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JOGO E LINGUAGEM: UM EXERCíCIO DE Abstract: Game and Language: An exercise of

CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS construction of meanings

This study examines the relationship between games and


Fátima Vasconcelos 1
language from Bakhtin's notions of language with a
p~chogel1etic Ireatment o/ development. From l(ygotaky.
"O bicho alfabeto tem vinte e três patas ou Quase".
Piaget. Wa//onand Winnicott 5 contributions in the field
por onde ele passa nascem palavras e frases
of p~chology. and Wittgenstein and Bakhtin in the field
com frases se fazem asas
ofthe philosopl!y oflanguage. one lried to stress common
palavras o vento leve
sspects whichpermitted one to treatgames and language
o bicho alfabeto passa
as more than an analogy and arrive at the inter/àce of the
fica o Que não se escreve"
two notions. Despite the /àct that these are radical
PAULO LEMINSKY
ditterences concerning the nature they occup.y in
development the notions of games and language can be

Resumo I BCH-UFC I broughl doser in lhe creative Ilow between the outside
and inside world. Therefore certain conceptions of
language have 10 be invoked if one is to arrive at the
Este trabalhopretende explorar as relações entre jogo e intended joint articulation.
linguagem a partir da articulação da abordagem
bakhtinianada linguagem com a abordagempsicogenética Key-words: game. language.meaning.interaction.context
do desenvolvimento. A partir das contribuições de
VYCOTSKY,PIACET. WALLON e WINN/COTT. na psi-
cologia, e de WITTCENSTElN e BAKHTlN. na filosofia
da linguagem, procurou-se destacar os aspectos comuns
Jogo e Realidade: uma relação complementar
Quepermitissem pensar o jogo e a linguagem para além
de uma simples analogia, mas Quepermitisse chegar às Quem pode se dar ao luxo de observar crian-
inter/àces das duas noções. Ao mesmo tempo em Quese ças oue brincam. ou tiver o privilégio de ser convida-
diferenciamradicalmente no Quese refere ao suporte Que do a participar de suas brincadeiras. ficará fascinado
utilizam, à natureza dos significantes e ao lugar Queocu- com o poder de mobilização desta atividade. Seu
pam no desenvolvimento, as noções de jogo e linguagem único objetivo aparente é o autodeleite. mas a inter-
podem ser aproximadasenousnto processos de significa- rupção. mesmo Quando a brincadeira já foi repetida
ção Queatestam o fluxo criativo entre o mundo externo e inúmeras vezes. é recebida pelas crianças com pro-
interno. É poroue tais noções, soui, são entendidas neste
testos. como se houvesse um objetivo oculto Que
modo de funcionamento Que determinadas concepções
exigisse ser cumprido.
de linguagem precisam ser invocadas para dar conta da
Outro aspecto Que chama a atenção é a ne-
articulaçãopretendida. A polissemia da noção de jogo
pode, assim, emergir no âmbito desta discussão de modo cessidade de negociações sobre Quem vai brincar. em
a melhor circunscrever as possibilidades do seu uso no Que posição. como e com oue regras. mesmo num
contexto educativo. jogo muito conhecido como a amarelinha. por exem-
plo. ou a brincadeira de bonecas.
Palavras chaves: jogo. linguagem. significação. O entendimento ou não resultante destas negoci-
interação e contexto ações afetam o desenvolvimento posterior da atividade.
Ainda Que tenha a marca de atividade cultural
milenar. a brincadeira infantil só recentemente tem
merecido atenção acadêmica.
Pn:lI(:SS(JIQ do Departamento de Estudos Especlalizados da FACED-
Ed cação, prof. do Programa de Pós-Graduação Se a consciência de algo assinala sua morte.
_ E- • Cal c@ufc.br como afirmou o existencialismo a propósito da cons-

