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Aula nº 1
Introdução
Esta disciplina se propõe a ser uma introdução à tradição reformada, e não uma história das
igrejas reformadas nem uma declaração abrangente da fé e prática reformada.
A tradição reformada não pode ser definida com precisão. Ela é entendida, de modo geral, como
o padrão do cristianismo protestante que tem suas raízes na reforma do século XVI.
A palavra "reformado" tem origem na ênfase que os reformadores suíços deram à reforma da
Igreja segundo a Palavra de Deus. Durante o século XVI, o termo foi aplicado a todas as igrejas
protestantes, como ocorreu com a palavra "evangélico".
O desejo de reformar a vida toda, segundo a Palavra de Deus, foi um compromisso abrangente e
o fundamento básico para aqueles que continuaram a desenvolver a tradição teológica reformada.
Ecclesia reformata reformanda est (“A igreja, tendo sido reformada, ainda precisa ser reformada).
Filme: Lutero
Aula nº 2
O Surgimento Das Igrejas Reformadas
A palavra protestante parece negativa aos ouvidos modernos, mas seu uso original foi positivo.
A reforma foi acima de tudo uma proclamação positiva do evangelho cristão. Ela nunca dependeu
negativamente de fazer uma oposição, pois foi, em primeiro lugar, uma declaração solene pela verdade
da Palavra.
A reforma luterana teve sua origem nos conflitos pessoais de Martinho Lutero, que vivia
atormentado pela pergunta: como pode um ser humano pecador permanecer na presença de um Deus
justo?
A descoberta da graça de Deus não foi exclusiva nem excêntrica. Ao contrário, iluminou multidões
oprimidas pela predominante religião das boas-obras, que pregava a necessidade de conquistar o favor
divino. Por causa das Noventa e Cinco Teses, debates, textos e pregações de Lutero houve um grande
despertamento da fé cristã, que se transformou na reforma luterana. Desta reforma nasceu a Igreja
Luterana.
A reforma na Suíça não dependeu diretamente do trabalho de Martinho Lutero, mas sofreu sua
influência e teve seu desenvolvimento por ele modelado.
A ênfase radical da reforma suíça em seguir a Palavra de Deus deu origem a designação
"reformada". Zuínglio acreditava que a Igreja seria purificada e reformada pelo estudo e pregação das
Escrituras. Para ele a Bíblia era a autoridade máxima na vida da Igreja.
A autoridade da Bíblia teve especial importância na sua conversão ao protestantismo e ele procurou
purificar a igreja fazendo-a retornar à sua fonte na revelação. Publicou a mais influente declaração da fé
cristã, a Instituição da Religião Cristã, conhecida como "As Institutas". Reformou o culto, dando inicio e
apoiando o desenvolvimento do Saltério de Genebra. Além disso, Calvino reorganizou a igreja. Sua visão
a respeito da comunidade cristã e liderança na reforma da cidade de Genebra garantem-lhe um lugar na
história política e social. Mas é nas suas cartas - onze volumes no Corpus Reformatorum - que se revela,
em toda a sua amplitude, o homem pastoralmente preocupado com o movimento da reforma nos vários
países europeus.
Na França
As igrejas reformadas francesas tiveram sua origem no humanismo cristão da primeira metade do
século XVI. De 1540 em diante, o movimento foi dirigido, em grande medida, a partir de Genebra, que
estava livre do controle político da França. Uma igreja protestante foi organizada em Paris no ano de
1555. Uma organização nacional foi criada em 1559, a qual incluía consistório (conselho), colóquio
(presbitério), sínodo provincial e sínodo nacional. Pela primeira vez na história, o presbiterianismo
estava organizado nacionalmente.
Na Holanda
A reforma na Holanda começou muito antes de Martinho Lutero, através de movimentos tais como o
dos Irmãos da Vida Comum. Tais movimentos eram Agostinianos na teologia e davam ênfase aos
estudos bíblicos e a vida devocional. No final da década de 50 o protestantismo já estava estabelecido
na Holanda. Em 1561, Guy de Brês escreveu uma confissão “para os fiéis que estão espalhados por toda
parte na Holanda”. Esta confissão, adotada por um sínodo em Antuérpia, formado em 1556, tornou-se
conhecida como confissão Belga. Com algumas modificações, foi declarada como Confissão da Igreja
Holandesa, juntamente com o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort.
A igreja da Holanda desenvolveu um trabalho teológico diligente e hábil, tornando-se um centro muito
influente do pensamento reformado no final do século XVI e no século XVII. Também foi o cenário do
mais conhecido debate teológico do início da história reformada. Armínio (1560-1609), que tinha raízes
tanto na tradição holandesa quanto na teologia reformada de Genebra, procurou modificar a doutrina
da predestinação de Calvino, especialmente em sua forma exagerada defendida por Gomaro, um
homem holandês, e Teodoro Beza, o sucessor de Calvino em Genebra.
Armínio estava muito preocupado em refutar a doutrina da graça irresistível, embora ele mesmo
sempre insistisse em dizer que ninguém se volta para Deus a não ser pela sua graça.
A amarga controvérsia que se seguiu foi decidida pelo Sínodo de Dort (Holanda), em 1619. Este adotou a
linha média entre os hiper-calvinistas e os discípulos de Armínio. Contudo reafirmou as doutrinas da
depravação total, da eleição incondicional, da expiação limitada, da graça irresistível e da perseverança
dos santos. Esses nomes foram dados no calor da controvérsia, não sendo inteiramente adequados com
o que o sínodo afirmou.
Aula nº 3
Nas gerações recentes, tal ênfase foi perdida. Muitos ministros se contentam em servir às igrejas sem
compreender a Igreja. Entretanto as últimas gerações tem sido chamada a repensar a Igreja e isso
tornou-se nos últimos dias um interesse capital da inteligência cristã.
Não temos como pensar no que é a Igreja sem analisarmos o que a Teologia Reformada nos deixou de
legado, pois desconsiderar o que nossos antepassados nos legaram é ignorar o que o Espírito de Deus
fez pela Igreja no passado.
Diante as muitas heresias que surgiam a partir da reforma, as igrejas resolveram adotar alguns credos e
confissões como “padrões da verdade”, criando desta forma doutrinas de fé que poderiam identificar a
verdadeira Igreja de Cristo. Por exemplo: o Credo Apostólico - “Creio no Espírito Santo, na santa Igreja,
Católica, na comunhão dos santos...”. A Confissão de Fé de Westminster (Inglaterra), Confissão de
Augsburgo, Catecismo Maior, Catecismo Menor, etc.
Isso implica dizer duas coisas: Primeiro que a Igreja é indivisível e em segundo que existe somente uma
Igreja verdadeira. Tal confissão é feita por crerem que todos os fiéis são unidos a Cristo pelo mesmo
Espírito, pela mesma fé.
Diante disso eles tinham que responder a uma pergunta crucial para seus dias: Como poderia a Igreja
indivisível estar se dividindo? Por que eles passaram a apoiar o cisma em relação à igreja Romana?
Visível – formado por todos os membros das igrejas locais e que são também membros da Igreja
invisível se realmente convertidos (se verdadeiramente nasceram de novo). A Igreja visível era formada
por cristãos nominais e professantes.
Invisível – formada por todos os santos (crentes) de todas as épocas e lugares – a verdadeira Igreja de
Cristo – e a única Igreja de Cristo.
A Igreja invisível é exclusiva dos eleitos que é conhecido unicamente por Deus.
Entretanto é bom nos lembrarmos que os reformadores sempre se posicionaram contra a existência de
cismas nas igrejas. Estes só eram aceitos quando uma igreja não possuía as características da verdadeira
Igreja.
Calvino – “Pois o Senhor estima tanto a comunhão de sua Igreja que ele considera como um traidor e
apóstata da religião quem perversamente se retira de qualquer sociedade cristã que preserva o
verdadeiro ministério da Palavra e os sacramentos” (Institutas, 4.1.10).
Eles aceitavam a saída de uma instituição na qual as obras internas e externas da verdadeira Igreja
estivessem ausentes. Eles afirmavam que a Igreja universal não está confinada no que diz respeito ao
lugar.
Portanto para os reformadores, deixar a igreja de Roma não é um ato de divisão, mas uma necessidade
espiritual.
A verdadeira Igreja não é terrestre, mas espiritual – “a noiva sem mácula de Jesus Cristo” (Zuínglio).
A Igreja é santa, não por ser sem pecado, mas porque implantada em Cristo e dotada de perpétuo
arrependimento e fé, nenhum pecado lhe é imputado. Ao contrário a santidade de Cristo lhe é
imputada, e desta forma considerada a noiva sem manchas de Cristo.
“Creio na santa Igreja Católica...” – “Creio na santa Igreja Universal...” – que mais tarde se transformou
na seguinte afirmação: “Creio na comunhão dos santos”.
Para os reformadores a sucessão apostólica é sucessão na doutrina apostólica. “O hábito não faz o
monge nem os bispos fazem a Igreja”.
Zuínglio afirmava que a Igreja de Cristo era destacada por ser o povo cristão e não por uma hierarquia
institucionalizada - “Os pontífices não são os senhores ou juízes da Igreja, mas são seus ministros”.
Os reformadores tinham grande zelo pela disciplina. Para Calvino, a disciplina era como os músculos ou
ligamentos que unem os membros do corpo.
Calvino compreendia que a disciplina era necessária e em casos mais graves como o adultério, o furto, o
roubo, a sedição e o perjúrio, os transgressores deveriam ser excomungados. Em primeiro lugar para
evitar a profanação do sagrado ministério da Ceia do Senhor e o escândalo do reconhecimento do
profano como membro da Igreja. Em segundo lugar, ela providencia um proteção contra a corrupção
dos bons pela associação com os maus. Em terceiro lugar, seu objetivo em relação aos transgressores é
o de que através da vergonha, eles possam ser conduzidos ao arrependimento (Institutas 4.12.5). Não
podemos deixar de ressaltar que para Calvino todas as pessoas excomungadas devem ser tratadas como
candidatas à restauração à comunhão (Institutas 4.12.10).
Esta sem dúvida era uma das grandes marcas da reforma a volta á Palavra de Deus. Somente a: graça, fé
e a Palavra (Escrituras).
Os reformadores, assim como os romanos (católicos), afirmavam que não existia salvação fora da Igreja.
Para os reformadores somente dentro da Igreja o individuo poderia participar dos sacramentos
ordenados por Jesus Cristo e somente por meio da Igreja (povo de Deus) receber as bênçãos de Deus.
Os reformadores acreditavam que a salvação estava somente na pessoa de Jesus Cristo e somente
através da pregação e da ministração dos sacramentos as pessoas teriam conhecimento da verdade de
Deus.
1.9 A Igreja é perpétua até a volta de Cristo
Os reformadores acreditam firmemente que a esta igreja visível existiria no cenário do mundo
perpetuamente. Ele não é um fenômeno transitório da história ou uma frágil instituição cuja
continuidade depende de um ambiente político favorável.
Duas marcas eram essências para a identificação da verdadeira igreja, segundo a teologia reformada:
Aula nº 4
Desde os primórdios do cristianismo tem existido diferentes atitudes com respeito ao governo e
à política na vida da igreja, algumas delas opostas entre si.
· Tertuliano “declarou que Jerusalém e Atenas (o ensino cristão e a cultura grega) não possuem
nada em comum, e que os cristãos, portanto, deveriam participar da vida cultural o menos possível.
· Agostinho, cerca de dois séculos depois, que também exerceu grande influência sobre outros
círculos da igreja cristã. Agostinho norteou a vida da igreja por vários séculos através da sua obra A
Cidade de Deus. Ali ele argumentou que o estado e a igreja são “duas espadas” debaixo do governo de
Deus, ambas servindo aos propósitos divinos, mas independentes entre si.
· Tomás de Aquino, séculos mais tarde, sustenta um outro posicionamento bem diferente. Ele cria
que a autoridade temporal deveria estar sujeita à autoridade espiritual. A igreja deveria guiar o estado.
Todos os aspectos da cultura estariam dependentes da igreja.
o Durante muitos séculos a Igreja Católica Romana seguiu os princípios elaborados por Tomás de
Aquino com respeito à política e à cultura.
o De Aquino em diante houve o crescimento do escolaticismo, no qual a Igreja tomou todas as frentes
nas suas mãos. Ao invés de implantar o Reino de Deus no mundo, por causa da deturpação de muitas
coisas na ecclesia docens “igreja docente”, esta acabou manifestando a intenção de ser a senhora do
mundo, e por vários séculos, foi exatamente o que ela foi.
· Lutero, por outro lado, percebe-se claramente a importância da política e do envolvimento com os
problemas sociais. Lutero fez distinção entre os dois reinos – Igreja e temporal – a autoridade da igreja e
a autoridade temporal.
o Combatendo o sistema político papal vigente na Idade Média, Lutero insurgiu-se contra a idéia de
que o poder espiritual é superior ao temporal. Havia a distinção entre a hierarquia e o laicato. A primeira
não podia ser disciplinada pela segunda. Portanto, o poder temporal não possuía força sobre o poder
eclesial. No entanto, Lutero afirmava que os ímpios poderiam ser punidos pela autoridade temporal,
inclusive os clérigos. Lutero procurou demolir os princípios medievais da monarquia e da hierarquia nas
instituições eclesiásticas.
· Calvino teve uma perspectiva relativamente diferente com respeito à política e ao envolvimento
social. Ele teve muitas de suas idéias calcadas nos ensinos de Agostinho, inclusive as relacionadas com o
pensamento político. Deus era o Senhor e a Escritura a única regra de fé para uma nação. João Calvino
1[1] Anabaptistas ("re-baptizadores", do grego "ana" e "baptizo") são cristãos da chamada "ala radical"
da Reforma Protestante. São assim chamados porque os convertidos eram batizados em idade adulta,
desconsiderando o até então batismo obrigatório da igreja romana. Assim, re-batizavam todos os que já
tivessem sido batizados em criança, crendo que o verdadeiro baptismo só tem valor quando as pessoas
se convertem conscientemente a Cristo.
O primeiro uso do termo Anabatistas ocorreu após o Segundo Concílio de Cartago no ano 225 quando
87 bispos sob a direção de Cipriano decidiram rebatizar os fiéis das igrejas adeptas Novaciano, porém o
o bispo da Igreja de Roma, Papa Estêvão I favoreceu a aceitação do batismo feito por grupos cismáticos.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Anabatista)
foi o mais político dos reformadores, porque sua visão de Reforma não era simplesmente a dos
indivíduos, mas também da igreja e da sociedade.
Puritanos
Esse espírito da filosofia de Calvino atravessou o Canal da Mancha e entrou na Escócia de John
Knox, que foi um dos inspiradores do puritanismo na Inglaterra. Knox, ao contrário de Lutero, não
escudou-se na Escritura para ficar silencioso diante das injustiças da sua rainha. Ele desafiou-a
publicamente com todo o vigor da sua fé calvinista. Ele cria que os governos eram uma instituição
divina, mas também cria que havia um senso de justiça que tinha que ser implantado no seu país. E a
justiça deveria começar com a rainha da Escócia. Por essa razão, na luta pela implantação dos princípios
do reino de Deus, os discípulos de Knox, dentro do Parlamento, aprovavam a execução da soberana (a
rainha) em nome do Soberano (Deus).
O puritanismo, além de outras ênfases, tentou trazer para a Inglaterra um despertamento geral
que envolvesse as autoridades do país.
· De qualquer forma, os reformados (os de origem calvinistas, puritana) têm tido uma atitude
diferente, pelo menos em teoria, da dos anabatistas e dos luteranos. Os cristãos, segundo os calvinistas,
devem estar engajados na vida política do país.
· De acordo com os princípios éticos da fé reformada, o cristão deve lutar para reestruturar a
sociedade onde vive, moldando-se de acordo com os padrões estabelecidos na Palavra de Deus.
A POSIÇÃO ESCATOLÓGICA COMO FATOR DETERMINANTE DO ENVOLVIMENTO POLÍTICO E SOCIAL
O envolvimento político e social do cristão, pelo menos na igreja contemporânea, pode estar
diretamente vinculado à sua posição escatológica e mais especificamente á sua idéia do reino de Deus.
Há três posições básicas com respeito ao envolvimento dos cristãos na política: acomodação,
separação e transformação.
