OS ETERNOS HERÓIS MARVEL

PRIMEIRO LIVRO DE UMA COLECÇÃO

OFICIAL E DE CULTO POR APENAS €2,99

JANTARES DISCRETOS

RESTAURANTES
À PORTA FECHADA
www.sabado.pt N.º 670 – SEMANAL – 2 A 8 DE MARÇO DE 2017 – €3,20 (CONT.)

ESPECIAL19PÁGS.

INTERROGATÓRIOS
FATAIS
Tudo o que Salgado e Bataglia
revelaram sobre os milhões de Sócrates
“A coincidência destas “Eu disse ‘sim, Ricardo,
operações com aquelas se precisas, eu faço. Desde
datas do Hélder Bataglia, que me transfiras o dinheiro,
é o Diabo. Foi o Diabo ” eu faço esses pagamentos’”
RICARDO SALGADO HÉLDER BATAGLIA
 Sumário 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Destaque
Portugal
Interrogatório O que disseram RicardoSalgado e Hélder Bataglia 26

Portugal
Reportagem O estilo de Marcelo, depois de um ano em Belém 50
Polémica Secretário de Estado investiu na empresa da mulher 56
Nomeação Do governo para o regulador da energia 59

Mundo
Iraque A “prisão dos horrores” do Estado Islâmico 60

50
RICARDO PEREIRA

Dinheiro
SELFIE-MANMARCELO EM ACÇÃO Offshores A montanha de onde pode sair um rato 62
PELO PAÍS: UM ANO DE PRESIDÊNCIA
Sociedade
Anda a pé por todo o lado, dá dores de cabeça à segurança e na Casa Entrevistadevida João Perry, 76 anos de aventuras 66
Civil já houve quem tivesse de meter uns dias para recuperar o fôlego
Bolívia As zebras que põem ordem no trânsito 72
Doença Não suporta ouvir os outros comer? Não é único 73
Destaque GPS Turismo Os chefs que vêm dos Açores 74

Mesas à porta fechada Cinema O álcool está a chegar às salas 77

Só é possível entrar em alguns Apelidos Fundir o nome da mãe e do pai? Há quem o faça 78
dos bons restaurantes de Por-
Família
tugal depois de tocar à campai-
nha. Tam- Grávidas Vão à terapia para serem mães perfeitas 80
PEDRO ZENKL

26 bém uma
Social
LUSA

entrevista
com o ar- Espanha O regresso em apoteose da diva Isabel Pantoja 82
AS REVELAÇÕES DE quitecto Si-
SALGADO E BATAGLIA za Vieira; e Desporto

O que disseram os dois homens a estreia Entrevista Patrícia Mamona: a carreira e o que vai seguir-se 84
quando foram ouvidos pelo Mi- do novo
Opinião
nistério Público no âmbito da ope- Wolverine
ração Marquês

E mais...
José Nuno Alberto
4 Bastidores 14 Nuno Costa Santos 88 Alexandre Pais
Pacheco Rogeiro Gonçalves
6 Editorial 23 Pedro Marta Santos
Pereira 48 90
10 Do Leitor 25 Obituários
8
11 A Abrir 81 Dulce Garcia

www.sabado.pt

Alimentação 20 A 26 DE
Conheça os benefí- + LIDAS FEVEREIRO
cios dos alimentos
01. A MORTE DE REN HANG
que usa todos os dias
O controverso fotógrafo
Espinafres, couve-roxa,
chinêsexpôsem váriospaíses
agrião, nozes, romã e
outros que ajudam a pre-
02. AMIZADE COLORIDA
venir doenças crónicas
As regras para manter uma
relação saudável
Fotografia
Animais que parecem
03. VISITOU 193 PAÍSES
posarparaacâmara
Aartesurrealista A aventura de Cassandra De
Veja as estrelas do que
deBrianDettmer Pecol durou 18 meses e 26 dias
podia ser um calendário

3
 Do director
B
BASTIDORES
Os dois interrogatórios
demoraram horas
As revelações
e decorreram ambos
na sala 2 do DCIAP, a 5 e 18
de Salgado
de Janeiro. São, portanto,
muito recentes as
e Bataglia
explicações que os dois
deram sobre os milhões 15 dias de expirar o prazo (17
de José Sócrates e Zeinal
Bava, entre vários outros A de Março) definido pela pro-
curadora-geral da República,
Joana Marques Vidal, para que seja
concluída a investigação da Operação
Marquês, a SÁBADO revela, em pri-
meira-mão, o conteúdo de dois depoi-
mentos-chave no processo: o de Ricar-
do Salgado, histórico presidente do
BES, e Hélder Bataglia, fundador do
BES Angolae pai dafilhade umaprima
de José Sócrates.
Os dois interrogatórios demoraram
horas e decorreram ambos na sala 2
g do Departamento Central de Investi-
Marcelo Rebelo de gação e Acção Penal (DCIAP). O pri-
Sousa no porto da
Póvoa do Varzim meiro a 5 de Janeiro (Bataglia) e o se-
a activar uma gundo a 18 (Salgado). São, portanto,
balsa salva vidas muito recentes as explicações que os
dois deram sobre os milhões de José
Sócrates e muitos outros movimentos
de dinheiro, beneficiando os próprios
ou, por exemplo, os antigos líderes da
PT – Zeinal Bava e Henrique Grana-
deiro, constituídos arguidos pelo Mi-
nistério Público na semana passada.
Um grande especial da SÁBADO,
para ler nas págs. 26 a 44.
B “Sempre as fiz, agora não, não tenho
Na estrada com Marcelo
B Vidigal, Tó Trips,
Marcelo Rebelo de Sousa é um Presi-
Director dente difícil de seguir, como testemu-
Rui Hortelão nhou a jornalista da SÁBADO Maria
4
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
Henrique Espada, a quem demos a g
missão de o seguirdurante umasema- Patrícia Mamona
voa na praia,
na. À UCCLA, chegou 20 minutos an- antes da
tes da hora marcada e começou pela entrevista à
parte final, baralhando tudo e todos. SÁBADO, na qual
confessa que
Na Póvoa de Varzim, fez questão de quando deixar
dar uma volta maior do que a prevista as pistas pode ser
pelos anfitriões só para falar com ma- médica ou
dedicar-se
nifestantes da CGTP. E muito do que à televisão
Marcelo faz, todos os dias, nem consta (para ler nas
da agenda oficial. Não por improviso, págs. 84 a 87)
mas porque o Presidente, que tomou
posse faz um ano no próximo dia 9,
estácansado de enchentes mediáticas
e sabe que anunciando asuapresença
a enchente é maior. Além disso, man-
tém privadaaagendaprivada: domin-
go, por exemplo, teve uma tertúlia em
!
casade amigos.
Uma reportagem com a marca SÁ-
BADO, para ler nas págs. 50 a 55.
B
Perry, uma vida intensa
A entrevista esteve marcada para o
Teatro Aberto, mas João Perrypreferiu
fazê-la na casa onde vive desde 1975,
e para onde já não carrega coisas pe-
sadas – vive num quarto andar sem Uma noite
elevador, entre oito toneladas de livros a não perder
no Musicbox
e documentos. Desde que foi operado Depois das exposi-
à coluna, deixou de ser ele a levá-las, ções no Espaço San-
pede sempre aalguém. ta Catarina e no res-
taurante Largo ao
Durante a conversa com a jornalista Tacho, o projecto
Ana Taborda, o actor foi bebendo – e Uma Página para
oferecendo – café de Timor: “É ópti- Emoldurar, da SÁ-
mo, dá-me um speedfantástico.” BADO/GPS e do Ge-
rador, toma conta
Aos 76 anos, já deixou o hábito de do Musicbox, numa
pregar partidas, mas não totalmente: noite com muita
música e animação,
paciência. Se me perguntarem sou ca- que vai juntar Maria
paz de sugerir coisas, mas já não as Alex Cortez e o DJ
executo.” Umaemocionante entrevis- GPS. A não perder,
tade vida, paralernas págs. 66 a 71. W já dia 18.
 Opinião
E
EDITORIAL
Em Portugal, há um
governante que escondeu
A nova arma
dados sobre offshores; um
Governo que resiste a fazer
de arremesso
uma auditoria forense à
CGD; e um líder espiritual
da política
da esquerda que aceita dar
apoio a um governador
moderna
que classificou de “um
perigo para Portugal” transparênciaé aarmade arre-
A messo dos tempos políticos
modernos. De caso em caso,
em Portugal e lá fora, sucedem-se as
suspeitas e as investigações, as des-
confianças e as (raríssimas) condena-
ções. É excepção a Islândia, onde em
2008 aJustiçadeclarou o ex-primeiro-
-minis- tro GeirH. Haarde culpado por
terescondido acrise financeirado res-
tante governo; e onde, no ano passado,
o então primeiro-ministro, Sigmun-
dur Gunnlaugsson, teve de se demitir
porteromitido nadeclaração de patri-
mónio os 50% que detinha de uma
empresaoffshore, que nem erailegal.
EmPortugal,pelocontrário,háminis-
tros que alteramleis àmedidados inte-
resses pessoais dos gestores que que-
remcontratar;secretáriosdeEstadodos
Assuntos Fiscais queescondem,duran-
te anos, informação relevante sobre 10
mil milhões transferidos paraoffshores
ouqueviajamparaverabolaàcontade
empresas do sectorque tutelam; háum
primeiro-ministroquerecebeuumare-
comendação da Assembleia da Repú-
blicaparafazerumaauditoriaforense à
CaixaGeralde Depósitos e que aignora
desde 2 de Agosto; há um governador
doBancodePortugal(BdP)que,nomo-
mento de contratar um novo director
de supervisão nomeiaquem tinhaesse
mesmo cargo durante o período que
antecedeuo colapso do BES; háumex-
-líderdoBlocodeEsquerdaqueacusou
esse mesmo governadorde “imprepa-
ração técnica” e de ser“umperigo para
Portugal”,masqueagoraaceitouocon-
viteparaintegraroConselhoConsultivo
do Banco de Portugal; há um governo
que, através da Caixa Geral de Depósi-
tosecomoapoiodoBdP,contestauma
decisão judicial paradivulgaralistados
maiores devedores do banco público;
há um ex-primeiro-ministro que foi
preso e estáhámeses sob suspeitasem
acusação, apesar das muitas histórias
6
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
porexplicarrelacionadas comemprés-
timos de amigos e avales do banco pú-
blico;háumex-Presidentequefaloude
escutasaoPaláciodeBelém,quepatro-
cinou um encontro discreto do seu as-
sessor pessoal com um jornalista num
café daAv. de Romae que não se coíbe
de voltarao temaparase ilibardo que o
seu próprio homem de confiança de
décadas escreveu emlivro; hátodo um
grupo que estoirou com dois colossos
empresariais portugueses (BES e PT) e
queseguevidacomosenadafosse;ehá
umoutro, aindamais numeroso, de de-
putados, reguladores, auditores, advo-
gados, comentadores e jornalistas que
fazemcarreiradaalternânciaentrefun-
ções públicas e privadas.
Por fim, há a realidade: um despre-
zo total pela transparência e uma
impunidade quase tão grande para
todos os envolvidos.
E
Osriscosdo registo oncológico
O secretário de Estado Adjunto e da
Saúde, Fernando Araújo, está empe-
nhadíssimo emcriaro Registo Oncoló-
gicoNacional.E,aoparecernegativoda
Comissão Nacional de Protecção de
Dados (CNPD), que considera que a
nova base de dados não salvaguarda a
privacidade dos doentes, o Ministério
daSaúde lembraque aCNPD “é obvia-
mente importante, mas que a Assem-
bleia da República é soberana”. A ga-
rantia absoluta de Fernando Araújo de
que a nova ferramenta será blindada a
qualquer utilização incorrecta dos da-
dos dos doentes com cancro – umain-
formação com valor económico para
bancos e seguradoras, como assinalou
aCNPD – contrastacom adesconfian-
ça que o seu par no Governo, Rocha
Andrade,revelousobreosistemainfor-
máticodoFiscoapropósitodocasodos
offshores. O secretário de Estado dos
AssuntosFiscaisatéjápediuquefossem
averiguados os dados correspondentes
aessastransferências,porsuspeitarque
houve“eventuaisintervençõesnosiste-
ma informático associadas ao não tra-
tamento daqueles dados”.
E se os dados financeiros são im-
portantes, os de pessoas doentes são
ainda muito mais e exigem uma sen-
sibilidade que o secretário de Estado
Adjunto e da Saúde insiste, no míni-
mo, em negligenciar. W
 Opinião
ALAGARTIXA
E O JACARÉ
É preciso um grande saber
de economia e finanças
parase perceberas virtudes
dos offshores, e só os igna-
ros é que falam mal dos
offshores, essa benévola
instituição do “comércio in-
ternacional”
O
Professor
José Pacheco Pereira
8
O
É vê-los a
defender os
seus, a atacar
os seus
inimigos
comuns e a
revelarem-se Núncio
Játinhaacontecido com Trump: quan-
do se tratava de atacar os inimigos de de quê?
Trump, também os “seus” inimigos,
tocava-se a rebate para defender
Trump. Agora são os offshores. Inte-
ressante. Nas declarações politica-
mente correctas toda a gente é contra
os offshores, mas aconteceu o que
aconteceu com gente do CDS e do
PSD do ex-governo e aparecem deze-
nas de explicações esfarrapadas sobre
por que é que devem existir offshores
e porque é que não há mal nenhum
em não os controlar.
É a contínua afirmação de que man-
dardinheiro paraoffshoresé o cúmulo
da legalidade – não admira quando
vem dos mais distintos advogados de
negócios, como Paulo Núncio aliás, ou
Assunção Cristas, cujos escritórios ofe-
recem entre os seus serviços a consti-
tuição de offshorese aconselhamento
fiscal sobre como manobrar eficaz-
mente alei –, tudo legal como é óbvio.
Depois apareceu agora outra explica-
ção-justificação, não é possível actuar
no comércio internacional sem usar
offshores. E ainda iremos ouvir outras
versões damesmanecessidade de co-
locar dinheiro, legalmente, claro, nas
Ilhas Caimão ou em Gibraltar, dinheiro
que, por singular coincidência, depois
de láestarficasem rastro.
Sim, é preciso um grande saber de
economia e finanças para se perceber
as virtudes dos offshores, e só os igna-
ros é que falam mal dos offshores, essa
benévola instituição do “comércio in-
ternacional”. E, sempre os mesmos, lá
estão afadigados adefenderos offsho-
res, com a mesma repulsa politica-
mente correcta com que defendem
Trump. Não, meus caros amigos, não
há sofisticação nenhuma, nem é pre-
ciso um curso de Economia e Gestão
para perceber os offshores, pelo con-
trário, percebe-se muito bem paraque
servem e o que são.
Bem demais. W
O
demitiu-se
Paulo Núncio demitiu-se de uns luga-
res insignificantes do CDS e assumiu a
“responsabilidade política” pela não
publicação dos dados sobre 10 mil
milhões de saídas não controladas de
dinheiro para os offshores. Cristas
veio elogiar o homem a quem o País
“devia muito”. Passos Coelho, Vítor
Gaspar e Maria Luís Albuquerque fa-
zem de conta que não é com eles. Ou
seja, mais uma vez continua a haver
uma enorme irresponsabilidade no
exercício de cargos públicos onde, a
partir de um certo nível e quando se
está dentro do círculo de confiança do
poder fáctico que governa este país,
ninguém cai, tudo se transforma.
Se Núncio tivesse gerido o seu escri-
tório de advogados como umaempre-
sa que vive da influência junto do po-
der, causado os danos ao cliente (neste
caso o povo), os estragos reputacionais
àempresa(neste caso o governo ante-
rior) e a grossa negligência que mos-
trou no exercício das suas funções,
sem esquecer que, quando inquirido,
começou poratiraras responsabilida-
des para outros e mentir, era provável
que lhe fosse mostrada a porta. Nisso
dou vantagem aos nossos pseudolibe-
rais, pois talvez o sector privado fosse
mais severo com o prevaricador do

que o Estado e os políticos têm sido. A
não serque o dolo venhamais de cima
e tenha sido dito a Núncio que não era
conveniente publicar-se os dados so-
bre as saídas de dinheiros paraoffsho-
res, porque também me parece com-
pletamente implausível que aministra
das Finanças, ou o primeiro-ministro
nuncatenham tido sequer curiosidade
de saber quanto dinheiro estava a sair
do País. Nem que fosse quando se
aprovou um plano destinado a, com
uma pequena penalização, fazer re-
gressar o dinheiro que tinha saído
fraudulentamente do País. E não ha-
verásequerum SMS? W
SUSANA VILLAR
O no plano político já antiga. Porém, as
O que fazer?
Os democratas nos EUA e de um
modo geral os opositores a Trump
estão defrontados com uma questão
clássica de táctica e de estratégia nos
movimentos sociais e políticos: ata-
que intransigente desde já a Trump
ou contemporização à espera dos er-
ros cometidos pelo novo Presidente?
Há toda uma nuvem de respostas
possíveis e muitos elementos desse
debate, bastante interessante e rico,
têm sacudido uma modorra teórica
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
respostas permanecem contraditó-
rias no Partido Democrático, como se
vê com a eleição do seu presidente,
muito ligado à linha Obama-Clinton,
contra o candidato apoiado por Ber-
nie Sanders, na sequência do que
aconteceu nas primárias. No entanto,
as bases do Partido têm vindo à rua,
literalmente, com muita dureza e mi-
litância, criando uma ecologia muito
hostil aos republicanos, em particular
na questão do chamado Obamacare.
Como aconteceu na forte desloca-
ção à direita de muitos partidos so-
ciais-democratas e mesmo socialistas
na Europa, deixando dependurados
todos os que eram fiéis a uma linha
centrista, o mesmo se está a passar
com os republicanos cuja radicaliza-
ção deixa homens como John McCain
isolados. O processo de polarização e
os seus efeitos radicalizadores são
uma evidência na política americana,
como aliás na Europa, deixando vazio
o centro. No caso de Trump e dos seus
ideólogos mais à direita, como é o
caso de Steve Bannon, esta polariza-
ção é desejada, o que leva alguns a
questionarem se uma táctica intransi-
gente não servirá os interesses revo-
lucionários do actual Presidente e dos
seus homens que sabem o que fazem.
Outros não saberão, mas há quem
saiba o que quer.
Penso que, se se entender que está
em curso uma revolução nos EUA,
uma revolução do século XXI, sem
modelo prévio com que possa ser
comparada, a resposta não pode ser
meiga, nem complacente. O que é in-
teressante nos EUA, e isso mudará
todo o espectro político mundial, é que
há cada vez mais pessoas que com-
preendem o que se estáapassare per-
cebem o imperativo moral e político
de se oporem desde já, sem meio-ter-
mo. É provável que essa seja a lingua-
gem que Trump percebe e domina,
mas também não é líquido que não
seja a que maiores estragos traz aos
seus planos. Vamos ver. W
9
 Do leitor
O drama do sono – problemas
e soluções para todas as idades
L Pereira (jppereira@ gmail.com), Nuno Costa Santos (falarparadentro@sapo.pt),
Fátima Sequeira
Lisboa
Dormir cerca de oito horas por noite bem dormidas é essencial para o bom
funcionamento do corpo e das funções cognitivas. Li neste artigo da SÁBA-
DO que, por exemplo, fazerem-nos festas na cabeça pode ser um inimigo
do sono. Para mim não é, nunca foi. (...). Desde miúda que adormeço muito
melhor assim. E se ler um livro na cama, comigo funciona como um sopo-
rífero, ao fim de duas páginas estou a cair de sono. (...)
L alguma beleza, mas a América foi
Ademar Costa
Póvoa de Varzim
Louçã tem de partir a louça
Se Francisco Louçã não “partir a
louça” nas reuniões do Conselho
Consultivo do Banco de Portugal,
o antigo dirigente do Bloco de
Esquerda é um coleccionador de
máscaras. Afinal, o BE faz parte do
arco da governação. Se Louçã fosse
nomeado para o departamento de
jogos da Santa Casa da Misericór-
dia, apostava na criação de um
jogo social para descobrir quem
serão os próximos administradores
da Caixa Geral de Depósitos.
L O livro de Cavaco
Vítor Colaço Santos
S. João das Lampas
Megalómano e perigoso
Os EUA são um país erigido por
imigrantes e escravos que também
foram imigrantes – levados à força.
A Constituição americana encerra
10
leitores@sabado.cofina.pt
fundada em dois enormes crimes: o
genocídio dos índios e a escravatu-
ra durante 300 anos. Ninguém
sabe o que vai acontecer nos e aos
EUA. Há milhões de pessoas, não
só na América mas no mundo, em
estado de horror, com raiva e
medo. Por cá, em matrizes funda-
mentais de Trump, o CDS e o PSD
são os que lhe estão mais próxi-
mos. Trump repugna a democracia
e tudo o que faz e diz tem um
conteúdo perigosíssimo. Ninguém
pode ou deve ficar indiferente.
L
Ernesto Silva
Vila Nova de Gaia
Cavaco Silva enganou-se no título
do livro das quintas-feiras: em vez
de memórias era rancores. Depois,
em entrevista à RTP, o ex-Presi-
dente da República esclareceu que
com ele não se pode ter conversas
privadas… só secretas. W
www.sabado.pt
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João Borges de Oliveira, Luís Santana e Alda Delgado
Directora Geral de Marketing Isabel Rodrigues
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 2 MARÇO 2017
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Miguel Caetano gere e autoriza os pedidos
foi aluno do pai de consulta da documen-
durante dois tação do arquivo Marcello
anos na Facul- Caetano, depositado na
dade de Direito. Torre do Tombo. Em
“Posso dizer que Junho de 2007, foi contac-
conheci o pro- tado por Francisco Marti-
fessor: a história nho, professor do Depar-
do cerimonial da tamento de História da
entrada nas au- Universidade de São Pau-
las, do reparo ao lo, o que deu origem a
aluno sem gra- uma investigação publica-
vata e da expli- da no livro Marcello Cae-
cação a uma tano – Uma biografia
aluna sobre as 1906-1980, lançado no
h razões que leva- fim do ano passado pela
Caetano estudante: vam a condicio- editora Objectiva.
dentro do regime nar o acesso das O filho do último presi-
era considerado
da “ala moderna”
mulheres às car- dente do Conselho do Es-
reiras de magis- tado Novo deixa claro que
trados judiciais não esperava uma hagio-
são perfeitamen- grafia de Marcello Caeta-
te plausíveis” no, mas afirma que “basta
dar maior ou menor rele-
vo a determinados perío-
dos ou factos políticos
para alterar a projecção
da personagem no seu
período histórico”.
O livro serve de pretexto
a uma análise de Miguel
É O FILHO, Caetano à vida do pai em
MIGUEL, QUE 10 pontos-chave, que ten-
ABIOGRAFIADE CAETANO GERE E AU-
TORIZA OS
ta enquadrar no que seria
o seu pensamento. Se-

VISTAPELO FILHO PEDIDOS DE

CONSULTA
DO ARQUIVO
guem-se excertos relati-
vos a cada ponto:

CRÍTICA A propósito da mais recente biografia do sucessor de Salazar, DO PAI, NA 1. A rejeição de uma
escrita por Francisco Martinho, o seu terceiro filho, Miguel, analisa a vida TORRE DO democracia parlamentar
do pai em 10 pontos. O texto integral, em exclusivo, está no site da SÁBADO TOMBO “Marcello Caetano nunca
aceitou como adequada
uem conhecer o pode ler na íntegra o tex- mente do pai sobretudo a ao seu país uma democra-
“
Q meu currículo cí-
vico conclui rapi-
to) – de Miguel Caetano à
última biografia sobre o
partir da reeleição de
Américo Thomaz para a
cia parlamentar. Qualquer
dos seus alunos sabia isso,
damente que não fui pro- sucessor de Salazar. Presidência da República, e os seus Manuais de
priamente um apoiante O terceiro filho do últi- em 1972. Mas há uma Ciência Política também
do Estado Novo, o que mo chefe de governo do diferença entre concordar eram bem explícitos
não impediu que tivesse regime deposto a 25 de com o pai em tudo e quanto à sua posição. Por
tido uma relação franca e Abril de 1974 foi por tentar compreendê-lo – isso, em momento algum
aberta com o meu pai ao exemplo fundador da e disso não desistiu: “Ha- enganou fosse quem fosse
longo dos anos 60 e 70.” SEDES (Associação para o bituei-me a procurar per- com falsas promessas. (…)
Arranca assim a crítica – Desenvolvimento Econó- ceber o meu pai, Marcello Mesmo quando fala em
escrita em exclusivo para mico e Social), em 1970, Caetano, mesmo que não Miguel eleições e na possibili-
o site da SÁBADO (onde tendo divergido politica- concordasse com as suas Caetano dade de serem eleitos Q

11
 Aabrir
Q para a Assembleia de-
putados doutras listas, não
está a pensar fazer depen-
der o governo do voto
parlamentar.”
2. A aproximação à
Europa do “chefe da ala
moderna”
“(…) Dinamizou as relações
do Estado com os empre-
sários, promoveu o lança-
mento da televisão em
Portugal. Essa a razão por
que foi considerado, den-
tro do Regime, como o
chefe da ala moderna:
defende a modernização
da economia portuguesa,
uma maior abertura à Eu-
ropa e ao mundo, um sis-
tema político mais liberal.”
3. A recusa da luta
de classes
“Apesar da maturação do
seu pensamento, Marcello
Caetano, sendo um pro-
fundo conhecedor da
obra de Karl Marx, nunca
aceitou a dogmática mar-
xista. Contrapôs sempre à
luta de classes a solução
corporativa. (…) Para Cae-
tano, corporação signifi-
cava compreensão e co-
laboração. Sobretudo
compreensão de patrões
e de empregados para a
implantação do bem co-
mum, tendo consciência,
ambos, ‘do significado
moral do capital e do tra-
balho ao serviço da co-
lectividade’”.
4. A obra como
presidente do Conselho
“Os seus Governos avan-
çam na criação de infra-
-estruturas, na liberaliza-
ção da economia, no apoio
à iniciativa privada – fim
do condicionamento
industrial, com tal sucesso
que Portugal registou,
entre 1968 e 1973 as taxas
de crescimento do PIB
mais elevadas de toda a
Europa, provavelmente
12
mesmo de todos os países
que faziam parte da OCDE.
A aproximação às médias
europeias foi uma realida-
de, não ficando atrás da
que se verificou após o 25
de Abril, que não conse-
guiu melhor, apesar dos
grandes apoios financeiros
recebidos da União Euro-
peia. (…) Será que alguém
pode afirmar convicto que
no tempo de Marcello
Caetano ‘Portugal era o
país mais pobre da Europa
Ocidental. E assim se man-
tinha sem nenhuma pers-
pectiva de alteração’?”
5. A questão colonial
“A África para os africanos
não fazia sentido no seu
te, não era fácil acabar
com a censura e desarmar
a PIDE/DGS. Para Marcel-
lo Caetano o Partido Co-
munista Português fazia
parte duma organização
internacional dependente
da União Soviética, da
qual recebia ordens. Tam-
bém, e dentro dos seus
princípios, o PCP batia-se
pela subversão da socie-
dade que ele defendia. (…)
E teria sido mais fácil
negociar a independência
das colónias em 1969 ou
1970? Creio que o resulta-
do teria sido o da entrega
das colónias aos movi-
mentos independentistas,
sem conseguir assegurar a
protecção dos cidadãos
portugueses que nelas vi-
viam, tal como acontecera
na maioria dos processos
de descolonização ante-
riores e veio a acontecer
com Portugal após o 25 de
Abril (apesar do optimis-
mo de Spínola no início).”
7. A dimensão atlântica
“A dimensão atlântica é
uma mais-valia na inte-
gração de Portugal em
qualquer comunidade
europeia. Pequeno país
periférico na Europa,
g pensamento. A Europa apenas poderia ter im-
No início dos anos
70, um instante de
Ocidental representava portância e significado
popularidade de- uma civilização, uma cul- nesta comunidade se
pois de suceder a tura, uma mensagem que afirmasse a sua dimensão
Salazar
tinha obrigação de levar atlântica. (…) Curiosamen-
aos povos menos evoluí- te, hoje parecem estar
dos, ajudando-os a todos de acordo com
integrarem-se nesse mo- a existência duma
“MARCELLO delo de civilização. Não Comunidade dos Países
TINHA era racista, pois tal não ca- de Língua Portuguesa,
GRANDE AD- bia nos seus princípios, com interesses culturais e
MIRAÇÃO mas pensava que existiam económicos.”
PELAS QUA- culturas mais evoluídas do
LIDADES MI- que outras. Mas a sua visão 8. O mito Spínola
LITARES DO ecuménica da humanida- “Marcello Caetano tinha
GENERAL de levava-o a integrar to- grande admiração pelas
SPÍNOLA, dos como iguais.” qualidades militares do
MAS NÃO O general Spínola, mas não
ADMIRAVA 6. A censura o admirava pelo seu senso
PELO SEU e a PIDE/DGS político. (…) Se analisarmos
SENSO POLÍ- “Com o País em guerra e a a falta de originalidade do
TICO” ameaça soviética presen- livro Portugal e o Futuro e
 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

PUB
a não adequação da solu-
Livro ção proposta ao que se
passou em 1974 e 1975,
Marcello creio que a alternativa
Caetano – Spínola não passou de um
Uma perigoso mito, que desen-
Biografia cadeou uma situação rapi-
(1906-1980) damente incontrolável.”
Autor
Francisco 9. O exílio
Martinho “Não creio que Marcello
Editora Caetano tivesse concorda-
Objectiva do com a publicação inte-
gral da sua correspondên-
cia, pois deixou instruções
aos filhos para destruírem
a correspondência particu-
lar (de portugueses) por ele
recebida no Rio de Janeiro,
por entender que em
situações anormais as
pessoas dizem coisas de
que facilmente se arrepen-
deriam noutra situação.”

10. Conclusão
“Vencido no dia 25 de
Abril pelo golpe militar
que ocorrera em Portugal,
motivado pela insatisfação
dos militares com a conti-
nuação da guerra colonial,
insatisfação em que se
misturavam reivindica-
ções de tipo corporativo
com outras de ordem polí-
tica, [Marcello Caetano] é
afastado da chefia do Go-
verno e acusado de ter fa-
lhado uma oportunidade
Limites única para assegurar a
“Considero Mar- transição entre o Estado
cello Caetano Novo de Salazar e uma
bem mais mo- outra realidade política de
derno que Sala- contornos indefinidos.
zar. (…) O que Onde falhara Marcello
não deixo, no Caetano? Teria sido possí-
entanto, é de fa- vel com outra política,
zer referência arriscando mais na linha
aos limites da da abertura e da liberali-
intenção zação? Nunca ninguém o
modernizadora saberá. Talvez o problema
de Caetano”, herdado por Marcello
escreve Caetano representasse a
Francisco impossível quadratura do
Martinho, autor círculo. Talvez...” W
da biografia,
num texto de Leia o texto integral e a
resposta a resposta de Francisco Mar-
Miguel Caetano tinho em www.sabado.pt

13
 Aabrir
O marginal ameno
O tecnologia, a sala de mercados de Hong
Nuno Costa Santos
Escritor
Uma nesga
de eterno
Foi junto à praia da Granja,
território onde Sophia de
Mello Breyner passava os
Verões, numa casa de família,
reduto do poema Casa Bran-
ca, que espreitei, no maldito
iPhone, uma notícia sobre o
livro de Cavaco Silva Quinta-
Feira e Outros Dias. É nos lu-
gares mais líricos que nos dá
para devorar os mais prosai-
cos assuntos.
Estava aí em trabalho e, du-
rante uma pausa, em vez de
aproveitar o sol marítimo, se-
gui um alerta digital e consu-
mi, um a um, os citados consi-
derandos do ex-Presidente
sobre o ex-primeiro-ministro.
Até que consegui abandonar
essa espuma e olhar a que ti-
nha em frente.
E então vi a Granja de Sophia,
sobre a qual falou assim a Maria
Armanda Passos: “Há lugares
sagrados, sabe? Mas isso são
coisas que se escrevem nos con-
tos e nos poemas e que não se
dizem numa entrevista.” Pude
fantasiar o que era estar naquele
sítio antes da Internet. Foi aíque
nasceu A Menina do Mar, livro
de tantas infâncias, inspirado
numa história que a sua mãe lhe
contava sobre uma rapariga que
morava nos rochedos. “Essa
menina representava para mim
a felicidade perfeita porque al-
moçava no mar, dormia no mar,
vivia no mar.” Sim, feliz a hora
em que me libertei da armadilha
do noticiário. Não podemos dei-
xar que a actualidade atrapalhe
uma nesga de eterno. W
14
www.sabado.pt
Fotografia contada
c
A Hong Kong Economic and Trade Office in Brussel e a Câmara Casamento
Shirley Lam
de Comércio e Indústria Portuguesa celebraram a entrada no comparou a relação
novo ano chinês, do Galo de Fogo, com um almoço em Lisboa China-Hong Kong
com um casamento,
em que são dois
Memória países e um sistema
Artur Lami contou que com o avanço da
Kong faz parte da memória, sendo
agora uma espécie de museu
O brinde
(Da esquerda para a direita) Rui Miguel Nabeiro, CEO da Delta Cafés; Ilídio Serôdio, presidente PCG da
Profabril e vice-presidente da Câmara de Comércio Luso-chinês; Mário Patinha Antão, vice-presidente
Banco Português de Gestão; Gabriela César, adjunta do chefe da Delegação Económica e Comercial
de Macau em Lisboa; Artur Lami, director-geral para as Actividades Económicas; Shirley Lam,
representante especial para as Relações Económicas e Comerciais de Hong Kong junto da UE; Cai Run,
embaixador da República Popular da China; e Miguel Horta e Costa, director da Câmara de Comércio
O TRIUNFO DOS OS GATOS PREFEREM AS MULHERES
GENÉRICOS REVELA UM ESTUDO PUBLICADO NA
REVISTA BEHAVIOURAL PROCESSES.
MEDICAMENTOS
Mais de 800 medicamentos
OS FELINOS TÊM UMA RELAÇÃO MUI-
genéricos, um recorde absolu- TO MAIS INTENSA COM AS DO-
to, foram aprovados em 2016 NAS DO QUE COM OS HOMENS
nos EUA (um espelho da reali- EM GERAL. DUAS EXPLICAÇÕES:
dade mundial). Só nos EUA, a
poupança ao sistema de saúde
SENTEM O INSTINTO MA-
que os genéricos trouxeram na TERNAL DAS MULHERES E
última década é astronómica: A VOZ FEMININA SOA-
1.700.000.000.000 euros. -LHES MELHOR.
O MEDIATISMO DE
VALE E AZEVEDO
LIVROS
De que modo o ex-presidente
do Benfica construiu uma
identidade que o tornou pro-
tagonista da agenda dos des-
portivos portugueses? Esta é a
pergunta a que responde o li-
vro A Ascensão Mediática de
Vale e Azevedo, de António
Varela, jornalista de Record.
 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

OS PEDIDOS MAIS
Oemoji RIDÍCULOS EM VOO
favorito é... VIAGENS
Um upgrade para a primeira classe é
uma exigência comum, mas há quem vá
mais longe. A Rumbo, agência de via-
gens online, recolheu os pedidos mais
estranhos dos passageiros de avião.

…o coração. Antes o
símbolo preferido dos
utilizadores do Face- QUER ALMOÇAR COM
book era o polegar le- BERLUSCONI? TEM €30 MIL?
vantado, sinal de “gos- SOLIDARIEDADE
to”. Mas desde há um Sílvio Berlusconi aceitou participar num almo-
ano, quando aquela ço solidário cuja receita reverte para a recons- Escorrega Peluche
trução das localidades do centro de Itália Posso usar um Vou levar um boneco
rede social lançou o afectadas por sucessivos terramotos. Em me- escorrega em vez gigante. Mas não se
Facebook Reactions – nos de 24 horas, as ofertas para almoçar com da escada para sair preocupem, não
uma lista de emojis o ex-primeiro-ministro italiano superaram os do avião? precisará de comida
para interagir com as 30 mil euros. O leilão, promovido pela Charity
Stars e pela Cruz Vermelha, estará aberto até
publicações –, o mais 16 de Março. Berlusconi, de 80 anos, é apre-
usado passou a ser o sentado como “famoso por ser um génio da
coração. comunicação e um político popular”.

Hospedeira Estranhos
Quero ser servido Quero saber quem
por uma hospedeira, se vai sentar ao meu
mas tem de ser sexy, lado. Odeio viajar
muito sexy com desconhecidos

Aniversário Bombons
Posso sentar-me Nada de comida para
ao lado do piloto? mim. Só bombons,
É que faço e que não sejam
anos hoje… de café

Rainha Cactos
É a nossa lua-de-mel. Sei que é um assunto
Têm de tratar a picante, mas posso
minha mulher como levar cactos na
uma rainha! bagagem?

