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O psíquico é fenômeno, não é coisa. Esta é o físico, o fato exterior, empírico, governado por
relações causais e mecânicas. O fenômeno é a consciência, enquanto fluxo temporal de
vivências e cuja peculiaridade é a imanência e a capacidade de outorgar significado às coisas
exteriores.
A consciência pode ser dita um fenômeno empírico quando seu conhecimento é feito por uma
ciência empírica como a psicologia, desde que esta não se curve à redução naturalista do
psíquico ao físico. Mas, e sobretudo, a consciência, ao ser estudada em sua estrutura imanente
e específica, revela-se como algo que ultrapassa o nível empírico e surge como a condição a
priori de possibilidade do conhecimento, portanto, como Consciência Transcendental.
Portanto, a consciência não é uma substância (alma), mas uma atividade constituída por atos
(percepção, imaginação, especulação, volição, paixão, etc.), com os quais visa algo.
Esta distinção é fundamental para compreender-se a crítica do psicologismo, pois este consiste
em confundir noesis e noema, isto é,
Justamente por causa disso, várias noesis diferentes podem estar referidas a um só e mesmo
noema.
Esta última [aquilo que é conhecido] seria, portanto, um conjunto de conexões, objetivas e
ideais. Essas conexões se dão em dois níveis:
Primeiro, = o das coisas que são visadas pelo pensamento, ou ainda, pelos atos do pensamento;
Isso, contudo, não significa que exista uma distinção entre as verdades que dizem respeito às
coisas e as verdades que se referem às próprias verdades. Se se aceitasse essa distinção, ficaria
anulada a pretensão de estabelecer a unidade da ciência. Portanto, a ordem das verdades não
é apenas a ordem do próprio pensamento, porém, na medida em que a ordem do pensamento
é conhecida, a ordem da verdade é a ordem das próprias coisas.
Isto significa que toda ciência, além das verdades empíricas que constata ou constrói, e além
das leis lógicas gerais que governam todo pensamento apolítico, pressupõe ainda a esfera das
condições a priori de possibilidade de seus objetos e de seus métodos.
Assim, a descrição do vivido, doas atos intencionais, da consciência e das essências que eles
visam, isto é, dos correlatos intencionais, - enfim, a disciplina que poderá fundamentar a lógica
–, é a fenomenologia.
Esta não considera de maneira, inseparável, o ato e o objeto que ele visa, mas estabelece sua
união mediante a estrutura básica da consciência, a intencionalidade, que revela a
impossibilidade de um ato da consciência não ter um objeto, não visar um objeto.
Isto não significa, contudo, que a consciência vise seus objetos de uma mesma maneira,
nem também que esses objetos se apresentem para a consciência de um mesmo modo.
É nesse ponto que o papel da fenomenologia se destaca: cabe a ela distinguir, revelar o que há
de essencial na percepção, na recordação, na imaginação.
(Ontologia regional)
Uma vez que o traço essencial da consciência é a intencionalidade, o objeto pode ser
considerado como escopo dessa mesma intencionalidade e, assim, transcende a si mesmo, pois,
sendo um conteúdo da intencionalidade, ele transcende sua própria existência real, enquanto
existência empírica imediata.
Por outro lado, se se considera que a intencionalidade por ser polarizada em múltiplas essências,
desde a percepção até a ideação, torna-se possível distinguir diversas “regiões” do ser.
As essências ou significações (noemas) são objetos visados de uma certa maneira pelos atos
intencionais da consciência.
Assim, por exemplo, um cubo pode ser visado pela percepção e, enquanto essência perceptiva,
é distinto do cubo enquanto visado pela ideia geométrica de volume. Por outro lado, esse
mesmo cubo pode ser visado por um ato de imaginação, encontrando-se, assim, uma terceira
essência, distinta das anteriores.
Cada um desses pares constitui uma certa região do ser, isto é, um certo modo de um ente ser
visado pela consciência.
Cada região se define, assim, pela estrutura do ato intencional e pela estrutura do correlato
intencional;
Os pares formam uma estrutura unitária e é a unidade imanente existente entre os dois
momentos (o ato de visar e a essência ou significação visada) que permite falar na região da
natureza física, na região dos objetos matemáticos, na região dos valores morais, etc.
