambiental, diga-se de passagem, do dever de inserção
do critério de sustentabilidade no planejamento urbanoambiental.
1920
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
3. A REDUÇÃO DA DISCRICIONARIEDADE
NO SENTIDO DA CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO
FUNDAMENTAL à SUSTENTABILIDADE
1921
exigências de uma exclusão social perversa, a exemplo de variados servi-
ços públicos ofertados de modo precário, tais como o transporte coletivo.
Neste quadro, as decisões políticas, em sua maioria, não se revelam
propiciadoras ou promotoras do direito à cidade nos termos constitucio-
nais, tampouco do direito fundamental `a sadia qualidade de vida urbana,
concebida como uma das dimensões da dignidade da pessoa humana.
À administração pública, detentora da faculdade discricionária24, cabe
aferir os pressupostos da necessidade ou não da tomada de dada decisão.
E, para além desse aspecto, agrega-se a escolha do momento no qual
deve ser levada a cabo a decisão dantes eleita. Porém, essa discriciona-
riedade – quer por motivos de sua racionalidade própria ao ser exercida
por uma adminsitração pública que executa ações num Estado de Direito
Democrático, quer por serem inadmissíveis quaisquer ações desmesuradas
por parte do Poder Público – é necessariamente conformada e delimitada
pelo ordenamento jurídico. Neste sentido, os fundamentos que servem
de substrato para tais delimitações são inúmeros. Porém, alguns desses
baldrames podem ser, desde logo, antevistos.
Um deles e talvez o que se mostra acentuado para este estudo, é o
príncípio do desenvolvimento urbano sustentável em conformidade com
o planejamento. Trata-se de um postulado formulado pela doutrina alemã
e se relaciona insitamente com a razão de ser do plano25, voltado a um
outro aspecto igualmente essencial, de “que o desenvolvimento e a evolução
urbanísticas não podem ser deixados ao respectivo‚ crescimento natural.“26
A par desses elementos, há uma obrigação incidente sobre a atividade
administrativa e, consequentemente, sobre as decisões do administrador
ao não lhe ser concedida qualquer liberdade. In casu, são os standards
nucleares da Política Nacional de Mobilidade Urbana que reduzem inten-
samente a discricionaridade a ponto de conferir concretude e efetividade
às políticas públicas de todas as instâncias federativas, seja através da boa
administração, da gestão eficiente ou por meio de instrumentos coercitivos.
Se antes – e até mesmo no presente, por ignorância das normas que
regem o atuar administrativo – o administrador poderia escolher a seu
1922
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1923
de alijar ou postergar (tomar a decisão ou não e decidir quando) quaisquer
medidas que não em estrito cumprimento dos standards legais. Tanto
assim o é que impõe a inserção das políticas de mobilidade urbana nas
esfera orçamentária.
4. CONCLUSÕES
1924
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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Advogado, 2010.
NOTAS
1 Doutora em Direito Adminsitrativo pela UFPr, Professora Adjunta de Direito Administrativo na Faculdade
de Direito da UFPR, Procuradora do Ministério Público de Contas do Paraná. Email: acostaldello@gmail.com
2 Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR, Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-
PR, Professora Adjunta de Direito Ambiental da UFPR e FAE, Advogada. Email: karin.kassmayer@gmail.com.
3 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Estado Socioambiental e mínimo existencial (ecológico?):
algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Estado Socioambiental e Direitos Fundamentais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 17.
4 ANDREOLI, Cleverson V. (Ed.) Mananciais de abastecimento: planejamento e gestão. Estudo de caso do
Altíssimo Iguaçu. Curitiba: Sanepar Finep, 2003, p. 37. Neste mesmo estudo, os autores tratam da disponibi-
lidade e demanda de água no Brasil. Embora o país seja privilegiado em recursos hídricos, dispondo de uma
das redes fluviais mais amplas com 18% do potencial hídrico do planeta, e um grande volume de água em
aquíferos subterrâneos (na ordem de 112.000km²), demonstram as condições atuais que não há déficit, mas
sim riscos crescentes de conflitos de quantidade – principalmente no Nordeste - e qualidade e déficit de oferta
– nas grandes capitais, além de a maior parte da água estar concentrada nas regiões Norte e Centro–Oeste
(89%), enquanto 11% do potencial hídrico estão distribuídos entre 85,5% da população e 90,8% da demanda
de água no Brasil (p. 43).
5 MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias: planejamento urbano no Brasil. In:
ARANTES et al. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 163.
6 FERNANDES, Edésio. Impacto socioambiental em áreas urbanas sob a perspectiva jurídica, In: MENDONÇA,
Francisco. (Org.) Impactos socioambientais urbanos, Curitiba: UFPR, 2004, p. 115.
7 Idem, ibidem.
8 A exemplo, os desastres amplamente conhecidos e ocorridos em janeiro de 2011 no Estado do Rio de Janeiro,
bem como a explosão do Morro do Bumba, em Niterói, em abril de 2010.
9 FERNANDES, Edésio. Impacto socioambiental em áreas urbanas sob a perspectiva jurídica, In: MENDONÇA,
Francisco. (Org.) Impactos socioambientais urbanos, Curitiba: UFPR, 2004, p. 115.
10 ALFONSIN, Betania de Moraes.; FERNANDES, Edésio. Da Igualdade e da Diferença. In: ALFONSIN, Betania
de Moraes.; FERNANDES, Edésio. (Orgs.) Direito urbanístico: Estudos Brasileiros e Internacionais. Belo
1926
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1927
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A responsabilidade da administração
pública pela concretização do sistema
urbanístico-ambiental sustentável
1. INTRODUÇÃO
1929
Se considerarmos tal linha de evolução, não podemos nos desvencilhar
da ideia de que o dano decorrente da falta de planejamento ou da descon-
sideração de diretrizes anteriormente traçadas pelos planos urbanos, jus-
tamente nos casos de condutas praticadas por agentes políticos – quando,
consciente e discricionariamente, agem sem o devido dever de cautela no
atendimento dos princípios da eficiência e da boa administração, e, em
decorrência desses atos causam lesão ou dano ao meio ambiente natu-
ral ou urbano, mesmo sem a intenção de atingir um fim ilícito, mas que,
contudo, devem de alguma forma gerar responsabilidade para aqueles
detentores do comando e da gestão de tais ações.
Há várias razões para se atribuir responsabilidade ao Estado, e, prin-
cipalmente ao Administrador Público, em casos como esse, uma vez que
o dano decorreu, exclusivamente, da ação do próprio agente político, o
qual, agindo deliberadamente, dentro da margem da discricionariedade,
ou não guardou, no mínimo, os devidos cuidados na realização de seu
mister, ou despendeu dinheiro público em projetos contrários ao interes-
se coletivo, ou ainda, para “consertar” uma situação consolida, emprega
dinheiro público, sem se preocupar com as externalidades negativas
decorrentes da má gestão.
Se a jurisprudência caminha no sentido de se conferir maior liberdade
de atuação aos agentes políticos, devem, também, imprimir-lhes uma
maior responsabilização de suas condutas, mantendo-se um tratamento
equânime diante de situações similares, sob pena de ofensa manifesta ao
princípio da igualdade e da legalidade.
O pano de fundo da atuação Administrativa, no contexto do Estado
de Direito brasileiro, está adstrito à compatibilização entre o princípio da
eficiência da Administração, na elaboração e concretização das políticas
públicas, com o pressuposto da sustentabilidade do meio, e, ainda com
matriz econômica liberal preconizada no artigo 1º, inciso IV e reafirma-
da nos artigos 5º, incisos, xIII, xxII e xxIII, 170, incisos I a Ix da Carta
Constitucional, cuja representação se dá pela dimensão dos interesses
privados na esfera social.
1930
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1931
O tema possui sua relevância, posto que traz em seu bojo aspectos
relativos à efetivação de direitos fundamentais sociais, principalmente
no tocante à concretização das funções da cidade sustentável, tendo em
vista que o princípio do desenvolvimento sustentável é tido como princí-
pio fundamental garantidor, em última instância do bem-estar e da vida
da população.
Metodologicamente adotou-se a técnica de análise jurídica bem como
o estudo interdisciplinar para promover uma argumentação densa o su-
ficiente a fim de comprovar a hipótese defendida.
1932
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1933
as diretrizes traçadas pela Cúpula dos Povos em 2012, da gestão corre-
ta dos recursos ambientais comuns existentes nas cidades, os quais se
compõem, entre outros, de sua atmosfera, da bacia hidrográfica que a
abastece e dos recursos territoriais que oferecem serviços de localização
espacial, de recarga de lençóis freáticos, de reserva ecológica e territorial,
de criação e conservação dos recursos naturais, além de um bom manejo
dos resíduos sólidos.
Numa visão de sustentabilidade, é necessário administrar esses recur-
sos de maneira que se observem sistematicamente os limites críticos trans-
gredidos, os quais geram custos sócio-ambientais excessivos. Reconhecer
a existência desses limites significa enfrentar como bens econômicos os
recursos ambientais comuns e, por conseguinte, admitir a inelutável ne-
cessidade de levar a cabo uma gestão eficiente e socialmente equitativa.
Portanto, o administrador público deve buscar a sustentabilidade ur-
bana por meio de políticas que integrem o estilo de vida da população, o
desenvolvimento tecnológico e a forma e organização do governo local.
A sustentabilidade das cidades dependerá, por conseguinte, de sua capa-
cidade de estabelecer estratégias sociais e econômicas para integrar seus
espaços políticos, sociais, econômicos, ambientais, territoriais e culturais
frente às demandas e pressões do exterior.
Para Sachs3 a proposta de desenvolvimento sustentável nos municípios
está na descentralização geográfica da produção, de modo que se torna
relevante e que a economia seja reorganizada para atender prioritariamen-
te ao mercado local e regional. O atendimento às necessidades básicas da
população passa a ser primordial de forma que cada região se torne mais
autônoma e autossuficiente possível, dando primazia às exigências locais.
Segundo Maria Cristina A D Ávila4
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O planejamento deve propor modelos de organização de políticas
públicas, destinado a produzir decisões que definem os caminhos funda-
mentais e ações que guiem a organização integrada entre todas as áreas
de gestão urbana, orientado para resultados com decisões unificadas, e,
de modo a propiciar atuação e participação de todo os níveis nas ações
desenvolvidas com vistas ao atendimento das cinco dimensões do desen-
volvimento sustentável.
Nesse ponto, é necessário discutir a visão que o mundo jurídico tem
do planejamento, alocando-o na maioria das vezes como decorrência da
função política, e, portanto, passível de escolhas discricionárias do gestor
público. Porém, o planejamento decorre materialmente da função admi-
nistrativa, e, dessa forma, sujeito aos princípios constitucionais ligados à
Administração Pública, como defendemos ao princípio da eficiência e ao
dever da boa administração.
A discricionariedade administrativa na consecução dessa função for-
nece muito poder ao agente administrativo, que poderá decidir sobre o
fundamento da lei, mas por meio de uma ação discricionária, a alterar os
rumos de um plano anteriormente traçado, em nome do interesse público.
Assim, é imperativo que se observe se tais decisões ampliam ou restrin-
gem a concretização de direitos fundamentais sociais, principalmente da-
queles direitos básicos, referentes ao bem estar e a saúde das populações,
se há na ação administrativa falta de compromisso com o planejamento
que levam a faltam de efetividade das funções essenciais da cidade, se há
dispêndio excessivo de dinheiro público, e, ainda se a ação discricionária
está ou não adequada com o que dispõe a Constituição de 1988.
O controle mínimo, por meio dos instrumentos tradicionais não mais
funcionam, é ineficiente, pois se foca na individualidade e nos interesses
políticos. A Constituição de 1988, por sua vez, impõe que a validade das
escolhas públicas deve ser centrada na sociedade civil, com base nas es-
colhas da coletividade que participa do processo de alternativas viáveis
para o desenvolvimento sustentável das cidades.
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é o ponto de partida para uma gestão municipal efetiva diante da máquina
pública, onde a qualidade do planejamento ditará os rumos para uma boa
ou má gestão, com reflexos diretos no bem-estar dos munícipes.”9.
Uma preocupação constante deve ser com o comportamento das
finanças municipais, as quais apontam para o equilíbrio entre receitas,
despesas, investimentos e endividamentos10.
Também não podem ser esquecidas as variáveis socioambientais das
cidades, que enfatizam a sustentabilidade urbana, o cenário de diversidade
social que caracteriza as cidades e a importância de se priorizar a função
social da propriedade.
Sob essa perspectiva, as questões físico-territoriais, econômicas, fi-
nanceiras, políticas, socioambientais e de gestão têm constantemente
desafiado os municípios, requerendo um avanço nas técnicas de planeja-
mento até então desenvolvidas pelo governo local. Equilibrar os diferentes
interesses que se apresentam em cada uma dessas temáticas e garantir a
efetiva participação comunitária parece ser o desafio maior da adminis-
tração pública local.
Diante dessas necessidades e relevâncias, a administração pública
municipal demanda competência e efetividade dos seus gestores que
devem se atualizar e agir por meio de instrumentos técnicos, modernos
e práticos de planejamento e de gestão.
O plano diretor municipal e o planejamento estratégico municipal
são instrumentos de planejamento e gestão de municípios e prefeituras,
considerados, atualmente, de importância inquestionável.
A realização de tais instrumentos deve mesmo ser compatibilizada
com regulamentos de ordem superior, tais como a própria Constituição
Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Estatuto da Cidade.
Portanto, o seu caráter vinculativo é inquestionável, e, dessa forma,
defendemos que o planejamento deve necessariamente ocorrer com o
envolvimento de todos os atores sociais, de forma a possibilitar a reflexão
sobre o padrão de desenvolvimento alcançado, a partir da obtenção de
informações que indiquem quais os objetivos a serem alcançados; como
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1939
Para caracterizar tal teoria tem-se que configurar certos pressupostos
formando um elo entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo
sofrido pelo administrado. Esses pressupostos são:
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1941
ministração, na consecução do desenvolvimento sustentável das cidades.
O controle dos planos de desenvolvimento municipais é de vital impor-
tância na esfera municipal, pois a continuidade, fiscalização e reavaliações
do planejamento original podem ensejar a responsabilização do adminis-
trador público em alguns casos de atuação discricionária desarrazoada,
inclusive importando em punição por improbidade administrativa.
Segundo Henriques Filho14 o art. 3º da Lei de Improbidade Adminis-
trativa “adotou uma posição no grau mais amplo possível, de modo a
assegurar a responsabilização geral de todos os sujeitos que praticarem
atos de improbidade, não importando que tipo de vinculação, tais indiví-
duos tenham com o sujeito passivo – ou a entidade estatal – afetado pela
prática do ato em questão.
Por outro lado, após o advento do Estatuto das Cidades, a obrigatorie-
dade do Plano Diretor passou a vigorar consoante prescreve o seu art. 41,
e, na medida em que o Prefeito Municipal, em algumas situações, pratica
improbidade administrativa só por não observar certas determinações
relacionadas com esse instrumento básico da política de desenvolvimento
e expansão urbana.
Destarte, incorre em improbidade administrativa o Prefeito Municipal
que nos termos do art. 52, VII, do Estatuto da Cidade, “deixar de tomar as
providências necessárias para garantir a observância do disposto no § 3°
do art. 40 e no art. 50 desta Lei”.
Prescreve o § 3° do art. 40 desse Estatuto a revisão do Plano Diretor,
ao menos, a cada dez anos, enquanto que o art. 50 estabelece a institui-
ção de Plano de Diretor no prazo de cinco anos para os Municípios com
mais de vinte mil habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas.
Ainda incorre em improbidade administrativa, o Prefeito Municipal
que impedir ou deixar de garantir os requisitos contidos nos incisos I a III
do § 4° do art. 40, que asseguram, no processo de elaboração do Plano
Diretor, “I – a promoção de audiências públicas e debates com a participa-
ção da população e de associações representativas dos vários segmentos
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1943
não o inábil. Ou, em outras palavras:
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CONCLUSÕES
1945
relacionadas e complementares e devem ser articuladas, até porque sem
reforma urbana não existe possibilidade de alcançar o necessário desen-
volvimento sustentável.
Esse descompasso demonstra bem claramente a crise de efetividade
dos direitos fundamentais sob a ótica da urbanização brasileira, pois o
Estado tornou-se débil, ao longo dos tempos, em efetivar as funções so-
ciais da cidade.
Não é demais ressaltar que o Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001)
traz em seu texto, insculpido como princípio, o direito à cidade sustentá-
vel, como forma de regulamentar os mandamentos constitucionais que
tratam da política urbana (arts. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988).
Portanto, afirmarmos que o direito à cidade sustentável foi uma das
diretrizes trazidas pelo Estatuto da Cidade, o qual visa resguardar o direito
àqueles que habitam as cidades de maneira a equilibrar as relações sociais,
políticas, culturais, econômicas, enfim, as relações humanas em geral, com
um meio ambiente capaz de proporcionar uma vida com dignidade, uma
boa qualidade de vida, visando erradicar a pobreza, diminuir as desigual-
dades sociais, proporcionando bons serviços públicos para a população.
O presente trabalho se apoia na clara noção de que uma verdadeira
mudança de modelo se impõe, inclusive superando o próprio significado
literal e usual das palavras “desenvolvimento sustentável”. A importância
do tema em questão pode ser aquilatada tendo em vista as incumbências
atribuídas ao Poder Público, e elencadas no artigo 225 da Constituição da
República no âmbito do Estado brasileiro, a fim de concretizar o direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao descrever o desenvol-
vimento sustentável como um dos objetivos fundamentais da República,
incompatível com qualquer modelo de crescimento que não contemple
a distribuição de renda (art. 3º III), a redução dos níveis de desigualdade
sociais e regionais, ou seja, o combate severo aos problemas éticos, so-
cioeconômicos, com vistas ao bem estar da população.
Dessa forma, o Administrador público não pode se afastar do dever de
promover o direito à boa Administração, o qual pressupõe a eficiência das
1946
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1947
O planejamento urbano-ambiental, integrado, participativo e sus-
tentável se mostra indispensável quando se almeja o desenvolvimento
sustentável das cidades , pois o planejamento decorre materialmente da
função administrativa, e, dessa forma, sujeito aos princípios constitucio-
nais ligados à Administração Pública, como defendemos ao princípio da
eficiência e ao dever da boa administração.
A aplicação da pena de improbidade administrativa, dessa forma, não
deveria ficar restrita aos danos ao erário e vinculada a uma intenção dolosa
do administrador público, tendo em vista que a atuação geradora de da-
nos, sejam eles ambientais, sociais, econômicos ou culturais, decorrentes
de uma escolha ruim desse administrador tem a capacidade de suscitar
graves repercussões ao meio urbano e natural. A questão do direito à
cidade sustentável pressupõe um pensamento nas relações humanas,
devendo ser realizada de forma planejada com vista à busca de um meio
ambiente equilibrado, pois, o meio ambiente urbano não delimita apenas
um espaço geográfico, devendo ser pensado de forma global, observando
todos os problemas setoriais, buscando soluções sustentáveis adequadas
para uma vida digna em sociedade, não somente para essa, mas também
para as futuras gerações.
REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1948
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1949
ampl. São Paulo: Saraiva. 2012.
TEIxEIRA, José Paulo, SILVA, Jorge E. O Futuro das Cidades: a discussão pública
do plano diretor. Florianópolis: Instituto Cidade Futura, 1999.
NOTAS
* Advogada. Pesquisadora vinculada ao Núcleo Jurídico de Políticas Públicas (NUJUP) da Pontifícia Universi-
dade Católica de Minas Gerais, Mestranda em Direito Público da Faculdade Mineira de Direito – PUC Minas na
linha de pesquisa Estado, Constituição e Sociedade no paradigma do Estado Democrático de Direito. (e-mail:
alessandrabagno@hotmail.com)
** Doutora em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais. É professora adjunta III de Di-
reito Público, Administrativo, Urbanístico e Ambiental da Graduação e Pós-graduação em Direito (Especialização,
Mestrado e Doutorado) da PUC Minas. Coordenadora, do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas do Programa de
Pós-graduação em Direito e Faculdade Mineira de Direito PUC Minas. (e-mail:marinella.araujo@hotmail.com)
1 DEMO, P. Ciências sociais e qualidade. São Paulo: ARTMED, 1985, p. 106.
2 SANCHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento, crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986, p. 53.
3 SACHS, Ignacy. Estratégias de Transição para do século xxI – Desenvolvimento e Meio Ambiente. São Paulo:
Studio Nobel – Fundação para o desenvolvimento administrativo, 1993, p. 34.
4 ÁVILA, Maria Cristina A. D. de. Eficácia da Política Ambiental e seus Aspectos Sociais e Jurídicos: Tomando
por base o Parque Nacional de Itatiaia. Revista de Direito Ambiental, Ano 5, n. 19, jul-set-2000, p. 1-15.
5 Idem, 1993, p. 53.
6 TEIxEIRA, José Paulo, SILVA, Jorge E. O futuro das cidades: a discussão pública do plano
diretor. Florianópolis: Instituto Cidade Futura, 1999, p. 7.
7 Idem, 1999, p. 12.
8 FISCHER, Tânia. A Cidade Como Teia Organizacional: Inovações, Continuidades e Ressônancias Culturais.
REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, RIO DE JANEIRO, v. 31, n.3, p. 74-88, 1997.
9 ANDRADE, N. A. et al. Planejamento governamental para municípios: Plano Plurianual, Lei
de Diretrizes orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. São Paulo: Atlas, 2005.
10 SANTOS, R. S.; RIBEIRO, E. M. Poder municipal: participação, descentralização e políticas
públicas inovadoras. In: ENCONTRO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNANÇA
DA ANPAD, 1., 2004, Rio de Janeiro. Anais… Rio de Janeiro: ENAPG, 2004.
11 MUKAI. Tokio. Direito e Legislação Urbanística no Brasil: história, teoria e prática. São Paulo: Saraiva,
1988, p. 33.
12 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos respon-
derão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
13 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2010,
p. 999 e ss.
14 HENRIQUES FILHO, Tarcísio. Improbidade Administrativa Ambiental: práticas lesivas à
preservação ambiental e suas sanções, à luz do direito administrativo. Belo Horizonte, Arraes
Editores. 2010, p. 109.
15 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: Direito ao Futuro. 1ª Reimpressão. Belo Horizonte: Editora Fórum,
2012, p. 41.
16 Idem, p. 42.
17 (REsp 213.994-0/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999).
18 (RE 607940 RG, Relator(a):, julgado em 09/12/2010, DJe-109 DIVULG 07-06-2011 PUBLIC 08-06-2011
EMENT VOL-02539-03 PP-00433).
19 ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental. 12ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010, p.231.
20 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Saraiva: 2010, p. 450.
21 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 10ª ed., rev., atual e ampl. São
Paulo: Saraiva. 2012, p. 665.
1950
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1951
Vale lembrar que as ocupações em áreas de risco constituem uma das
faces da desigualdade urbano-territorial, mas é necessário ter cuidado
para a gestão de risco não se tornar também promotora dessa desigual-
dade, aprofundando ainda mais a exclusão. Nesse sentido, a análise de
como os Poderes Públicos de todas as esferas - Legislativo, Executivo e
Judiciário - estão fazendo uso dessa ferramenta para fazer face ao con-
flito entre enfrentamento de riscos ambientais e afirmação do direito à
moradia pode contribuir para que de fato a gestão de risco contribua para
o desenvolvimento de uma cidade sustentável, nos termos do art. 2º, I do
Estatuto da Cidade.
1952
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1953
Risco pode ser entendido como a potencialidade de que ocorra um
acidente, um desastre, um evento físico que resulte em perdas e danos
sociais ou econômicos. Mas o conceito de risco traduz ainda uma relação
de concomitância e mútuo condicionamento entre ameaça, vulnerabilida-
de e gerenciamento que poderia ser descrita como a “probabilidade (P) de
ocorrer um acidente associado a um determinado perigo ou ameaça (A),
que possa resultar em conseqüências (C) danosas às pessoas ou bens, em
função da vulnerabilidade (V) do meio exposto ao perigo e que pode ter
seus efeitos reduzidos pelo grau de gerenciamento (g) administrado por
agentes públicos ou pela comunidade”8, ou seja, R = P (ƒ A) * C (ƒ V) * g –1.