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iência do sujeito. somos tentados a pensar Que o aos objetos. aos parceiros e às suas próprias neces-
~ eresse pela brincadeira infantil como objeto de sidades e interesses.
udo surge a partir do momento em QUecada vez Neste aspecto. mesmo sendo uma atividade
reduz mais o espaço social reservado a esta ativi- própria da cultura infantil (segundo Leontiev (I 988). é
- de no Que ela tem de essencialmente definidor. ou a atividade principalda criança pequena). a brincadei-
seja. seu caráter de atividade "livre". Para Wallon ra nos interessa enouanto uma atividade Que compor-
1981). esta liberdade define-se pela consciência de ta uma linguagem. ou seja. a possibilidade de significar.
s btração momentânea da realidade e pela ausência Fazer a aproximação entre linguagem e brin-
e finalidade externa. cadeira é o objetivo deste ensaio.
Mas hoje. num mundo em ritmo de desenvolvi- Considerando QUeestes termos não recebem
ento acelerado e globalizado. as crianças. ainda be- definições unívocas. inicialmente apresentarei as con-
oês. ingressam muito cedo no ambiente escolar. Se. cepções defendidas neste texto.
'JOrum lado. a escolarízação precoce favorece inúme- O termo brincadeira deverá ser distinguido de
ros aspectos do desenvolvimento. por outro. este arn- bnnouedo. Este último é o suporte material sobre o
iente é marcado por urgências QUerestringem a livre Qual se sustenta a ação de brincar. Esta relação não
niciativa da criança. uma vez Que todas as atividades é. entretanto. puramente instrumental. pois o brin-
estão sob controle de terceiros. os ouaís estabelece- ouedo tem uma semiose complexa. Brougêre ( 1995)
rarn previamente finalidades para as mesmas. o define como um objeto extremo. O QUe ele Quer
Do mesmo modo a massiva programação de dizer com isto é Que o brinquedo é um símbolo em
TV induz ou transforma. em alguma medida. a brin- três dimensões ou. dito de outro modo. uma repre-
cadeira num espaço virtual onde aouelas negociações. sentação com volume.
anteriormente citadas. estão ausentes. O autor distingue em todo objeto material va-
Na Qualidade de responsável pela formação lor simbólico e função. Uma BMW é um objeto ma-
e educadores infantis e porque ainda gosto muito terial (carro) e como tal tem uma função. Sua
~
e brincar é Que reconheço Que refletir sobre a brin- instrumentalidade é servir para conduzir. mas é ine-
cadeira é se interrogar sobre o sentido de nossas gável Que a esta função é agregado um valor simbó-
ções enouanto formadores. sentido este Que se lico. o statusde Quem o possui. pelo preço e rabalho
constrói sobretudo pelo modo como essas ações midiático QUeacompanha a circulação deste bem. Por
são produzidas. outro lado. embora uma tela de A1demir lartins possa
A ação de ler um livro tem um sentido Quando servir como investimento flnancetro.? nes e obje o o
é uma obrigação (atender uma exigência do profes- valor simbólico se sobrepõe à função. pos o QUeem
sor. se preparar para um exame. concorrer com os primeira instância é o processo de elaboração criati-
colegas ete.) e Quando decorre da própria iniciativa va Que lhe dá sentido. Teríamos assim. um contínuo
do sujeito escolar (para passar o tempo. curiosidade Que iria de um objeto de valor funcional ou utilitário
or um tema. hábito ete.). Isso vale para a brincadei- máximo e valor simbólico mínimo até um objeto de
ra igualmente. valor simbólico máximo e valor funcional mínimo.
Mais Que a ação em si. o seu modo de pro- Quanto ao brinquedo. a função consiste no
dução diferencia os efeitos Que ela produz. Claro próprio símbolo. Uma boneca serve para represen-
ue. mesmo numa atividade dirigida. a criança apren- tar um bebê. uma mulher. ete. Embora oualouer ob-
de muitas coisas. como a se eoullibrar, estabelecer jeto tridimensional possa servir de suporte físico para
relações lógicas. a compartir ete. mas não tem o
mesmo sentido ter sido levado a essas aprcndíza- 2 A obra de arte. conforme o crescente reconhecimento do artista.
eens pela necessidade de ajustar seus propósitos adouire maior valor monetário no mercado de artes.

