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CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA
A construção da "descanção" de
Tom Zé
Fortaleza-Ce
2006
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ALTAILA MARIA ALVES LEMOS
FORTALEZA
2006
2
Esta dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística como
parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Lingüística,
outorgado pela Universidade Federal do Ceará, e encontra-se à disposição dos
interessados na Biblioteca de Humanidades da referida Universidade.
A citação de qualquer trecho da dissertação é permitida, desde que seja feita de acordo
com as normas científicas.
_____________________________________
Altaíla Maria Alves Lemos
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Nelson Barros da Costa – Universidade Federal do Ceará
(Orientador)
_______________________________________________________________
Prof. Dr.
(1º Examinador)
_______________________________________________________________
Prof. Dr. – Universidade Federal do Ceará
(2º Examinador)
_______________________________________________________________
3
Engrandecimentos
4
À amiga afetuosa Luanda, por seu sincero companheirismo e por sua força em
distribuir energia de ativação.
E aos demais amigos (próximos e distantes) que foram sinceramente amigos
em momentos sensíveis desse percurso: Isabel Silvino, Felipe, Ana Cláudia,
Robério Augusto, Dona Ercy, Carmen Silva, Lêda, Grazi, Júlio Lira, Andréia
Mary e mais outros dos quais me lembrarei depois.
5
Á minha família
6
RESUMO
1
Dos álbuns:
7
ABSTRACT
This work intends to discuss the ways the composer from Bahia Tom Zé
paths the musical community in order to picture a relevant amount of popular
songs. This point must be aimed through the analysis of discoursive traces, i.e.,
the way he says and is said in the literomusical community. We focused some
points: the way he faces the media and some esthetical values. Our theoretical
basis is the Discourse Analysis (A.D.), according Dominique Maingueneau
(language codes, ethos, cenography, paratopia), the concepts of grotesque and
carnavalization, according to Mikhail Bakhtin, and some other authors. We
discussed, then, what effects of meaning generate the author’s traces in the
song activity, what makes us think of what we call a “non-song” (“descanção”).
8
Índice
INTRODUÇÃO----------------------------------------------------------------------------------10
CAPÍTULO l
O processo do trabalho --------------------------------------------------------------------17
Percurso teórico: trilhas e labirintos discursivos---------------------------------------21
Traços Constitutivos da Linguagem: do princípio dialógico ao Interdiscurso---23
A construção da Enunciação----------------------------------------------------------------25
Descanção e Deslinearização--------------------------------------------------------------30
A voz que alimenta a voz--------------------------------------------------------------------37
A performance na canção-------------------------------------------------------------------38
Movimento de Instabilidade na canção: uma condição paratópica---------------40
O ser grotesco e carnavalizante-----------------------------------------------------------42
O Caminho de chegar e não-chegar: percurso do como dialogar com as
canções-------------------------------------------------------------------------------------------45
CAPÍTULO ll
Apresentação e contextualização: Tom Zé----------------------------------------------48
CAPÍTULO III
Ressonâncias e desformas da canção: Descancionando por entre rasuras e
imagens grotescas-----------------------------------------------------------------------------54
Deslineariazação e defeitos verbais ------------------------------------------------------53
O defeito: problema e perfeição------------------------------------------------------------55
Ser estavelmente paratópico num lugar de entre lugares---------------------------64
A reinterpretação ou releitura: o inacabamento ou efeitos de descanção----66
Jogos para desmontar e armar------------------------------------------------------------68
Embates entre posicionamentos discursivos -----------------------------------------78
A construção de cenografias na canção, da cidade longínqua para uma grande
cidade---------------------------------------------------------------------------------------------83
Referências Bibliográficas-------------------------------------------------------------------94
Anexos--------------------------------------------------------------------------------------------97
9
INTRODUÇÃO
Foi nesse fim e chegada que se iniciou novo caminho, descortinado pelo
outro: o caminho de nova vitalidade musical, de uma música com outros
significantes e significados, sugerindo-nos, até então, a novidade de um olhar
dedicado ao significar amplo. Não era só a descoberta do par instrumento e
voz, era muito mais complexo e triplo.
Foi quando escutei e vi com meus “próprios olhos” um corpo, uma voz
estranha, arranhada e familiar em “língua nordestina”, um tanto bem humorada
e irônica num palco pertencente a várias línguas que falavam simultaneamente.
Foi nesse lugar que vi pela primeira vez Tom Zé cantando, no ano de 2004, no
festival Vida e Arte. Tardiamente ou em circunstâncias ideais? Tomo as duas
opções como verdadeiras.
2
Palavra incorporada por Rogério Duarte no livro Tropicaos. O qual é autor e artista múltiplo (design
gráfico, compositor, poeta, professor, compositor e um dos membros experienciador do evento
Tropicalista).
10
Foi esse o momento de transição: a mudança de um antigo objeto de
pesquisa de mestrado, a escrita de si no gênero textual virtual blog para uma
escrita de si e de vários outros, na linguagem do gênero musical canção.
11
canções, surgidas em experimentações rítmicas e verbais num corpo
cancional. Foi através da percepção e da ruminação de tais elementos que
apontamos e refletimos sobre investimentos discursivo e interdiscursivo, ou
seja, maneiras de habitar e desenhar canção. Inspiramo-nos na idéia de
descanção, que é um modo de se comportar e de se afirma a canção.
3
Tropicalista Lenta Luta.
4
Lingüista e estudioso da semiótica musical.
5
Apresentamos detalhes sobre esse assunto mais adiante, no capítulo III: apresentação de
Tom Zé.
12
Campos (1993)6 realiza uma revisão da história da música popular
brasileira referente aos movimentos Bossa Nova e Tropicalismo. Discute as
origens e posturas política e musical de ambos os posicionamentos. Com
relação aos músicos e compositores do primeiro, cita João Gilberto; e do
segundo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, dentre outros, e no
posfácio cita Tom Zé. O autor atribui a ele o caráter de baiano esquecido ou o
“menos conversado” no contexto do tropicalismo. A partir de uma breve
observação sobre suas canções, compara o compositor a um “trovador que
sabe fustigar um bom tom e fundir palavra e som” (CAMPOS, 1993, p. 335).
Tal comentário pressupõe que Tom Zé, de certa forma, tem uma repercussão,
mesmo que aparentemente discreta. Embora toquemos nessa relação, não
desejamos, necessariamente, saber a intensidade de sua participação no
tropicalismo, mas as implicações de sua canção influenciadas por esse
movimento.
13
beneficiasse musicalmente); achar um novo acordo tácito(usar “assunto-
espelho” na canção cujo personagem construído fosse uma representação da
vida e circunstância do ouvinte); limpar o campo(não usar um corpo–cancional,
o canônico, mas plasmar a cantiga com outra matéria)( ZÉ, 2003, p. 24).
7
Termo idealizado pelo artista plástico Hélio Oiticica para designar um ambiente Tropicália ou
um penetrável, conjunto de cabines que o espectador explorava pisando em areia, pedra e
água, cruzando plantas e araras, lendo frases inscritas em paredes, assistindo a uma tv ligada
no fim do labirinto, caminho teleológico rumo ao pós-moderno. Depois, Gilberto e Caetano se
apropriaram do termo para traduzir as subversões de valores na música, literatura, dentre
outros ambientes.
14
Há outra visão relacionada ao seu envolvimento com o Tropicalismo, de
acordo com Tatit (apud Zé, 2003, p. 223-225). Trata-se da idéia de que o
projeto musical de Tom Zé, o da busca da imperfeição, da incompletude, da
descanção (plasmar a canção com outros elementos) foi movido pelas
angústias calcadas na necessidade de uma nova canção.