Ora, essa definição de risco revela que as decisões relativas ao seu
enfrentamento devem, necessariamente, levar em conta fatores como
vulnerabilidade física e social e gerenciamento, que interferem diretamente
na própria existência do risco.
1954
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1955
afirmação do direito constitucional à moradia adequada (art. 6º, CF/88),
que compreende também condições de habitabilidade e disponibilidade
de infraestrutura12, sem o que é violada a diretriz geral de política urbana
de garantia do direito à cidade sustentável, prevista no Estatuto da Cidade
(art. 2º, I, Lei 10.257/01). Importante, também, analisar o devido processo
legal instituído por esse dispositivo legal, afinal de contas a Constituição
determina que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal” (art. 5º, LIV, CF/88).
Nesse sentido, nas áreas suscetíveis a desastre, onde for constada a
existência de ocupação, eventual remoção deverá ser precedida de vistoria
no local e elaboração de laudo técnico, ex vi art. 3º-B, §1º, inciso I, da Lei
12.340/10, com redação dada pela Lei 12.608/12.
Estudos na área de engenharia e geologia ajudam a esclarecer o que
significam essas vistorias e laudos técnicos13. Com efeito, é possível cons-
tatar que os mapeamentos de risco podem ser feitos em duas escalas,
quais sejam, um zoneamento, baseado em fotos aéreas e que permite a
delimitação de setores e um cadastramento, que permite um estudo de-
talhado de cada moradia do setor. Ou seja, enquanto o zoneamento de
risco permite “a proposição de intervenções (estruturais e não estruturais”
de caráter geral (...) os resultados do cadastramento de risco podem sub-
sidiar a definição de intervenções de caráter pontual”14. Outro não podia
ser o entendimento a respeito do laudo exigido por lei, que não seja um
que contemple essas duas dimensões dada a gravidade dos efeitos dessa
medida de polícia administrativa no âmbito dos direitos fundamentais dos
indivíduos como privação dos bens, violação da casa e da moradia (art.
5º, II, xI, LIV c/c art. 6º, CF).
Também de suma importância as diretrizes trazidas na lei federal a
respeito do atendimento a ser dado aos moradores que eventualmente
tenham de ser removidos de suas casas em função do risco. A teor do
disposto no art. 3º-B, §3º, da Lei 12.340/10, com redação dada pela Lei
12.608/12, os moradores deverão receber atendimento emergencial, que
assegure seu abrigamento, e deverão ser cadastrados de forma a permitir
1956
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1957
da moradia (OI 01/13, item 2.3). Ora, conforme diretrizes da norma fe-
deral, esse procedimento pressupõe que o mapeamento de risco utilize a
dimensão do cadastramento, individualizando cada caso.
Em relação ao atendimento habitacional, diferentemente da lei federal,
a normativa municipal restringe o atendimento para os casos de áreas
públicas de risco ocupadas por moradia e remoções por risco determinadas
judicialmente (OI 01/13, itens 2.5.4 e 2.6). Ora, ao fazer restrições que a
lei federal não fez, a norma municipal viola o princípio constitucional da
igualdade, procura se eximir do seu poder-dever de assegurar o direito à
moradia, de zelar pela construção de uma cidade sustentável que assegure
o bem-estar de todos os seus habitantes, independentemente da natureza
da propriedade sobre a qual construíram suas moradias.
Conforme se estrai da leitura da normativa municipal a diferenciação
entre atendimento emergencial e definitivo não é feita e não há garantia
os mesmos serão providenciados. Pelo contrário, a OI 01/13 usa termos
que remetem a um atendimento assistencial que é facultado ao Poder
Público Municipal19 e permite o atendimento com auxílios financeiros ou
com unidades habitacionais, apenas se houver disponibilidade de vagas.
Vale lembrar que esses auxílios financeiros, tal como previstos na Portaria
323/10 – SEHAB, compreendem valores pífios, como R$ 8 mil reais para
fins de compra de moradia ou R$ 5mil a título de apoio habitacional. Ora,
valores como esse em uma cidade na qual o preço médio anual do m² de
imóveis residenciais verticais novos é de R$ 7,2 mil20 e num contexto de
urbanização excludente e população empobrecida, em situação de vul-
nerabilidade social e subemprego só pode produzir mais informalidade.
Em suma, a normativa municipal21, em muitos pontos se afasta das
diretrizes gerais delineadas pela legislação federal.
Por fim, importa observar que o mapeamento do risco trata de “avaliar
a possibilidade de ocorrer um determinado fenômeno físico – que corres-
ponde ao processo adverso – em um local e período de tempo definidos”22,
normalmente 1 (um) ano. Assim, não apenas o grau de probabilidade de
ocorrência de eventos danosos, mas também as alternativas de interven-
1958
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
ção propostas com base nesse mapeamento, devem ser revisadas frequen-
temente ante a possibilidade da mudança nos processos de instabilidade.
Assim, decisões administrativas embasadas nesses mapeamentos de risco
são, praticamente, decisões com prazo de validade.
1959
assegurar a boa resolução dos conflitos fundiários. BODNAR ao defender
as audiências judicias participativas, afirma que:
1960
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Pretensão de suspender desocupação
forçada de moradores da “Favela dos Eucaliptos”, que é Zona Espe-
cial de Interesse Social (ZEIS) Área de risco, ocupação que pode
comprometer a integridade física dos moradores e de terceiros
Liminar negada em primeira instância Ato vinculado ao exercício do
livre convencimento do juiz Ausência dos pressupostos ensejadores
da medida Decisão confirmada Recurso desprovido.
(TJ/SP, 12ª Câm. Dir. Público, AgI nº 0096894-24.2012.8.26.0000Rel.
Des. J. M. Ribeiro De Paula, j.19/09/12-grifei )
1962
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Finalmente, as decisões que abordam o atendimento ofertado não se
preocupam na capacidade desse atendimento em afirmar o direito à mo-
radia digna, se limitando a determinações genéricas (preste o atendimento
emergencial e/ou definitivo) ou mesmo validando atendimentos prestados
mediante o pagamento de verbas incapazes de assegurar o acesso a uma
moradia regular fora de risco. Nesse sentido:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
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4. FAVELA PALMA DE SANTA RITA – SOLUÇÃO NEGOCIADA
JUDICIALMENTE qUE EVITOU REMOÇÃO INTEGRAL
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Apesar da posse consolidada, em janeiro de 2012, os moradores foram
informados, por meio de reunião convocada pela Subprefeitura Aricanduva
/ Vila Formosa, que deveriam deixar suas casas no prazo de 30 dias, em
função de liminar concedida no âmbito de uma Ação Civil Pública (ACP
nº 0045596-62.2011.8.26.0053, 8ª Vara da Fazenda Pública).
Com base no laudo técnico formulado pelo IPT, que aponta a existência
de risco alto (R3) a afetar 61 moradias (IMAGEM 3), a liminar determinava
a remoção de todas essas famílias. Curioso notar que o referido laudo
não recomendava a remoção das famílias, mas apenas a adoção de
intervenções como: execução de serviços de limpeza do córrego e no
sistema de drenagem, remoção de entulho, obra de proteção superficial
da margem e de contenção da margem do canal e promoção de melhoria
nos acessos.
1968
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1969
CONCLUSÕES
1970
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1971
também podem ser vistos como excelentes oportunidades de aperfeiço-
amento do sistema35 como bem ilustra o caso aqui relatado.
REFERÊNCIAS
1972
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
LEGISLAÇÃO
1973
NOTAS
1 Advogada formada pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Desenvolvimento Sustentável pela
University College London - Development Planning Unit (UCL/DPU), especialista em Direito Urbanístico. Gerente
Jurídico da Área de Projetos Sociais do Escritório Modelo “Dom Paulo Evaristo Arns” da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. E-mail: jamoretti@pucsp.br e moretti.julia@gmail.com. .
2 MARICATO, 1996.
3 No âmbito do direito ambiental muito recorrente é a discussão do risco na seara da responsabilidade
ambiental, a partir das teorias do risco integral e risco criado. O tema abordado pelo presente artigo não se
confunde com essa abordagem.
4 MARICATO, 2003
5 MIRANDOLA, MACEDO E SOARES, 2004, p. 298.
6 A despeito do posicionamento ora defendido, há um respeitável questionamento sobre a efetiva necessidade
de promulgação de uma lei específica sobre a ordenação das ações integrantes da Política Nacional de Prote-
ção e Defesa Civil, na medida em que esses críticos entendem que políticas públicas baseadas em legislação
existente já seriam suficientes.
7 CERRI et al, 2007.
8 NOGUEIRA, 2012.
9 CERRI, et al, 2007
10 NOGUEIRA, 2012
11 MIRANDOLA, MACEDO E SOARES, 2004, p. 310
12 Vale lembrar que o direito à moradia adequada congrega elementos de habitação e habitat, conforme defi-
nição incluída na, Observação Geral nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, depois adotada
na Agenda Habitat. Além da segurança na posse, são componentes do direito à moradia a disponibilidade
de serviços e de infra-estrutura urbana; o custo acessível, entendido como a proporcionalidade entre gastos
com habitação e renda; a habitabilidade, ou seja, existência de condições físicas e de salubridade adequadas;
a acessibilidade, compreendida enquanto formulação de políticas que contemplem grupos vulneráveis, a
localização, que pressupõe que o lugar que permita acesso à opção de emprego, transporte, saúde, cultura
etc.; e a adequação cultural, ou seja, respeito à produção social do habitat, respeito às diferenças (ONU, 2002)
13 CERRI, et al, 2007 e MIRANDOLA, MACEDO E SOARES, 2004.
14 CERRI, et al, 2007, p. 144
15 SILVA, 2003, SARLET, 2003
16 ONU, 2002, p. 7
17 Nesse sentido, vide arts. 148, “caput” e incisos II e IV e art. 149, II.
18 Anteriormente a questão das remoções em áreas de risco era regida pela Ordem Interna 01/06 que possuía,
basicamente, o mesmo texto da atual normativa.
19 No item 2.5.1 aparece a expressão “prestando-lhes, eventualmente, a devida assistência quanto às suas
necessidades básicas”.
20 Dados do SECOVI informam matéria do G1 que mostra a discrepância entre a renda do trabalhador e o preço
dos imóveis na cidade de São Paulo. Segundo a matéria, o “valor do m² de imóveis novos em SP saltou de R$
2,5 mil para R$ 7,2 mil. No mesmo período, renda do assalariado passou de R$ 929 para R$ 1.712” (G1, 2013).
21 Apesar de seu caráter normativo, a melhor doutrina administrativa entende que Portarias, Provimentos e
Ordens Internas são atos ordinários, que deveriam servir exclusivamente para a organização interna da ad-
ministração, mas, na prática, muitos acabam impondo regras gerais e abstratas, o que lhes atribui um caráter
normativo (CARVALHO FILHO, 2010).
22 CERRI, et al, 2007, p. 144
23 Já há muito a doutrina aponta as limitações da forma ligiosa de resolução de litígios, sendo necessária a
construção de meios alternativos de resolução de controvérsia, especialmente para os casos complexos, que
envolvem interesses difusos e coletivos (CAPELLETI, 2002)
24 A opção pelo STJ se deve ao fato de que a esse tribunal compete, em última instância decidir sobre a in-
terpretação das leis federais. Em relação ao TJ/SP, a opção se deve à base de competência territorial e nesse
tribunal foram priorizados casos originários da comarca da capital e que exprimissem conflitos fundiários de
natureza coletiva. As pesquisas de jurisprudência foram feitas nos sites dos respectivos tribunais (www.stj.
gov e http://www.tjsp.jus.br/) utilizando-se como critério de pesquisa os seguintes termos (incialmente de
forma isolada e depois associado ao termo moradia): (i) risco geológico, (ii) risco de desastre; (iii) Lei 12.608;
(iv) Lei 12.340; (v) proteção e Defesa Civil; (iv) Ocupação área sujeita à inundação/ desastre/ deslizamento.
As decisões pertinentes foram encontradas, quase que na sua integralidade, associadas ao critério de pesquisa
“risco geológico”.
25 Nesse sentido, TJ/SP, 11ª Cam. Dir. Público, Ap 0013794-46.2011.8.26.0053, Rel. Des. Aroldo Viotti, j.
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
22/01/13.
26 Nesse sentido, TJ/SP, 7ª Câm. Dir. Público, Ap. nº 0252542-65.2010.8.26.0000, Rel. Des. Coimbra Schmidt
, j. 07/02/11).
27 BODNAR, 2012, p.248 - grifei.
28 O adequado acesso à justiça enfrenta, dentre outros, um obstáculo processual e jurisdicional, ou seja, o
processo judicial é insuficiente na forma e conteúdo para lidar com a complexidade dos litígios. Dessa forma,
a assistência jurídica integral deve incorporar o atendimento multidisciplinar e meios alternativos de solução
de conflitos, pois alguns problemas não são resolvidos única e exclusivamente com a técnica jurídica (CA-
PPELLETTI, 2002).
29 BERWIG, 2011 e AYALA, 2011 indicam que o entendimento do risco depende de uma sociedade orientada
para o futuro.
30 SÃO PAULO, 2013.
31 Os números da própria Prefeitura indicam que, em 2007, 14,21% da população do município (1,5 milhões
pessoas) habitava em favelas, 16,46% (1,8 milhões) dos habitantes encontrava-se em loteamentos informais
e 5,95% (645 mil) tinha moradia em área de mananciais (SÃO PAULO, 2008).
32 CERRI, et al, 2007, p. 150
33 SÃO PAULO, 2011.
34 O Escritório Modelo “Dom Paulo Evaristo Arns”é Unidade de Prática Jurídica da Faculdade de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), entidade que presta Assessoria Jurídica Popular
Integral e Gratuita em convênio com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
35 Nesse sentido ver VAINER, 2007, que brilhantemente expõe sobre a capacidade de os conflitos fundiá-
rios urbanos desafiarem políticas urbanas que se acomodam ampliando a desigualdade e promovendo a
cidade-mercadoria.
1975
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1. INTRODUÇÃO
1977
Na Amazônia brasileira esse modelo excludente sempre esteve pre-
sente, porém se intensificou a partir da década de 1960, com o programa
‘’operação Amazônia’’(1966) do governo federal que promovia o ‘’desen-
volvimento’’ da região. Entretanto, ao invés de efetivar o desenvolvimento,
promoveu uma maior concentração de privilégios além de aumentar a
segregação socioespacial da população na região.
Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo compreender o
processo de urbanização da cidade de Belém do Pará, buscando identi-
ficar, a dinâmica da ocupação dentro do espaço, aliando a função da
cidade e o papel do Estado, analisando os investimentos em habitação
e urbanização promovidas pelo governo na cidade de Belém do Pará
através dos projetos e recursos advindos do Programa de Aceleração do
Crescimento, que surge com o objetivo de, desde sua criação, contribuir
para superar as dificuldades e descasos de natureza social, ambiental,
fundiária, urbanística e de infraestrutura existente nas cidades brasileiras,
através de políticas econômicas de estímulo ao desenvolvimento urbano
(saneamento ambiental, habitação e mobilidade urbana) além de reforço
da logística e de energia.
Entretanto, apesar deste artigo fazer um esboço dos investimentos
realizados, principalmente pelo eixo Minha Casa, Minha Vida na urba-
nização de assentamentos precários resultados do processo de segre-
gação sócio espacial na cidade de Belém, faz também uma analise das
suas contradições.
De acordo com Silva (2006, p. 29-30 apud MELO, 2010, p. 29) a função
que a cidade possui recebeu sua primeira definição durante o IV Congres-
so Internacional de Arquitetura Moderna realizado em 1933, na cidade
de Atenas na Grécia. Foi elaborado um texto denominado como Carta
de Atenas, aonde constava as funções urbanas elementares: habitação,
trabalho, recreação e circulação no espaço urbano.
1978
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1979
espacial, onde a população de baixa renda formou, em áreas periféricas da
cidade de Belém, principalmente em regiões de baixadas3, aglomerações
precárias com altos déficits habitacionais e sem aparato jurídico, amplian-
do as desigualdades socioeconômicas e criando espaços contraditórios
na dinâmica do núcleo econômico urbano.
Centrando na questão habitacional, o planejamento em relação a essa
área é de essencial importância para o bom funcionamento da cidade. A
propriedade imobiliária, seja ela privada ou pública, deve compor a cidade
com uma função que supra tanto interesses coletivos quanto individuais, a
serem previsto no plano diretor da própria cidade (MELO, 2010 p.66). Dessa
Maneira, a necessidade de politicas habitacionais de interesse social são
de suma importância para o desenvolvimento da cidade de maneira mais
sustentável e plena. Assim temos, de acordo com o Artigo 26º do Plano
diretor de Belém lei nº 8.655, de 30 de julho de 2008 a Politica habitacional:
1980
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1981
crescimento econômico do Brasil. Foi um programa pensado como plano
estratégico de resgate do planejamento e de retomada de investimentos
em setores estruturais do país, promovendo a construção de obras de
infraestrutura social, urbana, logística e energética, contribuindo para o
seu desenvolvimento acelerado e sustentável.4
A partir de 2011, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC II)
adentra uma segunda fase com o mesmo objetivo estratégico aprimorado
pelas experiências da fase anterior, com mais recursos e mais parcerias
com Estados e Municípios visando a construção de obras para melhoria
da qualidade de vida nas cidades brasileiras. De acordo com o Ministério
do planejamento, Orçamento e Gestão o PAC (2013) compreende os Eixos:
Cidade Melhor (aborda ações em Saneamento, Prevenção em Áreas
de Risco, Mobilidade Urbana e Pavimentação),
Comunidade Cidadã (compreende serviços sociais e urbanos tais como
Unidades de Pronto Atendimento -UPAs, as Unidades Básicas de Saúde
-UBS, Creches e Pré-Escolas, Quadras Esportivas nas Escolas e Praças
dos Esportes e da Cultura),
Minha Casa Minha Vida ( envolve as ações Urbanização de Assenta-
mentos Precários e financiamento habitacional pelo Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo)
Água e Luz para Todos (compreende as ações Água e Luz para Todos,
Recursos Hídricos e Água em Áreas Urbanas) ,
Transportes (abrange esse eixo projetos de portos, hidrovias, aeropor-
tos e equipamentos para estradas vicinais) e
Energia (tem por prioridade a geração de energia elétrica e sua trans-
missão, petróleo e gás natural, marinha mercante, combustíveis renová-
veis, eficiência energética e pesquisa mineral).
Centrando a análise nas políticas voltadas para habitação do PAC II
no Estado do Pará, em especial na cidade de Belém temos o Eixo, Minha
Casa, Minha Vida( MCMV). O eixo MCMV teve um investimento total
de 4.477,27 milhões, segundo o 6º balanço, ano II feito para os períodos
de 2011-2014 encontrados no site oficial do Programa de Aceleração do
Crescimento.
1982
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Fonte: 6º balanço, ano II feito para os períodos de 2011-2014 encontrados no site oficial do Programa de
Aceleração do Crescimento. 2012
1983
Tabela 2. Investimentos MCMV na Urbanização
de assentamentos precários em Belém
1984
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Fonte: 6º balanço, ano II feito para os períodos de 2011-2014 encontrados no site oficial do Programa de
Aceleração do Crescimento. 2012
1985
É necessário perceber que o MCMV aparenta ter sido alçado à esfera
de política de provisão habitacional, tornando relevante a relação entre
o que o preconiza e o que define o Plano Nacional de Habitação, em
especial desvendar quais as orientações do programa. Ao ser incluído
no PAC isso sugeriu que a política habitacional passou a responder mais
fortemente às estratégias desenvolvimento do país, a aceleração do cres-
cimento econômico, sendo assim a habitação passou a ser entregue como
produto dessa política de desenvolvimento e não o contrário (KRAUSE;
BALBIM;NETO,2013 p.9).
Mesmo que o MCMV vá além de um programa habitacional, pois dispõe
desde instrumentos financeiros até um marco legal, que é a lei de regula-
rização fundiária e de diversas outras medidas de estímulo à construção
civil (Lei nº 11.977/09). Ainda está mais em função do desenvolvimento
econômico do que das estratégias de enfretamento do déficit habitacional
se distanciando da questão habitacional de interesse social.
1986
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
1987
implantadas ajam de forma eficiente e equilibrada, mantendo distância
de ações políticas elitistas que ignoram as necessidades das parcelas
marginalizadas da população urbana, segregadas em bairros afastados
sem nenhuma estrutura que viabilizam uma vida digna a elas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
1988
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Graduanda do Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Pará. Bolsista do Programa de Ca-
pacitação em Regularização Fundiária da Região Metropolitana de Belém. E-mail: arielm.gomes@hotmail.com
2 Graduanda do Curso Serviço Social da Universidade Federal do Pará. Bolsista do Programa de Capacitação
em Regularização Fundiária da Região Metropolitana de Belém. E-mail: shaula1234@hotmail.com
3 As baixadas existentes em Belém são áreas inundadas ou sujeitas às inundações decorrentes, em especial,
dos efeitos das marés e ficaram conhecidas, principalmente a partir da década de 60, por serem espaços de
moradia das camadas sociais de baixo poder aquisitivo. Durante muitos anos as ‘baixadas’ foram mantidas
em completo isolamento, esquecidas dos planos de urbanização, saneamento e serviços públicos, procuradas
apenas pelas populações de baixa renda que não conseguiam penetrar nas terras altas nem obtinham emprego
certo. Agora, a única opção do crescimento da cidade é retomar as áreas que formam o ‘cinturão institucional’
ou recuperar as terras alagáveis. Os estudos que tratam as baixadas de Belém procuram defini-las como sendo
os trechos do sítio urbano cujas curvas de nível não ultrapassam a cota quatro, e que chegam a compor cerca de
40% da área mais valorizada da cidade. (RODRIGUES, 1996, pp. 55-56 apud GOMES; LIMA; SANTOS, 2012 p. 3).
4 Matéria do jornal G1 disponivel em http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2013/07/dobra-o-numeros-de-
-moradias-do-minha-casa-minha-vida-em-belem.html , acesso em 15/agosto/2013
1989
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
1991
entulho. Todavia, há também exemplos interessantes de implantação nas
APPs de parques públicos e áreas de lazer, que se constituem em espaço
privilegiado para o exercício do convívio social aberto a todos os cidadãos.
Todos os casos citados acima são exemplos de ilegalidade de acordo
com o Código Florestal de 1965 (Lei 4.771). De fato, com o objetivo de
proteger a vegetação nativa, o Código Florestal definiu como sendo de
preservação permanente uma faixa de terreno ao longo das margens de
todos os cursos d’água, situados em áreas urbanas ou rurais. Atualmente,
o Código Florestal foi atualizado através da Lei n. 12.651 de 2012, fomen-
tando características já implantadas através da Resolução CONAMA n°
369/2006. Além do Código Florestal e desta última Resolução citada, às
margens dos rios estão também protegidas pelas Resoluções CONAMA
303/2002 e 302/2002.
A Resolução CONAMA nº 369, de 29 de março de 2006, foi um avanço
no sentido de adequar o Código Florestal Brasileiro à realidade urbana, ao
possibilitar a intervenção em APPs com a implantação de obras essenciais
de infraestrutura urbana destinadas aos serviços públicos de transporte,
saneamento e energia, bem como a utilização das APPs para promover
lazer público, desde que observadas as exigências previstas. Ainda assim,
tal Resolução foi insuficiente para fazer face aos processos sociais que se
observam nas cidades brasileiras. Como aspecto positivo desta Resolução,
cita-se a definição do conceito de Regularização Fundiária Sustentável
de Área Urbana para ocupações de baixa renda predominantemente re-
sidenciais. Isto se trata de uma tentativa de resolver um conflito entre o
direito à moradia da população de baixa renda que não alcança alternativa
legal para construção de sua casa e o direito de todos de obter um meio
ambiente equilibrado.
