Sunteți pe pagina 1din 4

O inimigo comum de esquerda e

direita
É possível construir um consenso entre esquerda e
direita? Talvez o combate à 'cordialidade' e ao
caudilhismo que sequestram o público em nome
do privado, argumenta Pedro Sette-Câmara.

Por Pedro Sette-Câmara

No que hoje parece uma galáxia longínqua e distante, Nelson Rodrigues


escreveu que quando os amigos deixam de jantar juntos por causa da
ideologia, é que o país está pronto para a carnificina. Porém, a citação não
é o prelúdio a um apelo por paz e amor entre pessoas que se amam; por
trás das inúmeras divergências entre esquerdas e direitas no Brasil, existe
um inimigo comum, já conhecido, já nomeado, e não exatamente
esquecido: o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda. Em torno
da inimizade pelo homem cordial, é possível organizar belos jantares.

É obrigatório lembrar que a ideia de “cordialidade” apresentada por


Sergio Buarque de Holanda não tem a ver exatamente com ser simpático
no trato, embora esse traço não esteja excluído. O homem cordial é aquele
que age sempre segundo o coração (corde, em latim), para o bem e para o
mal. Sergio Buarque via seu arquétipo no patriarca rural que só enxergava
por toda parte um espaço privado seu. Por isso, previa que o crescimento
das cidades, com seu espaço anônimo e impressoal, seria o golpe
derradeiro nessa figura que, aliás, só enxergava o mundo segundo as
categorias de amigo e de inimigo.

Poucas previsões, como podemos verificar, parecem tão equivocadas. A


vida nas cidades apenas fez com que a cordialidade descobrisse novas
formas: todos agora podemos agir como patriarcas rurais, mesmo vivendo
em pequenos apartamentos de classe média. Podemos sujar as ruas, ouvir
música e TV bem alto, como se os vizinhos não existissem, e as próprias
incorporadoras podem vender prédios sem qualquer isolamento acústico.
Podemos todos nos aproveitar de todos, tentando levar vantagem em
tudo; os empresários podem ser amigos do rei, a classe média pode ser
concurseira, sem qualquer vago desejo de realmente servir o público.

Curiosamente, na vizinha Argentina, esse engano jamais teria acontecido.


Domingo Sarmiento, jornalista, militar, e político que chegou à
presidência, denunciava em sua correspondência (o trecho é a primeira
nota inserida no prefácio de Campaña en el Ejército Grande de Sudamérica, de
1852; o texto está disponível na internet) que em Córdoba era
“inacreditável” a quantidade de impostos cobrados “quando não há
instrução pública, exército pago, nem ordem judicial ou obra pública de
qualquer qualidade”. Aquilo que Sarmiento combatia era outra versão
evidente do homem cordial: o caudilho, aquele que sequestrava as cidades
para arrecadar impostos.
Não é nada difícil voltar a empréstimos para amigos do rei, os escândalos
da Lava Jato, concursismo, fundo partidário, ruas sujas — todos somos
pequenos caudilhos, invejando os que são grandes.

Esse ideal de privatização do público é exatamente aquilo a que se opõem


tanto a esquerda que se sentiu traída pelo PT quanto a direita que, hoje,
busca a limitação do Estado. As discordâncias são evidentes: uma espera
consertar o Estado, outra acredita que sua privatização é inevitável.
Ambas têm aquele lado caudilho, que não será admitido: querem colocar o
Estado a serviço de seus interesses. Porém, ambas podem ser cobradas
pelo seu discurso: querem um espaço impessoal, realmente público, e, em
sua melhor versão, realmente buscam agir de modo igualitário.

Mais do que os pais da pátria americanos, ou a social-democracia


europeia, Sarmiento surge como uma figura que poderia unir
positivamente direita e esquerda no combate à cordialidade. Insistiu na
educação, em leis impessoais que funcionassem, no desenvolvimento de
pequenas indústrias locais, na abertura econômica. O escritor e crítico
argentino Carlos Gamerro (outro de leitura urgente) escreve em seu
¿Facundo o Martín Fierro? que a luta entre uma espécie de sarmientismo e o
caudilhismo, hoje representado pelo peronismo, é uma constante da
história argentina.
Estando eu mesmo do lado da direita, entendo que a menção ao
peronismo pode ser entendida como uma tentativa de puxar o consenso
mínimo para o lado da esquerda. Não é minha intenção. Recordo a
cobrança do discurso: se queremos fazer valer princípios mais do que o
culto da personalidade, a cautela quanto a Trump ou Bolsonaro vale
igualmente para Lula e Cristina Kirchner.

Se a crise brasileira atual tiver qualquer chance de ser, mais do que um


prelúdio a outra, uma época de decadência enquanto se aguarda o
próximo voo da galinha, uma oportunidade, que seja esta: direita e
esquerda, assumindo as discordâncias, assumem sua união em combater a
privatização do público, o caudilhismo.

A ideia pode parecer vaga demais, geral demais, mas isso é também uma
vantagem. Uma vez que haja a reunião em torno do inimigo comum, o
debate pode dar lugar a um consenso positivo. Um liberal como eu já
gostaria de perguntar se a eleição de amigos do rei segundo justificativas
desenvolvimentistas pode ser entendida como um ato de cordialidade, de
um nós elitista contra um povo visto, na verdade, como um recurso a ser
extraído. A pergunta pode até ser rechaçada, desde que nunca se perca o
critério de que a cordialidade é o inimigo.

O maior risco, é claro, é o de nunca mais haver confiança no oponente


ideológico. Porém, se não formos capazes de crer que um dia um
concurseiro será movido pelo desejo de servir e não pelas vantagens
econômicas, que um político não quer, com a ajuda dos amigos
“empresários”, ir aonde o concurseiro nem sonha chegar; que um vizinho
se preocupará em não incomodar, que podemos, enfim, confiar uns nos
outros, pagar impostos sem nos sentir 120% otários, bem, nesse caso, é
mudar-se para o estrangeiro. Porém, se todos admiram as democracias
europeias e a americana quando lá estão, e conseguem agir sem
cordialidade, não há por que achar que isto seria impossível aqui.

Pedro Sette-Câmara é tradutor e doutorando em literatura comparada na UERJ

S-ar putea să vă placă și