15
 2 MARÇO 2017
Aabrir www.sabado.pt

Quantasrosas? A criada malcriada

Símbolo do amor, FACEBOOK.COM/ACRIADAMALCRIADA E SABADO.PT
as rosas vermelhas são
as flores dos Off-off-off-offshore
apaixonados. Mas não é
assim tão simples. Há
que saber interpretar a
mensagem consoante o
número de cada ramo.
Atenção ao 108

1
Amor à primeira vista

3
Amo-te

9
Juntos para sempre

100
Sou-te dedicado Para ti (lha)
JOÃO COSTA, activador de negócios

h
108
Queres casar comigo? Uma revolução na segurança aquática
Um dispositivo inovador promete diminuir o risco de afogamento. Trata-se de uma bóia
insuflável portátil para ser usada como se fosse um relógio de pulso
365
Vou amar-te todos os dias talizadas por afogamentos têm, muitas
da minha vida vezes, prognóstico reservado.
Depois de perder um amigo por afo-
gamento, o mentor do Kingii foi moti-
vado a criar um dispositivo que pudes-
999
O meu amor é infinito
se ajudar alguém em situações de pe-
rigo no mar, nos rios ou piscinas. Este
equipamento de segurança asseme-
lha-se a um relógio de pulso – é uma
espécie de pulseira salva-vidas. Possui
uma alavanca, que activa um pequeno
cilindro de CO2, para accionar o en-
chimento de uma bóia e projectar a
pessoa para a superfície. A bóia é reu-
tilizável através da inserção de um
novo cartucho de CO2.
ais de 370 mil pessoas mor- Este produto não substitui outros sis-

M rem afogadas anualmente em

todo o mundo. Em Portugal,
nas crianças, o afogamento é a segunda
causa de morte, segundo os dados da
Associação para a Promoção da Segu-
rança Infantil. A gravidade dos afoga-
mentos não se restringe aos casos que
resultam em morte – as pessoas hospi-
temas de segurança, mas poderá com-
plementar e ajudar a evitar mortes em
determinadas situações.
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em sabado.pt bém informações mais detalhadas.
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 2 MARÇO 2017
Aabrir www.sabado.pt

Insólito
SÓNIA BENTO

!
Tinta para o cabelo
que varia de cor
A empresa britânica
The Unseen lançou
uma tinta para o cabelo
que pode assumir duas
cores, consoante a tem-
peratura do ambiente. !
Fire é uma mistura de Agente apressado
compostos químicos de Um agente da polícia que
Lauren Bowker, a quem deveria estar com pressa
chamam A Alquimista. para voltar ao trabalho
saiu de um posto de ga-
solina, na Flórida, EUA,
! ! com o bocal da manguei-
Meditarnocemitério ra de combustível pendu-
Liu Taijie, uma chinesa
de 30 anos, divorciada,
Golpe na disfunção eréctil rado no carro. Só deu
conta do que se passava
montou um negócio iné- Não imagina porque é que este mestre chinês de kung-fu quando foi avisado por
dito para ajudar mulheres é conhecido como Virilha de Aço? É simples: Wei Yaobin outro motorista, que tirou
a superarem os divórcios. leva pontapés na zona genital repetidas vezes e nem pes- a foto. O bocal foi devol-
É radical: reúne-as em vido à bomba.
taneja. Afirma mesmo que a prática é eficaz para comba-
cemitérios e coloca-as
em meditação, deitadas ter a disfunção eréctil e a ejaculação precoce. O mestre
mostra a técnica pelas ruas de Louyang, na China, mas os
em campas abertas. “Eu
pensei em cometer suicí- seus vídeos tornaram-se virais na Net e ele quer popula- €1.365
dio quando me divorciei”, rizar em todo o mundo o seu estilo de kung-fu.
explica Liu, que se casou Em vez de oferecer flo-
aos 19 anos. res à namorada, um
homem da província
! de Jilin, na China, fez
O EXCESSO DE VELOCIDADE um bouquet com notas
dobradas em forma de
LEVOU OS MORADORES DE flor, que davam uma
HOPEMAN, UMA VILA NA ESCÓ- soma de 10 mil yuans
CIA, A VESTIREM COLETES COMO SE (€1.365). O arranjo era
FOSSEM POLÍCIAS E A USAR SECADO- para comemorar o Ano
do Galo do zodíaco chi-
RES PARA SIMULAR RADARES. nês e ele jura que foi
O OBJECTIVO É DISSUADIR OS para dar sorte à rapari-
CONDUTORES DE ACELERAREM. ga e não para se exibir.

! ! ! !
Michelin por engano Polícia ajuda nos TPC Rouba carro e pede Presa por dançar
O restaurante Le Incapaz de resolver um tra- ajuda ao próprio dono A norte-americana
Bouche à Oreille, da balho para casa – a equação 1. Abbotsford é uma pequena Brittany Fultz alegou ino-
pequena cidade (8 + 29) x 15 –, Lena Draper, cidade, situada no extremo oeste cência após ter sido presa
francesa de Bourges, de 10 anos, pediu ajuda pelo do Canadá, onde neva imenso. Por por realizar uma dança
recebeu uma estrela Facebook à Polícia de Ma- isso roubar carros ali é arriscado, já erótica para um idoso de
Michelin por engano e rion, nos Estados Unidos. E que podem ficar presos na neve. 100 anos, num asilo do
encheu-se de clientes teve resposta: “Os números 2. Foi o que aconteceu a um ho- Ohio, EUA. “O homem
espantados com a mo- entre parêntesis devem ser mem que invadiu uma casa duran- sabia exactamente o que
déstia da sala. O Guia resolvidos primeiro. Assim, o te a madrugada e roubou uma van. se estava a passar”, disse
Michelin apressou-se a problema é 37 x 15”. “Resol- 3. Só que ficou preso na neve em o advogado de defesa
pedir desculpa: há ou- ver emergências é o nosso frente a um café e, para seu azar, de Fultz, acusada de
tro restaurante com o trabalho”, explicaram depois foi pedir ajuda ao próprio dono da crime sexual por ter
mesmo nome em Paris. os polícias. carrinha. Acabou preso. exibido os seios e o rabo.

20
 TENHA INFORMAÇÃO
PRIVILEGIADA NA
PONTA DOS DEDOS

MARKETING GESTÃO E NEGÓCIOS GESTÃO DE PESSOAS

LITERACIA
LI
LITERA
RACI
CIAA FINANCEIRA DESTINOS DE SONHO
SONH
NHO
O

Saiba
Saib
ba ma
m
mais
is sob
sobre
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pt · Tel:
Tell: 21
21 012
0112 34 00
 Aabrir

As frases da semana

F
Papa Francisco, Associated Press
“Há aqueles que dizem: ‘Eu sou católico, vou sempre à missa.’
Algumas destas pessoas deviam dizer: ‘A minha vida não é cristã,
pago salários baixos, exploro as pessoas, lavo dinheiro’ (...) Há
muitos católicos assim. Se isto é um católico, mais vale ser ateu”

F F F F
Ferro Rodrigues Lindsay Lohan, Pedro Santana Lopes Stephen Bannon
“A minha imparcialidade é total. actriz, US Weekly “Não se justificaria que o PSD “Os media, tal como estiveram
É evidente que há pessoas que “[No e o CDS celebrassem também errados durante a campanha ,
continuam a pensar que a um acordo parlamentar estão errados sobre o que está
maioria é a mesma de há um ano
aeroporto] para responder à maioria a acontecer agora. (…) Os media
e meio, mas, infelizmente para mandaram- parlamentar que se formou?” mainstream deviam entender
elas, não é e, portanto, têm que -me tiraro Provedor da Santa Casa da Misericórdia, uma coisa: todas as suas
Correio da Manhã
se habituar às novas regras” lenço que promessas [de Trump]
Presidente do parlamento, acusado de vão ser implementadas”
parcialidade por Assunção Cristas, Lusa trazia na F Chefe de estratégia de Trump, CBS
cabeça. Foi António Ventura
F a primeira “Se estiverem dois candidatos F
Luís Montenegro vez que me em pé de igualdade e um deles George Clooney
“O que está a acontecer no for maçon, é compreensível “Stephen Bannon é um produtor
parlamento é um escândalo
apontaram que se favoreça o maçon” e realizador falhado. Escreveu
democrático, com a anuência poruma Historiador e professor catedrático, i um musical rap, baseado em
do primeiro-ministro e com questão ra- Shakespeare, sobre os conflitos
a anuência dos seus acólitos, cial. Fiquei F em Los Angeles, que nunca
que criaram uma nova Tomas Sedlacek conseguiu avançar. Fez muito
realidade dos ‘donos disto tudo’”
chocada. “Hoje, os menos escrupulosos dinheiro com Seinfeld. É um
Líder parlamentar do PSD, RR Foi estra- prometem o impossível. Se elitista de Hollywood”
nho… Sou retirarmos o poder de fazer Actor, Canal +

F de Nova dívida aos governos, eles

Pedro Soares dos Santos deixarão de poder mentir tanto” F
“A concertação social só vale
Iorque. Autor do livro A Economia do Bem e do Cavaco Silva, ex-Presidente da
em termos políticos. Em termos Fiquei Mal, Jornal de Negócios
República, RTP
comerciais não vale nada” intimidada” “Eu não preciso de ajustar
CEO da Jerónimo Martins, F
Jornal de Negócios
Magdalena Andersson
contas com ninguém.
“Se se mudam para Portugal A vida correu-me muito
F porque gostam de fado ou vinho bem. (...) Sondagens, ruídos
Michael O’Leary verde ou porque adoram o clima, mediáticos,
“O caso dos pássaros [no então devem poderfazê-lo.
aeroporto do Montijo]… Mas se se mudam só para evitar
trepidações
É só pegar em duas shotguns o pagamento de impostos, então políticas, espuma
e o problema resolve-se…” devem olhar-se ao espelho” dos dias,
Presidente da Ryanair, Público Ministra das Finanças sueca, Expressen
nunca
influencia-
F F
Bono Orlando Afonso ram as
“Se os estados frágeis falirem, “Dois juízes valem no mercado minhas
teremos todos um o mesmo que um gravador. decisões”
problema... Não existe Entendeu-se que, com a
nada piorque um espaço prova gravada, não são
PEDRO CATARINO

sem governo; no caos, o precisos três juízes. Como se

radicalismo impõe-se” fosse uma questão de ouvido”
Vocalista dos U2, El País Juiz conselheiro jubilado do Supre-
mo Tribunal de Justiça, Visão

22
 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

MYRIAM GASPAR O moralista

F F
Chrissy Teigen, modelo, Pedro Madeira Rodrigues
Sports Illustrated “Jesus tem ganho muito
dinheiro e o que deixou
“Antes de ficar foi uma supertaça.
grávida Se não se afastar,
a saída de Jorge O
pesava-me Jesus vai ser
limpinha, limpinha”
Pedro Marta Santos
Jornalista e argumentista

três vezes Candidato à presidência

do clube leonino, Monócolo
por dia. Sporting TV
Observar a realidade de um país
Sabia F
atravésdeumarevistadelifestyle
deluxo,aMonocle, detidae editada
quanto Bruno de Carvalho
“O que ele diz é
por um jornalista milionário, Tyler
Brûlé, é a mesma coisa que olhar
pesava às tudo uma cambada de parao caos daAméricade hoje e re-
falácias. Nós é factos, produzi-lo num editorial de moda
8h da ele é tudo crenças” fotografado por David La Chapelle,
manhã, Presidente do clube,
Sporting TV
com Karlie Kloss e uma legião de
moças arianas, esguias como vea-
quanto F
dos, a fitarem o sol da prosperida-
de yankeeem tailleurTom Ford so-
devia Jordan Horowitz bre um muro de mármore made in
“Pessoal, pessoal, Colorado.
pesar à 1h lamento. Não... Houve A edição do 10º aniversário da
da tarde e um erro. Pessoal, foi
o Moonlight a ganhar
Monocle dedica um caderno de 64
páginas a Portugal, nação que “está
quanto devia o Melhor Filme.”
Produtor de La La Land, que
no meio de algo notável”, destacan-
do-se o soft power de Guterres na
pesar às 8h foi erradamente anunciado
como vencedor do Óscar
ONU, da vitória no Euro 2016, de
museus como o MAAT e de eventos
da noite” para o Melhor Filme,
The Washington Post como a Web Summit. Um País “or-
gulhoso, pronto parao negócio e en-
grenado com o resto do mundo”. Em
F paralelo à Monocle, sugiro um dos-
Jimmy Kimmel siê de 640 páginas na Mononucleo-
“Alguns de vós estarão se, uma revista focada em doenças
hoje neste palco e farão hard como o orgulho num ex-pri-
discursos sobre os quais o meiro-ministro investigado porcor-
Presidente dos Estados rupção, adisponibilidade parao ne-
Unidos twittará em gócio das PPPs e das rendas da
maiúsculas durante o seu energiae aengrenagem com o resto
movimento intestinal das do mundo através de 10 mil milhões
5h da manhã” de euros transferidos para offshores
Apresentador dos Óscares, ABC sem controlo daAutoridade Tributá-
ria, amesmaque me enfiaamim e a
F si na choldra caso nos atrasemos 64
Asghar Farhadi segundos naentregade umafactura.
“Dividir o mundo entre ‘nós’ Podemos sempre fugircom tranqui-
FOTOS GETTY IMAGES

e ‘os nossos inimigos’ cria lidade de Caxias numa bicicleta Ór-

medo. É uma justificação
enganosa para a agressão e
para a guerra”
Cineasta iraniano, impedido de viajar
para os EUA pelas novas leis restritivas,
cujo filme The Salesman ganhou o Óscar
para Melhor Filme Estrangeiro, CNN
bita (outra jóia citada pela Monocle)
e observar o rio encostados ao galo
da Joana de Vasconcelos, gânglios
linfáticos num virote mas peito cheio
de modernidade, olharsonhadorno
paraíso fiscal das ilhas Caimão.
That’s Portugal. W

23
 Aabrir www.sabado.pt

Indiscretos
F.E.; M.E.S.; M.H.E.; O.L.O.; S.B.

k
“Está a brincar?”
Na sexta-feira, na tomada de
posse da nova direcção da CIP,
Mira Amaral informou um ami-
go de que Francisco Louçã tinha
sido nomeado para o conselho
consultivo do Banco de Portu-
gal. Não o convenceu:
“Ah, isso é uma brincadeira.”
“Não, é verdade.”
“Não pode ser, está a brincar.”
“Não estou, é verdade, garanto,
soube-se agora.”
... Silêncio...
k no Facebook para retratar o que
Moedas ao
pequeno-almoço
O comissário europeu para
a Investigação, Ciência e
Inovação tomava o peque-
no-almoço na Eric Kayser,
no Amoreiras Plaza, no últi-
mo domingo. Carlos Moedas
mora num condomínio pri-
vado, no outro lado da rua.
k
Ao cuidado de todos os
caçadores de talentos
Na Internet, as listas são como os
chapéus: muitas e para todos os
gostos. E a moda já chegou ao
parlamento. Ascenso Simões, de-
putado do PS, usou a sua página
tem sido uma vida cheia: já apa-
receu na TV, já escreveu um li-
vro, já mudou de look, já assistiu
ao entardecer na praia, entre
tantas outras coisas (42 no total).
Só não fez uma tatuagem ou um
piercing, nem experimentou
mergulho ou cantou num ka-
raoke. O coro da Assembleia da
República que se cuide!

k
EDUARDO CATROGA, EX-MI-
NISTRO DAS FINANÇAS E
AGORA PRESIDENTE DO CON-
SELHO GERAL E DE SUPERVI-
SÃO DA EDP, JANTAVA AO
BALCÃO DA MARISQUEIRA
SETE MARES, NO PASSADO
SÁBADO. SOZINHO...

k k
LUSA

50 anos O presidente
k no cinema sem sede
Tatuagem cumprida O cinema São Jorge,
em Lisboa, foi o lo-
É à quinta-feira, pelas
11h, que André Couto,
Motorizadas potentes, artes marciais, músi- cal que Paulo Pires presidente da Junta
ca, gatos, músculos e tatuagens são os te- escolheu para cele- de Freguesia de Cam-
mas que marcam a página de Miguel Tiago brar o seu 50º ani- polide, responde a
versário, no domin- dúvidas e reclama-
no Instagram. Numa espécie de teaser, o go, 26. O actor – ções. No dia 23, num
deputado do PCP, que se destacou na co- que grava a série vídeo em directo na
missão de inquérito do BES, foi mostrando Madre Paula, para a página de Facebook
as várias fases de uma supertatuagem no RTP – juntou ali da junta, falou à po-
amigos, entre os pulação durante 1h20
seu braço esquerdo, que teve início em No- quais Fernanda Ser- sem beber um gole de
vembro de 2015 e que entretanto terminou. rano e Rui Vilhena. água, nota O Corvo.

24
 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Obituários
RUI MIGUEL TOVAR

Analice Silva (1943-2017)

Aultramaratonista brasileira es-
pantou Portugal ao correr mesmo
depois dos 70 anos. Muito popular
na comunidade do running, supe-
rou muitos obstáculos: o abandono,
a escravatura, a fome, a violência
sperança é acreditar em algo
na via pública, a devolver à triste SEM TEMPO tempo. Nos três anos seguintes, ga-
realidade. Analice apanha outro au- PARA TREI- nhei sempre essa corrida.”
tocarro, em direcção ao Rio de Ja- NAR NA RUA, E agora? Aventura-se na Europa e
neiro. Ao todo, oito dias de viagem SOBE E DES- arrisca uma corrida de 100 km em
“por estradas de asfalto” sem con- CE AS ESCA- Santander (Espanha). “Fui lá e ga-
seguir enganar a fome e o frio. DAS DO PRÉ- nhei. Depois já não quis voltar para o
Segue-se um aborto, a estabilida- DIO DURAN- Brasil. Fui para Madrid, procurei o
de com um boliviano “muito de- TE TRÊS HO- consulado brasileiro e foi o embaixa-

E possível mesmo quando há in-

dicações do contrário. Esperan-
ça é também o nome de três cidades
portuguesas, em Arronches, Ourém e
Póvoa de Lanhoso. Esperança é ainda
o nome de sete cidades brasileiras,
uma delas no estado de Paraíba. É lá,
em Esperança, que nasce Analice da
Silva, a 20 de Dezembro de 1943.
A sua vida é parecida à de uma
bola de pinball. Com tão-só três
anos de vida, é entregue pelo pró-
prio pai aos cuidados de uma se-
nhora a viver na cidade mais próxi-
ma, em Campina Grande. “Cuidava
de bebés e aguentava o trabalho de
roça, aquilo era escravatura”, conta
ela ao blogue O Arrumadinho. Em
troca, só uma cama. E comida? “Só
mesmo quando havia.” E e e e e...
Um dia, por exemplo, come um pe-
daço de pão sem pedir autorização
e fica de castigo. Cinco anos depois,
Analice volta ao lar, amargo lar.
Sem amor, só violência, a fuga é a
única solução.
Apanha um autocarro para o Re-
cife, onde conhece um pescador de
lagosta chamado Evandro. Casa-se
com uma condição: “Tolero tudo
menos porrada.” Bastam seis meses
para o primeiro empurrão, em ple-
cente” chamado Júlio e um empre-
go estável. No dia 31 de Dezembro
de 1980, lê uma notícia em que os
RAS DIÁRIAS dor que me deu o dinheiro para eu
vir para Lisboa.” Ah-ah, aí está ela.
Analice em Portugal a partir de 1986.
pulmões de um fumador necessi- Para nunca mais sair. O primeiro
tam de 10 anos de repouso até vol- emprego é no apartamento de um
tarem a ter saúde. “Fiquei assus- casal na Av. João XXI, em Lisboa.
tada. A única maneira de Sem tempo para treinar, sobe e
voltar a ter os meus pul- desce as escadas do prédio
mões cor-de-rosa era durante três horas. Nas ho-
correndo. E comecei ras soltas, dá voltas e mais
logo nessa noite.” voltas no Inatel até com-
Como? Desce o cal- pletar 50 km. Nas folgas,
çadão de Copacaba- corre do Cais do Sodré até
na e vai do Leme até Cascais. Ou faz ida e volta
ao Arpoador, ida e da Arrábida até Sesimbra.
volta. Qualquer coisa Mais animada do que nun-
como 16 km. “Fiquei ca, começa a dar que falar
toda partidinha.” pelas sucessivas corridas
Na primeira corrida de entre Caminhos do Tejo
sempre, Analice ganha (146 km), Lisboa-Mação
uma medalha. Na segunda, (254 km) e Volta ao Minho
outra. Um mês depois, estreia- (385 km). Lá fora, faz trinta por
-se na meia maratona e demora uma linha. Só um exemplo ca-
três horas. No ano seguinte, a tegórico: aos 69 anos, faz os
primeira maratona e ainda uma 240 km da Maratona das
corrida de 100 km, entre Areias em 46 horas, 41 minu-
Uberlândia e Uberaba, tos e 16 segundos. Analice
em montanha. “Venci Silva, o melhor sinónimo
essa prova e fiz 11h42m, para a palavra esperança,
que passou a ser re- morreu no dia 23, aos 73
corde sul-americano. anos, vítima de um can-
E foi durante muito cro no pâncreas. W
LUIS GRAÑENA

Ren Hang Nada de modelos, porque lhe to-
lhiam a liberdade criativa. Prefe-
(1987-2017) ria trabalhar com os amigos que
Controverso, tido como um fotografava nus, em posições que
dos principais nomes da nova resultavam surreais e sexuais.
geração de artistas chineses, Censurado, o jovem fotógrafo foi
foi várias vezes censurado e algumas vezes preso pelas auto-
preso por causa das suas foto- ridades chinesas. Controverso,
grafias de nus, surreais e se- Ren Hang viu-se apadrinhado
xualmente explícitas por outro artista mal-amado do
regime chinês, o famoso Ai
Weiwei, que o ajudou a tornar-se
internacionalmente conhecido.
Para além da China, expôs em
vários países – Holanda, Itália,
França, Portugal, Suécia, Israel e
Estados Unidos – e a prestigiada
editora Taschen publicou algum
do seu trabalho. Nascido a 30 de
Março de 1987 na província de
Changchun, suicidou-se na sex-
ta-feira, 17, aos 29 anos. D.N.

25
 Destaque

“
Ricardo Salgado
pediu-me para
lhe fazer um
favor. Não se
dizia não ao dr.
Ricardo Salgado
naquela altura
HÉLDER BATAGLIA

OPERAÇÃO MARQUÊS. OS INTERROGATÓRIOS DECISIVOS

SÓCRATES:TODAS
Num interrogatório explosivo, o empresário luso-angolano Hélder Bataglia revelou que Rica
a Carlos Santos Silva. Confrontado, o banqueiro negou tudo: afirmou que mal conhecia
26
 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Estou
“
profundissi-
mamente
chocado com
tudo isto.
Nunca vi tanta
mentira junta
RICARDO SALGADO

AS REVELAÇÕES
rdo Salgado lhe pediu para utilizar as suas contas para fazer chegar discretamente dinheiro
Santos Silva e que nunca foi íntimo de Sócrates. PorAntónio José Vilela, Fernando Esteves e Rui Hortelão

27
 Destaque

HÉLDER

S
ASDASDSAD
SADASD SAD
AS DAS DSA
DAS DASD
Sentado ao lado do advogado Rui Patrício, o empresá- ASD SA
rio luso-angolano tinha as mãos entrelaçadas em cima DASDSAD
da mesa castanha quando o procurador Rosário Tei- ASD ASD
xeira, sentado ao lado da colega Ana Catalão, anun- SADADAS D
ciou para a gravação: “Vamos proceder ao interroga-
tório complementar do arguido Hélder Bataglia no
processo 122/13.8 TELSB. O sr. Hélder Bataglia vai ser
novamente ouvido como arguido.”
Enquanto ouvia o formalismo habitual do início do
interrogatório judicial na sala 2 do Departamento Cen-
tral de Investigação e Acção Penal (DCIAP), em Lisboa,
Bataglia recostou-se por momentos na cadeira e colo-
cou as mãos junto às pernas. Vestia um fato escuro e g continuou a folhear um pequeno dossiê, que tinha em
gravata em tons carregados de azul. De seguida, voltou Hélder Bataglia cima da secretária, sem olhar sequer para o procura-
negociou durante
à posição inicial, mesmo em frente ao inspector tribu- meses com o MP: dor. As “especificações” citadas pelo Ministério Público
tário Paulo Silva. só testemunharia (MP) eram os pontos 26, 27, 28 e 30 da nova indiciação
“Os factos que aqui estão são essencialmente os em Lisboa se o que o DCIAP já fornecera a Bataglia. Mas o objectivo
não prendessem
mesmos, mais uma especificação (…)”, disse-lhe Rosá- primeiro era esclarecer quem tinha corrompido quem.
rio Teixeira, referindo-se ao anterior interrogatório “Já em Novembro de 2010, o arguido Hélder Bataglia
ocorrido em Angola, no ano passado e por via de carta recebeu numa conta por si controlada, aberta em
rogatória. Um interrogatório no qual Bataglia recusara O EMPRESÁ- nome da Green Emerald junto do Crédit Suisse, a
falar sobre os milhões do BES que entraram nas suas RIO LUSO- quantia total de 15 milhões de euros com origem na
contas e depois saíram para as contas suíças alegada- -ANGOLANO conta titulada pela ES Entreprises. Tal montante pago a
mente controladas por Joaquim Barroca e Carlos San- DENUNCIOU coberto de um pretenso contrato de prestação de ser-
tos Silva, alegado testa-de-ferro do ex-primeiro-mi- O BANQUEI- viços destinava-se, na realidade, conforme acordado
nistro José Sócrates, suspeito de corrupção na Opera- RO RICARDO entre o arguido e responsáveis do GES [Grupo Espírito
ção Marquês. SALGADO Santo], a repartir em parte para a esfera pessoal de Ri-
A 5 de Janeiro passado, enquanto decorria a leitura COMO cardo Salgado e outros responsáveis do GES, para
dos (novos) indícios judiciais, o advogado Rui Patrício CORRUPTOR além de compensar o arguido pelo pagamento que de-

28

EUDISSE:
“SIM,RICARDO,
SEPRECISAS,
EUFAÇO”
BATAGLIA q
O fim da amizade
Hélder Bataglia reco-
nheceu no interrogató-
rio que andou anos
ressabiado porque, ale-
gadamente, Ricardo
Salgado não lhe
reconheceu o que fez
no BES Angola – nunca
pagou o que lhe devia
veria realizar em sede de um aparelho de negócios
com o Grupo Lena a propósito de um imóvel em An-
gola [a venda de um terreno, no Kanhangulo]…”
O procurador Rosário Teixeira continuou a leitura
durante mais algum tempo até ser necessária uma de-
cisão. “São estes os factos que vão ficar no auto”,
concluiu, questionando se o arguido queria prestar
declarações e salientando que não era intenção do
MP “repisar” o que Bataglia já dissera em Angola.
Para a investigação, as novas declarações do empre-
sário eram fundamentais, isso sim, para “tentar en-
contrar aqui uma história mais coerente, no sentido
de ter uma sequência cronológica”. Naquele dia e
naquela sala, depois de complexas negociações de
bastidores que se arrastaram durante meses entre a
defesa do empresário e o MP (os investigadores pro-
meteram a Bataglia que levantavam o mandado de
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
detenção internacional e que não o dete-
riam preventivamente no fim do interroga-
tório), já todos sabiam que Bataglia ia falar.
E ele fê-lo durante horas. A conversa não
demorou muito a chegar a um homem caí-
do em desgraça: Ricardo Salgado.
O FAVOR AO AMIGO BANQUEIRO
Rosário Teixeira: “Vamos entrar nos segun-
dos 15 milhões que vêm mais uma vez atra-
vés da ES Entreprises direitos às suas socie-
dades, a Markwell e a Monkway. O que é
que se recorda disto? Estamos a falar de
operações já de 2008.”
(…)
Hélder Bataglia: “Estas operações foram
muito simples: foi o dr. Ricardo Salgado, que
numa das minhas vindas a Portugal, pediu
para eu passar lá no banco e pediu-me se
podia fazer um favor, porque tinha uns com-
promissos em que tinha de pagar cerca de 12 milhões
de euros. Disse-me se eu conhecia o Carlos Santos Sil-
va, eu disse que sim, se tinha conta na UBS, eu tam-
bém disse que sim, e se eu podia fazer esses pagamen-
tos. Eu disse ‘sim, Ricardo, se precisas, eu faço. Desde
que me transfiras o dinheiro, eu faço esses pagamen-
tos’. E aproveitei também para lhe dizer: ‘Se vais fazer
esses 12, vê se vem mais algum [risos] devido à nossa
dívida antiga.’ Era uma coisa que eu repetidamente in-
sistia com ele, não todos os anos, mas todos os meses.
Para não se esquecer [Bataglia insistiu no interrogató-
rio que Salgado lhe prometera dinheiro por conseguir
a licença em 2001 para o BES Angola, mas que o ban-
queiro andara sempre a adiar o pagamento] (…) Ele
fez-me esse pedido e foi assim que foi.”
RT: “Então, vamos lá ver, os termos desse pedido (…)
ficou com a ideia que era o Carlos Santos Silva?”
HB: “Ele perguntou-me se conhecia o Carlos Santos
Silva e que era para entregar ao Carlos Santos Silva,
exactamente.”
RT: “Sem lhe dar detalhes para o que é que era?”
HB: “Não me deu detalhe nenhum, nem eu lhe per-
guntei. Na altura, como deve saber, eram coisas que
não se perguntavam ao dr. Ricardo Salgado, não é? Ele
pedia-me, eu devia-lhe favores, o maior de todos era
apoiar-me na Escom, o segundo era se ele cumpria e
me pagava as minhas compensações pelo que eu tinha
feito [no BESA].”
BATAGLIA RT: “E, logo nessa altura, ele deu-lhe alguma ideia
DIZ QUE dos montantes que estariam ali em causa ou se eram
NUNCA PER- uma sucessão de operações ao longo do tempo?”
GUNTOU A HB: “Ele disse que ia fazer umas operações até um
SALGADO montante de 12 milhões de dólares.”
PARA QUE Paulo Silva: “A questão dos dólares é porque está ha-
ERAM OS bituado em Angola ou…”
12 MILHÕES HB: “Estou habituado aos dólares em Angola, foram
ENVIADOS euros, não é? [Gargalhada]. Peço desculpa.”
A SANTOS RT: “Em termos dessa operação, isso ia aparecer nas
SILVA suas contas. Obviamente, o dr. Ricardo Salgado co- Q
29
 Destaque

Ele dizia-me: “vamos fazer

Q nhecia as suas contas, mas nessa conversa disse-
-lhe: ‘utiliza esta ou aquela conta’” agora uma transferência,
(…)
HB: “Os detalhes eram os seguintes: eu vinha cá a qual é a conta?”, eu dava
Lisboa, ia ter com ele no 15º andar, sentávamos na-
quela salinha pequenina, não sei se o sr. procurador a
conhece no banco [antiga sede do BES, em Lisboa]?”
a conta e era, pronto, assim
RT: “Sim.”
HB: “Ele dizia-me: ‘vamos fazer agora uma transfe-
que fazíamos
rência, qual é a conta’, eu dava a conta e era, pronto, HÉLDER BATAGLIA SOBRE ENCONTRO COM RICARDO SALGADO
assim que fazíamos.”

OS ENCONTROS NAS AMOREIRAS

COM SANTOS SILVA
O procurador Rosário Teixeira quis depois saber mais
pormenores sobre o destino desse dinheiro e passou a
descrever várias movimentações ocorridas em 2008
para as contas bancárias de entidades offshore alega-
damente controladas por Carlos Santos Silva e pelo
empresário Joaquim Barroca, um dos donos do Grupo
Lena. Mas também quis saber como Bataglia tinha
chegado a Carlos Santos Silva.
HB: “(…) ele [Salgado] sabia da minha relação com o
José Paulo [Pinto de Sousa, primo de José Sócrates], per-
guntou se eu conhecia o Carlos Santos Silva, eu disse
que sim, conheço e, portanto, na prática, o que fiz a se-
guir foi telefonar, na primeira vez, ao José Paulo para ver
se combinava uma reunião com o Carlos Santos Silva
porque precisava de falar com ele. Depois, disse-lhe que
o dr. Ricardo Salgado tinha dado esta disponibilidade e
o que é que queria que eu fizesse. Ele deu-me um pape-
linho com umas contas, uma ou duas, não me recordo
agora. Eu guardava o papelinho, chegava a Luan-
da, telefonava ao Canals [Michel Canals,
gestor da UBS e depois sócio de Bata-
glia e Álvaro Sobrinho na gestora de
fortunas suíça Akoya] e dizia-lhe:
‘Preciso de fazer uma transferência
para as contas x, y e z.’ Ele dizia, ‘sim
senhor, vou fazer, está feita e depois,
quando estivermos juntos, assinas’.
Era recorrente com o Canals, traba-
lhávamos muito ao telefone e de-
pois, quando nos encontrávamos
em Lisboa, na Suíça ou em Angola
– ele também lá ia às vezes (…) –
assinava depois tudo. Era assim
que as coisas eram feitas.”
O magistrado Rosário Teixeira
insistiu no tema, quis saber como é
que foram indicadas as contas de
destino e se o primo de Sócrates ti-
nha participado em algum encontro
com Bataglia.
Hélder Bataglia: “O José Paulo
não esteve presente. O Carlos San-
tos Silva foi ter comigo, salvo erro, ao
meu escritório. Encontrámo-nos duas
ou três vezes por esses assuntos.”
Paulo Silva: “O escritório, onde?”
HB: “É nas Amoreiras. Eu dizia-lhe o que era, que ti-
nha a instrução do Ricardo Salgado, ele dava-me a
i conta e eu, quando chegava a Luanda, telefonava ao
O procurador Canals (…)”
Rosário Teixeira
abriu a Operação PS: “Porque é que não fazia a chamada daqui [Lis-
Marquês em 2013 e boa], desculpe lá a minha…”
a acusação deverá HB: “Era um detalhe, [pausa] estar a fazer a chamada
sair em Março
próximo das Amoreiras a dizer ‘transfere lá 2 milhões [risos] e 4
milhões’, está a ver...”
PS: “É melhor ter cautela, não é isso?”
HB: “Eu fazia sempre de Luanda essas coisas (…) che-
gava a Luanda e [pausa] tranquilo…”
RT: “(…) Não houve outros pedidos de Ricardo Sal-
gado por causa de operações deste tipo?”
HB: “Não, foi só esta. Este conjunto de operações
que ele pediu e que foram implementadas.”
RT: “Isso não o deixava, pelo menos, desconfortável?”
HB: “Vou-lhe dizer: em 2008, o dr. Ricardo Salga-
do pedir-me uma coisa dessas, para mim,
era um favor que lhe estava a fazer (…) E
não se dizia não ao dr. Ricardo Salgado
naquela altura, como deve saber.”
RT: “Pois.”
HB: “(…) dizer não, não posso (…) e
não achei que fosse uma coisa tão
complicada, na altura.”
A UBS E O AMIGO
MICHEL CANALS
O interrogatório continuou, Ba-
taglia foi bebendo cada vez mais
água e respondeu a tudo. Mes-
mo quando
a conversa ficou concentrada
durante muito tempo nas mes-
mas personagens.
Paulo Silva: “Para si, quem era
o engº Carlos Santos Silva?”
Hélder Bataglia: “Para mim,
era o administrador do Grupo
Lena. O grande promotor do
Grupo Lena no estrangeiro, era
assim que o José Paulo me falava
dele (…) para mim, o Carlos Santos
Silva era o homem do Grupo Lena.”

