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Origem e contexto de emergência da noção de estrutura

em Psicopatologia Fenômeno-Estrutural:
Evolução do conceito, seu lugar e suas implicações nas
práticas clínicas contemporâneas

Jean-Marie Barthélémy1

Resumo

Este artigo retoma um conjunto de propósitos emitidos ou publicados em


diversas circunstâncias durante mais de quarenta anos, com o objetivo de
apresentar as características fundamentais da noção de estrutura no campo da
psicopatologia fenômeno-estrutural, partindo de seu contexto histórico de
emergência e definição original e avançando até as transformações e extensões
sucessivas mais recentes. Apresentando de modo lateral a convergência de
surgimento com outras disciplinas contemporâneas e do seu uso comum, essa
exposição visa, sobretudo, a apresentar as influências próprias dessa noção e
sobretudo a sua originalidade, em psicopatologia e psicopatologia clínica, na
definição de um método e de um modo de abordagem singular da organização
psíquica e de suas desordens. O trabalho milita assim em reafirmar a sua
atualidade, especificidade e pertinência no seio de disciplinas atualmente
ameaçadas por uma diluição e absorção ou por influências inquietantes, nas
quais o lugar do homem se restringe justamente onde deveria se impor no
núcleo e nos princípios de um procedimento que o preservaria e ao mesmo
tempo participaria de sua definição e de suas perspectivas futuras.

Palavras-chave: Estrutura Mental; Psicopatologia Fenômeno-Estrutural.

1
Doutor ès Lettres et Sciences Humaines. Presidente da Sociedade Internacional de
Psicopatologia Fenômeno-estrutural. Professor Emérito de psicopatologia e psicologia clínica.
Université de Savoie, Chambéry. Email: barthelemy@univ-savoie.fr

Psicopatologia Fenomenológica Contemporânea, 2012, 1 (1), 88-105


Origem e contexto de emergência da noção de estrutura em Psicopatologia Fenômeno-estrutural

Origin and context of the emergence of the structure notion in phenomenon-


structural psychopathology: Evolution of the concept, its implications and its
place in contemporary clinical practice

Abstract

This article exposes a set of ideas published in several occasions through more
than forty years, showing the main characteristics of the notion of structure on
phenomeno-strucutural psychopathology. It starts from its historical conditions
of emergence and original definition, stretching to the contemporary
transformations. The work aims the presentation the influences of this notion,
as well as its originality in psychopathology and clinical psychology, as it
proposes a method and a singular approach to psychic organization and its
disorders. Therefore, the work supports the actuality, specificity and pertinence
of the method, amidst scientific disciplines under the risk of dilution and
absorption, in which the place of man is restricted. This restriction precludes the
establishment of the principles of the procedures that could preserve the notion
of man and take part of his definition and future perspectives.

Key-words: Mental Structure; Phenomeno-Structural Psychopathology.

A exploração estrutural se impôs simultaneamente em diferentes campos


das ciências humanas e segundo modalidades que, frequentemente,
permaneceram antes paralelas do que concorrentes. Isso em razão das
especificidades disciplinares e da distância demasiadamente grande entre os
objetos de estudo. Na coleção de textos do lingüista Ferdinand de Saussure
(1913/1995), na obra psicanalítica de Freud, na experiência perceptiva de
Rorschach (1921) ou na obra “Der Aufbau des Organismus” do neurologista
Kurt Goldstein (1934) – cujo título francês de uma tradução posterior (1951) “A
estrutura do organismo” lança mão de um termo inexistente no autor –,
abordagens contíguas vêm à luz sem uma referência explícita à noção de
estrutura entendida no sentido que tomará com o passar do tempo.

Os anos 1921-1922 constituem, em relação à abordagem estrutural no


campo da psicopatologia, um momento de simultaneidade e de convergências
particularmente impressionante e pouco comum, que ligará por muito tempo

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duas comunidades até então pouco aproximadas: a psicologia e a produção


artística - e, mais amplamente, expressiva.

A obra de Walter Morgenthaler, “Ein Geisteskranker als Künstler“,


surgida em 1921, apresenta a primeira grande monografia pictórica de um
paciente psiquiátrico, Adolf Wölfi. Ela alimentará o interesse tanto estético
quanto psicopatológico por estas produções colhidas em meio asilar.

Morgenthaler é também conhecido por ter apoiado desde o início e


promovido a obra de um outro inventor – após a morte deste - que deixará sua
marca definitiva na corrente psicopatológica, Hermann Rorschach, filho de
pintor e um pouco pintor ele mesmo, autor de artigos, conhecidos de Prinzhorn,
sobre a pintura de esquizofrênicos, antes mesmo do aparecimento, em 1921, de
seu célebre “Psicodiagnóstico”, um instrumento de pesquisa concebido a partir
de uma série de manchas de tinta oferecidas à livre interpretação. A partir do
papel que ele atribui, por meio do apoio original de seu teste, à solicitação
perceptiva para a captação das especificidades do indivíduo, assim como do
lugar que ele concede à descrição das “disposições de talentos” das quais cada
um pode ser prova, Rorschach defende o estabelecimento de relações entre as
características da pessoa e a natureza de suas potencialidades criativas. Além
dessa delimitação de um pólo de interesse, de um ângulo de abordagem dos
fenômenos psíquicos, a descoberta de Rorschach instaurará a base de um
método dotado de capacidades fecundas e duráveis de expansão.