Um dos maiores desafios atuais da gestão urbano-ambiental é contem-
plar o direito à moradia para a população através da regularização fundiária
de interesse social, todavia promovendo a sustentabilidade ambiental. Ante
o exposto, este trabalho objetiva estabelecer uma análise crítica a respeito
das leis vigentes que, em teoria, protegem nossas Áreas de Preservação
1992
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
PROTEÇÃO LEGAL
1993
tária; as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços
públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos
parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento,
gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações
necessárias à realização de competições esportivas, bem como minera-
ção, com algumas exceções; atividades e obras de defesa civil; atividades
que comprovadamente proporcionem melhorias na proteção das funções
ambientais; e outras atividades similares devidamente definidas em ato
do Chefe do Poder Executivo Federal. Apesar do novo Código Florestal
estabelecer barreiras à intervenção de APP, esta norma acima citada abre
a possibilidade de intervenção justificada por parte da gestão municipal
por melhorias urbanas.
Em conseguinte, o inciso Ix, do Art 3° do Código Florestal, expõe as
mudanças admitidas como de interesse social, sendo elas as atividades
indispensáveis à proteção da vegetação nativa, tais como prevenção,
combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasoras
e proteção de plantios com espécies nativas; a exploração agroflorestal
sustentável, desde que não descaracterize a cobertura vegetal existente e
não prejudique a função ambiental da área; a implantação de infraestrutura
pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao
ar livre em áreas consolidadas; a regularização fundiária de assentamentos
humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em
áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na
Lei n° 11.977/2009; implantação de instalações necessárias à captação
e condução de água e de efluentes tratados para projetos cujos recursos
hídricos são partes integrantes e essenciais da atividade; as atividades de
pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, permitidas pela
autoridade competente;
E concluindo as definições, temos o inciso x, do mesmo artigo citado
anteriormente, tratando das atividades eventuais ou de baixo impacto
ambiental, as quais permitem a abertura de pequenas vias de acesso in-
terno, quando necessárias à travessia de um curso d’água; implantação
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áREA DE ESTUDO
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1997
acima de 4 metros – local onde se
encontram as classes sociais mais
abastadas – e as áreas de cotas mais
baixas – ocupadas pela população
de renda mais baixa – devido as
características fisiográficas (CAR-
DOSO et.al.,2007; ABELÉM,1989)
e influência econômica dentro do
processo de ocupação do território.
Se tratando do fator econômico,
Belém configura-se de uma parte
insular e outra continental, onde a
parte continental, eminentemente
urbana, corresponde a 34,36% do
território (MOREIRA,1966), sendo
o restante constituído por partes
insulares. A intimidade com os
cursos d’água reflete no modo de
vida ribeirinho que diversas vezes
manifesta-se através das tipologias
habitacionais. E o fator de ordem
ambiental nos mostra que a questão
dos assentamentos precários em
áreas de córregos suscita discus-
sões a cerca de sua contaminação
e de sua insalubridade. Em Belém a
ausência de políticas estruturais no
tratamento dos dejetos e as sucessi-
vas técnicas de canalização de seus
cursos têm provocado o crescente desaparecimento dos corpos d’água ou
tem transformado-os em esgotos (GALVÃO, 2012).
1998
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1999
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
2000
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
2001
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INTRODUÇÃO
2003
de lazer, que contribui para a qualidade de vida dos cidadãos que deles
podem usufruir.
Adicione-se, a localização dos parques públicos, nesta cidade, apa-
rentemente tem privilegiado bairros nobres, em detrimento dos bairros
periféricos, ou melhor, menos abastados.
Nesse diapasão, questionamentos acerca das garantias à dignidade
da pessoa humana, bem como ao direito à sadia qualidade de vida, ao
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, têm emergido, em
meio a um quadro urbano que evidencia uma realidade de desigualdades,
privilégios e segregações que parecem infindáveis e insolúveis.
Este artigo pretende discutir questões relativas aos parques públicos
urbanos no cotidiano do município de Salvador, Bahia, tendo como
fundamentação base a Constituição Federal Brasileira, o Estatuto das
Cidades (Lei nº 10.257/01), o Plano Diretor do Desenvolvimento Urbano
do Município de Salvador (Lei nº 7.400/08), além de fontes bibliográficas
secundárias.
2004
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2005
na, são inúmeros e de diferentes amplitudes os problemas que podem
ocorrer, em virtude da interdependência dos múltiplos subsistemas que
coexistem numa cidade. De acordo com Sant’Anna14, para que haja
uma oferta de sadia qualidade de vida para a população é necessária
a estruturação e realização de uma política urbana, condizente com os
valores relativos à habitação, saneamento, meio ambiente, transporte,
lazer, acesso e posse da terra.
A boa aparência das cidades surte, por exemplo, efeitos psicológicos
importantes sobre a população, equilibrando, pela visão agradável e
sugestiva de conjuntos e de elementos harmoniosos, a carga neurótica
que a vida citadina despeja sobre as pessoas que nelas hão de viver,
conviver e sobreviver15.
O cotidiano das cidades, de acordo com Henrique16, possibilita que
a natureza seja vista como fonte de recuperação das energias. Por esta
razão, como forma de tentar suprir a árida realidade das cidades, defende-
-se a existência de áreas verdes urbanizadas, através da construção e
preservação de Parques Públicos Urbanos, por exemplo, para garantia do
bem-estar ambiental a todos.
Segundo Henrique17, a natureza que, num primeiro momento, apre-
sentava-se como elemento estético, atualmente forma, junto à sociedade,
um todo indissociável e difícil de ser separado.
2006
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2007
num nível municipal através dos planos de desenvolvimento urbano, ou
planos diretores26.
De acordo com o artigo 18227 da Constituição Federal Brasileira de 1988,
o Plano Diretor assume a função de instrumento básico da política urbana
do Município, que tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade28 e garantir o bem-estar da comunidade local29.
A função social de uma determinada cidade compreende o ofereci-
mento efetivo e de boas condições de moradia, transporte, recreação e
condições satisfatórias de trabalho aos seus moradores, para que o bem-
-estar seja alcançado por todos30.
Nesse sentido, considerando-se as necessidades básicas do homem,
existem funções essenciais que toda cidade deve atender para bem servir
aos seus cidadãos. São elas: habitar, trabalhar recrear e circular31.
Restringindo-se à função recreativa, tem-se que, o Parque Público
Urbano, como modelo de planejamento urbano, espalhou-se por todas
as grandes metrópoles mundiais. Considera-se, no entanto, que apesar
das similaridades formais e funcionais evidentes nesses espaços de lazer,
existem diferenças fundamentais nas práticas espaciais dos seus usuários32.
No que se refere ao município de Salvador, a distribuição, mas, sobre-
tudo, a freqüentação dos Parques e Jardins Públicos, podem revelar as
nuances da organização sócio-espacial da metrópole33.
As particularidades dos espaços públicos recreativos, em Salvador, em
especial, dos Parques Públicos, residem na leitura que se pode fazer deles
em termos de visibilidade. Agentes públicos e privados vêm conduzindo,
depois dos anos de 1990, uma política urbana que consiste na encenação
desses espaços, que passam a desempenhar um papel de “vitrine”34 no con-
texto urbano. Nesses espaços, a natureza tem sido encenada e consumida.
De acordo com Serpa, os Parques Públicos mais centrais são mais
visíveis na paisagem urbana, enquanto que os mais distantes dos bairros
mais prósperos não são objeto de qualquer tipo de intervenção35. Ressalta
o autor que
2008
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2009
Assevere-se, com base em Villaça43 que, frequentemente, estes Pla-
nos estão recheados por conteúdo extremamente técnico, com linguajar
rebuscado, inacessível à população geral, e, em alguns casos, insipiente
acerca do contexto a que pretendem se referir, por serem desvinculados
dos fatos, da real condição das cidades brasileiras em que se inserem.
Observa-se, constantemente, a utilização de modelos genéricos, super-
ficialmente adaptados às particularidades de cada cidade. Sob este viés,
convém citar a analogia ao pensamento de Galileu, acerca da astronomia
de Ptolomeu, proposta por Villaça: “o Plano Diretor está de acordo com a
filosofia, mas (...) não parece estar de acordo com os fatos”44.
2010
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2011
atualidade, além de uma marcante separação entre pobres e ricos, uma
forte exclusão dos direitos urbanísticos – “cidades” distintas para “cida-
dãos” diferenciados55.
Neste sentido, Salvador como outras metrópoles do Brasil e do mundo
vem conduzindo políticas de requalificação urbana, seletivas e segrega-
cionistas, que reforçam e tornam visíveis as desigualdades sócio-espaciais
sobre o tecido urbano-metropolitano56.
Depois da segunda metade dos anos de 1990, a cidade de Salvador
empreendeu uma política sistemática de criação e reabilitação de Parques
e Jardins Públicos. Entretanto esses programas não têm atendido, via de
regra, às áreas periféricas e de urbanização popular da cidade, onde o
abandono de Parques e Praças é notório57. Henrique58 afirma que “nos
bairros dos excluídos observa-se a natureza relegada ‘ao mato’ ou ‘as
enchentes’ e, em muitos lugares, a total falta de qualquer natureza”.
Serpa59 esclarece que
2012
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2013
da população dessas vantagens coletivas dificulta a possibilidade
de sua inserção na dinâmica urbana mais ampla, ou seja, o habitar
na cidade beneficiada69.
E acrescenta que
2014
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2015
CONCLUSÕES
2016
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
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NOTAS
2021
28 ALFONSIN, Betânia de Moraes. A Política Urbana em disputa: desafios para a efetividade de novos
instrumentos em uma perspectiva analítica de Direito Urbanístico Comparado (Brasil, Colômbia e Espanaha).
Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional). Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano
e Regional, Unversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.
29 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro..., cit.
30 SANT’ANNA, Mariana Senna. Planejamento Urbano e Qualidade de Vida – da Constituição Federal ..., cit.
31 IDEM.
32 SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea. SaoPaulo: Contexto, 2011.
33 IDEM.
34 IDEM, p. 90.
35 IDEM.
36 IDEM, p. 92.
37 PETRUCCI, Jivago. Gestão Democrática da Cidade – delineamento constitucional e legal. in: Adilson Abreu
Dallari; Daniela Campos Lobório Di Sarno (coord.). Direito Urbanístico e Ambiental. Belo Horizonte: Fórum,
p. 151 - 175, 2011.
38 SCHEINOWITZ, A. S. O macroplanejamento da aglomeração de Salvador. Salvador: Secretaria da
Cultura e do Turismo – EGBA, 1998.
39 Lei Municipal nº 7.400/08.
40 SAMPAIO, Antônio Heliodório Lima. 10 necessárias falas: cidade, arquitetura e urbanismo. Salvador:
Edufba, 2010.
41 FERNANDES, Edésio. Reforma urbana e reforma jurídica no Brasil: duas questões para reflexão. in: COSTA,
Geraldo Magela; MENDONÇA, Jupira Gomes de (orgs.). Planejamento urbano no Brasil trajetória, avanços
e perspectivas. Belo Horizonte: C/Arte, p. 123-135, 2008.
42 MATOS, Ralfo Edmundo da Silva. Plano Diretor, gestão urbana e participação: algumas reflexões..., cit.
43 VILLAÇA, Flávio. Reflexões sobre as cidades brasileiras. São Paulo: Studio Nobel, 2012.
44 IDEM, p. 209.
45 SAMPAIO, Antônio Heliodório Lima. 10 necessárias falas..., cit., p. 114.
46 ALFONSIN, Betânia de Moraes. A Política Urbana em disputa..., cit.
47 FERNANDES, Edésio. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betâ-
nia de Moraes (org.). Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
48 SANT’ANNA, Mariana Senna. Planejamento Urbano e Qualidade de Vida – da Constituição Federal ..., cit.
49 IDEM, p. 128.
50 SANGODEYI-DABROWSKI, Delphine. As raízes ideológicas da segregação no Brasil: o exemplo de Salva-
dor. in: Milton Esteves Junior; Urpi Montoya Uriarte (orgs.). Panoramas Urbanos: reflexões sobres a cidade.
Salvador: Edufba, p. 165 – 184, 2003.
51IDEM, p. 165-166.
52 SANTOS, Milton. O Espaço Dividido:os dois circuitos da economia urbana nos países sub-desenvolvidos.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979.
53 SANGODEYI-DABROWSKI, Delphine. As raízes ideológicas da segregação no Brasil..., cit.
54 GORDILHO-SOUZA, Angela. Limites do habitar: segregação e exclusão na configuração urbana contem-
porânea de Salvador e perspectivas no final do século xx. 2. ed. Salvador: Edufba, 2008.
55 IDEM, p. 264.
56SERPA, Angelo. Os espaços públicos da Salvador contemporânea. in: Inaiá Maria Moreira de Carvalho; Gilberto
Corso Pereira (orgs.). Como anda Salvador e sua região metropolitana. Salvador: Edufba, p. 173 – 188, 2008.
57 IDEM.
58 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit., p. 109.
59 SERPA, Angelo. Apropriação social versus requalificação dos parques e praças na capital baiana. in: Milton
Esteves Junior; Urpi Montoya Uriarte (orgs.). Panoramas Urbanos: reflexões sobres a cidade. Salvador:
Edufba, p. 121 - 139, 2003.
60 IDEM, P. 125.
61 SERPA, Angelo. O espaço público na cidade contemporânea..., cit.
62 IDEM, p. 51.
63 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
64 IDEM.
65 IDEM, p. 133.
66 SERPA, Angelo. Os espaços públicos da Salvador contemporânea..., cit.
67 IDEM, p. 183
68 HENRIQUE, Wendel. O Direito à Natureza na Cidade..., cit.
69GORDILHO-SOUZA, Angela. Limites do habitar..., cit., p. 263-264.
70 IDEM, p. 265.
2022
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2023
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Maurício L. Dias
Jessyca I. N. dos Santos
Christiane H. G. Costa
INTRODUÇÃO
Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno de-
senvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do
direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura
urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao
lazer, para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 2001).
2025
O saneamento ambiental como fator condicionante do direito a cidades
sustentáveis, junto à moradia e outros serviços públicos, perdia destaque
nos lutas sociais, mesmo diante das estatísticas negativas sobre o mesmo
estampada nos meios de comunicação. Mas com a necessidade de uma
reforma urbana efetiva se fortalece nos discursos dos movimentos sociais.
Em tempos de realização das conferências das cidades nas três esferas
de poder na busca da apresentação das Prioridades do Ministério das Cida-
des para a Política de Desenvolvimento Urbano no período 2014-2016, que
serão aprovadas na 5ª Conferência Nacional das Cidades, com objetivo de
avaliar ações, programas e projetos eleitos como prioridades pelo Governo
Federal no âmbito do Ministério das Cidades atendem as necessidades das
políticas locais de desenvolvimento urbano. Discute-se o papel social na
política de saneamento, por meio do controle e mobilização social. Assim
como as dificuldades encontradas no avanço do planejamento municipal.
2026
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2027
instrumento de planejamento para a prestação dos serviços públicos de
Saneamento Básico, que deverá atender aos princípios fundamentais
estabelecidos na Lei.
A participação da sociedade em todos os processos de elaboração e im-
plementação do PMSB, com o estabelecimento de ferramentas de controle
social definido no art 3º (inciso IV) como “um conjunto de mecanismos e
procedimentos que garantem à sociedade informações, representações
técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de
planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de sane-
amento básico,” objetiva gerar um plano coerente com a realidade local e
capaz de promover a melhoria da qualidade de vida das populações locais.
A participação da sociedade nesse processo é de extrema importân-
cia, já que o PMSB deve ser elaborado com horizonte de 20 (vinte) anos,
avaliado anualmente e revisado a cada 4 (quatro) anos. Este contemplará
os objetivos do município atendendo às necessidades das atuais e futuras
gerações no que diz respeito aos serviços, à infraestrutura e às instalações
operacionais de Saneamento Básico.
São estes orientadores do planejamento, da regulação, da fiscalização
e do controle social para a implantação, ampliação e melhoria dos quatro
serviços de saneamento básico na cidade: água, esgotamento sanitário,
resíduos sólidos e drenagem. Dessa forma, o Poder Público passa a ter o
dever de prestar serviços que sejam necessariamente planejados, regu-
lados, fiscalizados e submetidos ao controle social.
O Plano será revisado periodicamente a cada quatro anos, de forma
articulada com as demais políticas municipais (saúde, meio ambiente,
desenvolvimento urbano, dentre outras). Para sua elaboração, deve-se
considerar além do perfil da população, indicadores socioambientais,
incluindo nível de renda e salubridade ambiental. As questões relativas
ao saneamento básico envolvem condicionantes históricos, políticos e
econômicos que não podem ser negligenciados.
Importante ressaltar que para os interessados em ter acesso aos re-
cursos da União, os planos serão fatores condicionantes para tal e que os
municípios têm até 2014 para elaborar seus PMSBs7.
2028
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2029
Art 26, § 2º: A partir do exercício financeiro de 2014, a existência de
7
2030
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
2031
social, conforme estabelecido na Lei 11.445 de 2007. De forma divergente,
o poder público, principalmente na esfera municipal, quase uma década
após a aprovação da Política Nacional de saneamento básico, limita-se a
prestação de serviços, quando a definição do plano com metas, progra-
mas e projetos é um importante passo a ser dado. Diante de tudo isso,
a realização destes fóruns deve deixar de ser meramente protocolo e a
discussão transformar-se em práticas e políticas efetivas, eficientes e in-
clusivas para o alcance da formação das desejadas cidades sustentáveis,
não só no que diz respeito ao saneamento, como também na moradia,
mobilidade urbana.
REFERÊNCIAS
2032
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2033
metodológicos. In: Brasil. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Sanea-
mento Ambiental. Programa de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS).
Conceitos, características e interface dos serviços públicos de saneamento básico/ coord.
Berenice de Sousa Cordeiro – Brasília: Editora, 2009. 239 p. (Lei Nacional de Sane-
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MOTA, C. O controle social no setor de saneamento básico: Principais aspectos da
Lei Federal 11.445, de 05 de Janeiro de 2007 – Lei de Saneamento Básico. In: MOTA,
CAROLINA (coord) – Saneamento Básico no Brasil: Aspectos Jurídicos da Lei Federal
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SANTOS, J. F. dos. Controle social no saneamento: perspectiva para uma cidade
saudável à luz da Lei nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. In: ASSIS, J. B. L. de (edi-
tor) – Controle Social no Saneamento: perspectivas para uma cidade saudável – Natal.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1995.
2034
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
INTRODUÇÃO
2035
De posse dessas considerações, o presente artigo expõe e analisa a
experiência de atuação da Companhia de Habitação do Paraná - COHA-
PAR no Programa Família Paranaense, ação que tem como eixo norteador
conferir moradia digna a mais de 1000 famílias no Estado do Paraná.
Pretende-se fazer uma discussão sobre a dimensão socioambiental da
urbanização dos assentamentos de baixa renda e a serem projetados e
executados pela Companhia em 10 Municípios prioritários do Programa.
O artigo está estruturado da seguinte forma: faremos inicalmente
uma exposição sobre o Programa Familia Paranaense e a intervenção da
COHAPAR no componenete Melhoramento de Bairros, explicitando os
Municípios, assentamentos e número de famílias que serão beneficiadas
pelas ações propostas. Em seguida, detalharemos o passo-a-passo da
intervenção em questão, ou seja, os aspectos metodológicos e opera-
cionais da atuação prevista. Ressaltamos, na sequencia, a importância
das dimensões sociais e ambientais nesse tipo de Projeto. Nossas consi-
derações finais apontam os principais objetivos dessa intervenção e os
desafios a ser superados.
2036
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2037
caso, a população é mantida no local após a substituição das moradias e
execução da infraestrutura na área. Para tal, muitas vezes é necessária a
remoção temporária das famílias para a realização das obras.
Em relação às áreas de destino das famílias a serem reassentadas, é
de responsabilidade dos Municípios disponibilizá-las, e, se necessário,
adquiri-las (desapropriação e indenização) e realizar a devida transferên-
cia para COHAPAR. Ressalta-se que a aquisição das áreas por parte das
Prefeituras e a formalização da concessão à COHAPAR deverão ocorrer
anteriormente ao desenvolvimento dos Projetos Executivos e ao proces-
so de contratação de empresas para execução das obras, com vistas a
garantir segurança jurídica para realização das atividades. A COHAPAR
já está promovendo articulação com as Prefeituras Municipais para que
estas medidas ocorram em tempo.
Essas ações são definidas a partir de um diagnóstico de cada assen-
tamento, o qual está sendo desenvolvido em parceira entre a COHAPAR,
Prefeituras Municipais, Comitês Municipais e Locais do Programa Família
Paranaense e equipes técnicas especializadas.
O público alvo selecionado são mais de 1000 familias residentes
nos 11 assentamentos precários definidos como áreas de favelas. Esse
conceito compreende as áreas de assentamentos precários com aden-
samento populacional, traçado viário desordenado, com predominância
de vielas de pedestres e/ou escadarias, geralmente carente de infraes-
trutura urbana e serviços públicos, existência de risco ambiental e que
até o presente momento não sofreram nenhuma intervenção a partir de
políticas habitacionais.
Na definição do PEHIS5, Área de Favela é entendida como:
2038
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2039
Indicamos ainda, no mapa abaixo, a localização desses Municípios no
Estado do Paraná e elencamos, na sequencia, fotos dos assentamentos
em questão e das poligonais que foram definidas:
2040
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O primeiro passo para execução das ações previstas foi definir os Mu-
nicípios prioritários que seriam atendidos. Para o atendimento às metas
estabelecidas junto à Unidade Gestora do Programa Família Paranaense,
definiu-se para uma primeira fase a prioridade ao atendimento de 10 (dez)
municípios com maior concentração de domicílios nas áreas consideradas
de grande vulnerabilidade. A Companhia de Habitação do Paraná - COHA-
2041
PAR buscou uma série de indicadores para eleger os municípios a serem
contemplados, no intuito de priorizar o atendimento aos municípios com
assentamentos precários do tipo Favela, observando características gerais
de consolidação e fatores de risco, atender à região do Estado com piores
indicadores de desenvolvimento (chamada de Centro Extendido), oportu-
nizando o desenvolvimento mais equânime entre as diversas regiões do
Paraná e identificar a existência de estrutura para execução de política
habitacional, com vistas à gestão compartilhada do trabalho.
Em relação aos critérios de elegibilidade, foram definidos os seguintes
fatores:
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2043
Realizado o cadastro, as fichas foram digitalizadas e os técnicos da
Companhia produziram relatórios e Planos Específicos de Reassenta-
mento levando em conta a peculiaridade de cada favela, bem como as
necessidades de cada população, ou seja, realizaram um diagnóstico
específico das condições de moradia e um perfil das famílias benefici-
árias, percebendo suas principais potencialidades e vulnerabilidades,
com vistas à proposta de soluções. Nas visitas aos assentamentos
foram identificadas, pois, as carências da população como um todo,
em termos de esporte, lazer, cultura, saúde, saneamento, educação,
transporte e outros serviços.
Nessa ocasião, as familias foram esclarecidas acerca das ações
planejadas e dos procedimentos adotados em todas as etapas do pro-
cesso de relocação, para que ele ocorra de forma harmônica. Foram
identificadas, também, as pessoas com deficiência, pois há previsão
nos empreendimentos da COHAPAR da construção de unidades adap-
tadas para portadores de necessidades especiais (PNE). Essas unidades
diferenciam-se quanto ao tamanho, condições de acessibilidade, padrão
construtivo e localização, a fim de proprorcionar condições de moradia
adequadas às necessidades desse público. Elas serão construídas nas
quantidades necessárias e suficientes para atender a demanda de cada
assentamento. A casa padrão COHAPAR adaptada para portadores
de necessidades especiais (PNE) possui área construída de 40,97m² a
64,97m², respeitando os critérios estabelecidos pela NBR 9050/04. A
distribuição da casa possibilita modelos com sala, cozinha, banheiro e
2 a 3 quartos, além da varanda.
Para serem contempladas pelo Programa, as famílias residentes
nas áreas de risco devem ser incluidas no Cadastro Único e formalizar
a adesão ao programa através da assinatura de um Termo específico.