· Amilenistas – São mais tendentes à acomodação (adaptação). O fato de crerem que o Reino de
Deus já está presente e que já vivemos o milênio, uma vez, que para eles o milênio se manifesta
espiritualmente e não literalmente, acabam se acomodando e vivendo apenas no aguardo da segunda
vinda de Cristo para o juízo. Podemos dizer que os amilenistas se adaptam ao sistema político, seja qual
for, embora não pactuem com suas impiedades. Entendem que devem lutar no que for possível por leis
justas, por princípios que estejam de acordo com a Palavra de Deus, se envolvem politicamente e
socialmente, contudo não são radicais como os pós-milenistas.
o A Igreja age com tolerância as muitas idéias (devemos respeitar a liberdade religiosa e de idéias),
contudo se posiciona com um pouco mais de veemência que os pré-milenistas.
o Entendem que existe uma certa continuidade no Reino de Deus temporal (em nossas vidas) e no
Reino de Deus que virá.
· Pré-milenistas – São tendentes à separação. Crêem que Jesus Cristo reinará literalmente por mil
anos após sua segunda vinda, o que os leva a compreender que este mundo não tem solução enquanto
Cristo não voltar. Em geral sustentam uma descontinuidade entre o reino presente e o reino futuro que
Cristo vai inaugurar.
o Essa crença, assim como o amilenismo, favorece o pluralismo de idéias e a liberdade religiosa.
o Governo Civil - Os pré-milenistas são totalmente favoráveis a um regime democrático que lhes
permita a proclamação do Evangelho.
o Ética civil - Não lutam para que os governos tenham leis cristãs, mas que apenas haja liberdade para
pregarem o Evangelho e que as mesmas sejam justas para todos os cidadãos. (Podemos afirmar que
buscam leis que sejam sustentadas pela revelação natural e não pela revelação especial).
o A Igreja age com tolerância as muitas idéias (devemos respeitar a liberdade religiosa e de idéias).
o Os anabatistas é os que defendiam a separação dos cristãos nos problemas da sociedade. O cristão
tinha que se importar era com a salvação (alma/espírito) do pecador.
o Não aceitam outras religiões, outras verdades. Não existe espaço para o pluralismo de idéias.
o Os padrões morais políticos, as leis, a ética civil deve ser tudo baseado nas leis e padrões de Deus (da
Bíblia).
Aula nº 5
DISCIPLINA NA IGREJA
Disciplina eclesiástica é um termo em risco de extinção no atual vocabulário cristão. Desde que
os princípios do pós-modernismo encontraram lugar no seio da igreja, qualquer conceito que ameace o
individualismo e a liberdade de escolha quanto ao estilo de vida, comportamento, etc., é logo taxado de
arcaico. A dicotomia prática de muitos cristãos gera a ilusão de que a igreja não tem nada a ver com o
procedimento “secular” de seus membros. Nessa “nova era” antropocêntrica, a igreja é vista como uma
organização altamente dependente do individuo, e que precisa conservá-lo ao custo de várias exceções.
O medo da impopularidade leva muitos líderes à cumplicidade e pecados são justificados em nome de
uma atitude mais “humana”. Por outro lado, o que dizer daqueles que, em nome do zelo pela disciplina,
cometeram injustiças e causaram mais males que bens? Em todo esse contexto, a disciplina tem uma
vida curta e a tolerância consagra-se como a virtude da moda. Porém, o que acontece com uma igreja
sem disciplina?
O termo “disciplina”, em geral, é empregado em vários sentidos. Podemos usá-lo para referir-
nos a uma área de ensino, ao exercício da ordem, ao exercício da piedade ou a medidas corretivas no
seio da igreja.
O objetivo deste artigo é delinear alguns fatores da importância da disciplina eclesiástica entre
os membros do corpo de Cristo. Porém, o que motiva esta reflexão é a esperança de que a mesma seja
útil para elucidar a muitos quanto ao aspecto bíblico-teológico da disciplina.
1 – Errando o Alvo
A igreja cristã tem sido acusada de ser o único exército que atira nos seus feridos. O grau de
verdade dessa acusação é, muitas vezes, devido a mal-entendidos com relação à disciplina eclesiástica.
Tais mal-entendidos estão presentes em pelo menos dois grupos: 1) os que aplicam a disciplina; 2) os
que sofrem a aplicação da mesma. Como cada caso deve ser analisado individualmente, só nos cabe
aqui listar os mal-entendidos mais comuns em relação à disciplina eclesiástica.
A. Disciplina e Despotismo
Com a subida ao poder do Partido Nacional na África do Sul, em 1948, a segregação foi
legalizada em nome da disciplina. Como resultado foi sancionado o aprisionamento de negros sem
nenhum julgamento formal. Isso não foi disciplina, mas despotismo.
A História da Igreja Medieval apresenta uma vasta galeria de ilustrações da confusão entre o uso
da disciplina e o exercício do despotismo. Seria isto apenas um fenômeno do passado? Infelizmente
basta familiarizar-se com os círculos eclesiásticos para se descobrir que o espírito medieval ainda está
vivo e ativo na mente e atitude de alguns líderes modernos.
B. Disciplina e Discriminação
A confusa identificação entre disciplina e discriminação pode ser vista sob dois aspectos: 1) no
abandono do disciplinado por parte da igreja; 2) na recusa do disciplinado em receber a disciplina. Para
se evitar o primeiro erro é imprescindível que a família cristã não desista de um dos seus membros que
caiu. Paulo exorta a igreja para que manifeste perdão, conforto e reafirmação de amor para com o
arrependido, para que “o mesmo não seja consumido por excessiva tristeza” (2 Co 2.7-8). Outra razão
para esta exortação é para que “Satanás não alcance vantagem” sobre a igreja, criando amargura,
discórdia e dissensão (v.11).
C. Disciplina e Arbitrariedade
“Com que direito fizeram isso?” Esta é a pergunta que constantemente se ouve em casos de
disciplina. Essa pergunta revela um mal-entendido comum entre disciplina e arbitrariedade. Ou seja, é
como se aqueles que aplicam a disciplina não tivessem nenhum direito de fazer tal coisa debaixo do sol.
Alias, alguns argumentariam: “não somos todos pecadores?”
Primeiramente, é preciso lembrar que toda atitude pecaminosa precisa ser corrigida, mas há
algumas que requerem correção pública. Por exemplo, em Mateus 18.16-17 o evangelista fala daqueles
que se recusam a abandonar o pecado mesmo diante de uma amorosa exortação pessoal.
Na sua primeira Carta aos Coríntios 5.1-13, Paulo descreve as pessoas cujas práticas trazem
escândalo à igreja, e na Primeira Carta a Timóteo 1.20, na Segunda Carta a Timóteo 2.17-18 e na
Segunda Carta de João 9-11 são mencionados os que dissimulam ensinos contrários ao Evangelho. Por
outro lado, na Carta aos Romanos 16.17 o apóstolo recomenda disciplina aos que causam divisões na
igreja, e ao escrever a Segunda Carta aos Tessalonicenses 3.6-10 ele prescreve disciplina eclesiástica
para aqueles que se deleitam na preguiça. Há um princípio claro: “Os pecados que foram explicitamente
disciplinados no Novo Testamento eram conhecidos publicamente e externamente evidentes, e muitos
deles haviam continuado por um período de tempo”.
Com relação à autoridade, é importante lembrar que a autoridade na disciplina nunca vem
daquele que a aplica, mas daquele que a ordenou, sou seja, o Cabeça e Senhor da Igreja (Ef 1.22-23).
Além do mais a pergunta a ser feita deve ser: “Com que direito um membro da Igreja do Cordeiro
profana o sangue da aliança e ultraja o Espírito da graça?” (Hb 10.29).
2 – O Ensino Bíblico
A – A Necessidade da Disciplina
Aquele que ordena a disciplina na igreja e o mesmo que estabelece o padrão a ser seguido no
exercício da mesma. Esse padrão consiste primeiramente em amor paternal (Hb 12.4-13). É certo que o
mundo vê a disciplina como expressão de ira e hostilidade, mas as Escrituras mostram que a disciplina
de Deus é um exercício do seu amor por seus filhos. Amor e disciplina possuem conexão vital (Ap 3.19).
Além do mais, disciplina envolve relacionamento familiar (Hb 12.7-9), e quando os cristãos recebem
disciplina divina, o Pai celestial está apenas tratando-os como seus filhos. Deus não disciplina bastardos,
ou seja, filhos ilegítimos (v.8). O padrão de disciplina divina revela também maravilhosos benefícios. A
disciplina que vem do Senhor “é para o nosso bem (v.10)”. Ainda que seja inicialmente doloroso receber
disciplina, a mesma produz paz e retidão (v.11). O v.13 ensina que o propósito de Deus em disciplinar
não é o de incapacitar permanentemente o pecador, mas antes de restaurá-lo à saúde espiritual.
Segundo as Escrituras, a disciplina na igreja está fundamentada não apenas no exercício do bom
senso, mas principalmente nos imperativos do Senhor. O mandato bíblico referente à disciplina é
encontrado especialmente no ensino de Jesus (Mt 18.15-17) e nos escritos de Paulo (1 Co 5.1-13).
Também, há clara referência bíblica de que a igreja que negligência o exercício desse mandato
compromete não apenas sua eficiência espiritual, mas sua própria existência. A igreja sem disciplina é
uma igreja sem pureza (Ef 5.25-27) e sem poder (Js 7.11-12a). A igreja de Tiatira foi repreendida devido
à sua flexibilidade moral (Ap 2.20-24).
B – Formas De Disciplina2[2]
Quando nos referimos à disciplina na igreja, devemos pensar não somente na punição do erro. A
Disciplina bíblica na igreja se inicia com atitudes de prevenção e, por conseguinte, inclui tanto a
disciplina formativa como a reformativa.
A primeira envolve todo o processo que resulta em prevenir os crentes de caírem no pecado
(batismo, sermões, comunhão, dizimar, etc.).
A disciplina reformativa, assim como nos sugere o termo, se preocupa com o aprimoramento de
um crente que se beneficia pouco da disciplina formativa, um crente que erra em sua jornada cristã.
C – Os Passos da Disciplina
Biblicamente, a disciplina na igreja tem um triplo objetivo: 1) restabelecer o pecador (Mt 18.15;
1 Co 5.5 e Gl 6.1); 2) manter a pureza da igreja (1 Co 5.6-8); 3) dissuadir outros (1 Tm 5.20). É este triplo
propósito que aponta para os passos a serem seguidos em uma aplicação correta da disciplina
eclesiástica. Esses passos são especialmente mencionados em Mateus 18.15-17.
1 – Abordagem individual
2[2] Este item foi acrescentado ao texto do Pr. Valdeci por mim (Pr. Cornélio Póvoa de Oliveira).
O v.15 (“Se teu irmão pecar vai argüi-lo entre ti e ele só...”) ensina que a confrontação é uma
tarefa cristã. Uma das melhores coisas a fazer por um irmão em pecado é confrontá-lo em amor (Pv
27.5-6). Mas é sempre arriscado confrontar alguém, pois nunca se pode prever a reação do mesmo.
Jesus, todavia, dirige nossa atenção para a alegre possibilidade de que tal irmão nos ouça.
2 – Admoestação privada
No caso de o ofensor não atender à confrontação individual, Jesus ordena que haja
admoestação privada (v.16). Nesse caso, um número maior de pessoas é envolvido. A principio, pode
parecer que o objetivo desse passo é intimidar o ofensor. Uma atenção maior, porém, leva-nos a
entender que o propósito do mesmo pode ser o de conscientizar o ofensor quanto aos prejuízos de sua
atitude para com a comunidade do corpo de Cristo. Em outras palavras, nosso pecado traz
conseqüências pessoais e coletivas. Além do mais, Jesus afirma que as outras pessoas envolvidas nesse
processo serão testemunhas. Isto é uma referência à prática vetero-testamentária de não se condenar
alguém com base em uma opinião pessoal (Nm 35.30, Dt 17.6). Com isso, a objetividade do caso é
preservada, o que diminui as chances de injustiça, e o ofensor é beneficiado.
4 – Exclusão pública
A disciplina eclesiástica “não é uma atividade a ser realizada facilmente, mas algo a ser
conduzido na presença do Senhor”.
3 – Implicações Teológicas
Sem a intenção de limitar, mas tão somente de elucidar, ofereceremos três tópicos teológicos
que estão vitalmente ligados ao processo da disciplina eclesiástica.
A verdadeira adoração “é a mais nobre atividade de que o homem, pela graça de Deus, é capaz”
(John R. W. Stott). A exclusiva adoração a Deus é um mandato divino (Mt 4.10 e Ap 19.10), é uma marca
da fé salvadora (Fp 3.3), e deve seguir os princípios revelados por Deus em sua Palavra.Um princípio
essencial da adoração cristã é o zelo pela santidade do nome do Senhor (Êx 20.7 e Mt 6.9).
Uma igreja adoradora e ao mesmo tempo tolerante para com o pecado no seu seio é uma
contradição de termos e recebe a repreensão do Senhor (Ap 2.18-29).
Sendo que Cristo deseja sua igreja “sem mácula, sem ruga, nem coisa semelhante, porém santa
e sem defeito” (Ef 5.27), a disciplina eclesiástica é altamente relevante, pois é um meio instituído por
Deus para manter pura a sua igreja.
C – Disciplina e Evangelismo
A disciplina evidencia o amor cristão pelo pecador, ainda que esse pecador seja um dos
membros da igreja. Esse amor pelo pecador cristão também reflete o amor da mesma pelo pecador
incrédulo. A disciplina eclesiástica ressalta a seriedade do pecado. Sem a visão dessa seriedade, a igreja
não é corretamente motivada a buscar a redenção do pecador. Há uma relação entre disciplina
eclesiástica e evangelismo.
Uma igreja sem disciplina torna-se um impecilho para o avanço do evangelho. Essa relação vital
entre evangelismo e disciplina é clara à luz de 1 Co 5.12-13. O evangelismo é dirigido aos que estão fora
dos portões da igreja e que estão escravizados pelo pecado. A disciplina é dirigida àqueles que estão
dentro dos portões da igreja e que estão se sujeitando ao domínio do pecado. Assim, ambos
(evangelismo e disciplina) almejam a liberdade do pecador e a concretização do triunfo histórico da
graça sobre o pecado na vida do mesmo (Rm 6.1-23).
“Há pouca vantagem em uma igreja que tenta vencer o mundo se ela já tem se rendido ao
mundo” (Peter Barnes).
Conclusão
Uma séria reflexão bíblica sobre a disciplina eclesiástica evidencia dois princípios básicos.
Primeiro, que a disciplina na igreja não é uma opção, mas sim uma ordenança e, consequentemente,
uma bênção divina (Hb 12.5-7). Segundo, que a disciplina requer profundo amor por parte da igreja que
a aplica e semelhante humildade e quebrantamento por parte daquele que é disciplinado (2 Co 2.5-11).
Aula nº 6
É quase um paradigma para os cristãos modernos associar o Antigo Testamento à Lei e o Novo
Testamento à Graça. Em várias oportunidades propus a estudantes de seminário e na escola dominical
estabelecer o relacionamento entre os termos e, invariavelmente, a resposta tem sido a seguinte
relação:
LEI - Antigo Testamento
...sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em
Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e
não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado (Gálatas 2.16).
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça
(Romanos 6.14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode levar o leitor a entender lei e graça como
um binômio de oposição. Lei e graça parecem opostos, sem reconciliação – o cristão está debaixo da
graça e consequentemente não tem qualquer relação com a lei. No entanto, essa leitura e falaciosa. O
entendimento isolado desses versos leva a uma antiga heresia chamada antinomismo, a negação da lei
em função da graça. Nessa visão, a lei não tem qualquer papel a exercer sobre a vida do cristão. O
coração do cristão torna-se o seu guia e a lei se torna dispensável. O oposto dessa posição é o legalismo
ou moralismo, que é a tendência de enfatizar a lei em detrimento da graça (neonomismo). Nesse caso, a
obediência não é um fruto da graça de Deus, uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a Deus
e de se adquirir mérito diante Dele. Exatamente contra essa idéia é que a Reforma Protestante lutou,
apresentando como uma de suas principais ênfases a sola gratia.
As implicações da forma como entendemos a relação entre lei e graça vão muito além do
aspecto puramente intelectual. Esse entendimento vai, na verdade, determinar toda a forma como
alguém enxerga a vida cristã e que tipo de ética esse cristão irá assumir em sua caminhada.