A fenomenologia é uma ontologia regional na medida em que se trata do ser (do grego ón)
enquanto estruturado com sentido diferente conforme seja visado pela consciência.
Cada região, estabelecendo a essência ou significação do objeto pela modalidade da relação ato-
correlato intencionais, é uma região eidética (do grego eidos: ideia ou essência).
As essências que regem conjuntos de fatos empíricos são ditas materiais, seja qual for sua
região.
Assim sendo, as essências configuram campos de objetividades que não podem ser
extrapolados, o que seria possível se fossem puramente formais. Por isso a fenomenologia
implica uma ontologia regional.
Ciência das essências em geral, mas remetida da consideração do objeto para a da consciência,
a fenomenologia estuda as essências da região “consciência”, suas estruturas e seus atos.
Para se compreender a passagem das várias regiões eidéticas, da região “mundo” para a região
“consciência”, deve-se levar em conta uma operação muito especial que Husserl denomina de
epoquê ou redução fenomenológica.
A redução ou epoquê é a operação pela qual a existência efetiva do mundo exterior é “posta
entre parênteses”, para que a investigação se ocupe apenas com as operações realizadas pela
consciência, sem que se pergunte se as coisas visadas por ela existem ou não realmente.
No primeiro, a redução consiste em buscar o significado ideal e não empírico dos elementos
empíricos. É uma redução eidética que procura essências ou significados.
Segundo Husserl, toda ciência (empírica ou pura) deve ser antecedida por uma investigação
eidética que defina a essência ou estrutura necessária do objeto a ser estudado.
A redução, contudo, não pode ser compreendida como uma negação ou uma limitação. Ela não
nega o mundo, apenas o coloca entre parênteses.
Torna-se um desvelamento do objeto, pois, enquanto procedimento de investigação, a redução
torna exequível o mundo da experiência vivida.
por fim, a intencionalidade criadora (idêntica ao movimento de redução), que faz o mundo
aparecer.
As coisas, segundo Husserl, caracterizam-se pelo seu perspectivismo, pelo seu inacabamento,
pela possibilidade de sempre serem visadas por noesis novas que as enriquecem e as modificam.
Por exemplo: o cubo percebido pode ser objeto de infinitas percepções porque é apenas a
multiplicidade de perspectivas que o apreendem. O cubo pensado, por outro lado, é o objeto
geometricamente definido de uma vez por todas.
Essa diferença abre o campo para uma atividade fundamental da consciência, amplamente
empregada pela fenomenologia: a imaginação transcendental, que procura através da variação
eidética, captar na multiplicidade infinita dos esboços e perspectivas a unidade de sentido que
permite alcançar a ideia de uma coisa que, em si mesma, é inesgotável, mas que pode ser
“aprisionada” pelo seu conceito uno e total.
Embora em cada noesis e em cada noema a coisa transcendente pareça parcial e suscetível de
novos desenvolvimentos e esboços, cada noesis e cada noema enquanto tais, isto é, enquanto
atos e correlatos da consciência, são absolutamente totais e presentes. Cada um deles é
completo em si mesmo e, assim, a cada passo a consciência se oferece como integral e absoluta.
A imanência significa que cada vivido, embora forme um fluxo infinito com os demais, é em si
mesmo completo e acabado.
Por outro lado, o eu parece estar na consciência constantemente, mas essa permanência não é
a de um vivido que se obstina estupidamente.
O eu pertence antes a todo vivido que chega repentinamente e se escoa; seu “olhar” dirige-se
para o objeto através de todo o cogito atual.
Como diz o próprio Husserl, “(...) o eu puro parece ser um momento necessário; a identidade
absoluta que ele conserva através de todas as transformações reais e possíveis não permite
considerá-lo em nenhum sentido como uma parte ou um momento real dos próprios vividos”.
Esse eu surge como uma transcendência, contrapondo-se à imanência dos vividos; é esse eu que
vive todos os modos do vivido.