30

(…)
PS: “Como é que isto cruza com o dr. Ricardo Salga-
do?”
HB: “Não sei, é uma questão que tem de lhe pergun-
tar. Ele pediu-me concretamente aquelas operações,
para entregar àquela pessoa e foi isso que eu fiz. Não
perguntei, como deve imaginar, ao engº Carlos Santos
Silva porque é que estava a fazer aquelas transferên-
cias, isso ia pôr em causa o Salgado (…).”
O inspector tributário responsável pela Operação
Marquês perguntou então porque é que Ricardo Salga-
do não fez directamente as transferências bancárias e
se Bataglia não estranhou que o tivesse usado como
intermediário. O empresário respondeu: “(…) Mas foi
assim que ele optou e eu disse sim.” Atento, o procura-
dor deu-lhe de imediato uma outra hipótese de res-
posta: “Porque havia mais facilidades em justificar pa-
gamentos feitos assim, eventualmente?”
Hélder Bataglia: “Eventualmente, francamente não
sei. (…) Acho que nestas coisas não devemos interpelar
nem uma parte nem a outra. Cumpri instruções.”
Paulo Silva voltou à carga, questionou Bataglia sobre
se nunca desconfiou de nada, deu a entender que
achava estranho que ele não ponderasse o risco que
correra ao intermediar aquelas transferências e anun-
ciou que ia especular de seguida. Com a sua pronúncia
nortenha, saiu-lhe um exemplo um pouco deslocado:
“(...) o dr. Ricardo Salgado lembrou-se que queria ma-
tar uma pessoa qualquer, contratou o engº Carlos San-
tos Silva então, ‘pega lá, vai estes 15 milhões de euros
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
j para matar uma pessoa’ e, pelo caminho, o senhor era
Para o Ministério o intermediário.”
Público, o
empresário Carlos Hélder Bataglia: “Acho que é um exemplo exagera-
Santos Silva é o do. O dr. Ricardo Salgado, em 2008; ninguém em Por-
segundo testa-de- tugal imaginava que contratasse alguém para matar.”
-ferro de Sócrates
O inspector ainda tentou corrigir, dizendo que podia
ser outro episódio, mas Bataglia foi peremptório: “(…)
Não interpelei o dr. Ricardo Salgado e implementei as
instruções que ele tinha pedido. Isso é que é um facto.”
O advogado Rui Patrício entrou na conversa, como
fez de quando em vez durante todo o interrogatório,
sobretudo para clarificar respostas do cliente ou per-
guntas algo confusas dos investigadores: “Sabia que as
contas de destino também eram da UBS?”
Hélder Bataglia: “Eram da UBS e vim depois a des-
cobrir que eram geridas também pelo Canals.”
Rosário Teixeira: “Não tinham o nome da pessoa
que era titular da conta?”
HB: “Não, só tinham o número da conta (…) e o nome
de uma sociedade, salvo erro. Já não me recordo se ti-
nha isso…”
RT: “Não, eram contas numéricas.”
HB: “Então, deu-me o número das contas.”
Os investigadores quiseram depois perceber se Bata-
glia soubera na altura que na realidade fizera transfe-
rências para as contas de Joaquim Barroca no banco
suíço UBS, e não para Carlos Santos Silva. Ele disse
que não, que só soube muito mais tarde. Rosário Tei-
xeira perguntou-lhe se tinha sido depois da detenção
de Carlos Santos Silva ou de Barroca (respectivamente,
g no fim de 2014 e em 2015), mas o empresário disse-lhe
Foi o gestor que fora antes (sem concretizar datas) e pela boca de
Michel Canals
que tratou na Santos Silva. Uma situação estranha pois em várias da-
Suíça das transfe- quelas ordens de transferências financeiras, com datas
rências de Hélder de 2009, tratadas por Canals e assinadas por Bataglia,
Bataglia para
Santos Silva e já aparecia identificado um tal de “Joaquim Rodrigues”
Joaquim Barroca (Barroca). No interrogatório, o MP mostrou-lhe os do-
cumentos, mas Bataglia garantiu que não se lembrava
daquilo. E sublinhou que Barroca só lhe foi apresenta-
do em 2014, alguns meses antes da detenção de José
Sócrates.
Depois, Rosário Teixeira quis saber porque é que ti-
nham mudado as contas de destino durante as seis
operações suspeitas e com origem na ES Entreprise e a
intermediação de Bataglia. O empresário disse que a
decisão final fora sempre de Carlos Santos Silva com
quem se encontrava sempre antes das operações de
transferência. E revelou que, além dos encontros no
escritório, também o fez algumas vezes na recepção
do Hotel D. Pedro, igualmente junto às Amoreiras. “Ele
[Santos Silva] dizia-me ao telefone: ‘Preciso falar con-
HÉLDER sigo.’ E encontrávamo-nos. (…) os encontros nunca fo-
BATAGLIA ram além dos 10 minutos, porque tínhamos muito
GARANTIU pouco o que falar um com o outro.”
QUE SÓ Rosário Teixeira: “Nestas operações, recebe 15 mi-
EM 2014 lhões de euros, transfere para a dita conta do Joaquim
CONHECEU Barroca 12 milhões de euros e o remanescente entrou
JOAQUIM por conta daquilo que achava que tinha direito?”
BARROCA Hélder Bataglia: “Exactamente, com alguma luta
[risos].” Q
31
 Destaque

Q RT: “Mas isso foi também falado com o dr. Ricardo

Salgado?”
HB: “Sempre, com o dr. Ricardo Salgado.”
(…)
Ana Catalão: “Posso fazer uma perguntinha? Há uma
transferência de 5 milhões para a sua conta da
Monkway [offshore]. O sr. Hélder não fazia logo a
transferência para a conta que lhe era indicada do va-
lor correcto. Dividia aquilo por parcelas por indicação
de alguém?”
HB: “Não, porque decidia que devia fazer conforme o
tempo, o timing, a minha disponibilidade...”
Paulo Silva: Se acabava de receber os 5 milhões de
Ricardo Salgado porque não entregava os 5 milhões ao
engº Carlos Santos Silva?”
HB: “Porque entregava o que eu achava que devia g nenhum envolvimento seu?”
entregar na altura e depois a outra parte.” José Sócrates HB: “Zero envolvimento.”
tem-se queixado
RT: “Era o Carlos Santos Silva que lhe pedia assim?” de perseguição RT: “Nem mesmo ao nível da Escom nem do BESA?”
HB: “Não me recordo, mas no banco UBS não gosta- pelo Ministério HB: “Não, não houve nada.”
vam de fazer operações back to back, isto é, receber Público PS: “Mas sabia de interesses que o sr. engº Carlos
num dia e passar tudo no mesmo dia, era considerado Santos Silva tinha em Angola?”!
uma coisa complicada. (…) E, portanto, o que eu fazia HB: “Sabia, porque ele dizia-me que ia lá, mas nunca
era dividir essas coisas para não pensarem que eu era o vi lá. Ele dizia-me que ia também muito à Venezuela
ali um correio [risos]. Está a ver o problema?” e à Argélia (…). Sabia do grande sucesso que ele estava
a ter na Venezuela, mas nunca tive nada a ver com o
A FAMÍLIA PINTO DE SOUSA E SÓCRATES Grupo Lena.”
Durante o interrogatório, as relações e os negócios de RT: “Relativamente ao José Paulo, houve negócios (…)
Hélder Bataglia com a família Pinto de Sousa, com José que tinha feito com José Paulo e família. Eles tinham
Sócrates, Ricardo Salgado e Carlos Santos Silva foram para lá uns terrenos, daquilo que se recorda, como é
um dos temas mais recorrentes, porque os investiga- que surge o primeiro negócio?”
dores pareciam já estar convencidos de que o antigo HB: “A relação com o José Paulo é muito mais tarde e
primeiro-ministro socialista terá sido corrompido com é com a Escom, não comigo, quando a família, e não
o auxílio de dois testas-de-ferro: o primo José Paulo ele, vende o terreno das Salinas da Belavista [Salinas
Bernardo e o amigo Santos Silva. do Chamune, em Angola]. Começa por vender 70%,
Rosário Teixeira: “Como é que ele [Carlos Santos Sil- salvo erro, porque queríamos investir no sector imobi-
va] aparece na sua vida? É em termos dos negócios da liário. Em Angola, entre 2004 e 2008, foram quatro ou
Escom e do BESA ou pela via de uma relação familiar?” cinco anos de perfeita loucura no sector imobiliário.
Hélder Bataglia: “O engº Carlos Silva é-me apresen- Eu pessoalmente comprei alguns terrenos já urbaniza-
tado pelo Zé Paulo, não tinha qualquer relação de ne- dos em Luanda Sul, em Talatona, por 85 dólares o me-
gócios, de trabalho com ele. Conheci-o porque, como tro quadrado, que depois se vendiam a 700/650 dóla-
sabem também, tenho uma filha com uma prima do res, quase 10 vezes.”
engº José Sócrates, portanto, eles eram muito amigos, O arguido Hélder Bataglia perdeu-se de seguida nos
o Carlos Santos Silva e o José Paulo Pinto de Sousa.”
(…)
O procurador insistiu:
RT: “Terá sido José Paulo que lhe introduziu o Carlos
Santos Silva?”
HB: “Introduziu, hum, hum...”
O eng.º Carlos Silva é-me
Paulo Silva: “Tem uma ideia em que anos é que isso
foi?
apresentado pelo Zé
HB: “Não sei, por volta de 2000 ou 2002, franca-
mente não tenho presente.”
Paulo, eu não tinha
RT: “Por volta do nascimento da sua filha?”
HB: “Sim, ela nasceu em 1999 e acho que foi a partir qualquer relação de
desse momento que comecei a frequentar mais a casa
do tio, do pai de José Paulo, às vezes encontrava-o
[Santos Silva], mas nunca tive uma relação, social nem
negócios com ele
nada, porque não tinha nada a ver com ele.” HÉLDER BATAGLIA
RT: “Portanto, em termos de negócios, não houve

32

enquadramentos históricos, mas voltou depois à famí-
lia de Sócrates e ao negócio imobiliário das salinas.
Disse que a Escom chegou a fazer um projecto imobi-
liário para o local, que demorou a ser aprovado pelas
autoridades de Angola. O terreno já urbanizado teria
um valor potencial de 122 milhões de dólares, segundo
os estudos citados pelo empresário. Mas o procurador
interrompeu-o: “No estado em que aquilo se encontra-
va não era esse o valor.”
HB: “Não, era 14/15 milhões, mas com o projecto
aprovado valia 122 milhões. A área era tão boa que a
Mota e Companhia [actual Mota-Engil] comprou nou-
tro sítio, por trás, por muito mais dinheiro.”
PS: “Houve algum adiantamento para esse negócio?”
HB: “Não me recordo, francamente. Mas normal-
mente há sempre, não é? Deve ter havido dois ou três
milhões de dólares de adiantamento, em 2008.”
PS: “Quando é que adquirem os restantes 30%?”
HB: “Mais tarde, talvez um ano depois, em 2009.
Quando senti que aquilo era uma coisa muito interes-
sante, propus comprar os restantes 30%, mas não que-
riam vender. Por incrível que pareça, foi a irmã, que,
enfim, é a mãe da minha filha, que mais se opôs, por-
que era uma coisa do pai. Eles são muito ligados a
Benguela, mas lá reuniram e adquirimos o terreno.”
PS: “Para si, comprar os restantes 30% e pagá-los em
2013 é completamente impossível?”
HB: “O quê? Em 2013, os restantes 30%? Não sei,
agora tinha de verificar. São tantos os negócios, tantas
as operações, que eu não me lembro (…) normalmente,
não demora tantos anos a pagar.”
(...)
PS: “Sobre essa relação com a família Pinto de
Sousa, depois teve uma filha com Maria Filome-
na, (...) como é que a conheceu? [Conheceu] Pri-
meiro o José Paulo ou a Maria Filomena?”
Hélder contou que o pai era muito amigo do
pai de José Paulo e de Maria Filomena, em An-
gola. Que tinha conhecido desde sempre a fa-
mília Pinto de Sousa, que se lembrava de “an-
dar com José Paulo ao colo” e de estar muitas
vezes em casa deles. “Conhecia a Maria Filo-
mena desde pequenina. Passava lá a vida em
casa porque a mãe era uma cozinheira ex-
traordinária e eu adorava ir lá a casa e que
me convidassem para almoçar.”
Paulo Silva: “E já nessa altura também
estava lá a mãe do sr. engº José Só-
crates, não era?”
Hélder Bataglia: “Nunca a vi,
não me lembro desse detalhe.
Talvez, mas não me lembro.”
Depois, a conversa chegou a
tempos bem mais próximos,
às dificuldades sentidas pela
família Pinto de Sousa em An-
gola e em Lisboa, especial-
mente por José Paulo. Bataglia
contou que o amigo lhe foi pedindo muito dinhei-
2 MARÇO 2017
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NO INTER- ro e que ele lhe emprestou “por várias vezes, cerca de
ROGATÓRIO, 7,5 ou 8 milhões de dólares”. Que deu instruções ao
HÉLDER banco suíço UBS para transferir o dinheiro para uma
BATAGLIA conta de José Paulo também na Suíça e que a dívida só
NUNCA teria começado a ser paga em 2013 quando José Paulo
DISSE QUE lhe ofereceu sociedade num negócio que estava a
O DINHEIRO montar numas outras salinas que a família Pinto de
DO BES ERA Sousa tinha em Angola. A família de Sócrates entrava
PARA com o terreno e o projecto para produzir 100 mil tone-
SÓCRATES ladas de sal por ano (Angola é importadora de sal) e
Bataglia via abatidos 4 milhões da dívida: ficava com
50% da nova empresa. Bataglia disse que mais tarde
José Paulo lhe pagou quase tudo o que lhe devia.
“Hoje, deve-me muito pouco”, disse ainda na manhã
do interrogatório de Janeiro passado.
(…)
i Rosário Teixeira: “Emprestou-lhe sem qualquer ga-
O inspector rantia?”
tributário Paulo
Silva decidiu Hélder Bataglia: “Sim, Sim.”
interromper as RT: “E sem nada escrito também?”
escutas a Ricardo HB: “Para mim, é como se fosse família, não ia fazer
Salgado no caso
Monte Branco um contrato com ele.”
por falta de meios Paulo Silva: “Mas disse-nos que eram 8 milhões.”
HB: “Sim, não fiz…”
PS: “Não é propriamente uma quantia…”
HB: “Mas veio a revelar-se que eu tinha razão porque
no fundo recebi praticamente a quantia toda. Pratica-
mente. E tenho outros contratos que fiz e não recebi os
fundos e tenho ainda hoje litígios em tribunal.”
(…)
RT: “Tinha alguma razão ou percepção que esses
pagamentos e essas responsabilidades [de José
Paulo] tinham a ver com Carlos Santos Silva?”
HB: “Nenhuma. ”
(…)
RT: “E se eu lhe disser que boa parte desses 8
milhões de dólares, que passaram para a conta
da Gunter [offshore controlada por José Paulo]
estiveram em aplicações financeiras e andaram lá
naquelas brincadeiras que os suíços fazem com o
dinheiro tão bem como ninguém? Portanto, apa-
rentemente não era para pagar a ninguém.”
HB: “Sr. procurador, não foi isso que ele me dis-
se. Eu cumpri com aquilo que ele me pediu (…).”
RT: “(…) a tal grande urgência, necessidade, que
lhe foi invocada, o dinheiro esteve investido em
aplicações financeiras.”
HB: “É uma coisa que eu desconhecia completa-
mente. Ele pediu-me o dinheiro, eu emprestei-lhe o
dinheiro e não lhe pedi explicações para que era o
dinheiro (…)”
(…)
PS: “Sabia da proximidade do Carlos Santos Silva
com o engº José Sócrates.”
HB: “Sim, o Zé Paulo dizia-me que eles eram ami-
gos de infância.”
PS: “E o sr. Hélder, como conheceu o engº José
Sócrates?”
HB: “Por via familiar, em casa do Zé Paulo, há Q
33
 Destaque

Q alguns anos. Depois nunca mais o vi, depois vi-o h

outra vez quando ele estava no governo do engº Gu- As torres Escom ,
em Luanda,
terres. Via-o em festas familiares. A minha filha [sobri- foram um dos
nha de Sócrates] gostava muito dele, tinha 10 anos negócios mais
mas dizia-lhe algumas coisas e ele gostava muito de emblemáticos da
Escom e do Grupo
contra-argumentar [gargalhada].” Espírito Santo
PS: “Foi convidado para o lançamento do livro [A
Confiança no Mundo, apresentado em 2013] do engº
José Sócrates?”
HB: “Não. Nem no primeiro nem no segundo. Eu não
tinha uma grande relação com ele. Ele gostava muito
da minha filha Maria e ela dele.”
PS: “É verdade que o senhor apresentou o engº Só-
crates a Ricardo Salgado?”
HB: “É possível, mas não me recordo. Nem o dr. Ri-
cardo Salgado precisava de...”
PS: “(...) Nessa altura talvez não...”
HB: “[Gargalhada] Pois...”
RT: “Não é que o dr. Ricardo Salgado precisasse de si
para conhecer José Sócrates, mas ele é que podia pre-
Da sua experiência na
cisar de si para nessa altura conhecer o dr. Salgado.”
HB: “Francamente não me recordo.”
área imobiliária, faz algum
RT: “Nessas conversas que teve com Ricardo Salgado
alguma vez ele lhe falou da PT estar por detrás destes sentido este negócio em
pagamentos?”
HB: “Nunca me falou da PT.” que a CGD entra com
O NEGÓCIO DE VALE DO LOBO
E ARMANDO VARA
97,5% dos capitais e fica só
Rosário Teixeira: “Vamos avançar para um novo
tema: Vale do Lobo. Só para nos situar, como é que
com 25% do capital de
surgiu esta oportunidade de negócio?”
Hélder Bataglia: “Foi o Luís Horta e Costa [alto qua-
Vale do Lobo?
dro do BESI] que falou comigo, como fazia aliás com
ROSÁRIO TEIXEIRA PARA BATAGLIA
todos os projectos que tinha. Disse-me que estava a
tentar desenvolver um projecto com o irmão e com o
Diogo Gaspar Ferreira e que, portanto, era um projecto
interessante, que havia um holandês que queria voltar HB: “Não sei, naturalmente pediram um empréstimo
à Holanda e queria vender aquilo.” à CGD.”
RT: “Já conhecia Diogo Gaspar Ferreira?” (…)
HB: “Não, não conhecia. Eu disse-lhe que sim, per- RT: “Mesmo naquela altura louca antes do Lehman
guntei porque é que ele não convidava também o Pe- Brothers, um investimento de 1,2 milhões de um accio-
dro [Pedro Neto, então administrador da Escom], que nista privado num investimento de 230 milhões não é
está aqui a trabalhar connosco, e nós entrámos no ne- um capital pequenino?”
gócio de Vale do Lobo. A sociedade teve de se finan- HB: “Sim, é pequenino, estou de acordo com o se-
ciar para fazer a aquisição, para comprar a participa- nhor procurador.”
ção do senhor holandês.” RT: “Foi, portanto, uma boa oportunidade. Com 1,2
RT: “A vossa ideia, havia noção de que era um gran- milhões ficarem com o controlo de um empreendi-
de esforço financeiro?” mento como Vale do Lobo…”
HB: “Sim, não me recordo ao certo quanto era. Mas HB: “(…) Mas naquela altura a intenção era que accio-
metemos lá alguns recursos.” nistas portugueses ficassem com activos estratégicos
RT: “Dado o que pudemos perceber, cada um de vós “NÃO TINHA para Portugal. Era o discurso que havia no momento. E
colocou 1,2 milhões.” GRANDE eu acho que muitas vezes as instituições financeiras
HB: “Talvez, senhor doutor, talvez.” RELAÇÃO não investem só porque há capitais próprios, investem
RT: “Para um investimento de 230 milhões não é mui- COM SÓCRA- porque acreditam em quem as vai gerir. Projectos
to significativo. Como se diz na gíria, havia um levera- TES. ELE como Vale do Lobo são estratégicos, são específicos e
ged buyout, ou seja, o empreendimento devia gerar ren- GOSTAVA DA têm as suas peculiaridades, não interessa os capitais
dimento para se pagar a ele próprio. (...) Como é que MINHA FILHA próprios, interessa como eles são geridos. Acho que
surge a Caixa Geral de Depósitos (CGD) a financiar isto?” E ELA DELE” esse foi o principal princípio. Acho.”

34

RT: “Da sua experiência na área imobiliária e até
bancária com o BESA, faz algum sentido este negócio
em que a Caixa entra com 97,5% dos capitais e fica só
com 25% do capital?”
HB: “(…) Terão tentado mudar nessa altura do para-
digma dos capitais próprios para o paradigma da com-
petência. E eu, francamente, se fosse gestor da CGD e
me aparecesse um senhor aqui do lado que nunca ti-
vesse visto um projecto turístico e dissesse que tinha
50% dos capitais próprios, eu preferiria investir em
quem tem créditos firmados. O problema do malpara-
do ia surgir mais tarde ou mais cedo. Era a minha aná-
lise da situação.”
(…)
RT: “Tem a noção que pouco depois de terem adqui-
rido Vale do Lobo houve uma nova necessidade e fi-
nanciamento para adquirir uns terrenos que ali estavam
perto, que era o chamado Vale de Santo António?”
HB: “Tenho, sim. Lembro-me de terem falado nisso.”
RT: “Quem é que lhe falou nisso?”
(…)
HB: “Acho que foi o Luís [Horta e Costa]. Da primeira
vez que fui a Vale do Lobo, disseram-me que era a
expansão natural de Vale do Lobo, que era um grande
negócio.”
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“É POSSÍVEL RT: “Sabia que esses terrenos pertenciam a uma socie-
QUE TENHA dade de que era sócio o próprio Diogo Gaspar Ferreira?”
APRESEN- HB: “Não, estou a ouvir isso hoje pela primeira vez.”
TADO RT: “E que ele ganhou, entre entradas e saídas, quase
SÓCRATES 1 milhão de euros?”
A SALGADO” HB: “Não, sr. procurador. Estou a ouvir isso pela pri-
meira vez. Eu não sabia.”
RT: “E sabe que a compra dos terrenos de Vale de
Santo António ficou no financiamento? E pela vossa
cabeça não passava a ideia de reforçar capitais
próprios?”
HB: “Não passava porque não havia. Eu ainda tinha
alguns, mas eles não. Mas não estava disposto a entrar
num negócio sozinho, que eu não conhecia, não con-
trolava. Aliás, eles ainda tentaram, mas não.”
(…)
RT: “O que está aqui em causa é que, numa determi-
nada altura, houve um pagamento de uma venda de
lotes de Vale do Lobo em que aparentemente terá tido
algumas fracções do preço que foram desviadas para
umas contas na Suíça, curiosamente, para a mesma
conta que o Carlos Santos Silva lhe indicou para rece-
ber os pagamentos.”
HB: “Ai, é? Olhe, isso, sr. dr., estou completamente
fora desse assunto. Desconheço.”
(…)
RT: “(…) Às tantas, há um cidadão holandês que com-
pra um dito lote, como sabe lá em baixo havia a com-
pra do lote e a necessidade de construir por [parte da
empresa] Vale do Lobo. [Depois disso] É exigida uma
compensação e a compensação, por não construir
com a empresa de Vale do Lobo, é paga para uma
conta da Suíça. E curiosamente para a mesma conta
do sr. Joaquim Barroca, para onde o sr. Hélder tinha
feito aquelas transferências.”
HB: “Ah, pois… Isso é uma grande coincidência. Não
sabia… Não conheço o holandês, nunca o vi. Eu soube
i disto tudo pelos jornais, sabem? (…) Agora acabo de
A CGD investiu constatar esta do Vale de Santo António, que não sou-
230 milhões de
euros no projecto be pelos jornais, soube aqui pelo sr. doutor [risos].
imobiliário de Agradeço [risos].”
Vale do Lobo (…)
RT: “Sobre a escolha de CGD, não a sugeriu a nin-
guém?”
HB: “O sr. Luís Horta e Costa conhece todos os admi-
nistradores da Caixa, todos do BCP, etc.”
RT: “O sr. Hélder também conhece…”
HB: “Sim, alguns, mas não como ele.”
RT: “Conheceu o dr. Armando Vara.”
HB: “Sim, há uns anos conheci o dr. Armando Vara.
(…) Não me recordo de quando o conheci. Estive com
ele muito pouco, não tinha com ele qualquer relação.
Só tive relações com o dr. Armando Vara quando ele
foi trabalhar para a empresa brasileira que geria coisas
em Angola e Moçambique, a Camargo Corrêa.”
(…)
RT: “Foi apresentado, talvez pelo eng. José Sócrates?”
HB: “Não, nunca me foi apresentado pelo engº José
Sócrates. Acho que ele nunca me apresentou ninguém,
devo dizer. Não tínhamos essa proximidade (…). W
35
 Destaque

NUNCANAMINHA
VIDAPENSEIQUE
ISTOPUDESSE
ACONTECER

D
De fato escuro, pulôver amarelo e gravata castanha, Ri-
cardo Salgado parecia desconfortável na cadeira sim-
ples, quase rudimentar, que lhe destinaram na sala 2 do
Departamento Central de Investigação e Acção Penal
(DCIAP). A seu lado, para o assessorarem, estavam os
advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano
Squilacce. E à sua frente, para o interrogarem, encontra-
va-se a dupla mais falada da justiça portuguesa: o pro-
curador Rosário Teixeira e o inspector tributário Paulo
Silva, que desde Setembro de 2013 investigam, no âmbi-
to da Operação Marquês, suspeitas de corrupção ao ex-
-primeiro-ministro José Sócrates.
Depois de milhares de horas de escutas telefónicas, de
dezenas de vigilâncias, cartas rogatórias, buscas e inter-
mináveis interrogatórios, o caso encaminha-se para o
fim. E, acreditam os investigadores, tudo é agora mais
claro do que no início, porque o corruptor já tem um
nome – e encontra-se mesmo ali sentado a cerca de um
metro de distância. Chegara a hora de lhe dizerem por-
que o chamaram.
Rosário Teixeira passou 31 longos minutos a ler a indi-
ciação contra Salgado. Há fundamentalmente duas
rão sido utilizados por Ricardo Salgado esquemas finan-
ceiros – em que o empresário luso-angolano Hélder Ba-
taglia terá desempenhado um papel nuclear – para fazer
chegar discretamente a totalidade de 22 milhões de euros
a José Sócrates.
Em conclusão, Ricardo Salgado é suspeito de vários cri-
mes: abuso de confiança, corrupção activa, branquea-
mento de capitais e fraude fiscal qualificada. Mas, subli-
grandes frentes de batalha: a OPA falhada da Sonae à nhou Rosário Teixeira, o caso não está fechado: “Obvia-
Portugal Telecom (PT), em que o Ministério Público sus- mente que estes factos não são uma posição definitiva no
peita que Sócrates terá sido pago pelo BES para bloquear processo. São, digamos assim, um tema de conversa ou a
as intenções de Belmiro de Azevedo, favorecendo as “A ÚLTIMA diligência deste interrogatório (…) Seria útil a colaboração
pretensões de Ricardo Salgado. E há a venda da opera- VEZ QUE do senhor doutor no sentido de esclarecer a razão de ser
dora de telecomunicações Vivo à Telefónica e a poste- ESTIVE dos respectivos factos.”
rior entrada da PT no capital da operadora brasileira Oi, COM JOSÉ Ricardo Salgado ficou em choque. Tirou vários aponta-
em que, uma vez mais, os investigadores estão conven- SÓCRATES mentos numa folha de papel enquanto Rosário lia a indi-
cidos de que Sócrates foi subornado por Salgado. FOI EM ciação. Com os cotovelos assentes na mesa e as mãos en-
Para justificar os indícios em causa, Rosário Teixeira ar- ABRIL DE trelaçadas junto à boca, não escondeu o seu desalento.
gumentou com depoimentos, buscas e informações de 2011, ANTES “Senhor procurador, devo dizer que estou profundamente
cartas rogatórias que comprovarão, por exemplo, que te- DA TROIKA” chocado, profundissimamente chocado com tudo isto.

36

RICARDO SALGADO
Nunca vi tanta mentira junta. Peço desculpa por o estar
a afirmar, mas julgo que o senhor procurador já me co-
nhece há algum tempo e sabe que nunca deixei de res-
ponder às questões, mesmo quando estava com a facul-
dade de o poder fazer. Eu vou argumentar na medida do
meu conhecimento, uma vez que se trata de operações
que já vêm de longa data. Acredito que estou em condi-
ções de reverter a totalidade das acusações que estão
aqui implícitas.”
Depois de um pequeno intervalo em que os advogados
2 MARÇO 2017
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“ACREDITO aproveitaram para conferenciar com Ricardo Salgado, os
QUE ESTOU trabalhos foram retomados. Os temas abordados foram
EM CONDI- muitos, quase todos na perspectiva das relações alegada-
ÇÕES DE mente suspeitas que Ricardo Salgado foi estabelecendo
REVERTER com algumas das figuras mais poderosas da política e da
A TOTALI- economia portuguesa, nomeadamente desde a OPA fa-
DADE DAS lhada de Belmiro de Azevedo à PT, consumada em 2007.
ACUSAÇÕES”
JOSÉ SÓCRATES NUNCA FOI ÍNTIMO
O líder histórico do BES quis deixar desde logo bem claro
perante Rosário Teixeira que entre ele e José Sócrates
nunca existiu uma relação de promiscuidade. “Não são
verdadeiras as afirmações de qualquer tipo de relação de
influência do primeiro-ministro da altura, engenheiro José
Sócrates, em relação a qualquer operação que fosse. Nun-
ca falei com o José Sócrates sobre a história da PT, sequer.
E muito menos entregar valores a um primeiro-ministro,
portanto, subornos, directa ou indirectamente, por qual-
quer outra forma.”
Rosário Teixeira: “Conhecia-o antes das suas funções
como primeiro-ministro?”
Ricardo Salgado: “Não. Julgo que terei tido, eventual-
mente, um encontro quando ele foi [ministro] do Ambien-
te, por causa de uma situação na Beira Baixa, onde tínha-
mos propriedades. Fora isso, as minhas relações com o
engº José Sócrates foram sempre institucionais. Aliás,
nunca tive relações íntimas com nenhum primeiro-minis-
tro ou Presidente.”
RT: “Já agora qual foi a última vez que esteve com ele?”
RS: “[Suspiro profundo] Ora, estamos em Abril, é a histó-
ria da troika, que vai entrar em Portugal a seguir, e o engº
José Sócrates sai logo a seguir, não é? Abril de 2011. Nunca
mais estive com ele. E acredito que ele tenha ficado torci-
do comigo e com os outros banqueiros que foram à tele-
visão dizer…”
RT: “O engenheiro nun-
ca foi à sua residência em
Cascais?”
RS: “Não me recordo.”
Sabendo que foi publi-
cada uma notícia pelo Correio da Manhã sobre um alega-
q do jantar entre o ex-primeiro-ministro e Salgado na casa
À defesa deste último, Adriano Squilacce recordou-o ao seu cliente.
Durante quatro Ricardo Salgado: “Não me lembro…”
horas, o ex-líder Rosário Teixeira: “De José Sócrates ter jantado na sua
do Banco Espíri- casa?”
to Santo respon- RS: “Não, não me lembro… [pausa] Pode ter ido quando
deu às suspeitas ele escreveu um livro, quando regressou de Paris e regres-
do Ministério sou de Paris (…) Não me recordo do jantar, recordo-me do
Público. Disse-se tal livro, que eu nunca li. E nunca tive intimidade nenhu-
“chocado” ma com o engenheiro José Sócrates (…) Eu estive contra o
com os indícios engenheiro Sócrates duas vezes: quando disse que a Vivo
apresentados tinha de ser vendida (e não foi com o objectivo de rece-
bermos dividendos) e a outra quando no dia 4 de Abril de
2011 fui à TVI e disse que era preciso chamar a troika. Fui
o segundo banqueiro a fazê-lo, logo a seguir ao Carlos
Santos Ferreira. Tivemos uma reunião prévia na sexta-
-feira anterior no Ministério das Finanças com o Fernando
Teixeira dos Santos, explicámos que não estávamos em Q
37
 Destaque
Q condições de continuar a comprar títulos de dívida pú-
blica e ele disse: ‘Não será por mim que o País vai à falên-
cia.’ E eu fiquei confortado.”
PARA ONDE FORAM OS MILHÕES
ENTREGUES A HÉLDER BATAGLIA?
Hélder Bataglia era o homem-forte do BES em Angola. Lí-
der da Escom, tinha acesso privilegiado aos corredores do
poder de Luanda. Foi ele o grande responsável pela ex-
pansão dos negócios do Grupo Espírito no país de José
Eduardo dos Santos, através de investimentos que vão do
imobiliário ao petróleo. Também foi Bataglia, que Ricardo
Salgado chega a apelidar, durante o interrogatório, de
one-man show, quem conseguiu a licença do BESA. Só
essa diligência ter-lhe-á valido um prémio de 3 milhões
atribuído por Salgado. Os fluxos financeiros entre o ex-lí-
der do BES e Bataglia estão sob escrutínio de Rosário Tei-
xeira e Paulo Silva, que consideram que uma parte subs-
tancial das transferências efectuadas para Hélder Bataglia
destinar-se-ia, na realidade, a José Sócrates. Confrontado
com as suspeitas do MP, Ricardo Salgado tentou explicar
as razões dos movimentos financeiros. E exprimiu a sua
surpresa por alegadamente o dinheiro que fizera chegar a
Bataglia ter ido parar a contas tituladas por figuras que ele,
segundo garantiu, mal conhece, como Joaquim Barroca,
do Grupo Lena, ou Carlos Santos Silva.
Ricardo Salgado: “Os pagamentos ao Hélder Bataglia
eram feitos com esta finalidade: obtenção de poços de pe-
tróleo (…) de repente, eu devo dizer-lhe que descobri, de-
pois do colapso [risos], que por trás das nossas costas se
estava a passar um filme de terror em que os recursos
eram desviados para outras finalidades. Eu nunca na mi-
nha vida pensei que isto pudesse acontecer.”
Rosário Teixeira: “Porque é que pagaram sem verificar
se isso tinha ido avante ou não?”
RS: “Porque é que pagámos? [Risos] A sua questão é
perfeitamente correcta. Nós estávamos convencidos de
que as coisas estavam a acontecer. (…) Só em 2009 come-
cei a ter um cheirinho que a coisa estava a complicar-se.
Só um cheirinho. Para nós, esses fundos estavam a ser
orientados para essas operações concretas.”
O tema Bataglia é visivelmente incómodo para o líder
do BES, que não esconde a sua animosidade em relação
ao seu ex-amigo e parceiro de tantos negócios.
Ricardo Salgado: “Não tenho dúvida nenhuma que fo-
mos completamente enganados em relação a duas coisas:
o banco [BESA] e a Escom. E que o Hélder Bataglia foi um
elemento determinante nisso.”
Outro ex-quadro do BES em Angola que não é poupado
quanto às responsabilidades pelo descalabro angolano é
Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BESA e, de acordo com
Salgado, cúmplice de Bataglia em quase tudo o que de
mau sucedeu com o banco.
Rosário Teixeira: “É verdade que, aquando da constitui-
ção do BESA, falou ao Hélder Bataglia que a Escom
podia entrar como accionista?”
Ricardo Salgado: “Isso não faz sentido ne-
nhum. É mentira. Nós tínhamos a área finan-
ceira separada da não financeira. A Escom não
38
“ÁLVARO
SOBRINHO
METEU A
CUNHADA À
FRENTE DO
CRÉDITO NO
BESA! NÃO
HAVIA
ACTAS!”
h
Sócrates e Salgado:
o Ministério Públi-
co acredita que o
banqueiro corrom-
peu o político.
Ambos negam
tinha capitais para entrar no BESA, era o contrário. O
Hélder Bataglia pedia constantemente financiamentos
ao BESA para apoiar o desenvolvimento imobiliário e foi
por isso que eu disse que ele estava em conflito de inte-
resses e que tinha de sair do Conselho de Administração
“POR TRÁS do BESA (…) Ele tinha uma posição de 2,5% no capital do
DAS NOSSAS BESA e acabou por vender a posição ao Álvaro Sobrinho
COSTAS por 60 milhões. 60 milhões!!! O Álvaro Sobrinho não ti-
ESTAVA A nha dinheiro para comprar aquilo [risos]! O BESA esteve
PASSAR-SE ao serviço do Álvaro Sobrinho e da família. Viemos a sa-
UM FILME DE ber depois que o Álvaro Sobrinho pôs a cunhada à frente
TERROR [EM da área do crédito. Quem dava o crédito era a cunhada!
ANGOLA]” Não havia actas! Quando lá fomos em Outubro e nos
deparámos com aquele programa de terror – que eu
aliás publicamente manifestei e que está na acta – ele
foi chamado à pedra pelo general Kopelipa e pelo Dino,
era uma coisa absolutamente inconcebível o que se ti-
nha passado dentro do BESA.”
i Paulo Silva: “Está convencido que o financiamento de
Ao denunciar Álvaro Sobrinho para comprar a Hélder Bataglia a posição
Ricardo Salgado,
Hélder Bataglia no BESA foi financiada pelo próprio BESA?”
tornou-se uma RS: “Tenho quase a certeza. Mas o Álvaro Sobrinho já
testemunha-chave se tinha servido muito bem... Ninguém sabe até hoje
para a investigação
como é que ele saiu com os recursos. Diziam que
saíam de mala...”
Rosário Teixeira e Paulo Silva preferiram deixar Álvaro
Sobrinho à margem da conversa. Queriam fundamental-
mente que o ex-banqueiro falasse de Hélder Bataglia e,
em particular, de um contrato que firmou com o gestor
luso-angolano em 2005, cujo pagamento final ocorreu
apenas em 2010. Só no âmbito desse acordo, foram pagos
a Bataglia cerca de 15 milhões de euros. Ricardo Salgado
garantiu que o dinheiro foi pago como forma de prémio
pelo suposto desenvolvimento dos negócios do grupo
em África, mas Rosário Teixeira não acredita, está
convencido de que na realidade o dinheiro esta-
va em trânsito para as mãos de José Sócrates.
Rosário Teixeira: “Em 2006 recorda-se se
 2 MARÇO 2017
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Não tenho dúvidas de

que fomos enganados em
duas coisas: o BESA
e a Escom. E que Bataglia
foi determinante nisso
RICARDO SALGADO

soubesse o que sei hoje não lhe tinha pago, não é?”
Paulo Silva: “E para isso foi feito algum contrato?”
RS: “Não sei. O senhor inspector é uma pessoa muito
cuidadosa e meticulosa mas peço-lhe que acredite que
não tinha tempo para a parte administrativa.”