No momento da assinatura pelo responsável familiar, os membros do
Comitê Local do Programa Família Paranaense realizarão um diagnós-
tico das vulnerabilidades e potencialidades de cada uma das famílias,
orientando-os quanto às ações de sua responsabilidade e alertando para
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2045
Durante essas fases, deverão ser monitoradas as atividades que
serão implementadas conforme os cronogramas de desenvolvimento
dos projetos executivos de urbanização e regularização fundiária (PER
- Plano Específico de Reassentamento) e de execução das obras. Todas
as ações executadas deverão ser verificadas, bem como se os produ-
tos previstos foram efetivamente entregues. O monitoramento deverá
mensurar o desempenho de todas as atividades e ações implantadas,
com a finalidade de detectar os problemas de execução que poderão
vir a comprometer o Programa, identificando as causas dos problemas
à medida que surjam e propor soluções.
2046
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2047
As operações financiadas pelo Banco deverão evitar impactos ne-
gativos ao meio ambiente, saúde e segurança humana decorrentes
da produção, aquisição, utilização e disposição final de materiais
perigosos, incluindo substancias orgânicas e inorgânicas e substân-
cias tóxicas, pesticidas e poluentes orgânicos persistentes (COP). A
produção, a aquisição, utilização e disposição final de substâncias e
materiais perigosos devem ser evitadas sempre que possível, e em
outros casos minimizadas.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
2049
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICA
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Doutor em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo - FAUSP, Mestre em Análise
Regional e Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Maringá - UEM e especialista em Planejamento
Urbano e Regional pela Universidade Dortmund/ Alemanhã. Docente da Universidade Estadual de Londrina
- UEL. E-mail: boeira@wnet.com.br
2 Mestre em Gestão do Território pela Universidade Federal de Uberlândia/MG, Instituto de Geografia. Docente
da UniCuritiba e arquiteta da Companhia de Habitação do Paraná - COHAPAR. E-mail: isabellas65@hotmail.com
3 Bacharel em Direito pela UniCuritiba e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná - UFPR.
Atualmente participa do Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade - GETS/UFPR e trabalha como Técnica em
Desenvolvimento Social na Companhia de Habitação do Paraná - COHAPAR. E-mail: maribettega@yahoo.com.br
4 Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR. E-mail:
guilherme.m.w@hotmail.com
5 PARANÁ Turvo(Estado). Companhia de Habitação do Paraná - COHAPAR. Plano Estadual de Habitação
de Interesse Social – PPEHIS. Curitiba, jul. 2012. Disponível em: <http://www.cohapar.pr.gov.br/modules/
conteudo/conteudo.php?conteudo=136.> Acesso em: 24 janeiro 2013.
6 PARANÁ (Estado). Companhia de Habitação do Paraná - COHAPAR. Plano Estadual de Habitação de Interesse
Social – PEHIS. Curitiba, jul. 2012, p. 12.
2051
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2053
assistemática, pois não dirigida a partir de um entendimento convergente
sobre as temáticas em questão. Para a construção de um modelo integra-
do de direito urbano-ambiental, o que se reclama é justamente isso – a
identificação das zonas de convergência capazes de propiciar um terreno
comum para o direito urbanístico e o direito ambiental, rompendo a visão
estanque que separa as distintas esferas do ordenamento jurídico. 2
Desse modo, cumpre passar além das práticas administrativas cons-
tituídas pelas necessidades de gestão, que acarretam usos improvisados
e condutas desarticuladas, para reconhecer o território como matriz con-
ceitual, a partir da qual se pode construir um modelo de integração que
sirva de ponte ou abrigo para o ordenamento urbano-ambiental.
2. ORDENAMENTO TERRITORIAL
COMO CONCEITO DE INTEGRAÇÃO
2054
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2055
para a esfera do direito. A noção de ordenamento territorial pode servir
de conceito de integração entre os direitos – difusos – ao meio ambiente e
à ordem urbanística, abrindo caminho para a construção de um ramo do
direito capaz de proporcionar um tratamento integrado da intervenção
sobre o território: o direito do ordenamento territorial.
2056
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2057
1) Plano Diretor, concebido como o “instrumento básico da política de de-
senvolvimento e expansão urbana” (art. 40, “caput”, do Estatuto da Cidade)
e como “parte integrante do processo de planejamento municipal” (art.
40, § 1º, do Estatuto da Cidade); 2) Planos de integração (se o município
estiver em Região Metropolitana, Aglomeração Urbana ou Microrregião);
3) Planejamento Orçamentário e Fiscal, como é o caso do Plano Plurianual,
da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária; 4) Planos de
desenvolvimento econômico e social; 5) Planos setoriais e/ou específi-
cos, como o Plano Local de Habitação de Interesse Social, o Plano Local
de Gestão de Resíduos, o planejamento ambiental, etc.; 6) Planejamento
estratégico/planos de gestão. Todo esse planejamento integrado deverá
estar coordenado a partir de um fio condutor, que é a respectiva estratégia
de desenvolvimento sustentável.
Nesse breve apanhado de âmbitos de planejamento, sobressai o caráter
integral de uma política de ordenamento territorial que se pretenda conse-
quente e eficaz, bem como de seu respectivo ramo na ordem jurídica – o
direito do ordenamento territorial. Além disso, resulta clara a territorializa-
ção do processo de desenvolvimento sustentável, em consonância com a
identificação do território como matriz conceitual das províncias jurídicas
ligadas diretamente à promoção do desenvolvimento urbano-ambiental.
2058
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2059
de outro direito fundamental, sem vislumbrar contraposi-
ção (neste sentido, Edésio Fernandes, Preservação ambiental
ou moradia? Um falso conflito, in “Direito Urbanístico: estudos
brasileiros e internacionais, org. B. Alfonsin e E. Fernandes, Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p. 357). No caso concreto é o que se
constata pelo influxo do conteúdo jurídico do direito à moradia
em face do direito ao ambiente. Exemplo deste raciocínio é tra-
zido por Raquel Rolnik e João Luiz Portolan Galvão Minnicelli,
ao examinar a Resolução nº 369/06, do CONAMA, e o projeto
de lei de responsabilidade territorial urbana diante do direito à
moradia (“Regularização fundiária e as novas regras da futura
Lei de Responsabilidade Territorial Urbana - alguns desafios da
nova lei”, Forum de Direito Urbano e Ambiental - FDUA, ano 7,
n. 40, p. 36-46, jul./ago. 2008).
Este procedimento, no âmbito da contemporânea teoria dos direi-
tos fundamentais, pode ser denominado método hermenêutico
constitucional contextual, para utilizar a expressão de Juan
Carlos Gavara de Cara, pois parte da própria Constituição, da
conexão e da interrelação entre as diversas normas de direitos
fundamentais.
[...]
De fato, na Constituição Federal, a moradia, além de direito social
expressamente previsto (art. 6º), é considerada necessidade
vital básica (art. 7º), diante da qual devem concorrer políticas
públicas por parte de todas as esferas da federação (art. 23, Ix).
A legislação internacional, assim como entendida nos órgãos
de proteção dos direitos humanos formalmente instituídos no
direito internacional público, aponta para a ilicitude de desocupa-
ção forçada sem a disponibilização de alternativa para moradia.
[...]
Anote-se que esta diretriz, como não poderia deixar de ser, a
par de ser reconhecida na legislação internacional, está presente
não só na doutrina (Sylvio Toshiro Mukay, ‘Direito à Moradia e a
concessão especial para fins de moradia, Forum de Direito Urba-
no e Ambiental, Belo Horizonte, ano 7, n. 38, p. 79-82, mar./abr.
2008), como na jurisprudência (Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, Agravo nº 711.429-5/5-00, julgado em 10.12.2207) e
no direito interno infraconstitucional (por exemplo, artigo 4º da
Medida Provisória nº 2.220/2001).
Medida diversa implicaria violação à proteção fundamental
da dignidade humana, na medida em que o sujeito diretamente
afetado seria visto como meio cuja remoção resultaria na conse-
cução da finalidade da conduta estatal, sendo esquecido como
fim em si mesmo de tal atividade.
2060
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2061
5. O DIREITO DO ORDENAMENTO
TERRITORIAL E SUA EFETIVIDADE
2062
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS BIBLIOGRáFICAS
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TROITIÑO VINUESA, Miguel Ángel. Ordenación del territorio y desarrollo territorial: la
construcción de las geografias del futuro. In: SALINAS ESCOBAR, María Evangelina
(Compiladora). El ordenamiento territorial: experiencias internacionales. México:
Secretaria de Medio Ambiente y Recursos Naturales; Instituto Nacional de Ecolo-
gia; Centro Universitario de Ciencias Sociales y Humanidades de la Universidad de
Guadalajara, 2008, p. 27-52.
NOTAS
*Promotor de Justiça no Ministério Público do Rio Grande do Sul, classificado na Promotoria de Justiça de Ha-
bitação e Defesa da Ordem Urbanística de Porto Alegre. Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais na UFRGS.
Mestrado em Filosofia na PUCRS. E-mail: lfbrasil@mp.rs.gov.br.
2 “O termo sustentabilidade urbano-ambiental tem permeado discursos, incentivado práticas de gestão, sendo
difundido e repisado nos mais variados meios. Todavia, em termos legais, é o que denominamos conceito jurí-
dico em aberto, devendo ser complementado. Para tanto, apontamos algumas diretrizes visando à construção
de um conceito de sustentabilidade urbano-ambiental, a partir dos seguintes elementos: (a) artigo 2.º, inciso
I, do Estatuto da Cidade; (b) o direito à ordem urbanística; (c) o conceito de meio ambiente no espaço urbano;
(d) legislação sobre todo o território das cidades, contemplando o urbano e o rural; (e) reforço da gestão e
dos instrumentos de atuação municipal; e (f) gestão democrática” (PRESTES, Vanêsca Buzelato. PRESTES,
Vanêsca Buzelato. Municípios e meio ambiente: a necessidade de uma gestão urbano-ambiental. In: PRESTES,
Vanêsca Buzelato (Organizadora). Temas de Direito Urbano-Ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 28).
Destaca-se o caráter pioneiro da reflexão de Vanêsca Buzelato Prestes sobre a possibilidade de constituição de
um direito urbano-ambiental, derrubando inadequadas barreiras epistemológicas entre os campos do direito.
3 MÉNDEZ, Elías. Gestión ambiental y ordenación del Territorio. Mérida (Venezuela): Universidad de los Andes,
Facultad de Ciencias Forestales, Instituto de Geografía y Conservación de Recursos Naturales, 1990, p. 96.
4 MASSIRIS CABEZA, A. Ordenación del territorio en América Latina. Scripta Nova. Revista electrónica de ge-
ografía y ciencias sociales. Universidad de Barcelona, vol. VI, núm. 125, 1 de octubre de 2002. http://www.
ub.es/geocrit/sn/sn-125.htm [ISSN: 1138-9788], acesso em 7 de julho de 2013 [tradução nossa].
5 TROITIÑO VINUESA, Miguel Ángel. Ordenación del territorio y desarrollo territorial: la construcción de las geogra-
fias del futuro. In: SALINAS ESCOBAR, María Evangelina (Compiladora). El ordenamiento territorial: experiencias
internacionales. México: Secretaria de Medio Ambiente y Recursos Naturales; Instituto Nacional de Ecologia;
Centro Universitario de Ciencias Sociales y Humanidades de la Universidad de Guadalajara, 2008, p. 36-37.
6 http://www.coe.int/t/dg4/cultureheritage/heritage/cemat/versioncharte/Charte_bil.pdf, acesso em 7 de
julho de 2013.
7 AGUILAR, Adrian. Las bases del ordenamiento territorial: algunas evidencias de la experiencia cubana. Revista
Geográfica, 1989, n. 109, p. 109. Apud MASSIRIS CABEZA, A. Ob. cit.
8 Em seu artigo, Massiris construiu uma interessante linha do tempo, mostrando a sucessão cronológica e
temática dos diversos tipos de planejamento. MASSIRIS CABEZA, A. Ob. cit., acesso em 7 de julho de 2013
[tradução nossa].
9 Sobre as sanções positivas, consultar BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do
direito. Trad. Daniela Beccaccia Versiani. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 23-32.
10 Em brevíssimas linhas, recorda-se que o desenvolvimento sustentável é “aquele que atende as neces-
sidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias
necessidades”, conforme dicção do Relatório Brundtland (“Our Common Future”), produzido no âmbito da
Organização das Nações Unidas pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1983.
2064
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
A própria legislação urbanística brasileira enuncia o tema como sendo de alta importância ao referir o “direito
às cidades sustentáveis” como a primeira diretriz geral do art. 2º, inciso I, da Lei n.º 10.527, de 10 de julho
de 2001: “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
para as presentes e futuras gerações”.
11 REZENDE, Fernando. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução. Brasília, DF:
CEPAL. Escritório no Brasil/IPEA, 2010 (Texto para Discussão, 4), p. 21-23. http://www.ipea.gov.br/portal/
images/stories/PDFs/TDs/td_1522.pdf [ISSN: 2179-5495], acesso em 7 de julho de 2013.
12 ALONSO, José Antônio Fialho. A persistência das desigualdades regionais no RS: velhos problemas, soluções
convencionais e novas formulações. In: Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 4, mar. 2006, p.109-
110, com grifos no original.
13 É interessante notar que muitos tópicos pertinentes aos direitos humanos já estão incorporadas ao orde-
namento jurídico-urbanístico, por razões ligadas à evolução do direito urbanístico brasileiro. Sobre o tema,
consultar BRASIL, Luciano de Faria. O conceito de ordem urbanística: contexto, conteúdo e alcance. In: Revista
do Ministério Público-RS, n.º 69. Porto Alegre: AMP/RS, 2011, p. 157-177.
14 PAREJO ALFONSO, Luciano. Lecciones de Derecho Administrativo. Orden económico y sectores de referencia.
Valencia: Tirant Lo Blanch, 2010, p. 203.
2065
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2067
O desenho institucional da PNH foi objetivado em 2005 pelo Sistema
Nacional de Habitação (SNHab), subdividido no Subsistema de Habitação
de Interesse Social e Subsistema de Habitação de Mercado, que no seu
detalhamento indicava uma implantação progressiva, uma vez que de-
pendia da adesão de estados, Distrito Federal e municípios e da aprovação
do marco regulatório que o sustentaria.
A mobilização de recursos constitui uma das diretrizes da PNH, que
consiste em: (1) estruturar o Sistema Nacional de Habitação de forma a
viabilizar a cooperação entre União, estados, Distrito Federal e municí-
pios para o enfrentamento do déficit habitacional brasileiro, quantitativo
e qualitativo, por meio da articulação de recursos (dos fundos), planos,
programas e ações; (2) viabilizar subsídios para a habitação de interesse
social, ampliação da destinação de recursos não onerosos e perenes por
parte da União, estados, Distrito Federal e municípios a serem canalizados
para o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e respec-
tivos fundos habitacionais dos demais níveis de governo; (3) ampliação da
utilização dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)
para o financiamento habitacional, focando sua aplicação na população
de baixa renda na qual está concentrado o déficit habitacional.
Nesse desenho proposto inicialmente, verifica-se a intenção de im-
plantar uma estrutura descentralizada de alocação de recursos, haja vista
a alusão aos fundos habitacionais nos demais níveis de governo. Além
disto, a gestão de subsídios foi planejada visando à promoção e apoio
a mecanismos de transferência de recursos não onerosos (na forma de
transferência de renda) para atender a parcela de população sem capaci-
dade de pagamento de moradia, identificada como pertencente à faixa de
população abaixo da linha de pobreza. Outrossim, ficou assentado que a
concessão de subsídio seria pessoal, temporária e intransferível à família
e não ao imóvel. A estruturação de uma política de subsídios foi concebida
para estar vinculada à condição socioeconômica do beneficiário, e não ao
valor do imóvel ou do financiamento, possibilitando sua revisão periódica.
No item referente à qualidade e produção habitacional, a PNH destacou
2068
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2069
plo) e políticas abrangentes de inclusão social, especialmente geração de
renda, que contribuirão para a fixação das famílias nas moradias e nos
bairros beneficiados.
O Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) integra
o Sistema Nacional de Habitação (SNHab), ao lado do Sistema de Habi-
tação de Mercado, conforme concebido no âmbito da Política Nacional
de Habitação (PNH).
O SNHIS é instrumento de implementação da PNH e foi concebido
como instância de gestão e controle, articulado e integrado pelo Ministério
das Cidades, pelo Conselho das Cidades, pelo Conselho Gestor do Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social, pelos Conselhos Estaduais, do
Distrito Federal e Municipais, pelo Fundo Nacional de Habitação de Interes-
se Social (FNHIS), pelos Fundos Estaduais e Municipais de Habitação de
Interesse Social e uma rede de agentes financeiros, promotores e técnicos
envolvidos na implementação da PNH.
O SNHIS tem como referência normativa o primeiro projeto de iniciativa
popular apresentado ao Congresso Nacional em 1991, fruto da mobilização
nacional dos Movimentos Populares de Moradia de diversas entidades e
do Movimento Nacional da Reforma Urbana. O Projeto de Lei nº 2710/92,
que tratava da criação do Fundo Nacional de Moradia Popular FNMP, foi
aprovado na Câmara dos Deputados, por meio da subemenda substitutiva
global em 03 de junho de 2004. Este Projeto de Lei foi transformado na
Lei ordinária nº 11.124, de 16 de junho de 2005, quando foi criado tam-
bém o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e o seu
Conselho Gestor.
A Lei 11.124/2005 instituiu o SNHIS com três objetivos básicos (art.
2º): I viabilizar para a população de menor renda o acesso à terra ur-
banizada e à habitação digna e sustentável; II – implementar políticas e
programas de investimentos e subsídios, promovendo e viabilizando o
acesso à habitação voltada à população de menor renda; e III – articular,
compatibilizar, acompanhar e apoiar a atuação das instituições e órgãos
que desempenham funções no setor da habitação.
2070
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2071
e III - isenção ou redução de impostos municipais, distritais, estaduais ou
federais, incidentes sobre o empreendimento, no processo construtivo,
condicionado à prévia autorização legal.
Sem dúvida, a concessão de subsídios está condicionada à disponibi-
lidade de recursos.
Existem recursos suficientes para atender essas diretrizes? Os recursos
do FNHIS são suficientes? Como está estruturado o FNHIS do ponto de
vista normativo?
2072
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2073
cular fontes de recursos permanentes para o financiamento da habitação
de interesse social, dispersas e sobrepostas em diversos programas.
Esse relatório informa que desde a sua criação, o FNHIS operou com
recursos provenientes de dotações consignadas no Orçamento Geral da
União, decorrentes de projeto de lei proposto pelo governo federal ou de
emendas parlamentares agregadas na fase de apreciação da proposta
orçamentária pelo Congresso Nacional.
Os demais recursos que integram o FNHIS (dotações do Orçamento
Geral da União, classificadas na função de habitação; contribuições e
doações de pessoas físicas ou jurídicas, entidades e organismos de coo-
peração nacionais ou internacionais; receitas operacionais e patrimoniais
de operações realizadas com recursos do FNHIS; receitas decorrentes da
alienação dos imóveis da União que lhe vierem a ser destinadas; outros
recursos que lhe vierem a ser destinados) também não possuem caráter
estritamente vinculante, na medida em que dependem de certa dose de
discricionariedade das autoridades competentes. Aqui também o legislador
não especifica qualquer percentual de repasse, o que conferiria o caráter
vinculante a esses recursos.
Contar com recursos oriundos de dotações orçamentárias e de emendas
parlamentares é por demais incerto e envolve uma componente política
que não garante nenhuma sustentabilidade do FNHIS, comprometendo a
permanência e continuidade do SNHIS.
Vale dizer, a inexistência de previsão legal vinculando percentual de
recursos mínimos a serem carreados para o FNHIS compromete a plena
efetividade do SNHIS a longo prazo.
De acordo com a Lei 11.124/2005, os recursos do FNHIS são vincula-
dos aos programas de habitação de interesse social. O legislador, além
de estabelecer essa vinculação finalística elencou as espécies de progra-
mas destacando-se: aquisição, construção, melhoria, reforma, locação
social e arrendamento de unidades habitacionais em áreas urbanas e
rurais, produção de lotes urbanizados para fins habitacionais, produção
de equipamentos comunitários, regularização fundiária e urbanísticas
2074
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2075
Sem percentual mínimo de recursos vinculantes, qual a garantia de
sustentabilidade do FNHIS?
2076
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2077
cursos alocados no Orçamento Geral da União, o FNHIS conta com a dis-
ponibilidade de recursos oriundos do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento
Social (FAS), transferidos pela CEF, para a UG 560015, em 18 de maio de
2007, no valor de R$418.608.279,49 (quatrocentos e dezoito milhões, seis-
centos e oito mil, duzentos e setenta e nove e quarenta e nove centavos).
O saldo disponível na UG 560015, em 31 de dezembro de 2010, era de R$
661.122.009,82 (seiscentos e sessenta e um milhões, cento e vinte e dois
mil, nove reais e oitenta e dois centavos), composto por rendimentos das
aplicações do Tesouro Nacional, na conta Contábil 111120122.
Consta no Relatório de Gestão do CGFNHIS 2011 que o saldo disponí-
vel na UG 560015, em 31 de dezembro de 2011, era de R$ 744.899.525,70
(setecentos e quarenta e quatro milhões, oitocentos e noventa e nove mil,
quinhentos e vinte e cinco reais e setenta centavos), composto por rendi-
mentos das aplicações do Tesouro Nacional, na conta Contábil 111120122.
O Relatório de Gestão do CGFNHIS 2012 aponta para um saldo dispo-
nível na UG 560015, em 31 de dezembro de 2011, de R$ 826.931.313,54,
também composto por rendimentos das aplicações do Tesouro Nacional,
na conta Contábil 111120122
Verifica-se que a partir de 2010, o aumento do saldo disponível na
UG 560015 é decorrente unicamente dos rendimentos das aplicações do
Tesouro Nacional, na conta contábil 111120122. O único registro de trans-
ferência de disponibilidade de recursos oriundos do FAS para a UG 560015
ocorreu em 18 de maio de 2007, segundo consta nos referidos Relatórios.
O mesmo Relatório de 2012 informa que o montante oriundo do FNHIS
repassado, independentemente de celebração do instrumento, em 2012,
chegou à casa dos 443 milhões de reais.
Sem a transferência vinculada de recursos ao FNHIS, não se pode
afirmar que o simples rendimento de aplicações do Tesouro Nacional
seja suficiente para garantir a sua sustentabilidade em função do maior
volume do déficit habitacional que se dá na faixa de renda até três salários
mínimos (89,6%).
No orçamento fiscal e seguridade de 2013 a alocação de recursos
2078
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2079
de recursos provenientes do Programa Minha Casa Minha Vida(PMCMV),
a tendência é a redução do número de adesões ao SNHIS, priorizando-se
a construção de novas unidades habitacionais em larga escala em detri-
mento do planejamento urbano.
Corroborando com este entendimento, o Relatório de Gestão do CGF-
NHIS 2012 reconhece: “com o advento do programa Minha Casa, Minha
Vida e a temporária e relativa retração da importância do SNHIS, o ritmo
de adesão se reduz fortemente”. Outrossim, ressalta que a maior parte
dos municípios fez sua “adesão entre os anos 2006 e 2008”. Este dado
comprova a influência do colossal volume de recursos, a partir de 2009,
provenientes do PMCMV, na evolução e efetividade plena do SNHIS.
Portanto, a questão não é a insuficiência de recursos financeiros, mas
o modus operandi na gestão e alocação desses recursos.
2080
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2081
O Fundo de Saúde deve ser instituído por lei e mantido pela administra-
ção direta da União, estados, Distrito Federal e municípios, constituindo-se
em unidade orçamentária e gestora desses recursos (art. 14).
Situação diversa encontramos na operacionalização do SNHIS. Com
efeito, o SNHIS foi criado com o objetivo de viabilizar para a população
de menor renda o acesso à terra urbanizada e à habitação digna e susten-
tável (art. 2º, I). Na sua estruturação e organização, deve ser observado o
princípio da descentralização (art. 4º, I, c).
Apesar desse regramento, é na sua operacionalização que se verifica
uma grande distância em relação ao SUS. O lócus da política urbana é o
município. Ademais, a política urbana, o planejamento e a reforma urbana
possuem como pilar de sustentação o acesso democrático ao solo urbano.
Isto faz uma enorme diferença.