Originariamente algo afastado dessas aproximações entre os mundos da


expressão plástica e da psicopatologia, mas ponto de referência decisivo para os
desenvolvimentos ulteriores de um modelo tipológico para sua compreensão
associada, o livro que Kretschmer publica em 1921, “Körperbau und
Charakter”, estabelece continuidades entre os traços correntes do caráter e sua
inflexão excessiva realizada pelo transtorno psiquiátrico. Fazendo isso, ele
prepara à sua maneira outros rompimentos de barreiras que permitirão o
pensamento conjunto de certas polaridades da vida psíquica para além de uma
separação radical entre o normal e o patológico.

O ano de 1922 vê o surgimento do livro de Prinzhorn “Bildnerei der


Geisteskranken” (1922/1984). Na sua introdução, o autor reflete acerca deste
termo pouco usual em alemão, “Bildnerei”, utilizado em seu título:

dado que as obras de que tratamos assim como os problemas que


elas levam a abordar não são matéria de julgamentos de valor,
mas são visadas de um ponto de vista psicológico, nos parece
pertinente empregar o termo riquíssimo de sentido - ainda que
não muito corrente - “Bildnerei”, para um domínio quase
desconhecido fora da psiquiatria. Designa-se com esta palavra

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tudo aquilo que os pacientes mentais produzem, no sentido


artístico da palavra, em duas ou três dimensões.2 (p. 54)

Em uma nota, ele observa a “coerência de sentido” das principais


derivações do verbo alemão “bilden” (formar) e se apóia sobre ela para
estabelecer o que chama a “solidez” do termo “Bildnerei”. Essa feliz
coincidência, sobre a qual insiste Prinzhorn, própria da língua alemã, que une a
imagem ao “mundo das formas”, reflete sua clarividente intuição da unidade
íntima dos fundamentos estruturais da imagem com sua “formação”.

Este apontamento não é casual, pois reúne com profundidade as


preocupações do psiquiatra que se condensam neste termo que forja e que é
retomado ao longo da obra: a “Gestaltung”. Rememoremos como ele o define
no início:

por trás das aparências do processo de “Gestaltung”, que


julgaremos do ponto de vista estético e cultural, existe um
processo nuclear comum a todos os homens. Em sua essência, este
seria o mesmo tanto no desenho mais magistral de Rembrandt
quanto na mais miserável garatuja de um paralítico (ele designa
aqui a síndrome deficitária demencial daquilo que se chamava à
época “paralisia geral progressiva”), a saber, a expressão de fatos
psíquicos.Talvez seja necessário dominar perfeitamente todos os
meios estéticos e culturais de acesso a uma obra para compreender
que podemos nos livrar de todo julgamento e nos entregar sem
reservas a produções cujos valores se oponham a tal ponto. Pois
não se deve ver na fórmula “não há diferença” uma afirmação
fátua ou filistina. (Prinzhorn, 1922/1984, p.50)

A posição deste princípio geral de Prinzhorn encontra assim vias


concretas. Ele é conectado à totalidade das manifestações e funções psíquicas,
diferenciadas e moduladas segundo um registro próprio a cada um. “A
pesquisa das raízes psicológicas da pulsão de “Gestaltung” no homem”,
escreve,

nos faz encontrar na necessidade de expressão o centro dos


impulsos de “Gestaltung” que se nutrem, no entanto, de todo o
psiquismo. A partir desse centro se desenvolvem as diferentes
tendências que, pela variedade de suas combinações, determinam
o tipo de obra que se faz. Dá-se assim que, fundamentalmente,
todo objeto formado concretiza movimentos expressivos de seu
autor perceptíveis imediatamente enquanto tais, sem que

2
NT: Tradução da tradução francesa “Expressions de la folie”.
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intervenha alguma finalidade ou outra instância racional.


(Prinzhorn, 1922/1984, p.60)

Como no caso de Rorschach, a parte concedida por Prinzhorn ao


processo perceptivo é, na sua própria perspectiva, determinante. Ele insiste na
organização que já pressupõe e que está em relação com a especificidade
individual. As modalidades de percepção dependem de uma forma pessoal que
tem um papel sobre a constituição da imagem e sobre sua coloração afetiva,
sendo mesmo concebida como se modelando junto com o desenvolvimento do
indivíduo. Assim declara:

Nós desejamos antes de tudo elucidar o processo de “Gestaltung”


do ponto de vista psicológico. É-nos necessário, em primeiro
lugar, atentarmos para o fato de que já na formação intuitiva do
processo perceptivo entram em jogo muitos fatores que têm sua
origem na personalidade do sujeito e levam sua marca. Tais
fatores podem inibir ou estimular a imagem visual que está se
constituindo; em todo caso, eles contribuem para sua
determinação. Trata-se de forças em parte enraizadas no próprio
indivíduo, de sua “marca”, como se diz, na qual as disposições
afetivas se misturam ao talento expressivo em geral e a numerosas
influências exercidas ao longo do desenvolvimento. (Prinzhorn,
1922/1984, p. 90)

Segundo Prinzhorn (1922/1984), os componentes da “Gestaltung” são


“analisáveis de um ponto de vista puramente formal” (p.86) e todos os
movimentos expressivos são dele procedentes. Algumas fórmulas, que parecem
ainda hoje em dia de uma acuidade e de uma atualidade fulgurantes, resumem
o enraizamento da “Gestaltung” entre a experiência vivida e a formação
expressiva:

Toda “Gestaltung” se desdobra entre a imediatez viva e a


organização formal e é unicamente sobre o grau desta tensão que
pode se fundar, no fim das contas, nosso julgamento (...). O poder
de “Gestaltung” se enraíza portanto em toda a vida psíquica, à
medida que esta produz para fora impulsos expressivos. Ele
conduz, por intermédio das imagens visuais, de qualquer
necessidade de expressão rumo à obra, ou, ainda, do vivido à
forma. (Prinzhorn, 1922/1984, p. 94)

Assim é revelado, para Prinzhorn, o acesso ao estudo psicológico do


mundo da formação da imagem, mundo aberto a todo e qualquer indivíduo,
poder geral compatível com os fatores da vida pessoal, a observar notadamente
– mas não exclusivamente – a partir das produções dos doentes psiquiátricos.

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Em seu livro, como salienta Marielène Weber na sua bela apresentação da


edição francesa, “se impõe a materialidade de uma emergência, a despeito da
incerteza do instrumental teórico e da precariedade das conclusões”( Prinzhorn,
1984, p. 18) É um julgamento próximo daquele dos doutores W. von Baeyer e
H. Häfner, da clínica psiquiátrica da Universidade de Heidelberg, que
escrevem: “A intenção de Prinzhorn foi uma concepção fenomenológica do
essencial do ser, mas esta intenção pôde ser realizada apenas de modo
incompleto com o método utilizado” (Bayer & Häfner, 1964). Essa ideia
reproduz fielmente o ponto de vista do próprio Prinzhorn, que declarou que
sua “atitude tem continuamente um caráter fenomenológico no sentido mais
amplo da palavra”.

Citemos, para concluir este percurso de uma emergência de métodos -


em parte ainda embrionários – de escuta de uma função expressiva posta a
serviço de uma abordagem fenomenológica, o estudo de Karl Jaspers, em 1922,
sobre Strindberg e Van Gogh. Mesmo recebendo homenagem de Prinzhorn –
homenagem que se estende ao conjunto de sua obra, pela qual nutria uma
profunda admiração – este estudo permanece no domínio puramente
patográfico, no sentido em que Jaspers busca o transtorno na obra apenas na
medida em que sirva de base para o estabelecimento ou confirmação de um
diagnóstico, reputado por ele ser, nos casos, a esquizofrenia.

Voltemo-nos agora à abordagem fenômeno-estrutural propriamente dita


e, mais particularmente, aos seus vínculos diretos com a análise filosófica.

A pertinência do “Ensaio sobre os dados imediatos da consciência”,


escrito em 1889 por Henri Bérgson, para uma adaptação à abordagem
psicopatológica impressionou fortemente Minkowski; porém, esta passagem
trouxe-lhe muitas dificuldades, já que sua aplicação neste domínio não era
assim tão óbvia, topando com exigências práticas às quais a filosofia raramente
se submete. Como atingir a realidade profunda dos transtornos psíquicos, como
preservá-la o mais proximamente possível de suas experiências íntimas
admitindo trabalhar apenas com suas exteriorizações?

Uma das vias abre-se pela reflexão sobre o conceito de “duração”,


cunhado por Bergson, para quem um tempo cronológico, mensurável, métrico,
deve ser distinguido de uma “duração” concebida como qualidade pura,
progresso, que não transcorre de modo mecânico – como um metrônomo ou
um pêndulo de relógio – mas permanece em ligação íntima com a vida mesma,
procedendo de uma inscrição fundamental na existência. Essa noção será
tomada de empréstimo por Minkowski, mas somente à custa de sua libertação
de uma outra ideia de Bergson que a psiquiatria não pode subscrever: a noção

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de que a linguagem, em razão da dimensão necessariamente espacial e


fragmentada de suas atualizações, representa um obstáculo irredutível para a
captura dos fenômenos essencialmente qualitativos da atividade psíquica,
especialmente a duração vivida, sem a qual ela perde sua extensão, todo sentido
e até mesmo sua definição. No “Tempo vivido”, publicado em 1933, Minkowski
mostrará a contrario, com muita elegância e talento, que uma análise profunda e
sutil da linguagem viva nos permite acessar traços específicos das organizações
patológicas que se mostram particularmente sensíveis para a evocação das
desordens da maneira de viver a temporalidade e sua continuidade interior.

Num trabalho precedente, de 1927, sobre “A esquizofrenia”, Minkowski


tinha implantado sobre o conceito de “élan vital”, forjado pelo mesmo Bergson,
muito de sua compreensão deste transtorno psicótico, considerado nos planos
fenomenológico e psicopatológico como uma “perda do contato vital com a
realidade” (e não mais sob uma concepção mais passiva e mecanicista do tipo
associacionista, como o fazia seu mestre Bleuler (Bleuler, 1911), entendendo-a
como uma “ruptura de associações”). Entretanto, a sintomatologia
esquizofrênica permite abordar o tempo vivido apenas para constatar sua
terrível carência nesta devastação, substituído frequentemente por fatores
compensatórios ao seu desmoronamento na forma de uma insistente tendência
ao que Minkowski denominou de “espacialização”. Dentre todos os exemplos
que cita, destaca-se aquele de um esquizofrênico que se queixa da velocidade
excessiva do trem no qual viaja, não por ela alterar o deleite aprazível da
paisagem, mas porque não permite que se faça o registro isolado, separado, de
cada um dos elementos e de pontos de referência que a constituem, a fim de
recompor-lhe o movimento. Este exemplo ilustra maravilhosa e de modo
dolorosamente aplicado e implicado a diferença estabelecida por Bergson entre
um tempo espacializado, recortado em unidades artificialmente ou
convencionalmente reunidas, e um tempo desdobrado em uma apropriação
pessoal, no qual não se trata mais de contar, mas de experimentar. Minkowski
instaura essa diferença no contraste que estabelece, para a inscrição temporal,
entre a sucessão e a continuidade, entre um princípio de justaposição –
obedecendo a dados quantificáveis – e um princípio de penetração – repousando
sobre uma base puramente intuitiva – não apenas para lhes opor mas para
mostrar como nós os alternamos e, sobretudo, os integramos nas disposições
simultaneamente receptivas e ativas de nossas existências.