John Hesselink, um estudioso sobre a relação entre lei e graça, exemplifica que, na década de
1960, os cristãos proponentes da ética situacionista se levantaram contra leis, regras e princípios gerais,
propondo uma nova moralidade. Esse movimento propõe que a ética das Escrituras não é absoluta, mas
depende do contexto. Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende da situação. Essa
proposta surgiu e se desenvolveu dentro do cristianismo tradicional, alcançando seguidores de todas as
bandeiras denominacionais, praticamente sem restrições. A lei não tem mais qualquer papel
determinante na ética cristã; o que determina a ética cristã é o “principio do amor”, conclui o
movimento. A conseqüência dessa conclusão é que a graça suplanta a lei.
As decisões éticas devem ser tomadas levando em consideração o principio do amor. Tome-se
por exemplo a questão do aborto no caso do estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias é um ato de
amor, baseado no principio do amor à mãe que foi estrupada. Ou mesmo a questão da pena de morte.
Ela não se encaixa no principio do amor ao próximo, e, portanto, não pode ser uma prática cristã. Até
mesmo situações como o divórcio passam a ser aceitáveis pelo principio do amor. A separação de casais
passa a ser aceitável pelo mesmo principio. O mesmo acontece com o homossexualismo. Aceitar o
homossexualismo passa a ser um ato de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada como
pecado, ou, se assim considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro ensino das Escrituras sobre
a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir
avaliaremos o pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista refletida na
Confissão de Fé de Westminster.
2 – O Uso da Lei
Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto das obras e o pacto
da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que são esses pactos e qual o conceito de lei
que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graça é a terminologia usada pela Confissão de Fé de Westminster
para explicar a forma de relacionamento adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres
humanos. Mais do que isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformadores,
conhecido como teologia federal. De forma bem resumida, podemos dizer que o pacto das obras é o
pacto operante antes da queda e do pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e
sua vida dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17 – não comer
da árvore do conhecimento do bem e do mal. Adão e Eva descumpriram a sua obrigação,
desobedeceram a lei e incorreram na maldição do pacto da obras, a morte.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para o ser humano. Para
que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim
cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência
estava associada a retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função
orientadora. O ser humano, desde o principio, conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo
quebrado a lei; ele tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo Criador: a
morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem o mesmo papel? Ela
possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a revelar a sua lei ao ser humano caído?
A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas
Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e
também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao longo do tempo. Dependendo das
circunstâncias e da ocasião em que foi dada, possui diferentes aspectos, qualidades ou áreas sobre as
quais legisla. Assim, é importante observar o contexto em que cada lei é dada, a quem é dada e qual o
seu objetivo manifesto. Só assim poderemos saber a que nos estamos referindo quando falamos de Lei.
A Confissão de Fé, no capítulo 18, divide esses aspectos em lei moral, civil e cerimonial. Cada
uma tem um papel e um tempo para sua aplicação.
(A) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou à nação de Israel; por
exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.
(B) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho Testamento; por exemplo,
prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo cerimonial.
(C) Lei Moral – representa a vontade de Deus par ao ser humano, no que diz respeito ao seu
comportamento e ao seus principais deveres.
Lei Civil tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal,
não é aplicável normativamente em nossa sociedade. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte dela,
sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
Lei Religiosa tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o
Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Os sabatistas
erram a querer aplicar parte da mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
Lei Moral tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas
carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e
ocasiões. Os sabatistas acertam ao considerá-la válida, porém erram ao confundi-la e ao mesclá-la com
as outras duas, prescrevendo uma aplicação confusa e desconexa.
Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos identificar a que tipo de lei o
texto se refere e conhecer, então, a aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto. As leis civis e cerimoniais
de Israel não têm um caráter normativo par ao povo de Deus em nossos dias, ainda que possam ter
outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios gerais sobre a justiça de Deus. Portanto, a lei
que permanece “vigente” em nossas e em todas as épocas é a lei moral de Deus. Ela valeu para Adão
assim como vale para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei?
Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da graça de Deus, em que o evangelho
atinge todos os povos, raças, tribos e nações.
Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias. Esta foi cumprida em
Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos sob a
graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação
dos sacerdotes.
Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e
nos achamos cobertos por sua graça. Não estamos portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses
sentidos.
Entretanto...
Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de
nossas deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.
Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos,
representa o caminho traçado por Deus no processo de santificação efetivado pelo Espírito Santo em
nossa pessoa (João 14.15). Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de
sua graça, representando a revelação objetiva e proposicional de sua vontade.
Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio de Moisés nas diferentes épocas da
revelação, Calvino usou a seguinte terminologia:
É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado humano. Segue o ensino de Paulo em
Romanos 3.20 e 5.20:
...visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o
pleno conhecimento do pecado.
Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a
graça.
Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade do homem caído. Sendo o pecado
abundante, vivemos no tempo em que a lei exerce o “ministério da morte” (2 Co 3.7) e, por
conseguinte, “opera a ira” (Rm 4.15).
Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores (especialmente Calvino) a respeito
da lei. A palavra lei é usada em pelo menos dois sentidos distintos, que devem ser entendidos a partir do
contexto. Em alguns casos o termo lei é usado como um sinônimo de Antigo Testamento, da mesma
forma como Evangelho é usado como um sinônimo do Novo Testamento. Em outros contextos o termo
lei é usado como uma categoria especial referente ao seu uso como categoria de comando, um
mandamento direto expressando a vontade absoluta de Deus sobre alguma coisa, sem promessa. É
dessa forma que Calvino interpreta a lei em 2 Co 3.7, Rm 4.15 e 8.15. Nesse sentido, o binômio que se
confirma é o binômio Lei e Evangelho. O mandamento que não traz salvação versus a graça salvadora de
Deus. Porém, não podemos esquecer que é o próprio Antigo Testamento que nos apresenta a promessa
da salvação de Deus, a sua graça operante sobre os crentes da antiga dispensação.
Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se obedecida, seria suficiente para a
salvação. Porém, nossa natureza carnal confronta-se com a perfeição da lei, e essa, dada para a vida,
torna-se em ocasião de morte. Uma vez que todos são comprovadamente transgressores da lei, ela
cumpre a função de revelar a nossa iniqüidade.
É a função da lei que restringe o pecado humano, ameaçando com punição as faltas contra ela
mesma. É certo que essa função da lei não opera nenhuma mudança interior no coração humano,
fazendo-o justo ou reto ao obedecê-la. A lei opera assim como um freio, refreando “as mãos de uma
ação extrema”. Portanto, pela lei somente o homem não se torna submisso, mas é coagido pela força
da lei que se faz presente na sociedade comum. É exatamente isto que permite aos seres humanos uma
convivência social. Vivemos em sociedade, e a lei serve para nos proteger uns dos outros. Com o tempo,
o homem pode aprender a viver com tranqüilidade por causa da lei de Deus que nos restringe do mal.
...tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e
rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros,
sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina...
Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses transgressores e evita que esse tipo de mal se
alastre ainda mais amplamente no seio da sociedade humana. Essa ação inibidora da lei cumpre ainda
um outro papel importante no caso dos eleitos não regenerados. Ela serve como um aio, um condutor a
Cristo, como diz Paulo em Gálatas 3.24 _ “...de maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a
Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé”. Dessa forma ela serviu a sociedade judia e serve à
sociedade humana como um todo ainda hoje.
Esse uso da lei é válido para os cristãos – ensina-os, a cada dia, qual a vontade de Deus. Segundo
o texto de Jeremias 31.33, a lei de Deus seria escrita na mente e no coração dos crentes.
Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR:
Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e
eles serão o meu povo.
Se a lei de Deus está impressa na mente e escrita no coração dos crentes, qual a função da lei
escrita por Moisés? Ela é realmente necessária? Não basta um coração convertido, amoroso e cheio de
compaixão para conhecer a vontade de Deus? A “lei do amor” e a consciência do cristão orientado pelo
Espírito Santo não bastam? Não seria suficiente apenas termos a paz de Cristo como árbitro de nossos
corações? (Cl 3.15).
Creio que não é bem assim. A lei, assim como no Éden, tem ainda um papel orientador para os
cristãos. Embora eles sejam guiados pelo Espírito de Deus, vivendo e dependendo tão somente da sua
maravilhosa graça, a “lei é o melhor instrumento mediante o qual aprendem a cada dia qual seja a
vontade de Deus, e, que melhor lhes ajuda a compreensão dessa vontade”. A paz de Cristo como o
árbitro dos corações só é clara quando conhecemos com clareza a vontade de Deus expressa na sua lei.
Deus expressa sua vontade na sua lei e essa se torna um prazer para o crente, não uma obrigação.
A lei também serve como exortação par ao crente. Ainda que convertidos ao Senhor, resta em
nós a fraqueza da carne, que pode ser, no linguajar de Calvino, chicoteada pela lei, não permitindo que
estejamos à mercê da inércia da mesma.
5 – Cristo e a Lei
Precisamos entender que Cristo satisfez e cumpriu a lei de forma plena e completa. Ele não veio
revogar a lei. Façamos uma breve análise de Mateus 5.17-19.
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir.
Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou til jamais passará da Lei, até
que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim
ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e
ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus.
· A lei seria cumprida totalmente, em todas as suas exigências e em todas as suas modalidades
(moral, cerimonial e civil) enquanto houvesse sentido em fazê-lo.
· Aquele que viola a lei pode chegar ao Reino dos Céus! (aquele que violar... será considerado
mínimo no reino dos céus). O sermão do monte é um sermão para crentes e o texto pode ser entendido
dessa forma.
· Aquele que cumpre a lei será considerado grande no Reino dos Céus.
· Ele veio cumprir a lei e de fato a cumpriu em todas as suas dimensões: cerimonial, civil e moral.
Não houve qualquer aspecto da lei para qual Cristo não pudesse atentar e cumprir. Cristo cumpriu a lei
de forma perfeita, sendo obediente até a própria morte. Ele tomou sobre si a maldição da lei. Ele se
torna o fundamento da justificação para o eleito.
o O cumprimento total da lei por Cristo, pois fim a Lei Cerimonial (sacrifícios de sangue, o guardar dias
especiais, abstenção alimentos, etc.).
· Ele não só cumpriu a lei perfeitamente, mas também interpretou a lei de forma perfeita,
permitindo aos que comprou na cruz, entendê-la de forma mais completa, mais abrangente.
· Os que nele crêem agora também podem cumprir os aspectos necessários da lei para uma vida
santa. No entanto, esses que por ele são salvos não são mais dependentes da lei para sua salvação. Por
isso há uma diferença clara entre os que chegam ao Reino dos Céus: alguns serão considerados maiores
do que outros.
· Cristo ao cumprir a lei, ab-roga a maldição da lei, mas não a sua magisterialidade. A lei continua
com o seu papel de ensinar ao ser humano a vontade de Deus. A ab-rogação da maldição da lei é aquilo
a que Paulo se refere em textos como Rm 6.14 e Gl 2.16 – estamos debaixo da graça! A lei continua no
seu papel de nos ensinar, pela obra do Espírito Santo. Não somos mais condenados pela lei nem servos
da mesma. A lei, por expressar a vontade de Deus, se torna um prazer.
Portanto, nossa obediência à lei não acontece e não pode acontecer sem Cristo. Tentar viver
debaixo da lei, sem Cristo, é submeter-se à escravidão. Porém, obedecer à lei com Cristo é prazer e vida.
Também, nesse sentido, Cristo é o fim da lei!
Antonio José do Nascimento Filho – Ministro Presbiteriano, mestre em teologia (Th.M) e doutor em
Missiologia (D.Miss) pelo Reformed Theological Seminary
Introdução
Antes de analisar o ensino dos reformadores sobre o laicato, um retrospecto geral mostrará a
posição da Igreja Católica Romana com respeito ao assunto no período da Reforma.
A assim chamada Idade das Trevas manteve a tendência já mencionada. Enquanto a igreja e o
estado continuavam a disputar a sujeição da massa popular, o cristão comum não se sentia estimulado a
ir muito além de seguir as regras e regulamentos impostos pela igreja.
A tradição da Igreja Católica Romana fez uma nítida diferenciação entre leigos e religiosos. Estes
eram os que assumiram as ordens, compreendendo dois grupos, os sacerdotes e os monges. A
ordenação era a designação para um determinado ofício, feita por um bispo, incluindo autorização e
responsabilidade para realizar os deveres do ofício atribuído. A distinção entre o clero e o laicato foi
mantida e aceita como divinamente estabelecida.
Na teologia e ensino católico, o sacerdócio consagrado pelo sacramento da ordem era visto
como comissionado para cumprir a tríplice função do ofício sacerdotal: ensino, administração e
santificação. Assim, o sacerdote, como membro da hierarquia, cumpria a missão da igreja divinamente
estabelecida como autoridade de ensino e agente sacramental, tornando disponíveis ao laicato os meios
de graça através dos sacramentos.
A distinção entre o laicato e o clero na tradição católica romana era correspondente à distinção
entre igreja e o mundo. A igreja era concebida como societas perfecta (sociedade perfeita), porém
inequalis (desigual), com os status clericalis e laicalis, tendo cada grupo seus respectivos direitos e
responsabilidades.
O clero, com o direito e a responsabilidade de administrar os sacramentos, era ordenado para
uma vocação sagrada. O laicato, que precisava receber os sacramentos e o ensino, devia procurar o seu
trabalho no mundo, o ambiente profano. Eclesiasticamente, a igreja, o ambiente sagrado, tinha
prioridade sobre o profano. Implícita nessa distinção estava a valorização do ofício do clérigo. Os
monásticos, que renunciavam à participação eclesiástica no mundo (isto é, o profano) por assumirem os
votos de celibato, pobreza e obediência, eram designados para a atividade religiosa.
Martinho Lutero (1843-1546), em sua obra Apelo à Nobreza Cristã da Nação Germânica, rejeitou
a estrutura hierárquica da Igreja Católica Romana, bem como a distinção entre clero e laicato. O
princípio do sacerdócio universal de todos os crentes, visto como um ensino essencial da Palavra de
Deus, forneceu uma base para a insistência na primazia do laicato nas igrejas protestantes. A vocação do
ministério, visto como necessário para a vida e prática da igreja, era responsabilidade delegada a
pessoas da comunidade dos crentes, que eram comissionadas pela congregação para ensinar, pregar e
participar do culto e da adoração. Assim, aqueles que eram comissionados para serem ministros
tornaram-se oficiantes para as ocasiões ritualísticas.
João Calvino (1509-1564) enfatizou a importância de todos os membros da igreja, que eram
coletivamente o laicato, viverem de tal modo a realidade de sua condição de eleitos de Deus que ficasse
evidente em sua atividade no mundo a manifestação da glória de Deus e a realização diligente desse
mandamento. Embora o princípio teológico do sacerdócio universal de todos os crentes tenha sido
fundamental ao protestantismo, na prática o ministério ordenado era tido como prioridade na
manutenção de seu ensino, pregação e responsabilidades litúrgicas, para o que eram necessários
treinamento e educação teológica.
A teologia da Reforma é amplamente dominada por duas perguntas: Como posso ter um Deus
gracioso? E Onde posso encontrar a verdadeira igreja? A unidade desse dois problemas fundamentais –
a busca de um Deus gracioso e da verdadeira igreja – pode ser vista com surpreendente clareza nas
teologias de Martinho Lutero e João Calvino. Para Lutero, por exemplo, a resposta a ambas as
indagações era dada com radical simplicidade no evangelho do livre perdão, da justificação pela graça
imerecida de Deus recebida somente por meio da fé.
A. O Centro Cristológico em Lutero e Calvino
(...)
A doutrina da igreja não podia ser deixada como Lutero a tinha definido; outros reformadores
tentaram desenvolver uma doutrina mais abrangente e praticável. A linha defendida por Calvino, Martin
Bucer e os primeiros puritanos acentuava o conceito do povo reunido. Para Calvino, por exemplo, o que
constitui a igreja é, externamente, à aliança entre Deus e seu povo e, interna e substancialmente, a
união com Cristo por meio do Espírito Santo.
Calvino enfatizou a verdade inegável de que a verdadeira igreja está fundamentada sobre Jesus
Cristo (centro cristológico). A triologia “sacerdote, profeta e rei” está presente na Escritura no ministério
de reis, profetas e sacerdotes do Velho Testamento. Em um contexto neotestamentario, a trilogia foi
usada nos escritos dos pais da igreja, para explicar o relacionamento existente entre as unções de reis,
profetas e sacerdotes no Velho Testamento, a unção messiânica de Jesus e a justa nobreza do título que
lhe foi dado de Cristo, o Ungido.