Enquanto o SUS está vinculado às ações e serviços públicos de saúde,
cuja materialização é difusa e possui um menor valor agregado unitário
por serviço prestado(um posto de saúde atende dezenas ou centenas de
famílias), o SNHIS está necessariamente atrelado à terra urbana cujo valor
agregado é muito maior(uma unidade habitacional para cada família),
quando se considera o custo da terra urbana, das benfeitorias, acessões,
infraestrutura e demais elementos necessários para garantir a efetividade
do direito à moradia. Trata-se de um aspecto material que dá ao SNHIS
um atributo diferenciado.
No que tange ao desenho institucional e normativo vamos encontrar
importantes diferenças entre os dois sistemas. É o que demonstram os
Quadros 1 e 2.
O Quadro 01 destaca três atributos normativos em ambos os sistemas:
a) Previsão constitucional alusiva ao SUS, objetivada no art. 198, §1º,
contrapondo-se à inexistência dessa previsão para o SNHIS/FNHIS, criados
por lei ordinária (Lei 11.124/2005);
b) Percentual mínimo de recursos definido em Lei Complementar (LC).
No caso do SUS, tal previsão está contemplada no art. 198, §1º, da CF/88,
e foi expressamente regulamentada pela LC nº 141/2012. Ao SNHIS/
2082
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2083
c) Materialidade. No âmbito do SUS, a materialidade é objetivada nas
ações e serviços de saúde que atingem um número indeterminado de
destinatários. A materialidade, no âmbito do SNHIS/FNHIS está neces-
sariamente atrelada ao acesso à terra urbana, base de qualquer reforma
urbanística. Essa condição material é um atributo operacional diferenciado
do SNHIS/FNHIS, porquanto sem ele a questão da habitação não encontra
solução, ao contrário, contribui para o aumento do déficit habitacional;
d) Efetividade. A efetividade depende da realização dos atributos nor-
mativos. É a eficácia social destas normas. No Quadro 02, a efetividade
expressa, em verdade, uma consequência dos atributos operacionais.
A estrutura e organização do SUS é efetivamente descentralizada, per-
mitindo que sua operacionalização seja caracterizada pela permanência,
continuidade e capilaridade(atinge os mais diversos níveis de arrecadação
municipal). A descentralização do SNHIS não atingiu o nível operacional do
município. Consequentemente, a sua efetividade depende das aprovações
de projetos junto ao Ministério das Cidades e CEF, condição indispensável
para que um município receba recursos mediante Contrato de Repasse.
Assim, o Quadro 02 ilustra que, apesar dos atributos normativos previstos
no Quadro 01, do ponto de vista operacional, o SNHIS não é totalmente
descentralizado, comprometendo a sua plena efetividade.
2084
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2085
a disputa de poder pela posse e propriedade da terra urbana, já que
existem grupos empresariais cujos interesses privados não coincidem
com os interesses sociais. Verifica-se, assim, a existência de obstáculos
normativos e políticos.
Quanto ao papel dos movimentos sociais, a apreciação crítica do
PMCMV nos leva a concluir que houve uma completa inversão de valores.
Após a concretização das conquistas gestadas por mais de vinte anos,
através da positivação de direitos almejados pela luta dos movimentos
sociais, assistimos a um retrocesso legislativo e procedimental particu-
larmente silencioso no âmbito do SNHIS.
Com efeito, é curioso observar o silêncio desses movimentos diante do
modus operandi da execução do PMCMV cujos critérios de cadastramento
dos beneficiários, por exemplo, podem ensejar a infringência do princípio
da isonomia. É o caso de Resoluções municipais que estabelecem como
critério local de hierarquização e seleção da demanda dos beneficiários
do PMCMV a vinculação da família a movimentos de luta pelo direito
à moradia com assento no Conselho do Fundo Municipal de Habitação.
Sem o controle social, através da mobilização das classes interessadas,
os instrumentos urbanísticos tendem a permanecer inaplicáveis, o Poder
Local não realiza o controle do uso e ocupação do solo, a base fundiária
fica superestimada com o aumento do preço da terra urbana e intensifi-
ca o processo de segregação espacial. Temos, então, a configuração de
obstáculos sociológicos.
Apesar da cláusula da função social da propriedade, a visão ortodoxa
do direito absoluto de propriedade, fundada no liberalismo clássico, ainda
pode influenciar decisões jurídicas e administrativas, podendo constituir
um obstáculo jurídico à efetividade plena do SNHIS.
Neste sentido, é um equívoco considerar que a Lei 11.977/2009
instituiu uma política nacional de habitação. Com efeito, esse diploma
legal contempla normas que incentivam a produção de novas unidades
habitacionais em larga escala, com metas quantitativas e financeiras e,
ao mesmo tempo, dispõe sobre instrumentos urbanísticos inovadores,
2086
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
2087
Sem dúvida isto constitui um obstáculo operacional e normativo que
poderia ser minimizado com a aprovação da PEC nº 285, ainda que se
trate de uma vinculação temporária de recursos orçamentários da União,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Como esta vinculação está atrelada a recursos orçamentários, é possível
que municípios com menor capacidade de arrecadação não disponham de
recursos suficientes. Esta dificuldade operacional poderia ser enfrentada
através da celebração de consórcios públicos, com base na Lei nº 11.107,
de 06 de abril de 2005, que estabelece a possibilidade de constituição de
pessoa jurídica através de várias fases, por entes federados em conjunto,
objetivando consolidar a gestão associada para a consecução de fins de
interesse comum.
Para tanto, o consórcio público pode ser constituído sob a forma de
Associação Pública, com natureza jurídica de autarquia, ou Associação
privada, com base na lei civil, portanto, de regime jurídico híbrido.
Em 5 de janeiro de 2007 foi promulgada a Lei 11.445, instituindo dire-
trizes nacionais para o saneamento básico. O art. 15, inciso II, indica que
na prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico, as
atividades de regulação e fiscalização poderão ser exercidas por consórcio
público de direito público integrado pelos titulares dos serviços.
Em 2 de agosto de 2010 foi promulgada a lei 12.305, instituindo a Po-
lítica Nacional de Resíduos Sólidos, tendo como um dos instrumentos o
incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de cooperação entre
os entes federados, com vistas à elevação das escalas de aproveitamento
e à redução dos custos envolvidos( art. 8º, inciso xIx). De acordo com o
art. 45, os consórcios públicos constituídos, nos termos da Lei no 11.107, de
2005, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de servi-
ços públicos que envolvam resíduos sólidos, têm prioridade na obtenção dos
incentivos instituídos pelo Governo Federal.
Estes Diplomas Legais dialogam com a Política Nacional de Habitação
e Reforma Urbana.
A definição do escopo de atuação do Consórcio Público poderá depen-
der de uma aferição técnica, inserida em um estudo de regionalização no
âmbito do saneamento, resíduos sólidos urbanização, etc. Entendemos
2088
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
2089
saio2_ministerio.pdf>. Acesso em: 20 set 2011.
_________, Brasil, Cidades: alternativas para a crise urbana. Rio de Janeiro: Vozes,
2011a.
_________, Habitação e Cidade. 7. Ed. São Paulo: Atual, 2010.
_________, O impasse da política urbana no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2011b.
PROJETO MORADIA. São Paulo:Instituto Cidadania, 2000. Disponível em: <http://
www.pt-pr.org.br/pt_pag/PAG%202004/URBANISMO/Projeto%20Moradia.PDF>.
Acesso em: 04. fev. 2012
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 2010.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5.ed., Porto Alegre:
Livraria do advogado, 2005.
SILVA-PAIM, Jairnilson. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.
NOTAS
1 Titulação acadêmica: Doutorado e Mestrado em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia;
Instituição: Procuradoria Geral do Estado da Bahia
Cargo: Procuradora do Estado
e-mail: sorayaslopes@gmail.com
2 O Projeto Moradia foi uma proposta de desenvolvimento urbano e de erradicação do déficit habitacional con-
cebida pelo Instituto Cidadania em maio de 2000. Esse Projeto traçou as diretrizes básicas que posteriormente
foram encampadas pela Política Nacional de Habitação e legislação respectiva, notadamente a Lei 11.124/2005.
Já no plano de sua idealização o Projeto Moradia entendia o acesso à moradia digna como uma condição
básica de cidadania, devendo ser considerada prioridade nacional, com garantia de recursos e instrumentos
para sua concretização. (PROJETO MORADIA, Disponível em: <http://www.pt-pr.org.br/pt_pag/PAG%202004/
URBANISMO/Projeto%20Moradia.PDF>. Acesso em: 04. fev. 2012).
3 Ministério das Cidades. Política Nacional de Habitação. Brasília, 2004
4 Esse relatório é elaborado anualmente pelo Conselho Gestor do FNHIS, órgão integrante da Secreta-
ria Nacional de Habitação, de acordo com as disposições da IN TCU 63/2010, da DN do TCU nº 107, de
27 de outubro de 2010, da Portaria TCU 277, de 07 de dezembro de 2010 e Portaria CGU nº 2546, de 27
de dezembro de 2010, e apresentado aos órgãos de controle interno e externo como Tomada de Con-
tas anual a que esta Unidade está obrigada nos termos do art. 70 da Constituição Federal. Disponível
em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/FNHIS/PrestacaoContas/2011_FNHIS_
REL_Gestao2010FINALRelatorioGestao_UJ%2056902_FNHIS.pdf>. Acesso em: 04 dez. 2011.
5 Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/FNHIS/PrestacaoContas/
Relatorio_Prestacao_Conta_2011.pdf>. Acesso em: 15 jul 2013
6 Disponível em: <http://www.cidades.gov.br/images/stories/ArquivosSNH/FNHIS/PrestacaoContas/
FNHIS_Relatorio_Gestao_2012.pdf>. Acesso em: 15 jul 2013
7 Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/ploa2012/110831
_orc_fed_alc_todos.pdf>. Acesso em 18 mar. 2012.
8 Disponível em <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/LDO_2013/130415_Vo-
lume%20II.pdf>. Acesso em: 15 jul 2013.
9 Regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde.
2090
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Limites e possibilidades de
sistemas de políticas públicas:
uma análise sobre o SNHIS
1 INTRODUÇÃO
2091
crítica sobre os sistemas e suas limitações para ampliar a reflexão sobre a
construção de um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano no país.
2092
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
dos é realizada pelo Ministério das Cidades, que tem competência para
selecionar e definir critérios de seleção das propostas dos entes (art. 4º,
xVIII do decreto nº 5.796/2006), e pela Caixa Econômica Federal (CEF),
que analisa a viabilidade das propostas já selecionadas (art. 7º, VI do de-
creto nº 5.796/2006). Ou seja, no desenho descrito os entes não decidem
sobre a política, apenas oferecendo propostas dentro das modalidades e
diretrizes eleitas.
Outro ator importante da política habitacional e que fornece recursos
que deveriam estar vinculados ao sistema é o Conselho Curador do Fundo
de Garantia do Tempo de Serviço (CCFGTS) que é composto por represen-
tantes do governo federal e membros da sociedade civil em igual número.
É claro que aqui não se quer argumentar que apenas deixar as decisões
para os entes federados garanta melhores políticas públicas, mas se quer
apontar que a centralização das decisões no governo federal traz uma
homogeneização do modelo de política que pode não ser salutar para
um país com enormes desigualdades regionais como o Brasil, podendo
desestimular iniciativas locais.
2093
Considerando a necessidade de ajustar os critérios de execução
dos programas do FNHIS às diretrizes do Programa Minha Casa,
Minha Vida, de que trata a Medida Provisória nº 459, de 25 de
março de 2009, e Considerando a necessidade de viabilizar a
complementação de projetos inseridos no Programa de Acele-
ração do Crescimento – PAC.
4. LIMITES DO SNhIS
2094
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
rado e o sistema teve que passar ao segundo plano, mesmo que os dois
tenham sido realizados pelo mesmo governo. Além disso, o papel dos
entes federados ficou resumido, basicamente, ao cadastro de interessados
em programas habitacionais, apenas criando novos critérios de seleção,
somados aos já impostos pelo governo federal.
O SNHIS não previu um incentivo estruturado à utilização dos ins-
trumentos urbanísticos, especialmente aqueles previstos no Estatuto da
Cidade. Dessa forma, municípios que ‘fazem sua lição de casa’ não tem
mais recursos direcionados aos seus territórios, já que as formalidades
exigidas no sistema são apenas indicadores de processo, demonstrando
o cumprimento de procedimentos formais. Os municípios que conse-
guem melhorar a distribuição dos vazios urbanos, fazer regularização
fundiária, demarcar ZEIS etc. não têm prioridade no investimento dos
recursos da habitação.
Já no PMCMV, as consequências são ainda mais evidentes para a
regulação urbanística, sendo necessário verificar até que ponto essas
mudanças pontuais fortalecem ou enfraquecem instrumentos como as
Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). No municípios de Feira de
Santana/BA, por exemplo, a lei nº 2.987/2009 enquadrou como ZEIS:
“as áreas representadas pelas glebas dos empreendimentos vinculados
ao programa Minha Casa Minha Vida, instituído pelo Governo Federal,
através da medida Provisória nº 459, de 25 de março de 2009, destinados
ás famílias com Renda de 0 A 3 Salários Mínimos.”
A lei nº 5.990/2012 do Município de Cascavel/PR definiu como ZEIS
“os imóveis de propriedade do Município ou que venham ser adquiridos
pelo Poder Público Municipal e COHAVEL e que sejam destinados a
construção de novos empreendimentos habitacionais de Interesse So-
cial.” Nesse caso, há um zoneamento extremamente pontual, permitindo
critério diferenciados de construção em qualquer imóvel destinado ao
programa, independente do entorno, do plano diretor ou do zoneamento
previamente determinado.
2095
Além da legislação urbanística, diversos municípios têm concedido
benefícios fiscais para a realização dos empreendimentos, inclusive mu-
nicípios de grande porte como Campinas e São Paulo, o que evidencia o
interesse dos municípios no programa, que os leva a se submeter a todas
as decisões do governo central.
Um ponto relevante a se destacar são as decisões tomadas fora do sis-
tema e que o influenciam. Nesse ponto, se podem observar as decisões de
outras esferas do governo, como as políticas de crédito, que tem impacto
significativo no preço da terra e na política habitacional de interesse social
e são tomadas pelo Banco Central – autarquia vinculada ao Ministério da
Fazenda - e pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) – órgão colegiado
formado por ministros do governo federal.
Recursos destinados à habitação, ou que se relacionam com a ques-
tão como o financiamento imobiliário, passaram ao largo do sistema e
as decisões sobre grande parte dos recursos não se vinculou ao âmbito
do MCidades e do CGFNHIS. No ano de 2011, por exemplo, foram liqui-
dados R$508.059.854,00 e pagos R$59.405.112,00 no âmbito do FNHIS2.
No mesmo ano foram disponibilizados para financiamento em habitação
popular pelo FGTS (BRASIL, 2011a): R$ 31.522.196.000,00 e para finan-
ciamento imobiliário pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimos
(SBPE): cerca de R$79.900.000.000,00 (BRASIL, 2011b, p. 39). Ou seja, a
grande maioria dos recursos da área não são decididas com a sociedade
civil ou com entes federados, restando a participação nas decisões sobre
as menores quantias ou na disputa pelos menores volumes de recursos,
segundo Lago (2011, p. 8): “De 2009 a março de 2011, o Programa MCMV
Entidades realizou a contratação de 9.001 unidades, no valor total de
R$440 milhões.(...) Para a produção empresarial, vimos anteriormente
que o Programa ‒nanciou, em menos de dois anos, 449 mil unidades,
segundo dados da Caixa.”
O modelo prioritário atual, que é baseado em financiamento e cons-
trução de unidades habitacionais novas, acaba priorizando atores como
a Caixa Econômica Federal (CEF), independentemente das competências
2096
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2097
De modo geral, os sistemas apresentam limites quando há a tentativa
de descentralizar decisões e não apenas a execução de políticas públi-
cas. Importante observar que decisões são tomadas fora dos espaços
institucionalizados de disputa como ocorreu na construção do PMCMV:
a decisão se deu fora do ministério das cidades, dos conselhos setoriais,
sendo fruto de uma negociação com o setor da construção civil, fato de-
clarado, entre outros, pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil de
São Paulo (Sinduscon-SP):
2098
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2099
As escolhas de políticas públicas realizadas pelo governo federal im-
põe as preferências desse, limitando tanto a criatividade local, quanto a
evolução da capacidade administrativa, especialmente na regulação ur-
banística. Os únicos mecanismos criados em que havia uma preocupação,
ainda que formal, com a existência de planos, conselhos e fundos foram
abandonados por esse outro modelo.
Mesmo após a aprovação de leis que instituem uma política pública
relacionando o papel dos entes federados, as disputas continuam se dando
e influenciando como essa lei será aplicada ou não aplicada, conforme
destaca Arretche (2011, p.29-30):
Como bem observa Ermínia Maricato (2011, p. 95) em sua análise crítica
sobre as conquistas dos últimos anos: “Não é por falta de leis que a maioria
da população brasileira foi historicamente excluída da propriedade formal
da terra, no campo ou na cidade, no Brasil. (…) Os movimentos sociais
devem lutar por novos marcos juridicos, mas devem considerer que isso
está muito longe de assegurar conquistas reais.”
5. CONCLUSÕES
2100
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2101
REFERÊNCIAS
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Mestranda em Direito Administrativo pela Universidade de São Paulo. Especialista em Políticas Públicas do
Estado de São Paulo. renata7gomes@gmail.com.
2 Consulta ao SigaBrasil. Disponível em: <http://www8a.senado.gov.br/InfoViewApp/listing/main.do?appKi
nd=InfoView&service=%2FInfoViewApp%2Fcommon%2FappService.do>. Acesso em 20.07.2012.
3 Previsto na Constituição de 1988 e regulamentado pela lei nº 8.080/90 e pela lei nº 8.142/90. O SUS foi
se estruturando especialmente a partir de Normas Operacionais Básicas (NOBs) e Normas Operacionais da
Assistência à Saúde (NOAS).
4 Disponível em: <http://www.sindusconsp.com.br/msg2.asp?id=4506>. Acesso em 20.05.2013.
5 Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab foi cassado em 1ª instância devido a doações ilegais da Associação
Imobiliária Brasileira, uma associação de fachada para o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação
e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi).
6 Em Dracena/SP, por exemplo, município com menos de 45.000 habitantes, na campanha de reeleição do
prefeito (Célio Rejani – PV) constatou-se que de um total de doações de R$209.430,00 havia doações de:
R$500,00 de uma empresa de corretagem de imóveis, R$2.200,00 de duas empresas de construção de edifícios
e R$ 22.400,00 de três empresas de incorporação de empreendimentos imobiliários. Para o candidato vitorio-
so, com uma campanha mais modesta de R$ 72.659,54, consta a doação de R$3.000,00 de uma empresa de
incorporação de empreendimentos imobiliários.
7 Disponível em: <http://www3.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp>. Acesso em 20.07.2013.
2103
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
O Estatuto da
Metrópole como sistema
abstrato moderno
INTRODUÇÃO
2105
1. MODERNIDADE, MODERNIZAÇÃO
E A CIDADE CONTEMPORâNEA
2106
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2107
líbrio entre as relações de produção e acesso ao consumo, submetido ao
controle da fábrica e das leis que regiam o quadro de responsabilidade
recíproca entre Estado, empresa e empregado. Num período qualificado
por Ascher8 como: “taylorista-fordiano-keynesiano-corbusiano”, os gover-
nos das nações capitalistas centrais tomaram para si a responsabilidade
da manutenção do “bem estar” dos estratos sociais na tentativa da pro-
moção da boa relação homem-trabalho-capital. Este ciclo teve seu ápice
nos “Trinta Gloriosos”, sublinhando o período pós-guerra como a situação
fértil para a materialização deste projeto de sociedade no meio urbano.
O bom desempenho das economias das nações centrais após a Segunda
Guerra, que de certa forma também alcançou algumas regiões de países
do então Terceiro Mundo, sofreu alterações a partir da década de 1970. Os
avanços da produção industrial na Europa, Japão e em algumas regiões
subdesenvolvidas acabaram por corresponder diretamente ao alarga-
mento da demanda e da produção, que expandiu a escala dos mercados
e colocou em cheque a rigidez do modelo fordista de acumulação. Novas
sendas foram estabelecidas para o avanço das economias capitalistas,
ingressando estas em um novo período de acumulação – o pós-fordismo.
De acordo com Harvey9 podemos reconhecer as transformações ocorri-
das na sinergia entre diversos fatores, tais como: (1) a reestruturação dos
processos produtivos, (2) a flexibilização das normas de regulação dos
mercados diretamente associada ao desmonte dos modelos de Estados
de Bem-Estar Social, (3) a busca por novos mercados, (4) o crescimento
do poder das grandes corporações, (5) o incremento de população, (6) a
financeirização da economia, (7) a disseminação das novas tecnologias
de informação, dentre outros.
Segundo Ascher10, as transformações deflagradas pelos processos
de reestruturação e globalização dão inicio à terceira modernidade e
localizam a cidade contemporânea no centro da Terceira Revolução
Urbana Moderna.
O total da população urbana, que correspondia a 7% da humanidade no
começo do século xx, equivale atualmente a aproximadamente 50 % dos
2108
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2109
As cidades estão na interseção de praticamente tudo aquilo que vemos
por um lado como avanço – e por outro como crises. Os vigorosos pro-
cessos de urbanização e metropolização do século xx, ainda em curso,
evidenciam o papel das cidades como o centro da dimensão espacial,
como o grande cenário de todo esse movimento.
2110
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2111
parece dar continuidade à monótona experiência estética e espacial da
cidade capitalista.
Segundo Ribeiro15 as faces multiescalares da geografia urbana brasileira
podem ser vistas como bons ativos. Contudo, para que as cidades e terri-
tórios sejam mais que plataformas ou suportes para o desenvolvimento do
capitalismo na sua fase contemporânea, a busca por coesão, cooperação
e justiça social devem exercer papel central na definição de políticas que
visem o desenvolvimento.
O recente histórico da questão urbana no Brasil perece revelar dois
projetos de país que se sobrepõem e chegam a confundir, sobretudo ao
refletirmos sobre os desdobramentos espaciais das ações anticrise, dos
investimentos público e privado no campo da habitação e das ações para
a realização da Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014 e dos Jogos
Olímpicos de 2016 na Cidade do Rio de Janeiro. Se por um lado a aprovação
do Estatuto da Cidade, a criação do Ministério das Cidades, o aumento de
recursos destinados às políticas urbanas e o Projeto de Lei do Estatuto da
Metrópole (PL 3460/04) em tramitação no Congresso Nacional revelam
uma maior importância das cidades nas agendas dos governos, por outro
não se percebe melhoras efetivas em relação ao cumprimento da função
social da propriedade ou da gestão dos territórios urbanos.
De fato, todas estas ações parecem sucumbir a um modus operandi
instrumentalizado e cooptado pelo discurso hegemônico. Enquanto o
Estado não parece ser capaz de dar conta daquilo que paira sobre nós, se
parece abrir mão de seu papel regulador e passa a operar de forma ágil
no fomento do processo de acumulação – as pressões que se colocam se
materializam na nossa frente, forçando-nos a enxergar ou a nos resignar.
Se nos posicionamos em favor de uma movimentação contra a apatia,
vale observar o que escreve Harvey:
2112
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
3. APONTAMENTOS SOBRE A
qUESTÃO METROPOLITANA NO BRASIL
2113
Se uma das cidades que formam uma aglomeração urbana crescer
e se destacar demais, apresentando-se como uma cidade grande
e com uma área de influência econômica, pelo menos, regional,
então não se está mais diante de uma simples aglomeração,
mas de uma metrópole. (...) o importante é que todos os espaços
urbanos se achem fortemente “costurados”, especialmente com
a ajuda da “linha” mais importante, sob esse aspecto, que são os
deslocamentos diários de trabalhadores, grande parte dos quais
trabalha no núcleo metropolitano e reside nas cidades vizinhas
a este. Metrópoles são realidades socioespaciais que, na maioria
dos países, passam a ter a sua existência formalmente reconhe-
cida: são chamadas, nos EUA, de áreas metropolitanas (...) e, no
Brasil, regiões metropolitanas. (SOUZA, M. L. 2011, p.33).