EDUCAÇÃO EM DEBATE FORTALEZA ANO 24 4'. V. 2 O NO 44 2002


uma brincadeira. o bríncuedo. aouele especialmente Piaget postula Que a brincadeira é uma atividade
produzido para o uso da criança. a despeito de sua essencialmente assimilativa e enquanto tal deformadora
necessária material idade. é apenas um fornecedor de do real. Logo. atribui excessivaênfase à fantasia em de-
representações manipuláveis. ou seja. um artifício de trimento da realidade. Vygotsky. ao contrário. detecta
construção de sentidos. uma tensão dialética entre o real e o imaginário QUe
permite uma ínteração entre essasduas realidades dis-
Com seu valor expressivo. o brincuedo es- tintas Que ultrapassa o plano das oposições.
timula a brincadeira ao abrir possibilidades de ações No entanto. embora Piaget enfatize a dimen-
coerentes com a representação. Pelo fato de re- são imaginária. considera o exercício motor como
presentar um bebê. uma boneca-bebê desperta
conduta de jogO.3 num estágio do desenvolvimento
atos de carinho e de cuidados ligados à rnater-
em QUea função simbólica ainda não está constituída.
nagem. Porém. não existe no brinouedo Uma fun-
Encontramos aout uma fllíação do autor à teo-
ção de maternagem. há uma representação Que
convida a essa atividade num fundo de significa- ria da recapitulação. Que postula uma relação entre
ção (bebê) dada ao objeto num meio social de ontogênese e filogênese em Que a primeira repetiria
referência (BROUGERE. 1995. p. 15-16). a segunda. A consciência da criança Que joga asse-
melhar-se-ia à consciência mágica do primitivo.
A brincadeira. por sua vez. também é uma ativi- Esta idéia está na base do pensamento educa-
dade cuja complexidade nem sempre pode ser perce- cional dos educadores românticos como Rousseau.
bida a olho nu. ParaVigotsky. o brincar é uma atividade cu]a influência no pensamento de Piaget já foi apon-
paradoxal. na medida em Que "a criança opera com tada por Freitag (1991) na obra intitulada "Piaget e a
um significado alienado numa situação real" (Vygotsky. Filosofia". Para Rousseau. a infância representa o es-
1989. p. 1 13). Permite assim a possibilidade de dis- tágio natural da humanidade e. como tal. estágio idí-
tinção entre significante e significado. aoutlo Que é lico de harmonia do homem com a natureza. ainda
necessário para Que um objeto (lençol) possa perder intocada pela injunções da cultura.
sua função real (objeto de cama) para assumir um va- Na ciência. a matriz teórica desse pensamento
lor simbólico ou ficcional (fantasma). é o evolucionismo de tipo darwiniano. Deste ponto de
Ela é assim um compromisso entre o real e a vista. o jogo aparece como uma conduta espontânea.
fantasia. pois. mesmo QUealtere o significado do obje- análoga às condutas exploratórias dos animais. Ainda
to. seus traços de realidade devem ser levados em conta Que Piaget recuse toda e oualouer idéia inatista. sua
para Que a atividade alcance condições de realização. epistemologia prevê um paralelismo entre a filogênese
Uma agulha. por exemplo. não serve como suporte e a ontogênese só possível numa perspectiva QUeabrace
para brincadeira de fantasma. uma vez QUenão permi- a tese de uma continuidade entre o desenvolvimento
te o exercício da ação para representá-lo. Neste caso. biológico e cultural. Daí poroue o jogo de exercício é
a criança pode preferir optar por usar a voz como su- colocado no mesmo patamar do jogo simbólico.
porte mais adeouado. Ainda assim. o real é convoca- Para Vygotsky. ao contrário. é poroue ainda
do (a voz é real). seu significado é QUeé fictício. se pode observar uma certa analogia entre o com-
portamento animal e o humano em crianças de ten-
ra idade Que não podemos chamar sua conduta de
ygotsky: contribuições para um debate jogo. uma vez Que este. enouanto definido por uma
dimensão simbólica intencional. tem origem no
ções estão na base da diver-
deira entre Vygotsky J o termo jogo. embora comporte múltiplas significações. neste tex-
to será usado no sentido Que aQui foi dado ao termo brincadeira.
: bito da cultura e como tal representa uma fun- tério de classificação. Assim sendo. conclui Que as
~âo psicológica superior. relações entre as diversas realidades chamadas jogo
Devemos lembrar. porém. Que a perspectiva são do tipo relações de família. ou seja. elementos
_gotskyana rejeita toda idéia de infância como um completamente diferentes estão agrupados por uma
tado natural. posto Que desde o início o desenvol- relação de atribuição tal Qual o nome de família.
mento da criança resulta de sua inserção num meio A intuição wittgensteiniana é de Que o significa-
ial. O sujeito é assim geneticamente social. do das palavras não pode ser encontrado fora do seu
Podemos. a partir dessas considerações. aflr- contexto de uso. Em outras palavras. a linguagem con-
r Que. mais Q!Jeas ações. o significado das mesmas forma-se ao contexto prático em Que ocorre. isto é.
: nstitui o brincar e. portanto. eentrar nosso foco so- linguagem e práxis formam uma unidade. Neste senti-
re os modos de significação. O brincar define-se as- do. a própria linguagem é definida como um jogo de
como um processo de representação simbólica e. cujo funcionamento resulta a significação. logo de lin-
este sentido. estrutura-se como uma "linguagem". guagem é então cada sistema de significação (conjun-
to de regras) ligado a um contexto (modo de vida).
Vê-se então Que jogo passa a ser o paradigma
innicott X Wittgenstein: O central idade do a partir do Qual se compreende o funcionamento da
ção de jogo linguagem. entendida como interação. Este termo.
tão usual em psicologia. merece. aouí. algumas con-
A partir das idéiasde Winiccott tentarei uma apro- siderações na medida Q!Jenão se confunde com rela-
mação com a abordagem wittgensteiniana da linguagem. ção interpessoal apenas. Trata-se de uma ínteração
Comungam com a concepção rygotskyana de regrada por normas intersubjetivamente validadas.
go alguns autores psicanalistas. como Winnicott estabeleci das no convívio de uns com os outros.
1975). o Qual postula a existência de uma área ín- Estasregras se distinguem das regras gramaticais
.errnediária entre o objetivo e o subjetivo (espaço concebidas nos moldes da lingüística tradicional. ou seja.
cansictonal) no desenvolvimento da personalidade, como conexões simbólicas. poroue só são íntelígfvets
paço este dentro do Qual estaria o jogo. no contexto da ínteração. Isto significa Q!Jesó aprende-
Winnicott coloca o jogo não mais como obje- mos a significação de uma palavra ouando aprendemos
da interpretação. mas como o próprio trabalho de a operar com elas no jogo comunicativo leva do em
álise. de modo Que a interpretação passa a ser um conta as finalidades da ação lingüística. Quando suas
e emento do jogo. regras de emprego prático estão internaJizadas.
Compreendendo Que a saúde mental significa a Encontramos em Wittgenstein uma irn rsão aná-
oossíbílídadc de um trânsito de mão dupla entre fanta- loga àouela realizada por Winnicott no Q!Jese refere à
e realidade. este autor concebe este dinamismo como centralidade Q!Jea noção de jogo passa a er no Que
_ . idade lúdica. destacando a dimensão de diálogo en- concerne à linguagem e à psicanálise respectivamente.
ore as instâncias como mais importante Que oualouer
relação estável Que se possa estabelecer entre elas.
Embora tratando do tema em referência aos Bakhtin: linguagem como fenômeno dialógico
roblemas da filosofia da linguagem. inversão serne-
ante vai ser operada por Wittgenstein (1984). ouan- As considerações precedentes apontam para o
o procura encontrar o significado daquilo Que caráter heurístico da noção de jogo e permite pensar uma
enominamos jogo. Ao procurar na realidade objetí- possibilidade de articulação teórica entre jogo e lingua-
'â uma unidade Q!Jese sujeite a esta denominação. gem. Comparar jogo e linguagem reouer; no entanto. uma
só encontra dlsparídades Que resistem a cualouer cri- reflexãosobre a própria noção de linguagem.