O prolongamento da exploração minkowskiana, orientada em parte pela


procura confessa de um equivalente simétrico, no campo psiquiátrico, de
alterações mais objetiváveis da temporalidade, mas preservadoras do
sentimento de duração vivida, colocará em ação belos estudos sobre os
transtornos demenciais, observados não apenas por seu aspecto deficitário,
realizados por meio de uma descrição notável da manutenção de um princípio
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de homogeneidade, feito de estabilidade e de continuidade, mesmo quando as


referências espacio-temporais tenham desaparecido. Pode-se ver como o
demente ganha surpreendentes capacidades de ampliação qualitativa da
temporalidade vivida à medida que perde marcas e privações puramente
métricas ou cognitivas na sua desorientação. Minkowski escreve em 1932 em
uma comunicação sobre “O problema do tempo em psicopatologia”:

Isso nos obriga a rever nossa concepção do que chamamos


orientação no tempo e no espaço. Essa orientação parece se
compor agora de elementos de duas ordens diferentes: de uma
parte, de conhecimentos registrados por nossa memória, relativos
aos nomes de lugares e às datas e, de outra parte, da noção
fundamental de “eu-aqui-agora” que, contrariamente aos
conhecimentos precedentes tem, pelo menos para o eu que age,
algo de absoluto nela no que se refere ao local em que me encontro
e ao momento em que vivo atualmente. (Minkowski, 1932, p. 83).

Os transtornos de humor, de uma outra perspectiva e em outros


contextos exteriores à esquizofrenia, mostrarão que, no caso de conservação de
suas referências objetivas, como é visível nas suas formas mais graves, são
visualizáveis e se tornam analisáveis “subduções”, que colorem especificamente
a maneira de experimentar o decurso do tempo: paralisado pelo remorso e
incapacidade de vislumbrar o porvir, na melancolia; precipitado em uma
miríade de instantaneidades e dissipações, no desarranjo maníaco.

Todas as observações ilustrativas desses fenômenos, recolhidas com


grande paciência, repousam essencialmente sobre modalidades expressivas do
contato ou sobre um exame aprofundado das características da linguagem que,
longe de se apresentar nestas circunstâncias como um freio à sua restituição fiel,
se revela como um dos mediadores mais fundamentais a facilitar e autorizar o
acesso ao transtorno. Minkowski descobre na trama dinâmica das palavras
como as maneiras de se situar no tempo e no espaço próprias a cada pessoa
permitem nos aproximarmos de seus mecanismos fundamentais com seu valor
inicialmente compreensivo e expressivo, antes de nos arriscarmos a qualquer
empreitada explicativa.

Convém-nos compreender, assim, a sua concepção de “estrutura


mental”, na definição da qual intervêm tanto a unidade dos componentes
espacio-temporais vividos quanto forças e pressões expressivas. Tendo se
livrado do descrédito lançado por Bergson sobre uma linguagem considerada
como intermediário confiável na restituição da realidade vivida, ela se
reconhece por uma concordância fundamental com o princípio de que os
estados psicológicos não podem ser isolados como fragmentos do eu, mas que

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na verdade realizam expressões deste enquanto traduzem e refletem o conjunto


e a unidade da personalidade e jamais um de seus componentes. Lá onde
Bergson sustentava que o pensamento discursivo, que a linguagem, se mostrava
incapaz de reproduzir estes “dados imediatos da consciência”, Minkowski
demonstra que se pode, pelo contrário, apoiar-se sobre ela para acessá-los;
considera assim a linguagem como um dos mediadores essenciais de nossa
função expressiva e executará uma fenomenologia da linguagem, permitindo
atingir principalmente as alterações do tempo vivido nos seus pacientes e, mais
amplamente, as grandes linhas de abordagem desta no seio de cada uma de
nossas individualidades. Ele proporá um método de análise da linguagem, que
qualificará mais tarde de “fenômeno-estrutural”, no qual a atenção voltada às
qualidades expressivas do espaço e do tempo vividos assume um dos papéis
fundamentais na apreciação das características psicopatológicas e, mais
amplamente, psicológicas da personalidade.