2114
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2115
metrópole, juridicamente cada um deles atua de forma autônoma na gestão
de seu território e na resolução de seus problemas. O que queremos dizer
com isso é que no modelo de Federação adotado por nossa Constituição,
a região metropolitana não é ente federativo, mas o município é. Logo, a
região metropolitana é espacialmente maior que um município, é, na ver-
dade, uma reunião de diversos municípios, mas não é ente federativo, não
tendo autonomia política. Tal situação pode levar a uma série de conflitos
políticos, jurídicos, legislativos, administrativos, etc. A questão central
nos parece ser como garantir que a gestão das regiões metropolitanas21
funcione se ela é formada pela união de entes autônomos – municípios?22
Assim, embora nosso modelo de federalismo seja cooperativo23, a confi-
guração de um ambiente colaborativo no Brasil no que se refere à gestão
metropolitana enfrenta dificuldades devido a essa realidade extremamente
descentralizada pós-Constituição de 1988.
Nesse contexto, é possível apontarmos que os elementos fomentadores
da superação de tal lógica não se viabilizarão sem a promoção de uma
agenda política com base na governança, na coesão social e na gestão
adequada da dimensão espacial. Na esfera jurídica, há muito é aguardada
uma lei que estabeleça diretrizes gerais para os estados poderem criar
as Regiões Metropolitanas, o que parece ser a proposta do Estatuto da
Metrópole. Nesse sentido, “a concretização do federalismo cooperativo
brasileiro depende, portanto, da construção de uma norma infraconstitu-
cional, isto é, de regras e procedimentos claros que confiram uma forma
mais institucionalizada para a cooperação intergovernamental (Silveira,
2002)” (LOSADA, 2010,p. 270)
As maiores regiões metropolitanas do país apresentaram redução no
ritmo de crescimento de suas populações já na década de 1980. Contudo,
a reestruturação da economia e do espaço urbano, assim como a elevação
do padrão de vida e consumo seguem demandando grandes investimentos
em planejamento e em infraestrutura.
É importante que as diretrizes que conduzam à efetivação de ações e
projetos garantam que integração e diversidade estejam presentes como
2116
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2117
Visto o modelo de assimetrias e desigualdades em curso, é importante
que as ações em andamento associadas a novos movimentos a favor da
incorporação de dimensões políticas aos territórios metropolitanos ga-
nhem efetividade, para que o caminho em direção à implementação de
uma governança urbana democrática, eficiente e justa tenha seguimento.
2118
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Para atender tal dispositivo, o art. 5º estabelece que a cada dez anos
será realizada uma pesquisa nacional que visa analisar a configuração das
cidades brasileiras em vários aspectos, como crescimento demográfico,
processo de urbanização, mudanças funcionais e espaciais, entre outros.
Já o art. 10 do projeto estabelece os instrumentos através dos quais as
2119
ações da PNPRU serão executadas, dentre eles os “planos nacional, regio-
nais e setoriais urbanos de ordenação do território e de desenvolvimento
econômico e social” (inciso I). E o art. 13 estatui o prazo de quatro anos
para rever e atualizar tais planos.
Ora, ao analisarmos os textos normativos, verificamos a proposta de
levantamento e produção de grandes conteúdos e uma atualização em
completo descompasso com a pesquisa proposta no art. 5º, sendo que, em
nossa percepção, ambas carecem de estruturas de atualização em tempos
compatíveis às nuances e à velocidade das transformações em curso na
nova geografia urbana brasileira e internacional. Já o desenvolvimento
do Sistema Nacional de Informações Georrefenciadas (do planejamento
regional urbano) proposto no inciso VI do art. 19 parece configurar uma
estrutura mais adequada de informações desde que realmente inseridas
em um âmbito de permanente atualização.
No art. 8º, inciso IV, o PL apresenta como diretriz geral para a imple-
mentação da PNPRU:
2120
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2121
cultural; a preservação de florestas, da fauna, da flora, de sítios
arqueológicos e de paisagens naturais notáveis;
Seria possível dizer que o Estatuto das Metrópoles está na orla do tem-
po ou que ele tenta juntar ordem e desordem? O simples fato de tratar de
uma escala tão ampla que intrinsecamente embute uma enormidade de
escalas já causa inquietação. No mundo atual, mapas e dados em tempos
marcados, como propõe o PL do Estatuto da Metrópole, são insuficientes
para dar conta do real. Um levantamento contínuo e parametrizado de
dados georreferenciados através da atualização permanente talvez seja
capaz de iniciar o difícil cumprimento do acompanhamento das mutações
em andamento.
2122
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2123
sistema? É necessário que o Estatuto como sistema abstrato do Estado
faça do Estado um sistema presente. É compreensível que o Estatuto da
Metrópole seria uma tentativa de presença do Estado em escalas mutantes
difíceis de operar sobre. Mas não podemos ter um projeto que não vá além
da manutenção da lógica estratégica do modo de produção capitalista
como única alternativa. Segundo Santos:
6 CONCLUSÃO
2124
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2125
que em tempo real). À participação cumpre uma parte importante desta
atualização, pois dela vem as demandas diretas capazes de não deixarem o
espelho virar estátua. Nazismo, comunismo, capitalismo, ditaduras – tudo
parece ter virado estátuas – estruturas duras e determinantes da maneira
das pessoas se colocarem no mundo. Um possível caminho talvez esteja
na combinação de (1) ações e projetos inseridos em um (2) plano orien-
tado por uma (3) política de Estado que entenda seu papel de gestor – em
um campo que detém dívidas sociais históricas e que lança perspectivas
sobre a configuração da sociedade brasileira porvir.
REFERÊNCIAS
2126
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Observatório das Metrópoles. v.11, nº 22. Pág. 299-317. São Paulo: EDUC, 2009.
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Paulo: Saraiva,2010.
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nança Metropolitana no Brasil. In: Klink, J. (org.). Governança das metrópoles:
Conceitos, experiências e perspectivas, 259-287. São Paulo: Annablume, 2010.
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In: Klink, J. (org.). Governança das metrópoles: Conceitos, experiências e perspec-
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riência. São Paulo: Cortez, 2001.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência
universal - 11a ed. - Rio de Janeiro: Record, 2004.
SPINK, P. K.; TEIxEIRA, M. A. C.; CLEMENTE, R. Governança, governo ou gestão:
O caminho das ações metropolitanas. In: Cadernos Metrópole / Observatório
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SOUZA, M. L. ABC do Desenvolvimento Urbano. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2011.
NOTAS
2127
14 ASCHER, F. Os novos princípios do Urbanismo. São Paulo: Romano Guerra, 2010.
15 RIBEIRO, L. C. Q. Os desafios da reforma urbana nas metrópoles brasileiras. In: Klink, J. (org.).
Governança das metrópoles: Conceitos, experiências e perspectivas, 75-98. São Paulo: Annablume, 2010.
16 BAUDRILLARD, J. Power inferno. Porto Alegre: Sulina, 2003.
17 SPINK, P. K.; TEIxEIRA, M. A. C.; CLEMENTE, R. Governança, governo ou gestão: O caminho das
ações metropolitanas. In: Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles. v.11, nº 22. Pág. 453-476.
São Paulo: EDUC, 2009.
18 LOSADA, P.R. O Comitê de Articulação Federativa e o Desafio da Governança Metropolitana no
Brasil. In: Klink, J. (org.). Governança das metrópoles: Conceitos, experiências e perspectivas, 259-287. São
Paulo: Annablume, 2010.
19 “Ela surge de forma tardia, já no auge de metropolização do país.” (ob. cit., p. 262)
20 Segundo a autora, as nove primeiras regiões metropolitanas foram criadas pelas Leis Complementares
14/73 e 20/74.
21 Cuja competência é dos estados, segundo art.25,§3º da CF/88.
22 Podemos citar como exemplo a construção do aterro sanitário de Seropédica, planejado para receber o lixo
dos municípios de Seropédica, Itaguaí e Rio de Janeiro. A inauguração do aterro, em março de 2011, foi feita pelo
prefeito do Rio, e com a ausência proposital do prefeito de Seropédica. Embora o empreendimento se localize
em seu território de gestão, o prefeito de Seropédica viu sua oposição ser anulada pelo argumento de que a
disposição final de resíduos sólidos é assunto de interesse regional, no caso, da metrópole do Rio de Janeiro.
23 Segundo LENZA (2010, p.342), é o tipo de federalismo em que as “atribuições serão exercidas de modo
comum ou concorrente”, tal qual podemos observar as competências estabelecidas nos arts. 23 e 24 da CF/88.
Nesse sentido, nos parece urgente a edição de uma Lei Complementar nos moldes do parágrafo único do art.23
da Constituição para definir como se dará a cooperação nessa questão específica, tal qual recentemente foi
editada a LC140/11 para regulamentar as competências ambientais.
24 KLINK, J. A reestruturação produtivo-territorial e a emergência de uma nova agenda metropolitana:
O panorama internacional e as perspectivas para o caso brasileiro. In: KLINK, J. (org.). Governança das
metrópoles: Conceitos, experiências e perspectivas, 7-17. São Paulo: Annablume, 2010.
25 A partir da década de 1970 as metrópoles brasileiras passaram por um processo dialético de avanço da
metropolização paralelo à desmetropolização (SANTOS, 2004), ou seja, junto à permanência do poder de
catalisação das áreas metropolitanas e à consolidação de São Paulo como o grande nó econômico e informa-
cional do país, nas últimas décadas constatam-se taxas de incremento produtivo e populacional em outros
territórios, com destaque para as cidades médias.
26 Embora alerte sobre o risco de um possível caminho em direção à desindustrialização do país, dado à
exposição a fatores como a sobrevalorização da moeda local e o poder de atração do gigante asiático, Nassif
(2008) não constata em suas análises – até o início da segunda metade dos anos 2010 – a efetiva redução da
produção industrial brasileira. Recentemente o Governo Federal lançou uma nova política nacional, O Plano
Brasil Maior (Ministério da Ciência, Indústria e Comércio, 2011), que busca reter o parque industrial existente
no país, promover a expansão da produção nacional, incrementar o valor agregado ao produto brasileiro e
fomentar a inovação da indústria nacional em prol da competitividade no cenário internacional.
27 Ver: www.ippur.ufrj.br/observatorio
28 Amparada pelo art. 21, xx da CF/88.
29 Embora seja “evidente a importância da realização da audiência pública como o momento de consulta e
de identificação de conflitos. (...) Certamente, a fragilidade com que os debates são conduzidos, bem como a
dificuldade no fornecimento das informações, fez com que a audiência pública tenha se caracterizado apenas
como uma etapa “formal” do licenciamento ambiental, uma vez que as discussões e os questionamentos
acerca do potencial de lesividade ambiental do empreendimento são, muitas vezes, superficiais, quando não
meramente a formalização de uma fase administrativa”. (FERREIRA; AGOSTINI; SERRAGLIO, 2013, ps.364/367)
30 GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora da UNESP, 1991, p.125.
31 MAFFESOLI, M. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 2005.
32 SANTOS, B. S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo:
Cortez, 2001.
33 LEFÈVRE, C. Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações para a constituição de
novos territórios políticos. In: Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles. v.11, nº 22. Pág. 299-
317. São Paulo: EDUC, 2009.
2128
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Participação pública na
gestão metropolitana: breves
comentários ao modelo brasileiro
INTRODUÇÃO
2129
vista, especialmente, a necessidade de conferir poder à população a fim de
possibilitar efetivo controle social que, por sua vez, tem como finalidade
última a garantia do Estado Democrático de Direito.
Após apresentação de curto histórico sobre as regiões metropolitanas e
da importância da interferência popular na sua gestão, o presente trabalho
apresenta – através de um viés também histórico – a legislação aplicável
ao gerenciamento regional do espaço urbano. Destaca-se, ainda nesse
capitulo, breves críticas ao arcabouço legislativo existente, reforçando a
necessidade de aplicação das disposições do Estatuto da Cidade para fins
de gerenciamento das regiões metropolitanas – em especial no que toca
a participação pública –, e o que está sendo proposto através do Projeto
de Lei que busca criar o Estatuto das Metrópoles.
2130
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2131
faz-se necessário ressaltar que, durante esse período, pelo menos duas
questões significativas foram analisadas: (i) a definição do conceito de
interesse comum metropolitano; e (ii) o ordenamento do uso e ocupação
do solo, que ao ser incluído no referido conceito passou a ser objeto de
planejamento e normalização, como afirma Azevedo e Guia12.
Iniciado o processo de redemocratização na década de 80 a idéia de
que a importância econômica das áreas urbanas ultrapassava o âmbito
municipal e que o governo federal deveria intervir e assumir responsa-
bilidades foi relativizada. Isso porque, a elevação do município a ente da
federação – resultando em uma maior descentralização administrativa e
financeira13 – e o deslocamento da competência para instituição de regi-
ões metropolitanas para os Estados conduziu a uma descentralização da
gestão regional. Curioso notar que, durante a elaboração da constituição
nos anos de 1987/88, foram apresentadas 15 propostas de emenda ao
projeto da nova Constituição referente ao instituto metropolitano14.
No momento da transferência de competências da União para os Esta-
dos membros o país já possuía 22 regiões metropolitanas. Segundo dados
do IBGE, em 2000, tais áreas reuniam 37,5% da população do país. E, em
função da crise econômica e do processo de desconcentração industrial
vivenciado a partir da década de 80, as regiões metropolitanas passaram
a conter consideráveis núcleos de pobreza e exclusão social15. Ou seja,
foi em uma situação de forte crise econômica que os Estados receberam
mais essa incumbência, ou seja, a tarefa de gestão regional das áreas
metropolitanas de suas unidades políticas.
O cenário de crise e as disputas de poder/autonomia entre estados
e municípios produziram como resultado, em grande parte dos casos, o
enfraquecimento institucional das regiões metropolitanas. Em função das
referidas circunstâncias era pouco provável que iniciativas complexas de
cooperação interinstitucional fossem desenvolvidas. Ocorre que, hoje,
as circunstâncias são completamente diferentes. Apesar de haver uma
crise econômica que se hoje alastra pelo mundo, o Brasil encontra-se em
posição privilegiada e vem sofrendo pouco os impactos decorrentes da
2132
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2133
Rio de Janeiro, (iii) Porto do Açu, (iv) Porto de Sepetiba, (v) Região Serrana,
e (vi) Angra 3. Verifica-se através da referida lista que, apesar da atuação
da SDRA estar contida basicamente em áreas que sofrerão consideráveis
impactos decorrentes dos respectivos empreendimentos, a presença do
poder executivo estadual está concentrada em locais em que haverá ele-
vado investimento do capital privado. Destaca-se, ademais, a ausência
de uma atuação holística que compreenda toda a região metropolitana.
Se a participação dos próprios entes federativos é rarefeita, muito
menos pode ser verificado no que toca à participação pública na gestão
regional. Apesar da expressa previsão no Estatuto da Cidade, a presença
da sociedade civil no planejamento das regiões metropolitanas é quase
que inexistente. A referida afirmativa encontra amparo empírico quando,
por exemplo, verificamos os dados relativos à participação pública na
elaboração do Plano Diretor Metropolitano de Belo Horizonte (“PDMBH”),
tido como um dos mais avançados. Segundo o Sumário Executivo do
PDMBH18, todo o processo de produção do plano envolveu mais de 3.000
‘participações’19. A despeito da louvável iniciativa de inclusão da sociedade
no debate metropolitano, o número apresentado é irrisório se comparado
com a população – 5.413.627, segundo o Censo IBGE/201020 – contida
na respectiva região metropolitana. Ocorre que, a despeito das inúmeras
dificuldades associadas à participação pública, como se apresentará a
seguir, a atuação direta da sociedade é indispensável, eis que se trata de
condição essencial para manutenção da democracia em um Estado de
Direito. Assim, no que toca à gestão regional a participação pública não
pode ser negligenciada.
2134
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2135
Segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino25
2136
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2137
Como é de amplo conhecimento, seguido e fundamentado pela sobera-
nia (art. 1º, I, CFRB), assim definida por Marcelo Caetano como um poder
político supremo e independente, entendendo-se por poder supremo aquele
que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder inde-
pendente (...) está em pé de igualdade com os poderes supremos de outros
povos31, a cidadania é introduzida na CFRB como o segundo fundamento
da República Federativa do Brasil (art. 1º, II, CFRB). Em outras palavras,
após a identificação da República como poder soberano, o constituinte
sustenta essa soberania ao justificar sua origem através do povo. Segundo
Moraes, a cidadania como fundamento representa um status e apresenta-se
simultaneamente como objeto e um direito fundamental das pessoas32.
O constituinte originário foi mais prudente e, além de afirmar ser a
cidadania um dos fundamentos da República, expressamente ressaltou a
origem do poder soberano ao dizer, no parágrafo único do art. 1º que todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.
Extremo preciosismo também sequer seria necessário se o conceito de
República (moderna) for devidamente interpretado. Isto é, como forma de
oposição à monarquia, em que o chefe do Estado, que pode ser uma ou
mais pessoas, é eleito pelo povo direta ou indiretamente33. Nesse sentido,
Silva descreve em detalhe a interpretação da cidadania como fundamento
da República:
2138
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2139
Ocorre que, essa condição de ausência de participação pública não
foi uma exceção verificada durante o regime militar. Desde o início da
república, quando a legislação urbanística era verificada apenas de forma
indireta35 – principalmente em decorrência do sistema essencialmente
agrário que predominava no país à época36 – sequer era possível imaginar
disposições relacionadas à participação pública.
Essa condição de unilateralidade do Poder Público e de exclusão da
participação pública atravessaram os anos seguintes da história brasileira.
Essa afirmação fica clara ao se analisar os regramentos/políticas públicas
de caráter eminentemente urbano desenvolvidos a partir da década de
1960, como, por exemplo, através da Lei n. 4.380/64, que criou o Banco
Nacional da Habitação (BNH), as Sociedades de Crédito Imobiliário e o
Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). A referida lei de-
terminava em seu art. 1º que o Governo Federal, por meio do Ministério do
Planejamento, formulasse a política nacional de habitação e de planejamento
territorial, além de ter conferido ao SERFHAU atribuições associadas ao
desenvolvimento urbano37.
Essa idéia de controle estatal com rarefeita participação pública pode
ser verificada diretamente na legislação que versava sobre as regiões
metropolitanas. Veja, por exemplo, a já mencionada Lei Complementar
n. 14/73, que se limitou a definir (i) as unidades políticas que incluíam as
respectivas regiões criadas; (ii) a composição dos Conselhos Deliberativo e
Consultivo. Ambos os conselhos única e exclusivamente com participação
de membros do Executivo estadual e municipal – nota-se, ainda, o cará-
ter tecnocrata da legislação em vigor à época pela específica disposição
sobre a necessidade de os membros do Conselho Deliberativo possuir
reconhecida capacidade técnica ou administrativa. Essa mesma situação
verificou-se na Lei Complementar n. 20/74, que, dentre outros, criou a
Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A referida lei, além de designar
as unidades políticas que pertenciam à RM, criou um fundo contábil para
o desenvolvimento da referida região.
Assim, análise da legislação que tratava da gestão do espaço urbano
2140
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2141
regiões metropolitanas após a mudança da competência para sua criação,
jamais foi editado regramento nacional específico para gerir os espaços
urbanos sob a perspectiva regional. Nesse sentido, a norma de significativa
relevância que predomina no gerenciamento da urbe – seja do ponto de
vista regional, seja pela ótica local – é o Estatuto da Cidade, instituído por
meio da Lei n. 10.257/01. É nesse instrumento normativo que as diretri-
zes gerais da política urbana, conforme arts. 21, xx, 182 e 183 da CFRB.
O Estatuto da Cidade apresenta a expressão ordem urbanística como
um novo valor/bem a ser defendido por meio da Ação Civil Pública. Se-
gundo Machado, apesar de não haver uma definição acerca da expressão
acima, seria possível extrair do art. 1º, §1, do Estatuto uma orientação para
estabelecer seu conceito. Nesse sentido afirma o referido autor: Ordem
urbanística é o conjunto de normas de ordem pública e de interesse social que
regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança,
do equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos41. Ainda segundo Ma-
chado, a ordem urbanística seria a institucionalização do justo na cidade.
A Lei n. 10.257/01, em seu art. 2º, define postulados para guiar os legis-
ladores e administradores (estaduais e municipais) indicando as finalidades
a serem atingidas, os caminhos a serem necessariamente percorridos e os
atos que devem ser evitados. Segundo Carvalho Filho42, diretrizes gerais
da política urbana seriam o conjunto de situações urbanísticas de fato e de
direito a serem alvejadas pelo Poder Público no intuito de constituir, melhorar,
restaurar e preservar a ordem urbanística, de modo a assegurar o bem-estar
das comunidades em geral.
Dentre as diversas diretrizes gerais associadas direta e indiretamente
à participação publica (e.g. art. 2º, II, III, V, xIII, etc.) destaca-se a
2142
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2143
da participação direta) pela consecução de interesses escusos e desvinculada
do interesse da coletividade interessada.
Como rapidamente apresentado, o princípio da participação pública
permeia integralmente a principal norma nacional sobre a gestão do
espaço urbano. Assim, com base na CFRB e no Estatuto da Cidade não é
possível vislumbrar qualquer forma de planejamento e gestão de políticas
públicas urbanas – regionais e/ou locais – sem, obrigatoriamente, consi-
derar a participação pública no processo.
Por fim, a despeito de inexistir regramento específico para a gestão
regional do meio urbano, faz-se necessário mencionar a existência do
Projeto de Lei n. 3.460/04 (“PL”), que trata do Estatuto da Metrópole. Apesar
de o referido projeto ainda estar em trâmite na Câmara dos Deputados –
e o texto em discussão não ser definitivo –, breves comentários sobre a
previsão de participação pública podem ser tecidos sobre seu conteúdo.
Assim, destaca-se que a participação pública foi definida no PL como
uma das diretrizes da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano.
Entretanto, o texto atual determina os instrumentos os quais serviram
para a população acessar a participação, quais sejam: organizações e
representações comunitárias (art. 8º, V). Como a CFRB e o Estatuto da
Cidade não condicionam os meios de participação, entende-se que a
restrição genérica não teria o condão de limitar a participação às formas
sugeridas pelo legislador. Isso porque, como disposto no art. 45 do Ca-
pítulo IV do Estatuto da Cidade – que deve ser aplicado, no que couber,
conforme o art. 34 do PL – seja qual for o instrumento utilizado para
garantir a participação pública, o controle direto por parte da população
deve ser verificado.
Destaca-se, ainda, a previsão de participação na elaboração dos
planos previstos pelo PL48 através da realização de audiências públicas,
publicidade – mediante publicação e acesso de qualquer interessado aos
documentos e informações produzidos. Novamente, a enumeração apre-
sentada no art. 12, §2º, em verdade, nada mais reitera uma obrigação de
transparência do Poder Público. Excepcionando-se, talvez, a obrigação
2144
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
CONCLUSÃO
2145
sobre a gestão regional do espaço, revelam a ausência de uma percepção
uniforme por parte dos administradores públicos sobre como conduzir a
gestão do espaço metropolitano. Dessa forma, se o próprio Poder Público
não possui em seu arcabouço burocrático mecanismos uniformes para
lidar com a necessária interação entre diversos entes estatais associados
a interesses múltiplos regionais em um mesmo organismo (e.g. região
metropolitana), tampouco há que se falar em instrumentos de participação
da sociedade civil no âmbito da gestão desses espaços.
Ocorre que, como demonstrado no curso do presente trabalho, a parti-
cipação pública é requisito incondicional para a existência e manutenção
do Estado Democrático de Direito. Qualquer tentativa de impedir ou limitar
a intervenção popular nos negócios públicos – especialmente quando essa
interação for prevista pelo legislador – implica em atingir diretamente as
estruturas que suportam o Estado brasileiro. Portanto, quando condições
específicas impedirem o modelo representativo de refletir – em conside-
rável medida – as necessidades e aspirações populares, faz-se necessário
capilarizar essa relação através da utilização de instrumentos de gestão
direta (i.e., participativa) a fim possibilitar que tais reivindicações sejam
respeitadas na gestão do espaço urbano.