EDUCAÇÃO EM DEBATE FORTALEZA ANo 24 V. 2 NO 44 2002 5f


Qualquer Que seja a noção de linguagem ado- ções sociais dadas. posto QUe estas condições são
tada. ela é produtiva para pensar a relação jogo e constitutivas do sentido.
linguagem? Certamente Que não.
lulgo Que do ponto de vista estrutural jogo e Na verdade. a significação pertence a uma
linguagem se diferenciam substancialmente. Mas. uma palavra enquanto traço de união entre os
interlocutores. isto é. ela só se realiza no pro-
concepção de linguagem Que dê conta da linguagem
cesso de compreensão ativa e responsiva. A sig-
não como estado e sim como acontecimento pode
nificação não está na palavra nem na alma do
revelar pontos de articulação Que torne produtiva a
falante. assim como não está na alma do
aproximação entre as noções de jogo e linguagem. interlocutor. Ela é o efeito da interação do locu-
Esse é o caso da noção bakthiniana de linguagem tor e do receptor produzido através do material
Que será apresentada brevemente. de um determinado complexo sonoro. É como
As idéias de Wittgenstein estão mais explicita- uma faísca elétrica Que só se produz Quando há
mente desenvolvidas no trabalho de Austin (1990) contato dos dois pólos opostos. ( ) Só a cor-