É a partir dessa concepção de um fato psiquiátrico reinserido numa


pertinência psicológica mais ampla que assoma a ideia, no limite muito simples
e tão capital, proposta por Minkowski, de uma diferença de natureza entre o
sintoma médico e o sintoma psiquiátrico, fundada sobre o fato que o segundo é
sempre mais expressivo e muito mais unitário que o primeiro. As síndromes
psiquiátricas detém e manifestam um poderoso valor expressivo, incomparável
com aquele das síndromes somáticas; elas parecem também emanar de uma
mesma fonte e de uma coerência de organização interna e é sem dúvida nesta
medida e por esta razão que nos tocam e nos afetam de modo diverso. Os
sintomas psiquiátricos, explica Minkowski (1928), “se apóiam” entre si,
repousam sobre um só transtorno inicial, constituindo uma unidade
organizada, representam uma verdadeira síndrome psicológica, ou ainda, “não
conseguiríamos deslocar os sintomas nem substituí-los uns pelos outros sem
destruir esta impressão de conjunto, pois “uma ligação íntima os une”
(Minkowski, 1966, p. 51-52).. Incontestavelmente, é no sentido forte da palavra
expressão que se deve entender quando ele declara (Minkowski, 1928): “A
síndrome mental não é mais para nós uma simples associação de sintomas, mas
a expressão de uma modificação profunda e característica da personalidade humana
inteira (Minkowski, 1928, p. 28).

O principal objetivo da psicopatologia, nesta perspectiva, será o de se


esforçar, a partir de uma descrição rigorosa, aprofundada, refinada e próxima
das especificidades individuais – fenomenológica, portanto, no sentido
entendido por Minkowski – em chegar a uma representação estrutural que dê
conta das grandes linhas organizadoras e compreensivas destas especificidades,
resguardando suas unidade e coerência internas. As maneiras diversificadas
pelas quais cada um se harmoniza intimamente a um espaço e a um tempo
vividos que lhe são próprios, abordadas graças à linguagem e mais amplamente
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ao conjunto das formas e forças expressivas, permitirão assim que se extraia


tanto as particularidades quanto os agrupamentos de tendências, em função das
inflexões que o transtorno psíquico dirigente tipologicamente lhes impõe. Cada
estrutura particular, escreve Minkowski (1932), “traz a característica, em última
análise, do modo como o indivíduo se situa em relação ao tempo e ao espaço
vividos” (p. 91).

A experiência interna do sintoma e sua abordagem metodológica exterior


não surgem mais assim afastadas uma da outra, incompatíveis uma com a
outra, ou até mesmo totalmente estranhas uma em relação à outra, o que seria
verdadeiramente o cúmulo para uma ciência de vocação humana, mas em
correspondência e convergência de fundo. A noção de estrutura, assim posta,
não se apresenta como uma reconstrução abstrata, à qual se chegaria com muita
dificuldade, como lhe foi censurada frequentemente e muitas vezes com razão,
mas reencontra a presença encarnada de uma realidade da qual ela
supostamente deve dar conta; mas, porque ela extrai sua origem da vivacidade
da linguagem, de uma maneira ao mesmo tempo sentida, vivida e ativa de
viver o tempo e o espaço, participa de uma definição e compreensão concreta
da pessoa a partir de uma coexistência compartilhada.

Para nos ocuparmos de seus princípios, é necessário sublinhar a dupla


temporalidade deste método fenômeno-estrutural tal qual concebido por
Minkowski: a primeira, metodológica, procede de uma observação descritiva
dos fenômenos psicológicos capturados na proximidade de sua dimensão
vivida e experimentada, para em seguida pretender acessar sua significação
estrutural; a segunda, histórica, que, a partir dos anos 50, integrará o estudo
evolutivo ao da estrutura, mais e mais concebida esta não como uma invariante,
mas como unidade fundamental afetada por movimentações interiores próprias
da sua gênese ou de certos de seus desenvolvimentos potenciais.

É importante também salientar que, para este discípulo de Bleuler, a


abordagem estrutural visa, sobretudo, à compreensão da unidade do
transtorno, da doença psíquica. A ideia que se impõe, desde a descrição
hierárquica da esquizofrenia, realizada pelo mestre da clínica de Burghölzli em
Zurique, é que os sintomas psiquiátricos não podem ser concebidos como um
agregado de elementos independentes, a serem enumerados ou superpostos,
conforme aos preceitos associacionistas, mas que eles procedem de um
“transtorno gerador”, segundo a expressão de Minkowski, ou seja, que
possuem uma coerência na sua organização e distribuição internas. Neste
sentido, o procedimento de Minkowski é, num primeiro momento, extensivo, à
medida que visa a descrever conjuntos compreensivos significantes que
exorbitam o quadro de uma unidade individual para se aplicar a uma larga
sintomatologia. Mas, a seguir, essa prospecção tomará uma outra dimensão,

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simultaneamente mais extensiva e mais intensiva: mais extensiva no sentido em


que Minkowski se dá conta de que seu método pode se estender à compreensão
da subjetividade não-patológica; mais intensiva porque compreende que ele
deve também se exercer em profundidade, portanto, de modo intensivo, na
compreensão não somente do transtorno mas da singularidade da pessoa,
normal ou patológica. Vejamos como ele o resume em 1933 em seu célebre livro
sobre “O tempo vivido”:

A necessidade de penetrar, através dos sintomas, até esta


personalidade viva, de capturar em um único esforço de
conhecimento toda sua maneira de ser é tão imperiosa que não
saberíamos renunciar a isso, tanto no domínio do patológico
quanto no domínio do normal” (Minkowski, 1933, p. 208-209, ).