Especificamente sobre a participação popular na gestão do espaço
regional metropolitano, o legislador impôs – como condição para formu-
lação e operacionalização dessas áreas – a necessidade de que haja a
devida interação popular nos negócios públicos regionais. Dessa condição
– legalmente definida – é possível extrair que, ao menos da perspectiva
legislativa (e, por conseguinte, representativa), há a convicção que, para
a gestão do espaço urbano (local e regional), as ferramentas oferecidas
pelo mecanismo representativo são insuficientes para que os objetivos
da lei – nesse caso específico, do Estatuto da Cidade – sejam atingidos.
Como alternativa à tosquidão do modelo representativo, insuficiente para
preservar os interesses frágeis em conflito no meio urbano, o legislador
opta pela necessidade de intervenção popular.
Repita-se, a partir desse entendimento, há aqui expressa determi-
2146
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
2147
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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Editora Atlas,
2008
2148
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Mestrando em Direito da Cidade (UERJ), especialista em Direito Ambiental Brasileiro (PUC-Rio), bacharel em
Direito (PUC-Rio); Advogado; pedrohvasques@gmail.com
2 Experiências embrionárias de administração metropolitana foram verificadas antes mesmo da institucio-
nalização jurídica do instrumento. Como exemplo é possível citar o Grupo Executivo da Grande São Paulo
(GEGRAM) criado pelo governo estadual em 1967 e também o Grupo Executivo da Região Metropolitana em
Porto Alegre, órgão técnico criado pelo Conselho Metropolitano de Municípios por volta de 1970 (ver: ARAÚJO
FILHO, Valdemar Ferreira de. O contexto político-institucional da criação das regiões metropolitanas no Brasil.
In: CARDOSO, Elizabeth Dezouzart; ZVEIBEL, Vicotr Zular (orgs.). Gestão metropolitana: experiências e novas
perspectivas. Rio de Janeiro, IBAM, 1996. p. 53).
3 GARSON, Sol. Regiões metropolitanas: por que não cooperam? Rio de Janeiro: Letra Capital; Observatório das
metrópoles; Belo Horizonte, MG: PUC, 2009. p. 99.
4 O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), implementado durante o governo Médici (1969-74) foi o
primeiro a introduzir as idéias “espacial”, “regional” e “urbano”.
5 Art. 157, § 10 - A União, mediante lei complementar, poderá estabelecer regiões metropolitanas, constituídas
por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade
sócio-econômica, visando à realização de serviços de interesse comum (teve sua redação alterada pela EC n.
1969, passando a figurar como art. 164).
6 A Lei Complementar n. 14/73 estabeleceu as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto
Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza.
7 Art. 6º - Os Municípios da região metropolitana, que participarem da execução do planejamento integrado
e dos serviços comuns, terão preferência na obtenção de recursos federais e estaduais, inclusive sob a forma
de financiamentos, bem como de garantias para empréstimos. (A inconstitucionalidade menciona envolve o
comprometimento de recursos estaduais em função de lei federal).
8 Art. 5º - Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns aos Municípios que integram
a região: (...) I - planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; (A contradição identificada
reside no fato de que, apesar de o art. 5º tratar o planejamento integrado como serviço comum o art. 6º o trata
de forma independente, descaracterizando a classificação apresentada pelo artigo anterior).
9 GRAU, Roberto Eros. Regiões metropolitanas: Uma necessária revisão de concepções. In: Revista dos Tribunais,
n. 521. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1979. p. 11-34.
10 GARSON, Op. cit., p. 99.
11 Cumpre destacar que, apesar da institucionalização das regiões metropolitanas haver sido iniciada por
meio de um elevado grau de centralidade, essa demanda – por uma gestão metropolitana –, antes da edição
das leis complementares, também emergia de questões suscitadas pela sociedade civil, como, por exemplo,
como afirma ARAÚJO FILHO, quando, em 1963, da realização do Seminário de Habitação e Reforma Urbana
promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores
do Estado (IPASE) (ver: ARAÚJO FILHO, Op. cit., p. 54).
12 AZEVEDO, Sérgio de; GUIA, Virgínia Rennó dos Mares. A questão metropolitana no processo da reforma do
Estado no Brasil. Disponível em: <http://crab.rutgers.edu/~goertzel/sergio.doc> (último acesso em 05.10.12).
13 SANTOS, Angela Moulin S. Penalva. Município, Descentralização e Território. Rio de Janeiro: Editra Forense,
2008. p. 209-215.
2149
14 GOUVêA. Ronaldo Guimarães. A questão metropolitana no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. p. 99.
15 GOUVêA, Op. cit. p. 97-98.
16 GOUVêA, Op. cit. p. 97-98
17 Interessante destacar que o Projeto de Lei n. 3.460/04, que cria o Estatuto das Metrópoles, se preocupou
em fazer essa diferenciação até então desconsiderada pela legislação nacional brasileira. Alguns estados,
entretanto, criaram – sem muita sistematização – critérios para as categorias apresentadas pelo legislador
constitucional, como, por exemplo, no caso do Estado de Minas Gerais, que definiu critérios para aglomeração
urbana e o Estado de São Paulo que de forma mais precisa conceitua cada uma das possibilidades elencadas
na Constituição.
18 Disponível em <http://www.rmbh.org.br/index.php?option=com_docman&Itemid=30> (último acesso
em 25.10.12)
19 A participação foi verificada na seguinte forma: 610 organismos e/ou entidades, sendo 61 do Poder Público
Estadual, 241 do Poder Público Municipal e 308 da Sociedade Civil organizada.
20 Disponível em <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1> (último acesso em 25.10.12)
21 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7ª ed. Lisboa:
Almedina, p. 87.
22 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 05.
23 Sobre o princípio democrático, interessante destacar a definição de democracia de Schmitt: As a state
form as well as governmental or legislative form, democracy is the identity of ruler and ruled, governing and
governed, commander and follower (SCHMITT, Carl. Constitutional Theory. North Carolina: Duke University
Press, 2008. p. 264).
24 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Editora Malheiros,
2006. p. 136-142.
25 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 2. 5ª ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. p. 889.
26 Outras formas de participação direta são asseguradas ao longo do texto constitucional, como, por exemplo:
arts.10, 11, 194, VII, 206, VI, 216, §1º, etc.
27 AVRITZER, Leonardo. Sociedade Civil e Participação Social no Brasil. <http://www.democracia-
participativa.org/files/AvritzerSociedadeCivilParticipacaoBrasil.pdf> (acessado pela última vez em 01.08.12)
28 AVRITZER, Leonardo. Reforma política e participação no Brasil. In: AVRITZER, Leonardo; ANASTASIA,
Fátima (org). Reforma política no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2006. p. 35-42
29 A própria autora esclarece que o conceito de sociedade civil por ela utilizado no trabalho em referência
corresponde ao esquema tripartite adotado por Jürgen Habermas e discípulos (e.g. Jean Cohen e Andew Arato),
em que se distingue a sociedade civil tanto do mercado quanto do Estado.
30 LEYDET, Dominique. Crise de representação: o modelo republicano em questão. In: Retorno ao republi-
canismo. CARDOSO, Sérgio. (org.) Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004. p. 67-92.
31 CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1987. p. 169.
32 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. p. 21.
33 BOBBIO, Norberto. MATTEUCCI, Nicola. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Vol. 2. 5ª ed.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. p. 1107.
34 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo: Editora Malheiros,
2006. p. 104-105.
35 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros,
2008. p. 54-55.
36 PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 4ª ed., 7ª reimp. São Paulo: Brasiliense,
2004. p. 130-168.
PRADO JUNIOR, Caio. história Econômica do Brasil. 45ª reimp. São Paulo: Editora Brasiliense, 1998. p.
225-256.
37 SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Malheiros,
2008. p. 56-57.
38 FREITAG, Barbara. Teorias da Cidade. 4ª ed. Campinas: Editora Papirus, 2006. p. 125-149.
39 A CFRB, por sua vez, conferiu considerável atenção à matéria urbanística/ambiental ao longo de seu texto
(arts. 21, xx; 23, III, IV, VI e VII; 24, VII e VIII; 182; e 225, etc.).
40 Como intermediário nessa situação encontra-se os Estados (art. 24, I, CFRB) que, concorrentemente, pos-
suem a competência constitucional para legislar sobre direito urbanístico.
41 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed., rev. atual. e ampl. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 376-377.
42 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 3ª ed., rev. atual. e ampl. Rio
de Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 20-21.
43 Segundo CARVALHO FILHO, a participação da coletividade seria classificada como uma diretriz social, ou
2150
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
seja, que visa proporcionar algum tipo de benefício direto à coletividade, individual ou coletivamente, ou que
admitem a participação da comunidade no processo de urbanização (CARVALHO FILHO, José dos Santos. p. 23).
44 Importante notar que o caput do art. 4º, que define os instrumentos, não é taxativa, permitindo ao legislador
e/ou administrador municipal vislumbrar outras ferramentas para a gestão da cidade.
45 Deve-se destacar o EIA e o EIV como exemplos de instrumentos que contemplam a participação pública,
pois há em seu processo de elaboração momento específico e obrigatório em que deve haver participação da
sociedade civil (em audiência pública, ou na fase de comentários públicos aos estudos).
46 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da cidade comentado. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 126-127.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 3ª ed., rev. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 37-38.
47 BONIZZATO, Luigi. O advento do Estatuto da Cidade e conseqüências fáticas em âmbito da pro-
priedade, vizinhança e sociedade participativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 168.
48 O art. 10 do PL prevê a elaboração de (i) planos nacional, regionais e setoriais urbanos de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social; (ii) planos de regiões integradas de desenvolvimento
(RIDEs) nas formas de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; (iii) planos de regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; e (iv) planos municipais.
49 KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. Tradução: VALENZUELA, Sandra
Trabucco. São Paulo: Cortez Editora, 2001. p. 39-41.
50 ARNSTEIN, Sherry R. A Ladder of Citizen Participation. In: Journal of the American Institute of Plan-
ners, Vol. 35, n. 4, July, 1969. p. 216-224.
2151
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
2153
A Constituição Federal, desde 1988, já definia como de competência da
União a instituição de “diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos”3, além de estabelecer
como objetivo da política de desenvolvimento urbano “ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar
de seus habitantes”4.
De acordo com o Comunicado do Instituto de Pesquisa Econômica Apli-
cada (IPEA) nº 128, de janeiro de 20125, nos anos que seguiram a entrada
em vigor da atual constituição, alguns projetos de lei foram propostos sobre
o tema “transporte coletivo”, os PLs 4.203/1989, 870/1991, 1.777/1991
e 2.594/1992. Todos os quatro, entretanto, foram arquivados em 1995.
No mesmo ano, foi elaborado o projeto que deu origem à Lei
12.587/2012: o PL 694/1995 de autoria do deputado Alberto Goldman, que
seguiu proposta da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) e
dispunha somente sobre diretrizes nacionais do transporte coletivo urbano.
Em seguida, também foram elaborados e apensados ao projeto inicial o
PL 1.974/1996 de autoria do deputado Chico da Princesa, dispondo sobre
a prestação de serviços de transporte rodoviário coletivo de passageiros
e o PL 2.234/1999, que dispunha sobre “sistema integrado de transporte
coletivo urbano” e foi de autoria do deputado Sérgio Carvalho.
Os projetos de lei seguiram trâmite na Câmara dos Deputados e, no
ano de 2003, foi instituída, na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial
de Transporte Coletivo Urbano para avaliar o PL 694. Também em 2003,
foi criado o Ministério das Cidades. No âmbito deste, iniciou-se discussão
acerca de uma proposta mais abrangente que resultou no PL 1.687/2007
de autoria do Poder Executivo. Sua ementa lia “institui as diretrizes da
política de mobilidade urbana e dá outras providências”, ampliando a
discussão até então existente.
Também segundo o comunicado do IPEA, o interesse do Poder Execu-
tivo decorreu da ausência do conceito de mobilidade urbana do Estatuto
das Cidades (Lei Federal 10.257/2001), o que justificou a necessidade de
uma política autônoma que fosse além do tema de transportes urbanos
proposto pelo PL 694/1995.
2154
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2155
3.1 Tendência pela Valorização do Transporte
Público em Detrimento do Transporte Privado
2156
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2157
II – novos empreendimentos imobiliários residenciais multifami-
liares, verticais e horizontais, devem ter, no máximo, uma vaga
de estacionamento com 25 m² (vinte e cinco metros quadrados)
para cada unidade residencial autônoma;
III – os novos empreendimentos imobiliários residenciais mul-
tifamiliares, verticais e horizontais, ou de uso misto deverão
obedecer a uma cota máxima de terreno por unidade habitacional
entre 25 m² (vinte e cinco metros quadrados) e 35 m² (trinta e
cinco metros quadrados) (...)”
2158
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2159
A partir dessas constatações, torna-se necessário exigir a adequação
dessas legislações municipais – e de outras que sigam os mesmos parâ-
metros relativos a vagas de garagem – uma vez que são ilegais perante
as diretrizes da Lei Federal de Política Nacional de Mobilidade Urbana.
A discussão já está começando na revisão do plano diretor de são
Paulo, que prevê justamente a diminuição das vagas de garagem. É de se
esperar, no entanto, que a discussão enfrentará críticas, principalmente
do setor imobiliário que perderá a “regalia” das vagas de garagem, uma
vez que agregam valor aos imóveis. Não obstante, as exigências devem
ser atendida tendo em vista que, como demonstrado, a grande oferta de
vagas de garagem desestimula o uso do transporte público e piorando
as condições de mobilidade urbana e, consequentemente, impedindo o
desenvolvimento da cidade.
2160
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2161
3.1.2.1 Redução de IPI de Veículos Automotores
2162
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 CONCLUSÃO
2163
Assim sendo, entendemos que a política de mobilidade urbana encon-
tra-se traçada a nível nacional, restando ao poder local a disseminação
dos conceitos propostos, bem como estabelecer medidas concretas para
a efetivação desta política.
Por outro lado, para que se dê efetivação à política de mobilidade urba-
na, falta ao poder público estabelecer medidas concretas de planejamento
urbano, projetos e ações específicas, como a realização de intervenções e
ações de fiscalização e não a elaboração de mais uma lei genérica, ainda
que bem intencionada.
A prática municipal de se incentivar a ocupação do solo de forma a
privilegiar e estimular o transporte privado, além da edição de Planos Mu-
nicipais de Mobilidade genéricos, em nada contribuem para a efetivação
da política de mobilidade urbana, mas tão somente para registrar uma
intenção e para complicar ainda mais o arcabouço legislativo urbanístico,
porque desvinculada e independente do processo de planejamento urbano
como um todo.
Da mesma forma, o poder executivo federal deve orientar as demais
políticas de Estado na mesma direção dos pressupostos da mobilidade
urbana, uma vez que podem influenciar sua concretização. Caso contrário,
a implementação das diretrizes da Lei 12.587, ao colidir com a adoção de
incentivos de outra natureza, fica comprometida, como é o caso da redu-
ção de IPI fomentando o mercado de veículos para o transporte privado.
Dessa forma, a mobilidade urbana, calcada nos princípios e diretrizes
da Lei 12.587, apenas será alcançada quando se tornar uma prioridade
para os entes da federação, a começar pelo cumprimento do art. 6º, II:
“prioridade dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte
individual motorizado”.
É indiscutível que a Política Nacional de Mobilidade Urbana, devido
ao fato de ser muito recente, não será implementada em curto prazo.
Além da necessidade de investimentos em infraestrutura de transporte, é
primordial que se faça uma revisão das políticas públicas atualmente em
vigor para que possam se orientar em direção à melhoria das condições
2164
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
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WHYTE, William H. The Social Life of Small Urban Spaces: project for public spaces.
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NOTAS
1 Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Membro do Grupo de Estudos
Indisciplinar da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG. Consultor jurídico. E-mail: arthurnp@gmail.com.
2 Graduada em Direito pela UFMG. Advogada. E-mail: jumafia04@gmail.com.
3 Art. 21, xx.
4 Art. 182, caput.
5 Disponível em: <http://www.opp.ufc.br/urbano03.PDF>. Acesso em 30 de Agosto de 2013.
6 Disponível em <http://observatoriodasmetropoles.net/download/relatorio_automotos.pdf>. Acesso em 30
de Agosto de 2013.
7 Direito urbanístico brasileiro. 4. ed. Malheiros: São Paulo, 2006.
8 Expressão definida, pelo Anexo I – Glossário da Lei Municipal 7.166/1996, como “coeficiente que, multiplicado
pela área do lote, determina a área líquida edificada, admitida no terreno”. Na legislação de outros munícipios, a
expressão pode ser substituída por “índice de aproveitamento”, como é o caso do Plano Diretor de Porto Alegre.
9 Disponível em <http://www.gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/arquivos/Minuta_Revisao_PDE.pdf>. Acesso
em 31 de Agosto de 2013.
10 Disponível em: <http://www.portoalegre.rs.gov.br/planeja/spm/3c2.htm>. Acesso em 31 de Agosto de 2013.
11 Pagamentos por Serviços Ambientais: sustentabilidade e disciplina jurídica. São Paulo: Atlas, 2012.
12 Uma visão da mobilidade sustentável. Revista dos Transportes Públicos, v. 2, p. 99-106, 2006.
13 Disponível em: <http://www.en.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_1512.pdf>. Acesso em
31 de Agosto de 2013.
14 O Papel da Redução do IPI no Combate aos Efeitos da Crise Econômica Mundial no Brasil. Boletim Jurídico:
11/02/2011. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=2179
15 A economia verde deve ser considerada a economia “que resulta em melhoria do bem-estar humano e
igualdade social, ao mesmo tempo que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica”, con-
forme conceito dado pelo Programa das Nações Unidas de Meio Ambiente. Para muitos, como Leonardo Boff,
trata-se de uma terminologia que em nada difere de “desenvolvimento sustentável”, mas que veio substitui-lo
em razão de seu desgaste.
16 Revista Política Ambiental. Ano VI, v.8, p. 197-207, junho de 2011.
2166
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2167
e estão divididas em duas etapas. Estão em andamento, nesta primeira
etapa, intervenções urbanísticas pontuais em onze frentes de obras. Na
segunda etapa da obra, está prevista a execução de toda a urbanização
das áreas ocupadas, abertura da Via Perimetral, canalização do córrego
Antonico, construção de unidades habitacionais, recuperação das áreas
de risco nos setores Grotão e Grotinho, pavimentação, drenagem e im-
plantação de rede de água e esgoto em parceria com a Sabesp.
Além das obras descritas, que têm por objetivo a melhoria da quali-
dade habitacional da área, dotando-a de infra-estrutura básica, de forma
a permitir a inserção na malha urbana, será viabilizada a regularização
fundiária, para inseri-la no contexto legal da cidade.
Paraisópolis abriga 55.590 pessoas em 17.730 domicílios, e está locali-
zada no Distrito de Vila Andrade, região do Morumbi. Nela atuam organi-
zações não governamentais desenvolvendo diversos projetos sociais, além
de 3 unidades municipais de saúde e 9 unidades governamentais de ensino.
A renda média de 87,6% dos chefes de família do Projeto Paraisópolis
é de 3 salários mínimos. No município de São Paulo 40% dos chefes de
família ganham até 3 salários mínimos e no distrito de Vila Andrade 24%
ganham até 3 salários mínimos, segundo dados de SEMPLA – Secretaria
Municipal de Planejamento do Município de São Paulo. Dados do cadastro
realizado com as famílias em 2004 e 2005 apontam que 20% das famílias
de Paraisópolis vivem abaixo da linha de pobreza. De acordo com o Cen-
so 2000, o salário médio do chefe de família do Morumbi é 47 salários
mínimos, caracterizando o enorme contraste. A densidade demográfica
é de 69,15 população/hectare na cidade de São Paulo, 71,50 em Vila An-
drade e em Paraisópolis 590,43 segundo dados da Secretaria Municipal
de Habitação do Município de São Paulo. O número médio de pessoas por
família em Paraisópolis é de 3,41, sendo que 53,73% do total de famílias
ocupam domicílios com até 03 cômodos.
Isto demonstra o contraste de Paraisópolis no distrito em que se insere,
tanto na sua alta densidade como na vulnerabilidade social destas famílias
que ocupam muitas áreas de risco e insalubres, revelando a desigualdade
social existente não só em Paraisópolis, mas na sociedade brasileira.
2168
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2169
salubridade e de saúde da população; ampliação do comprometimento
da população na conservação das melhorias físicas conquistadas com o
fortalecimento da organização comunitária; e combate sistemático à ocu-
pação irregular de áreas protegidas. Trata-se de intervenções que implicam
ganhos significativos para a população destas áreas, bem como para o
conjunto da cidade, dado que estas moradias contribuem diretamente
com esgotos, resíduos sólidos e erosão.
A grande maioria da população que reside no local deverá ser mantida
(cerca de 90%), com o benefício da infra-estrutura básica e de serviços
públicos, bem como regularização fundiária de sua ocupação. A popula-
ção diretamente afetada pela execução das obras e eliminação de áreas
de risco terá seu atendimento habitacional assegurado em local próximo
ou dentro do perímetro de intervenção. Foram disponibilizadas também,
através de convênio, cartas de crédito para os cadastrados pelo programa.
Após realizadas as intervenções urbanísticas internas às quadras,
estas serão objeto de regularização fundiária e equacionamento das
diversas situações de posse e propriedade. A maioria dos moradores do
Projeto Paraisópolis não possui qualquer tipo de assistência jurídica, nem
tampouco condições financeiras para patrocinar a defesa de seus direitos
possessórios, o que se pretende também equacionar com o Programa. O
Programa Paraisópolis trabalha em duas linhas paralelas de ação: regu-
larização fundiária e regularização urbanística.
A equipe técnica que hoje atua na Secretaria Municipal de Habitação
da Prefeitura do Município de São Paulo é constituída por profissionais
das áreas de serviço social, arquitetura e engenharia, com experiência
acumulada em assentamentos precários. Os trabalhos realizados em ur-
banizações de favelas da represa Guarapiranga serviram como base para a
elaboração da metodologia de trabalho hoje desenvolvida em Paraisópolis.
2170
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2171
encontrar alternativas ao transporte individual motorizado, que apontem
opções à tendência a transformar São Paulo em uma grande autopista,
e se re-apropriem do espaço pedestre da cidade, fazendo-o mais seguro,
acessível, democrático e humano.
Os projetos de caminho escolar são iniciativas que são desenvolvidas
em países de todo o mundo, como EEUU, Canadá, Austrália e países da
Europa, porém ainda não foram plenamente implantados no Brasil, e
são dirigidos para que as crianças possam se mover com segurança e
autonomia pelas ruas e recuperem seu uso e desfrute do espaço público.
O caminho escolar tem uma vertente educativa, mas é a sociedade e
a cidade no seu conjunto (áreas de gestão local, projeto, habitabilidade,
segurança, mobilidade, médio ambiente, saúde e esporte...) quem deve
criar as condições para que os cidadãos de todas as idades possam viver
num meio inclusivo. A Lei nº 12.587 reforça no seu Art.182 (“A política de
desenvolvimento urbano, executada pelo Poder público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvi-
mento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”)
a legitimidade do projeto.
Um dos grupos demográficos mais afetados pelos hábitos de mobili-
dade atuais na cidade são as crianças, que dependem dos adultos para
se locomover. Muitas vezes, acomodados nos bancos traseiros do carro
e pressionados pela correria do dia a dia, as crianças não conseguem
elaborar este mapa mental que lhes faz dar sentido a seu meio e criar
relações de um lugar com outro. O conhecimento e a apropriação do es-
paço em que vivemos proporcionam-nos pontos de referência e sentido
de pertencimento.
Este tipo de privação do espaço não é um tema insignificante ou que
possa ser negligenciado, está vinculado à perda de autoestima e de segu-
rança. A consciência cívica, ou sua ausência, está estritamente vinculada
com esta experiência temporã do coletivo, coletivo que é mais suscetível
às mudanças de hábito, e atua também como difusor dos costumes ad-
quiridos, aumentando a eficiência de programas educativos junto aos pais
e ao resto da sociedade.