UM MISTÉRIO CHAMADO ES ENTERPRISES

Nesta fase dos acontecimentos, Paulo Silva viu uma opor-
j tunidade para apanhar Ricardo Salgado em contradição.
Em 2007, Belmiro Estava na altura de falar na famosa Espírito Santo Enter-
de Azevedo lançou
uma OPA falhada à prises, o offshore montado pelo GES que, na opinião do
PT. O MP defende MP, serviu durante muitos anos como um enorme saco
que Sócrates azul destinado a fazer pagamentos ocultos a políticos e
interveio para
beneficiar o BES gestores alegadamente corruptos. Terá sido por lá que
passaram os dinheiros pagos a Bataglia.
Paulo Silva: “Conhece uma entidade chamada
Pinsong?”
Ricardo Salgado: “Sabe onde vi esse nome pela primei-
ra vez? No Expresso, nos Panama Papers. Eu não sabia,
depois soube que era um veículo criado pela [ES] Enter-
prises. E não sabia da Markwell e da Monkway [duas so-
ciedades offshore geridas pelo empresário luso-
-angolano].”
Rosário Teixeira: “Mas essas aí não estão na sua esfera,
são de Hélder Bataglia.”
PS: “Esses tais pagamentos foram estabelecidos nos
contratos entre a Pinsong e a Markwell precisamente para
cobrar esses valores.”
RS: “Valores que estavam relacionados com a conces-
são dos poços de petróleo. Mal sabíamos nós que esses
houve algum pagamento de success fee ao Hélder Bata- capitais estavam a circular por outro lado, porque os capi-
glia? Ele reclamou algum pagamento relacionado com a tais foram desviados. Vim a saber mais tarde que parece
sua intervenção na administração da Escom?” que os senhores me imputam a responsabilidade de ter
Ricardo Salgado: “Não me recordo. Sei que os paga- feito chegar dinheiro ao ex-primeiro-ministro Sócrates
mentos eram pela obtenção das licenças dos blocos de mas isto só pode ter sido feito pelo Hélder Bataglia, não
petróleo.” eu! Ele estava era a desviar recursos que deviam estar alo-
RT: “E eventualmente do BESA, que ele também cados àquela entidade.”
reivindica...” RT: “Vamos por partes. O senhor está-nos a dizer que
RS: “E do BESA. Acho que aí foram 3 milhões. Mas isso “SE não conhece a Pinsong.”
é a tal exigência que ele fazia porque não estando di- SOUBESSE RS: “Conheci no Expresso nos Panama Papers.”
rectamente a seu cargo o BESA, estando mais na área O QUE SEI RT: “Tem conhecimento da existência desses contratos
não financeira, o Hélder devido ao desenvolvimento HOJE NÃO entre a Pinsong e o senhor Hélder Bataglia?”
extraordinário do BESA achava que tinha direito de re- LHE TINHA RS: “Além desse da Entreprises depois havia os con-
ceber isso e como tinha sido ele a obter a licença e con- PAGO tratos dos poços de petróleo. Mas eu não lhe posso ga-
tribuído para o desenvolvimento da actividade em An- [A HÉLDER rantir que sejam esses da Pinsong.”
gola, considerou-se que se devia pagar. Claro que se BATAGLIA]” RT: “Parece haver aqui uma contradição: o senhor Q

39
 Destaque

“ÁLVARO três de 5 milhões, que perfazem 15 milhões.”

SOBRINHO Nesta fase, Adriano Squilacce sentiu necessidade de in-
FOI tervir para recentrar o seu cliente. Queria sublinhar que
CHAMADO À Salgado não tratava de nada que tivesse relação com a
PEDRA PELO parte operacional.
GENERAL PS: “Tem memória disso, consegue detalhar, será a par-
h KOPELIPA” te operacional que tratava?”
Álvaro Sobrinho: RS: “Era a parte operacional, claro. Tenho de fazer um
o ex-CEO do BESA
é acusado por esforço de memória, não quero deixar de responder nesta
Salgado de altura.”
arruinar o banco PS: “Se permite ajudá-lo, aqui estamos a falar do pri-

Q diz que não sabe o que é a Pinsong, mas sabe que

há uns contratos; ora esses contratos são em nome da
Pinsong. Se não sabe o que é a Pinsong como sabe que
(..) ossenhoresimputam-me
há contratos?”
RS: “Eu soube dos contratos porque tive a informa- a responsabilidade de ter
ção da transferência dos recursos e só poderiam ter
sido transferidos à luz disso, dos acordos feitos com o feito chegar dinheiro a
Bataglia.”
RT: “Mas esses acordos são feitos com uma entidade
offshore que é a Pinsong, que por sua vez é uma filha da
Sócrates, mas só pode ter
ES Enterprises.”
PS: “Essa questão administrativa de elaborar os contra-
sido o Hélder Bataglia
tos e até escolher a entidade foi instruções que deu ao RICARDO SALGADO
Jean-Luc Schneider? ‘Trata disto que é preciso para o Hél-
der Bataglia.’”
RS: “Não sei se foi nesses termos. Sei que houve as con- meiro pagamento feito ao senhor Hélder Bataglia. Do pri-
cessões dos poços de petróleo que viríamos a descobrir meiro contrato de 2005 não foi nada pago, só foi pago em
ter sido só uma, mas na altura era isso que estava acorda- 2010. Aqui estamos a ir ao momento em que efectiva-
do e o que foi pago.” mente o senhor Hélder Bataglia lhe surge e está a ser-lhe
PS: “Acordado entre quem?” pago verbas [sic]. Dentro desse raciocínio consegue saber
RS: “Entre o grupo e o Hélder Bataglia.” qual é a primeira verba que está a ser paga, a que título e
RT: “Sotor, mas o grupo tem caras. Isto foi entre si e o porquê? Se é essa história dos 3 milhões ou se já foi os po-
senhor Hélder Bataglia.” i ços de petróleo?”
RS: “Provavelmente sim.” A PT, liderada RS: “A ordenação dos montantes não sei, não me
por Zeinal Bava
RT: “Portanto o que quer dizer é que esse acordo entre si vendeu a Vivo recordo.”
e o senhor Hélder Bataglia terá levado à assinatura desses à Telefonica, Paulo Silva não ficou contente com a resposta.
contratos embora não tenham sido elaborados por si. Al- mas só depois de PS: “Aqui não é a ordenação do montantes, é da
Sócrates autorizar
guém dentro da Enterprises arranjava a justificação con- realidade…”
tabilística para os pagamentos ao senhor Hélder. É isso?”
RS: “Sim.”
(…)
Depois de deixar bem claro que terá sido o ex-líder do
BES que negociou pessoalmente os termos dos pagamen-
tos ao empresário luso-angolano, Rosário Teixeira lan-
çou-se aos detalhes das operações financeiras.
Rosário Teixeira: “Um dos factos que lhe são imputados
são três operações de 5 milhões de euros cada, entre
2008 e 2009. Duas para a conta da Markwell e uma para
a conta da Monkway, ambas do Hélder Bataglia. Se bem
percebi, o sotor diz-me que esses 15 milhões estarão rela-
cionados com os contratos dos poços de petróleo. Os 3
milhões de success fee estão incluídos neste bolo?”
Ricardo Salgado: “Parece-me que sim.”
Paulo Silva: “Antes destas de 5 milhões há uma outra
em Julho de 2007 de 7 milhões da ES Enterprises para
a Markwell, antes dessas três (…) depois disso vieram

40
 ESTREIA EXCLUSIVA
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PUB
h
Na orla do BES, foi criada
a ES Enterprises, a entidade
offshore de onde, acredita
o MP, foram feitos
os pagamentos a Sócrates

RS: “O que estava combinado era pagar os poços de pe-

tróleo (…) Se foi antes ou depois não sei.”

©ABC STUDIOS
RT: “A ordem que aqui está é que em 2007 há uma
transferência da ES Enterprises para a Markwell de 7 mi-
lhões. Desses 7 ele agarra em 3 e põe na sociedade Gunter
que é do senhor José Paulo, primo de José Sócrates.”
RS: “[Risos] É o filme que passa atrás das nossas costas e
que só agra é que eu estou a realizar!”
RT: “A seguir a estes 7 milhões (…) há mais três transfe-
rências de 5 milhões de euros (a última já é em 2009),
que perfazem 15 milhões de euros (…) o que perfaz 22
milhões. Pronto. Estes 22 milhões entregues ao senhor
Hélder Bataglia são o quê? Estamos a falar de tudo rela-
cionado com poços de petróleo mais os 3 milhões da
compensação da licença do BESA?
RS: “Exactamente. Desenvolvimento dos projectos. O
nder um
Hélder Bataglia tinha o compromisso de desenvolver os
o defe
com
projectos e estava constantemente a pedir recursos para
efeitos não sei de quê, para contribuir para o desenvolvi-
mento dos projectos. Se ele depois pegava no dinheiro e
entregava a alguém lá no Congo-Brazzaville ou em Ango-
la eu não faço ideia. O compromisso dele era desenvolver
os projectos e trazer os poços de petróleo.”
RT: “Então este dinheiro que aqui está não é apenas
uma remuneração do success fee e do trabalho...”
RS: “Com certeza que não.”
RT: “Era também para ele próprio contribuir para esse
desenvolvimento dos projectos.”
RS: “Exactamente.”
Estava na hora de introduzir Carlos Santos Silva na con-
versa. Alicerçado no depoimento de Hélder Bataglia [que
dissera que Ricardo Salgado lhe pedira para utilizar as
suas contas offshore no sentido de fazer chegar discreta-
mente dinheiro a Carlos Santos Silva, alegado testa-de-
ESTREIA T3
ferro de José Sócrates], o MP quis explorar a relação entre
Salgado e o amigo do ex-primeiro-ministro. TERÇA 7
Rosário Teixeira: “Conhece o engenheiro Carlos
Santos Silva?”
Ricardo Salgado: “Nunca o vi e é uma situação para 23:10H
mim de uma enorme perplexidade porque pelo que per-
cebi os recursos foram parar a Carlos Santos Silva.”
RT: “Certo.”
RS: “Eu vou-lhe dizer o que conheço do Grupo Lena.”
RT: “Está a associar o Carlos Santos Silva ao Grupo
Lena...”
RS: “E não é?” Q

41
 Destaque
Q RT: “Entre outras coisas, sotor.”
RS: “Ó senhor procurador, eu não me recordo de ter fa-
lado ao Carlos Santos Silva.”
RT: “Era seu cliente com alguns recursos… Até rece-
bia alguns dinheiros no BESI que não são para toda a
gente e que até trouxe alguns dinheiros lá de fora ao
abrigo do RERT.”
RS: “Para mim foi uma enorme surpresa que ele tivesse
feito o RERT no BES. Nunca me passou pela cabeça que
isto pudesse acontecer, esta conjugação de relações entre
o engenheiro Sócrates, o Grupo Lena e o Carlos Santos
Silva. Não fazia ideia!”
Estava na altura de confrontar o líder histórico do BES
com a pergunta sacramental.
Rosário Teixeira: “E muito menos tem conhecimento
de que tenha pedido a alguém para fazer transferências
para este Carlos Santos Silva?”
Ricardo Salgado: “Claro que não! Claro que não! Isso é
tudo iniciativas do senhor Bataglia, que quando tinha um
programa para desenvolver em Angola e para o qual esta-
va a ser remunerado (…) fazia circular os recursos pelas
nossas costas desta forma. Foi uma total surpresa!”
Paulo Silva: “Mas tem algum conhecimento que o se-
nhor Hélder tenha relações com Carlos Santos Silva?”
RS: “Não faço ideia. O Hélder nem sequer desenvolvia o
relacionamento que tinha com o engenheiro José Sócra-
tes. A única coisa que me disse sobre a família do enge-
nheiro Sócrates foi este senhor Pinto de Sousa, que estava
lá em Angola e que tratava lá das salinas e de uns terrenos
que eles tinham, portanto não se surpreendam por eu ter
ficado em estado de choque.”
Rosário Teixeira sentiu necessidade de fazer sentir a Sal-
gado que não estava a imaginar coisas ou a relacionar
factos de forma abusiva.
Rosário Teixeira: “Mas algumas das interpretações des-
tes factos não saem da nossa lavra, saem de pessoas que
afirmaram e que dizem que foi o senhor que pediu para
haver contas que serviam de passagem para dinheiros
que vieram da ES Enterprises.”
h operadora de telecomunicações. A tese do MP é esta: Ri-
Com a implosão do BES,
também a PT foi à ruína.
Tinha investido 897
milhões de euros só em
obrigações da Rio Forte
42
g Ricardo Salgado: “Nunca fiz isso na minha vida!”
Nos tempos em RT: “Nunca utilizou contas de passagem nem nunca pe-
que era apelidado
de DDT (Dono diu a ninguém ‘olhem deixem lá passar esse dinheiro e
Disto Tudo), depois transfere para a conta tal?’”
Salgado era RS: “Não.”
inquestionável
entre a elite O procurador resolveu fazer um ponto de situação. Os
empresarial depoimentos de Bataglia e de Salgado não podiam ser
mais contraditórios.
Rosário Teixeira: “Aquilo que aqui está em causa é
duas versões sobre a existência destes pagamentos, des-
tas operações. O senhor está-nos a dizer que deu estes
dinheiros todos ao senhor Hélder Bataglia (só nestes
anos de 2008, 2009, somam 22 milhões de euros) e que
[os dinheiros] são pura e simplesmente para ele de-
senvolver negócios e para remunerações dele do suces-
so que pudesse ter, incluindo a tal licença bancária do
BESA que terá sido paga algum tempo depois. Outra coi-
sa é dizer que parte deste dinheiro foi entregue por si ao
senhor Hélder Bataglia mas depois para o reencaminhar
para umas contas que o senhor Carlos Santos Silva lhe
“Ó SENHOR deveria indicar.”
PROCURA- Ricardo Salgado: “Eu nunca ouvi falar no Carlos San-
DOR, EU NÃO tos Silva antes, nunca! O Hélder Bataglia nunca me falou
ME RECOR- num Carlos Santos Silva, nunca me falou de nada! Ele
DO DE TER fazia o que queria!”
FALADO COM
CARLOS SAN- ZEINAL BAVA E A DESGRAÇA DA OI
TOS SILVA” Já eram 2h da tarde e Ricardo Salgado começava a dar si-
nais de cansaço, mas Rosário Teixeira decidiu prolongar o
interrogatório. Queria avançar para a polémica venda da
cardo Salgado terá corrompido José Sócrates para que
este autorizasse a venda da Vivo à operadora espanhola
Telefónica, gerando dividendos milionários para os accio-
nistas da PT, que tinha metade da Vivo. Ao mesmo tempo
que subornava o ex-primeiro-ministro, Ricardo Salgado
terá ainda distribuído muitos milhões de euros por Zeinal
Bava (na altura CEO da PT) e Henrique Granadeiro (chair-
man da empresa) no âmbito deste negócio, que se esten-
deu depois à entrada da PT no capital da operadora brasi-
leira Oi, numa operação que se revelou ruinosa para os
cofres da PT.
Rosário Teixeira: “Em 2007 há aqui pagamentos ao se-
nhor Zeinal Bava com origem na ES Enterprises. Porquê?”
Ricardo Salgado: “Já tive oportunidade de lhe dizer o
seguinte, e aproveito para responder a outra suposta
acusação, de que eu é que engendrei a operação da PT
adquirir a Oi Telemar (…) O José Sócrates queria que se
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vendesse a Vivo e queria que ficássemos no Brasil. Saí-
ram notícias com afirmações do Sócrates de que a PT ti-
nha de ficar no Brasil (…) O Brasil estava a crescer muito,
era muito importante a operação mas se a Vivo fosse
vendida e se houvesse a alternativa de uma outra com-
panhia, nesse caso a Oi Telemar, havia talvez a possibi-
lidade de se fazer uma parceria.”
RT: “Mas que não estava garantida na altura.”
RS: “Não estava garantida e mais uma vez fomos leva-
dos à certa, mas agora por brasileiros.”
Ricardo Salgado passou então a explicar detalhada-
mente a ruína do negócio alegadamente arquitectado
por ele, por Sócrates, Zeinal Bava e Henrique Granadei-
ro. E de como terá sido por causa da situação calamitosa
que encontraram na Oi que foram pagos os milhões a
Zeinal Bava.
Ricardo Salgado: “A situação da Oi Telemar era dramá-
tica. No Brasil, qualquer cliente de companhia de telefo-
nes em que o serviço não esteja à altura põe imediata-
mente um processo. A Oi Telemar tinha milhares, se não
milhões, de processos distribuídos pelo Brasil. E ainda
ninguém tinha avaliado isso. Foram avaliar a empresa,

Há pessoas que
afirmam que foi o
senhor que pediu
para haver contas Ricardo
de passagem para
dinheiros
ROSÁRIO TEIXEIRA

provavelmente, os activos e os passivos, mas não avalia-

ram a litigância, que era brutal. Nessa altura era vital en-
viar uma equipa-choque para o Brasil e essa equipa só
dava garantias se fossem portugueses, porque brasileiros
já sabíamos o que eles tinham sido capazes de fazer. O
Zeinal Bava aceita chefiar essa equipa, eu entretanto co-
meço a perceber que o Zeinal Bava está a ser solicitado
para ir para outras águas, um dos que parece tê-lo convi-
dado é o Carlos Slim [um dos homens mais ricos do mun-
do, é dono da América Móvil, a maior empresa de teleco-
municações da América Latina e, no Brasil, controla Em-
bratel, a Claro e a Net]. Aliás também já me dizem hoje
que ele está a colaborar com o Carlos Slim em Londres.
Bom, mas o Zeinal Bava não podia saltar dali. E era fun-
damental ter uma equipa com ele, para poder dominar
aquela fera da Oi Telemar. E essa equipa…”
Rosário Teixeira: “Mas antes ou depois da aquisição? Q

43

Destaque
No negócio da
entrada na Oi
Telemar fomos
levados à certa, mas
agora por brasileiros
RICARDO SALGADO
Q Já depois da aquisição?”
RS: “Exactamente. Mas eu estou a falar-lhe por causa do
pagamento ao Zeinal Bava.”
(…)
RT: “Então o Zeinal ia para o Brasil para chefiar uma
equipa para pôr a Oi em ordem.”
RS: “Exactamente. E para o fazer precisava de uma
equipa grande. Porque a Oi Telemar é a maior operadora
brasileira de rede fixa. É uma coisa incrível mas é verda-
de. O Zeinal diz-me: ‘Ó dr. Ricardo, nós precisamos de ter
uma garantia qualquer de que a equipa que vai, fica.’ (…) E
então pensou-se, o Zeinal Bava comigo, e eu com o Zei-
nal Bava, numa modalidade na qual se estabelecia uma
operação fiduciária, que se destinava a constituir a âncora
para segurar os colaboradores portugueses que fossem
para o Brasil. Essa operação fiduciária traduzia-se num
montante que não sabíamos exactamente, julgo que no
escalonamento dos pagamentos ao Bava há uma evolu-
ção. Se bem me lembro não se sabia o número exacto de
quantas pessoas iriam para o Brasil. Falava-se de um
montante que podia chegar a 20 ou 30 milhões (…) Tudo
isto tinha de estar no espaço e no tempo, num programa
que fosse sólido. E combina-se uma primeira fase de 8
milhões, salvo erro, e de outros montantes a seguir. Mas
estava lá uma cláusula de salvaguarda, que infelizmen-
te não foi a mesma que se fez quanto ao Bataglia.
44
2 MARÇO 2017
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Que dizia que se a operação de fusão não se fizesse, o di-
nheiro era retornado. E o Zeinal Bava comportou-se im-
pecavelmente. Olhe que não fui eu que lhe pedi a devolu-
ção do dinheiro, foi ele que por sua iniciativa devolveu o
dinheiro à massa falida do Luxemburgo. Tudo. Até ao úl-
timo cêntimo, incluindo juros.”
Paulo Silva: “Por isso estamos a falar de 8 milhões e
meio que estão indicados, ainda em finais de 2010 e em
Janeiro de 2011. E depois esse momento é reforçado ao
longo de 2011 com mais 10 milhões. São ao todo 18 mi-
lhões e meio. São estas verbas de que estamos a falar.”
Ricardo Salgado: “Exacto. Mas foram reembolsadas.”
PS: “Mas se estou a perceber o que sr. dr. está a dizer,
seriam um fundo.”
RS: “Não é um fundo.”
PS: “É um fundo…”
g Adriano Squilacce: “É uma operação fiduciária.”
O MP defende RS: “É uma operação fiduciária que se destina…”
que Henrique
Granadeiro, ex-
-chairman da PT,
RT: “…que ficava na esfera dele para ele fazer uns
pagamentos…”
terá recebido
dinheiro do BES
RS: “Não era pagamentos. Aquilo devia permitir, logo
que a operação se fizesse, uma relação financeira que
motivasse os colaboradores e essa relação era para ser
atribuída àqueles que fossem para lá. Podia ser em ac-
ções da PT, já numa segunda fase, ou havendo fusão,
da empresa resultante. Por isso, não se sabia e se dei-
xou em aberto.”
“NUNCA USEI
CONTAS DE
RT: “Fizeram um contrato.”
RS: “Exactamente. Mas os senhores devem ter o contra-
PASSAGEM to. Nas cartas rogatórias não receberam o contrato?”
NA MINHA RT: “Eu pessoalmente… neste processo, não temos esses
VIDA NEM contratos. Por isso se os quiserem disponibilizar…”
PEDI A AS: “Nós não os temos [risos], por isso é que os gostáva-
NINGUÉM mos de ver.”
PARA PS: “Essas verbas de 18 milhões e meio, na mesma altu-
O FAZER” ra, transferiu para a [imperceptível]”
RS: “Para a [imperceptível] são outros 500… Agora o
que eu gostava de lhes dizer era o seguinte: já ouvi falar
várias vezes do Diabo. A coincidência destas operações
com aquelas datas do Hélder Bataglia, é o Diabo. Foi o
Diabo [risos]. Não tem nada a ver…”
RT: “Mas não sendo o Diabo elemento processual,
i requer uma interpretação humana. Esse é o problema.”
Nuno Vasconcellos RS: “Isso é o que vos quero dizer. Reparem que
era um dos
grandes aliados o dinheiro voltou, como estava combinado com
de Salgado. Com o Zeinal Bava.”
o descalabro do PS: “E a [imperceptível]?”
BES, foi à falência
RS: “A [imperceptível] tem a ver com Granadeiro. mas
ele não tem a ver com isto, tem a ver com uma colabora-
ção que deu ao grupo, muito importante, em anos ante-
riores, antes de ir para a PT, na reorganização da área
agrícola do grupo relacionada com a Comporta. (...)”
Eram 15h quando Rosário Teixeira deu o interrogató-
rio por terminado. No momento em que se levantou da
cadeira para se encaminhar para a saída, Ricardo pare-
cia cansado. Não era para menos: estivera quatro horas
sob fogo cerrado. Agora, resta-lhe esperar pela acusa-
ção e, eventualmente, preparar-se para um
longo e cansativo julgamento. W
O maior prémio de literatura infantil
do país está de volta.






 

 

De 21 de F   





!
"
 

#$ 




 %

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 2 MARÇO 2017
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46
Iniciativas SÁBADO 2 MARÇO 2017
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GRÁTIS. CINCO ESTRELAS DO CINEMA PORTUGUÊS

KILAS,OMAUDAFITA
O cartaz da comédia de José Fonseca e Costa, rodada no início
Schopenhauer
É o pensador do 6º livro da
colecção DescobriraFilosofia
dos anos 80, é o terceiro de cinco que aSÁBADO lhe oferece
Foi um filósofo alemão
do século XIX, conhecido pela
sua obra O Mundo como Von-
tade e Representação (1818).
Schopenhauer – O
pessimismo torna-
-se filosofia é o livro
que acompanha a
SÁBADO na próxima
semana e custará
Crónica dos Bons 9,95 euros. O próxi-
Malandros
mo é de David Hume.
16 de Março

GraphicNovelsMarvel
A SÁBADO lança colecção
com os maiores super-heróis
Esta semana a SÁBADO
vem acompanhada pelo
primeiro de 60 livros, de capa
Branca de Neve dura, da colecção Graphic
23 de Março Novels da Mar-
vel, por €2,99. A
segunda entre-
ga custará
€6,99 e as res-
tantes (até 19
de Abril de
2018), €11,99.

a obra de José Fonseca e
j
Kilas, o Mau da
Fita é oferecido
com a próxima
O corpo humano
SÁBADO A SÁBADO traz a terceira
caixa com peças para
seia-se numa obra de Tabajara montar um esqueleto

D Costa (1933-2015), Kilas, o

Mau da Fita constitui uma
referência incontornável no cine-
ma português. O cartaz deste fil-
me é o terceiro desta colecção
que a SÁBADO oferece aos leito-
res – Depois de A Canção de Lis-
boa e de Aniki-Bóbó.
A longa-metragem, rodada entre
1978 e 1980, com música de Sér-
gio Godinho, estreou a 27 de Fe-
vereiro de 1981, no Eden, em Lis-
boa e foi um dos maiores êxitos
de bilheteira do cinema portu-
guês, ultrapassando os 100 mil
espectadores. Este sucesso ba-
Ruas que retrata o mundo dos
pequenos marginais lisboetas.
Protagonizado por Mário Viegas,
contou com a participação da
actriz Lia Gama e dos brasileiros
Lima Duarte e Natália do Vale.
Este é o terceiro de uma
colecção de cinco cartazes
(de 48X68 centímetros) dos gran-
des clássicos do cinema portu-
guês que a SÁBADO oferece aos
leitores. Segue-se Crónica dos
Bons Malandros, um filme do rea-
lizador Fernando Lopes, baseado
no livro de Mário Zambujal
com o mesmo nome. W
Todas as semanas, a
SÁBADO é acompanhada
por uma caixa que traz um
fascículo e peças para
montar um corpo humano.
Esta semana entregamos
a terceira caixa, por €3,95.
As restantes custarão
A LONGA- €6,95. No final da colec-
-METRAGEM, ção, que termina a 5 de
COM MÚSICA Outubro, terá um
DE SÉRGIO esqueleto completo,
GODINHO, com 1,10 m de altura.
FOI UM
ÊXITO DE
BILHETEIRA

47
 Opinião

O pressão privada, o revisionismo, os

RELATÓRIO interesses instalados e as “campa-

MINORITÁRIO A tela e a trela nhas” encapotadas marcam muitas

vezes um espaço secreto.

O
O que nos diz o atraente s filmes sempre revelaram
psicodrama dos Óscares, muito sobre o mundo. Ou
misturado de Carnaval e falsificando-o, ou traduzin-
comício, sobre a sociedade do as realidades mais cruas, as ob-
americana, e, já agora, sessões, as modas e os medos, e às
sobre a humanidade? vezes exilando-se dele, para os abis-
Entre humildade e mos risonhos da fantasia.
humidade, há respostas Há filmes de ópio para as massas,
sobretudo quando estas parecem que-
rê-lo, e filmes “de autor”, que podem
ser verdadeiros tesouros, epifanias e
dádivas à humanidade, ou só uma ex-
tensão egoísta da personalidade tor-
tuosado realizador.
Há filmes que brincam com o pú-
blico, e filmes que se tomam dema-
siado a sério.
Os Óscares, e o seu ritual, fazem
parte deste universo, onde a proibi-
ção económica, a auto-restrição, a
Claro que não podemos confundir
regimes políticos e sociedades onde a
censura é uma regra, e aqueles onde
constitui uma excepção.
Hollywood, apesar das pragas, dos
tiques e das taras, continua a ser um
apreciável reservatório de liberdade
artística e de criação. Não é o único
pólo de cinema do mundo – com o
crescimento da indústria europeia e
asiática, do Magrebe e do Mashrek, e
com o tímido aparecimento da filmo-
grafia comercial africana – mas tra-
ta-se de um farol reconhecido, para o
bem e para o mal.
Este ano, voltámos às perplexidades
e paradoxos. A rábula final, com os
atropelos em jeito de comédia de en-
ganos, pode colocar na mente o filme
Moonlight(na foto, o realizador, Barry
Jenkins), ou ridicularizá-lo.
Mas este merece atenção especial:
retrata, de formainteligente, subtil e às
vezes ternurenta, um caminho trá- Q

O j
Medir as palavras

Trump não desiste de ser um elefante

em loja de porcelana. Claro que se di-
verte, reagindo a todas as provoca-
ções. Mas faz pena ver um Presidente
continuaracomportar-se como se es-
tivesse em campanha, ou permitir-se
usar o Twitter para discutir a vida in-
terna dos partidos. Como prevíamos,
Trump é o piorinimigo de si mesmo.
Mas dizer isto é diferente de pin-
tar os EUA como uma tirania em
construção. Para isso seria preciso
um congresso obediente, uma ma-
gistratura dependente, um executi-
vo de castrados, uma maioria so-
cial silenciosa, uma polícia política,
uma imprensa proibida, e a aboli-
ção dos estados. Nada disso existe,
O
Politólogo e a condição para existir seria, lite-
Nuno Rogeiro ralmente, a guerra civil.
nrogeiro@gmail.com Vêem-na? W

48

FOTOS REUTERS
Q gico de parte da sociedade ameri-
cana, aface obscuradaprosperidade.
É um pântano com indivíduos esti-
lhaçados, incapazes de amar, autó-
matos destrutivos, que às vezes, po-
rém, encontram redenção onde me-
nos se espera.
Película “progressista”, retrata, para
os mais primários, a América que per-
deu as eleições de 2016.
La La Land, ao contrário, é cinema
“reaccionário”: não há ali nem pala-
O h
Do bloco ao banco
É absurdo acusar Francisco Louçã
de “traição”, ou “oportunismo”, ao
entrar no órgão consultivo do Ban-
co de Portugal (BdP). Talvez por ig-
norância, confunde-se um regula-
dor com um balcão comercial. Ora
o BdP é o árbitro acima dos regi-
mes, não o agiota dos romances de
cordel. Com “capitalismo” ou “so-
cialismo”, teria sempre de existir, e
só se deve lamentar que “existisse”
pouco, ou de forma tardia, em casos
recentes. Quanto à competência do
ex-bloquista, a sua melhor defesa é
a de Cavaco Silva. Num recente li-
vro de memórias, o ex-PR e profes-
sor de Economia, insuspeito de
trotskismo, distingue Louçã, apon-
PEDRO CATARINO
tando-lhe o rigor técnico e as con-
tas certas. Por oposição à oralidade
disparatada de outros “génios”. W
vrões, nem violência, nem sexo, nem
droga. Apesar do aparecimento de
John Legend e do discurso sobre a sal-
vação do jazz (agrande músicanegra),
das garras do comercialismo e das me-
lopeias para elevadores, eis um pseu-
domusical branco. Intenso mas bem
comportado, no qual se elogiao talento
e aoriginalidade, mas também o estu-
do e o trabalho esforçado, e aconcilia-
ção final entre a liberdade e o comér-
cio. Claro que é também, nas derradei-
ras imagens, um percurso sobre a me-
ditação comum dos mortais: “O que
poderíamos tersido, se...?”
Para os aludidos primários, esta é a
América que ganhou as eleições.
Pelo meio tivemos a discreta derro-
ta de Meryl Streep às mãos de Emma
Stone. Devemos dizer que justamen-
te, até porque a Florence da genial
Streep é muito inferior à versão fran-
cesa, em que Catherine Frot (Margue-
rite, de Xavier Giannoli) nos entrega
um desempenho soberbo, complexo,
cómico antes de ser trágico.
E tivemos ainda justiça por linhas
tortas, com CaseyAffleckde Manches-
j moso Liberdade de Expressão, pas-
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
terbytheSea, umagrande históriafei-
tade pequenas coisas, como avida.
E houve a omissão, por causa do de-
creto Trump, de Asghar Farhadi, que
podia ajudar os EUA a compreender
que o Irão profundo não é feito de aya-
tollahse de mísseis. E houve areconci-
liação do “fascista” Mel Gibson com o
sistema, tendo o seu grande filme de
guerra sem armas cinco nomeações e
dois prémios. A curta-metragem hún-
gara Sing, ou a corrupção vista pelos
mais pequenos, foi também felizmente
notada, assim como o documentário
CapacetesBrancos. Estes são os volun-
tários que o regime sanguinário de As-
sad desprezacomo “terroristas”.
Tive pena de não ver reconhecido
Silêncio, ainda por cima realizado
por um democrata com cartão,
apoiante da senhora Clinton.
Mas ainda não chegou o tempo de
Hollywood perceber o peso de um
drama espiritual setecentista, com
jesuítas portugueses e inquisidores
nipónicos, filmado em Taiwan e ini-
ciado em Macau.
Já chega de complicações. W
O
Reflectir e
relembrar
Editado o clássico de AnthonyGiddens
(nafoto), CapitalismoeModernaTeo-
riaSocial: grande tentativade explica-
ção, em 1972, do “modelo” que ainda
nos domina. De Fernando Ângelo, Os
Flechas, investigação sériasobre tema
controverso: as lendárias forças espe-
ciais daPIDE/DGS, em Angola. Quanto
aTimothy Garton Ash, escreve o volu-
seio labiríntico sobre as formas de co-
municar, nesta carruagem do milénio.
E Han Eun-Mi, em Ainda Estou Viva,
conta uma versão, vivida e sofrida, da
Coreia do Norte: não a superpotência
lunática, mas o mundo da miséria. Na
música, A Dança dos Pássaros, ou a
Orquestra do Hot Club a revisitar An-
tónio Pinho Vargas: soberbo, original e
delicado. W
49
 Portugal

MARCELO REBELO DE SOUSA. UM ANO EM BELÉM, COM UM ESTILO PRÓPRIO

ESTE HOMEM
TEM UM CASO
COM O PAÍS
50
 2 MARÇO 2017
www.sabado.pt

Faz ele as malas,

compra frangos em
Cascais e vai ao fim-de-
-semana à faculdade.
Selfie-man Marcelo,
há um ano a exercer a
presidência perto de si.
Por Maria Henrique Espada

uarta-feira, dia 22, Pó-

Q voa de Varzim. No
porto, as mulheres
penduram-se nele,
agarram-lhe as faces,
abraçam-no, espremem-lhe o cor-
po para caber melhor no enquadra-
mento da selfie. Até tira uma foto
com um cão ao colo do seu dono,
os três muito apertados. Há beijos,
abraços, fotos, gente quase emo-
cionada, um ambiente de festa de
casamento – e ele é o noivo. Os co-
mentários em volta são de fãs a
suspirar pela estrela: “Ai, que já te-
nho, já tenho, já tirei”; “É que não
saio daqui sem dois beijinhos”;
“Queria tanto, mas não sei se vá,
achas que vá?, vou, vou”; “Assim
fica cansadinho, coitadinho”. Uma
comenta-lhe os olhos, ele “são ver-
des, perigosos”, ela não se fica, “os
meus são castanhos, de encantos
tamanhos”, e ele ri-se. Um casal
vai-se embora feliz, selfie tirada,
“ainda bem que viemos, eu não te
disse?”. Marcelo retribui sempre:
trata velhotas com um “oooh, mi-
nha filha” carinhoso, distribui,
“ooohh minha querida” com abun-
dância. Faz selfies triplas e quádru-
plas, todos juntinhos, agarra a mão
de quem está ao lado, abre os bra-
ços para incluir tanta gente quanto
possível, ajuda quando o/a fotógra-
fo/a não sabe nem inverter a câma-
ra do telemóvel.
Os homens são mais contidos nos
comentários, mas não se ficam (“O
homem é mesmo acessível”, “É um
RICARDO MEIRELES

senhor, isto é que é um senhor”), e

menos ternurentos nos gestos, mas
também não guardam distância Q

51
 Portugal

Q protocolar: o mestre José Festas, com o partido Livre, com o comis-

presidente da Associação Pró- A mão sário europeu para a segurança Ju-
-Maior, motivo da visita, percorreu que usa para lian King e com o presidente da
feliz umas centenas de metros com gesticular quan- FLAD. Quando saiu da TVI, ainda
a mão sempre a envolver com toda do está junto a foi jantar ao Cozinha Velha com o
a convicção os rins do senhor Presi- um palanque é seu amigo e colega professor de Di-
dente da República. a direita. Mas se reito Fausto Quadros.
Marcelo é um Presidente em flirt estiver de pé, Terça-feira: de manhã deu um
com o País, apesar de o período ofi- solto, usa mais mergulho na praia. Esteve no ISCSP
cial de namoro, ou campanha, ter a esquerda, ou numa conferência sobre Macau a
terminado há um ano. Já tem con- as duas. É am- falar das relações entre Portugal e
fessado que chega às vezes à noite bidestro. Sem China. Foi depois inaugurar a expo-
com o corpo desfeito, moído de interpretações sição Conexões Afro-Ibero-
tanto aperto. Não o incomoda. Tem políticas -americanas, dia 21, na UCCLA
plena consciência de que já não vai, (União das Cidades Capitais de Lín-
não pode, mudar de estilo algures a gua Portuguesa). A seguir arrancou
meio do mandato, mesmo que directamente para o Porto. Já leva-
eventualmente o desejasse: uma va a mala feita – e é sempre ele
vez selfie-man, sempre selfie-man. quem faz as suas malas, seja para
É isso que as pessoas esperam dele onde for. Dá trabalho, mas gosta.
quando lhe fazem esperas à porta Jantou na estação de serviço de Lei-
dos sítios por onde vai entrar – e se ria. Comeu sopa e pediu uma dose
a agenda for pública, é garantido Vida de frango, mas não terminou o pra-
que há gente à espera. É um per- e obra mistu- to. Já no Porto, resolveu dar uma
curso sem recuo. Felizmente para o ram-se?, per- volta a pé antes de se deitar. Subiu a
próprio, sente-se confortável com guntou às escri- Avenida da Boavista até à Casa da
ele. Pelo contrário, mostra às vezes toras Inês Pe- Música e quando atravessou para o
menos compreensão para com al- drosa e Patrícia outro lado reparou num casarão
guns amigos e conhecidos mais Reis numa en- bonito quando vinha a descer. Era o
queques – é preciso não esquecer trevista à Ante-
que mora e faz vida em Cascais – na 1. “E como é
que lhe dizem “Mas como é que que controlam
aguentas? Estragaste a tua vida!”. para que não
Diz-lhes: “Não sou capaz de fazer seja demais?”
de outra maneira.” E que corre por No caso de
gosto, há quase um ano. Tomou Marcelo, vida
posse a 9 de Março de 2016. pessoal e
política estão
Doente, mas imparável em síntese
Marcelo andou péssimo toda a se- permanente
mana. Pelo menos foi o que achou
o próprio, que se sentia em baixo de
RICARDO MEIRELES E RICARDO PEREIRA

forma: estava ainda a recuperar de

uma gripe, e apesar de se saber que
é hipocondríaco não quis tomar an-
tibiótico, limitou-se a um Ben-u-
ron quando teve de ser. Mas se an-
dava mal, não se notou. Uma sema-
na fraquinha, para Marcelo, é assim: ALGUNS
Segunda-feira: esteve na TVI, AMIGOS DE
meia hora em estúdio, na inaugura- CASCAIS T
ção das novas instalações. O pro- PERGUN- Uma foto em qualquer lugar
grama não seguiu o guião previa- TAM-LHE Há sempre tempo e paciência:
mente combinado, mas Marcelo POR VEZES: não deixa pendurado um
aguentou-se com as mexidas e as “COMO É único candidato ao “afecto”
audiências – e desde os seus tem- QUE AGUEN- presidencial
RICARDO PEREIRA

pos de televisão que Marcelo lhes TAS? ESTRA-

presta atenção – foram boas. Du- GASTE A
rante o dia tinha tido audiências TUA VIDA!”