Não nos encontramos mais no halo associacionista que inspira Bleuler


ainda em 1906, que ilustrarei com uma citação que segue válida no seu projeto
concreto, se liberada de suas amarras ainda visíveis com esta corrente:

Na atividade associativa se reflete o psiquismo inteiro, passado e


presente, com suas experiências e suas tendências. Ela se torna um
índice de todos os processos psíquicos e devemos apenas decifrá-
la para conhecer o homem inteiro (...). Cada processo psíquico,
cada movimento tal qual exatamente efetuado, são possíveis
somente por um sujeito dado, com seu passado determinado.
Cada ação particular representa o homem inteiro. Desejar tomas
conclusões sobre a personalidade inteira a partir da escrita, da
fisionomia, da forma da mão, do estilo ou mesmo do desgaste dos
sapatos não é uma tendência desprovida de fundamento. (Bleuler,
1906)

Encorajada por Bleuler para a investigação genealógica da presença de


doenças mentais em terreno familiar predisponente, Françoise Minkowska
(1882-1950) vai descobrir, em paralelo com Minkowski, uma constelação de
fatores da personalidade que a orienta rumo a uma mesma via estrutural. Ela
descobre assim um estilo de relação ao real, ao outro e à existência que
determina um conjunto de comportamentos organizados entre si segundo
dados convergentes, o qual Minkowska tentará circunscrever em suas grandes
linhas sob os termos sucessivos de “epileptoidia”, de “gliscroidia” e, enfim, de
“sensorialidade”, como ela o chamará mais tarde para se livrar com razão de uma
referência limitante ou ambígua em relação ao transtorno. Essa confluência de
fatores permite-nos compreender certas particularidades da epilepsia, nos
informando também, para além da doença, sobre uma organização da
personalidade definida, no essencial, por uma bipolaridade levando da

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adesividade à explosividade afetivas e por um contato colado com a realidade,


realidade que lhe opõe fundamentalmente à esquizoidia e à esquizofrenia que
Minkowski havia estudado primordialmente.

Já no momento em que pôde dar uma primeira versão sintética de suas


pesquisas genealógicas, em um livro publicado em 1937, Françoise Minkowska
antecipou o acesso ao que chamava um “mundo de formas”. Ela fornece neste
grande artigo uma definição de estrutura mental à qual Minkowski dará adesão
total sem jamais retificá-la, onde se vê que a abordagem do transtorno psíquico
surge apenas em última instância, como um caso particular de um desenho bem
mais extenso e ambicioso:

a estrutura é um princípio formativo que constitui algo de


primitivo em relação a todas as formas da existência viva e que,
deste modo, se manifesta de uma maneira unívoca tanto nas
particularidades biológicas e caracterológicas quanto naquelas
ligadas à atividade espiritual e criativa. Nós a encontramos
igualmente na base dos transtornos mentais correspondentes.
(Minkowski, 1966, p. 580)

Ela precisa ainda que “a análise estrutural não concebe esta forma como
imóvel, mas procura, pelo contrário, apreendê-la na sua mobilidade, em seu
dinamismo vivo” (Minkowska, 1937).

Após seus estudos genealógicos, Minkowska reencontrará essas


tendências na análise de elementos biográficos, caracterológicos, patológicos e
criativos do pintor Vincent Van Gogh, o que a conduzirá a uma compreensão
da rede de afinidades íntimas e interativas que se tece entre os diferentes
campos de expressão da personalidade e em todas as suas formas de ação e de
realização.

A partir de 1938, Françoise Minkowska descobre como, no Rorschach, a


análise aprofundada da linguagem permite restituir com muita proximidade e
com fidelidade a vida, a dinâmica e a verdadeira marca individual das imagens
e da visão de mundo que elas sustentam e as ativa. Minkowska propõe sua
análise não como uma total inversão da perspectiva tomada pelo inventor
inspirado deste instrumento mas, em concordância com o espírito no qual o
autor o havia vislumbrado, como um desenvolvimento natural de um método
aberto convocado por ele mesmo em primeiro lugar a se enriquecer desde seu
interior.

Cuidando de seguir, com o Rorschach, a mesma exploração das


particularidades individuais que Minkowski havia desenvolvido em outras
bases, ela irá, desde então, se ocupar em descrever as suas vias metodológicas,

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Jean-Marie Barthélémy

que passam inicialmente por uma compilação dos protocolos respeitando com
minúcia as formulações verbais próprias de cada indivíduo para compor sua
fonte de análise. A riqueza com a qual se elaboram as palavras nas respostas
conta muito mais para ela do que uma análise do protocolo estabelecida sobre
constantes estatísticas.

As palavras do Rorschach não são apreendidas por Minkowska nem em


função de um conteúdo concreto, que elas atualizariam de maneira explícita,
nem em relação a uma significação simbólica latente, indireta, à qual elas
supostamente remeteriam, mas, antes, consideradas “em função de situações
vitais às quais eles se referem”, como comenta Minkowski, que explica que “se
trata, no fundo, da colocação dos fundamentos de uma “semântica””
(Minkowska, O Rorschach em busca do mundo das formas 1978, p. 33). Não é,
portanto, um mosaico de significações disseminadas, parciais ou isoladas,
devendo ser reunidas, que este método visa a atingir, mas, inicialmente, a
unidade de sentido própria de uma pessoa que a particulariza em sua
individualidade ao mesmo tempo em que a vincula a um “sistema de
referências suscetível de nos informar sobre a estrutura mesma da vida e de
nossa existência” (Minkowski, 1966, p.32-33). Em pleno acordo com Gaston
Bachelard, Françoise Minkowska se coloca ao lado de uma concepção e de uma
análise da linguagem portadora de imagens, movimentos, sensações e élans
afetivos, em razão de seus recursos relacionais e de suas propensões
expressivas; em uma palavra, de uma linguagem tomada e compreendida em
sua importância metafórica. Nesta perspectiva, Minkowska procede ao que ela
chama um “exame minucioso, palavra por palavra” dos protocolos a fim de
revelar as “expressões de base” que determinam os dominantes e as
especificidades da personalidade.