15
enunciador. Um outro aspecto a se notar é como se dá a condição de
existência, social, institucional do artista músico, escritor, cineasta, artista
plástico? Como ele se encontra diante de normas e convenções impostas pelo
campo artístico? Como o artista convive com outros em espaços públicos?
16
CAPÍTULO 1
1. O PROCESSO DO TRABALHO
17
Em resistência a essa angústia e à crença num novo fazer, tentamos e
insistimos em conversar, ouvir, ler e interpretar, sem deixar de apreciar, as
canções do compositor Tom Zé.
18
seu exterior, permitindo aberturas à percepção de traços vertiginosamente
históricos, filosóficos, sociais, ideológicos entre um discurso e outros, para
além dos traços da materialidade da língua. Ou seja, uma análise discursiva
textual de linha francesa não separa o seu exterior (o social, o cultural,
histórico, dentre outros) do seu interior (o material lingüístico). Já na segunda
perspectiva, uma análise essencialmente estruturalista efetua cortes, rupturas,
preocupando-se primordialmente com a gramática da materialidade lingüística.
8
Arte militar de planejar e executar movimentos e operações de tropas, navios e/ou aviões,
visando a alcançar ou manter posições relativas e potenciais bélicos favoráveis a futuras ações
táticas sobre determinados objetivos. Definição transcrita do novo dicionário Aurélio de Língua
Portuguesa Aurélio (versão eletrônica).
19
Mas o que queremos com isso? Nem sabemos exatamente. Temos
certeza de que nos move aqui não é somente apontar investimentos
discursivos e estratégias nas experimentações orais, poéticas e musicais
construídas pelo compositor Tom Zé, mas significá-los, ou seja, discutir seus
efeitos de sentidos.
9
O uso de pronomes que se dirigem a pessoas do discurso no decorrer desse trabalho não é
linear, ou seja, não conservamos do início ao fim uma única pessoa (1º pessoa, 3º pessoa).
Ora assumimos nosso discurso em primeira pessoa quando nos mostramos mais
sensivelmente envolvido por dado momento do trabalho (como se apresentou na Introdução),
ora nos colocamos em terceira pessoa do plural. E noutro momento não assumimos
pessoalidade. Esse uso “indisciplinado” da pessoa discursiva no nosso texto se deu de modo
inconsciente e imperceptível, foi um gesto que se percebeu no fim do percurso e que
atribuímos a ele um significado relevante: reflete espontaneidade e o não assujeitamento do
autor sobre convenções de ordem formal, gramatical. A pessoa do discurso manifestada aqui é
múltipla, heterogênea, é um eu que não se livra da interferência de outros eus. A multiplicidade
pessoal não é mascarada e nem omitida em nenhum momento, dada a vontade indomável do
eu se colocar diante da leitura do mundo: do percurso do trabalho científico, da interpretação
da canção com base numa fundamentação teórica.
20
de uma análise simultânea, conjunta de textos provenientes de variados
ambientes históricos e sociais.
21
A infinidade de significantes e significados do signo lingüístico e não
lingüístico gera a refração do signo. Compreendemos, desse modo, que os
signos refratam e refletem o mundo material, carregando diversos e
inacabados feixes de pensamentos construídos na dinâmica da vida.
22
plurilingüístico, revelador de multiplicidade de línguas sociais. A estratificação
da linguagem é representada em enunciados verbais, os quais denunciam a
disposição paralela de estratos cristalizados ou camadas sociais, carregados
de dimensões avaliativa e opinativa, que expressam posicionamentos sócio-
ideológicos diversos.
23
Desse modo, o dialogismo é concebido como o princípio constitutivo da
linguagem e através desse princípio é gerado, de acordo com Mainguenau
(2004) o primado do interdiscurso.
24
distintas formaçôes discursivas, movidas por posições e objetivos outros,
podem conviver num mesmo campo discursivo.
10
Diálogo entre os posicionamentos Bossanovista e Tropicalista, apresentado no capítulo 4,
pgs. 70-75
11
A idéia de interlíngua se relaciona com a noção de heteroglossia ou de plurilingüismo, de
acordo com Bakhtin (1993).
25
através de uma única língua. O autor empírico de uma obra pode, em dado
contexto, por alguma razão, romper com a homogeneidade lingüística através
do plurilingüismo externo, do uso de outras línguas externas à língua materna.
26
enunciador. A cenografia ou situação de enunciação de uma obra é enunciada
através de uma instituição verbal, de um gênero discursivo (não sendo ele o
fator único e inteiramente condicionante da obra), que também traz suas
próprias condições de produção como participantes: o lugar, o momento para
sua manifestação, os circuitos por quais passa e a norma que presidem o seu
consumo.
27
do sujeito encenado e não do sujeito real. Maingueneau (1995, 1997, 2001)
leva em conta três categorias para se analisar o etos: o tom, delineado numa
vocalidade, o caráter e a corporalidade.
28
- A enunciação da obra confere uma corporalidade ao fiador, dá-lhe
corpo;
69).
29
Portanto, discutimos efeitos de sentido gerados pelos investimentos
discursivos, ou seja, pelos elementos textuais ou não, que legitimam um
discurso, permitindo a inserção do homem no mundo, observados no discurso
literomusical de Tom Zé.
3. DESCANÇÃO E DESLINEARIZAÇÃO
12
Na tese A PRODUÇÃO DO DISCURSO LÍTERO-MUSICAL BRASILEIRO. O estudo pioneiro em
descrever a produção da Música Popular Brasileira com fundamentos da Teoria da Análise do Discurso
de linha francesa(AD).
30
percursos são trilhados? Que elementos se relacionam ao caráter tropicalista,
ao não tropicalista ou, quem sabe, a um outro ser tropicalista?
13
Para maiores esclarecimentos de fundamentação histórica da Música Popular Brasileira,
consultar o trabalho de Luiz Tatit, O século da canção (2005).
31
Partindo de uma reconstrução das raízes da canção brasileira, através
de uma leitura não tão profunda de Tatit (2005), vimos na canção um modo de
afirmação das misturas de representações vocais dos batuques africanos,
mestiços e brancos europeus de classes inferiores.
32
Ao lermos Tom Zé em narrativa do seu processo de composição, a
canção parece ser apenas um meio para se chegar a uma outra canção,
chamada descanção: Minha quimera de fazer descanção não aludia à canção
em si, era só um artifício para eu poder cantar sem ser cantor (ZÉ, 2003, p.24).
Com esse depoimento Tom Zé assume na sua fala um etos de ruptura com a
canção no seu sentido canônico, música acompanhada de voz e instrumento.
Essas informações parecem apontar para um modo de compor a descobrir,
insento de predeterminações. Assim, antecipa-nos a construção do ethos de
uma descanção.
Mas não sabemos ainda qual seria essa canção que não é canção. Aos
nossos ouvidos, essa canção sempre está por vir, parece que ela não se fecha
nela mesma, e caso isso aconteça, dar-se-ia no desencontro com o modelo de
canção determinado.
33
A música que favorece o código apriorístico se faz numa redundância,
na repetição em série, tida como produto acabado. Quanto maior a
redundância e a previsibilidade, menor é o conhecimento, a informação e a
aprendizagem, se não há conhecimento não há comunicação. Ao consultarmos
Pignatari (1997), vimos que há dois casos extremos de não-comunicação: o da
imprevisibilidade total e o da total previsibilidade dos sinais.
14
Tais como as vozes das cantoras Ivete Zangalo, Daniela Mercury, dentre outras.
34
Já a música numa condição qualitativa, da não redundância, trata-se de
um processo em construção, que se propõe à abertura de reformulações e
recriações, à interrupção da linearidade. A descanção, nesse sentido,
atravessa o código apriorístico, abrindo possibilidades de outros códigos que
constroem imprevisibilidades e descobertas.