sobre a Teoria dos atos de fala. Seu postulado básico rente da comunicação verbal fornece à palavra a
luz da sua significação (BAKHTIN. 1981: 132).
é QUetodo dizer é um fazer. ou seja. significar é rea-
lizar uma ação.
As relações dia lógicas não são necessariamen-
Essaconcepção recupera a dimensão pragmá-
te factuais. mas relações de sentido. cujos enuncia-
tica da linguagem. o seu poder de mobilizar ações a
dos pressupõem aoueles Que os antecederam e todos
partir dos efeitos de sentido. Assim é Que dizer QUe
os Que os sucederão. Ao escrever este texto estou
o tempo está QUente pode ser um mesmo texto para
neste tipo de relação. fazendo apelo a outros ditos
diferentes atos de fala a depender dos contextos
acerca do tema. o QUese manifesta pelas referências
situacionais e institucionais onde eles se realizam e
a autores e textos. e ao mesmo tempo abrindo possi-
dos sujeitos envolvidos. Por exemplo. se estamos
bilidades de outros ditos subseoüentes, tais como
numa ante-sala de consulta isso pode produzir o efeito
objeções. novas articulações. etc., alguns dos ouals
de sentido de pedido para ligar o ar-condicionado
supostos nesta escritura. Sua compreensão. no en-
ou abrir uma janela. Na beira de uma piscina. entre
tanto. está sujeita ao trabalho de projeção do leitor e
interlocutores com pouca familiaridade. pode ser um
de suas referências sobre este dito.
convite para entrar na água e assim por diante.
Esta idéia está melhor desenvolvida no con-
Mas é Bakhtin Que. ao tomar a categoria da
ceito de polifonia. O termo designa o fenômeno pelo
interação verbal como unidade de análise do fenô-
meno lingüístico. impõe uma inflexão mais radical às Qual. num mesmo texto. fazem-se presentes diferen-

teorias lingüísticas. tes vozes ou intenções Que negociam o sentido do

Para o autor. a ínteração verbal empresta um texto com o locutor. inserindo-o assim no fluxo con-
caráter dialógico a toda enunciação. Este termo sur- tínuo da comunicação. Neste sentido. a noção de

ge em lingüística para distinguir a frase. unidade for- "fluxo contínuo da comunicação" pressupõe Que a
mal do sistema da língua estruturada pelos princípios língua é uma tarefa inacabada. posto Que é incessan-
da gramática. do enunciado. manifestação concreta temente refeita pelo trabalho dos falantes.
de uma frase em situação de interlocução. Sendo Para o QUe nos interessa. o aspecto a reter
assim. para se compreender o sentido. é preciso ir destas considerações é Que a concepção estrutural
ais além. isto é. levar em conta igualmente a da língua é insuficiente para apreender os fenômenos
~ íação. o evento de emissão de um enunciado lingüísticos. apreensíveis apenas no Quadro da
e e lugar determinado. com vistas a um dialogicidade dos seus processos constitutivos. isto
oo;et.n,'O o de m Quadro referencial de rela- é. nos contextos situacionais em Que ocorre.

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90 e linguagem: uma tentativa de aproximação Aparece então em Wal\on e Vygotsky a dimen-
são Simbólica da atividade lúdica e a dinâmica das
Este itinerário tem interesse para nós educa- oposições motivadoras do desenvolvimento. Quer seja
res à medida QUe. neste trabalho. pretendo tarn- entre o real e o ficcíonal. Quer seja entre o desejo e
êrn traçar uma homologia entre linguagem e jogo. sua realização. como aspectos centrais e aproximati-
endo QUeo foco de minhas reflexões é o jogo. mais vos das duas concepções.
cíflcarnente o jogo infantil (a brincadeira). Para Quanto à articulação entre jogo e linguagem.
• tomarei de empréstimo as reflexões acerca da te- é possível encontrar uma aproximação entre os dois
'a da linguagem. particularmente aouelas levadas a autores acima citados e Bakhtin no Que se refere aos
reito pelos autores fllíados aos-pressupostos sócio- pressupostos teóricos. uma vez Que postulam uma
- tóricos. para traçar uma compreensão da brinca- unidade dialética entre práxís e consciência.
- ira enouanto linguagem. Vygotsky. ao postular uma relação entre o uso
A tese Que procuro sustentar neste trabalho é a de instrumentos e a atividade psíoulca superior. ul-
- QUea brincadeira é tão somente uma forma de lin- trapassa os limites de uma analogia para se inscrever
gemo Esta tese é mais ou menos defendida pelos no plano ontológico.
es udiosos da psicologia infantil. citados neste texto. Wallon. ao esboçar a tese da relação entre o ato
:: tretanto. nem sempre está claramente explicitada a motor e o pensamento. postula QUeas reações pura-
ncepção de linguagem QUese está invocando e nem mente fisiológicas transformam-se em meios de expres-
sempre aparece uma rigorosa análise conceitual do são graças ao caráter geneticamente social das interaçães
go. Este é um aspecto apontado por Brougêre como de QUeo bebê participa desde o nascimento .
..•ma falha teórica da Psicologia ao tratar do jogo. uma
ez QUe.a exceção de Wallon. nenhum teórico QUeo Os gestos de slmbolização. de Que o si-
ecedeu tomou a sério a tarefa de proceder a uma mulacro (jogo) é o exemplo mais concreto. po-
'gorosa análise conceitual do termo. dem facilmente contribuir. na medida em Que
perdem a sua semelhança imediata com a ação
Quando se fala de jogo. trata-se em geral da ou objeto. para levar a imagem e a idéia ara
palavra utilizada na linguagem comum. 'Jogo' não além das próprias coisas. para um plano mental
é um conceito construído do interior da psicologia. em Quese possam formular relações menos indi-
Os textos mais importantes remetem à experiência viduais. menos subjetivas e cada 'ez ais erais
cotidiana do leitor. em Quecada um supostamente (Wallon. 1981: 182).
sabe o Queé um jogo. A psicologia usa uma noção
trabalhada pela sociedade. pela língua. freoüen- Bakhtin. rejeitando a concepção "subjetívísta
temente semcríticas. Wallon já nos dizia isso. Piaget individualista" de linguagem. é categórico ao afirmar:
apresenta as evidências Que permitem a cada um
saber. face ao comportamento da criança. Que se Não é a atividade mental Que organiza a
trata de jogo. Em La formation du symbole chez expressão. mas. ao contrário. é a expressão Q!.Ie
l'eníant (1976). ele tenta elaborar uma explicação organiza a atividade mental. Que a modela e de-
psicológica. até mesmo biológica. do jogo masnem termina sua orientação (Bakhtin. 1995: 112).
por isso estabelece um conceito de jogo. O jogo
aparece como um comportamento reconhecível.
Em síntese. os autores citados têm em comum
decifrado facilmente a partir da mímica. do riso da
a interação como categoria determinante do proces-
criança. e Piaget se atribui a tarefa de explícá-lo.
Ele não ouestiona os ouadros do pensamento co- so simbólico.
mum Q!.Iedetermina a percepção do próprio fenô- Resta. no entanto. tecer algumas considera-
meno" (BROUGERE.1998. p. 24). ções sobre a natureza do Que estamos a chamar de