Calvino via Jesus como o complemento auspicioso dos profetas do Velho Testamento, “como o
rei que foi vitorioso sobre seus inimigos e como o sacerdote que mediou com o Pai em favor de seu
povo”. Ele ensinou que “os ofícios recebidos por Cristo por meio de sua unção com o Espírito Santo e as
bênçãos desse Espírito transbordaram para os seguidores de Jesus”.
Calvino apresenta uma doutrina mais externa e formal da igreja do que Lutero. Ele inclui a
disciplina ao lado da Palavra e dos sacramentos como marcas essenciais da verdadeira igreja.
(...)
A igreja, a Palavra e o ministério estão inseparavelmente relacionados no pensamento de
Calvino, como se vê, por exemplo, em seus comentários sobre 1 Timóteo 3.15.
(...)
Nas Institutas, Calvino afirma: “Pois Cristo é o Cabeça da igreja, e seu Espírito opera dentro dela,
distribuindo dons variados individualmente, e preeminentemente os dons de amar, unificar e santificar
seus membros”.
A Confissão de Fé Francesa (1559) foi publicada pelo sínodo nacional da Igreja Reformada da
França. Seu principal autor foi Calvino. Os artigos XXV a XXVIII tratam da igreja e seus ministros. Essa
confissão de fé afirma notavelmente que a igreja como povo de Deus é compreendida por aqueles que
seguem obedientemente a Palavra de Deus.
A Confissão de Fé Escocesa (1560) foi principalmente obra de John Knox, tendo sido ratificada
pelo Parlamento Escocês em 1567. Esta afirma que a igreja verdadeira é caracterizada pela autêntica
pregação, pela administração dos sacramentos e por sua universalidade, reunindo os crentes de todas
as nações e línguas.
A Confissão de Fé Helvética (1566) foi adotada por todas as igrejas reformadas suíças e
permaneceu em vigor até meados do século XIX. Esta também enfatiza que a igreja é uma assembléia
dos fiéis chamados ou reunidos do mundo; uma comunhão de todos os santos, que pela fé participam
dos benefícios oferecidos por meio de Cristo. (...) Estabelece que o ofício do ministro é uma prerrogativa
e uma providência do próprio Deus para o estabelecimento, governo e preservação da igreja. No Novo
Testamento, os ministros foram chamados de apóstolos, profetas, evangelistas, bispos (supervisores),
anciãos, pastores e mestres (Ef 4.11).
A Confissão fala de bispos (definidos como supervisores e vigias da igreja, que administram o
alimento e as necessidades da vida da igreja), anciãos, pastores e mestres, como sendo suficientes para
aqueles dias. Dá ênfase aos ministros da igreja como servos.
Todos os crentes,ordenados e não ordenados, derivam o seu sacerdócio daquele único, santo e
eterno sacerdócio de Cristo.
A boa-nova do Novo Testamento é que não mais existem o sacerdócio da classe clerical do
Velho Testamento e o laicato não sacerdotal.
Desde a Reforma Protestante, o ofício dos crentes tem sido comumente caracterizado como o
sacerdócio de todos os crentes, e os vários direitos e deveres do laicato muitas vezes têm sido baseados
no fato desse sacerdócio.
(...)
1 – Martinho Lutero
A doutrina do sacerdócio universal de todo os crentes estava no coração da reforma de Lutero.
Sua afirmação do sacerdócio universal deriva diretamente de seu conceito fundamental da igreja. O
evangelho é o verdadeiro tesouro da igreja e a fonte de sua vida; ele é expresso e incorporado na
palavra pregada e nos sacramentos (palavras visíveis); o evangelho é a possessão de todo crente. Assim,
todos os cristãos são constituídos sacerdotes pelo evangelho em sua dupla forma de palavra e
sacramentos, pois todos são participantes dos mesmos3[3].
2 – João Calvino
A idéia do sacerdócio de todos os crentes amadurecida na mente de Calvino estava ligada à sua
convicção de que o crente não requeria a mediação de um sacerdócio humano em sua aproximação a
Deus. Para Calvino, o sacerdócio universal é entendido como algo que expressa a relação entre o crente
e seu Deus.
(...).
Calvino não negou a validade do sacerdócio e ministério dos líderes ordenados, mas apôs-se
violentamente aos abusos do clericalismo, que negava as pessoas leigas seus plenos direitos e
responsabilidades como servos de Deus redimidos e restaurados.
Além disso, deve-se acentuar o papel decisivo dos magistrados nas igrejas da Reforma como um
dos princípios fundamentais da teologia protestante. A Reforma tinha sido uma tentativa de afastar a
dominação clerical e de dar ao laicato uma participação significativa no governo da igreja. Em 1520,
Lutero havia apelado aos nobres alemães, como membros do sacerdócio universal, para assumirem a
reforma da igreja.
Há, certamente, uma diferença de natureza entre igreja e estado, exatamente como há entre
cristão e cidadão, mas não precisa ser uma diferença de pessoa; o mesmo indivíduo pode ser tanto
cristão quanto cidadão. Na mente de Lutero, a autoridade espiritual da igreja é exercida somente sobre
a alma. Essa autoridade é persuasiva e não coercitiva. (...).
A autoridade temporal do magistrado (governante), por outro lado, é entendida como uma
autoridade sobre os corpos e bens dos homens, não sobre as suas almas. È coercitiva em vez de
persuasiva. Entretanto, embora o magistrado, sendo leigo, não possa decidir sobre doutrina, deve
esforçar-se para que ela seja mantida. O seu primeiro dever é a prosperidade da glória de Deus.
3[3] Lutero compreendia que todo crente era um sacerdote, pois todos os crentes podiam pregar o
evangelho e participar dos sacramentos. Também acreditava que todo crente poderia ter uma relação
direta com Deus por meio da Palavra.
Neste ponto, as fórmulas luteranas parecem aproximar-se da visão calvinista do magistrado
como executivo da igreja. Ainda que, em certo sentido, os dois domínios devam manter-se separados,
em outro sentido o magistrado é, ele próprio, um membro da igreja e participante do sacerdócio
universal.
Para Calvino, esses eram domínios distintos que não deveriam misturar-se. Entretanto ambos
deviam sujeitar-se a lei de Deus. (...). Contudo, Calvino nunca daria ao magistrado autoridade para
decidir questões de doutrina ou iniciar atos de jurisdição eclesiástica. Não cabe aos magistrados usurpar
a autoridade dos ministros ou impor-se à igreja acerca de seus próprios assuntos internos.
O termo hebraico para “povo” (´am) em muitos casos é traduzido na Septuaginta (tradução
grega do Velho Testamento) pela palavra grega “Laos”.
Os termos leigo e laicato têm a sua origem no ensino do Novo Testamento de que os cristãos,
como herdeiros da bênção do povo de Deus do Velho Testamento, constituem o laos Theou (povo de
Deus), conforme Atos 15.14, Hebreus 4.9, 1 Pe 2.10. (...) Hoje entretanto, os termos leigo e laicato são
frequentemente usados para distinguir nitidamente entre ministros ordenados e membros comuns da
igreja, com a conotação de que laicato compreende os cristãos de classe inferior. O termo “laos” nunca
é usado no Novo Testamento para fazer uma distinção entre a comunidade cristã dos que crêem e os
seus líderes.
A palavra grega para ministério é diakonia, sendo significativo que no tempo do Novo
Testamento esse termo era, como ainda é, o meio mais adequado para designar de modo abrangente os
obreiros da igreja e ao seu trabalho. Quando Paulo apresenta os relatos de várias funções realizadas por
indivíduos (leigo) na igreja primitiva (1 Coríntios 12.4-30; Ef 4.7-12), ele fala da variedade dos
ministérios. Refere-se a si mesmo e a outros obreiros como ministros, e ao seu trabalho como
ministérios de reconciliação (2 Coríntios 3.6; 11.23; 2 Coríntios 5.18-21,25).
Na carta aos Efésios, ao resumir o significado dos apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e
mestres, Paulo usa a mesma palavra: o trabalho do ministério. Em Atos, o próprio apostolado é descrito
em termos de diakonia (At 1.17; Efésios 4.11,12). A palavra ministério, quer em grego ou em português,
significa simplesmente serviço; e embora ela tenha rapidamente passado a designar um ofício
eclesiástico especifico, o ofício do diácono, o seu sentido original mais amplo nunca foi completamente
perdido.
(...).
Nesse contexto, o ministro pastoral (diakonos) ocupa o seu lugar, não acima, mas ao lado de
todos os membros do corpo, cada um dos quais tem a sua própria diakonia (serviço, ministério) para
realizar. (...).
O livro de Atos dos Apóstolos e as cartas de Paulo mencionam muitas pessoas que foram
essenciais à vida da igreja em seu nascedouro e na disseminação do evangelho. Muito mais que uma
responsabilidade, a proclamação das boas novas em Cristo era um estilo de vida para a comunidade
neotestamentária. O evangelismo era então responsabilidade de todos os crentes. (...).
Nos dias dos reformadores o termo descrente aplicava-se a muitos que Roma considerava fiéis.
Para os reformadores, descrentes eram todos os que, por qualquer razão, não confessavam ou viviam a
fé revelada no evangelho. A verdadeira Reforma da igreja requeria a aceitação do evangelho por
aqueles que tinham sido mantidos na ignorância do seu poder. A tarefa de difundir esse conhecimento
verdadeiro de fé e vida exposto na Escritura Sagrada foi entregue aos membros comuns da igreja.
Entre os reformadores, nenhum falou com mais clareza do que João Calvino a respeito da
questão da comunicação leiga da fé cristã. Calvino apela repetidas vezes aos crentes no sentido de
demonstrarem interesse por seu próximo descrente. No contexto da época (século XVI), descrentes
eram as pessoas comuns do rebanho católico ou aqueles que se livraram da dominação romana, mas
não aderiram à Reforma (ao evangelho pregado pela reforma).
Conclusões:
Implicações:
Cada crente tem um ministério a desempenhar De acordo com a compreensão bíblica da igreja, todo
cristão é criado à imagem de Deus, e este concede a cada um dons para ministérios de significação
eterna.
§ Cada membro do Corpo de Cristo tem o direito e o dever de realizar a obra missionária da igreja.
Aula nº 8
Definição de Trabalho
É o esforço físico ou intelectual, com vistas a um determinado fim. O verbo “trabalhar” provém do latim
vulgar tripaliar (torturar com – o tripallium, instrumento de tortura de três paus, que também servia
para “ferrar os animais rebeldes”). O termo evoluiu, tomando o sentido de “esforçar-se”, “laborar”,
“obrar”.
Ainda na Idade Média, especialmente a partir do século XI, a posição ocupada pelo trabalho era regida
pela divisão gradativa de importância social: Oradores (oratores, eclesiásticos), defensores (bellatores,
guerreiros) e trabalhadores (laboratores, agricultores, camponeses). Os eclesiásticos, no seu ócio e nas
suas abstrações “teológicas”, ocupavam lugar de proeminência. No currículo das universidades
medievais era explícita a visão desprivilegiada do trabalho: “... as disciplinas “mecânicas” ou “lucrativas”
[...] eram banidas da escola, deixadas para os leigos pecadores e “iletrados” (illiteratus quer dizer aquele
que ignora o latim, que não estudou as artes liberais).
A Perspectiva de Calvino
Calvino, fundamentando-se nas Escrituras, é um dos raros teólogos a pôr em evidência, com tanta
clareza, a participação do trabalho do homem na obra de Deus. Dessarte, conferiu ele ao labor humano
dignidade e valor espirituais que jamais teve na Escolástica, nem, por mais forte razão, na antiguidade.
Este fato irá ter grandes repercussões no desenvolvimento econômico das sociedades calvinistas
Lutero e Calvino concordavam quanto à responsabilidade do homem de cumprir sua vocação por meio
do trabalho. Não há lugar para ociosidade. O trabalho é “bênção de Deus”. Além disso, ele está
relacionado ao progresso da raça humana. Lutero fortaleceu a idéia de que se trata de uma vocação
divina. Calvino afirmou:
Se seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que não há trabalho
insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus.
O amor ao próximo faz com que o honesto trabalho não se limite a satisfazer nossas necessidades, mas
também a ajudar nossos irmãos: “O amor nos leva a fazer muito mais. Ninguém pode viver
exclusivamente para si mesmo e negligenciar o próximo. Todos nós temos de devotar-nos à ação de
suprir as necessidades do próximo”.
Segundo Calvino, “a indolência e a inatividade são amaldiçoadas por Deus”. Todavia, a graça de Deus
atenua a severidade de punição, anexando ao labor humano uma dose de satisfação que deveria
caracterizar primariamente o trabalho.
Ainda que o dinheiro emprestado a juros seja permitido, é o trabalho honesto, fruto do labor, que deve
ser fonte de recursos para o sustento da família; não se deve aproveitar das necessidades alheias,
vivendo-se simplesmente de transações financeiras. A usura ilícita é condenada. Um princípio justo é
que em todas as negociações haja benefícios para ambas as partes. O ganho ilícito, através do qual o
patrimônio é dilapidado, é iniqüidade, uma forma de furto. Portanto, “não se deve fazer um uso
pervertido dos labores que outras pessoas empreendem em seu próprio benefício”.
Calvino defendeu três princípios éticos fundamentais: trabalho, poupança e frugalidade. A poupança
deveria ter sempre o sentido social. Comentando 2 Coríntios 8.15, ele declara:
Moisés admoesta o povo que por algum tempo fora alimentado com o maná, para que soubesse que o
ser humano não é alimentado por meio de sua própria indústria e labor, senão pela bênção de Deus.
Assim, no maná vemos claramente como se ele fosse, num espelho, a imagem do pão ordinário que
comemos, [...] O Senhor não nos prescreveu um ômer ou qualquer outra medida para o alimento que
temos cada dia, mas ele nos recomendou a frugalidade e a temperança, e proibiu que o homem exceda
por causa da sua abundância.
Por isso, aqueles que têm riquezas, seja por herança ou por conquista de sua própria indústria e labor,
devem lembrar que o excedente não deve ser usado para intemperança ou luxúria, mas para aliviar as
necessidades dos irmãos. [...] Assim como o maná, que era acumulado como excesso de ganância ou
falta de fé, ficava imediatamente purificado, assim também não devemos alimentar dúvidas de que as
riquezas que são acumuladas à expensa de nossos irmãos são malditas, e logo perecerão, e seu
possuidor será arruinado juntamente com elas, de modo que não conseguimos imaginar que a forma de
um rico crescer é fazendo provisões para um futuro distante e defraudando os nossos irmãos pobres
daquela ajuda que a eles é devida.
“Repartir com os outros” tem uma referência mais ampla do que fazer o bem. Inclui todos os deveres
pelos quais os homens se auxiliam reciprocamente; e é um genuíno distintivo do amor que os que se
encontram unidos pelo Espírito de Deus comunicam entre si.
Seguem alguns princípios apresentados e vivenciados por Calvino concernentes ao uso dos bens
concedidos por Deus (suas orientações refletem a fundamentação teológica de sua prática).
1. Em tudo devemos contemplar o Criador e dar-lhe graças. A ingratidão para com Deus é resultado, em
parte, de nossa desconsideração de seus feitos para conosco. Portanto, devemos cultivar o tipo de
sensibilidade espiritual que nos faça enxergar com gratidão e louvor os atos de Deus em nossa
existência, a fim de não sermos injustos para com ele. Os recursos de que dispomos devem ser um
estímulo a sermos agradecidos a Deus por sua generosa bondade.
(...).
2. Devemos viver neste mundo com comedimento, sem colocar o coração nos bens materiais; tais
preocupações nos fazem esquecer da vida celestial e de “adornar nossa alma com seus verdadeiros
atavios”. (...).
A moderação deve pautar o uso de nossos bens (Jo 15.19; 17.14; Fp 3.20; Cl 3.14; Hb 11.16; 1 Jo 2.15).
Devido aos nossos desejos incontrolados, devemos rogar a Deus que nos dê moderação, “pois a única
forma de agir com moderação própria é quando Deus governa e preside nossos afetos”. Para que não
nos ensoberbeçamos, Deus, que nos conhece de modo perfeito, preventivamente equilibra a
abundância com a amargura, para que não sejamos tentados.
3. Suportemos a pobreza; usemos moderadamente da abundância. “Tanto sei estar humilhado, como
também ser honrado...” (Fp 4.12). Tendo em vista essas palavras de Paulo, Calvino disse: “Para
assegurarmos que a suficiência [divina] nos satisfaça, aprendamos a controlar nosso desejos de modo a
não queremos mais do que é necessário para a manutenção de nossa vida”.