35
O terceiro ponto seria um acordo tácito (ZÉ, 2003, p. 22): um diálogo
entre cantor e ouvinte. Através do cantar o presente, Tom Zé introduziria um
assunto espelho na canção, na qual o ouvinte fosse o próprio personagem.
O último ponto, limpar o campo (ZÉ, 2003, p. 22), um novo passo para
se desfazer de uma canção insatisfeita. Segundo o relato do compositor, ele se
inspirou numa cena do curso de fotografia que havia realizado, descobriu mais
uma maneira de se chegar à almejada “canção”. A cena referida era a do
instante em que lhe foi sugerido a observação de duas fotografias de uma
mesma pessoa. Uma contaminada por objetos desordenados e a outra apenas
com a imagem da pessoa sem objetos. A fotografia mais preenchida de
objetos, que embaraçavam a imagem inferia a limpeza desse campo.
Encarregado de retirar os elementos que compunham a primeira foto,
surpreende-se com o processo da retirada. Ação que o levou a relacioná-la
com a canção, ao desejo de limpar seu campo cancional, livrar a canção da
contaminação do passado e da temática padrão: o amor infeliz.
15
Aproximadamente entre o período 1999-2005.
16
Estamos nos referindo ao período (1970-1980) de construção dos álbuns Estudando o
Samba, Todos os olhos, Correio da Estação do Brás, Nave Maria, Se o caso é chorar. Instante
em estado de ostracismo.
36
época, diferentemente do que ocorreu na década de 1990. A partir daí, vem se
lançando através de uma gravadora de porte “pequeno”, a Trama, mas com
dada ascensão no mercado fonográfico.
17
Jogos de Armar-Faça você mesmo (2000); Com defeito de Fabricação (1999); Imprensa
Cantada (2003).
37
materialidade no seu próprio ato de manifestação. Delimita uma vontade de
dizer, de existir do indivíduo que nela perpassa:
38
É através da desconstrução do corpo e voz que adentraremos também
na idéia de uma performance na canção que, possivelmente, migra para uma
descanção ou para a desconstrução de canção. Traz à tona rasuras vocal e
instrumental.
18
Definição apresentada no dicionário Houaiss, de Língua Portuguesa.
19
Páginas 19-21.
20
De acordo com Zumthor, ato performático é uma ação oral-auditiva complexa, pela qual uma
mensagem poética é simultaneamente transmitida e percebida, aqui e agora. (ZUMTHOR,
2001, p.222).
39
performance musical em sentindo amplo teve significativa interferência do
compositor Jonh Cage, que incorporava nela silêncio, ruídos, pausas
imprevisíveis, princípios zens, elementos influenciados pela cultura oriental.
O termo paratopia designa para além do topos, do lugar, mas que lugar
é esse? Os lugares socialmente cristalizados (classe, papéis, cargos, etc.) e,
sobretudo, o da instituição, com a qual um indivíduo convive conservando
normas ou regras impostas explicitamente e implicitamente, sendo socialmente
reconhecidas e que lhe cobram fixação e permanência.
40
com o caráter radicalmente problemático de sua própria pertinência ao campo
literário (digamos o artístico) e à sociedade (MAINGUENEAU, 2001, p. 27).
21
Maingueneau restringe-se em suas análises textuais ao campo literário: relação escritor,
sociedade, instituição. Em algumas obras, ele analisa textos religiosos, teatrais, jornalísticos e
publicitários. Estamos nesse contexto observando a relação músico, sociedade instituição. O
músico como escritor musical.
41
De certo modo, assim se fez a canção de Tom Zé22 e de muitos dos
quais nem sabemos pelas razões de optarem por se tornarem “inexistentes”,
sendo possível também uma outra, a de não corresponder às expectativas
fonográficas. E nesse subcampo, há ecos de canção sempre dispersos numa
atmosfera musical desinteressada.
22
Embora Tom Zé seja visto como marginalizado no momento tropicalista (anos 60-70),
recentemente, na década de 90 e início de 2000, é observado como um músico e cantor
popular, freqüentando programas televisivos(Programa do Jô Soares, Roda-Viva, Provocação),
dando entrevista em revistas de circulação nacional (Bravo).
42
A idéia de carnaval, concebida por Bakhtin (1997:122), designa uma
forma sincrética de espetáculo de caráter ritual, muito complexa, variada, que
sobe base carnavalesca geral, apresenta diversos matizes e variações
dependendo da diferença de épocas, povos e festejos particulares.
43
Desse modo, a cultura carnavalesca constrói-se numa ambivalência. A
vida também é experienciada num processo de ambivalência, numa
contradição constante, a partir de dois pólos de mudança: a morte e o nascer; o
princípio e o fim; o antigo e o novo. Isso mostra a influência cosmológica na
vida, o fluxo de mudanças geradas no indivíduo que reflete a inconstância do
mundo. O carnaval faz o mundo se apresentar de modo imperfeito, inacabado.
A individualidade passa a ser um estágio de fusão.
44
A última, a profanação também vinculada à terceira é formada pelos
sacrilégios carnavalescos que expressam ações iconoclastas, a inversão de
valores bíblicos e dignos de respeito, através de paródias carnavalescas.
45
cristalizada opõem à sua ação e toca em pontos de ligação efetivas do mental
e do corporal, do intelectual e do afetivo (WISNIK, 2004, p 28).
23
Todas as canções dos álbuns a serem citados foram escutadas, sendo apenas algumas
transcritas para análise.
24
Canção “Brigitte Bardot”, “Jimi renda-se”, “Dor e Dor”, “Minha Carta”,
25
Referente ao encarte do álbum Jogos de Armar, faça você mesmo.
46
desdobra, ou seja, como os arranjos discursivos são desenhados e que efeitos
de significados gera a sua canção.
47
CAPÍTULO 2
26
Evento relatado no seu livro “Tropicalista lenta luta”.
27
Nascido em 2 de setembro de 1915, Freiburg, Alemanha e falecido em 13 de setembro de 2005, São
Paulo, Brasil.
28
Dentre outros países como Itália e Índia, onde viveu entre 1965 e 1969. Esteve também em Sri-Lanka,
no Japão, Uruguai e Coréia do Sul.
48
da Escola Livre de Música de São Paulo(1952) e da Escola de Música da Bahia
em Salvador (1954). Em 1975, instala-se em São Paulo, exercendo as funções
de diretor do Conservatório Dramático e Musical de Tatuí-SP e de professor
visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP. Em 1981 recebeu o título
de cidadão carioca.
49
É a partir de 1968 que se estende a um público de maior abrangência ao
participar do Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, obtendo os
prêmios “Viola de Ouro” e “Sabiá de Prata”, um deles referente à canção que
venceu o festival, “São Paulo, Meu Amor”. No mesmo período se insere no LP
Tropicália ou panis et circenses ao lado de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal
Costa, Mutantes, Torquato Neto, Rogério Duprat, Capinam e Nara Leão.
50
que influenciava diretamente nos valores material, estético, comportamental de
jovens brasileiros, aflorados em 1968.
29
Embora os tropicalistas se posicionassem criticamente com relação a essa tendência, eles
nutriam por ela profundo respeito e reverência, principalmente pelas inovações estéticas e
éthicas do João Gilberto. Na verdade, a Bossa Nova foi o primeiro passo para o Tropicalismo.
51
diálogo entre pesquisador e objeto, há o sufocamento da possibilidade de
integração entre eles.
30
Embora seja sempre desconfiável essa idéia de aparição, reaparição ou ressurgimento.