Pode-se dizer, portanto, que o eu “natural” da psicologia se detém ante as coisas, que ele julga
reais e transcendentes, no mundo; essa atitude, uma vez suspensa, aparece como tema ao eu
“transcendental”, que pensa o mundo como transcendente ao eu empírico; enfim, última
modificação do “olhar”, a redução transcendental completa-se ao descobrir no eu puro a origem
do sentido.
Ao eu puro, que opera essa última significação, e que fica como simples espectador, aparece o
eu que pensa o mundo com o conjunto de seus atos.
Quando Husserl elogia Descartes e se considera um neocartesiano, ele o faz por duas razões: a
primeira consiste no fato de Descartes ter imposto à filosofia algo que para Husserl é a pedra de
toque do filosofar, isto é, ter imposto a necessidade de um método que obrigue a uma reflexão
radical sobre os procedimentos adequados para o pensamento filosófico; a segunda consiste no
fato de Descartes ter encontrado o Cogito como primeira verdade indubitável para começar a
pensar corretamente.
O elogio do Cogito cartesiano significa que, para Husserl, o “eu penso” apresenta aquele caráter
a priori necessário e absoluto sem o qual a filosofia é impossível, pois ver-se-ia lançada na
contingencia das coisas empíricas e jamais poderia pensa-las como apodíticas.
O Cogito é absoluto na medida em que conserva aquilo que as coisas empíricas parecem não
poder possuir: a permanência, a identidade consigo mesmo através de todos os seus vividos.
E é a identidade que lhe confere o poder de alcançar a identidade das coisas através do sentido
que outorga a elas.
Essa identidade revela, também, que o Cogito não se confunde com o ”eu psicológico”, que é
empírico, múltiplo e mutável, como toda empiria.
O Cogito reabre, porém, duas dificuldades peculiares a todo idealismo transcendental: (a) como
demonstrar que a relação entre a subjetividade solitária e o mundo objetivo é a mesma para
todos os sujeitos? (b) Como explicar que haja uma transformação das significações ideias que,
de direito, são intemporais? A primeira dificuldade é resolvida por Husserl, pela afirmação de
que (a) a subjetividade transcendental é intersubjetividade; a segunda, (b) pela teoria da
sedimentação e retomada das significações pela cultura. Esses dois problemas serão retomados
por um dos continuadores da fenomenologia, Maurice Merleau-Ponty.
Introdução de Husserl P. 08
Significação (bedeutung), A nossa tradução é sugerida pelo próprio Husserl, cf abaixo, §8. Nota
475. O termo “significação” é sinônimo do termo “sentido” (Sinn), de modo que Husserl fala
indiferentemente em sentido ou em significação de uma expressão. Aquilo que nos atos
corresponde à significação é a sua matéria ou também o seu sentido. (Cf. Investigação V, §20, e
Idem I, §§ 129-131). (N. dos T. n°8)
mas ainda não pesamos de modo algum quais seriam as espécies de atos capazes de exercer a
função de significação ou se, sob esse ponto de vista, não viria mais ao caso equipara todas as
espécies de atos. Mas, desde que nos propomos a abordar essa questão, nós nos deparamos
com a relação entre
ou, numa expressão mais tradicional porém mais equivoca, com a relação entre
e
“conceito” ou “pensamento” “intuição correspondente”.
(entendido aqui como um visar
não preenchido
intuitivamente),
A classe mais ampla de atos, nos quais encontramos diferenças entre intenção e preenchimento
ou, conforme o caso, decepções de intenção, estende-se muito além do domínio lógico. O
próprio domínio lógico se delimita pela particularidade de uma relação de preenchimento.
Com efeito, há uma classe de atos – Os objetivantes – que se distinguem de todos os outros,
porque as sínteses de preenchimento pertencentes à sua esfera têm o caráter do
conhecimento, da identificação, do “posicionamento da unidade”1 do “concordante”, assim
como as sínteses de decepção têm o caráter correlato da “separação”, do “conflitante”.
Introdução P.09
No interior dessa esfera mais ampla de atos objetivantes, vamos agora estudar todas as relações
referentes à unidade do conhecimento e, note-se, não apenas no tocante ao preenchimento
daquelas intenções particulares que pendem das expressões como intenções de significação.