Nosso desejo incontrolado nos coloca em oposição direta à vontade de Deus. A tendência é de nos
envaidecermos com a abundância e nos deprimirmos com a carência. Para muitos de nós, não se
ensoberbecer com a riqueza pode ser mais difícil do que não se desesperar com a pobreza. “Aquele que
é impaciente sob a privação manifestará vício oposto quando estiver no meio do luxo. Paulo sabia, por
experiência própria, agir de modo santo em ambas as circunstâncias. Em tudo, ele era agradecido a
Deus (1 Ts 5.18), sabendo que, em Cristo, poderia suportar e vencer qualquer situação. O apóstolo é
exemplo de simplicidade em qualquer conjuntura (Fp 4.12).
Calvino observa que temos de usar moderadamente dos recursos que Deus nos deu, para que não
caiamos na torpeza do excesso, da vanglória e da arrogância (Rm 13.14). O reformador insiste também
no ponto de que aqueles que não aprenderem a viver na pobreza, quando ricos, revelarão sua
arrogância e orgulho. Ele de igual modo acredita que é na pobreza que tendemos a nos tornar mais
humildes e fraternos. Devemos aprender a repartir e também a ser assistidos pelos nossos irmãos. (...).
4. Somos administradores dos bens de Deus. Devemos ser benevolentes como o Pai celestial, praticando
atos de bondade em favor do próximo, sendo despenseiros dos dons da graça de Deus. Precisamos nos
lembrar dos seguintes pontos:
· Tudo pertence a Deus – O que temos é um depósito do que um dia teremos que prestar conta (Lc
16.2).
· O sentido da riqueza está em fazer o bem – Segundo Calvino, a riqueza residia em não desejar
mais do que se tem, e a pobreza, o oposto.
· A justa graça de compartilhar com alegria – Notemos bem como podemos ser sempre liberais
mesmo quando mergulhados na mais terrível pobreza, se suprimos as deficiências de nossas bolsas pela
generosidade de nossos corações. A grandeza de nosso trabalho não está simplesmente no que
fazemos, mas como e com qual objetivo o fazemos. (...) Nossa “riqueza”, ou seja, suficiência, como
resultado da bondade de Deus, tem um sentido social. (...) Ajudar aos necessitados deve ser entendido
não como a perda de algum bem, antes, como um privilégio que é concedido a nós pela graça de Deus,
que nos capacita a ser generosos e a suportar com paciência as tribulações. No entanto esta ajuda não
poderá ser com arrogância; antes deve ser praticada com amor, prontidão, humildade, cortesia e
simpatia.
· O valor de cada um – As pessoas devem ser avaliadas não pelo seu dinheiro, mas por sua piedade.
Os piedosos aprendem a reverenciar e a imitar os genuínos servos de Deus.
· Socorro e oração – Da oração do Senhor, Calvino extrai o principio de que devemos nos preocupar
com todos os necessitados. Contudo, sabendo da impossibilidade de conhecermos a todos e de termos
recursos para ajudar a todos os que conhecemos, diz que a ajuda não exclui a oração nem esta àquela.
Aula nº 9
A pregação, como uma forma distinta de comunicação da vontade de Deus revelada na sua
Palavra, está em declínio. Em muitas igrejas ela tem sido substituída por um número cada vez maior de
atividades.
Há 30 anos4[4], o Dr. Martyn Lloyd-Jones foi convidado a proferir uma série de conferências no
Westminster Theological Seminary, em Filadélfia. Nessas palestras, publicadas em 1971 com o título
Pregação e Pregadores, ele enfatizou que a pregação é a tarefa primordial da igreja e do ministro, e
explicou que estava ressaltando isso “por causa da tendência, hoje, de depreciar a pregação em prol de
várias outras formas de atividade”. A situação não melhorou. John J. Timmerman observou, quase vinte
anos depois, que “em muitas igrejas o sermão é uma ilha que diminui cada vez mais em um mar
turbulento de atividades”.
Mesmo igrejas de tradição reformada parecem estar sucumbindo paulatina, mas progressivamente, a
essa tendência, e o lugar da pregação no culto tem perdido importância. John Frame, teólogo de
tradição reformada, publicou há dois anos o livro Culto em Espírito e em Verdade: Um Estudo
Estimulante dos Princípios e Práticas do Culto Bíblico. No livro o autor nega, entre outras coisas, que a
pregação seja função restrita dos ministros da Palavra, ou mesmo dos presbíteros em geral, considera a
dramatização e o diálogo métodos legítimos de ensino no culto publico, e não vê razão pela qual um
culto público não possa ser inteiramente musical. (...)
Muitas são as razões para o declínio contemporâneo da pregação. O surgimento de novos meios de
comunicação e de novas mídias interativas, a aversão do homem pós-moderno pela verdade objetiva ou
absoluta, a secularização da sociedade, o afastamento do cristianismo das Escrituras, e a própria
corrupção da pregação, em muitos púlpitos degenerada em eloqüências de palavras, demonstração de
sabedoria humana, elucubrações metafísicas, meio de entretenimento, ou embromação pastoral
dominical, certamente são algumas delas. Uma das principais razões, entretanto, diz respeito à
Todas estas tendências, influências e concepções produziram resultados devastadores sobre a pregação
nos meios evangélicos. Ela tornou-se como que um apêndice no culto público, e as conseqüências, sem
dúvida, se têm feito sentir na vida da igreja. Na perspectiva reformada, o declínio do lugar da pregação
no evangelicalismo moderno é uma constatação seríssima. Se a teologia reformada com relação à
pregação reflete o ensino bíblico, então muito do estado presente da igreja cristã, se explica como
resultado desse declínio da pregação. Meu propósito com este artigo é apresentar, resumidamente, o
ensino reformado concernente à natureza, importância, eficácia e propósito da pregação.
1 – A Natureza da Pregação
O conceito reformado de palavra de Deus é mais amplo do que aquele geralmente compreendido pela
expressão. Ele inclui a palavra escrita: a Bíblia; a palavra encarnada: Cristo; a palavra simbolizada ou
representada: os sacramentos do batismo e da ceia; e a palavra proclamada: a pregação. Na teologia
reformada, portanto a pregação da Palavra de Deus é palavra de Deus. (...)
Isto não significa identificação absoluta da palavra pregada com a palavra escrita. As Escrituras são
definitivas e supremas, inerentemente normativas, enquanto que a autoridade da pregação é sempre
delas derivada e a elas subordinadas. Não significa também que a pregação seja inspirada ou inerrante.
Os pregadores, por mais fiéis que sejam na exposição das Escrituras, não são preservados do erro como
o foram os autores bíblicos. Muito menos significa que os ministros da Palavra sejam instrumentos de
novas revelações do Espírito.
5[5] O uso do termo arauto para descrever o ofício do pregador encerra duas implicações. Primeiro, que
não lhe compete inventar sua mensagem, mas transmiti-la e explicá-la. O arauto não transmite a
mensagem como mero instrumento sonoro, como uma trombeta ou tambor; ele é um meio inteligente
de comunicação...; ele tem um cérebro além de uma língua; e espera-se que ele entregue a mensagem e
a explique conforme o Senhor desejava falar ao povo.
em pleno uso de suas peculiaridades humanas, assim também a palavra pregada não deixa de ser de
Deus por ser mediada pela personalidade do pregador.
2 – A Relevância da Pregação
Em virtude dessa elevada concepção da pregação como Vox Dei, a fé reformada atribui à proclamação
pública da Palavra de Deus a maior importância. Na tradição reformada a pregação é considerada como
o principal meio de graça, como a tarefa primordial da igreja e do ministro da Palavra, como o elemento
central do culto, como marca genuína da verdadeira igreja e como o meio por excelência pelo qual é
exercido o poder das chaves.
Na teologia reformada a pregação é um meio de graça. Ela e a ministração dos sacramentos são as
ordenanças pelas quais o pacto da graça é administrado na nova dispensação.
De fato, na concepção reformada, a pregação é o mais excelente meio pelo qual a graça de Deus é
conferida aos homens, suplantando inclusive os sacramentos. Os sacramentos não são indispensáveis; a
pregação é. Os sacramentos não tem sentido sem a pregação da Palavra, sendo-lhe subordinados. Os
sacramentos servem apenas para edificar a igreja; a pregação, além disso, é o meio por excelência pelo
qual a fé é suscitada; é o poder de Deus para salvação.
No culto medieval, a pregação era considerada, no máximo, como elemento preparatório para a
ministração e recepção dos sacramentos. Na concepção reformado-puritana, “a leitura das Escrituras,
com santo temor, a sã pregação da Palavra e a consciente atenção a ela em obediência a Deus com
entendimento, fé e reverência...” são os principais elementos do culto a Deus na dispensação da graça.
A Reforma restaurou a pregação à sua posição bíblica, conferindo a ela a centralidade no culto público.
Na antiga dispensação, o elemento central do culto público era o sacrifício, uma pregação simbólica
apontando para o sacrifício de Cristo. Na nova dispensação, havendo Cristo oferecido a si mesmo como
o Cordeiro Pascal que tira o pecado do mundo, não há mais lugar para sacrifícios. A pregação da Palavra
é a legitima substituta do sacrifício como atividade central do culto na dispensação da graça. O que o
sacrifício proclamava de forma simbólica e pictória na antiga dispensação, deve ser agora anunciado de
forma oral, pela leitura e pregação da Palavra.
Porquanto na pregação Cristo fala e se faz presente, governando e ensinando a igreja, a fé reformada é
unânime em considerar que a pregação da Palavra é uma das marcas da verdadeira igreja. Diversos
símbolos de fé reformados, dentre os quais a Confissão Belga (artigo 29), A Confissão Escocesa de 1560
(artigo 18), a Confissão de Fé Francesa de 1559 e a Segunda Confissão Helvética de 1566 (capitulo 17)
professam que a “pregação pura do evangelho”, a “verdadeira pregação da Palavra de Deus”, é uma das
marcas pelas quais a verdadeira igreja de Cristo pode ser reconhecida neste mundo. (...)
De fato, dentre as três marcas da verdadeira igreja geralmente reconhecidas (a pregação, a ministração
dos sacramentos e o exercício da disciplina), a pregação é considerada a mais importante.
3 – A Eficácia da Pregação
Embora tendo a elevada concepção da pregação, a fé reformada não atribui à palavra pregada eficácia
automática, mecânica ou mágica, e nem a associa primordialmente às habilidades e capacidades
pessoais do pregador ou dos ouvintes. A eficácia da pregação, na teologia reformada, depende
fundamentalmente da operação do Espírito Santo e da responsabilidade humana do pregador e dos
ouvintes.
3.1 – A eficácia da pregação e as habilidades pessoais do pregador
Com base em 1 Coríntios 2.1-4 e 2 Coríntios 3.5, a fé reformada sustenta que a eficácia da pregação não
depende, em primeiro lugar, da eloqüência, linguagem elaborada, gesticulação premeditada ou da
capacidade intelectual do pregador. Um pregador pode ser eloqüente, pode gesticular bem, evidenciar
grande capacidade intelectual e, no entanto, sua pregação pode ser completamente ineficaz. De fato,
estas coisas podem tornar-se até em empecilho para a genuína promoção do reino de Deus. O ideal
reformado-puritano da pregação inclui linguagem simples e gesticulação natural.
Com relação ao pregador, a eficácia da pregação depende da capacitação do Espírito para a tarefa (2 Co
3.5-6). É o Espírito Santo quem confere poder à pregação (1 Co 2.4-5 e 1 Ts 1.5). Calvino escreveu que
“nenhum mortal está por si mesmo qualificado para a pregação do evangelho, a não ser que Deus o
revista com o seu Espírito”. (...)
Com relação ao ouvinte, a eficácia da pregação depende, em última instância, da ação iluminadora
interna do Espírito Santo na sua mente e coração. É ele quem abre o coração dos ouvintes para que
compreendam a mensagem (At 16.14). É ele quem escreve a mensagem no coração dos ouvintes (2 Co
3.3). A palavra pregada só se torna eficaz pela operação interna imprescindível do Espírito Santo.
Quanto aos ouvintes, são instados nas Escrituras a considerarem atentamente a Palavra e a não serem
negligentes, mas operosos praticantes (Tg 1.25); a “acolherem com mansidão a palavra em vós
implantada, a qual é poderosa para salvar as vossas almas” (Tg 1.21b); a tornarem-se “praticantes da
Palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1.22).
3.4 – Conclusão
Estas considerações sobre a obra do Espírito Santo e a responsabilidade humana para a eficácia da
pregação não devem levar o leitor a pensar que a pregação da Palavra só se torna eficaz quando obtém
resposta positiva dos ouvintes. A genuína pregação do evangelho nunca é vã. (...) Mesmo quando
rejeitada, a eficácia da palavra pregada se manifesta tornando indesculpáveis os réprobos. Ou a
pregação nos aproxima de Deus, ou nos coloca mais perto do inferno.
Em alguns círculos evangélicos em nossos dias, a pregação parece ter como propósito o entretenimento
do auditório, a exacerbação das emoções, o bem-estar material e emocional dos ouvintes e a promoção
do próprio pregador ou da sua denominação. Ricardo Gondim, pastor da Assembléia de Deus,
reconhece que os púlpitos brasileiros “estão cada vez mais empobrecidos. Pastores animam seus
auditórios com frases de efeito, contentam suas igrejas com mensagens superficiais...” Ele admite que
necessitamos de uma nova Reforma no cristianismo, a qual deve começar pelo púlpito. Em outro artigo,
o mesmo autor comenta que “há uma tendência de transformar a igreja em big business. Pior, big
business do lazer espiritual”. Ele continua: “Pastores e padres abandonaram sua vocação de portadores
de boas novas. Assumiram novos papéis: animadores de auditório e levantadores de fundos. O púlpito
transformou-se em mero palco. A igreja, simples platéia... Sermões podem ser facilmente confundidos
com palestras de neurolinguistica”.
O propósito da pregação reformada é completamente diferente. Ela tem objetivos claros e elevados
com relação ao texto que está sendo pregado, com relação aos ouvintes e, especialmente, com relação
a Deus e ao seu reino neste mundo.
Reformadores e puritanos queriam, com a pregação, informar o intelecto, mover as afeições e motivar a
vontade. Entretanto, o alvo estava além do intelecto, dos sentimentos e das emoções. Eles almejavam
alcançar e converter o coração, o próprio centro da alma humana. E isto eles buscavam, não por meio
de manipulação retórica da audiência, mas através da pregação fiel da Palavra de Deus.
Como o coração é alcançado e convertido? Quando pecadores têm um encontro verdadeiro com Deus
mediado pela pregação do evangelho. O propósito da pregação é dar a homens e mulheres a
oportunidade de vivenciarem a presença de Deus.
A conversão, entretanto, é apenas o começo. Na concepção reformada, o evangelho deve ser pregado
com o objetivo de restaurar nos ouvintes a imagem de Deus corrompida na queda.
A restauração da imago Dei no coração humano é obra do Espírito Santo de Deus por meio da pregação
da Palavra.
A restauração da imago Dei na alma e na vida do homem, não é, contudo, o propósito principal da
pregação reformada. O propósito maior da pregação reformada consiste em promover o reino e a glória
de Deus e destruir o reino de Satanás. Reformadores e puritanos anelavam com a pregação da Palavra,
por um lado, avançar com a obra de Deus no mundo, libertando pecadores da escravidão de Satanás, e
edificar os santos, instruindo-os a viver para a glória de Deus; e, por outro lado, desmascarar e lançar
por terra a obra do diabo.
5 – Conclusão
Em muitos círculos evangélicos contemporâneos e até mesmo entre reformados, o surgimento de novos
meios de comunicação, a aversão do homem moderno por verdades objetivas, a secularização da
sociedade, o afastamento do cristianismo das Escrituras, e especialmente a concepção moderna da
pregação como uma atividade meramente humana, têm resultado em evidente declínio da pregação.
Outras atividades têm tomado o seu lugar no culto, e a pregação tem sido relegada a um plano
secundário no culto e na vida da igreja.
Na concepção reformada, entretanto, a pregação pública da Palavra de Deus é considerada não como
palavra de homem, mas como Vox Dei. Na proclamação solene da Palavra de Deus por arautos
comissionados pelo próprio Deus. Cristo se faz presente, fala e governa a igreja. A fé reformada tem
uma concepção quase que sacramental da pregação. Ela professa a real presença espiritual de Cristo na
pregação, assim como na Ceia.