Talvez, porque Tom Zé esteve por aí fazendo suas descanções. O que o David Byrne fez -
com sua influência - foi tentar integrá-lo ao mercado e ao mundo da mídia. “Venha para o
meio”, diria a Campanha da Fraternidade da CNBB).
31
Conceito explicitado anteriormente, no capítulo 1, no ponto “Movimento de instabilidade na
canção: uma condição paratópica”, pgs. 40-42.
32
Ferida no sentido dessa canção ferir ou romper com o modo apriorístico de fazer canção.
52
uma forma de repensar ou ferir o tempo e arranjo da música, de negação da
reprodução do código apriorístico musical33. Tal maneira não está só no plano
rítmico, mas no plano verbal, assim como na hibridação dos dois planos.
33
Segundo Campos (1997), o código apriorístico musical refere-se à leis sagradas e imutáveis
de um código de linguagem musical, condicionadas pelo veículo de massa que retroalimentam
uma convenção de valores estéticos musicais.
34
A idéia de descanção é citada pelo compositor Tom Zé, no livro autobiográfico “Tropicalista Lenta
Luta”, 2003.
53
CAPÍTULO 3 - RESSONÂNCIAS E DESFORMAS DA CANÇÃO
35
Versão do Cd Jardim da Política, 1984.
54
17. Eu digo no papel
18. Que o anel
19. No anel do pensamento
20. Andei duzentas léguas
21. Minha égua
22. Minha égua esquipando
23. O peito me sacode,
24. Cada golpe.
25. Nesse golpe do galope que o envelope engole
26. Cada gole
27. Cada gole da lembrança vale um tesouro
28. É besouro
29. É besouro que se bate
30. Sempre na vidraça
31. Quando passa em pensamento
32. Volta na saudade
33. Toda tarde.
34. Eu preciso mandar
35. Mandar notícia.
36. Ai, ai, ai, ui, ui
37. Ai,... , ai, ai...
36
Para retomar o assunto consultar página 39-40
55
Em outro momento constrói-se uma cenografia campestre, na qual o
personagem, metaforicamente, insere-se num campo, no campo de turbilhão
de pensamentos:
19. No anel do pensamento
20. Andei duzentas léguas (vs.38,39)
56
Essa rigidez sintática também configuração a lógica discursiva do
pensamento ocidental, que caminha para uma especificidade formal, tentando
omitir os desajustes ou deslinearidades significativas existentes. A lógica de
pensar a linguagem assim ... leva a ver o mundo em pedacinhos separados,
desligados uns dos outros (Pignatari, 2004: 47).
57
E o defeito ou falha para “os grandes homens” (os singularmente
maquinados) seria o pensar nos efeitos desconstrutivos causados pela própria
máquina. É inegável também que o homem se transforme em máquina, sendo
favorável a ela por motivos de sobrevivência ou, contrariamente, molde-se
numa máquina que possa destruir aquela que o transformou.
1. Defeito1: O GENE
2. Defeito2: CURIOSIDADE
3. Defeito3: POLITICAR
4. Defeito4: EMERÊ
5. Defeito5: O OLHO DO LAGO
6. Defeito6: ESTETICAR
7. Defeito7: DANÇAR
8. Defeito8: ONU, ARMA MORTAL
37
Luaka Bop/ WEA , Setembro 1998)
Edição Brasileira pela Gravadora TRAMA - 1999
58
criador em oposição ao domínio e ao comportamento do homem,
homogeneamente técnico. Assim, desdobram-se as canções do álbum “Com
Defeito de fabricação”, sendo elas, ironicamente, numeradas como um
“problema de fabricação”38.
Defeito2:CURIOSIDADE
(Tom Zé / Gilberto Assis)
38
As canções são numeradas de acordo com defeito nomeado. Defeito 1: O gene (Arrastão
do Santo Agostinho); Defeito 2: Curiosidade (Arrastão do Alfred Nobel e de sua dinamite).
59
curiosidade. A dinamite ali, como o piolho, o grilo em Quem é que tá botando
tanto piolho Na cabeça do século?; Quem é que tá botando tanto grilo Na
cabeça do século? são símbolos que representam a dissipação, o desconforto,
o barulho que significam a expansão do homem, voltada para modificar um
lugar e interromper uma rotina desumana.
60
Pense que eu sou um caboclo tolo boboca
Um tipo de mico cabeça-oca
Raquítico típico jeca-tatu,
Ca esteti ca estetu
Ca esteti ca estetu
Ca esteti ca estetu
Ca esteti ca estetu
Ca estética do plágio-iê
Help, Suassuna
Help, Tinhorão
61
Interpretamos essa canção como também um auto-rebaixamento,
mostrando o rir de si mesmo. Aspecto que dialoga com os relatos que Bakhtin
(1999) apresenta sobre a manifestação da cultura popular na Idade Média e
no Renascimento.
62
Um mero número zero um zé à esquerda
Pateta patético lesma lerda
Autômato pato panaca jacu
Mais adiante, nas estrofes terceira e quarta, pousa uma voz que se opõe
à voz do cientista, acadêmico, soando uma provocação aos nomes Tinhorão e
Suassuna. O enunciador reagindo, também em defesa aos valores e atributos
de caráter inferior da representação nordestina, que se mostra em cabloco,
tola, boboca, zé a esquerda:
Essa mesma voz volta a se pronunciar nas últimas duas estrofes, que
reforça mais qualidades estereotipadas do nordestino:
63
produção musical de raízes nordestinas, de cultura popular tradicional. Opõe-
se radicalmente às influências culturais estrangeiras. E integra-se, de certo
modo, à ideologia de José Ramos Tinhorão, paulista e estudioso da Música
Popular Brasileira, que adota uma postura repulsiva em reação à
contaminação de elementos estrangeiros na cultura brasileira. O primeiro tende
a um regionalismo favorecido ao Nordeste e o segundo, a um nacionalismo.
39
Claude Lévi-Strauss, “o feiticeiro e sua magia” in Antropologia estrutural, Rio, Tempo brasiliense,
1970, p. 199.
64
O pensamento patológico está para além do pensamento “normal”, da
realidade convencionalmente estável que quer negar a instabilidade da vida: os
assistemáticos, as influências afetivas sobre as ações, o caos, aspectos que
transcendem os universos institucionalizados.
65
afirmativa, no uso de antítese, que apresenta a justaposição de idéias e vozes
contrárias, coexistentes na canção. Tais investimentos geram um movimento
errante, causando uma impressão de instabilidade.
“Tô” 40
Tô bem de baixo pra poder subir
Tô bem de cima pra poder cair
Tô dividindo pra poder sobrar
Desperdiçando pra poder faltar
Devagarinho pra poder caber
Bem de leve pra não perdoar
Tô estudando pra poder ignorar
Eu tô aqui comendo pra vomitar
Tô te explicando
Pra te confundir
Tõ te confundindo pra te esclarecer
Tô iluminando
Pra poder cegar
Tô ficando cego, pra poder guiar
Devagarinho pra poder rasgar
Olho fechado pra te ver melhor
Com alegria pra poder chorar
Desesperado pra ter paciência
Carinhoso pra poder ferir
Lentamente pra não atrasar
Atrás da vida pra poder morrer
Eu tô me despedindo pra poder voltar
Tô bem de baixo pra poder subir, To bem de cima pra poder cair
Tô dividindo pra poder sobrar, Disperdiçando pra poder faltar
Tô te explicando, Pra te confundir, To te confundindo pra te esclarecer, Tô iluminando,
Pra poder cegar, To ficando cego, pra poder guiar.
40
Zé, Tom. Estudando o samba. 1976.
66
A instabilidade de vida de que falamos é representada, desse modo,
como um percurso repleto de movimentos “de altos e baixos”, que sugerem
tremor, escorrego, levando o personagem incorporado a caminhar para
escorregar, a cair e se erguer, prestes a outro escorrego assim e sempre.