Além disso, também as intuições, via de regra, têm o caráter de intenções que exigem, e
frequentemente experimentam, um preenchimento ulterior.
1
“In-Eins-Setzung” (ato de pôr – ato de posicionar), conforme nota 122
aprenderemos a compreender o importante sentido em que se fala de representações
indiretas, que permanecera até agora não clarificado.
Em conexão com isso, buscaremos uma última elucidação fenomenológica dos conceitos de
possibilidade e impossibilidade (união, compatibilidade – conflito, incompatibilidade) e dos
respectivos axiomas ideais.
Levando em conta as qualidades dos atos que até agora permaneceram fora de jogo,
consideremos então a diferença entre preenchimento provisório e definitivo referente aos atos
posicionantes.
Introdução de Husserl P. 10
Introdução de Husserl P. 11
A questão levantada no começo da Investigação, a respeito de uma delimitação natural dos atos
que dão e que preenchem o sentido, é resolvida pela inclusão desses atos na classe dos atos
objetivantes e pela divisão desses últimos em significativos e intuitivos.
Capítulo Primeiro
Os atos não podem encontrar as formas que lhe são convenientes sem que sejam apercebidos
e conhecidos quanto à forma e ao conteúdo.
O expressar da fala não está, pois, nas meras palavras, mas nos atos que exprimem; eles
estampam num material novo os atos correlatos que devem exprimir,
§ 1. P.14
Eles criam para eles uma expressão ao nível do pensamento (gedanklichen) e é a essência
genérica dessa última que constitui a significação da fala correspondente.
Uma excelente confirmação dessa concepção parece estar na possibilidade de uma função
puramente simbólica das expressões.
A expressão mental, que ao nível do pensamento é a réplica do ato a ser expresso, impregna-se
na expressão linguística, podendo nela reviver, até mesmo quando o próprio ato não é
consumado por quem a compreende. [isto é, entendo uma expressão de dor de uma pessoa
mesmo que eu não sinta a dor dela].
Os atos que dão significação, os atos “manifestados” no sentido mais restrito, podem ser
qualificados de atos expressos.
Mas, outros podem ainda ser chamados de atos expressos, embora, naturalmente, em outro
sentido.
É obvio que, assim como podemos fazer juízos a respeito das coisas exteriores, podemos fazê-
los também a respeito das nossas próprias vivências interiores e, nesse momento, as
significações das respectivas proposições residem nos juízos sobre essas vivências, e não nas
próprias vivências.
Da mesma maneira, as significações dos enunciados sobre as coisas exteriores também não
residem nessas últimas (casas, cavalos, etc.), mas nos juízos que fazemos interiormente sobre
elas ou nas representações que ajudam a construir esses juízos.
O fato de num caso os objetos julgados serem transcendentes à consciência (ou de pretenderem
valer como tais), e de no outro serem imanentes à mesma, não acarreta aqui nenhuma diferença
essencial.
Sem dúvida, enquanto o exprimo, o desejo que me preenche e o ato de julgar são
concretamente uma só coisa.
O desejo não pertence efetivamente à significação do juízo, mesmo quando eventualmente ele
e o ato do juízo para ele dirigido são uma coisa só. Uma vivência que verdadeiramente dê sentido
(significado) é indispensável para que se mantenha inalterado o sentido vivo da expressão.
O principal é que, ao ser nomeado, ou de algum modo “expresso, esse ato apreça como aquele
que é efetivamente o objeto presente na fala ou do posicionamento objetivante que
fundamenta a fala; ao passo que, no caso dos atos que dão sentido, isso não ocorre.
§ 5. Continuação. A percepção como ato que determina mas não contém a significação. P.19
§5 P.20
Digo isto e viso justamente o papel que está na minha frente. É à percepção que essa palavra
deve sua relação a este objeto. Mas não é a na própria percepção que a significação reside.
Quando digo isto, não me limita a perceber mas, fundado na percepção se constrói o ato do
visar-isto, um ato novo que por ela se rege e que dela depende quanto à sua diferença. Nesse
e só nesse visar indicativo é que reside a significação.