O exame dos epiléticos e sensoriais, por meio do Rorschach, lhe


demonstrará a importância, nessas pessoas, do que ela chamará “a visão em
imagens”, a capacidade e facilidade que possuem os sensoriais em imaginar
espontaneamente e vigorosamente o conjunto de seus conteúdos psíquicos em
função de disposições internas provocadas por estimulações provenientes do
mundo exterior. Não apenas essas imagens se impõem pela sua presença e
vitalidade, mas ainda parecem dotadas de poder de persistência e de
continuidade na duração, o que revela sua tendência à perseveração.

Graças a suas investigações genealógicas, Minkowska já havia


anteriormente descoberto certas características estruturais de organização da
personalidade normal e patológica; mas é apenas o Rorschach e,
principalmente, a análise da linguagem como seu intermediário, que vai
conduzi-la ao encontro daquilo que chamará desde então de “mecanismos
essenciais”; a prática deste método lhe trará a revelação inédita da inscrição

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Origem e contexto de emergência da noção de estrutura em Psicopatologia Fenômeno-estrutural

tangível – no coração mesmo da expressão pela linguagem – de mecanismos


psicológicos até então apenas inferidos da prática clínica. Sua surpresa é grande
quando ouve termos ou fórmulas verbais que anunciam ostensivamente uma
“ligação” ou um “corte”, traduzindo em profundidade as características
prevalentes nos pacientes de suas relações com o mundo, com o outro e consigo
mesmos. A Spaltung, descrita por Bleuler como sintoma principal da
esquizofrenia, é retomada por Minkowska, a partir da análise da linguagem no
Rorschach, como um mecanismo psicológico com uma extensão muito mais
vasta, exercendo-se para muito além dos dados estritamente psiquiátricos.

No plano estrutural, aparece claramente como os mecanismos


apresentam-se de um modo contrastado, o que não quer dizer que se possa
contentar de lhes opor simetricamente para atingir uma classificação binária ou
com esta se contentar; essas tendências, que valem como referências tipológicas,
obedecem a maneiras divergentes de perceber, experimentar, exteriorizar a
sensação, as emoções e a vida afetiva. Obedecem também a um princípio de
desenvolvimento que mostra que a criança é, de modo geral, mais sensorial que
o adulto.

Ligação e corte são, segundo Minkowska, “mecanismos essenciais”,


particularmente visíveis e agindo em certos transtornos psíquicos nos quais
repercutem com suas modalidades próprias de espaço e tempo vividos; mas
transbordam largamente os limites do transtorno para relacionar-se também
com cada uma de nossas personalidades individuais, em suas características
constitutivas e evolutivas. Aplicado inicialmente na análise sincrônica da
estrutura das grandes desordens psíquicas, o método vai se estender à análise
estrutural e evolutiva da personalidade. A própria Minkowska tomará essa via
rumo à exploração do mundo de formas plásticas com um estudo comparado
das obras e personalidades de Vincent Van Gogh e Georges Seurat, que lhe
servirá de base para a concepção de um modo de abordagem dos desenhos
infantis.

A noção de estrutura mental se impõe assim progressivamente a


Minkowski e a Minkowska como definidora deste agrupamento estável e
significante de fatores convergentes dos quais eles vão descrever os caminhos
de acesso a seus princípios de organização interna e a suas modalidades de
exteriorização. A estrutura da personalidade se desvela e se realiza através
dessas disposições expressivas, em particular – mas não somente – da
linguagem. Aliada ao exame minucioso das maneiras específicas de se
harmonizar com o tempo e espaço vividos, sua análise constitui um ponto de
partida para a descoberta de mecanismos essenciais de ligação e de corte, assim
como de compensações fenomenológicas, que fazem revelar certas chaves
compreensivas, permitem capturar a unidade dos processos patológicos e

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Jean-Marie Barthélémy

psicológicos e conduzirão mais tarde à evidenciação dos princípios que regem a


sua evolução.

Após a morte de Minkowska, em 1950, seus alunos partirão para a


conquista do mundo de formas na perspectiva por ela estabelecida, aplicando-a
a novos campos do domínio da expressão. Os estudos de Zéna Helman e de sua
escola de psicopatologia fenômeno-estrutural confirmarão o caráter
relativamente móvel e plástico da estrutura mental sob o efeito dos processos
de maturação em diferentes etapas do desenvolvimento psicológico – da
infância à adolescência e desta à idade madura e no curso do período involutivo
-, sob a influência do transtorno mental e dos tratamentos psicobiológicos ou
psicoterapêuticos que buscam remediá-lo. Eles mostrarão, em todos os
registros, a importância e sensibilidade da “visão em imagens” na
particularização dos traços psíquicos dominantes e no seguimento de suas
transformações quando estes perturbam-se pelas manifestações delirantes ou
alucinatórias, através do fenômeno da “imagem que não se sustenta”, revelador de
uma realidade tornada instável e, consequentemente, inconstante e
inconsistente. Outros instrumentos, como a Figura de Rey, o Psicodiagnóstico
de Mira y Lopez, o Sonho Desperto de Desoille ou o Teste da Aldeia de Mabille
serão integrados ao método em função das diversas circunstâncias ou
particularidades da pesquisa, sempre analisados em relação ao Rorschach e em
uma perspectiva que leva em consideração suas relações metodológicas
passíveis de transposição.