67
O fazer inacabado na música dialoga com a linguagem de um tempo em
desordem, de excessos e de uma dada incompreensão. Relacionamos a tal
incompreensão ao mito Torre de Babel, que perpassa por várias significações:
bíblica, histórica, lingüística e antropológica e por outras que nem sabemos.
68
obra? Que relação pode haver com o posicionamento Tropicalista, no qual Tom
Zé é incluído e excluído?
41
O sentido de escritor que apresentamos aqui, refere-se àquele que produz uma obra literária, musical,
teatral, cinematográfica, dentre outras.
69
O efeito de inacabamento cancional contradiz uma das finalidades da
canção produzida na estética do posicionamento Tropicalista. Ao incorporar
influências estrangeiras da música experimental e pop, de gêneros
estrangeiros (gêneros derivados do Rock´n´roll a partir dos anos 1960) e
nacionais, servindo-se de elementos eletrônicos e movidos pela filosofia
antropofágica de Oswald de Andrade, os tropicalistas pretendiam tornar a
canção popular acabada, pronta para ser consumida.
42
Canção Multiplicar-se única do álbum The hips of Tradicion (1992).
43
A canção Felicidade de Tom Jobim – Vinícius de Moraes do álbum Estudando o Samba
(1976)”. Aqui há uma reinterpretação dupla: da canção e do gênero musical Samba.
70
pode gerar, além da afirmação do desejo vital na canção que se torna
inacabada?
71
sua prática discursiva a um certo número de condições que definem sua
legitimidade (MAINGUENEAU, 2005, 148).
72
Só que a idéia de jogo pressupõe regras, mas nessa circunstância, não
existe uma regra universal a obedecer. Há várias possibilidades de construção
de regras, elas aqui se multiplicam, de acordo com a montagem de cada
ouvinte-jogador em potência.
44
Não sabemos exatamente se a negação “não é um cd duplo” é uma mensagem da
gravadora ou da própria ideologia do álbum. No entanto, independente do que seja, a frase nos
faz questionar tal negação, sendo até um incentivo a instigar o ouvinte a se perguntar que tipo
de cd é esse. Desse modo, refletimos sobre a outra possibilidade de álbum composto por dois
cds.
45
Relatos de Tom Zé ao contextualizar o álbum Jogos de armar-Faça você mesmo, no próprio
encarte.
73
O cd auxiliar e sua confirmação no relato exposto acima demonstram
aos nossos olhos certa idealização cultivada por Tom Zé: a de romper com o
sigilo do processo de gravação de músicos, que as gravadoras mantêm para
não haver vazamento ou plágio do “produto” de certos cantores. Acreditamos
que isso ocorra em função de um acordo entre empresários da indústria
fonográfica que visam apenas a fins lucrativos, sufocando possibilidades de
criação do próprio consumidor, seja ele qual for, ou de um músico em
potencial.
Dialogando ainda com Jogos de armar- Faça você mesmo, vimos dentre
outros elementos, que ele traz canções de canções pré-existentes, canções já
tocadas em outros álbuns, conservadas nelas a mesma melodia com a
inserção de outros arranjos: outras nuances e tonalidades. Vejamos as
canções abaixo.
74
46 47
Jimi renda-se Dor e Dor
Tom Zé Composição: (Tom Zé)
(Tom Zé/ Valdez)
Gênero: maracapoeira
ARRASTÃO DO FALAR SOFISTICADO Te quero te quero querendo quero bem
Ed. Sonata (Fermata) 70274620
quero te quero querendo quero bem.
Guta me look mi look love me
Chiclete chiclete, mastigo dor e dor clete
Tac sutaque destaque tac she
chiclete,
Tique butique que tique te gamou
mastigo dor e dor.
Toque-se rock se rock rock me
Te choro te choro,
Bob Dica, diga,
chuvinha chuviscou.
Jimi renda-se!
Choro te choro,
Cai cigano, cai, camóni bói
chuvinha chuviscou.
Jarrangil century fox
Chamego chamego,
Galve me a cigarrete
me deixa me deixou.
Billy Halley Roleiflex
Mego chamego,
Jâni chope chope chope chope
me deixa me deixou.
Ô Jâni chope chope
A dor a dor, a dor a dor
Ie relê reiê relê
... ... ...
Mas eu te espero
porque o grito dos teus olhos
é mais
longo que o braço da floresta
e aparece atrás
dos montes, dos ventos
e dos edifícios
e o brilho do teu riso
é mais
quente que o sol do meio-dia
e mais e mais e oh oh oh oh oh
Mas eu te espero
na porta das manhãs porque
o grito dos teus olhos
é mais e mais e mais
e depois que você partiu
o mel da vida apodreceu na minha boca
apodreceu na minha boca
Oh, oh, oh, oh, oh
46
Do álbum Jogo de Armar, faça você mesmo (2000)
47
Do álbum Se o caso é chorar (1972)
75
Visualmente, um dos índices que nos mostra a desconstrução do arranjo
de uma na outra, de dor e dor em Jimi renda-se, é a encenação de um outro
código de linguagem estranho ao outro, um outro investimento lingüístico, o
qual apela para uma mistura de línguas: ora inglês, ora português, ora a fusão
das duas, ora uma ou outra língua a qual nem conhecemos.
76
conservando o conjunto básico de instrumentos (guitarra e baixo elétricos,
bateria e eventualmente piano, orgão ou teclado elétrônico) .
77
canção: a exaustão da palavra “querer”, que leva à exaltação e afirmação do
afeto. A redundância, dessa maneira, na canção é necessária e significativa,
ela amarra e intensifica a mensagem de dor e afeto.
Além disso, pontuamos aqui um dos efeitos das releituras de uma mesma
melodia em várias canções, que diz respetiro à idéia do inacabado, por ser
mais uma remontagem de uma outra, que está se repetindo diferenciadamente.
78
2. Defeito2: CURIOSIDADE (Álbum A Babá (Se o caso é chorar - 1972) composição Tom
Com defeito de fabricação-1998) Zé
Tom Zé / Gilberto Assis
O Rockefeller acusou Branca de Neve,
Quem é que tá botando dinamite os anões se dividiram,
Na cabeça do século ? três de sim e três de não,
Quem é que tá botando tanto piolho mas um morreu de susto
Na cabeça do século ? e perguntava, perguntava, perguntava:
Mas quem é, quem é, quem é?
Quem é que tá botando tanto grilo quem é que agora
Na cabeça do século ? está cantando um acalanto
Quem é que arranja um travesseiro pra cabeça do século?
Pra cabeça do século ? Ô de marré, de-marré-de-ci
Pra cabeça do século ? Quem é que está fazendo
pesadelos na cabeça do século?
Ô de marré, de-marré-de-ci
Quem é que está passando
dinamite na cabeça do século?
Ô de marré, de-marré-de-ci
Quem é, quem é, quem é?
me diga você que sabe datilografia
quem é, quem é, quem é?
me diga você que estudou filosofia
Quem é que agora está
fazendo tanto medo na cabeça do século?
Ô de marré, de-marré-de-ci
E quem é que tá
botando piolho na cabeça do século?
Ô de marré, de-marré-de-ci
Quem é que está passando
pimenta na cabeça do século?
Ô de marré, de marré de si
Quem é, quem é, quem é?
Me diga você que sabe datilografia
quem é, quem é, quem é
me diga você que estudou filosofia
Quem é que agora está
botando tanto grilo na cabeça do século?
Ô de marré, de-marré-de-ci
Quem é que empresta
um travesseiro pra cabeça do século?
Ô de marré, de-marré-de-ci.