52

Chiado Café Literário. Entrou. Na
cave decorria um quiz. Acabou a
participar. Calhou-lhe a pergunta,
que se suspeita ter sido elaborada
por simpatia: “O regime português é
parlamentar, presidencial ou semi-
presidencial?” Pois o professor de
Direito Constitucional acertou: “Se-
mipresidencial.”
Quarta-feira: depois da cerimónia
a assinalar os 22 anos da Universi-
dade de Medicina do Porto em que
Adriano Moreira falou 48 minutos
(Marcelo jamais comete tal pecado,
por regra, nos maiores, não passa
dos 20), esteve no festival literário
Correntes de Escritas na Póvoa de
Varzim, deu ali mesmo uma entre-
vista à Antena 1, almoçou com
Francisco Pinto Balsemão e foi ao
porto da Póvoa visitar a Associação
Pró-Maior, que apoia a segurança
dos pescadores. Entrou no barco
“Fugitivo” e viu como se descarrega
o peixe. Discursou (pela terceira vez
nesse dia). Ainda regressou a Lisboa
a tempo de passar em Belém e ir
jantar com a filha. Frango assado,
que foi ele próprio, claro, e a pé,
RICARDO MEIRELES
1 na Europa em Lisboa. Ela, e mais as
Quantos anos mais?
Quando chegar Setembro
de 2020, logo se vê
“Não sei qual será a situação
política do País em 2020. Só
nessa altura poderei avaliar se
me recandidato ou não”, diz
Marcelo Rebelo de Sousa. E
não diz mesmo mais nada,
garantindo que a decisão não
está tomada. As presidenciais
serão no início de 2021.
Marcelo, que hoje tem 68 anos,
terá então 72.
2 Pequeno
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
comprar ao Jardim dos Frangos, no
centro de Cascais. Ainda por cima
havia fila.
Quinta-feira: recebeu em Belém a
ministra dos Negócios Estrangeiros
da Colômbia, Maria Angeles Hol-
guín, que organizou um encontro
de toda a diplomacia colombiana
cerca de três dezenas de embaixa-
1 dores, a querer meter conversa.
No porto da Como não havia tempo, Marcelo
Póvoa de Varzim,
a aprender como sugeriu: “Não querem marcar qual-
se processa ali o quer coisa amanhã à noite na Cida-
peixe
dela de Cascais e eu tento ir lá ter?
2 Arranja-se qualquer coisa ajantara-
A seguir à exposi- da.” E pôs os serviços da presidên-
ção na UCCLA, em cia a tratar do assunto.
Lisboa, partiu para
o Porto. Comeu Ao fim da tarde esteve na FIL, na
uma sopa e frango conferência “Moldar o futuro, o im-
na estação de ser- perativo do crescimento”, promovi-
viço de Leiria
da pela CIP. Recebeu António Costa
a seguir, em Belém, entre as 19h45 e
as 22h – uma longa conversa, de-
pois de lhe ter deixado recados pú-
blicos na CIP. Ainda foi outra vez
aos Jardim dos Frangos comprar
jantar fora de horas, que não tinha
sobrado nada da véspera.
Sexta-feira: esteve no Centro de
Informação Geoespacial do Exérci-
coleccionador: to. Almoçou com Ferro Rodrigues
assim se definiu em Belém – aparentemente, o en-
na exposição contro estava marcado há algum
na UCCLA. tempo, embora as críticas de PSD e
Cesariny? Te- CDS à alegada “parcialidade” do
nho, mas muito presidente da AR o tenham por es-
mais tarde. E ses dias colocado na mira mediáti-
Malangatana. ca. Ferro entrou com ar tenso, mas
Gosta de arte saiu mais distendido. A seguir, foi a
vez de Assunção Cristas, líder do
CDS (e sua ex-aluna). E depois, de
Valdis Dombrovskis, comissário le-
tão responsável pelo euro e pela
estabilidade financeira. Recebeu
vários presidentes de câmaras
abrangidas pelo Parque das Serras
do Porto e foi à apresentação do li-
vro do constitucionalista Bacelar
NO CHIADO Gouveia. E à noite ainda apareceu
CAFÉ LITERÁ- no jantar dos diplomatas colom-
RIO ENTROU bianos. Como foi a pé e voltou a pé,
NUM QUIZ. deixou-os desconcertados e a fazer
PERGUNTA- perguntas: na Colômbia, o padrão
RAM-LHE de segurança não contempla estas
PELO SISTE- liberdades. Ficou até depois da
MA POLÍTICO uma da manhã.
PORTUGUÊS. Sábado: deu um passeio junto ao
ACERTOU mar e foi ao Jumbo, em Cascais, Q
53
 Portugal
Q fazer as compras da semana,
como habitualmente. Tinha duas
exposições para ver (no MNAA e no
Museu Vieira da Silva-Arpad Sze-
nes), nenhuma fazendo parte da
agenda pública. A missa é também
ao sábado à tarde, às 18h, com o
capelão José Carlos Otero.
Vai todos os fins-de-semana ao
seu antigo gabinete na faculdade.
Confessou na entrevista à Antena 1
que do que mais tem saudades é de
ser professor. De resto, mesmo que
um dia volte a leccionar, nunca
mais terá anfiteatros cheios: depois
dos 70 anos os professores da Fa-
culdade de Direito só leccionam a
doutoramentos e afins, pelo que a
audiência arruma-se numa peque-
na sala. Marcelo sabe disso e tem
pena. Prefere auditórios maiores.
O estilo big showMarcelo
Marcelo é fácil. No Correntes de Es-
critas, um conhecido atira, pelo
meio da multidão apinhada, “não se
esqueça do nosso jantar de edito-
res”. Marcelo: “Quando é?” O outro
admite: “Não está marcado.” Mar-
celo contrapõe: “Marca-se já. Se-
nhor major, traz aí a agenda.”
Marcelo faz o que quer. À chegada
ao festival, era notório na linguagem
corporal do presidente da autarquia,
que o foi receber, a intenção de o le-
var até à porta pelo caminho mais
curto. Marcelo avaliou o terreno e
escolheu o percurso mais longo:
passando pelos manifestantes da
CGTP – que obviamente ele sabia
estarem ali – em protesto contra a
administração do casino. E metendo
conversa: “Então, expliquem lá?”
Selfie e beijinho na sindicalista que
distribuía os panfletos.
Marcelo é difícil. Pelo menos para a
segurança. Vide parágrafo anterior.
Vide fila nos frangos. Vide banhos de
mar. No início do mandato, ainda
houve alguns eventos em que a se-
gurança ia primeiro e “limpava” o lo-
cal, criando espaço de segurança
para o Presidente não ser assaltado
(em bom sentido) por qualquer um
dos presentes. Marcelo não gostou,
achava um horror a distância higie-
nizada à sua volta e acabou com
isso. Agora impera o seja o que Deus,
ou melhor, o Presidente, quiser.
54
h
Com óculos 3D
para apreciar
melhor o trabalho
do Exército. O
ministro da
Defesa, ao seu
lado, declinou
usá-los
Sem notas RICARDO PEREIRA
é a regra nas
audiências com
António Costa.
Ao contrário de
Eanes (que gra- corrige Marcelo], isto é o quê?” O
vava conversas Detalhe e minúcia militar interpelado nem tem tempo
com Balsemão) Delega, mas não deixa de responder, Marcelo atalha: “É
ou de Cavaco ele de ver como a margem de erro.”
Silva (que Marcelo faz graças com à vontade.
anotava tudo) Diplomas Na inauguração da exposição na
Tudo à lupa UCCLA, perante uma das obras:
Vê ao detalhe as leis todas que “Inclina-se para a direita, o que vai
passam por Belém, mesmo que contra a moda vigente...”
a Casa Civil também o faça Marcelo é cansativo. Pelo menos
para quem não é Marcelo. Vários
Agenda elementos da Casa Civil já tiveram
Oficial ou nem tanto de meter alguns períodos de repou-
Na página oficial consta pouca so fora de época, para tentar recu-
Assunção coisa: ele acrescenta eventos perar o fôlego. Em Agosto, o Presi-
Cristas foi a Be- para-oficiais em cada dia dente tirou apenas 10 dias, e mais
lém falar sobre nenhum o resto do ano. Já prometeu
a comissão de Telemóvel (cumprirá?) em Belém que 2017 será
inquérito à CGD. Sempre, sempre, sempre um ano mais calmo: como há autár-
Mas a SÁBADO Manteve o número e usa-o. quicas no fim do Verão, fará um es-
apurou que Passa horas ao telefone – nos forço para andar mais discreto.
falaram pouco intervalos de tudo o resto
do assunto Não há indirectas: é directo
E, sim, Marcelo é imprevisível no
dia-a-dia. Mas, politicamente, ainda
Marcelo é impulsivo. “Ouvi o mes- não. O que o Presidente pensa o
tre Manuel Alexandre a dizer que País não anda longe de saber. Até
não tem calças [insufláveis, um sis- porque ele o diz. E disse-o, por
tema de segurança para pescado- exemplo, na quinta-feira, 23, com
res]”, conta na Póvoa de Varzim. recados para: António Costa; os
UM PESCA- “Eu pessoalmente ofereço-lhe as parceiros de Governo; os líderes da
DOR NÃO calças. Já apurei quanto é.” oposição; e até Cavaco Silva.
TEM CALÇAS Marcelo está sempre à frente. No 18h45, dia 23, Centro de Congres-
DE SEGU- Instituto Geoespacial do Exército, sos de Lisboa: chega apressado e
RANÇA: “EU dia 24, o ministro da Defesa, Azere- cruza-se logo à entrada com Luís
PESSOAL- do Lopes, questiona, perante uma Ferreira Lopes, o ex-jornalista da
MENTE OFE- explicação técnica: “Aqui onde está SIC que é seu assessor para a área
REÇO-LHE escrito a exactidão altimétrica, das empresas e inovação, a quem
UMAS” maior que dois metros [“menor”, diz de raspão, sorriso aberto: “Sub-

verti tudo.” De facto, acontece-lhe
com frequência subverter progra-
mas, agendas e discursos pré-elabo-
rados. Neste caso, o comentário
prova duas coisas: que a responsa-
bilidade pelo que disse a seguir é
mesmo só dele (aliás, proferiu em
Novembro que “não há fontes de
Belém, a única fonte de Belém sou
eu”); e que reflectiu sobre o que ia
dizer. Não foi um acaso ou impulso:
havia intenção, e não era pouca. Es-
tranhamente, o discurso, com reca-
dos, directas e indirectas para quase
todo o espectro político, teve pouco
impacto na comunicação social.
Marcelo queixar-se-ia até, depois,
reflectindo sobre um erro de avalia-
ção próprio: “A hora era péssima
para os telejornais.” Não dava para
RICARDO PEREIRA
entrar em directo nos telejornais das
oito e era demasiado em cima da
hora para permitir fazerem-se peças
para os mesmos. E o Presidente teve
pena. Queria ter sido mais ouvido. E
o que tanto queria dizer que “sub-
verteu” planos?
Com o ministro das Finanças, Má-
rio Centeno, sentado na fila da fren-
te do auditório, sentenciou: “Temos
de crescer muito mais do que 1,4%
em 2016 ou mesmo 1,6, ou 1,7 por
alguns previstos para 2017. Apenas
valores claramente acima de 2%,
com acento tónico no investimento
e nas exportações, serão penhor de
um processo verdadeiramente sus-
tentável.” Além disso, “temos de fa-
zer cair ainda mais o desemprego”,
manter a trajectória do défice e
“continuar a equilibrar as contas ex-
ternas” e garantindo justiça social.
É preciso “muito mais investi-
mento, o que implica efectiva for-
mação de poupança, passos em
falta na consolidação do sistema
financeiro”. E ainda “incentivo fis-
cal e estabilidade clara em matéria
laboral”. E “não perceber este im-
perativo nacional do crescimento é
privilegiar o dia-a-dia em vez de
olhar para Portugal com visão de
médio e longo prazo”.
Depois elencou condições para
que isso aconteça: “Estabilidade po-
lítica, que significa ausência de cri-
ses políticas, num tempo em que o
respeito das legislaturas ganha
maior importância.” Com o Gover-
no arrumado, virou-se para a opo-
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
O AVISO: sição: “Significa ainda Governo for-
“TEMOS DE te mas oposição ou oposições não
CRESCER menos fortes. É preciso trabalhar
MUITO MAIS todos os dias para garantir estes
DO QUE OS dois termos fortes de uma alternati-
1,6% OU 1,7% va para o Governo de Portugal.
POR ALGUNS E ainda pediu “convergências de
PREVISTOS regime” (nunca usa “pactos”) “nas
PARA 2017” políticas externa, de defesa, de se-
gurança, financeira pública e priva-
da, de justiça e de reforma do Esta-
“EU DEITO do”. Criticou a oposição dizendo
ÁGUA NA que “o uso instrumental do tema
FERVURA, [do valor da dívida pública] nas pi-
MUITAS cardias conjunturais é dispensável”,
VEZES ANTES numa frase que pareceu dirigida a
DE ELA CO- Cristas, que em vários debates con-
MEÇAR A SU- frontou António Costa com a ques-
BIR”, AFIRMA tão. E pareceu dirigir-se a Passos
À SÁBADO Coelho quando afirmou que a cha-
ve do sucesso no sistema bancário,
“noutras democracias europeias, a
começar nas nossas vizinhas, resi-
diu em não introduzir neste domí-
nio querelas tácticas” – isto numa
semana dominada pela segunda
comissão de inquérito à CGD.
À SÁBADO, Marcelo disse que
neste primeiro ano de presidência o
que mais o preocupou foram “as
questões do défice e do cumpri-
mento dos compromissos interna-
Televisão cionais – mas isso já esperava –, e
nunca mais: a banca – e isso não esperava”. E o
admite voltar, que torna a função mais cansativa é
quando muito, a opção que fez por “apostar na
a falar de livros função preventiva. Eu deito água na
e só de livros. fervura, muitas vezes antes de ela
Mas o regresso começar a subir. A minha maneira
ao comentário de ser é fazer pontes. Não me zango
político está pessoalmente com ninguém.”
afastado. Belém No final da intervenção na CIP
fecha esse ciclo deixou uma nota pessoal sobre a
forma activa e interventiva como
exerce o cargo. Poderia, diz, falan-
do na terceira pessoa, “ter optado
pela posição mais cómoda de se
preservar, a benefício de um ale-
gado ou hipotético reforço de au-
toridade para decisões de emer-
gência última ou para juízos histó-
ricos acerca dos desconcertos do
sucedido”, numa alusão a fazer
j lembrar (sem nunca o nomear) o
Ao lado de Mário recente livro de Cavaco Silva. E
Centeno e de Cal- terminou: “Mas escolheu não cor-
deira Cabral, antes rer o risco de pecar por omissão.”
de ir ao palco exi-
gir um crescimen- Marcelo poderá ter outros pecados
to mais robusto políticos – mas nunca esse. W
55
 Portugal
FUNDOS. SECRETÁRIO DE ESTADO DA INDÚSTRIA
ENTRE
MARIDO E
MULHER...
... o Estado não mete a colher. João
Vasconcelos foi sócio de um fundo que
investiu dinheiros comunitários no
negócio da mulher. Por BrunoFariaLopes
oão Vasconcelos, actual se-
J cretário de Estado da In-
dústria, foi sócio da empre-
sa de capital de risco Go Big
or Go Home que, em Dezembro de
2010, investiu 400 mil euros na
Eco Choice – uma empresa que ti-
nha como accionista e administra-
dora a sua mulher, Isabel Domin-
gues dos Santos. Cerca de dois ter-
ços do investimento feito pela Go
Big or Go Home, 260 mil euros, fo-
ram financiados por fundos comu-
nitários ao abrigo do programa FI-
NOVA, gerido pela entidade públi-
ca PME Investimentos. Vasconce-
los, com um passado ligado ao
empreendedorismo e hoje com
funções políticas na área, confirma
o investimento à SÁBADO, defen-
de que actuou dentro da lei e rejei-
ta que haja um conflito ético.
A PME Investimentos, que quan-
do avaliou o investimento não pro-
curou informação sobre relações
entre accionistas de uma empresa
e de outra, justifica à SÁBADO que
não o fez porque à luz das regras
estabelecidas a situação não repre-
56
h
João Vasconcelos,
41 anos, confirma
o investimento
GLOBAL NOTÍCIAS
e nega que tenha
significado um
conflito ético
sentava um conflito de interesses.
As orientações europeias nesta
área mudaram a partir de 2012,
passando a incluir ligações conju-
gais no âmbito de um potencial
conflito de interesses na aplicação
de dinheiros públicos – seja numa
autoridade de gestão desses di-
nheiros ou num organismo inter-
mediário – merecedor de identifi-
cação e de avaliação (não necessa-
riamente de proibição).
A Go Big or Go Home, fundada
VASCONCE- em 2010, foi uma das 54 entidades
LOS E A PME seleccionadas pela PME Investi-
INVESTI- mentos ao abrigo de uma linha de
MENTOS DE- financiamento reembolsável para
FENDEM A business angels – os “anjos” são
LEGALIDADE pessoas com património elevado e
DA OPERA- que investem num negócio, tipica-
ÇÃO DE 2010 mente a dar os primeiros passos,
em troca de uma participação no
capital. Neste caso concreto, busi-
ness angels como a Go Big or Go
Home tinham um contrato de fi-
nanciamento com o Fundo de
Apoio ao Financiamento à Inova-
ção, o FINOVA, e investiam com
fundos comunitários – quando a
PME Investimentos aprovava uma
operação, os “anjos” punham do
seu bolso 35% do total investido e o
FINOVA os restantes 65%. A lógica
desta parceria entre público e pri-
vados é de que os business angels
têm experiência acumulada e uma
rede ampla de contactos, podendo,
em tese, ajudar o FINOVA a identi-
ficar oportunidades.
A Eco Choice, uma pequena em-
presa de consultoria para constru-
ção sustentável, foi o primeiro in-
 2 MARÇO 2017
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PUB
OS BUSINESS vestimento feito pela Go Big or Go
ANGELS Home: um aumento de capital de
PÕEM 35% 400 mil euros, 260 mil oriundos do
DO SEU BOL- FINOVA. Os restantes 140 mil euros
SO E 65% foram postos em partes iguais pe-
VEM DOS los seis sócios identificados nos es-
FUNDOS PÚ- tatutos da Go Big or Go Home, pes-
BLICOS DO soas conhecidas no empreendedo-
FINOVA rismo nacional: Armindo Monteiro
(presidente da Compta e ex-presi-
dente da Associação Nacional de
Jovens Empresários – ANJE), Fran-
cisco Maria Pinto Balsemão (admi-
nistrador da Compta, da Impresa,
ex-presidente adjunto da ANJE e fi-
lho de Francisco Balsemão), Jorge
Santos Carneiro (presidente da Sa-
ge Portugal), João Filipe Neto (fun-
100
milhões
dador da NDrive e ex-administra-
dor da própria Eco Choice), João
Dotação total Vasconcelos (ex-vice-presidente
do FINOVA da ANJE e, à data, assessor do pri-
para investir meiro-ministro José Sócrates) e
em inovação Tiago Gali Macedo. A Eco Choice
empresarial foi também o maior dos três inves-
timentos feitos pela Go Big or Go
Home, absorvendo mais de metade
do capital de 270 mil euros posto
pelos sócios, que aprovaram a ope-
ração por unanimidade.

Lei omissa, contrato deixa

Questionado pela SÁBADO sobre
40%
Quota que a Go
se um investimento com recurso a
fundos públicos na empresa da sua
Big or Go Ho- mulher (com quem casou em 2010)
me, com fun- configurou uma situação de confli-
dos próprios e to de interesses, João Vasconcelos
do FINOVA, as- começa por apontar a cláusula de-
sumiu na Eco finida pela PME Investimentos no
Choice contrato de financiamento sobre
impedimentos: de uma forma ge-
ral, a Go Big or Go Home só não
podia investir numa empresa em
que um dos seus accionistas fosse
também accionista. Mesmo nesse
caso, o investimento poderia até
ser permitido mediante o cumpri-
mento de alguns critérios avalia-
dos pela entidade pública.
“O legislador e as partes não de-
VASCONCE- terminaram outros impedimentos,
LOS DIZ CO- nomeadamente limitando a liber-
NHECER OU- dade contratual ao cônjuge e ou-
TRAS SITUA- tros familiares sócios da Go Big or
ÇÕES SEME- Go Home”, afirma à SÁBADO o
LHANTES NO secretário de Estado da Indústria.
ÂMBITO DO “As limitações à liberdade das
FINOVA pessoas e do mercado têm de Q

57
 Portugal
D.R.
Q encontrar-se expressamente
consagradas pela lei ou pela von-
tade das partes. Daqui se conclui
que não existe qualquer impedi-
mento ou conflito de interesses no
investimento”, acrescenta.
A administração actual da PME
Investimentos, a entidade pública
responsável pela avaliação da
operação proposta pela Go Big or
Go Home, confirma que não tinha
de saber da relação conjugal.
“Uma vez que estas situações não
configuram conflitos de interesses
à luz das regras estabelecidas
para este tipo de operações, não é
recolhida informação sobre esta
matéria”, indica.
Quer o regulamento de gestão do
FINOVA, quer o decreto-lei que re-
gulamenta o fundo são omissos so-
bre conflitos de interesses – o as-
sunto é enquadrado e regulamen-
tado apenas no contrato de finan-
ciamento com cada entidade veí-
culo. O conteúdo dos contratos
nesta matéria “é igual para todos os
intervenientes, não havendo lugar
a quaisquer negociações indivi-
duais com estes últimos”, explica a
PME Investimentos.
E o que dizia a legislação nacio-
nal e europeia? A Agência para o
Desenvolvimento e Coesão, que
entre outras atribuições monitoriza
a gestão dos fundos comunitários,
indica à SÁBADO que “na consulta
aos diplomas relevantes [nacionais
e comunitários em 2010] em maté-
ria de contratação pública consta-
ta-se a inexistência de uma refe-
rência à expressão ou ao conceito
de conflito de interesses”. A mesma
agência – que a SÁBADO consul-
tou sem referir o caso específico da
Go Big or Go Home – lembra que
isto era assim no quadro anterior
de fundos comunitários, mas que
as orientações europeias mudaram.
Desde 2012 que para a Comissão
58
Europeia uma ligação conjugal en-
caixa numa definição ampla de
conflito de interesses. A Comissão
começou a preencher o aparente
vazio legal ao inscrever em 2012 no
regulamento financeiro do orça-
mento europeu essa definição:
“Existe conflitos de interesses sem-
pre que o exercício imparcial e ob-
jectivo das funções de um interve-
niente financeiro ou de outra pes-
soa (…) se encontre comprometido
por motivos familiares, afectivos, de
afinidade política ou nacional, de
interesse económico, ou por qual-
quer outro motivo de comunhão de
interesses com o destinatário.”
Na preparação para o pacote de
fundos comunitários entre 2014 e
2020, o Organismo Europeu de
Luta Anti-Fraude remete para esta
definição ampla – a que estão su-
O político startup
Vasconcelos foi visado nas
polémicas viagens ao Euro
O secretário de Estado da In-
dústria, 41 anos, fez percurso nas
startups e na política. Foi direc-
tor executivo da Startup Lisboa
entre 2011 e 2015 e vice da AN-
JE. Pelo meio foi assessor no ga-
binete de José Sócrates. João
Vasconcelos foi um dos políticos
que viajou a convite da Galp a
França para ver os jogos da se-
lecção. Na altura admitiu o con-
vite, disse ter pago
o bilhete e per-
guntou à petrolífe-
ra se havia despe-
sas adicionais a
pagar. Acabou
por ficar à mar-
gem da polémica.
www.sabado.pt
g jeitas as entidades públicas gesto-
O secretário de ras dos fundos e “qualquer organis-
Estado da Web
Summit fez o seu mo intermediário” – e recomenda
percurso no sec- que as entidades públicas definam
tor das startups procedimentos de controlo, que in-
e na política
cluam uma declaração inicial de
ausência de conflitos de interesse e
“registos de quaisquer conflitos que
tenham surgido, para demonstrar
como foram resolvidos”.
Sobre a existência de um conflito
ético – além do plano legal –, João
Vasconcelos considera que não fa-
ria sentido que o mérito do projec-
to fosse prejudicado apenas porque
Isabel Santos era sua mulher. Vas-
concelos defende que na fase ini-
cial de um projecto é importante
para um business angel conhecer
bem a equipa da empresa benefi-
ciária e que há vários casos em
Portugal de “relações especiais”
nesta área, incluindo algumas re-
lações conjugais.
Eco Choice
Isabel Santos é Grupo Lena foi padrinho
administradora A Eco Choice foi fundada em 2007
e accionista da após Isabel Santos, engenheira
consultora que que trabalhava na Galp, ter ganho
fundou após ter um concurso nacional de em-
ganho um con- preendedorismo que lhe valeu um
curso nacional prémio financiado pelo Grupo Le-
de empreende- na: financiamento para tornar a
dorismo ideia realidade. A empresa come-
çou por ser uma participada do
grupo de Leiria, que sairia anos
depois – em Abril 2010 Joaquim
Paulo da Conceição, que também
era administrador de negócios do
Grupo Lena, abandonou a admi-
nistração da Eco Choice. Isabel
Santos, de Leiria (como João Vas-
concelos), ficou ao leme.
Questionada sobre o balanço da
participação na empresa, a PME In-
vestimentos – sem dar detalhes
“por motivos comerciais da própria
empresa beneficiária” – considera
que a 31 de Dezembro de 2015, data
DESDE 2012 das últimas contas certificadas, “o
QUE, PARA financiamento do FINOVA encon-
BRUXELAS, tra-se valorizado”. A Eco Choice re-
UMA LIGA- gistou um resultado líquido de 58
ÇÃO CONJU- mil euros em 2015 e de cerca de 68
GAL IMPLICA mil euros em 2014, segundo a base
POTENCIAL de dados Informa D&B. A mesma
CONFLITO base de dados contabiliza oito tra-
DE INTE- balhadores à data e vendas de 901
RESSES mil euros em 2015. W

ENERGIA. TRANSIÇÃO IMEDIATA DE MARIANA OLIVEIRA
DOGOVERNOPARAOREGULADOR
Primeiro, Seguro Sanches nomeou aeconomistasuaadjunta. Depois, indicou-aparaaERSE. Por Octávio Lousada Oliveira
8 de Janeiro de 2016 o secre-
A tário de Estado da Energia
nomeou Mariana Janelas
Oliveira para adjunta no seu gabine-
te. Pouco mais de um ano depois,
Jorge Seguro Sanches indicou a eco-
nomista para o Conselho de Admi-
nistração da Entidade Reguladora
dos Serviços Energéticos (ERSE) –
sem período de transição.
Apesar ter superado o crivo da
Comissão de Recrutamento e Se-
lecção para a Administração Públi-
ca (CReSAP), com um parecer em
que se conclui que o seu perfil é
“adequado” para as funções na en-
tidade que regula o gás natural e a
electricidade, Mariana Janelas de
Oliveira não convenceu por com-
pleto os avaliadores. O documento,
consultado pela SÁBADO, não é
brando nas recomendações.
Não sendo vinculativo, o parecer
atribui notação “+” em nove parâme-
tros, “+/-” noutros dois, ao passo que
o “–” é escolhido num único (mas re-
levante) aspecto: a formação profis-
sional. “(...) recomenda-se assim for-
temente que a personalidade em
causa complemente a sua formação
Outros casos
Antigos governantes
já passaram pela ERSE
Antes de Mariana Oliveira, o
caso mais flagrante da relação
entre a ERSE e o poder foi o de
Artur Trindade, ex-secretário de
Estado da Energia. Saiu do regula-
dor para o Governo e foi depois
nomeado para o organismo.
O deputado Ascenso Simões dei-
xou o Governo em 2009
e em 2010 tornou-se ad-
ministrador da ERSE.
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FALTA académica, de forma sólida e muito riana Janelas Oliveira – que não res-
APENAS A
LUZ VERDE
DO CONSE-
exigente, em regulação ou em eco-
nomia da energia, reforçando os co-
nhecimentos especializados que de-
pondeu aos pedidos de comentário
da SÁBADO – ouviu as questões dos
deputados na Comissão de Econo-
LHO DE monstra possuir já”, pode ler-se no mia, Inovação e Obras Públicas
MINISTROS parecer, de 8 de Fevereiro, assinado (como a lei-quadro das entidades re-
PARA CON- pela presidente da CReSAP em subs- guladoras determina) e sinalizou es-
FIRMAR A tituição, Maria Proença de Almeida. tar disponível para complementar a
NOMEAÇÃO E assinala: “A assunção de responsa- sua formação assim que isso lhe seja
bilidades ao nível da direcção de topo fisicamente possível, uma vez que
i exige, naturalmente, uma formação está grávida.
Seguro Sanches sólida em gestão, que deve ser inicia- Sobre um eventual conflito de in-
nomeou Mariana da de imediato” – e “numa instituição teresses por transitar directamente
Oliveira para o seu
gabinete há pouco académica reputada e exigente”. do gabinete com a tutela da Energia
mais de um ano Na terça-feira 21 de Fevereiro, Ma- para o regulador do sector, afirmou
que a independência da ERSE – com
a qual já tinha colaborado em as-
suntos relacionados com os custos
das tarifas de electricidade e gás na-
tural, bem como no plano da estra-
tégia internacional – é garantida
através do conhecimento e da for-
mação (ética, académica e profissio-
nal). E puxou dos galões quando fa-
lou da liderança de diversos grupos
técnicos para sublinhar a experiên-
cia que acumulou e que considera
um trunfo para a ERSE, que passará
a ser liderada por Cristina Portugal.
O gabinete de Seguro Sanches re-
corda que Mariana Janelas Oliveira
é quadro da ERSE desde 2011 e
“tem carreira feita no sector”. À
SÁBADO disse ainda que “o quadro
em questão foi sujeito ao escrutínio
da CReSAP, tendo esta comissão
avaliado o cumprimento das regras
de incompatibilidade e impedi-
mento”. E reforçou: “Qualquer
membro do conselho de adminis-
SÉRGIO LEMOPS
tração de uma entidade reguladora
goza de um estatuto que lhe confe-
re independência face ao decisor
político e é sujeito ao escrutínio ri-
goroso e contínuo” do parlamento.
Como os deputados consideraram
que Mariana Janelas de Oliveira
reúne os requisitos necessários
para o novo cargo, só falta luz ver-
de do Conselho de Ministros. W
59
 Mundo
IRAQUE. REVELADAS MAIS ATROCIDADES DO ESTADO ISLÂMICO
UMACASA,
UMAPRISÃO,
UM INFERNO
A habitação de um ex-oficial iraquiano foi usada
pelo grupo terrorista para torturar e matar centenas
de pessoas perto de Mossul. Por Octávio Lousada Oliveira
FOTOS REUTERS
a porta, um graffito em
N jeito de aviso: “Esta casa
pertence ao Estado Islâ-
mico.” Mas “casa” não
passava de um eufemismo para
prisão – improvisada pelos jihadis-
tas para torturar e matar quem lhes
apeteceu em Hammam al-Alil,
uma cidade da margem ocidental
do rio Tigre, situada a sul de Mossul
(um dos últimos redutos do grupo
terrorista no Iraque).
As atrocidades ali cometidas têm
sido desvendadas à medida que o
Estado Islâmico é expulso de zonas
que ocupara. Os relatos multipli-
cam-se e ganham escala. Yad este-
ve entre as centenas de detidos
pelo grupo terrorista. Sofreu horro-
res, como recordou ao jornal espa-
nhol El Mundo. “Se não confessa-
60
g res, vou arrancar-te o coração pe-
O militar que com-
bateu o Daesh ins-
pecciona a prisão
improvisada de
Hammam al-Alil,
onde morreram
inúmeras pessoas
las costas!”, disse-lhe um dos tortu-
radores. O objectivo era Yad con-
fessar estar (ou ter estado) ao servi-
ço do governo iraquiano, chefiado
por Haider al-Abadi.
“Confessa – dizia-me ele – ou
matamos toda a tua família!”, re-
forçava Yad. “E, então, pegou num
alicate e arrancou-me um dente. A
dor foi tanta que desmaiei.”
Quando recuperou os sentidos, o
“O DIABO torturador continuava ao seu lado,
FICARIA pronto para continuar o trabalho na
ESPANTADO prisão improvisada em Hammam Ofensiva
COM OS al-Alil, cidade de onde o grupo ter- Soldados iraquianos detêm
MÉTODOS rorista foi expulso há pouco mais de um suspeito de pertencer
DO ESTADO um mês. Sovas intermináveis, pri- ao Estado Islâmico,
ISLÂMICO”, vação de sono, descargas eléctricas, nos arredores de Mossul
DIZ VIZINHO os abusos eram intermináveis para
DA PRISÃO obter uma confissão forçada.