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processo simbólico antes de estabelecermos os pa- Gestos e objetos podem ser comparáveis en-
ralelos com a brincadeira infantil. Quanto possuindo a função de mediadores de uma
O Que define o processo simbólico é a possi- determinada significação (o lençol ou a voz podem.
bilidade de gerar significação. A significação supõe, ser o suporte significante do significado "fantasma").
por sua vez, um processo mediador entre significante O brinouedo pode ser tomado como signi-
(expressão) e significado (conteúdo) do oual resulta flcante. posto Que enquanto signo se diferencia da-
o signo. Embora o campo nocional do signo seja bas- Quilo Que ouer representar (uma boneca não é um
tante vasto (vai do sinal. passando pelo índice, ícone, bebê), embora se diferencie do signo verbal porouanto
alegoria, até o símbolo) vamos nos ater à semiose do é uma representação analógica. Ainda assim, todos
signo verbal. posto Q!.Jea interlocução Que ora em- os brinouedos conservam uma relação de substitui-
preendemos é com a lingüística. ção (valor de troca). Podemos comparar brinouedos
O critério definidor do signo lingüístico é a e brincadeiras entre si mesmo Q!.Jese refiram a ativi-
dupla articulação. A primeira articulação é entre as dades muito diversas. Esta sincronia é definida pela
unidades significativas (os conceitos) e a segunda intervenção da "função do real" pois o Que faz brin-
entre as unidades distintivas do sistema (fonemas). ouedos e brincadeiras comparáveis é o fato de todos
Porém, conforme Saussure, isto não ouer dizer Que eles representarem uma instância fora do real. Este
a significação aproxima apenas dois termos unilate- parece ser o componente contratual da significação
rais, pois o significante e o significado são, ao mes- presente na atividade lúdíca.
mo tempo, termo e relação e esta relação não é de Entretanto, não é oualouer teoria de linguagem
identidade mas de eouívalêncía. Para Que haja sig- Q!.Jepode dar conta desta homologia. Se a língua for
no é preciso, por um lado, permutar coisas diferen- pensada numa perspectiva estrutural, essa compara-
tes e, por outro lado, comparar coisas similares. Ao ção terá um caráter apenas metafórico. Mas, se a
falarmos "casa" estamos permutando um conceito língua for pensada não como um sistema formal dis-
(significado) por uma palavra (significante). Mas, é ponível aos usuários e sim como um fenômeno es-
possível estabelecer também um liarns cornparatívo sencialmente interativo e como tal dinâmico, então é
entre duas ou mais palavras (casa, lar, habitação ete.) possível encontrar mais Que uma comparação meta-
bem como entre conceitos (estabelecimento fórica e descobrir o liame ontológico Que une língua
residencial, estabelecimento comercial, casa, edifí- e brincadeira.
cio, chácara ete.). Assim como nos processos enunciativos, o sujei-
Esse é um processo análogo àouele observa- to, sob o efeito das condições de produção do discurso,
do na economia. Trocam-se R$ 5,00 por sabão mas é impelido a expressar essesefeitos sob uma determina-
também pode-se trocar R$I 0,00 por duas notas de da forma lingüística, na brincadeira a ação externa con-
R$S ,00 ou sabão por oualouer outra mercadoria. duz o processo interno, visto Quea escolha de um objeto
Todo signo possui assim significação e valor. para representar algo envolve uma certa manipulação
A ligação entre expressão e conteúdo é manual ou visual acompanhada de um esforço para apli-
contratual em seu princípio mas se torna necessária car à ação realizada com este objeto as regras de ade-
enquanto inscrita na ternporalídade. ou seja, enouanto ouação aos propósitos pretendidos.
coletivamente construída. Dito de outro modo, cada palavra, cada brínoue-
Utilizando estas categorias, podemos fazer uma do ou ação, enouanto objeto semiótico, possui oualída-
leitura do brínouedo e da brincadeira de modo a en- des polissêmicas, ou seja, pode significar uma coisa ou
contrar homologias, e também diferenças, Que nos outra conforme o contexto assim o determine.
autorizam a tomar tais termos como realidades do Frêdêríc François (1996), à propósito das idéias
âmbi o da linguagem. de Wittingenstein, sugere Q!.Jese pense a língua como