79
Para as perguntas recorrentes “Quem é que tá botando dinamite
48 49
Na cabeça do século? ”; Quem é que está passando
dinamite na cabeça do século?”, não há respostas, permanece o incômodo em se
saber quem está movendo o século, quem está criando, quem está pensando
ou “curiando” numa sociedade que tende a gerar múltiplas circunstâncias que
imobilizam o homem, levando-o ao abismo e a abismos banais.
48
Canção “curiosidade”
49
Canção “A Babá”
50
À respeito desses álbuns seria pertinente estender-se mais e mais em discussões quanto à
História da Música Brasileira (sobre a formação dos gêneros Samba e Pagode). Mas aqui,
infelizmente não foi possível esse debruçar, devido à escolha do corpus. Mas fica uma
pendência e algumas sugestões de trabalhos sobre o assunto: A produção do Discurso lítero-
musical brasileiro de Nelon Barro da Costa(2001); Manguebit: uma dicurividade literomuical
guerrilheira, de Francico Talvane Rocha(2006).
80
ordenar uma desordem de pensamento sonoro, inaugurando posicionamentos
estéticos na canção, tornando-a mais significativa e emancipadora.
81
Diante de uma multiplicidade e mistura de ritmos e gêneros cancionais
como bolero, tango, samba–canção, o movimento musical Bossa Nova surge
no fim da década de 50, visando uma estética do mínimo e do detalhe de
arranjo. Uma das características é a redução da batida percussiva de
marcação do samba, uma batida de violão mais silenciosa e sutil, retratando a
delicadeza e intimidade sonora.
A Brigitte Bardot está ficando velha, Olha que coisa mais linda
envelheceu antes dos nossos sonhos. Mais cheia de graça
Coitada da Brigitte Bardot, É ela menina
que era uma moça bonita, Que vem e que passa
mas ela mesma não podia ser um sonho Num doce balanço, a caminho do mar
para nunca envelhecer.
A Brigitte Bardot está se desmanchando Moça do corpo dourado
e os nossos sonhos querem pedir divórcio. Do sol de Ipanema
82
Pelo mundo inteiro O seu balançado é mais que um poema
milhões e milhões de sonhos É a coisa mais linda que eu já vi passar
querem também pedir divórcio
e a Brigitte Bardot agora Ah, porque estou tão sozinho
está ficando triste e sozinha. Ah, porque tudo é tão triste
Será que algum rapaz de vinte anos Ah, a beleza que existe
vai telefonar A beleza que não é só minha
na hora exata em que ela estiver Que também passa sozinha
com vontade de se suicidar?
Quando a gente era pequeno, Ah, se ela soubesse
pensava que quando crescesse Que quando ela passa
ia ser namorado da Brigitte Bardot, O mundo sorrindo se enche de graça
mas a Brigitte Bardot E fica mais lindoPor causa do amor
está ficando triste e sozinha
A Brigitte Bardot está ficando velha, triste,
sozinha, velha e sozinha, ... sozinha,
só............ zinha..... ah
51
Tom Zé, Álbum “Todos os olhos”, 1973.
83
atriz Brigitte Bardot. Aí, ela não é mais o símbolo de mulher intocável e dotada
de beleza singular como a mídia mostrara na época de sua eclosão. O símbolo
feminino aí é desconstruído ou descristalizado. Passa a se contemplar através
de ritmo, melodia e harmonia sutis e delicadas a imagem de uma pessoa que
passa, naturalmente, por um processo de envelhecimento. Constrói-se nesse
espaço a imagem do rebaixamento, da apresentação do “baixo”, o aspecto
que, geralmente é omitido pela mídia, a beleza do não belo, do “velho”, do
desfazer-se:
A Brigitte Bardot está ficando velha,
envelheceu antes dos nossos sonhos(...)
A Brigitte Bardot está se desmanchando...
84
Será que algum rapaz de vinte anos vai telefonar na hora exata em que ela
estiver
52
Esses traços significam o aumento do volume de massa sonora ocorrido na canção.
85
7. A CONSTRUÇÃO DE CENOGRAFIAS NA CANÇÃO: DA CIDADE
LONGÍNQUA PARA UMA GRANDE CIDADE
Mas qual ou quais cidade (s) se configura (m) na canção? Que relação
pode haver entre a cidade, a vida e posições literodiscursivas? Que referências
traz o sujeito ou o personagem construído na canção ao lê e caminhar pela (s)
cidade (s), que sentidos traz a cidade? São essas e possíveis outras
indagações aqui presentes.
86
alteração de natureza geográfica, física e humana. É se permitir a entrar em
vias desconhecidas.
Menina Jesus53
53
Álbum Estação do Brás (1978)
87
Nessa canção o compositor se apropria de uma representação bíblica ao
nomear a canção de “Menina Jesus”, opção que vai desenhando o caráter de
sacrifício revelado ao longo dos primeiros versos, através da expressão “valei-
me”: Valei-me minha menina Jesus, minha menina Jesus, minha menina Jesus,
valei-me.
54
No caso de canções os índices paratextuais podem ser: o nome da canção, o título do álbum
ao qual pertence à canção, comentários que antecedem alguma canção.
88
hipoteticamente, retomam o lugar “Estação do Brás” que é explicitado já no
título do álbum.
89
Há mais cenografias de cidade constituída em outras canções, ainda
compartilhadas no álbum Correio da Estação do Brás, índice que mostra o
quanto a cidade São Paulo assume uma centralidade para o nordestino. Como
observaremos, a seguir, nas canções intituladas “Correio da Estação do
Brás”, “Amor de estrada”, “Carta” e “Augusta, Angélica e Consolação”:
55
Essa cidade concentra fronteiras que facilitam o acesso de quem vem do sul, Centro-oeste.
De acordo com dados históricos ela se encontra num dos principais entroncamentos de
rodovias do Nordeste brasileiro, funcionando como ponto de passagem para o tráfego que vem
do Sul e do Centro Oeste e se dirige para Salvador (Bahia) e outras cidades nordestinas,
sendo considerada a "porta de entrada" para o Sertão do estado.
90
Eu viajo segunda-feira, Feira de Santana, quem quiser mandar recado.
remeter pacote , uma carta cativante, a rua numerada (...)
91
coro - É um farol desregulado
Vou caminhando
meu caminho,
meu longo caminho:
meu caminhão.
92
A outra canção ao lado direito da Amor de estrada, a carta56 constrói
a cidade da saudade e solidão, a relação afetuosa entre duas pessoas e cujo
contato próximo foi interrompido por uma hipotética viagem. Quem enuncia,
fala de um lugar longínquo, há uma distância entre os interlocutores, que é
explicitada pelos versos: Eu preciso mandar notícia pro coração de meu amor
me cozinhar.
Notamos a configuração da cenografia de solidão e da auto-tortura
amorosa gerada por uma saída, um afastamento entre os personagens. Há a
construção da cidade solidão tumultuada pela urbanização do caos interior, das
lembranças, do desejo, do sentir e não ter.
56
Essa canção foi analisada em momento anterior numa outra versão com ênfase em traços
de performance vocal e grotesca, nas páginas 46-48
93
que maldade,
cheirando a consultório médico,
Angélica.
Quando eu vi
que o Largo dos Aflitos
não era bastante largo
ora caber minha aflição,
eu fui morar na Estação da Luz,
porque estava tudo escuro
dentro do meu coração
Esse breve relato histórico nos faz observar o valor humano que
possui a Rua Consolação, um lugar de acolhimento, que confortava pessoas
humildes do sertão e viajantes em busca do trabalho e da sobrevivência.
94
você e a Angélica eu encontrei a Consolação que veio olhar por mim e me deu
a mão.