2172
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
4 METODOLOGIA6
I. Desenho:
1. Conhecimentos gerais de Projetos de Caminhos Escolares 2. Identifi-
cação dos equipamentos existentes no âmbito educacional de Paraisópolis
3. Preparação de um plano de intervenção 4. Preparação da instrumen-
tação e metodologia de pesquisa escolar 5. Projeto de indicadores de
acompanhamento e avaliação
II. Implementação do projeto-piloto:
1. Ações preliminares - seleção de escolas para o projeto-piloto - apre-
sentação do projeto para as autoridades da escola e as principais partes
interessadas activas na comunidade - aplicação da pesquisa escolar
- processamento e análise dos dados coletados
2. Divulgação do projeto na comunidade - apresentação do projecto
e os resultados da pesquisa - desenvolvimento e distribuição de material
de informação
3. Planejamento das primeiras iniciativas em conjunto com os
professores e outros membros da comunidade educativa - elaboração
de um catálogo de actividades - desenho de actividades específicas,
juntamente com os professores, com base no diálogo entre o currículo
escolar e as necessidades dos alunos - realizar atividades educativas
para os alunos - adaptação das obras de urbanização as necessidades
do caminho escolar
2173
5 RESULTADOS DO TRABALhO EM ANDAMENTO
2174
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2175
REFERÊNCIAS
2176
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
NOTAS
1 Arquiteta Urbanista. Técnica em HABI, Secretaria de Habitação, Prefeitura Municipal de São Paulo..
Email: parahabi@gmail.com
2 Relatório elaborado por HABI-SMSP para a participação no Congresso Internacional das Cidades Educadoras,
São Paulo, 2008.
3 Relatório da Obra de Urbanização do Paraisópolis, HABI-SMSP (2011)
4 David Harvey, “Direito à cidade”. Fórum Nacional de Reforma Urbana, 2013, São Paulo.
5ROMÁN RIVAS, Marta; SALÍS CANOSA, Isabel. Camino escolar. Pasos hacia la autonomía infantil. Madrid:
Ministério de Fomento, 2010. P.23
6 Metologia desenvolvida pela equipe de HABI – SMSP (2011)
7 ROMÁN RIVAS, Marta; SALÍS CANOSA, Isabel, op.Cit P 159
8 ANTE-PROJETO DE LEI, Institui as diretrizes da política de mobilidade
urbana e dá outras providências , 6 /07/ 2006, Art. 4º, Inciso x
2177
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
2179
Dentre as funções da cidade, que integram a referida política de
desenvolvimento urbano, encontra-se a circulação e o transporte que
hoje se denomina mobilidade urbana em razão de uma maior abran-
gência conceitual.
Diante disso, para regular especificamente, essa função social da cidade
foi editada recentemente a Lei 12.587/12, sendo o marco regulatório que
define as regras gerais acerca da mobilidade urbana. A sua gêneses se
encontra também na política de desenvolvimento urbano na medida em
que esta norma regulamenta a circulação que, por sua vez, é uma das
funções sociais da cidade sustentável conforme previsão contida no art.
2º, inciso I, do Estatuto da Cidade.
A Lei Federal de Mobilidade Urbana traz também seus princípios, dire-
trizes, objetivos e instrumentos para implementação de políticas públicas
relacionadas à circulação e ao transporte. Destaca-se para o presente tra-
balho três aspectos normativos da lei em foco: (i) uma gestão democrática
e de controle social para o planejamento e avalição dessa política, além de
impor o Plano de Mobilidade Urbana para os municípios e consolidação da
gestão democrática – art. 5º, V; art. 21 e seguintes e art 7º, V, respectiva-
mente ; (ii) a integração da política nacional de mobilidade urbana com as
demais funções da cidade - art. 6º, I; (iii) o desenvolvimento sustentável
das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais, a mitigação
dos custos ambientais, a promoção do desenvolvimento sustentável com
mitigação dos danos ambientais e socioeconômicos dos deslocamento de
pessoas e carga - art. 5º, II; art. 6º, IV; art. 7º, V, nessa ordem.
As duas primeiras premissas norteiam a primeira parte do presente
trabalho no sentido de afirmar o planejamento participativo e integrado
como essência para a implementação das políticas de desenvolvimento
urbano e, especificamente, as política de mobilidade urbana. A terceira
será tratada a seguir, partindo de uma análise que a construção do pla-
nejamento participativo e integrado das políticas públicas que definem
uma cidade deve passar pelo seu caráter de sustentabilidade, com foco
numa visão desse conceito a partir da própria cidade como um todo e da
2180
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2181
puramente estratégica. No decorrer do tempo, em diversas experiências
governamentais brasileiras, este instituto foi utilizado, ora para induzir
a industrialização, ora para um novo formato de Administração Pública,
ora como instrumento puramente tecnocrata e aliado a um certo elitismo
e de dominação, ora como estático e estratégico apenas, e, por fim, como
um modelo de governança participativa3.
Este último episódio da conceituação de planejamento foi trazido pela
Constituição da República de 1988, que trouxe novas dimensões para o
Estado de Direito, firmando-o como necessário para a implementação de
direitos e dando-lhe ainda o caráter de Democrático, o que impulsionou
uma nova relação de poder, de organização social e de estrutura do direito.
Assim, o planejamento não foi esquecido neste novo contexto consti-
tucional, não se resumindo apenas como um meio para se programar as
ações governamentais no que concerne aos recursos públicos a serem
gastos. Muito além disso, a Constituição da República de 1988 apresentou
o planejamento como instrumento procedimental para a concretização
de políticas públicas que garantem, por sua vez, a concretização de
direitos fundamentais.
A título de exemplo pode-se extrair alguns dispositivos constitucionais
que fazem menção explicita ou implícita ao planejamento, se destacando
ao final o art. 182 e seu parágrafo 1º, sobre os quais nos deteremos com
maior atenção no presente trabalho: educação (Artigo 208; 212, §3o; 214;
30, VI);cultura (215, §3o; 216, §6o); habitação e saneamento básico (23,
Ix); reforma agrária (184, §4o); transporte (Artigo 208, VII); saúde (Artigo
227, §1o); assistência ao deficiente (Artigo 227, §1o, II); idoso (230, §1o) e
fundo de erradicação a pobreza (Artigo 79 do Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias – ADCT), art. 182, parágrafo 1º, (Plano Diretor).
O planejamento, então, dá um salto com relação a seu reconheci-
mento como um instrumento/fim para garantir direitos fundamentais
através de implementações de políticas públicas, definindo princípios,
diretrizes, objetivos.
2182
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2183
E mais, essa coletividade igualitária na construção do planejamento
poderá conceituar os princípios, diretrizes e objetivos para uma de-
terminada ação da Administração, dando a definição deles diante das
próprias necessidades, sejam históricas, culturais, econômicas, sociais,
ambientais, territoriais: “Em última análise, o conteúdo normativo surge
da própria estrutura das ações comunicativas. Essas descrições do pro-
cesso democrático preparam o terreno para diferentes conceitualizações
de Estado e sociedade.”7.
E neste ponto, a Teoria Discursiva se fundamente no procedimentalismo.
Dessa concepção não fogem as políticas públicas urbanas, sendo que
estas são aquelas que se relacionam intrinsicamente com a cidade dando-
-se as devida função social (art. 182, Constituição da República de 1988).
O planejamento urbano, que, noutras palavras, se assenta em todas
as funções sociais da cidade - habitação/moradia, circulação/transporte/
mobilidade urbana, lazer e trabalho -, deve se fundamentar num planeja-
mento que seja de fato participativo, para garantir a cidade democrática –
art. 2º, II, da Lei 10.257/01. Especificamente, no que se refere à mobilidade
urbana esses mesmo procedimentalismo é garantido - art. 5º, V; art. 21 e
seguintes e art 7º, V, da Lei de Mobilidade Urbana.
Portanto, as políticas de desenvolvimento urbano devem ser construí-
das para o bem estar de seus habitantes e somente esses poderão melhor
definir os instrumentos que irão concretizar os princípios, diretrizes e
objetivos dessa política, pois são eles que têm a condição necessária para
apresentarem e representarem o seu entendimento acerca do que seja
o seu bem estar, é nisto que o Estatuto da Cidade se forma, sendo essa
norma condutora de todas as outras que versem sobre o meio urbano:
2184
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2185
públicas das demais funções da cidade. Essa ideia se torna imperiosa
na medida em que todas essas funções se integram no mundo da vida,
na realidade que se apresenta no meio urbano. A construção de plane-
jamento integrado das funções da cidade é uma condição que se torna
imperiosa para garantir tanto a eficiência estatal quanto para que as ações
governamentais, chanceladas pela sociedade através de sua participação
social, possam considerar a cidade como um ambiente igualitário e per-
tencente a todos, já que cada um irá exercer toda a vivência urbana na
sua plenitude. É nesse sentido que se apresento o art. 6º, inciso I, da Lei
de Mobilidade Urbana.
Para tanto, o planejamento integrado será o veículo e o cerne da par-
ticipação social, que visa, no caso da cidade, a conceituação de políticas
públicas traçadas pela própria sociedade, que por sua vez, será a destina-
tária da norma, construindo em conjunto com o Estado, por meio de um
pacto, ou mesmo uma aliança, uma cidade mais sustentável e humana,
tudo, por fim, tendo como norte a concretização de direitos fundamentais
que se apresentam na vida urbana.
A construção de políticas públicas sobre a mobilidade urbana, como
uma das funções sociais da cidade sustentável, adjetivo que também se
aplica a ela, não foge dessa condição de participação social, cabendo aos
agentes do direito estarem aliados para garantir a cidade neste viés de
sustentabilidade, inclusive, de forma solidária.
2186
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2187
previsto no próprio sentido do Estatuto da Cidade e como se apresenta
a garantia constitucional de um meio ambiente equilibrado para todos.
Como uma das funções social da cidade, a mobilidade urbana somente
atenderá a essa função quando as políticas públicas a eles pertinentes
assegurarem a sustentabilidade, bem como o direito de ir e vir, constitu-
cionalmente garantido.
Neste contexto, o planejamento de mobilidade urbana, além de parti-
cipativo e integrado, deve ser também de natureza sustentável.
A Lei Federal no. 12.587/2012 deu continuidade à fixação das dire-
trizes para o desenvolvimento urbano, instituindo a Política Nacional de
Mobilidade Urbana, que também adotou o princípio da sustentabilidade.
Assim, apresenta como princípio dessa política o desenvolvimento sus-
tentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientas (art 5º,
II); como diretriz mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos
dos deslocamentos de pessoas a cargas na cidade (art. 6º, IV) e; como
objetivo promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos
custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e
cargas nas cidades (art. 7º, IV).
Ainda que pareça repetitivo o quanto a norma geral de política de mo-
bilidade faça menção em três níveis – princípios, diretrizes e objetivos – há
que se considerar que o fenômeno da circulação/transporte tem impacto
em toda a vida do cidadão urbano, atingindo tanto o meio ambiente, bem
como a sua vida pessoal ou mesmo física/mental.
O Ministério das Cidades aponta que são dois os impactos dos meios de
transporte no meio ambiente: “o direto, em razão da poluição atmosférica
e sonora e na utilização de fontes de energia não renováveis; e o indireto,
na incidência de acidentes de trânsito e na saturação da circulação urbana
(congestionamento)”16.
Em um primeiro aspecto o planejamento da mobilidade urbana no que
toca à sustentabilidade baseia-se primeiramente na questão ambiental.
É nesse sentido que se assenta a maioria dos autores que já visualizam
apenas o efeito direto reconhecido pelo órgão governamental.
2188
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
Mas essa ótica não pode ser compreendida apenas sobre a prevenção
mediante meios de transporte que seja apenas ecologicamente correto.
O efeito indireto também é necessário para que se possa ter de fato uma
mobilidade urbana sustentável.
Geraldo Spagno cita Renato Boreato17 que define a mobilidade ur-
bana sustentável:
E completa:
2189
Liane Nunes Born18 destaca que a ausência de uma política nacional
integrada, principalmente entre a função da social da cidade de mobilidade
urbana e as demais traz inúmeras externalidades negativas:
2190
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2191
Trata-se de um instrumento de gestão de demanda de tráfego utilizada
para contornar o trânsito intenso, que se dá por meio do uso compartilhado
do carro, reduzindo, assim, o número de carros na rua.
Com a carona solidária, há uma maior taxa de ocupação de veí-
culos particulares, o que permite reduzir o tráfego, contribuindo para
melhorar a mobilidade urbana e consequentemente torna as cidades
mais sustentáveis.
Sendo assim, com o intuito de aliviar os problemas crônicos do conges-
tionamento viário, o que por si também afeta a sustentabilidade de uma
cidade, a carona solidária ou carpooling, como é denominada em inglês,
é altamente incentivada nos Estados Unidos, Canadá e vários países da
União Europeia21.
A Lei de Mobilidade Urbana tem como finalidade garantir o direito
constitucional de ir e vir de forma livre, acessível e pública, tendo como
objetivo melhorar a acessibilidade e mobilidade de pessoas.
O que se pode auferir é que a Lei 12.587/12 tem em seu conteúdo uma
ideia de que o transporte é de fato uma res publica – uma “coisa pública” – o
que deve ser revelado através de um espírito solidário entre os habitantes
de uma mesma cidade que almejam o seu bem-estar no ambiente urbano.
Não obstante, a Política Nacional de Mobilidade Urbana não prevê a
Carona Solidária, que é uma solução simples e econômica.
Com a finalidade de garantir o direito fundamental de ir e vir através
da solidariedade da população, é que se pretende implementar uma
política pública que incentive essa solidariedade nos meios de trans-
portes particulares.
Este tipo de instrumento de política pública só é possível com a par-
ticipação da sociedade, tanto na construção desse instrumento através
de sua participação no planejamento de mobilidade urbana elaborado
de forma integrada, como na sua coparticipação para se ter uma cidade
sustentável, que passa a entender que o problema da mobilidade urbana
só pode ser resolvido com a sua coparticipação.
Como modelo pode-se citar aquele adotado na França. Lá há uma
2192
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2193
No Brasil, a Carona Solidária é classificada como um tipo de transpor-
te desinteressado, o que importa dizer que aquele que o faz não extrai
vantagem econômica, isto porque dividir os custos com o combustível
não é lucro.
Dessa forma, ao dividir os custos com o combustível, este tipo de
transporte não perde a condição de transporte desinteressado. Diante
deste fato, o que se pode dizer é que, visto que a ordem econômica fica
diluída face à dimensão social, este tipo de transporte é colocado em uma
categoria diferenciada de transporte coletivo.
Todavia, o incentivo à carona solidária esbarra nos entraves da pró-
pria legislação brasileira, na medida em que entende que o condutor que
conduz gratuitamente o passageiro responde objetiva e solidariamente.
Esta é a orientação que prevalece na jurisprudência, consagrada na Sú-
mula no. 145 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que assim estabelece:
“no transporte desinteressado, de simples cortesia, o transportador só
será civilmente responsável por danos causados ao transportado quando
incorrer em dolo ou culpa grave”24.
Nesse contexto, o STJ, encarregado de uniformizar a aplicação das leis,
tratou a responsabilidade civil do transportador como objetiva e solidária,
no sentido de que aquele que cria o risco deve responder por suas conse-
quências. Segundo as lições de Venosa, “sob esse prisma, quem, com sua
atividade, cria um risco deve suportar o prejuízo que sua conduta acarreta,
ainda porque essa atividade de risco lhe proporciona um benefício”25.
Com esse posicionamento, o condutor prefere não optar pelo transporte
solidário, na medida em que corre o risco de responder civilmente pelos
danos causados ao transportado se eventualmente ocorrer um acidente,
dificultando a concretização deste instituto.
A Carona Solidária tem um cunho social, o que permite flexibilizar a
questão da responsabilidade civil do condutor, propondo, portanto, uma
mudança na legislação pátria.
Em nome de um bem maior, que é a solidariedade entre os habitantes
de uma mesma cidade que buscam o seu bem estar no ambiente urba-
2194
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
5 CONCLUSÃO
2195
imponha uma revisão jurídico-jurisprudencial-conceitual, tudo para que
possa concretizar direitos fundamentais que são intrínsecos ao bem estar
dos habitantes de um contorno urbano.
REFERÊNCIAS
2196
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
acesso em 15/08/2013
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http://www.carpoolworld.com>; Acesso em 27 de Ago. 2013.
http://www.citegreen.fr/> Acesso em 29 Ago. 2013.
NOTAS
2198
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2199
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
1 INTRODUÇÃO
2201
de um possível regime jurídico do transporte cicloviário, levantando os
dados normativos que viabilizem a eventual defesa coletiva da mobilidade
urbana sustentável.
2 ORDENAMENTO TERRITORIAL
E MOBILIDADE URBANA SUSTENTáVEL
2202
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2203
em consequência, em uma mobilidade urbana em que prevaleçam carac-
terísticas não poluentes) e na consequente melhoria da qualidade de vida
impõe a correta identificação do regime jurídico do transporte cicloviário,
fornecendo elementos para a defesa coletiva desse regime jurídico, sempre
na busca de cidades sustentáveis.
A Lei n. 12.587, em seu art. 4º, inciso I, estabelece que transporte urbano
é o “conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utili-
2204
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2205
da Constituição da República, que é a matriz sistêmica de todo o direito
público brasileiro. Ao estabelecer a prioridade do transporte cicloviário e
de outros modais de transporte sobre o transporte individual motorizado
(base econômica da atividade da indústria automotiva nacional e objeto
de incentivos governamentais nos últimos cinquenta anos), a legislação
dá um passo ousado e condiciona a atividade administrativa e legislativa
sobre a matéria, mostrando também o viés prospectivo (programático) e
transversal (multidisciplinar, plurissetorial) que, como visto, é próprio do
ordenamento territorial.
Com efeito, no ato de dissertar sobre diretrizes no âmbito do texto
constitucional (mais especificamente no âmbito do art. 21, xx, da Carta de
1988), Odete Medauar proferiu lição que se mostra inteiramente aplicável
ao presente caso, esclarecendo precisamente o conteúdo semântico da
expressão em tela. Sobre o tema, diz a citada autora:8
2206
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2207
predeterminados), o inciso II (estipulação de padrões de emissão de po-
luentes para locais e horários determinados, podendo condicionar o acesso
e a circulação aos espaços urbanos sob controle), o inciso III (aplicação
de tributos sobre modos e serviços de transporte urbano pela utilização
da infraestrutura urbana, visando a desestimular o uso de determinados
modos e serviços de mobilidade, vinculando-se a receita à aplicação ex-
clusiva em infraestrutura urbana destinada ao transporte público coletivo
e ao transporte não motorizado e no financiamento do subsídio público
da tarifa de transporte público, na forma da lei), o inciso IV (dedicação de
espaço exclusivo nas vias públicas para os serviços de transporte público
coletivo e modos de transporte não motorizados) e o inciso V (estabele-
cimento da política de estacionamentos de uso público e privado, com
e sem pagamento pela sua utilização, como parte integrante da Política
Nacional de Mobilidade Urbana). O potencial de intervenção entregue aos
gestores públicos com esses instrumentos legais é enorme, demandan-
do um olhar atualizado – e ousado – quanto às possibilidades de como
organizar o trânsito na cidade contemporânea, buscando incremento da
cidadania e da qualidade de vida.
Os elementos relacionados ao planejamento da mobilidade urbana
deverão restar consolidados no Plano de Mobilidade Urbana, previsto no
art. 24 da Lei n. 12.587. Conforme a dicção do “caput” do referido artigo,
o Plano de Mobilidade Urbana é “o instrumento de efetivação da Política
Nacional de Mobilidade Urbana e deverá contemplar os princípios, os
objetivos e as diretrizes desta Lei”. Além disso, o Plano deverá conter a
normatização de várias situações previstas nos incisos do art. 24. Entre
eles, guardam conexão com a proteção ao transporte cicloviário os se-
guintes casos: o regramento da circulação viária (inciso II); a exposição
das infraestruturas do sistema de mobilidade urbana (inciso III), devendo
haver a previsão completa do sistema cicloviário; o regramento sobre a
integração dos modos de transporte público e destes com os privados e os
não motorizados (inciso V); e a localização das áreas de estacionamentos
públicos e privados, gratuitos ou onerosos (inciso VIII), o que inclui bici-
cletários e paraciclos, entre outros equipamentos públicos.
2208
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
2209
4 TUTELA COLETIVA DA MOBILIDADE URBANA SUSTENTáVEL
2210
Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
REFERÊNCIAS
2211
comentários / coordenadores Odete Medauar, Fernando Dias Menezes de Almeida.
2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
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Revista Jurídica do Ministério Público do Mato Grosso, Ano 3, n. 4, janeiro/junho
de 2008. Cuiabá: Entrelinhas, 2008, p. 81-103.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva
de direitos. 4ª edição revista e atualizada de acordo com a Lei 12.016, de 7 de agosto
de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
NOTAS
*
Promotor de Justiça no Ministério Público do Rio Grande do Sul, classificado na Promotoria de Justiça de Ha-
bitação e Defesa da Ordem Urbanística de Porto Alegre. Graduação em Ciências Jurídicas e Sociais na UFRGS.
Mestrado em Filosofia na PUCRS. E-mail: lfbrasil@mp.rs.gov.br.
2 STRECK, Lenio Luiz. Os vinte anos da Constituição do Brasil e as possibilidades de realização dos direitos funda-
mentais diante dos obstáculos do positivismo jurídico. In: Revista Jurídica do Ministério Público do Mato Grosso,
Ano 3, n. 4, janeiro/junho de 2008. Cuiabá: Entrelinhas, 2008, p. 91.
3 OLIVEIRA, Fernanda Paula. Novas tendências do direito do urbanismo. Coimbra: Almedina, 2012 [reimpressão],
p. 8, grifos no original.
4 BOARETO, Renato. A mobilidade urbana sustentável. In: Revista dos Transportes Públicos – ANTP, n. 100.
Ano 25. 2003, 3º trimestre, p. 49.
5 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2ª edição, revista e atualizada, São Paulo: Malheiros,
1997, p. 161 e seguintes.
6 BOARETO, Renato, passim.
7 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18ª edição, revista e atualizada até a
Emenda Constitucional 45, de 8.12.2004. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 81.
8 MEDAUAR, Odete. Diretrizes gerais. In: Estatuto da Cidade: lei 10.257, de 10.07.2001, comentários / coor-
denadores Odete Medauar, Fernando Dias Menezes de Almeida. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004, p. 20.
9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. revisada. Coimbra: Almedina, 1993, p. 173.
10 Sobre o tema, consultar: MASSIRIS CABEZA, A. Ordenación del territorio en América Latina. Scripta Nova.
Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Universidad de Barcelona, vol. VI, núm. 125, 1 de octubre
de 2002. http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-125.htm [ISSN: 1138-9788], acesso em 7 de julho de 2013.
11 A expressão “órgãos” há de ser compreendida em sua acepção mais ampla; nesse sentido, a doutrina: “Quando
o caput do artigo 22 faz menção de órgãos, o vocábulo não aparece para vedar outra forma de gestão, mas,
certamente admite a referência a entidades da Administração Indireta, pois a descentralização é adotada em
alguns entes federados na gestão do sistema de mobilidade urbana mediante a instituição de pessoa jurídica
autônoma, cuja criação é autorizada por lei.” (GUIMARÃES, Geraldo Spagno. Comentários à Lei de Mobilidade
Urbana – Lei nº 12.587/12: essencialidade, sustentabilidade, princípios e condicionantes do direito à mobilidade.
Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 211).
12 Diz a Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade): Art. 41. O plano diretor é obrigatório para
cidades: I – com mais de vinte mil habitantes; II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações ur-
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Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico
banas; III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4o do art. 182 da
Constituição Federal; IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico; V – inseridas na área de influência
de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional. VI -
incluídas no cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande
impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos. (Incluído pela Lei nº 12.608,
de 2012) § 1o No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput,
os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as medidas de
compensação adotadas. § 2o No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado
um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.
13 BRASIL, Luciano de Faria. Desenvolvimento urbano sustentável: ensaio sobre os mecanismos de estímulo ao
crescimento econômico no âmbito do Estatuto da Cidade. In: Revista da Faculdade de Direito da FMP, n.º 7 (2012).
Porto Alegre: FMP, 2007-, p. 178.
14 Previsto expressamente no art. 2º, I, do Estatuto da Cidade como a primeira de suas diretrizes gerais.
15 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 4ª edição revista
e atualizada de acordo com a Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 53.
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