Em virtude dessa elevada concepção quanto à sua natureza, a teologia reformada atribui grande
importância à pregação. Na teologia reformada, a pregação é imprescindível. É o principal meio de
graça, a tarefa primordial da igreja e do ministro, o principal elemento de culto na dispensação da graça;
constitui-se em marca essencial da verdadeira igreja, e meio pelo qual o reino de Deus é aberto ou
fechado aos pecadores. Isto não significa que a fé reformada atribua eficácia automática à pregação. A
eficácia da pregação também não está, primordialmente, nas habilidades pessoais do pregador ou dos
ouvintes. Está, sim, na operação do Espírito Santo, tanto na preparação e entrega da mensagem, como
na sua recepção. Os pregadores devem laborar na interpretação da Palavra, e transmiti-la fielmente. Os
ouvintes, devem receber com atenção, reverência, fé e obediência a palavra pregada. Contudo, somente
o Espírito Santo pode conferir eficácia à pregação, assistindo e capacitando o pregador, e iluminando e
convencendo os ouvintes do pecado e da graça de Deus em Cristo. Não obstante, independentemente
da resposta dos ouvintes, a genuína do evangelho nunca é vã. O reino de Deus é promovido também na
condenação dos réprobos. O propósito da pregação reformada consiste na fidelidade ao sentido,
significado e propósito do texto; na conversão e restauração da imagem de Deus nos ouvintes; e na
promoção do reino e da glória de Deus no mundo. Que a Vox Dei seja ouvida na alma e na vida dos
ouvintes, com vistas à promoção do reino e da glória de Deus no mundo.
Aula nº 10
CONSTRUINDO NOSSA PERCEPÇÃO E LEITURA HISTÓRICA SOBRE A AMÉRICA LATINA E SEUS PROBLEMAS
Antonio José do Nascimento Filho – Pastor da Igreja Presbiteriana e coordenador do Departamento de
Teologia Pastoral do Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper. Mestre em Teologia (Th.M) e doutor em
Missiologia (D. Miss) pelo Reformed Theological Seminary, Jackson, Mississipi, Estados Unidos.
Resumo
Neste artigo estamos apresentando diversas perspectivas teológicas diferentes, a respeito da relação
entre ação social e evangelismo, com a finalidade de enriquecer a nossa visão de mundo cristão.
Evidentemente certas perspectivas teológicas, fomentadas por determinados teólogos, dificilmente
passariam pelo crivo da Palavra de Deus.
Entretanto, procuramos neste artigo lançar para uma melhor compreensão teológica e missiológica do
papel do engajamento social, além de discutir as implicações mais amplas desta questão para a igreja
contemporânea.
Palavras-Chave
Introdução
A América Latina é um dinâmico tapete, um vivo mosaico, um caleidoscópio. Nenhuma analogia fará
justiça a este continente que, de tão diverso, entrou em crise. O turista só consegue reconhecer a
estreita realidade que lhe é apresentada e assim raramente terá uma percepção justa, correta e
abalizada da realidade latino-americana. Os repórteres internacionais, por sua vez, focalizam
simplesmente aqueles assuntos que servirão para a sua agência internacional: crime, violência,
insegurança e instabilidade econômica. Mui raramente terá o turista, ou o jornalista internacional,
condições de entender a complexidade histórica e espiritual desta vasta área e o seu legado hispano-
lusitano.
O que pode fazer o pesquisador cristão, estudioso da América Latina diante desse quadro?
Evidentemente, é de se esperar que o cristão lance mão de todos os recursos disponíveis para entendê-
la e ao nosso povo.
· Isso acontece porque, muitas vezes, a nossa percepção histórica dos fatos já está preestabelecida.
· Porque a nossa percepção histórica está arraigada nos valores da classe média ou dominante, ou
de um certo contexto socioeconômico.
Se quisermos construir a nossa cosmovisão, precisamos rogar ao Espírito de Deus por iluminação, para
um claro entendimento deste continente, ao fazermos a nossa leitura histórica.
Alguém que viaja pela região, mesmo que seja em um só país, por certo chegará a conclusão de que não
existe uma América Latina somente, mas muitas. Se atentarmos para o ponto de vista étnico, temos
diversas raças: espanhóis, portugueses, índios, europeus, africanos e orientais, numa profunda mistura
genética que faz do “novo mundo” o que ele é.
Pode-se constatar a sua variedade geográfica: das áreas desérticas até as suas florestas tropicais, dos
vastos pampas até a alta Cordilheira dos Andes, que corta quase todo o continente. Pode-se constatar o
mesmo do ponto de vista regional: México ao norte, as nações caribenhas, os países da América Central,
as nações andinas e os países do Cone Sul, incluindo Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
Há de se considerar ainda o aspecto lingüístico. Não existe somente uma língua falada por todos na
América Latina. O espanhol é a língua nacional, na maioria dos países (cerca de trezentos milhões de
habitantes); o idioma inglês é a língua falada em alguns outros (Bahamas, Guiana Inglesa, Belize,
Jamaica); e o português é a língua falada no Brasil (cerca de 160 milhões de pessoas). Contudo, existem
ainda cerca de 670 línguas e dialetos, falados em toda a América Latina. A maioria absoluta dessas
línguas já eram faladas antes mesmo de Colombo pisar nas terras do novo mundo. Há na Guatemala,
por exemplo, 25 línguas diferentes.
Como foi, então, que esta vasta área foi batizada com o nome de “América Latina”? Certamente
Cristóvão Colombo não imaginou isso. Ele estava convicto de que havia descoberto o caminho para a
Índia, ou mesmo que havia alcançado as costas do país. Por estar convencido disto, chamou os nativos
habitantes da terra de “índios”. Imediatamente, a Espanha denominou as terras recém-descobertas de
“Índias Ocidentais” nos seus mapas, cujo título permaneceu por quase quatro séculos. No tempo em
que se tornou claro que as terras descobertas eram, na realidade, o “novo mundo”, já era tarde para
retificar o erro, ou não havia razão para isso, conforme pensavam os colonizadores.
Quando “Estados Unidos da América” foi escolhido como o nome da república norte-americana, os
franceses, por sua vez, começaram a chamar os povos de língua hispânica e portuguesa de latino-
americanos, tendo em vista as línguas de origem latina. (...)
Neste início do terceiro milênio, quando a Igreja de Jesus Cristo enfrenta grandes desafios para a
evangelização do mundo, mudanças radicais devem ser feitas, com o objetivo de atender efetivamente
às necessidades espirituais e humanas de cada grupo.
As rápidas mudanças sociais que ocorrem atualmente na América Latina constituem um vasto
movimento revolucionário de idéias, instituições e indivíduos, que, em sua amplitude e complexidade,
parece desafiar a análise e a descrição. Grandes problemas econômicos estão surgindo, com a demanda
por padrões de vida mais elevados, por melhor assistência médica e por maiores oportunidades
educacionais.
6[6] Entre 1499 e 1502, um homem de negócios de Florença (Itália) que possuía negócios em Sevilla
(Espanha), Américo Vespúcio, realizou três viagens no curso das quais descobriu a foz do Rio Amazonas
e explorou toda a costa da América do Sul, desde a Venezuela até o Rio da Prata (Argentina). Suas
descobertas tornaram-se notórias em toda a Europa da época e, assim, as terras do novo mundo
passaram a ser chamadas de América, em homenagem àquele navegador (Dozer, 1979, p.9).
Entre as mudanças que vêm ocorrendo nos últimos tempos, a preponderante é a demográfica, que
transformou o perfil do globo. E a mudança mais evidente é a incrível explosão generalizada de
habitantes. Neste sentido, os missiólogos Dayton e Frazer comentam:
Para compreender o que isto significa, imaginemos um círculo representando o mundo de 6 bilhões de
pessoas (população mundial em 1999). Podemos dividir os 6 bilhões em três partes, aproximadamente 2
bilhões cada. Um terço dessa população professa a crença em Jesus como Senhor (Dayton & Frazer,
1999, p.3-4).
Nas cidades da América do Sul, uma parcela considerável deste crescimento deve-se à busca de
emprego, ao subemprego. De acordo com Johnstone, “há na América Latina 35 cidades com mais de um
milhão habitantes, número que inclui duas das maiores cidades do mundo – São Paulo (Brasil) e Cidade
do México” (1988, p.64). A imensidão dessa explosão urbana desafia qualquer avaliação.
Embora a América do Sul tenha sido descoberta há cinco séculos, e apesar de ela representar uma
sétima parte da superfície terrestre do planeta, muito pouca atenção tem sido dispensada às imensas
possibilidades de incomparáveis condições dessa região das Américas. Em quase todos os seus países
são enormes as possibilidades de desenvolvimento. Johnstone menciona alguns fatores que
corroboram o ingente e múltiplo empenho com o qual essas nações devem ser focalizadas e
compreendidas:
Rápido crescimento populacional, regimes corruptos despóticos e crescente dívida internacional, desde
1978, têm provocado graves crises econômicas nos anos 80. Brasil, Argentina, Bolívia e Peru têm,
particularmente, sérios problemas de dívida internacional. Em algumas terras, violentas mudanças
podem ser precipitadas pelos baixos padrões de vida, há crescente empobrecimento e somente uma
débil esperança de alguma melhora rápida. O hiato entre as elites ricas e os pobres é um dos que devem
diminuir, se uma mudança pacífica deva ocorrer (ibidem, p.65).
Na passagem do último século, em 1899, quando realizou em Roma seu primeiro plenário, o Concílio
Latino-Americano analisou os perigos que ameaçavam a Igreja Católica Romana, acrescentando o
protestantismo à mesma relação, juntamente com maçonaria, superstição, paganismo, liberalismo e
secularismo. O protestantismo chegou à América do Sul no século dezenove. Os missionários, a maioria
dos quais norte-americanos, juntamente com numerosos convertidos que foram logo arrebanhados,
favoreceram a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade de consciência e a educação pública
universal, como meio de liberdade espiritual e progresso social.
É incontestável que a semente plantada pelos missionários protestantes durante o século dezenove
começou a dar frutos; a despeito da grande oposição da parte da Igreja estabelecida, as igrejas
protestantes foram rapidamente ganhando terreno e não podiam ser desconsideradas. Padilla, em sua
obra The New Face Of Evangelicalism, descreve o desafio que o protestantismo representou para o
catolicismo romana na América do Sul.
Em 1955, o protestantismo tinha se tornado uma questão de tamanha preocupação para a Igreja
Católica Romana que a primeira Conferência Episcopal Latino-Americana (Celan), reunida no Rio de
Janeiro, considerava-o uma das principais forças hostis, o que tornou necessário recorrer à ajuda de
missionários da Europa e da América do Norte (Padilla, 1975, p.77).
Nos tempos atuais, o continente sul-americano encontra-se numa situação dinâmica e revolucionária,
caracterizada por crescimento demográfico explosivo, mobilização interna de massas humanas,
formação de grupos sociais (trabalhadores, estudantes, camponeses), que pressionam em prol de
reformas, incipiente porém acelerado processo de industrialização e desintegração de grupos
tradicionais. O caráter revolucionário da situação emerge da oposição radical entre as forças em conflito
e da nítida piora das condições de miséria, fome, doença, ignorância e ansiedade em que vive a grande
maioria da população, bem como da ausência de canais normais de mobilidade social, que dariam
alguma esperança por um futuro melhor.
Mesmo entre os evangélicos, a situação econômica não é diferente. Qualquer pessoa familiarizada com
o protestantismo na América do Sul sabe que, aí, uma alta porcentagem de cristãos protestantes é
constituída de pessoas pobres. Eles sempre foram historicamente – e grandes contingentes ainda o são
– pobres, incultos e excluídos das decisões mais importantes tomadas pelos líderes nacionais para
melhorar sua própria vida e a de outros na sociedade. Taylor elucida este aspecto de forma bastante
apropriada:
Os missionários enviados à América Latina – ou a qualquer outro lugar para o mesmo propósito – devem
procurar entender as condições contemporâneas. Como missionários, não podemos desfrutar o luxo do
ministério sem uma crescente sensibilidade diante dessas crises. Aqui estão alguns dos fatos penosos
que enfrentam os latinos-americanos. 1. A explosão populacional entre aqueles que não podem
permitir-se ter mais filhos, justamente, os pobres. Há uma população correntemente chegando próxima
de 400 milhões, mas que dobrará dentro de 33 anos ao ritmo atual de crescimento. Onde vão viver? O
que vão comer? Como irão à escola? Quem lhes proverá assistência médica e empregos? 2. Um espírito
predominante de desesperação que tão tragicamente obstrui um desenvolvimento saudável. 3. A
incerteza que haja sistemas políticos e a ânsia contínua por aqueles que tragam estabilidade. Assim,
como missionário na América Latina, tenho sido engolfado pelas duras realidades de meu verdadeiro
contexto latino-americano. Tive de compreender o que estava por trás das ferventes questões da
América Latina (Taylor, 1991, p.53).
Considerando todas estas condições, se o objetivo principal da Igreja é o evangelismo, que, por sua vez,
visa à conversão, esta conversão implica, antes de mais nada, uma mudança radical de estilo de vida,
que passa a envolver pelo menos três relações novas – com Cristo, com a Igreja e com o mundo – as
quais têm importantíssimas conseqüências, uma vez que os resultados do evangelismo incluem:
· Incorporação à sua Igreja (porque pertencer a Cristo é pertencer ao povo de Cristo, conforme Atos
2.4,47).
· Serviço responsável no mundo (porque a conversão perderá todo o sentido se não resultar em
mudança da vida egocêntrica para a vida de serviço sacrificial, conforme Marcos 10.43-45).
Todo cristão é chamado para a missão de evangelização e para testemunhar, em palavras e atos, por
meio do dom que Deus lhe tenha dado.
A palavra “igreja” origina-se do vocábulo hebraico “am” e do termo grego “eklesia”, que vem a significar
“congregação ou ajuntamento de povo”. A Igreja é um centro de fermentação da sociedade
contemporânea. A sociedade secular usualmente a considera uma ordem antiquada, sem a qual o grupo
social e os indivíduos poderiam funcionar de forma mais efetiva. Alguns teólogos e missiólogos, ao
contrário, reconhecem que a Igreja cumpre com o seu propósito divino na medida em que ela se
envolve com a sociedade, renunciando à preservação de uma identidade peculiar. Outros, por sua vez,
colocam a Igreja no coração do propósito divino para a presente era e vêem o crescimento como uma
de suas responsabilidades supremas.
A Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo tem uma importante tarefa a cumprir no mundo atual. A primeira
missão da Igreja, e, por conseguinte, das igrejas, é proclamar o evangelho de Cristo e reunir os crentes
em comunidades cristãs locais, onde possam ser edificados na fé para se tornarem eficazes na obra, e,
por este meio, plantarem novas congregações por todo o mundo. Naturalmente, há muitas outras
tarefas relevantes a serem realizadas pelos crentes em Cristo, seja como indivíduos, seja como
comunidade. Poucos desses objetivos serão realizados, porém, a menos que novos crentes sejam
acrescidos à Igreja universal e que as igrejas existentes cresçam até a plenitude daquele que é sua
Cabeça.
Ao longo dos séculos, a resposta à Grande Comissão (Mateus 28.18-20) incluiu:
· Criação de uma enorme variedade de movimentos, organizações e ordens, que podem ser
agrupadas sob o nome de “movimentos paraeclesiásticos”.
As missões paraeclesiástica são vistas como “braços da Igreja”, com o fim de empreender todo tipo
concebível de boa obra, desde alimentar o faminto até imunizar a população contra enfermidades. Estes
são empenhos dignos de serem alcançados e, de acordo com Gálatas 6.10, que devem ser qualificados
como realizações cristãs. Além disso, deve ficar bem claro que as organizações formadas para cumpri-las
devem proclamar que Deus está perdoando os pecadores e reconciliando-os consigo por meio de Jesus
Cristo, que foi feito Senhor sobre o céu e a terra.
Neste sentido, pergunta-se: Como é que as boas-novas de Jesus Cristo poderão ser eficazmente levadas
a todas as nações, tribos e raças? Certamente, homens dotados, ungidos, terão de cruzar fronteiras e
quebrar barreiras, como pioneiros, para comunicar o evangelho a cada uma dessas pessoas. Somente o
evangelho pode transformar os corações humanos, e nenhuma outra influência torna as pessoas mais
humanas. Entretanto, a fé cristã não pode limitar-se à proclamação verbal. Para além da evangelização
de todo o mundo, o povo de Deus deve mobilizar-se para tornar-se mais sensível ao sofrimento humano
e envolvido no cuidado, ajuda e outros tipos de assistência social, trazendo glória ao Senhor e
promovendo a justiça e a paz entre os homens.