Ainda em Novembro, Riyad
Ahmed, de 30 anos, contou à Reu-
ters aquilo que vira e ouvira a par-
tir do outro lado da rua. Pelas cor-
tinas do seu quarto espreitava
aquele centro de detenção. E sabe
o que se passava: “O próprio diabo
ficaria espantado com os métodos
de tortura do Estado Islâmico. Vão
para lá da nossa imaginação.” O
professor de inglês confessa que
passaram muitas semanas mas que
é incapaz de expulsar da cabeça os
gritos de agonia das vítimas.
“Eles torturavam as pessoas lá
dentro e depois traziam-nas para
fora e disparavam sobre elas ou
cortavam-lhes as gargantas”, con-
tou ainda Riyad. Só da sua rua seis
pessoas foram executadas, in-
cluindo o seu próprio pai, coronel
Recuperação
Ponte-chave controlada
pelas forças iraquianas
O exército iraquiano voltou a
controlar na segunda-feira, 27,
uma ponte sobre o rio Tigre em
Mossul, no nono dia da ofensiva
para recuperar a zona oeste da
cidade ainda nas mãos do Esta-
do Islâmico. A chamada “quarta
ponte” – são cinco a atravessar o
Tigre na sua passagem pela cida-
de – pode ser decisiva nos próxi-
mos embates, uma vez que, con-
firmou o coronel Falah al-Wab-
dan, das Forças de Intervenção
Rápida do Ministério do Interior,
existe a possibilidade de a
reabilitar para ser atravessada
por munições e outro material.
do exército iraquiano. Foi execu-
tado assim que os terroristas che-
garam à cidade – que antes con-
tava com cerca de 40.000 habi-
tantes e hoje tem perto de metade
– e ele soube da maneira mais
inacreditável.
“Um dia vieram a minha casa e
disseram-me que tinham matado
o meu pai. Avisaram-me que se
tentasse procurar o corpo me en-
terrariam com ele”, revelou Riyad.
A sala da tortura
Execuções Situada numa zona que já foi das
As autoridades mais prósperas de Hammam al-
locais dizem que -Alil, a prisão de dois andares foi
mais de 100 em tempos um edifício residen-
pessoas foram cial, que tinha como proprietário
executadas (qua- um oficial iraquiano. Apesar de
se todas à noite) estar hoje quase toda queimada,
naquele local ainda se vislumbram os resquícios
do “inferno na Terra”, como a po-
pulação passou a chamar-lhe.
No primeiro piso, quatro quartos
A CIDADE maiores serviam de palco para
PERDEU julgamentos sumários e duas ce-
QUASE las grandes onde homens e mu-
METADE DA lheres dormiam de pé e faziam as
POPULAÇÃO suas necessidades. Os homens
DESDE QUE acabavam quase todos por ser
FOI TOMADA mortos; às mulheres diziam que
PELO ESTA- tinham de esquecer os maridos e
DO ISLÂMICO casar com combatentes do Estado
2 MARÇO 2017
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Islâmico para expiarem os peca-
dos. Subindo as escadas, encon-
tram-se cinco celas de um metro
e meio. Em cada uma chegaram a
esmagar-se uns contra os outros
seis prisioneiros, como conta Sa-
mer, outro dos que foi torturado.
Ainda existem vestígios dos mas-
sacres: sangue seco e unhas (ar-
rancadas), comida podre, farrapos
e paredes riscadas.
O cenário é ainda mais negro na
sala das torturas: uma cama de fer-
ro, uma picareta para assestar gol-
pes e uma bateria usada para dar
choques eléctricos nos genitais, na
língua e nos mamilos. “Pendura-
ram-me pelo pescoço e deixaram-
-me em bicos de pés durante ho-
ras, a dor era insuportável. Bate-
ram-me com paus até ficar incons-
ciente. Electrocutaram-me várias
vezes até que senti que ia morrer”,
contou Samer ao El Mundo.
Vida salva pelas aulas
Com o pai morto, Riyad e a família
tiveram de suportar o ambiente de
medo em que Hammam al-Alil
estava mergulhada. Mais: os ele-
mentos do Estado Islâmico só lhes
permitiam continuar na sua pró-
pria casa mediante o pagamento
de uma renda – uma prestação
aos terroristas que comprava afi-
nal o “direito de viver”, explicou.
Dali ouviam tiros nos campos de
cultivo das redondezas e as exe-
cuções dos que tentavam escapar
das zonas controladas. Houve
uma coisa que o ajudou a ficar
vivo, apesar do sofrimento que
isso lhe provocou: Riyad, profes-
sor de inglês, foi obrigado a dar
aulas aos homens que mataram o
seu pai. “Se recusasse, garantiram
que me enforcariam na ponte de
Qayyarah”, a cerca de 30 quiló-
metros da cidade.
Os terroristas não eram só sírios
ou iraquianos; havia franceses,
chineses, afegãos e tajiques. “Mui-
tos escaparam quando a popula-
ção foi libertada”, diz Riyad. Asse-
gura que estão a salvo na vizinha
Turquia. Quase todos os dias, in-
siste, vê os seus perfis no Face-
book, e acredita que eles nunca
pagarão pelos seus crimes. W
61
Dinheiro

OFFSHORES. OS 10 MIL MILHÕES DE EUROS TRANSFERIDOS SEM ANÁLISE DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA

O ALVO QUE NÃO

O historial das inspecções às transferências para paraísos fiscais comunicadas pela banca rev

Controlo
O dinheiro transferido
e declarado, em tese já
foi sujeito a tributação
em Portugal – se assim
for não há ilegalidade

A pilha
As Bahamas foram o
offshore que recebeu Empresas
mais dinheiro oriundo São responsáveis
de Portugal em 2015: por cerca de 98%
4,8 mil milhões das transferências
para paraísos fiscais
 2 MARÇO 2017
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ATRAI O FISCO
ela ganhos muito magros de receita. E há boas razões para isso. Por Bruno Faria Lopes

ntre 2011 e 2014, um con-

Hong Kong
E junto vasto de operações
que totaliza cerca de 10 mil
milhões de euros foi co-
municado pelos bancos ao Fisco,
mas alegadamente não foi analisa-
E o Panamá – são dois do pelo Fisco – este é, em resumo,
destinos constantes o caso mais recente a marcar a po-
nas transferências lítica portuguesa, noticiado pelo
financeiras a jornal Público a 21 de Fevereiro. As
partir de Portugal Finanças informam que estão a in-
vestigar as operações em causa
para determinar as razões do não
tratamento e, sobretudo, quanto
ficou por apurar de imposto devido
aos cofres do Estado. As responsa-
bilidades dos bancos no reporte
destas operações e os dados dos
Em 2011 últimos relatórios oficiais de com-
As acções inspectivas bate à fraude e evasão fiscal suge-
do Fisco a estas trans- rem uma resposta possível a esta
ferências renderam última questão: deverá ser muito
apenas 500 mil euros baixo o montante de impostos que
em imposto por cobrar ficou por apurar, sobre o qual o
Estado dispõe de uma janela legal
de 12 anos para cobrar.
Os referidos relatórios publica-
dos desde 2010 revelam resulta-
dos parcos do cruzamento entre o
chamado Modelo 38 – que os
bancos enviam ao Fisco com a
descrição dos pagamentos feitos a
partir de contas dos seus clientes
para contas em paraísos fiscais –
Menos off e outras declarações. Em 2015 –
Acordos de troca de in- ano-recorde de transferências
formações entre o Fis- para offshores, já fora do período
co e vários destes “pa- que motiva a polémica actual –
raísos” foram celebra- dos 377 procedimentos inspecti-
dos nos últimos anos vos a estas operações resultou
apenas 1 milhão de euros de
ISTOCK

imposto em falta. Q

63
 Dinheiro
Q Nos relatórios de 2013 e de
2014 não há referência a valores
(em 2014 o Fisco informa que 78%
dos casos em falta foram regulari-
zados voluntariamente, mas não
quantifica). Em 2012, a Autoridade
Tributária refere, sem quantificar,
“dezenas de milhões de euros de
matéria colectável [sobre a qual in-
cide o imposto] em falta” – o im-
posto por apurar será uma parte
desse valor. O relatório de 2011 re-
fere “centenas de sujeitos passivos
com indícios de inexactidões ou
omissões de rendimentos”, mas in-
forma que nos cruzamentos feitos
nesse ano (alguns terão sido no ano
seguinte – o controlo demora
meses) foram apurados cerca de
500 mil euros de imposto em falta.
Em 2010, a análise de 243 casos
de transferências de particulares
resultaram no apuramento de 4.277
euros de imposto em falta, 4% do
montante analisado.
Todos estes são números muito
baixos quando se olha para o mon-
tante das transferências para
offshores: 2,9 mil milhões de euros
em 2010, primeiro ano da divulga-
ção das estatísticas, 4,4 mil milhões
em 2011 ou o recorde de 8,7 mil
milhões em 2015 (devido à transfe-
rência de boa parte da venda da PT
à Altice, como noticiou o Correio
da Manhã em Janeiro deste ano).
Um esforço inglório
Um ex-titular da pasta dos Assuntos
Fiscais indica à SÁBADO que é as-
sim porque, desde logo, os bancos
“respondem solidariamente” por fa-
lhas graves detectadas pelo Fisco –
a banca tem um forte incentivo para
assegurar compliance com as re-
gras, ou seja, declarar todas as trans-
ferências processadas. Em segundo
lugar, porque a esmagadora maioria
do dinheiro declarado que sai para
jurisdições com tributação muito
baixa e opacidade garantida, vulgo
paraísos fiscais, paga imposto antes
da transferência declarada no Mo-
delo 38 – um exemplo que a mesma
fonte adianta são as mais-valias de
investimentos na Bolsa de Lisboa –
“se não fosse o dinheiro que vai e
vem de offshores não havia Bolsa”,
afirma –, taxados a 25% na fonte.
64
1 2
1 transacções comerciais. é este últi-
Paulo Núncio, mo caso que justifica a maior parte
ex-secretário de Modelo 38
Estado da área: do dinheiro que sai para offshores.
O que os bancos têm
um homem Para muitas empresas importa-
sob pressão de enviar às Finanças
doras – seja de têxteis, de hardwa-
2 Chama-se declaração de re informático ou de equipamento
Rocha Andrade transferências transfronteiriças para montar estações de electrici-
mandou analisar – ou Modelo 38. Os bancos es- dade – é relativamente comum pa-
as transferências
para saber se há tão obrigados a enviar ao gar uma encomenda ao fornecedor
imposto a haver Fisco dados sobre pagamen- para um número de conta offshore,
tos feitos por clientes seus para explica o fiscalista. Uma empresa
jurisdições offshore: nome, des- que organize importações a partir
tino, quantia e razão da transfe- da Ásia para a Europa, por exem-
rência estão entre os campos a plo, pode ter uma empresa de
preencher. São os trading pelo meio sediada num
dados deste offshore – a utilização de Hong
modelo que Kong, para onde saíram 1,2 mil mi-
não terão lhões em 2015, está em parte rela-
sido analisa- cionada com a importação de
dos pelo Fisco. produtos a partir da China.
O baixo retorno do cruzamento
de dados entre uma amostra dos
milhares de transferências comuni-
cadas pelos bancos e outras decla-
O fiscalista João Espanha explica rações é um aspecto-chave que ex-
que as leis aprofundadas ao longo plica a escassa prioridade dada por
da última década limitam muito a sucessivas equipas governativas a
fuga fiscal via pagamentos declara- este controlo. “A Autoridade Tribu-
dos a partir de Portugal para tária está afogada em informação e
offshores – mais preocupantes e tem dificuldade em destrinçar o
EM 2015, AS complexos para todas as autorida- que vale e não vale a pena tratar”,
INSPECÇÕES de tributárias são os pagamentos aponta João Espanha. Com recur-
AO MODELO realizados entre offshores, acres- sos humanos escassos e metas
38 RENDE- centa um ex-titular da pasta dos anuais exigentes – decorrentes do
RAM SÓ 1 MI- Assuntos Fiscais. O fiscalista aponta constante estado de necessidade
LHÃO DE que o dinheiro enviado para das finanças públicas – o Fisco
EUROS. NO offshores tem duas origens princi- tende a focar-se nas inspecções
IVA RENDE- pais: ou decorre de transferências que trazem mais receita. Em 2015,
RAM 597 ao abrigo da liberdade de circula- o mesmo ano em que as inspec-
MILHÕES ção de capitais ou tem origem em ções ao Modelo 38 renderam 1
 uma organização
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O QUE MAIS milhão de euros de receita, a acção
PREOCUPA inspectiva no IVA valeu 597 mi-
NÃO SÃO AS lhões de euros cobrados, cerca de
TRANSFE- 78% do total recuperado nesse ano
RÊNCIAS no combate à fraude e à evasão.
PARA Os offshores significam uma per-
OFFSHORES, da de receita para todas as outras
MAS ENTRE jurisdições e representam um pro-
OFFSHORES blema de transparência – os rendi-
mentos do dinheiro ali depositado
são taxados no offshore (muitas ve-

3, 4 E 5 DE MARÇO
zes com imposto zero); por outro
lado, é através dos offshores (so-
bretudo da triangulação entre dife-
rentes offshores) que se canaliza
dinheiro para financiar actividades
Os planos ilícitas. Vários Estados, incluindo
de actividades Portugal, têm celebrado acordos de
do Fisco troca de informação com algumas
prestam
relativamente
dessas jurisdições e a Comissão
Europeia prometeu uma resposta
O melhor Show da Europa,
pouca atenção à musculada ao problema após a di-
fiscalização das vulgação dos Panama Papers, uma depois do Show de Munique!
transferências fuga massiva que revelou como a
para offshores elite mundial se protege da tributa-
ção com os offshores.

Quanto se perdeu?
Segundo o Expresso, que cita uma
fonte anónima, o Ministério das Fi-
nanças já apurou o imposto em fal-
ta relativo às transferências para
offshores que terão ficado por fis-
calizar. A SÁBADO perguntou a
fonte oficial das Finanças se o valor
766
milhões
já foi apurado e quanto é o imposto
em falta, mas até ao fecho da edi-
Impostos ção não obteve resposta.
recuperados em A revelação da saída de 10 mil
2015 no comba- milhões de euros para offshores
te à fraude e à acabou por marcar a agenda me-
evasão. Cerca diática e política. Paralelamente à
de 78% vem de questão do não tratamento da in-
inspecções na formação declarada pelos bancos
área do IVA – algo que as Finanças estão a in-
vestigar – está a publicitação dessa
informação. Paulo Núncio, ex-se-
cretário de Estado na era PSD/CDS,
começou por afirmar que a res-
“SE NÃO ponsabilidade pela não publicação
FOSSE O DI- das estatísticas era dos serviços da
NHEIRO QUE AT, mas acabou por ser contrariado
VAI E VEM DE pelo ex-director-geral dos Impos-
OFFSHORES tos, José Azevedo Pereira – e aca-
NÃO HAVIA bou por assumir numa nota à co-
BOLSA DE municação social a “responsabili-
LISBOA”, DIZ dade política” pela não publicação, 3 E 4 MARÇO DAS 14H30 ÀS 21H00 • 5 MARÇO DAS 14H30 ÀS 20H00
UM EX-GO- demitindo-se das funções que ti-
VERNANTE nha até ao momento no CDS. W Hotel Pestana Palace
Rua Jau, 54 / Alto de Santo Amaro
65
Lisboa
 Sociedade

Entrevistadevidaa
JOÃOPERRY
Erao Perryzinho, filho do actorcom o mesmo nome e apelido. Estreou-se aos
12 anos, viveu em Paris, Londres e NovaIorque, roubou comprimidos para
umatentativafalhadade suicídio, “coisade adolescentes”. Tem 76, umapeça
em cena, outraem preparação. Por AnaTaborda(texto)eAlexandreAzevedo (fotos)

“Vivimelhorsem
paixões?Vivi.
Senãonão
teriavivido”
reino dele começou por h autocontemplações, mas posto em

O ser o armazém de adere-

ços, “satisfeitíssimo por
poder deitar a mão a uma
coisa que tinha visto em cena”, por
“deitar a mão à moldura”. O teatro
parecia-lhe, diz João Perry, entre gar-
galhadas – muitas, a entrevista toda
– “uma estação de metro, sempre a
entrar e a sair gente”. Era o único
miúdo por lá, “muito chato, sempre a
fazer perguntas”, a entrar nos cama-
rins com pessoas em cuecas e a es-
conder coisas nos buracos do chão.
A casa era sítio de poucos afectos – a
mãe deu-lhe o primeiro beijo aos 18
anos – mas no teatro havia “beijoca-
lhices” constantes. “Às vezes não que-
ria, achava excessivo, não sou de
chocalhar os outros para dizer que
gosto deles.” Fala com uma lingua-
gem só dele, em que se vai ao con-
certo dos The Mamas & The Papas
para “esculhambar”, como se estives-
se em cena. E está, até dia 12, com O
Pai, no Teatro Aberto, em Lisboa.
Napeçaque estáafazeragoraé
um homem jáde umacertaidade,
com Alzheimer. Isso assusta-o?
Assusta-me imenso. Não tenho tem-
po para essas espreguiçadeiras de
João Perry à jane-
la da casa onde
tem 8 toneladas
de livros e de
papel – pesou-as,
quer tirar tudo
para umas obras
frente a uma personagem que tem
um percurso de decadência acelera-
do... Vi muitas pessoas neste estado.
Paraprepararestapeça?
Sim, não podes falar de uma coisa
que não sabes o que é, que não
olhaste para os olhos da pessoa nem
F viste se a mão treme, se o líquido cai
“Vibastantes da boca, se chora e depois pára e pa-
pessoas com rece que não chorou antes.
Alzheimer. Custa-lhe sairdestapeça?
Não podes Muito. Fico duas horas a condescen-
falarse não der com os outros, a dizer que sim
sabes se a porque não sei o que me estão a pe-
mão treme, se dir, tanto faz, amanhã vejo. Exaspe-
o líquido cai ra-me. Não quero mais nada assim.
da boca, se Que papéis gostavade teragora?
chora e pára Pessoas com uma vida normal, mais
logo” novas, saudáveis. É que depois são
muitas sombras, fica sempre a me-
F mória. Isto é na borda do vulcão, um eu gostasse, nada. Morais Sarmento
“Era dia pode escorregar o pé e lá vamos nunca ninguém me chamou, só
conhecido por pela encosta abaixo. É esquisito. aquela parentela mais complicada.
Perryzinho. Como é que João Rui Morais Sar- Até aínão tinhafeito nada, nem se-
Só mecha- mento Paquete se estreiaem palco quernaescola?
mou Morais aos 12 anos como João Perry? Nunca tinha dito uma poesia numa
Sarmento Eu era conhecido pelo Perryzinho, o festa de família, achava aquilo uma
aquela filho do actor João Perry. O meu pai michuruquice. Na escola tinha imen-
parentela morreu com 39 anos, tinha eu 9, e a sa vergonha, eles faziam muito mal,
mais minha mãe, inconsolável viúva, que- não era o que eu conhecia, o espec-
complicada” ria que eu fosse João Perry. Não é que táculo. Eu conhecia a alta doçaria, o

66
 www.sabado.pt

bolo de arroz para mim era só para
encher a barriga. E eu não queria en-
cher a barriga, queria ser arquitecto,
contrariando a vontade da minha
mãe, que queria que eu fosse médico.
O meu pai não queria que fosse nada,
tenho impressão, não teve tempo
para isso.
O seu pai, que o levavaao teatro.
Levava-me para o teatro, nunca ao
teatro, é diferente. Ir para o teatro é ir
para o edifício onde a coisa se passa.
Havia sempre muitos bombons e
caramelos, pelo menos a minha
recordação prioritária era essa.
O seu pai foi protagonistade uma
peçade Humberto Delgado, Asas,
que estreou no Natal de 1942, a24
de Dezembro.
Foi um dos Natais em que o meu pai
não foi, com certeza. Foi bom, fiquei
educado nessa história das celebra-
ções. A minha mãe às vezes prepara-
F va-me, depois percebia que era em
“Não tive vão e o cenário desaparecia.
essas coisas. E preparavaárvore de Natal?
Natais, Não, que me lembre nunca. Não tive
aniversários, essas coisas. Natais, aniversários, não.
nunca. Sentia É bom, regimenta a pessoa.
inveja, às Tentou perceberporquê?
vezes. Ébom, Para quê? Não tinha. Sentia inveja, às
regimenta a vezes. Mas preencher vazios de
pessoa” afecto com símbolos que não têm Q

67
 Sociedade
Q nada a ver contigo? Porque é que
me deu uma colher de pau dourada?
Para que serve uma coisa que não é
para ti, que te dão para dizer que de-
ram?
Houve mais actores nafamília, a
suaavó paterna, porexemplo.
Nunca vi, felizmente, parece que não
era grande espingarda, foi a própria
Amélia [Rey Colaço] que me disse.
Era uma senhora assustadora, que
aos 6 anos me punha a comer ovos
com gelatina e galantines, depois
aquilo fugia do prato e ela dizia que
não podia ser. Eu era um bocado pa-
cóvio, como ela dizia, depreciava-me
muito. Era engraçado, porque é moti-
vador. Para lutadores, claro.
Asuaavó maternaeradiferente?
É a pessoa de que eu me lembro mais
afectivamente, de colo, de festas, do
cheiro. E das coisas que me evitou,
porque educar uma criança é muito
complicado para a criança, é uma
submissão a uma ordem. E o afecto
minimiza esses tratos compulsivos.
Que tipo de peças gostavamais de
verquando eramiúdo?
Revistas, a revista era a Disneylândia
para mim, muita roupa, muita gente,
muitos cheiros e pestanas postiças.
Lembro-me de que na Electra e os
Fantasmas, do O’Neill, o [João] Villa-
ret dizia para a [Maria] Lalande, creio
eu, vai-te deitar que são horas. Eu
achava que era para mim e vinha-me
embora. E adorava quando via a
Amélia morrer na Águia de Duas Ca-
beças, ela caía pelas escadas abaixo
com um punhal espetado nas costas,
eu chegava lá atrás e estavam todos a
rir. Que mentira tão bem pregada.
Aquilo levava-me a acreditar.
Porque é que diz que erauma
criançainsuportável?
Estava sempre a fazer perguntas. E
era tolo, davam-me colecções de sol-
dados de chumbo e eu adorava pô-
los a arder porque derretiam e era
um espectáculo fantástico,
melhor que os de celulóide, que tam-
bém me davam e eu... bumba. A mi-
nha mãe também não me levava a
casa das amigas porque eu cortava os
cortinados e as franjas com tesouras.
Cheguei a ser levado [a um médico]
para me acalmarem e fiquei cliente
de uma coisa que na altura se cha-
mava Luminaletas [antiepiléptico].
68
E as Luminaletas acalmavam-no?
Sei lá, era um drunfo. Tomava aquilo
quando ficava mais speedado. Isto foi
depois de uma crise mais complicada
com eles. Eu tinha imenso ciúme dos
afectos que via passar à porta.
De que é que se lembrado seu pai?
Era um galã, gostava dos seus múlti-
plos fatos. Depois de ele ter morrido
passei a vestir os seus casacos
de tweed e sentia um degredo…
Estranhamente, não é?
Os seus pais foram casados até ao
seu pai morrer?
Sim, e a minha mãe foi casada até ao
fim da vida [96 anos], extraordinário.
Como eraacasaonde cresceu?
Era pouco. É complicado ser filho de
uma pessoa que é idolatrada, a quem
se consente tudo. És só o produto da-
quele vaso, não se tem nunca priori-
dade. Então com a mesma profissão...
O seu pai preocupava-se muito
com ele próprio, asuamãe com o
seu pai. Como eraconsigo?
O meu pai era um pólo de distracção,
tinha sempre muitas solicitações ex-
ternas à família. À família, bom, à fa-
mília. E arrastava-me para essas dis-
tracções como há quem leve malas e
armários. Eu gostava muito, variava
imenso de pessoas que me levavam a
comprar roupa, mudava de escola.
Amigos e amigas do seu pai?
Amigas. Fui amigo de algumas, das
que assumiram isso como tendo
acontecido, porque outras fizeram de
conta que naquele coqueiro nunca ti-
nham trepado. Só era antipático por-
g que quando voltava para casa da mi-
Na aranha do nha mãe perdia tudo, não podia usar
Teatro Aberto,
onde é o protago- nada da existência paralela.
nista de O Pai. Essas existências paralelas
A seguir vai en- duravam quanto tempo?
cenar outra peça
Uns mesesitos, quando duravam, ele
fartava-se rápido. Às vezes antes dele
se desencantar eu voltava, porque a
minha mãe tinha uma espia, a Ade-
laide, costureira do meu pai, e quan-
do eu ia ao teatro ela dizia-lhe. Era
uma coisa de afectos truculentos.
Como foi essaprimeiragrande cri-
se com os seus pais?
Devia ter para aí 7 anos. O meu pai
F comprou um Buick, levou a minha
“Omeupai mãe a passear e a mim não, God
eraum galã, knows why. Quando voltaram a casa
depoisdeele eu tinha incendiado várias latas de
morrerpassei cera no corredor. E a minha mãe era
avestirosseus pouco amigável nessas situações.
casacosde Os castigos eram físicos?
tweed esentia Geralmente a minha mãe invocava o
um degredo. meu pai, que não se queria maçar,
Estranha- dizia que eu era maluco. Bateu-me
mente, uma vez, a pedido, a minha mãe foi
nãoé?” acordá-lo, acho que foi por isso. Eu
defenestrava tudo, era um pasto para
F essas aves junguianas, freudianas ou
“Atirava tudo lacanianas. Atirava tudo pela janela,
pela janela, moedas que tirava do mealheiro com
moedas que uma faca com marmelada. A minha
saíam do mãe zangava-se, claro, porque eu às
mealheiro vezes também atirava faqueiros.
com uma Estavaaborrecido?
faca com Era tonto. Uma vez desci de um se-
marmelada. gundo andar para o primeiro com
Efaqueiros, uma corda, porque não me deixavam
às vezes” sair de casa. Fiquei com as mãos to-

Avida
das queimadas. A minha mãe pediu,
o meu pai bateu-me, assim com o
chinelo, ou o que foi, não me lembro,
sei que não me aleijou. Depois fe-
chei-me na despensa, disse que só
saía quando ele pedisse perdão.
E ele pediu?
Não, de maneira que fui comendo
uns palitos La Reine que havia por lá,
bebendo um licor de tangerina. À
noite, a minha mãe foi lá, tens que ir
para a cama, silêncio, já devia estar a
dormir e fiquei. Até que o meu pai lá
veio, pelas 11h, hora a que acordava.
Não sei o que disse, só sei que saí.
Jábebiacom essaidade?
Sim, com uma palhinha, licores. Nin-
guém dava por nada. Devia ficar um
bocado paulado, claro, era maluco.
E aos 12 anos, quando começou no
teatro, que papel fazia?
Era filho da Amélia Rey Colaço, foi ela
que me convidou. Eram muito afecti-
vos comigo. Não tive razão de queixa
nenhuma até ter para aí 17 anos. A
adolescência é uma época terrífica, a
pessoa está-se a ajustar a um mundo
que não percebe, quer mudar a ma-
neira de ser dos outros e não conse-
gue, tudo o que faz eles emolduram
dizendo que é diferente, como se di-
ferente não fosse bom. Ah és novo,
que bom, que bom depende de como
a pessoa está a organizar o seu dicio-
nário. Depois coincidiu com o Romeu
e Julieta, pff.
Foi nessaalturaque foi viverpara
Paris e que tomou demasiados
comprimidos?
Sim. É daquelas coisas de adolescen-
tes românticos, ou pós-românticos.
Adolescentes. Paris é o abandono, a
desilusão. Estive lá oito meses, até ao
Natal, depois o Natal é aquela coisa.
Como arranjou os comprimidos?
Roubava nas casas das pessoas onde
ia, geralmente essas coisas estão nas
casas de banho, debaixo dos lavató-
rios ou nos armários. Tirava daqui
uns tantos, depois outros tantos,
quando achei que tinha suficientes
para fazer uma saída triunfal...
...não conseguiu.
Foi bom, o destino, doloroso e vexa-
tório, muito. É um acto falhado, é
preciso uma coragem muito grande
para se conseguir mesmo emborcar e
pensar que não se vai voltar atrás. E
não escrever cartas lamechas, aque-
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
las coisas de lamber os outros para os
culpar. Do abandono, da atenção?
1942
Com a mãe e o pai
Não deixou nada?
Nada, tomei aquela porcaria com
– também João água [termal] Vichy, para não estra-
Perry – numa praia gar o estômago, porque água da tor-
da Costa de neira nem em caso de morte tomo,
Caparica deitei-me e tive imensa pena de
mim. Fui salvo por sorte. Estava
numa pensão e nos últimos dois me-
ses tinha mudado para um quarto
1943
Aos 2 anos
maior, uma benesse porque era Natal
e havia pouca gente. E um casal que
e meio, na praia. habitualmente ia para lá, de repente
“Era chato, muito pariu uma criança e precisavam de
chato, sempre a um sítio maior. Como às vezes me
perguntar coisas” esquecia das chaves, devem ter-lhas
dado e eles encontraram-me.
Eram muitos comprimidos?
Os bastantes para ter patinado, estive
em coma dois dias, fizeram-me uma
lavagem ao estômago selvática, fi-
quei todo ferido, uma porcaria. De-
pois fui posto fora [de Paris], estive
inibido de ir lá uns tempos, porque
não se pode atentar contra a existên-
cia. Serviu-me para fazer currículo e
para me safar da vida militar.
Foi porisso que não foi àtropa?
Estive internado novamente, deixei
de falar, fui despido para a parada e
deram-me como incapaz. Não sabia
até que ponto o que dizia era mentira
1953
Estreou-se em
ou verdade, não estava bom da cabe-
ça, tinha um medo horrível da guerra.
Rapaziadas, no Matar alguém que se conhece é pos-
Teatro Nacional. sível, se me irritarem. É um excesso?
Era filho de Amélia Sim. Mas uma pessoa que não se co-
Rey Colaço nhece? Para defender um sítio que
não é o teu? Porque és de um país
que diziam ser o teu? Eu não me sen-
tia integrado, nunca me tinham pas-
sado a mão pelo pêlo. Não era justiça,
1967
Numa das peças
consciência social, nenhum aparato
desses de defesa, só medo, incoerên-
que fez com cia e não agressividade.
Eunice Muñoz, Quando veio de Paris para
de quem também Portugal veio sozinho?
já foi encenador Sim, mas como estava podia até vir
na bagageira de um carro que nem
notava. Estar em coma durante uns
1971
Numa rua de
dias dá cabo de todo o sistema, que-
res é que não te chocalhem muito.
Nova Iorque, nos Como é que depois de passarpor
tempos em que isso põe umapistolanabocae
estudava teatro filmao videoclipe LyfeIsLong
na Village (Rodrigo Leão & ScottMatthew)?
Já morri tantas vezes em cena que
quando for a morte real vou pensar Q
69
 Sociedade
Q que é ensaio geral. Nunca morri
por me suicidar, engraçado. Mas ali
não se vê nada, só a pistola, é pouco,
é pouco. Mas lá está, aquilo é uma
paixão, uma coooisa de amor.
E porisso não gostade paixões?
Nem pensar, é uma doença. Ou as
pessoas não percebem o que é e cha-
mam ao vento uma tempestade,
aqueles que têm uma paixão três ve-
zes ao ano estão a falar de uma coisa
que nem sei o que é. Como é que
conseguem entrar e sair da máquina
de lavar miolos e depois voltar a pôr
a cabeça na centrifugação? Gostam
de adrenalina? Saltem das pontes.
Portanto, teve umapaixão que de-
morou aresolver.
Seis meses. Não repetível, não
desejável, nada. Foi a única. Tinha 28
anos, estava muito desprevenido.
E viveu melhorsem paixões?
Melhor? Vivi. Senão não teria vivido.
A paixão é uma obsessão, não dá es-
paço. O amor não é isso.
O teatro é um palco de excessos.
Não se identificacom esse lado?
Não, possivelmente porque sou
excessivo. E reprimo essa parte.
Lembra-se datal estreiaaos 12
anos, napeçaRapaziadas?
Não, lembro-me da expectativa que
tinha das críticas. Naquela altura era
isso que mantinha ou não a peça em
cartaz. A primeira vez que saiu uma
crítica que me apontava defeitos de
dicção [quando fez o Romeu e Julie-
ta, aos 18, 19 anos] foi uma surpresa
tão grande e avassaladora…
Como é que lidou com acrítica?
Decidi ficar, para provar que estavam
enganados. É estúpido, não é? Mas é
uma energia.
E porque é que foi paraParis?
Tinha dinheiro e queria-me ir embo-
ra. A herança do meu pai era um
seguro, só recebi quando cheguei à
maioridade, e para a do meu avô
tinha um tutor, um irmão da minha
mãe que organizou o dinheiro da
maneira que entendia e quando eu
cheguei havia muito pouco para en-
tender. Quando fiz 18 anos proclamei
à família da minha mãe que nunca
mais lhes voltava a falar. E foi assim.
E asuamãe aceitou isso bem?
Não. Rosnou vários anos [risos].
Também trabalhou nacompanhia
de Vasco Santana. Como foi?
70
Conhecia muito bem o Vasco, tinha
vivido em casa da Maria Helena [Ma-
tos, sua mulher] com o meu pai, gos-
tava imenso dela e ela de mim. Uma
vez trouxe-me umas fotografias deles
1973
“Ao João,
os dois nos Alpes. Devia ter aceitado,
mas disse: “Ah, já tenho.” Não tinha
afectuosamente, nada, mas aquilo na minha cabeça
Eugénio [de era uma traição à minha mãe. Senti-
Andrade]” – a -me mesquinhito, parolo, grosseiro.
dedicatória do E o Vasco Santana, como era?
poeta foi escrita Profundamente depressivo, como
no Porto quase todos os cómicos, mas muito
afectivo. Fui substituir o Henrique
Santana, que se tinha pegado de
amuos com o pai, o que era fre-
1976
Na praia onde
quente, parece, e tinha saído da
peça. Era novo e inexperiente, só fiz
Amália asneiras, tinha que tirar a pasta de-
Rodrigues tinha baixo do braço do mestre-de-obras,
casa, junto a um que era o Vasco, fiz tanta força que
pescador da zona lhe dei com o cotovelo num olho.
“Tu és mesmo doido rapaz, parecias
um bezerro”, dizia o Vasco. No outro
dia ensaiei mais umas vezes e lá
correu melhor.
E em 1971, aos 26 anos, conseguiu
umabolsadaFundação Ford e foi
1982
O médico de Vila
estudarparaNovaIorque. Onde é
que tinhaaulas?
Faia. Já não tinha Na Village. A maior parte dos profes-
a certeza da sores já conhecia de cá, do Conserva-
novela: “Fiz várias tório, mas tiraram-me o tapete. Esta-
vezes de médico” va habituado a trabalhar em silêncio,
ali havia aulas com as janelas abertas,
os carros da polícia a passar, as am-
bulâncias e os bêbedos a atirarem
garrafas contra as portas. Agora acho
que é um sítio chique.
E deu-se bem com os americanos?
Tive que resistir às solicitações, não
1997
Fernando Krapp
tinha presilhas para me aguentar. Às
18h já estava bom para voltar para
Escreveu-me esta casa e eles queriam todos continuar,
Carta, com a só mais um sítio, só mais um cocktail,
amiga Alexandra eu já nem via nada, queria era deitar-
Lencastre -me, ao outro dia tinha aulas cedo.
Entre Paris e NovaIorque ainda
viveu em Londres. Que outros
mundos játinhavisto?
Tinha estado nos primeiros Jogos
Olímpicos de Roma [1960], mas não
2017
Em O Pai é um
vi nada, passei a vida a entrar e a sair,
comia pouquíssimo porque quando
homem com aquelas marabuntas saíam do estádio
Alzheimer e com invadiam tudo o que era ao preço
uma relação difícil que eu podia pagar. Tanta melancia
com a filha que eu comi porque era a única coisa
que havia à fartazana. No regresso

viemos pela Áustria e ia ficando lá,
num lago, estava fraquíssimo.
E não tinha consciência disso?
Queria era lavar-me do que me tinha
acontecido, não achei graça nenhu-
ma aos Jogos. Só me lembro de ver
umas luzes tremulantes na água. De-
pois desfaleci, não tive medo ne-
nhum. Fui salvo por uma pessoa de
quem nunca esqueci o nome.
E Londres foi porquê?
Para visitar o Alain Oulman [compo-
sitor que fez muitos dos sucessos de
Amália Rodrigues]. Depois decidi fi-
car, estava tudo a crepitar, e tinha
deixado crescer o cabelo, cá davam-
-me 25 tostões para ir ao barbeiro e
lá ninguém me chateava, eram os
Beatles, os Rolling Stones.
Quem é que via mais por lá?
Aparecia imensas vezes o Mick
Jagger, fomos à estreia de Tommy,
[ópera] dos The Who, que foi antes do
concerto de homenagem ao Brian
[Jones, dos Rolling Stones], em Hyde
Park, à borla. Andámos por lá a tomar
merdas e a fazer mijo em latas de
fiambre porque não se podia sair,
aquilo estava pejado de gente. Quan-
do soltaram as borboletas brancas foi
um flash.
Como é que pagava as contas?
Lavava louça em restaurantes, depois
passei para a sala. Trabalhávamos
para comprar bilhetes, para tingir os
fatos beges que passavam a verdes e
depois a grená-escuros. Carnaby
Street lançava as modas, as bocas-
-de-sino, os coletes, a pessoa era
magra na altura. E Portobello não era
aquela coisa, agora é os Jerónimos.
g Também tomou conta de crianças
Quando acorda, Sim, às vezes quase não me deixa-
muitas vezes pelas
5h30, vai à janela vam estar, mas eu tinha o auxílio das
ver os patos e Luminaletas, dissolvidas em leite,
as galinhas que que tinha experimentado em mim
passam na rua
a essa hora, no próprio sem problema nenhum.
centro de Lisboa Depois de Nova Iorque veio para
Portugal definitivamente?
Ainda pensei ficar, tive uma propos-
ta, mas era muito duro. Aqui era co-
nhecido pelo que já tinha feito.
Estava cá quando foi o 25 de Abril?
Sim. A primeira coisa que fiz, às 7h,
foi ir à mercearia: ora bem, feijão,
grão, o que é que se comprava na
guerra? Depois lá tive os telefonemas
da Ana Hatherly [escritora], avisámos
F o Cesariny e fomos metendo os cor-
“O concerto nitos ao sol, tipo caracol, ver a festa.
era de borla e Fez a Banqueira do Povo, Ballet
estava pejado Rose, e outras dezenas de nove-
de gente, las. Foi muito diferente começar
andámos por a trabalhar em televisão?
lá a tomar Não, era divertido, era bom, era tea-
merdas e a tro. Durante algum tempo ensaiava
fazermijo em durante um mês e depois gravava,
latas de era quase uma peça por mês.
fiambre” VilaFaiafoi muito faladaporter
sido aprimeiranovelaportuguesa.
Teve esse prestígio. Entrei muito a
F meio, era um médico e fazia par com
“Pareide a Ana Zanatti, não era uma persona-
trabalhar gem com muito interesse. Não fez
cinco anos uma grande mudança na minha
porque não vida, deu-me mais visibilidade.
tinha vivido Na revista PassaporMim no Ros-
o suficiente. sio [do Filipe La Féria] até com
O trabalho marionetas trabalhou. Fez de João
pode sertão Villaret e Almada Negreiros.
aditivo como Tinha trabalhado com as marionetas
o álcool” da [Companhia de] São Lourenço e
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
fiquei doido para mexer naquela
merda, e aquilo pesa imenso, está
sempre tudo suado, cheira mal. Mas
não me deixavam, só fazia a locução.
Quando me distribuíram aqueles
dois solos... Bem a estreia foi um hor-
ror, falava dentro de uma máscara, o
microfone estava desligado.
Foi uma revista muito icónica.
O dinheiro que gastou é supericóni-
co, arruinou o orçamento da casa
durante várias temporadas. Uma re-
vista, é um espectáculo carérrimo, e
se não há reforço de verbas...
Teve dois convites para director
do Teatro Dona Maria II. Porque
é que nunca aceitou?
Não gosto de responsabilidades. Ser
responsável por acompanhar pes-
soas à porta, por recebê-las, hoje
posso ser muito simpático, mas ama-
nhã estar de mau humor e pensar:
“Porque é que lhe hei-de falar?” E eu
não gosto de ser ditatorial, receio
bem que haja em mim esse monstro.
Se eu consigo os outros também. É
uma questão de organização, de
querer. E para querer é preciso abdi-
car sempre, não é? Para teres filhos
tens que abdicar de uma série de
merdas porque aquela porcaria vai fi-
car a borrar-se e tens mesmo que la-
var o rabo, e não é um dia nem dois.
Nunca pensou nisso?
Não, não, prefiro árvores.
A dada altura esteve cinco anos
sem trabalhar. Porquê?
Não tinha vivido o suficiente ainda.
Era uma bebedeira, o trabalho pode
ser tão aditivo como o álcool.
Que papéis lhe deram mais gozo?
A isso não ligo nenhuma, está fei-
to, mudei de pele, mas as persona-
gens acrescentam-nos sempre. É
óptimo ter motivos externos que
obrigam a descobrir caminhos e
nos ensinam coisas. Porque essas
sondagens afastam qualquer sono,
vontade de comer ou de ir à casa
de banho, a pessoa fica obsessiva,
quer mais e mais.
Por isso de vez em quando pára?
É, para digerir, assim tipo vaca, o que
meti na barriga e não percebi bem.
Mas não tenho parado muito ultima-
mente, já não tenho tempo, se paro
sou capaz de perder. Nunca se perde
nada porque se ganha outra coisa,
mas… Talvez um dia. W
71