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_oar de deslizes de sentido e não como uma máouí- "transíclonaís" , cujo sentido escapa a uma delimi-
estrutural. É neste sentido Que Brougere afirma tação precisa, uma vez oue têm a "fragilidade" como
...e o brinouedo constitui uma cadeia de representa- característica comum. Isto Quer dizer Que tanto a
;ães mutantes, pois uma boneca, como a Barble. por brincadeira como a linguagem verbal podem degra-
~ emplo, pode num momento ser uma "perua", nou- dar-se no trajeto de circulação de sentidos. A lin-
uma faxineira, noutro um bebê ou noutro um avião, guagem pode adculrlr uma dimensão poética, por
da Que sua representação convide a um determi- exemplo, ou assumir uma fórmula vazia como numa
do sentido. Esta perspectiva se contrapõe, certa- correspondência oficial. Quanto ao jogo, pode tor-
~ente, ao logicismo piagetiano oue vê na simbologia nar-se aborrecimento, imposição ou horror, como
o jogo uma deformação do real substituída, ao lon- nas competições esportivas ou em jogos preteri-
o do desenvolvimento, pelos processos de imitação. samente educativos.
Neste ponto, vale destacar Que o componente
De Quatro a sete anos, em média, os jo- afetivo-volitivo é inseparável destas atividades e con-
gos simbólicos, de Que acabamos de descrever tribui para os deslizamentos de sentido agora referi-
as principais formas em seu período de apogeu, dos, pois subjazern a estas atividades desejo, emoções,
começam a declinar. Isto não é, sem dúvida, por-
necessidades e interesses, de modo oue a compreen-
Que diminuem em número, nem sobretudo em
são resulta de uma articulação entre a palavra ou ação
intensidade afetiva. mas, aproximando-se mais do
real. o símbolo acaba perdendo seu caráter de e o contexto extraverbal em Que a lnteração ocorre.
deformação lúdica para se aproximar de uma sim- Ação e palavra se põem agora não apenas em
ples representação imitativa da realidade relação de anterioridade, uma em relação a outra,
(PIAGET, 1978, p. 175) mas de complementariedade necessária à compreen-
são do sentido, em oualouer dos casos. Palavra apoi-
Frêdêríc Françoís, ao se perguntar: " Certamente ando a ação no jogo, antecipando, classificando ou
existe o 'real'. Mas, devemos representar os progres- organizando a ação. Por outro lado, o gesto, ou om
sos da criança como unicamente ligados à capacida- emocional da voz pode definir o sentido de uma
de de representar o real?', 1996, pg. 64) e, ao mesma palavra em diferentes momentos.
responder negativamente, elabora uma das mais per-
inentes críticas ao essencialismo piagetiano. A situação e o auditório obrigam o iscurso
interior a realizar-seem uma expressão eríor de-
Podemos pensar Que uma das contribuições
finida, QUese insere diretamente no con eco ão
do estudo sobre a brincadeira infantil. na perspectiva
verbalizado da vida corrente. e nele se amplia pela
adotada neste trabalho, seja o de fazer ecoar essa
ação, pelo gesto ou pela resposta mal dos outros
pergunta entre os educadores, tão preocupados em participantesnasituaçãode e nciação. Uma ues-
alcançar a mais fiel tradução metodológica de Piaget. tão completa, a exclamação.a or em. o pedido são
Distinguir "play" de "game" é um outro modo enunciaçõescompletasti ica.sda 'da corrente. To-
de se colocar a mesma Questão, porouanto "play" refe- das (particularmente asordens. os pedidos) exigem
re-se ao espaço potencial do brincar, enquanto "game" um complemen o extra erbal assimcomo um início
não verbal. Essestipos de discursos menores da
a um tipo de conduta submetida a um conjunto mais ou
vida cotidiana são modelados pela fricção da pala-
menos restrito de regras Quea identificam. Este último é
vra contra o meio extraverbale contra a palavrado
mais identificado com condutas adaptativas, enouanto
outro (BAKHTI , 1995, pg.125)
o primeiro com aouelas mais fantasiosas.
A partir das idéias de Frédéric Françoís. po- Certamente a brincadeira guarda especifí-
demos afirmar Que, enouanto algo em funcionamen- cidades em relação ao tipo de simbolismo presente
to, tanto a linguagem Quanto o jogo são fenômenos na linguagem verbal. a mais importante das ouaís tal-