É interessante lembrar, neste contexto, que o termo “missão” deriva da palavra latina missio (enviar),
que se refere à proclamação do evangelho a todos os homens a todas as partes do mundo. Uma vez que
ela objetiva a conversão das nações em todos os tempos (Mateus 28.19,20; Atos 1.8), o envio de
missionários é, portanto, de máxima importância. A interpretação atual da missão vê esta atividade da
Igreja como parte da missio Dei, do Deus triúno, que se propõe a reconciliar o mundo consigo por meio
de Cristo. Assim o Pai envia o Filho, assim eles enviam a Igreja sob a direção e inspiração do Espírito
Santo.
A missão é um instrumento da ação divina na história, para a consumação de seus propósitos entre as
criaturas humanas. Por essa razão, o missiólogo David Bosch lembra que este ofício tem: “origem no
coração de Deus. Ele é uma fonte da qual emana amor. Esta é a mais profunda origem da missão. É
impossível penetrar ainda mais fundo; há missão, porque Deus ama as pessoas” (Bosch, 1992, p.392).
Em seu sentido mais amplo, “missão” é tudo o que a Igreja faz a serviço do Reino de Deus. Em sentido
mais restrito, contudo, refere-se à atividade missionária, à pregação do evangelho entre povos e
culturas que ainda não ouviram falar Dele. Nos meios teológicos, esta discussão tem sido associadas
intimamente à evangelização. O termo “evangelização”, por sua vez, deriva da palavra grega
evanggelion (boas-novas), mensagem anunciada, implantada e desenvolvida para salvar os seres
humanos, todos pecadores. O verbo do Novo Testamento euaggelizesthai (da palavra grega
euaggelizesqai), indica o meio para transmitir o evangelho, as boas-novas de Jesus Cristo.
De acordo com Hesselgrave, “[...] a missão primária da Igreja, e, por conseguinte, das igrejas, é
proclamar o evangelho de Cristo e reunir os crentes em igrejas locais, onde possam ser edificados e
preparados no serviço, a fim de plantarem novas congregações por todo o mundo” (1980, p.20).
Em sentido amplo, a evangelização pode ser vista como a obra integral da Igreja para proclamar o Reino
de Deus (Marcos 1.15). Ela compreende três amplas categorias de ministério:
· Evangelismo – proclamação do evangelho aos ainda não alcançados dentro de nossa própria
sociedade ou cultura.
· Atividade pastoral – ato de prover e aprofundar o evangelho entre aqueles que já o aceitaram.
Evangelizar é participar de uma ação transformadora, isto é, as boas-novas da salvação. Neste sentido, a
evangelização não é um conceito, mas sim uma tarefa dinâmica, encarnada primeiro na vida e ação
salvífica de Jesus Cristo. Portanto, ela não pode ser reduzida a uma fórmula verbal. Evangelizar é
reproduzir pelo poder do Espírito Santo a salvação que foi revelada em Jesus Cristo (Costas, 1989,
p.133).
A inflexível atividade redentiva do Filho de Deus, exposta nesta passagem do Catecismo de Heidelberg,
demonstra-se de forma intensa na atualidade. Obreiros estão sendo enviados por Deus em resposta às
orações de seu povo, o evangelho está alcançando progresso sem precedentes em muitos países,
pessoas de muitas culturas estão nascendo de novo e igrejas estão sendo plantadas. Em contrapartida,
há um notável agravante, apontado por teólogos e missiólogos: o fenômeno das mudanças tão
aceleradas e freqüentes no mundo de hoje. Glasser mostra com sensibilidade que este será um dos
maiores desafios da nova era:
Um dos sintomas deste mal-estar entre os evangélicos é a tensão que algumas vezes podemos observar
entre evangelismo e preocupação social. Nem sempre é fácil harmonizar palavras e ações, pregação e
prática, ou proclamação e demonstração, conjuntamente em uma postura bíblica construtiva. Ambos os
lados, muitas vezes, parecem até ficar orgulhosos pelo fato de estarem dando pouco ou nenhuma
atenção às forças que defendem à oposição oposta. A nosso ver, contudo, nada impede os cristãos de
apreciar a validade bíblica de ambos, em seus mútuos argumentos, e chegar a um consenso que reflita
uma posição bíblica mais completa. Poderiam, então, apresentar ao mundo uma posição cristã mais
forte e mais equilibrada do que poderiam fazer isoladamente.
Cristo chama os cristãos para verem as coisas pela ótica da outra pessoa. Se eles obedecessem,
poderiam obter uma visão muitas vezes mais clara da realidade em seus múltiplos aspectos. O
cristianismo converge para a vida como um todo, não apenas para as suas partes. É preciso um esforço
especial para manter a perspectiva equilibrada, que atenta da forma mais imparcial possível para todo o
panorama.
Os seguidores desta tendência esquecem-se do fato de que o Deus da redenção é também o Deus da
criação, que se assenta sobre o círculo da Terra e mantém juntas todas as coisas. Esquecem-se também
o princípio de que o sal e a luz não podem fazer sentido, se isolados, mas somente se eles se
encontrarem com o amor em meio à escuridão deste mundo.
Há evangélicos cuja linha de distinção entre a responsabilidade social e o evangelismo é tão frágil que
pode ser desprezada. Em seu ensaio sobre a crise contemporânea. Richardson afirma que o evangelismo
é ação social. Conclui sua tese com estas palavras: “A ação social dificilmente é um subproduto do
evangelismo, porque ela ocorre no momento em que alguém aceita o chamado para o discipulado”
(Richardson, 1977, p.89).
Castro rejeita como artificial qualquer tentativa de estabelecer uma distinção entre evangelismo e
envolvimento social. Vê ambos existindo de forma separada, os quais podem ser vistos individualmente
à medida que interagem. Em outro artigo, ele declara: “O evangelismo existe somente onde há
preocupação social. Sem ela pode haver propaganda, proselitismo, mas dificilmente boas-novas” (1978,
p.88). Esta posição também se torna perigosa, uma vez que pressupõe que nunca pode haver o
evangelismo se não houver ação social, o que se contrapõe ao ensino e exemplo das Escrituras sobre o
assunto.
Os sinônimos para a palavra meio são, neste contexto, ponte e preparação. Qualquer forma de atuação
social, quer seja a de alimentar o faminto, dar remédio para o doente, educar o analfabeto, reabilitar
refugiados, é vista como um meio para um fim, ou seja, o evangelismo e a conversão.
Visto deste ângulo, considere-se, por exemplo, o princípio de passar do conhecido para o desconhecido,
da necessidade sentida para a real, do material para o espiritual. O ensino do Senhor Jesus Cristo a
respeito de si mesmo, como o verdadeiro pão da vida, logo após alimentar cinco mil pessoas com o pão
material, adverte a pessoa contra uma desconsideração apressada deste episódio (vide João 6.1-29),
que nos exorta para o nosso papel de observarmos e procurarmos atender às necessidades do nosso
próximo.
A história das missões modernas revela que os missionários que a marcaram positivamente se
preocuparam com ambos os aspectos, a pregação do evangelho e a assistência social, como, por
exemplo, prover medicamento para o doente, educação para os incultos, etc. Na época da Colônia,
muitas conversões que ocorreram no campo missionário tiveram lugar em escolas da missão.
Para tanto, Lindsell nos oferece a regra chave: “Toda vez que a assistência social tornar possível o
confronto com os homens com o evangelho, será útil” (Lindsell, 1965, p.439).
Os defensores desta visão vêem o envolvimento social como uma demonstração do evangelho. O
primeiro dá visibilidade ao último. A analogia da fé e obra na epístola de Tiago é muitas vezes usada
para explicar este ponto de vista. Stott, embora não seja ele próprio um defensor desta linha, chama
este tipo de ação social de “sacramento” da prática evangelística, já que sua função é torná-la visível.
Neste sentido, identificam um forte precedente no ministério de Jesus Cristo, cujas palavras e ações
eram tão inseparáveis quanto duas irmãs gêmeas. Entretanto, ele expressa também inquietação, uma
vez, que essa visão “faz da assistência social uma subdivisão do evangelismo, uma aspecto da
proclamação” (Stott, 1977, p.26).
Acrescente-se também que a diferença entre este ponto de vista e o anterior (que a ação social é um
meio para o evangelismo) é apenas uma questão de grau e não de natureza, já que ambos visam ao
mesmo resultado.
[...]
O principal defensor desta visão é Stott. Ele articula sua tese nas seguintes palavras:
Como parceiros, ambos se pertencem e, não obstante, são independentes um do outro. Cada qual
firma-se sobre seus próprios pés, em seu próprio direito, lado a lado. Nenhum deles é um meio para o
outro, ou mesmo uma manifestação do outro, pois cada um é um fim em si mesmo. Ambos são
expressões do amor não fingido (Stott, 1977, p.27).
Para sustentar melhor sua posição, Stott chama a atenção dos cristãos para a analogia entre ter e ver do
apóstolo João (3.17,18). Ele se apressa em acrescentar que as duas coisas, evangelismo e ação social,
nem sempre precisam andar juntas, uma vez que as situações variam, como também variam os
chamados cristãos. Argumenta que, normalmente, a pessoa não deverá ter que tomar uma decisão
radical e excludente, mas deve saber que a salvação eterna é mais importante do que o bem-estar
temporal.
Podemos citar alguns expoentes neste campo, como, por exemplo, Ronald Sider, Samuel Escobar e Davi
Bosch. Se há palavras adequadas para caracterizar a missão da Igreja, de acordo com Bosh, elas são os
conceitos bíblicos de “martyria” (testemunha) e os subconceitos de “kerygma” (proclamação),
“koinonia” (comunhão), “diakonia” (serviço) e “leitougia” (liturgia).
Quanto à questão sobre como articular a obra social e o evangelismo, Bosh responde:
Eles se assemelham às duas lâminas da tesoura, que operam em uníssono, mantidos juntos pela
koinonia, a comunhão, que, de igual modo, não é parte separada da tarefa da Igreja, mas sim o cimento
que mantém juntas a kerygma e a diakonia... ambas dimensões indissoluvelmente unidas (Bosh, 1980,
p.227).
Bosh assinala um reconhecimento de uma variedade de dons, significando que diferentes cristãos
desempenham diferentes papéis, e, mais importante variando situações que requerem diversificação de
formas do testemunho cristão.
[...]
Esta é a tendência dos que advogam que a assistência social é mais do que apenas alimentar o faminto e
curar o doente. É empenhar-se no intuito de fazer a justiça de Cristo permear cada aspecto da vida –
social, econômico, religioso, político, etc. A tarefa da Igreja permanece a de pregar o evangelho e
conquistar o mundo para Cristo7[7]. Mas esta tarefa de pregar o evangelho do Reino também já diz
tudo, incluindo a responsabilidade sociopolítica da Igreja e de seus membros.
[...]
7[7] Creio que poderíamos brincar com as palavras e dizer que esta é a visão daqueles que realmente
querem literalmente conquistar o mundo para Cristo (Pr. Cornélio).
6 – A Influência Social de Calvino e de Lutero
Como presbiterianos e reformados que somos, conhecedores da genuína tradição cristã, não podemos
ignorar a realização da missão benfazeja, misericordiosa e compassiva dos cristãos em prol da sociedade
como um todo. Testemunhar o evangelho em palavras e em obras é dever de todo cristão.
Usaremos, nesta parte final, como paradigmas da missão social da Igreja, o exemplo magnífico que nos
foi legado pelos reformadores João Calvino e Martinho Lutero. Eles viveram num contexto e clima
político, socioeconômico e religioso de mudanças, no final da Idade Média (1300-1500).
Para compreender a visão de Lutero sobre o evangelismo e a responsabilidade social, deve-se conhecer
seu conceito dos dois reinos: o Reino de Deus e o reino deste mundo. O cristão, como filho de Deus,
pertence ao primeiro, e, como cidadão deste mundo, pertence ao último. Ele, é, portanto, responsável
perante Deus, bem como perante a autoridade civil.
Com respeito à responsabilidade social, Lutero ensinou duas importantes verdades. A primeira é que,
embora reconheça a relevância das boas obras, rejeita a idéia de que estas trazem perdão pelos
pecados. Em suas 95 Teses (1517), ele declara:
Os cristãos devem ser ensinados que aquele que dá ao pobre ou empresta ao necessitado pratica uma
obra melhor do que comprar perdões (43).
Os cristãos devem ser ensinados que aquele que vê um homem em necessidade, passa por ele e dá [seu
dinheiro] por perdões, não compra as indulgências do papa, mas a indignação de Deus (45).
É preciso considerar, neste sentido, que Lutero se opunha à visão anabatista de separação entre Igreja e
Estado, porque acreditava que Deus pode usar o governo secular para estabelecer a justiça social, tanto
que, em 1520, ele escreveu uma carta aberta à nobreza cristã e instou o Estado a fazer reformas
econômicas e sociais para melhorar a vida do pobre.
Calvino está acima dos demais líderes da Reforma francesa e suíça. De Genebra, ele causou profundo
impacto sobre a Europa e o restante do mundo. Ironicamente, por poderosa que fosse a sua influência
ali, ele foi sempre uma espécie de hóspede em terra estranha. Em certo sentido, era apenas um dos
muitos refugiados que viviam naquela cidade com seus olhos em sua terra natal, esperando que algum
dia toda a França fosse evangelizada e que a religião reformada pudesse prosperar livremente
(Mackinnon, 1962; Parker, 1975).
Esperando esse dia, ele e seus amigos acolhiam a contínua corrente de protestantes refugiados das
áreas dominadas pelo catolicismo romano, oferecendo-lhes comida e abrigo. Um grande diferencial
característico da reforma calvinista foi a institucionalização desta hospitalidade, pela criação de um
fundo de assistência social, que ficou conhecido como Bolsa Francesa ou Fundo Francês para
Estrangeiros Pobres, destinado àqueles que chegavam em Genebra para viver de acordo com a visão
reformada da Palavra.
Sua influência foi consolidada por meio da academia que ele fundou, que mais tarde se tornaria
Universidade de Genebra. As instituições educacionais foram nitidamente importante para ele. Calvino
promoveu a educação na escola secundária e insistiu sobre a educação primária compulsória para
meninos e meninas. Ele também compreendia a relevância das instituições de caridade para o bem-
estar, não apenas dos totalmente indigentes e desfavorecidos, mas de muitas vítimas dos eventos
históricos de seu tempo. [...]
Calvino revelava, frequentemente, uma sensibilidade para a posição e necessidades do indivíduo no seio
da sociedade, sobretudo dos desprivilegiados e dos pobres, como comenta Wallace:
Do púlpito ele muitas vezes saía de seu estilo para incitar a consciência de seus ouvintes sobre seu dever
para com os desprovidos financeiramente ao seu redor. Quando ele pregava sobre a proibição do Velho
Testamento de despojar o devedor pobre de um penhor insuportável por seu débito, ele falava em voz
alta que pode ser ouvida hoje como um reclamo de que nenhuma sociedade deve privar qualquer
homem da oportunidade de trabalhar para o seu sustento (Wallace, 1990, p.123).
Os seres humanos são feitos à semelhança de Deus, possuindo capacidades peculiares que o distinguem
da criatura animal ou vegetal. É isto o que importa para o seu valor peculiar e que sempre tem
inspiração a filantropia cristã. Assim, o fundamento cristão para o cumprimento da obra social está no
ensino bíblico acerca do homem.
[...]
Conclusão
Este artigo procurou contribuir para uma compreensão melhor do papel da atividade social cristã da
Igreja na América Latina hoje, tendo como propósito fornecer à Igreja contemporânea ponderações que
a ajudem a cumprir mais efetivamente sua missão no contexto latino-americano.
É mister que os seguintes fatores bíblicos, teológicos e históricos sejam reconhecidos e vistos como
determinantes para o cumprimento da missão da Igreja:
· Que o povo de Deus está investido de uma responsabilidade ética especial em favor dos pobres.
No Antigo Testamento, a lembrança do povo de Deus como escravo no Egito era razão para motivá-lo a
mostrar misericórdia ao oprimido (Deuteronômio 24.14-22; Levítico 19.15; Amós 2.6-7; Zacarias 7.9-10).
Todos esses ensinos a respeito do pobre fazem parte da Palavra de Deus. O Antigo Testamento enfatiza
que o Senhor requer justiça para os pobres e julgará aqueles que os oprimem.