Sociedade
h Mockus quando era presidente
As riscas brancas no chão
formam o paso de cebra
GETTY IMAGES
ou passo de zebra – aquilo
a que chamamos passadeira
BOLÍVIA. PROJECTO CÍVICO PARA EVITAR ACIDENTES
AS ZEBRAS MANDAM
ATRAVESSAR
Põem ordem no trânsito, de fato às riscas. Este projecto premiado
tem a ajuda de 225 jovens em situação de risco. Por Maria Espírito Santo
ançam para os peões que
D atravessam a estrada, aba-
nam a cabeça ao condutor da
esquerda que pisou a passadeira, pe-
dem ao da direita para não deitar o
lixo para o chão. Desejam bom dia e
com meia dúzia de saltos regressam
à passadeira. Não é uma manobra de
marketing, nem uma partida: são as
Cebras de La Paz ou as Zebras de La
Paz (Bolívia) que há 15 anos evitam
confusão, ruído e acidentes vários.
O projecto existe desde 2001 e fi-
xou uma meta ambiciosa: mudar
comportamentos. “Quando come-
çámos, as pessoas não ligavam aos
semáforos ou às passadeiras”, ex-
plica à SÁBADO Goya Bautista,
coordenadora. Por isso, a reacção
inicial não foi boa: os mais velhos
não gostavam de ser repreendidos.
“Foi um processo duro e longo.
Agora as pessoas já sentem que a
zebra é um amigo, um porta-voz.”
Começaram com 24 jovens – hoje
contam-se 225: têm entre 16 e 22
anos e a maioria são adolescentes
em situações sociais de risco que
D.R.
aqui encontram ocupação e uma
72
EM forma de praticar a cidadania.
DEZEMBRO
RECEBERAM
O PRÉMIO
A inspiração chegou de Bogotá. O
presidente da câmara de La Paz es-
tava de visita à capital colombiana
PARA A e reparou nos mimos que, na rua,
INOVAÇÃO interagiam com as pessoas – um
URBANA EM projecto lançado pelo filósofo e po-
GUANGZHOU, lítico Antanas Mockus. De regresso
NA CHINA a casa, quis replicar o modelo. Com
o tempo, as Cebras de La Paz
tornaram-se um sucesso: em De-
zembro de 2016 receberam o pré-
mio para a a Inovação Urbana em
Guangzhou (China), 19 mil euros
h volvimento social e partilhamos o
Antes de entrarem
em acção, os jovens
frequentam cursos
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
A vergonha resulta
Cidades de El Alto e Sucre
também já têm zebras
O medo da vergonha, mais do
que o receio do castigo por deso-
bedecer às regras de trânsito, é o
segredo do êxito, dizia Antanas
da câmara de Bogotá.
Acidentes: só têm registo
de um atropelamento. A ra-
pariga de 17 anos foi vítima de
um condutor alcoolizado mas
saiu ilesa.
O projecto organiza even-
tos especiais para que habi-
tantes e turistas sejam zebras
por um dia.
que estão a ser aplicados na cons-
trução da Casa da Zebra, um espaço
de encontro para a comunidade.
Corridas e flexões
Primeiro, eram os fatos em que
cabiam duas pessoas. Depois chegou
a cabeça do animal e mais tarde os
novos materiais. E a filosofia-zebra
também foi evoluindo. Hoje, têm
cinco metas a cumprir: conseguir
uma La Paz limpa, ordenada, alerta,
sem ruído e segura.
Cada zebra faz quatro horas por
dia. Existem dois horários: as ruas
estão vigiadas das 7h às 11h e das
12h30 às 18h30. Como tudo funciona
em regime de voluntariado e como
os jovens são menores, não têm um
contrato, mas recebem um incentivo
mensal: “Serve para ajudar nos pas-
ses dos transportes, no material es-
colar”, diz Goya.
Treinam coreografias e criam mú-
sicas. Fazem corridas, flexões e ab-
dominais para se manterem ágeis
mas também conversam. Antes de
vestir o fato têm de passar por uma
aprendizagem. “Para qualquer jo-
vem que se atreva a ser uma Zebra
temos cursos. Ajudamos no desen-
que sabemos; eles descobrem as
suas capacidades, reconhecem-se
como jovens líderes.” W

ESTUDO. A RAZÃO POR QUE ALGUNS BARULHOS IRRITAM TANTO
NÃO SUPORTAOUVIR
PESSOAS ACOMER?
Nem o clique de uma caneta ou o som dos talheres no prato? Então é possível
que sofra de uma condição chamada misofonia. Por Lucília Galha
médico de família riu-se
O dela, o psicólogo agravou o
seu estado e só através de
uma pesquisa pouco convencional
na Internet – escreveu, no motor
de busca, “ouvir pessoas a comer
dá-me vontade de lhes dar um
murro” – percebeu que não estava
a enlouquecer. Olana Tansley-
-Hancock, hoje com 29 anos, tinha
apenas 8 quando as refeições em
família se tornaram insuportáveis.
Os sons da refeição (sorver a sopa,
a mastigação, etc.) irritavam-na
tanto que só suportava comer no
quarto. Na universidade, tudo pio-
rou: eram os colegas, mais os sons
que ouvia na viagem diária de
comboio. “Mudava de carruagem
mais de sete vezes, o barulho das
pessoas a comerem ou a amarrota-
rem papéis era infernal”, conta.
Identifica-se de alguma forma com
esta história? Pense: aquela pessoa
com uma respiração ruidosa, sentada
ao seu lado no cinema, deixa-o furio-
so? Não suporta ouvir alguém a mas-
car uma pastilha, o clique de uma ca-
neta ou o som dos talheres no prato?
Então é possível que, como Olana
Tansley-Hancock, sofra de uma con-
dição chamada misofonia.
Os chamados sons-gatilho
A palavra usada para descrever o
transtorno identificado pela pri-
meira vez em 2001 significa ódio
pelos sons do quotidiano e vem
do grego: miso (ódio) e phon
(som). Nos últimos 16 anos, os
cientistas tiveram
dúvidas sobre o as-
sunto, mas um es-
tudo agora reali-
zado no Reino
Unido vem pro-
g ciência ou a motivação) e na activi-
Uma resposta fi-
siológica exagera-
da, como frequên-
cia cardíaca acele-
rada e maior trans-
O que é a misofonia?
Foi identificada e descrita
pela primeira vez em 2001
piração é o efeito
dos chamados Começa a notar-se normal-
sons-gatilho mente entre os 10 e os 12 anos.
Os sons-gatilho mais
comuns, e com que é mais
difícil lidar, estão ligados aos
actos de comer e de respirar.
A reacção começa por ser
apenas ao som e depois passa a
incluir as acções associadas ao
som e também a antecipação
do som (saber que vai fazer
uma refeição, por exemplo).
A resposta costuma ser
um sentimento de raiva ou
CHEGOU A pensamentos violentos
MUDAR DE para com quem produz o
CARRUAGEM som-gatilho.
SETE VEZES
PARA EVITAR
O BARULHO var que as pessoas a quem foi dia-
DE PESSOAS gnosticada misofonia apresentam
A COMER E A diferenças evidentes no lobo
AMARROTAR frontal do cérebro (responsável
PAPÉIS por funções como a cons-
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
www.sabado.pt
dade cerebral.
Uma equipa da Universidade de
Newcastle mediu a actividade ce-
rebral de pessoas com e sem miso-
fonia, quando expostas a sons di-
versos: neutros, como a chuva; de-
sagradáveis, como um bebé a cho-
rar; e os chamados sons-gatilho
(em inglês triggersounds), como
uma pessoa a comer ou a respirar
alto. Quando confrontadas com es-
tes últimos sons, os misófonos
apresentaram alterações – através
de um exame de imagem, os cien-
tistas aperceberam-se de uma so-
brecarga no cérebro, que desenca-
deia uma resposta fisiológica exa-
gerada, como um aumento da fre-
quência cardíaca e transpiração.
Além de confirmar a misofonia
como uma doença, o estudo publica-
do na revista científica CurrentBio-
logy abre caminho a possíveis trata-
mentos. “A minha esperança é identi-
ficar a assinatura cerebral dos sons-
-gatilho e usar isso para o tratamen-
to”, afirma o investigador Sukhbinder
Kumar, do Instituto de Neuro-
ciências da Universidade de
Newcastle, numa comu-
nicação divulgada pela
universidade.
Para Olana Tansley-
-Hancock, a britânica
que em miúda tinha von-
tade de bater nos
pais às refeições,
a solução foi
uma espécie de
cocktail: passou
a meditar, reduziu
a cafeína e
o álcool e nunca
sai de casa sem
auscultadores. W
73
 Sociedade
TURISMO. ESCOLA DE HOTELARIA SEM FINS LUCRATIVOS
CHEFSMADE
INAÇORES
Os seus alunos já disputam e ganham concursos de barman
ou de gastronomia, em Portugal e na Europa. Uma fórmula
de êxito com 15 anos. Por Mónica Franco (textos) e Marisa Cardoso (fotos)
orge é tímido. Magro, baixo,
J introvertido, passa desperce-
bido. Salta à vista o chapéu
alto de cozinheiro. Tem 21
anos e uns olhos claros com muita
vida (e tristeza). Cresceu em Santa
Cruz das Lagoas, a pouco mais de 10
quilómetros de Ponta Delgada, mas
mudou-se recentemente para a prin-
cipal cidade da ilha de S. Miguel, Aço-
res. Um passo de gigante para o miú-
do que antes tinha largado a escola
para não largar a mãe. “Não queria
sair de casa e deixar a minha mãe so-
zinha.” A mãe, hoje com 48 anos, so-
freu maus tratos do pai até se separa-
rem, há sete anos. “Tinha de a prote-
ger”, desabafa Jorge Metade. Só re-
gressou à escola aos 17 anos (três
depois de os pais se separarem).
Quando fez o 9º ano, candidatou-se
ao curso técnico de Cozinha/Pastela-
ria da Escola de Formação Turística e
Hoteleira dos Açores (EFTH), em
Ponta Delgada. “Foi quase um tiro no
escuro, mas foi um belo tiro”, diz.
A EFTH existe desde 2002, é uma
associação privada sem fins lucrati-
vos de que são parceiros o Governo
Regional dos Açores, a Câmara do
Comércio e Indústria de Ponta Delga-
da e a SATA. Vítor Fraga, o anterior
secretário Regional dos Transportes e
Turismo (e desde Novembro passado
secretário Regional dos Transportes e
Obras Públicas), aponta como medida
do sucesso a sequência de prémios e
74
a procura pelo mercado de trabalho.
150
alunos
por ano é a mé-
dia de inscritos
A escola abriu em 2002, Filipe Ro-
cha foi o director-executivo entre
2004 e o fim de 2016 e, em 2008, a
sua unidade de aplicação mudou-se
do Hotel S. Pedro para o complexo
nos cursos de Portas do Mar, desenhado pelo ar-
Cozinha/Paste- quitecto Manuel Salgado. Criou-se
laria e Restau- de raiz o restaurante Anfiteatro. Está
rante/Bar, am- aberto sete dias por semana, ao al-
bos do progra- moço e ao jantar, e tem uma equi-
ma Reactivar, pa própria. “Existem aulas normais
para desempre- – teóricas e práticas –, mas depois
gados. Têm os alunos praticam em contexto
equivalência real. Habituam-se a trabalhar por
ao 12.º ano turnos, ao fim-de-semana, à noi-
te... Não conheço mais nenhum
FOTOS MARISA CARDOSO
caso em Portugal assim”, observa.
A procura tem vindo a aumentar
porque, diz Filipe Rocha, “os jovens
querem cada vez mais uma profis-
“SOMOS UMA são com saídas profissionais”. E há
GRANDE saídas: nos Açores, de 2012 a 2015
FAMÍLIA. HÁ houve um crescimento de 44% nas
ALGO MUITO T dormidas – e, de Janeiro a Abril de
FORTE QUE Filipa Oliveira 2016, um aumento de 46%.
NOS UNE”, Com 22 anos está num bar na zona chique
de Mayfair, em Londres, cidade para onde
AFIRMA foi aos 20, um ano depois de acabar o curso.
Escolaecasa
NUNO Para os pais, de um meio pequeno, “Criei uma família na escola.” A frase
SANTOS foi difícil aceitar a escolha é de Adília Paço, 27 anos, ex-aluna

da EFTH e actual empregada de bar
do restaurante Anfiteatro, mas podia
ser de qualquer um dos seis alunos e
ex-alunos com que a SÁBADO falou.
Filipe Rocha acredita que essa rela-
ção próxima é responsabilidade do
Anfiteatro: “O restaurante é o cora-
ção da escola. Passam muitas horas
juntos, conhecem-se melhor, vivem
a experiência da escola de outra for-
ma.” “Não são poucos os que prefe-
rem ficar a trabalhar a ir para casa...”
Adília, por exemplo. Tinha 18 anos
T
BrunoJarimba
Fez parte da equipa que abriu o Anfiteatro
antes de voltar, ao fim de 15 anos, a Macau,
terra da mãe, com menos de 1.000 euros
mas nenhuma certeza, uma aventura
recompensada
quando terminou o curso de Restau-
rante/Bar (com equivalência ao 9º
ano), mas quando começou o pri-
meiro estágio percebeu não estar
ainda preparada para trabalhar.
“Criei uma família na escola e senti
falta deles, não me senti à vontade e
pedi à minha mãe para fazer mais
um curso.” Acabou Restaurante/Bar
com equivalência ao 12º ano em
2013, mas antes mesmo de o com-
pletar já tinha sido convidada a inte-
grar a equipa de bar do Anfiteatro.
Em 2016 ficou entre os 15 finalistas
do concurso Barman do Ano, com
dois cocktails da sua autoria: Salt No-
se e Pêra Bêbeda.
Há poucos meses deixou a fregue-
sia de Ribeira Grande, a 30 quiló-
metros de Ponta Delgada, e alugou
um apartamento na capital. Está
cada vez mais longe da realidade de
que fugiu. Dos tempos em que vivia
com a mãe biológica e o padrasto,
em que tomava conta dos irmãos e
se sentia triste porque “queria fazer
alguma coisa na vida” e não podia.
Até ao dia em que deixou de ter
medo e decidiu ir viver com a avó.
Foi a avó (a quem chama “mãe”)
que a inscreveu no curso, que a
criou sozinha, depois de o pai de
OS ALUNOS
TRABALHAM
NO RESTAU-
RANTE- T nível 4 (após o 12º ano).
-ESCOLA POR Nuno Santos
TURNOS, Tem 33 anos e é formador na escola, mas
andou pelo mundo e em quase todos os
AO FIM-DE- lugares era o cozinheiro de serviço. “Cozinhava
-SEMANA muito na tropa, mas foi nas Bermudas,
E À NOITE quando enjoei da comida deles, que despertei”
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
T
Jorge Metade
Usou a veja, um peixe típico das águas
açorianas, para vencer em Paris um dos mais
importantes concursos internacionais
para jovens talentos da cozinha
Adília morrer após uma violenta
história relacionada com droga.
“Somos uma grande família, há
algo muito forte que nos une”, diz
Nuno Santos, 33 anos, outro ex-alu-
no que no fim do curso acabou por
ficar ao serviço do restaurante da
EFTH. Hoje é subchefe de cozinha
do restaurante e formador de Cozi-
nha e Pastelaria. Mas andou perdi-
do uns tempos: frequentou Enge-
nharia Civil no Porto, alistou-se no
exército, trabalhou na construção
civil nas Bermudas (Caraíbas)...
Regressou a S. Miguel e formou-se
no curso de Cozinha/Pastelaria
(qualificação pós-12º ano) em 2010.
Foi um dos dois melhores e ganhou
uma bolsa para estudar na Univer-
sidade Johnson & Wales/ EUA. É de
Vila Franca do Campo, a 30 quiló-
metros de Ponta Delgada, e diz ter
uma “ligação muito forte” à terra. O
seu caminho levou-o a outros la-
dos. É por isso que sublinha: “Nunca
pensei chegar aqui.”
A história de Joel Vieira é similar.
Frequentou Mecânica em Lisboa e
Economia nos Açores, até descobrir
a cozinha. “Para perceber o que
queremos, temos primeiro de per-
ceber o que não queremos”, afirma.
O cozinheiro de 30 anos apaixo-
nou-se pela profissão mal entrou
no curso de Cozinha/Pastelaria
Terminou o curso da EFTH há
seis anos e, desde então, a escola
tem-lhe proporcionado experiên-
cias variadas: do Douro à Tercei-
ra, de Hong Kong a Boston, de S. Q
75

Sociedade
Q Miguel a Londres. Trabalhou em
hotéis, em restaurantes pequenos
onde “fazia tudo sozinho”, em es-
paços de fine dining, de banquetes,
outros de alta cozinha distinguidos
com estrelas Michelin. Acabou por
regressar ao arquipélago. Em Junho
vai abrir um restaurante em nome
próprio, Vieira, e entretanto vai a
casa das pessoas cozinhar –
chama-lhe Vieira em Casa.
DosAçoresparaomundo
Bruno Jarimba também tem 30 anos
e uma experiência profissional rica.
Fez parte da equipa que abriu o Anfi-
teatro. Desde então já participou na
abertura de vários restaurantes e ho-
téis, de Macau à Noruega. Deixou Vila
Franca do Campo, a sua freguesia na-
tal, para rumar a Macau, onde passou
a infância (e que é a terra da mãe).
Passaram-se sete anos, um casamen-
to com uma chinesa e muito currícu-
lo. Hoje, diz que chegou onde so-
nhou: é gerente de F&B (Food & Be-
verage) de um restaurante no Legend
Palace Hotel Macau, responsável
também pela formação e contratação
de pessoal. Insiste que foi o “curso di-
fícil” da EFTH que o preparou.
Filipe Rocha, director-executivo
da escola durante 12 anos, confirma
que não é fácil: “Há uma elevada
taxa de desistências, a unidade de
aplicação requer um elevado nível
de exigência aos alunos. Uma coisa
é tirar um curso de cozinha, de se-
gunda a sexta das 8h às 18h, outra
T CONCURSO,
Joel Vieira
É da ilha das Flores e descobriu a cozinha
só depois de tentar outros caminhos e já
não se imagina a fazer outra coisa: “Sempre
gostei de criar, de mexer, de colocar
um bocadinho de mim em alguma coisa”
76
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
2 em 1
Filipe Rocha, ex-
-director da es-
cola, sobre o An-
fiteatro: “Costu-
mo dizer que
não sei se é
uma escola com
restaurante ou
um restaurante
com escola”
T a chegar ao bar. Passou pelo Soho
Adília Paço House Private Members Club e res-
“O João Couto (chefe de sala e bar do Anfitea- taurante Mint Leaf até chegar a su-
tro) começou a puxar por mim, viu que eu tinha
jeito para bar, ensinou-me sobre bebidas e mis-
pervisora no The Hide Bar, consi-
turas e comecei a apreciar.” Hoje cria cocktails derado, em 2015, um dos 15 melho-
res cocktail bars da cidade. Hoje
está num restaurante/bar na zona
chique de Londres, Mayfair, cha-
coisa é fazê-lo trabalhando também mado Mnky Hse (Monkey House).
Aposta aos fins-de-semana, noites e feria- Jorge Metade, o rapaz dos olhos
Promover os re- dos. Se um aluno se habitua a este tristes, terminou o curso de Cozi-
cursos humanos ritmo durante três anos, está pronto nha/Pastelaria em Julho passado.
foi a intenção para o mercado de trabalho.” Por Mas ainda antes disso venceu, em
primordial ao isso, a taxa média de empregabili- Paris, o concurso Olivier Roellin-
criar a escola, diz dade da EFTH ronda os 80%. ger, para jovens chefs e estudantes
Vítor Fraga. “Sempre tive muito apoio da es- de cozinha, que visa encorajá-los a
“Uma aposta cola para ir mais além”, declara Fi- promover a sustentabilidade das
claramente lipa Oliveira, ex-aluna do curso de espécies. Ganhou esta importante
ganha”, afirma Restaurante/Bar que, aos 22 anos, competição internacional com
já trabalha há quatro em Londres. uma caldeirada de veja e uma veja
Tinha 15 anos quando ingressou na corada com crosta de vegetais, flan
EFTH. Em 2010 já conquistava o de cenoura, espinafres salteados
primeiro lugar na prova de bar do com sumo de limão, redução de
concurso anual da Associação Eu- vinagre balsâmico e mel, crocante
ropeia das Escolas de Hotelaria e de alho-francês e caviar de soja.
Turismo. É da Ribeirinha, a cerca Um menu inspirado pelos Açores.
JORGE de 20 quilómetros de Ponta Delga- O jovem que, desde criança, fazia
METADE da, “um meio muito pequeno”. bolos sozinho em casa, tão perfei-
GANHOU UM Ideias preconcebidas sobre o mun- tos que nem a mãe acreditava
do de bar, fizeram os pais recear serem feitos por ele, tornou-se
EM FRANÇA, pela escolha de Filipa. arquétipo da escola que o fez
COM Começou a lavar pratos no res- renascer. Acabou convidado para
UM MENU taurante Notting Hill Kitchen (en- trabalhar no restaurante do Hotel
INSPIRADO tretanto encerrado), do chefportu- Azor, o novo hotel de cinco estrelas
NOS AÇORES guês Luís Baena, e levou três meses de Ponta Delgada. E ali ficou. W

Sociedade
eva vodka com aroma a
L pêra, sumo de arandos e xa-
rope “agitados com paixão”.
No fim, um toque de refrigerante e
uma cereja no topo. Chama-se
Tentação Negra e acompanha o
segundo capítulo da novela eróti-
ca de E. L. James, As Cinquenta
Sombras Mais Negras. Já A Grande
Muralha, com Matt Damon no
principal papel, combina com O
Grande Guerreiro: com vodka de
frutos vermelhos, sumo de lima e
puré de morango. Os cocktails
estão disponíveis em dezenas de
salas da AMC (uma das maiores
cadeias do sector, com mais de
8.200 ecrãs) em 25 estados norte-
americanos. Para que uma pessoa
nunca mais tenha de escolher en-
tre uma saída à noite e uma ses-
são de cinema.
A estratégia começou a ser im-
plementada no Verão de 2016: a
AMC aliou-se à Crystal Head
Vodka e criou o primeiro cocktail,
o Ghostbuster, para a estreia do
filme com o mesmo nome, em Ju-
lho. Desde então já vendeu 110
mil cocktails temáticos caça-fan-
tasmas. “O álcool não afecta as
vendas de doces, refrigerantes e
pipocas”, garantiu George Patter-
son, vice-presidente da AMC, à
revista Hollywood Reporter. “Se
abrir um bar, posso quase garantir
que as minhas receitas de comida
e bebida vão subir. Mais de 70 por
cento dos nossos clientes têm
mais de 21 anos.”
Nos últimos dois anos, 32 estados
norte-americanos decidiram alte-
rar as suas leis, de maneira a ser
TENDÊNCIA. BEBER UM COCKTAIL NO CINEMA
PIPOCAS,
FILME E...
VODKA?
Também há vinho e cerveja. As cadeias
norte-americanas adoptam tácticas para
atrair espectadores. Por Maria Espírito Santo
O menu tem história
As pipocas foram proibidas
antes de se tornarem ritual
O hábito instalou-se na Améri-
ca do Norte em meados do sécu-
lo XIX. As pipocas comiam-se em
feiras e no circo – nos cinemas
era proibido, para evitar sujar as
elegantes carpetes. Quando os
filmes ganharam som, nos anos
30, já era possível comer e pas-
sar despercebido mas a aliança
entre os dois negócios só chega-
ria na década de 40.
possível servir álcool nos cinemas.
Se em 2011 apenas seis locais da
AMC ofereciam este tipo de bebida,
no fim de 2016, 178 salas já
tinham zonas lounge com comes e
bebes – tendo 150 destas apenas o
tradicional bar, não estando asso-
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
j
Nos EUA são
salgadas e
cobertas com
manteiga e
já podem fazer-se
acompanhar de
bebidas brancas
ciadas a um conceito de dine-in
(refeição no cinema). A Regal
Theatres, outra cadeia, segue os
mesmos passos (recentemente até
já permitiu bebidas alcoólicas nas
suas salas no Havai) e a Cinemark
idem – uma centena das suas salas
já servem álcool, continua a
Hollywood Reporter. Até salas his-
tóricas estão, gradualmente, a ren-
der-se. É o caso do Plaza Theatre
(em Miamisburg, Ohio), sala de
cinema do início do século XX que
poderá, brevemente, servir Cosmo-
politans, cerveja e vinho.
Respingos e sofás
GOVERNA- Nova Iorque parece ser a única ex-
DOR cepção. Só os cinemas de dine-in
DE NOVA podem vender álcool – mas a situa-
IORQUE JÁ ção pode mudar. O actual governa-
ANUNCIOU dor do estado, Andrew Cuomo,
QUE SALAS quer levar as bebidas a qualquer
VÃO TER sala de cinema, com um especial
CERVEJA foco na cerveja artesanal de Nova
ARTESANAL Iorque: ficam de fora as bebidas
brancas ou destiladas.
Plataformas como a Netflix ou a
Amazon Video (ambas em Portugal)
disponibilizam séries e filmes, em
casa, com um simples clique. Com
um bónus: poder beber um copo ou
descalçar-se. A indústria tem vindo a
acompanhar as necessidades: se nos
Desde 1934 Estados Unidos já se encontram vá-
que o álcool rias salas com assentos reclináveis ou
está proibido onde até é possível esticar completa-
nas salas de mente as pernas, também em Portu-
cinema de gal há novidades. Desde 2016 que há
Nova Iorque, a experiência 4DX: quer dizer que o
em parte por bilhete lhe dá direito a cheiros, vento,
causa do lobby respingos e abanos de cadeira, ao sa-
da Broadway bor do filme. W
77
 Sociedade

ONOMÁSTICA. A MODA DOS NOMES ORIGINAIS E DA FUSÃO DE APELIDOS

AIMPORTÂNCIADE SE CHA
Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit, decidiu atribuir ao seu primeiro filho um apelido
com o da mulher, a modelo Faye Dinsmore. O bebé chama-se Cloud Cosmore. Em Portugal,

J
amais um casal português se
lembrou de fundir os seus
apelidos na hora de registar os
filhos. No entanto, se há atri-
buto que não escasseia no cérebro
PADDY
COSGRAVE
, +
FAYE
DINSMORE

do irlandês Paddy Cosgrave, co-fun-

dador e CEO da Web Summit – o
grande certame do empreendedoris-
mo digital organizado desde o ano
passado em Lisboa –, é a capacidade
de inovação. Até no nome que deu
ao seu primeiro filho, nascido em
Outubro: Cloud (Nuvem) Cosmore. A
atribuição do nome próprio, inspira-
do no sistema informático de proces-
samento, partilha e armazenamento
de dados, foi pacífica. Aliás, Cosgrave
não é o primeiro ilustre estrangeiro a
baptizar o filho com um nome ligado
à sua actividade profissional: o filho
do surfista Garrett McNamara cha-
ma-se Barrel (tubo, uma manobra do
surf). O problema foi o apelido - a
teimosia do irlandês levou-o a uma
batalha de cinco meses com a buro-
cracia de Dublin. Tudo porque, em
nome da igualdade de género, quis
cruzar o seu nome de família com o
da mulher, a modelo e empresária ultrapassado. Os homens e as mulhe- um Santos e uma Costa poderia re-
Faye Dinsmore, criando uma startup res são iguais. Respeito as pessoas sultar num bebé “Sancosta”, tal como
onomástica. que escolhem ficar com o apelido do a filha de um Sousa e de uma Silva se
“Depois de muita amável persuasão marido, com o da mulher ou que poderia passar a chamar “Silvousa”.
o Estado irlandês concordou com a criam um apelido hifenizado. Seja Porém, se fosse português, Paddy te-
fusão de Cosgrave com Dinsmore como for, esta é outra opção que não ria de equacionar outro nome: “nu-
para o nosso primeiro filho: Cloud FORAM PRE- implica qualquer malabarismo legal.” vem” não está na lista de elegíveis
Cosmore”, publicou agora Paddy na CISOS CINCO A alternativa accionada pelos irlan- disponibilizada pelo registo civil e a
sua página de Facebook. “Nunca MESES DE deses – que convenceram os respon- composição de apelidos por agluti-
gostei da ideia de os meus filhos BUROCRA- sáveis de que a aglutinação é tão le- nação não está prevista na lei nacio-
adoptarem o meu apelido, como CIA PARA gítima como o hífen na obtenção de nal. “Entre nós, como em muitos paí-
manda a tradição em grande parte do TER AUTORI- um apelido composto –, poderia ori- ses, os filhos repetem alguns ou todos
mundo. Nem que a Faye o adoptasse. ZAÇÃO PARA ginar novos apelidos em Portugal, um os apelidos dos pais. Querendo, po-
Implica uma certa forma de proprie- O APELIDO país há muito dominado pelos Silvas, dem retomar apelidos de antepassa-
dade sobre a mulher, de um tempo COSMORE Santos e Pereiras. Uma ligação entre dos, fazendo prova por certidão de