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EDUCAÇÃD EM DEBATE FORTALEZA ANO 24 'v. 2
vez seja a de não permitir algo da ordem da lingua- re um p/~ground para brincadeiras de correr. espa-
gem interior. A brincadeira exige uma ação aberta ou ço para jogos de mesa e até cantinho de faz-de-con-
um suporte material externo. Em geral não se sub- ta. as crianças brincam de faz-de-conta no p/~ground.
mete a ensaio. uma vez Que seu desenvolvimento está constroem estruturas tridimensionais com as peças
sujeito ao inusitado. Contudo. estes componentes. do dominó e organizam uma corrida a partir do can-
inclusive o inusitado. só podem emergir mediante uma tinho de faz-de-conta. Este dado sugere Que a brin-
linguagem Que os tornem passíveis de serem capta- cadeira é uma atividade Que resiste a normatização.
dos enouanto tais. Sendo assim. esse aspecto é rele- o Q1.lese manifesta na liberdade de instaurar sentidos
vante ao se tentar uma aproximação entre os dois arbitrários e nisso reside a sua maior oualídade.
termos. Por fim. é necessário considerar outras pos-
sibilidades de relação. para além da perspectiva
psicogenética. Que coloca a brincadeira como uma Referências Bibliografias
etapa preliminar à conouísta do simbolismo verbal.
Por fim. é possível pensar a relação intertextual AUSTIN. J. L. Quando dizer é fazer. Porto alegre:
entre as semioses do jogo e das formas de lingua- Artes Médicas. 1990

gem verbal. mas este é um tema cue reouer um BROUGERE. Gíles jogo e educação. Porto Alegre:
maior aprofundamento. Artes Médicas .. 1998
A tentativa de articulação entre as noções de
BAKHTIN. M. Marxismo e filosofia da linguagem. São
jogo e linguagem empreendida até aoul põe em re-
Paulo: Hucitec. 1995
alce aspectos comuns aos dois processos. um dos
FRA ÇOIS. F. Práticas do oral. Carapicuíba: Pro-
ouais a primazia do sentido sobre a ação impõe uma
fono. 1996.
atitude no mínimo de prudência. ao se utilizar o
jogo em contexto educativo para Que. a exemplo do LEONTIEV, VIGOTSKY e LURIA, Linguagem, de-
Q1.leacontece com a linguagem na escola. o jogo senvolvimento e aprendizagem. SP: ICONE. 1988
não se torne degradado e divorciado da prática so- SOUZA. S. J. Infância
e linguagem: Bskhtin, Ij'gotso/
cial Que lhe dá sentido. e Benjamin, Campinas: Papírus. 1994
Assim como a linguagem. o espaço de jogo é.
VIGOTSKY. L. S. A formação social da mente, São
sobretudo. o espaço simbólico. espaço esse consti-
Paulo: Martins Fontes. 1989
tuído por um fino trabalho imaginativo sobre a maté-
ria prima da realidade. Toda ríoueza do brincar está
WALLON. H. A evolução psicológica da criança. Lís-
boa: Edições 70. 1981
na instabilidade desse processo. instabilidade Que
decorre da dependência do situacional. o Que impe- WINNICOTT, D.W. O Brincar e a realidade, Rio de
de Que sejam previamente fixadas as possibilidades Janeiro: Imago. 1975
de sentido. Ao cue assistimos. ao observarmos um WITTGENSTEIN. L. Investigações fllosóflcas. São
ambiente escolar. é Que mesmo Que a escola assegu- Paulo: Abril Cultural. 1984

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