95
pensar no indivíduo como um ser que está sujeito aos acidentes e
irregularidade necessárias. Visão essa que se refere à irregularidade ou à
instabilidade comportamental humana discutida na canção “Tô” e que traduz e
afirma o caráter heterogêneo, não-linear e flexível de se criar uma canção,
insenta de imposições promovidas pela indústria fonográfica.
O traço do modo de fazer “descanção” nos revela uma dicotomia: de um
lado, a aliança entre distintos posicionamentos estéticos musicais (Rock,
Samba, Pagode, Bossa Nova) e de outro, a uma idiossincrasia dos mesmos,
conforme percebemos na canção Jime renda-se.
O investimento no código lingüístico que aponta para a tradição e cultura
nordestinas marca o lugar da individualidade e coletividade dessa cultura,
como uma resposta às vozes que a submestimam. Outros investimentos, tais
como o uso da “deformação”, a ruptura de hierarquia lingüística (sintática,
morfológica e semântica) e genérica cancional contribuem para a condição
paratópica e instável do compositor.
Os investimentos discursivos observados geraram significados como a
idéia de canção inacabada, a canção como um processo infinito de releituras
construtoras, a partir da autotextualidade e de heterogeneidades. Ao contrário
do que nos impõe a indústria fonográfica, a da canção como um produto
intacto, cristalizado.
A cenografia desenhada remete em vários momentos à cidade São
Paulo, à migração do nordestino do campo para a cidade como um lugar de
vivência, de sobrevivência e de táticas de composição. Sugerindo-nos
questões em torno da condição da mulher e da cultura nordestina em contraste
com a cultura sulista. A outra cenografia percebida remete à cidade do interior
de si, que leva a construção de vários lugares interior ao homem, gerando a
saída do homem para dentro de si.
96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
97
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2004.
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Hans-Joachim_Koellreutter em 10 do 9, 2 006
http://old.gilbertogil.com.br/smetak/takaug.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anton_Walter_Smetak
ANEXOS
99
3. Defeito3: POLITICAR 4. Defeito4: EMERÊ
(Tom Zé) (Tom Zé / Zé Miguel Wisnik)
100
6. Defeito6: ESTETICAR (Estética do 7. Defeito7: DANÇAR
Plágio) (Tom Zé)
(Tom Zé / Vicente Barreto / Carlos Rennó)
Dançar escreve
Pense que eu sou um caboclo tolo boboca Um traço leve
Um tipo de mico cabeça-oca O verbo de Deus be-a-bá
Raquítico típico jeca-tatu
Um mero número zero um zé à esquerda
A pele tensa
Pateta patético lesma lerda
Papel-imprensa
Autômato pato panaca jacu
O pergaminho do jaguar
101
8. Defeito8: ONU , ARMA MORTAL 9. Defeito9: JUVENTUDE JAVALI
(Tom Zé / André Abujamra) (Tom Zé)
102
10. Defeito10: CEDOTARDAR 11. Defeito11: TANGOLOMANGO
(Moacir Albuquerque /Tom Zé) (Tom Zé / Adoniram Barbosa)
103
12. Defeito12: VALSAR 13. Defeito13: Burrice
(Tom Zé ) (Tom Zé)
(DISCURSO POLÍTICO)
Senhoras e senhores,
Senhoras e senhores,
Se neste momento solene não lhes proponho um
feriado comemorativo para a sacrossanta glória da
burrice nacional, é porque todos os dias, graças a
Deus, do Oiapoque ao Chuí dos pampas aos
seringais, ela já é gloriosamente festejada,
gloriosamente festejada.
104
14. Defeito14: Xiquexique
(Tom Zé / José Miguel Wisnik )
105
ÁLBUM ESTUDANDO O SAMBA
5. VAI 6. UI!
(Menina amanhã de manhã (Você inventa)
(Tom Zé - Perna) (Tom Zé - Odair)
Menina, a felicidade
é cheia de pano
é cheia de peno
é cheia de sino
é cheia de sono
Menina, a felicidade
é cheia de ano
é cheia de Eno
é cheia de hino
é cheia de ONU.
Menina, a felicidade
é cheia de an
é cheia de en
é cheia de in
é cheia de on
Menina a felicidade
é cheia de a
é cheia de e
é cheia de i
é cheia de o
Menina a felicidade
é cheia de a
é cheia de e
é cheia de i
é cheia de o
é cheia de a
é cheia de e
é cheia de i
cheia de a
cheia de e
cheia de i, cheia de o
106
1. DOI 2. MÃE
(Tom Zé) (Mãe solteira)
(Tom Zé - Elton Medeiros)
Maltratei,
sim, maltratei demais Cada passo
e machuquei, Cada lágrima somada
quei, quei, Cada ponto do tricô
quei, quei, Seu silêncio de aranha
meu coração que bate Vomitando paciência
que bate calado Prá tecer o seu destino
que bate calado
que bate, bate
Cada beijo irresponsável
e dói, dói, dói.
Cada marca do ciúme
Cada noite de perdão
que bate e dói, O futuro na esquina
dói. E a clareza repentina
De estar na solidão
Dói, amor
dói com d Os vizinhos e parentes
ô dói E dói A sociedade atenta
amor ô A moral com suas lentes
dói e dói. Com desesperada calma
Sua dor calada e muda
Cada ânsia foi juntando
Preparando a armadilha
Teias, linhas e agulhas
Tudo contra a solidão
Prá poder trazer um filho
Cuja mãe são seus pavores
E o pai sua coragem
Dorme dorme
Meu pecado
Minha culpa
Minha salvação
107
3. HEIN? 4. SÓ
(Tom Zé - Vicente Barreto) (Solidão)
Participação: Vicente Barreto (Tom Zé)
solidão
que poeira leve
solidão
olhe a casa é sua
o telefone tocou, foi engano
solidão
que poeira leve
solidão
olhe a casa é sua
e no meu descompasso
descompasso
o riso dela
108
5. SE 6. ÍNDICE
(Tom Zé) (Tom Zé - José Briamonte - Heraldo do Monte)
Participação: Osório
Ah! se maldade
vendesse na farmácia A felicidade
que bela fortuna só dói
você faria só dói se (Toc!)
com esta cobaia mã
que eu sempre mãe
fui nas suas mãos. tô só
dói mãe (Hein?)
ui!
Oh! mulher,
se
porém A felicidade
se só dói
o quê? só dói
se só dói se (Toc!)
de quem? vai mãe
se tô só
por quê? dói mãe (Hein?)
se isso for possível ui!
pois, me contem a felicidade
como escrever de novo
o jornal de ontem...
eu beijaria os pés
da santa máter
e reescreveria
o seu caráter.
109
´´ALBUM “THE LIPS OF TRADICIONAL
A ciência excitada
fará o sinal da cruz
e acenderemos fogueiras
para apreciar a lâmpada elétrica.
talac-tac...
Ogodõ...
3. Feira de Santana 4. Sofro de Juventude
(by Tom Zé) (Lyrics by Tom Zé
Music by Eder Sandoli))
Viajo segunda-feira Feira de Santana.
Eu sofro de juventude
essa coisa maldita,
Quem quiser mandar recado,
que quando tá quase pronta
Remeter pacote
desmorona e se frita.
Uma carta cativante
Á rua numerada,
O nome maiusculoso Negar a boca do pai
pra evitar engano para eu mesmo descobrir
ou então que o destino desesperar-me de medo
se destrave longe. perante cada segredo.
110
o desencontro choroso
da missão desincumprida
devolvo seu envelope
intacto, certo e fechado
odeio disse-me-disse,
condeno a bisbilhotice.
Viajo Segunda-feira
Feira de Santana...
Se se der o sucedido
me aguarde aqui no piso,
sete semanas seguidas
a partir do mês em frente
não sou letra reticente
palavra de homem racha
mas não volta diferente.