78

MARCOSMORE
resultante da fusão do seu nome de família
o pedido não seria aceite – a lei não prevê. Por TiagoCarrasco
CLOUD
= COSMORE
que têm direito a eles. Podem manter
grafias antigas, se for uso na família”,
explica Ivo Castro, professor de Lin-
guística na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa. “Mas criar
um vocábulo artificial, que não é
idêntico ao de qualquer ascendente,
não seria admitido.”
O artº 103 do Código de Registo Ci-
vil garante, não obstante, o princípio
de igualdade ao casal: ao passo que
na maioria dos países da Europa
Central, como em Inglaterra, França
ou Alemanha, a mulher abandona o
seu apelido de solteira e abraça ape-
QUANDO SE
A terra dos Silvas
CASAM, A
MULHER E É o mais comum em
O HOMEM Portugal e no Brasil
ESCOLHEM
OS APELIDOS Em Portugal, as três primei-
QUE QUEREM ras posições são para os Silva,
USAR – E A Santos e Pereira. Silva é
SUA ORDEM também o apelido mais usado
no Brasil. García é o apelido
mais comum em Espanha, com
mais de 3 milhões de registos.
O mais comum no mundo?
Li ou Lee: mais de 100 milhões
de chineses, vietnamitas e
coreanos têm este apelido.
Regras
Em Portugal, o
nome completo nas o do marido (pode conservar o
deve ter, no má- de família para fins profissionais), em
ximo, quatro Portugal há duas possibilidades le-
apelidos e dois gais. A mais tradicional prevê que a
nomes próprios. mulher adicione aos seus apelidos os
Se tiver “e” ou nomes de família do cônjuge, que fi-
“de” no meio, cam no fim. “É uma solução mais
contam como igualitária que a francesa ou a ingle-
apenas um sa, na medida em que todos os apeli-
dos estão presentes”, diz Ivo Castro.
“Mas há uma possibilidade recente
que é a mais equilibrada de todas: no
casamento, tanto a mulher como o
homem podem escolher os apelidos
que passam a usar e a ordem de
cada um. Deste modo, o casal pode
18%
das pessoas
passar a usar absolutamente os mes-
mos apelidos, e assim os transmitirá
partilham o aos filhos.” Nos casais homossexuais,
mesmo apelido aplica-se esta última regra: quando
na Coreia do se casa, o par escolhe os apelidos
Sul. Há 9 que usará e passará aos filhos.
milhões de Kim A onomástica está intimamente li-
em 50 milhões gada à história dos países. Em Portu-
de habitantes gal, a primeira grande ruptura deu-se
2 MARÇO 2017
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com as invasões bárbaras, que prati-
camente extinguiu o sistema romano
do nome triplo, limitado à existência
de não mais que 30 nomes próprios.
“A população ibérica estava farta de
chamar aos seus filhos ‘Primus’, ‘Se-
cundus’, ‘Quintus’, etc., e quando ou-
viram os lindos nomes que os godos
traziam, tão sonoros, tão exóticos...
não resistiram à tentação de se cha-
marem como eles”, segundo o me-
dievalista Joseph Piel.
Terras,profissõesecredos
Até ao século XII, imperaram identi-
dades de origem visigoda, normal-
mente formadas apenas pelo nome
próprio. Com a influência árabe, dis-
seminou-se o uso do patronímico,
anunciado pelo termo iben (filho de).
E nasceram Benavides, filhos de Vi-
das, Venegas (Viegas), filhos de Egas.
Este modelo ainda é dominante não
só no mundo árabe, como em países
eslavos, como a Rússia, e escandina-
vos, como a Suécia e a Islândia.
Após um período anárquico, a par-
tir do século XVI começaram a defi-
nir-se nomes dinásticos, que ainda
hoje prevalecem em Portugal através
das referências mais óbvias: nomes
das terras e do pai, elementos da
Natureza, alcunhas, profissões e de-
voções religiosas. Os filhos de Mendo
nasciam Mendonças, os que eram
conhecidos como grilos, Grilos fica-
vam, Ferreiro eram os que trabalha-
vam o ferro. E assim é em quase todo
o Ocidente – os Smith ingleses são
descendentes de ferreiros e os Martin
franceses filhos de um Martinus.
Nos EUA, no Brasil e em vários
países africanos e asiáticos, a pa-
nóplia é mais alargada. “São países
muito mais populosos que Portu-
gal, com muito mais nascimentos e
um multiculturalismo mais acen-
tuado, ou seja, com mais pessoas
de outros países a trazerem novos
nomes, que adaptam ou não à lín-
gua do seu país de acolhimento”,
diz Graça Rio-Torto, professora de
Linguística da Faculdade de Letras
de Coimbra, que se diz favorável a
todo o tipo de invocações onomás-
ticas que respeitem os padrões lin-
guísticos do idioma – inclusive a
proposta de Cosgrave. W
79
 Família
TERAPIA. CRIAR AS CONDIÇÕES IDEAIS PARA SER MÃE
GRÁVIDASQUE
SERESOLVEM
NODIVÃ
Cada vez mais mulheres procuram ajuda psicológica
pré-maternidade. Por ansiedade, depressão e por
quererem ser mães perfeitas. PorLucíliaGalha
momento com que so-
O nhava há tanto tempo não
foi tão feliz como planea-
ra. Aos quatro meses de
gravidez, Isabel Costa, hoje com 39
anos, sentia-se constantemente an-
siosa, às vezes tinha ataques de pâ-
nico e palpitações. Cerca de seis
anos antes sofrera um aborto es-
pontâneo às seis semanas; assim
que engravidou, a sua relação pio-
rou e tinha discussões constantes
com o marido – chegou mesmo a
separar-se, aos seis meses de gesta-
ção. “Sempre que se aproximava a
hora de ele chegar a casa perdia o
fôlego, e era capaz de ficar nesse es-
tado a noite inteira”, conta à SÁBA-
DO. Não estava preocupada com
ela, mas com a bebé. “Os médicos
acreditam que transmitimos tudo
para eles e eu não queria isso de
maneira nenhuma”, diz.
Decidiu procurar ajuda. Fez con-
sultas de psicoterapia, uma vez por
semana (no fim até duas), durante
mais de metade da gravidez. As ses-
sões consistiam em reflexologia fa-
cial (técnica de estimulação facial),
exercícios de relaxamento, que re-
produzia de manhã e à noite em
casa, e psicodrama (em que através
de um jogo teatral trabalhava as si-
tuações que lhe causavam ansieda-
80
de). “A preocupação
Em alguns
casos há um es-
tigma de procu-
rar terapia na
gravidez porque
dela era que a ansie-
dade prejudicasse a
bebé em termos físicos e
emocionais”, explica a psicóloga
clínica Bárbara Ramos Dias, que a
este período é acompanhou. A terapia deu resulta-
tido como ideal- dos, mas a ansiedade da mãe acabou
mente o mais de alguma forma por se reflectir: a
feliz na vida de bebé, agora com 9 meses, é calma e
uma mulher muito sorridente mas passa noites
inteiras acordada.
Assim como se olha para a dieta e
para o estilo de vida de uma mu-
lher grávida, fará sentido adicionar
a terapia aos cuidados pré-natais?
Um estudo recente publicado na
revista científica Psychological
Science aponta nesse sentido. In-
vestigadores da Universidade da
Califórnia, EUA, concluíram que o
feto sente o estado psicológico da
mãe e que, se ela está deprimida,
isso vai afectar o desenvolvimento
UM ESTUDO do bebé depois de nascer.
DA UNIVER-
SIDADE DA Como ter um bebé zen
CALIFÓRNIA Isabel Costa não é caso único. “Hoje
CONCLUIU fazem-se cada vez mais estas con-
QUE O FETO sultas pré-natais. Há quase uma ne-
SENTE O ES- cessidade de a mulher criar as con-
TADO PSICO- dições ideais para ser uma boa mãe.
LÓGICO DA Começa a falar-se dos filhos antes
MÃE de eles terem nascido”, diz Bárbara

j Ramos Dias. Segundo a especialista,
Outra das angús- existem muitas mulheres a procurar
tias da gravidez e
que também pode ajuda psicológica até antes de engra-
levar à terapia é o vidar, no sentido de se resolverem
medo de a mãe antes de serem mães.
não ser capaz de
se ligar ao bebé Os motivos não são apenas ansie-
dade ou depressões. Também há
quem procure a perfeição e queira
fazer tudo by the book– como
aquelas mulheres que querem ser
perfeitas e então fazem ioga, Pilates,
reflexologia e psicoterapia, etc. –, e
Estratégias quem não saiba dizer não e queira
para gerir a mudar antes da maternidade. “Faz
sentido: ‘Se não consigo dizer não a
ansiedade ninguém como vou conseguir dizer a
Relaxamento um filho?’”, descreve.
Exercícios de A psicóloga clínica seguiu o caso
respiração aju- de uma grávida que tinha grandes
dam a baixar a discussões com a sogra – não que-
tensão arterial ria que ela interferisse na educação
do seu filho quando nascesse. Era a
Alimentação mulher que tinha problemas de
Alimentos ansiedade, mas o marido também
como brócolos frequentou a terapia. “Começaram
e bananas são logo no início da gravidez e vinham
anti-stress todas as semanas, sempre os dois.
O marido inclusive aprendia tudo
Exercíciofísico para depois fazer com ela em casa”,
Eleva a conta. Até na véspera do parto, que
produção de foi agendado, a mulher fez questão
serotonina, que de aparecer. Parece ter resultado:
aumenta a sen- o rapaz é um verdadeiro bebé zen,
sação de prazer assegura a psicóloga. W
2 MARÇO 2017
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Lá em casa tudo bem
O
Dulce Garcia
Subdirectora
Os ricos não vão
para o céu, e
então?
– Tu já viste as tiradas do Papa
Francisco? Agora veio dizer
que é melhorser ateu do que ca-
tólico hipócrita.
– Pois eu acho que tem muita ra-
zão. Já dizia a minha avó que não
serve de nada andar a beber água
benta para depois destilar raiva.
O que não falta para aí é gente
que consome missas como quem
chupa rebuçados e mal põe o pé
no adro da igreja já está a tratar os
outros abaixo de cão.
– Isso já dá multa.
– O quê?
– Tratar mal os cães. Não sei se
foi coisa do PAN ou do Presidente
Marcelo, mas parece que saiu
uma lei que põe essa gente na ca-
deia. Bandidos.
– O Papa também falou nos ban-
didos. Disse que escusam de an-
dar agarrados ao terço de manhã
à noite se depois não pagam aos
empregados, enganam o próxi-
mo e e andam metidos em negó-
cios sujos.
– Ele se calhar já anda a preparar
o discurso que vai fazer em Fáti-
ma porque uma pessoa abre os
jornais e só vê golpadas e negó-
cios obscuros. Dizem que o por-
tuguês é poucochinho de cabeça,
mas tu já viste a quantidade de
espertos que andam a enriquecer
à nossa custa?! Alguns até têm ca-
pelinha em casa.
– Há coisas que eu não percebo.
Jesus já dizia aos colegas que é
mais difícil um rico ir para céu
do que um camelo passar pelo
fundo de uma agulha. O que é
certo é que de lá para cá, nin-
guém fez nada. W
81
 Social

ESPANHA. CARREIRA RELANÇADA DEPOIS DA PRISÃO

ISABELPANTOJAVOLT
Passado mais um episódio trágico na sua vida, a reina dela copla reapareceu. Está mais magra,

estida de preto, olhar fir-

V me, com uma mão no

peito e a outra no micro-
fone, começou por
anunciar: “Continuo aqui.” As 10
mil pessoas que estavam no Palá-
cio dos Desportos, em Madrid, gri-
taram o seu nome. Depois de dois
anos de silêncio, o espectáculo de j
Isabel Pantoja, no dia 11, não de- Isabel Pantoja no
seu regresso aos
fraudou as expectativas. Acompa- espectáculos, no
nhada por uma orquestra de uma passado dia 11,
centena de músicos, a reina de la em Madrid
copla cantou durante mais de três
horas, numa noite de emoções.
Uma semana antes, numa espécie
de teste de popularidade, a artista
deu a sua primeira entrevista à tele-
visão depois de ter saído da prisão,
em Março de 2016. O programa
onde isso aconteceu, El Hormiguero,
alcançou um recorde de audiência
– 4,8 milhões de pessoas – o que
prova a curiosidade dos espanhóis
em rever la tonadillera, como a can-
tora é conhecida pelo seu estilo mu-
sical. Animada e descontraída, Pan-
toja cantou dois temas e preparou
um gaspacho. Na conversa, a única
referência que fez ao tempo que
passou na cadeia de Alcalá de Gua-
daíra, em Sevilha, e aos meses de li-
berdade condicional, foi para falar,
com uma voz embargada, de “dois
anos difíceis, intensos e dolorosos”.

Polémicasetragédias
Com 60 anos, e 40 de carreira, a
vida de Isabel Pantoja tem sido
marcada por polémicas e tragé-
dias. Esta foi a sua segunda retira-
da por um longo período. A pri-
meira foi quando ficou viúva, nos
anos 80: o marido, Francisco Ri-
vera, Paquirri, morreu com 36
GETTY IMAGES

anos na praça de Pozoblanco, em

Córdova, colhido por um touro, no
dia 26 de Setembro de 1984. Du-

82

AEMAPOTEOSE
rejuvenescida e triunfante. Viu uma plateia de 10 mil pessoas a gritar o seu nome. PorSóniaBento
O casamento do ano
Acantorae o toureiro mais
famosos daépocacasaram-se
Paquirri era casado e tinha
dois filhos pequenos quando se
envolveu com Isabel Pantoja. Di-
vorciou-se e casou-se com a
cantora, a 30 de Abril de 1983.
Foi, então, “o casamento do
ano”. Nove meses
depoi, nasceu Fran-
cisco (Kiko Rivera),
o primeiro e único
filho do casal mais
famoso dessa dé-
cada em Espanha.
rante um ano, Isabel, então bapti-
zada pela imprensa como “viúva
de Espanha”, recolheu-se com o
filho bebé na quinta La Cantora,
uma propriedade de 500 hectares
que o marido lhe deixou, em Cá-
diz. A ausência tornou-a desejada.
Quando regressou, em 1985, Mari-
nero de Luces, o disco- homena-
gem a Paquirri, vendeu um milhão
de exemplares, tornando-a a ar-
tista mais bem paga de Espanha.
REUTERS
Em 2013, Isabel Pantoja foi conde-
nada a 24 meses de prisão e a uma
multa de 1,14 milhões de euros por
branqueamento de capitais, no âm-
bito da operação Malaya – um me-
gaprocesso de corrupção imobiliária,
que envolveu também Julián Muñoz,
o ex-autarca de Marbelha com quem
viveu durante seis anos, e que conti-
nua na cadeia. Isabel foi presa a 21
de Novembro de 2014 e saiu em li-
berdade condicional a 2 de Março do
ano passado. Desde então viveu re-
colhida em La Cantora. Só apareceu
D.R.
no casamento do filho, Francisco
(Kiko) Rivera com Irene Rosales, no
início de Outubro passado. Posou
para um exclusivo da Hola!, cantou e
lembrou que só lhe faltava um mês e
meio para voltar a ser livre. Na ver-
dade, faltava menos: a 28 de Outu-
bro a pena foi dada por cumprida.
Doismilhõesdedívidasaofisco
Um mês depois, lançou o disco Has-
ta que Se Apague el Sol, que havia
gravado no México, no Verão de
2014. Em dificuldades, Pantoja teve
de desfazer-se de quase todo o pa-
trimónio, que chegou a estar avalia-
do em 10 milhões de euros. Foi o
caso da mansão em La Moraleja,
uma das zonas mais exclusivas de
Madrid, que vendeu muito abaixo
do preço de mercado. Liquidada a
multa, a artista tem ainda uma dívi-
da ao fisco de quase 2 milhões de
euros, o que a obrigou a pôr à venda
La Cantora, pela qual pede 7 mi-
lhões de euros. Ela sempre disse que
1 milhões viram
2 MARÇO 2017
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DEPOIS DE nunca venderia aquela propriedade,
VENDER até porque 53 por cento são dela e o
QUASE resto do filho, só que também ele
TODO O SEU tem uma avultada dívida de impos-
PATRIMÓ- tos. Aos 33 anos, Kiko, mais conhe-
NIO, VIVE cido por Paquirrín, nunca teve pro-
NUM APAR- fissão e viveu sempre à custa da
TAMENTO mãe. Participou em reality shows e
DE TRÊS tornou-se cantor e DJ. A reina de la
ASSOALHA- copla tem outra filha, Isa, que adop-
DAS tou no Peru, em 1996, e a quem deu
EM MADRID o seu próprio nome, Maria Isabel.
Isa tem sido igualmente uma fonte
de problemas para a mãe: aos 18
anos, teve um filho e a sua instável
vida amorosa leva-a com frequên-
cia às capas das revistas.
Isabel Pantoja escolheu Madrid
para encerrar um dos piores capítu-
los da sua vida e refazer a sua roti-
na. Alugou um apartamento de três
assoalhadas no centro da cidade,
junto ao Parque do Retiro, onde
vive com a mãe e o irmão Agustín,
que também é seu agente. À porta
1 há sempre um ajuntamento de pa-
Em 2013, des- parazzi e de fãs, que vão dar
maiou ao sair apoio, oferecer presentes e até di-
do tribunal que nheiro das suas poupanças à diva
a condenou
em dificuldades.
2 Neste regresso, não passou des-
Pantoja no percebida a mudança de imagem
programa El Hor-
da cantora que tantas vezes teve a
miguero – quase 5
Rainha Sofia na plateia dos seus
espectáculos. Além de ter perdido
bastante peso, o seu rosto está re-
juvenescido. Os especialistas ga-
rantem que la tonadillera
aplicou botox, para tirar os pés
de galinha, ácido hialurónico, para
harmonizar o nariz, e fez um en-
chimento nos lábios. Uma questão
que jornais e revistas de Espanha e
da América Latina vão continuar a
debater: depois do triunfo em Ma-
drid, a cantora seguiu em tournée:
primeiro Chile, depois Peru,
2
Colômbia e Argentina. W
83
 Desporto

84
 2 MARÇO 2017
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Entrevista
PATRÍCIAMAMONA
Três dias antes de partir para Belgrado, onde vai disputar os
Europeus de Pista Coberta (3 a 5 de Março), a campeã do triplo
salto falou à SÁBADO dos objectivos para 2017 e até abordou
o pós-carreira: poderá ser médica, fazer próteses ou dedicar-se
à televisão. E quer ser mãe depois dos Jogos Olímpicos
de Tóquio 2020. PorCarlosTorreseAlexandreAzevedo(fotos)

“Num bom
saltonãosinto
dores, nãosinto
nada. Ficonum
modozen”

spera, espera!”, exclama Pa- j A melhor classificação que tive num

“
E trícia Mamona, enquanto
pede um lenço. É assim vá-
rias vezes durante a sessão
fotográfica na praia de Carcavelos
(Cascais). Por causa do vento forte, a
atleta começa a chorar devido à areia
que lhe vai para os olhos. Já mais res-
guardada, sentada numa esplanada,
fala à SÁBADO sobre vários temas: os
Europeus desta semana; os piropos
nos Jogos Olímpicos do Brasil; a ma-
neira como em criança enganou os
pais para se dedicar ao atletismo; e
até a polémica mudança de Nelson
Évora do Benfica para o Sporting.
Este ano jáganhou o campeonato
nacional e o circuito mundial in-
door. Não conseguiro ouro nos Eu-
ropeus indoorseráumadesilusão?
Patrícia Mamona,
28 anos, a voar na
praia. O seu recor-
de é de 14,65 me-
tros, mas espera
ser a primeira a
passar os 15 metros
Europeu de Pista Coberta foi um 5º
lugar, se ficar em 4º já fico contente.
As medalhas são importantes, e
tenho essa expectativa, mas tudo se
resume a um dia bom, a um bom sal-
to, e pode acontecer a qualquer uma.
Em 2016 ganhou amedalhade
ouro nos Europeus de Amesterdão
(arlivre) e foi 6ª nos Jogos Olímpi-
F cos. Foi o melhorano dasuavida?
“Gosto de Sim, definitivamente. Foi uma sur-
ouvirum presa, porque antes dos Europeus es-
piropo, mas tava em 2º no rankingnacional, atrás
não ligo da Susana Costa. Mas sabia que podia
muito. Pro- ter um bom resultado, porque estava
curo inspirar a treinar bem. Comecei a prova a
as pessoas saltar 13,90 metros e acabei com
pelo que faço, 14,58 metros. Foi espectacular.
não porser Nos Jogos Olímpicos do Rio de
bonita” Janeiro ouviu piropos e até a Q

85
 Desporto
Q pediram em casamento. Como
reage a esse seu lado de sexsym-
bol? Gosta ou fica incomodada?
Às vezes gosto de ouvir um piropo,
mas não ligo muito. Se um dia conse-
guir fazer uma grande marca, ganhar
uma medalha nos Jogos Olímpicos,
isso sim, vai deixar-me feliz. Procuro
inspirar as pessoas por aquilo que
faço, não por ser bonita. Embora sai-
ba que ser a Mamona gira também
ajuda, cativa o público para o atletis-
mo, que é uma modalidade que ain-
da não é profissional e que precisa de
ter nível mediático.
Tem essapreocupação de não ser
só ameninabonitado atletismo?
Sim. Quero é ficar conhecida como a
Patrícia que foi campeã nacional, que
saltou mais de 14 metros pela primei-
ra vez em Portugal, que fez mais de
15 metros – que é o próximo objecti-
vo –, que foi a primeira a ganhar uma
medalha olímpica. Esses recordes é
que ficam para a história.
Como é asuarotinade treino?
Agora que estou a competir é um bo-
cadinho diferente. Não convém can-
sar muito o corpo, e treino só uma
vez por dia. Antes treinava duas ve-
zes, das 10h às 13h, depois fazia recu-
peração até às 14h, almoçava, dor-
mia, porque estava muito cansada, às
17h retomava os treinos, até às 20h,
depois recuperação até às 21h, ia
para casa jantar, descansar, ver umas
séries ou uns filmes para relaxar, e
dormir. Fazia isso todos os dias ex-
cepto ao domingo. Treinava 12
vezes por semana, o que era puxado.
Agora, os treinos são muito intensos,
mas só duram duas horas e meia por
dia. De manhã vou à universidade, e
sábado e domingo, se não estiver a
competir, gosto de ir ter com o meu
irmão ou então vou jantar ou ao
cinema com o meu namorado.
Faz quantos saltos pordia?
Háum número limitado?
Depende, porque no treino não faço
só triplo salto. Faço preparação físi-
ca geral, para dar força e estabilida-
de ao corpo. Quando é a altura de
simular uma prova faço no mínimo
seis saltos. Mas só treino o triplo
salto duas vezes por semana. Por-
que o treino é muito envolvente:
tens de ser rápido, tens que ganhar
força… É preciso treinar várias áreas:
86
h
A atleta do Spor-
ting diz que conse-
gue viver só do
atletismo. “Sou
campeã da Euro-
pa, tenho alguns
patrocínios. Mas é
complicado, anda-
mos sempre a
contar os tostões”
13.º
lugar
Essa foi a sua
melhor classifi-
cação num Mun-
dial. No próximo,
em Agosto, quer
melhorar. “Espe-
ro chegar à final
(12 primeiros) e
depois seja o
que Deus quiser”
os saltos, a resistência, sprints de nomia do meu corpo também não
100 e 200 metros… ajuda, porque não sou alta [1,66 me-
Nos treinos, medem os saltos? tros], não sou muito magra, como são
Não há necessidade disso, sabemos as triplistas de base, e isso obriga-me
mais ao menos onde é que está a a desenvolver um trabalho adicional.
marca. O treino é importante para Já faço atletismo há 18 anos e triplo
Mudança corrigir a técnica. salto há 10 e só agora é que se come-
Nelson Évora ter Mas jácalhou saltarmais nos trei- çam a ver os frutos do trabalho árduo.
trocado o Benfi- nos do que nas competições? O que é que sente nos saltos?
ca pelo Sporting Já, mas é muito raro, porque nos Depende. Às vezes dou impulso com
“é legítimo”. “Os treinos não há pressão. Nas provas é mais força e sinto-me a voar; noutras
atletas têm de normal exaltar-me e querer mostrar vou a correr mais rápido e parece que
procurar o que que estou bem. Se uma rapariga salta sai tudo de repente. Mas quando o
é melhor para mais do que eu, dá-me aquela pica salto é bom não sinto dores, não sinto
eles”, diz Patrícia extra e quero saltar ainda mais. nada. Esses são os melhores: o trei-
Quersaltar15 metros estaépoca? nador diz para eu reter o que fiz e
É um objectivo de vida, não sei se não consigo reter nada porque estava
será esta época. Houve poucas rapa- num modo tão zen que nem me lem-
F rigas no mundo que conseguiram bro, tenho de ir ver as filmagens para
“Ia para os ultrapassar essa marca [foram 25], e perceber o que fiz. Fico em piloto au-
treinosedizia conseguir ficar no melhor ranking tomático, já foi tudo tão treinado que
aosmeuspais mundial de sempre será espectacular. nem me recordo de nada.
queiaestudar Mas ainda estou longe de lá chegar. O Qual foi o seu primeiro desporto?
para casa de meu recorde [e de Portugal] é de Comecei no desporto escolar, e a
uma amiga. 14,65 metros. E nesta altura, conse- seguir a um corta-mato da escola, no
Um dia, iano guir aumentar um centímetro já é 5º ano, convidaram-me para ir para
comboio sem bastante difícil. É tudo uma questão o JOMA (Juventude Operária de Mon-
bilhete e fui de detalhes, da maneira como estico te Abraão, em Sintra). A partir daí co-
apanhada” o braço, como dou impulso. E a fisio- mecei a fazer as várias disciplinas do

Com o pai, Patrício,
e com o primo Dadino. A família
vive em Inglaterra e Patrícia vai lá
regularmente. Mas não gosta do
país – “tem um clima deprimente”
atletismo: saltos, corridas longas e
curtas, barreiras, lançamento do dar-
do e do peso. Só com 21 anos é que
decidi dedicar-me em exclusivo, e
profissionalmente, ao triplo salto.
Os seus pais apoiavam-na?
Na altura vivia em Agualva, e foi fá-
cil ir para o JOMA porque era perto,
eram só duas estações de comboio.
A questão é que fui para lá sem au-
torização dos meus pais – dizia-lhes
que ia estudar para casa de uma
amiga. Um dia, já lá andava há dois
ou três meses, ia no comboio sem
bilhete e fui apanhada. Tinha 13
anos e a minha mãe teve de me ir
buscar à esquadra. Os meus pais
não reagiram lá muito bem, a minha
mãe tinha receio que eu deixasse de
ter boas notas na escola. Mas isso
não aconteceu, comecei logo a ga-
nhar campeonatos e eles pensaram:
“Calma lá que a nossa filha é muito
boa nisto.” Sentiam-se orgulhosos,
e hoje são os meus fãs nº 1.
O que faziam os seus pais?
A minha mãe trabalhava no hospital
como auxiliar de enfermagem e o
meu pai estava na IBM. Quando eu ti-
nha 13 anos ele emigrou para Ingla-
Cantinho do Tovar
F terra. O resto da família juntou-se a
“Como ele mais tarde. Eu fiquei, por causa do
comeceia atletismo e para terminar os estudos.
ganhar, as O seu apelido, Mamona, levou a
pessoas que fosse gozadanaescola?
faziam Um bocadinho, mas nem ficava irri-
trocadilhos tada, apenas virava costas e ia-me
com o nome: embora. E como comecei a ganhar,
‘A Patrícia as pessoas até brincavam e faziam
mama os trocadilhos, tipo: “A Patrícia mama os
prémios prémios todos.” Mas ainda me lem-
todos’” bro de perguntar ao meu pai porque
é que tinha este nome e de ele me
explicar que é angolano e significa vi-
sionário. O meu pai é do Uíge e o
nome é da língua da tribo dele.
Com 17 anos ganhou umabolsae
foi estudarMedicinaparaos EUA.
Como surgiu essaoportunidade?
Tive boas classificações nos mundiais
EUA de juvenis e juniores e recebi convi-
Viveu lá cinco tes de várias universidades – fui para
anos. Podia ter- a de Clemson, na Carolina do Sul.
-se naturaliza- Tem 28 anos, achaque poderáiràs
do? “O meu trei- duas próximas Olimpíadas?
nador mandou Faço conta de estar em Tóquio 2020.
uns bitaites, mas Espero já ter acabado o curso e estar
nunca me senti a preparar o pós-carreira. Quem sabe
americana” se não me apaixono pela televisão e
sigo a carreira da comunicação ou da
publicidade. Ou vou ao Comité Olím-
pico dizer que quero fazer próteses
para os atletas paraolímpicos – é
possível pelo curso de Engenharia
Biomédica. Também posso voltar a
estudar Medicina – infelizmente não
j me deram equivalência dos quatro
Com 17 anos foi anos que fiz nos EUA.
estudar Medicina Gostadaáreadacomunicação?
para os EUA. Em
Portugal não lhe Sim, tem-me agradado a experiên-
deram equivalên- cia no Fama Show [SIC] e tenho
cia e inscreveu-se aprendido muito. É uma área a ex-
em Engenharia
Biomédica. Está plorar, não só o facto de ser apre-
no 3.º ano sentadora mas perceber como é que
a televisão funciona.
Sermãe estános seus planos?
Sim, mas ainda não estou preparada.
Ficaráparadepois dacarreira?
Espero que não, porque o pós-gravi-
dez até dá um boostde hormonas, e
quem sabe se assim não consigo me-
lhores marcas. Mas não quero trazer
uma criança ao mundo sem ter uma
vida estável. Depois de Tóquio 2020,
se já tiver o curso acabado se calhar
será boa altura para constituir família,
com 31 ou 32 anos, mesmo que possa
prosseguir a carreira mais algum tem-
po, talvez até aos Jogos de 2024. W
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
O
Rui Miguel Tovar
Jornalista
Uh la la, Benfica
em Dortmund
É a segunda eliminatória da
Taça dos Campeões 1963-
64. Ao Benfica, calha em sor-
te os alemães do Borussia
Dortmund. Na Luz, até o árbi-
tro francês Pierre Schwinte
está espantado com a falta de
sorte. “Foi um jogo inesquecí-
vel, nunca me tinha aconteci-
do isto. Tenho penado Benfica,
dos jogadores e dos seus adep-
tos. Seis bolas ao poste deve
serdifícil de digerir.” Pois é, seis
bolas ao poste.
O Benfica ganha 2-1, golos
de Simões (47’), Wosab (53’) e
Eusébio (67’), mas sofre como
nunca. Até ao intervalo, Eusé-
bio atira duas vezes à barra e
Simões acertano poste. Nase-
gunda parte, entre o 1-0 e o 1-
1, José Augusto remataao pos-
te. Depois do 2-1, Eusébio e
Serafim fixam em seis o novo
número do azar. José Augusto
ainda se lembra dessa noite.
“Foi terrível, parecia que eles
tinham encolhido a baliza. E o
pior foi lá, na Alemanha.
Aconteceu o contrário: cada
remate deles era golo.” O ex-
tremo refere-se ao 5-0 de
Dortmund, numa noite em
que o Benfica joga sem Costa
Pereira, Germano e Eusébio.
“Não há nenhuma equipa
imbatível”, continua José Au-
gusto. “A regra é haver um
descalabro e foi isso que se
passou em Dortmund.” Ao in-
tervalo, 3-0 com três golos
seguidos (34, 35 e 36 minutos).
Na segunda parte, mais dois
(47’ e 58’) e nenhuma bola ao
poste ou à barra. W
87
 Opinião
PARECE QUE
FOI ONTEM
“Ninguém ganhou a última
guerra nem ninguém ganhará
a próxima” – Eleanor Roosevelt
(1884-1962), ex-primeira-dama
dos Estados Unidos
Um barco,
uma guerra
e um
casamento
A 28 de setembro de 1940, o meu
pai, que prestava serviço militar na
Marinha, enviou do Funchal, de bordo
do contratorpedeiro Douro, um postal
para a minha mãe, em Lisboa, no qual
escrevia: “Afinal, houve paquete para
levar o correio antes do que se espe-
rava. Mas ainda te não posso dizer
nada a respeito do movimento do na-
vio”. Eram momentos de incerteza,
estava-se em plena Segunda Guerra
Mundial e o receio de que Portugal
pudesse vir a participar no conflito
não se dissipava. Por outro lado, os
meus pais tinham casamento aponta-
do para daí a meses e pairava a dúvi-
da sobre a sua realização.
Felizmente, tudo acabou por correr
C g
Ex-director Record
Alexandre
Pais
www.alexandrepais.pt
88
bem e a cerimónia realizou-se a 1 de
março de 1941, na igreja de Santa
Catarina, em Lisboa, na calçada do
Combro, perto do Chiado, numa rua
que tinha imensas sapatarias – hoje,
não resta uma!
O espetro daguerracontinuariapre-
sente na vida dos meus pais, que só
em 1945, após o armistício, começa-
ram a tratar do aumento da família e
i mão, vocês afundavam-no?” Arespos-
Setembro de 1940: atracado
no porto do Funchal, o
contratorpedeiro Douro
aguardava ordens de Lisboa
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
jgi
1 de Março de 1941: os meus
pais, Vitalina e António,
casavam-se em Lisboa. E
ficaram casados... 68 anos!
dafuturavindaao Mundo do escriba.
Tomei consciência desses anos difí-
ceis, ou melhor, ainda mais difíceis
porque toda a década de 40 foi má,
através dos relatos do meu pai, que fa-
lavacom reverênciado seu contrator-
pedeiro – de cujo convés se atiravam à
água, com uma corda atada à cintura,
os marinheiros que não sabiam nadar.
Um dia, ingenuamente, perguntei-lhe:
“E se aparecesse um submarino ale-
ta retrata uma época: “Bem, isso seria
complicado. Só para pôr o barco a na-
vegareram precisas duas horas...” W
1 de março de 1942: há 75 anos, no
primeiro aniversário do casamen-
to, o meu pai enviava um telegra-
ma de bordo do Douro
 edp.pt

G E M
G A RA
O DA
S ALT LCO
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 Opinião
JUÍZO FINAL
O problema é que, mesmo
quando a presunção é hipotética
ou falsa, os offshores evocam
dinheiro que escapa ao controlo
pleno da oligarquia
O antes sem reacção palpável – eviden-
Em terra
de zarolhos
AMonoclelembra-me a actriz Ashley
Judd: bonitinhano invólucro, maluquita
no conteúdo. No último número, a re-
vista dedica 64 páginas de louvores a
Portugal e conclui sermos “umanação
orgulhosae prontaparao investimen-
to”. Aparte do orgulho nemcomento. A
parte do investimento também não, e
deixo o comentário àFEE, Foundation
for Economic Education, que fez as
contas ao fisco e concluiu sermos, ao
lado da Bélgica e depois da Suécia, o
segundo lugardo Ocidente onde quem
manda mais castiga a iniciativa de
quem obedece e melhor constrange o
sucesso económico. Em 2016, pagá-
O O
O bom
Um imperativo conxitusinal
Saber português vai deixar de ser
critério de aquisição da nacionali-
dade. Com um único gesto, abate-
-se a cansativa frase de Fernando
Pessoa e justifica-se o linguajar do
primeiro-ministro. É, porém, redu-
tor atribuir apenas ao dr. Costa a
responsabilidade pela abertura
em causa. Liga-se a televisão,
abre-se os jornais, espreita-se as
ditas redes sociais e fica-se fasci-
nado pela tortura a que a língua é
incessantemente sujeita. Ou nem
O isso: de facto, o que hoje espanta
Sociólogo é ver alguém exprimir-se em por-
Alberto tuguês razoável. Exigir o mesmo a
Gonçalves estrangeiros seria pura xenofobia.
90
mos 34,7% do PIB em contribuições e
impostos, proeza que bateu o recorde
anterior e projecta um futuro radioso.
O nome não mente: a Monocle é um
bocado zarolha.
Pior ainda, a nossa orgulhosa pátria
estárepletade zarolhos assim, uns por
infortúnio, outros por vocação, e ne-
nhum com o sentido estético dapubli-
cação britânica(aelite daqui exibe pê-
los nas orelhas). Se restavam dúvidas,
estas dissiparam-se com aerupção do
caso dos 10 mil milhões em offshores.
“Erupção” é maneira de dizer, já que o
“escândalo” fora divulgado um ano
temente porque à época não havia
umatrapalhadaequivalente àdaCGD
para remover das notícias. “Caso”
também é força de expressão, já que
uma pessoa lê as pessoas que perce-
bem do assunto e não consegue ga-
rantir qualquer ilegalidade. Acontece
que, mal ouvem falar em offshores, os
serviçais da oligarquia indígena desa-
tam a presumir, ou a fingir que presu-
mem, crimes monstruosos.
Convém notar que o problema não
são bem os offshores. Com frequência,
os serviçais em causa estão directa ou
indirectamente ligados aoffshoresnas
avenças que recebem, nas compras
que fazem, se calharaté nas contas que
abrem e de certeza nos interesses que
apoiam. Não admira, visto que uma
parcela considerável dos países do
mundo (Portugal incluído graças àMa-
O mau
La La Land
Nem sei quantas palavras poderia
escrever sobre os Óscares. Talvez
duas: não vi. Nos últimos anos, salvo
a ocasional fita decente, o que me
chega do cinema são as fitas inde-
centes protagonizadas pelas “estre-
las” em cartaz. “Hollywood” desatou
a levar-se a sério e perdeu a piada
toda. Aquela gente convenceu-se
de que lhe compete esclarecer as
massas em vez de se limitar a entre-
tê-las. O resultado do delírio nota-se
no lixo em que participam e atinge
o clímax na celebração anual, que
voltarei a ver quando atribuírem o
prémio para o Maior Pedante. Mas
percebo a dificuldade na escolha.
2 MARÇO 2017
www.sabado.pt
deira) é no fundo um offshore, de resto
instrumento hoje vital para as trocas
comerciais e não um sintoma de de-
gradação moral.
O problema é que, mesmo quando a
presunção é hipotética ou falsa, os
offshoresevocam dinheiro que esca-
pa ao controlo pleno da oligarquia.
Aliás, na perspectiva dos utilizadores,
a sua função é essa, prevenir que o
ganho de uns não seja inteiramente
devorado pelos que ocupam o Estado
ou vivem a roçar-se nele: a inveja é o
real motor da História. Na perspectiva
dos “ofendidos”, o recurso ao fantas-
ma dos offshorespermite alertar para
roubos imaginários enquanto se co-
metem os autênticos.
Chegou então o momento de res-
ponder à pergunta que dilacera inú-
meras almas: como (simularvoz cons-
ternada) é sequer possível comparar a
“fuga” de 10 mil milhões com os SMS
do dr. Centeno? Não comparo. Em
princípio, a primeira situação não es-
conde grande drama, excepto o desti-
no que os legítimos proprietários de-
ram às respectivas verbas. Em princí-
pio, a segunda situação é só a superfí-
cie da folia praticada a coberto da
CGD, e do destino que proprietários
ilegítimos deram a verbas alheias. Ad-
mitindo que do princípio à realidade
vai alguma distância, investigue-se
ambas as situações e digam coisas,
emborase adivinhe que se investigará
pouco e diránada. W
O
O vilão
Pluralidade
Recentemente, garantiram-me que
o dr. Louçã sabe umas coisas de
Economia, e que as alucinações in-
fantis que profere em público são
apenas para consumo de fanáti-
cos. Até por experiência própria,
eu sabia que o dr. Louçã mente so-
bre tudo à sua volta. Aprendi que
também mente a si próprio. Resta
apurar se no Banco de Portugal te-
remos o académico que vive neste
mundo ou o populista que afirma
desejar outro, cheio de unicórnios,
igualdade e campos de reeduca-
ção trotskistas. Entretanto, há que
nomear Ferraz da Costa para a di-
recção do BE a bem da pluralidade.
Media Partner