· Que o zelo de Deus pelo pobre no Antigo Testamento aparece de modo coerente, dentro do
contexto da justiça divina e da obra de justiça no meio de seu povo. Assim, no enfoque bíblico, palavras
como “pobre”, “necessitado”, “oprimido”, “forasteiro” têm tipicamente um conteúdo moral,
relacionando-se às exigências de Deus por justiça.
· Que a Igreja do Novo Testamento não se omite quanto à obrigação de proceder com justiça na
evangelização. A mensagem do evangelho no Novo Testamento de modo algum reduz a inspiração e a
autoridade do Antigo Testamento. O Novo Testamento intensifica as manifestações e as exigências da
revelação hebraica; de modo algum cancela a ordem de Deus por justiça, caridade e amor. Ao contrário,
ele requer uma nova dinâmica e uma nova dimensão àquela instrução (vide Mateus 5-7; Marcos 12.28-
30); Lucas 10.30-37; 1 João 4.7-11).
· Que a missão da Igreja neste mundo é mais do que proclamação verbal. É um serviço sacrificial
para o qual Cristo envia seus seguidores ao mundo, assim como o Pai o enviou (vide João 1.14;
Filipenses 2.2-11; Marcos 10.44,45; Romanos 5.8).
· Que a obra social cristã está alicerçada sobre uma doutrina mais abrangente de Deus, Cristo, o
Reino de Deus, o homem e a Igreja. Tanto no evangelismo como na responsabilidade social, os cristãos
devem discernir o próprio Deus como o fundamento para suas ações. Ele criou os homens, e todos terão
de prestar contas a ele no dia do juízo. Ele é o Deus de justiça, que, em toda comunidade humana, odeia
o mal e ama a justiça (vide Salmo 11.4-7; 146.7-9).
· Que todos os empreendimentos missionários durante a história da Igreja têm se preocupado e se
envolvido com o que denominamos responsabilidade social. Eles a têm visto como parte de seu
ministério de anunciar o evangelho. Além disso, demonstraram o notável grau de consistência, ao longo
da história, com sua focalização sobre a educação, assistência social médica, agricultura e várias
espécies de soerguimento social dos membros abandonados ou oprimidos da sociedade.
Muitas pessoas vêem a igreja como uma espécie de clube, com a diferença de que o interesse de seus
membros está voltado para Deus e não para os seus próprios. São pessoas religiosas que praticam atos
religiosos em conjunto. Os membros de um clube pagam suas mensalidades e têm direito aos privilégios
dos associados; muitos membros de Igreja também seguem este exemplo. Dentro deste cenário, elas se
esquecem da compreensão bíblica da Igreja, como a única sociedade cooperativa que existe para o
benefício dos não-membros.
[...].
(Tradução livre e adaptada do livro The Five Points of Calvinism - Defined, Defended, Documented, de
David N. Steele e Curtis C. Thomas, Partes I e II, [Presbyterian & Reformed Publishing Co, Phillipsburg,
NJ, USA.], feita por João Alves dos Santos)
Os Cinco Pontos do Calvinismo tiveram sua origem a partir de um protesto que os seguidores de James
Arminius (um professor de seminário holandês) apresentaram ao “Estado da Holanda” em 1610, um ano
após a morte de seu líder. O protesto consistia de “cinco artigos de fé”, baseados nos ensinos de
Armínio, e ficou conhecido na história como a “Remonstrance” (Representação), ou seja, “O Protesto”.
O partido arminiano insistia que os símbolos oficiais de doutrina das Igrejas da Holanda (Confissão Belga
e Catecismo de Heidelberg) fossem mudados para se conformar com os pontos de vista doutrinários
contidos no Protesto. As doutrinas às quais os arminianos fizeram objeção eram as relacionadas com a
soberania divina, a inabilidade humana, a eleição incondicional ou predestinação, a redenção particular
(ou expiação limitada), a graça irresistível (chamada eficaz) e a perseverança dos santos. Essas são
doutrinas ensinadas nesses símbolos da Igreja Holandesa, e os arminianos queriam que elas fossem
revistas.
ü 2. Cristo morreu por todos os homens, em geral, e em favor de cada um, em particular, embora
somente os que crêem sejam salvos.
ü 3. Devido à depravação do homem, a graça divina é necessária para a fé ou qualquer boa obra.
Esse último ponto foi depois alterado para ensinar definitivamente a possibilidade dos realmente
regenerados perderem sua fé, e, por conseguinte, a sua salvação. Todavia, nem todos os arminianos
estão de acordo, nesse ponto. Há muitos que acreditam que os verdadeiramente regenerados não
podem perder a salvação e estão eternamente salvos.
Conforme expõe J. I. Packer (O “Antigo” Evangelho, pp. 5, 6) a teologia contida nessa “Remonstrance”
originou-se de dois princípios filosóficos: primeiro, que a soberania de Deus é incompatível com a
liberdade humana, e, portanto, também com a responsabilidade humana; em segundo lugar, que
habilidade é algo que limita a obrigação...
Com bases nesses princípios, os arminianos extraíram duas deduções: primeira, visto que a Bíblia
considera a fé como um ato humano livre e responsável, ela não pode ser causada por Deus, mas é
exercida independentemente dEle; segunda, visto que a Bíblia considera a fé como obrigatória da parte
de todos quantos ouvem o Evangelho, a capacidade de crer deve ser universal. Portanto, eles afirmam,
as Escrituras devem ser interpretadas como ensinando as seguintes posições:
ü 1. O homem nunca é de tal modo corrompido pelo pecado que não possa crer salvaticiamente
(salvificamente) no Evangelho, uma vez que este lhe seja apresentado;
ü 2. O homem nunca é de tal modo controlado por Deus que não possa rejeitá-lo;
ü 3. A eleição divina daqueles que serão salvos alicerça-se sobre o fato da previsão divina de que eles
haverão de crer, por sua própria deliberação;
ü 4. A morte de Cristo não garantiu a salvação para ninguém, pois não garantiu o dom da fé para
ninguém (e nem mesmo existe tal dom); o que ela fez foi criar a possibilidade de salvação para todo
aquele que crê;
ü 5. Depende inteiramente dos crentes manterem-se em um estado de graça, conservando a sua fé;
aqueles que falham nesse ponto, desviam-se e se perdem.
Dessa maneira, o arminianismo faz a salvação do indivíduo depender, em última análise, do próprio
homem, pois a fé salvadora é encarada, do princípio ao fim, como obra do homem, pertencente ao
homem e nunca a Deus.
Em 1618 foi convocado um Sínodo nacional para reunir-se em Dort, a fim de examinar os pontos de
vista de Armínio à luz das Escrituras. Essa convocação foi feita pelos Estados Gerais da Holanda para o
dia 13 de novembro de 1618. Constou de 84 membros e 18 representantes seculares. Entre esses
estavam 27 delegados da Alemanha, Suíça, Inglaterra e de outros países da Europa. Durante os sete
meses de duração do Sínodo houve 154 sessões para tratar desses artigos.
Após um exame minucioso e detalhado de cada ponto, feito pelos maiores teólogos da época,
representando a maioria das Igrejas Reformadas da Europa, o Sínodo concluiu que, à luz do ensino claro
das Escrituras, esses artigos tinham que ser rejeitados como não bíblicos. Isso foi feito por unanimidade.
Não somente isso, mas o Concílio impôs censura eclesiástica aos “remonstrantes”, - depondo-os de seus
cargos, e a autoridade civil (governo) os baniu do país por cerca de seis anos. Além de rejeitar os cinco
artigos de fé dos arminianos, o Sínodo formulou o ensino bíblico a respeito desse assunto na forma de
cinco capítulos que têm sido, desde então, conhecidos como “os cinco pontos do Calvinismo”, pelo fato
de Calvino ter sido grande defensor e expositor desse assunto.
Embora cause estranheza a muitos essa posição, devido à mudança teológica que as igrejas têm sofrido
desde vários séculos, os reformadores eram unânimes em condenar o arminianismo como uma heresia
ou quase isso. A salvação era vista como uma obra da graça de Deus, do começo ao fim, sem qualquer
contribuição do homem. Essa posição pode ser resumida na seguinte proposição: Deus salva pecadores.
Livre-Arbítrio ou Habilidade Humana - Arminianismo: Embora a natureza humana tenha sido seriamente
afetada pela queda, o homem não ficou reduzido a um estado de incapacidade total. Deus,
graciosamente, capacita todo e qualquer pecador a arrepender-se e crer, mas o faz sem interferir na
liberdade do homem. Todo pecador possui uma vontade livre (livre arbítrio), e seu destino eterno
depende do modo como ele usa esse livre arbítrio. A liberdade do homem consiste em sua habilidade de
escolher entre o bem e o mal, em assuntos espirituais. Sua vontade não está escravizada pela sua
natureza pecaminosa.. O pecador tem o poder de cooperar com o Espírito de Deus e ser regenerado ou
resistir à graça de Deus e perecer. O pecador perdido precisa da assistência do Espírito, mas não precisa
ser regenerado pelo Espírito antes de poder crer, pois a fé é um ato deliberado do homem e precede o
novo nascimento. A fé é o dom do pecador a Deus, é a contribuição do homem para a salvação.
Depravação Total ou Incapacidade Total - Calvinismo: Devido à queda, o homem é incapaz de, por si
mesmo, crer de modo salvador no Evangelho. O pecador está morto, cego e surdo para as coisas de
Deus. Seu coração é enganoso e desesperadamente corrupto. Sua vontade não é livre, pois está
escravizada à sua natureza má; por isso ele não irá - e não poderá jamais - escolher o bem e não o mal
em assuntos espirituais. Por conseguinte, é preciso mais do que simples assistência do Espírito para se
trazer um pecador a Cristo. É preciso a regeneração, pela qual o Espírito vivifica o pecador e lhe dá uma
nova natureza. A fé não é algo que o homem dá (contribui) para a salvação, mas é ela própria parte do
dom divino da salvação. É o dom de Deus para o pecador e não o dom do pecador para Deus.
2. ELEIÇÃO CONDICIONAL OU ELEIÇÃO INCONDICIONAL
Eleição Condicional - Arminianismo: A escolha divina de certos indivíduos para a salvação, antes da
fundação do mundo, foi baseada na Sua previsão (presciência) de que eles responderiam à Sua chamada
(fé prevista). Deus selecionou apenas aqueles que Ele sabia que iriam, livremente e por si mesmos, crer
no Evangelho. A eleição, portanto, foi determinada ou condicionada pelo que o homem iria fazer. A fé
que Deus previu e sobre a qual Ele baseou a Sua escolha não foi dada ao pecador por Deus (não foi
criada pelo poder regenerador do Espírito Santo), mas resultou tão somente da vontade do homem. Foi
deixado inteiramente ao arbítrio do homem o decidir quem creria e, por conseguinte, quem seria eleito
para a salvação. Deus escolheu aqueles que Ele sabia que iriam, de sua livre vontade, escolher a Cristo.
Assim, a causa última da salvação não é a escolha que Deus faz do pecador, mas a escolha que o
pecador faz de Cristo.
Eleição Incondicional - Calvinismo: A escolha divina de certos indivíduos para a salvação, antes da
fundação do mundo, repousou tão somente na Sua soberana vontade. A escolha de determinados
pecadores feita por Deus não foi baseada em qualquer resposta ou obediência prevista da parte destes,
tal como fé ou arrependimento. Pelo contrário, é Deus quem dá a fé e o arrependimento a cada pessoa
a quem Ele escolheu. Esses atos são o resultado e não a causa da escolha divina. A eleição, portanto,
não foi determinada nem condicionada por qualquer qualidade ou ato previsto no homem. Aqueles a
quem Deus soberanamente elegeu, Ele os traz, através do poder do Espírito, a uma voluntária aceitação
de Cristo. Desta forma, a causa última da salvação não é a escolha que o pecador faz de Cristo, mas a
escolha que Deus faz do pecador.
Redenção Universal ou Expiação Geral - Arminianismo: A obra redentora de Cristo tornou possível a
salvação de todos, mas na verdade não assegurou a salvação de ninguém. Embora Cristo tenha morrido
por todos os homens, em geral, e em favor de cada um, em particular, somente aqueles que crêem nEle
são salvos. A morte de Cristo capacitou a Deus a perdoar pecadores na condição de que creiam, mas na
verdade não removeu (expiou) o pecado de ninguém. A redenção de Cristo só se torna efetiva se o
homem escolhe aceitá-la.
Redenção Particular ou Expiação Limitada - Calvinismo: A obra redentora de Cristo foi intencionada para
salvar somente os eleitos e, de fato, assegurou a salvação destes. Sua morte foi um sofrimento
substitucionário da penalidade do pecado no lugar de certos pecadores específicos. Além de remover o
pecado do Seu povo, a redenção de Cristo assegurou tudo que é necessário para a sua salvação,
incluindo a fé que os une a Ele. O dom da fé é infalivelmente aplicado pelo Espírito a todos por quem
Cristo morreu, deste modo, garantindo a sua salvação.
4. POSSIBILIDADE DE SE RESISTIR À OBRA DO ESPIRITO SANTO OU GRAÇA EFICAZ (IRRESISTÍVEL)
O Espírito Santo Pode Ser Eficazmente Resistido - Arminianismo: O Espírito chama internamente todos
aqueles que são externamente chamados pelo convite do Evangelho. Ele faz tudo que pode para trazer
cada pecador à salvação. Sendo o homem livre, pode resistir de modo efetivo a essa chamada do
Espírito. O Espírito não pode regenerar o pecador antes que ele creia. A fé (que é a contribuição do
homem para a salvação) precede e torna possível o novo nascimento. Desta forma, o livre arbítrio limita
o Espírito na aplicação da obra salvadora de Cristo. O Espírito Santo só pode atrair a Cristo aqueles que
O permitem atuar neles. Até que o pecador responda, o Espírito não pode dar a vida. A graça de Deus,
portanto, não é invencível; ela pode ser, e de fato é, freqüentemente, resistida e impedida pelo homem.
Chamado Irresistível ou Graça Eficaz - Calvinismo: Além da chamada externa à salvação, que é feita de
modo geral a todos que ouvem o evangelho, o Espírito Santo estende aos eleitos uma chamada especial
interna, a qual inevitavelmente os traz à salvação. A chamada externa (que é feita indistintamente a
todos) pode ser, e, freqüentemente é, rejeitada; ao passo que a chamada interna (que é feita somente
aos eleitos) não pode ser rejeitada. Ela sempre resulta na conversão. Por meio desta chamada especial o
Espírito atrai irresistivelmente pecadores a Cristo. Ele não é limitado em Sua obra de aplicação da
salvação pela vontade do homem, nem depende, para o Seu sucesso, da cooperação humana. O Espírito
graciosamente leva o pecador eleito a cooperar, a crer, a arrepender-se, a vir livre e voluntariamente a
Cristo. A graça de Deus, portanto, é invencível. Nunca deixa de resultar na salvação daqueles a quem ela
é estendida.
Cair Da Graça - Arminianismo: Aqueles que crêem e são verdadeiramente salvos podem perder sua
salvação por não guardar (preservar) a sua fé. Nem todos os arminianos concordam com este ponto.
Alguns sustentam que os crentes estão eternamente seguros em Cristo; que o pecador, uma vez
regenerado, nunca pode perder a sua salvação.
Perseverança dos Santos - Calvinismo: Todos aqueles que são escolhidos por Deus e a quem o Espírito
concedeu a fé, são eternamente salvos. Estes são mantidos na fé pelo poder do Deus Todo Poderoso e
nela perseveram até o fim.
De acordo com o Calvinismo: A salvação é realizada pelo infinito poder do Deus Triúno. O Pai escolheu
um povo, o Filho morreu por ele e o Espírito Santo torna a morte de Cristo eficaz para trazer os eleitos à
fé e ao arrependimento; desse modo, fazendo-os obedecer voluntariamente ao evangelho. Todo o
processo (eleição, redenção, regeneração, etc.) é obra de Deus e é operado tão somente pela graça.
Desta forma, Deus e não o homem, determina quem serão os recipientes do dom da salvação.
· Este sistema de teologia foi reafirmado pelo Sínodo de Dort em 1619 como sendo a doutrina da
salvação contida nas Escrituras Sagradas. É o sistema apresentado na Confissão de Fé de Westminster e
em todas as Confissões Reformadas. Na época do Sínodo de Dort foi formulado em “cinco pontos” (em
resposta aos cinco pontos submetidos pelos arminianos à Igreja da Holanda) e têm sido, desde então,
conhecidos como “os cinco pontos do Calvinismo”.