5. Cortina 1 6. Taí
(By Joubert de Carvalho)
(Instrumental)
Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
ai, meu bem, não faz assim comigo não.
Taí...
7. Iracema
(by Adoniran Barbosa )
111
Pelo pirulito da ciência - â - â orações, sacrifícios, traições.
Pelo pirulito da ciência - â
Apelo
112
Álbum “SE O CASO É CHORAR”
Você fala que sim, Esta noite não quero saber de conselho
que me compreende; esqueça, deixe pra lá
você fala que não, me arranja um pecado
que não me entrega quente pra me consolar
que não me vende pense bem que depois
que não me deixa tem o ano inteiro pra gente pagar
que não me larga.
Cinqüenta gramas de amor
Mas você deixa tudo veja lá, é um bocadinho
deixou vinte gramas até,
você deixa mágoa venha cá, é tão pouquinho.
deixou Eu vou morrer se você
você deixa frio não quiser
deixou me arranjar um pecadinho.
e me deixa na rua
deixou.
113
3. A BABÁ 4. MENINA, AMANHÃ DE MANHÃ (O Sonho
(TOM ZÉ) Voltou)
O Rockefeller acusou Branca de Neve, (TOM ZÉ - PERNA)
os anões se dividiram,
três de sim e três de não, Menina , amanhã de manhã
mas um morreu de susto quando a gente acordar
e perguntava, perguntava, perguntava: quero te dizer que a felicidade vai
Mas quem é, quem é, quem é? desabar sobre os homens, vai
quem é que agora desabar sobre os homens, vai
está cantando um acalanto desabar sobre os homens.
pra cabeça do século?
Ô de marré, de-marré-de-ci
Na hora ninguém escapa
Quem é que está fazendo
de baixo da cama ninguém se esconde
pesadelos na cabeça do século?
e a felicidade vai
Ô de marré, de-marré-de-ci
desabar sobre os homens, vai
Quem é que está passando
desabar sobre os homens vai
dinamite na cabeça do século?
desabar sobre os homens.
Ô de marré, de-marré-de-ci
Menina, ela mete medo
Quem é, quem é, quem é?
menina, ela fecha a roda
me diga você que sabe datilografia
menina, não tem saída
quem é, quem é, quem é?
de cima, de banda ou de lado.
me diga você que estudou filosofia
Menina, olhe pra frente
Quem é que agora está
menina, tome cuidado
fazendo tanto medo na cabeça do século?
não queira dormir no ponto
Ô de marré, de-marré-de-ci
segure o jogo
E quem é que tá
atenção (de manhã)
botando piolho na cabeça do século?
Menina a felicidade
Ô de marré, de-marré-de-ci
é cheia de graça
Quem é que está passando
é cheia de lata
pimenta na cabeça do século?
é cheia de praça
Ô de marré, de marré de si
é cheia de traça.
Quem é, quem é, quem é?
Menina, a felicidade
Me diga você que sabe datilografia
é cheia de pano,
quem é, quem é, quem é
é cheia de pena
me diga você que estudou filosofia
é cheia de sino
Quem é que agora está
é cheia de sono.
botando tanto grilo na cabeça do século?
Menina, a felicidade
Ô de marré, de-marré-de-ci
é cheia de ano
Quem é que empresta
é cheia de Eno
um travesseiro pra cabeça do século?
é cheia de hino
Ô de marré, de-marré-de-ci.
é cheia de ONU.
Menina, a felicidade
é cheia de an
é cheia de en
é cheia de in
é cheia de on.
5. DOR E DOR Menina, a felicidade
(TOM ZÉ) é cheia de a
é cheia de e
Te quero te quero é cheia de i
querendo quero bem é cheia de o.
quero te quero
querendo quero bem.
Chiclete chiclete,
mastigo dor e dor
clete chiclete,
mastigo dor e dor.
Te choro te choro,
chuvinha chuviscou.
Choro te choro,
chuvinha chuviscou.
Chamego chamego,
me deixa me deixou.
Mego chamego,
me deixa me deixou.
A dor a dor, a dor a dor
... ... ...
Mas eu te espero
porque o grito dos teus olhos
é mais
longo que o braço da floresta
e aparece atrás
dos montes, dos ventos
e dos edifícios
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e o brilho do teu riso
é mais
quente que o sol do meio-dia
e mais e mais e oh oh oh oh oh
Mas eu te espero
na porta das manhãs porque
o grito dos teus olhos
é mais e mais e mais
e depois que você partiu
o mel da vida apodreceu na minha boca
apodreceu na minha boca
Oh, oh, oh, oh, oh
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6. SENHOR CIDADÃO 7. A BRIGA DO EDIFÍCIO ITÁLIA E DO HILTON
(TOM ZÉ) HOTEL
Poema "CIDADE" de Augusto de Campos (TOM ZÉ)
E o Hilton sorridente
Senhor cidadão
disse que o Edifício Itália
senhor cidadão
tem um jeito de Sansão descabelado
eu e você
e ainda mais, só pensa em dinheiro
eu e você
não sabe o que é amor
temos coisas até parecidas
tem corpo de aço,
parecidas:
alma de robô,
por exemplo, nossos dentes
porque coração ele não tem pra mostrar
senhor cidadão
Pois o que bate no seu peito
da mesma cor, do mesmo barro
é máquina de somar.
senhor cidadão
enquanto os meus guardam sorrisos
senhor cidadão O Edifício Itália sapateou de raiva
os teus não sabem senão morder rogou praga e
que vida amarga até insinuou que o Hilton
tinha nascido redondo
pra chamar a atenção
Oh senhor cidadão,
abusava das curvas
eu quero saber, eu quero saber
pra fazer sensação
com quantos quilos de medo,
e até parecia uma menina louca
com quantos quilos de medo
Ou a torre de Pisa
se faz uma tradição?
vestida de noiva
Oh senhor cidadão,
eu quero saber, eu quero saber
se a tesoura do cabelo
se a tesoura do cabelo
também corta a crueldade
Senhor cidadão
senhor cidadão
Me diga por que
me diga por que
Me diga por que
me diga porque
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8. O ANFITRIÃO
(TOM ZÉ) 9. O ABACAXI DE IRARÁ
(RIBEIRO -TOM ZÉ - PERNA)
Minha dor, você tem razão,
então não faça cerimônia Minha terra é boa,
sou a tua nova casa plantando dá
sou o teu anfitrião. o famoso abacaxi de Irará.
Minha terra é boa,
plantando dá
Se recoste no meu ombro
o famoso abacaxi de Irará.
se debruce nos meus olhos
se quiser me dê a mão.
Moça emperrada namora
e o noivo não quer casar
Eu chamei a dor
se apega ao bom Santo Antônio
pra fazer um samba triste
e o noivo este ano ainda vai pensar...
e pedir que me arrumasse
um amor e uma mágoa.
Falou véio
dá um chá de abacaxi
Ela bateu na porta,
de Irará
combinou tudo comigo
que é pro noivo se animar.
depois me disse adeus,
um amor e uma mágoa.
Minha terra é boa
plantando dá
Minha dor, desta vez é pior,
o famoso abacaxi de Irará.
depois que você foi embora
reparei dentro do peito
um vazio anormal. Véio viúvo com setenta anos
ainda quer casar
Pergunto pra ele o segredo
Nem aquele amor que nunca tive,
e peço pra me contar.
nem a mágoa que criamos,
somente a morte ou coisa igual.
Falou o veio:
Vá comendo abacaxi
de Irará
que você vai se animar.
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10. O SÂNDALO 11. SE O CASO É CHORAR
(TOM ZÉ) (TOM ZÉ - PERNA)
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