No coração de todas essas pesquisas, em continuidade metodológica com


toda a história da psicologia a partir do momento no qual seu princípio se
instalou e foi implantado, o conceito de evolução e o tipo de procedimento e de
atitude que ele pressupõe não cessou de enriquecer um método para o qual ele
contribuiu fecundando-o incansavelmente e sem esmorecimentos. O risco de
vê-lo degradado pela esquematização tornou-se tão maior hoje em dia - tendo
como consequência não apenas um enfraquecimento generalizado da
abordagem clínica em psicopatologia, mas também um descrédito total da
psicologia com seus procedimentos, práticas e ensinamentos que participaram
de seu reconhecimento e difusão no seio das ciências humanas – que a
recordação de certos princípios de base parece indispensável no momento de
abordar as concepções do método fenômeno-estrutural transposto ao domínio
das aplicações terapêuticas. Nossos estudos não são centrados, como é
freqüente na nossa época, na aplicação ou em resultados imediatos, não porque
eles os desdenhem, mas porque visam inicialmente à compreensão lenta e
progressiva de uma pessoa ou das singularidades sintomatológicas que nela se
inscrevem. Como sintetiza com perfeição Minkowski:

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Origem e contexto de emergência da noção de estrutura em Psicopatologia Fenômeno-estrutural

A fenomenologia nos convida a ‘demorarmo-nos’ nos fenômenos,


a fim de precisar suas características fundamentais. Antes de
conhecer sua origem, nós queremos saber o que eles são, quais são
os elementos por eles aportados, cada um em sua especificidade, à
textura geral da existência. A fenomenologia se coloca, assim, de
partida, além da perspectiva causal e nos coloca ao mesmo tempo
ao abrigo dos riscos de um psicologismo excessivo. (Minkowski,
1966, p. 456)

As conseqüências concretas dessa posição se mostram decisivas, vastas


nas suas capacidades de aplicação e includentes nas suas modalidades de
exercício, em particular em uma relação de ajuda que eu sempre resisti em
designar como “psicoterapêutica”, de uma parte em razão da posição
pretensiosa e de superioridade que o técnico se autoatribui implicitamente com
a denominação, mas sobretudo em função de uma atitude de aproximação do
outro que não parece compatível com o pensamento minkowskiano. O método
fenômeno-estrutural não aborda o outro com o objetivo de tratá-lo e ainda
menos de curá-lo, mas inicialmente enquanto este surge como uma alteridade
próxima de si ou a ser aproximada de si por meio do contato relacional. Como
já escrevi em uma fórmula abreviada para a qual não encontrei melhor
substituta até agora: o encontro clínico

surge antes de tudo como oportunidade de relacionamento com


outra subjetividade, convivida como intermediária e reveladora da
natureza do contato que a pessoa mantém com a realidade e com
sua própria vida psíquica, através das suas aspirações e atitudes
na aproximação interpessoal na diferença e interhumana na
semelhança. (Barthélémy, 2000)

Todas as práticas com pretensão psicológica que visam a reduzir os


sintomas – assim como na matemática fala-se em reduzir uma fração a uma
forma mais simples ou em traumatologia em reduzir uma fratura a fim de
recolocar no lugar os ossos deslocados – toda veleidade de erradicá-los por uma
simplificação elementarista remetendo-os às unidades mais simples possíveis a
serem tratadas separadamente ou sucessivamente se expõem ao perigo de
serem improdutivas, senão estéreis, pois elas negligenciam ou negam a relação
interna fundamental que os une, os dirige e lhes dá sentido no seio de uma
subjetividade a ser respeitada.

Portanto, nada, na perspectiva fenômeno-estrutural, poderá ser


abordado em capítulos ou rubricas, nada poderá permanecer isolado,
decomposto ou tratado de modo circunscrito, tanto no espaço quanto no tempo.
Não existe localização na estrutura, tampouco evolução por setores. O impacto

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Jean-Marie Barthélémy

de uma modificação de aparência circunscrita repercute sempre no conjunto de


todas as suas associações; ela exerce suas implicações em ressonâncias para
muito além de seu território. Essa extensão corresponde também a um
alargamento e flexibilização da noção de evolução, que não visa mais a designar
somente, como em Ribot e posteriormente no modelo da psicologia dita
“genética”, uma mudança gradual de etapas hierarquizadas, mas vem a
“compreender”, nas duas acepções do verbo, todo processo interno ou externo
de transformação profunda da personalidade. Afastada e desconfiada das
atuais tendências restritivas, ela se situa em um amplo quadro teórico e
metodológico com a preocupação constante de apreciar os efeitos duradouros e
os limites dos diferentes eventos, circunstâncias ou procedimentos, sobre a
estrutura da personalidade, por meio de uma compreensão coerente dos
mecanismos psicológicos subjacentes que lhe dirigem e lhe dão sentido, a fim
de que a avaliação não se reduza jamais a uma forma desvalorizada de
evolução.

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Tradução: Guilherme Messas

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