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Jillian Hunter

MEU AMADO MARQUÊS


Série: Boscastle 1

Tradução: Ana Paula Batista


Revisão Inicial: Edith
Revisão Final: Silvia Helena
Leitura Final e Formatação: Alcimar Silva
Resumo

O que faria se o noivo de toda sua vida a abandonasse diante do altar


no dia que deveriam dizer o sim?
Provavelmente lançar objetos que estejam por perto, de preferência
quebradiços e lançá-los contra o altar, ou planejar um lento e cruel
assassinato do noivo fugitivo com formigas carnívoras no Amazonas...
Seria o lógico, mas nossa heroína de hoje, assiste impassível,
indiferente ao abandono de seu noivo, sem lançar objetos, sem cortar
cabeças, sem reclamar para ninguém sobre sua desgraça, o que me leva a
lhes expor esta pergunta: não lhes parece um tanto suspeito?
Aqui há gato escondido. Esta mulher não está tão despeitada como
deveria.

Dedicatória

À Linda Marrow, com gratidão por sua simpatia, seus conhecimentos


e o apoio que me deu.
Capítulo 1

Mayfair, Londres, 1814

O enlace Boscastle-Welsham teria sido o casamento do ano se o noivo


tivesse o trabalho de se apresentar. Sir Nigel Boscastle brilhava tanto por
sua ausência em suas núpcias que o pai da noiva se viu obrigado a
acompanhá-la até o altar, onde esperava à sofrida lady Jane a comitiva para
o casamento com a exceção de seu noivo. E onde continuaram esperando.
- Me encarregarei desse bobo depois da cerimônia - resmungou o
distinto sétimo conde de Belshire, quando parou ao lado de sua filha, de
costas aos desconcertados convidados. - Esse idiota vai chegar atrasado a
seu próprio funeral.
Passados vários minutos de confusão, o padre e os pais da noiva
decidiram que enquanto esperavam a chegada do noivo, seu lugar junto à
Jane seria ocupado por seu irmão mais velho, Simon, visconde de Tarleton.
Assim, seu irmão foi colocar-se junto à noiva. E ali continuaram.
No princípio ninguém duvidava que finalmente Nigel aparecesse e
salvaria Jane da vergonha. Se é que se lembrava que dia era, comentou um
convidado no terceiro banco.
Afinal, sir Nigel não tinha fama na cidade por ter um intelecto
superior, mesmo que sua generosidade tivesse conquistado muitos e leais
amigos.
A noiva não quis que o casamento se celebrasse na popular igreja
Saint George de Hanover Square. Sendo uma jovenzinha respeitável cujo
nome jamais esteve envolvido em um escândalo, evitava por norma os
acontecimentos grandiosos de muito alvoroço e pompa. De todos os modos,
nesse dia os membros da alta sociedade abarrotavam o interior da capela
particular de Park Lane, a mansão do marquês de Sedgecroft em Londres,
para assistir a um casamento que aparentemente não se celebraria.
Lady Jane Welsham estava, de acordo com os convidados, como uma
princesa. Resplandecia com seu vestido de cetim branco que caía sobre um
corpete interior de tule marfim. A barra do vestido parecia flutuar
delicadamente como espuma sobre seus sapatos recobertos por diminutas
pérolas. Um vaporoso véu de renda Honiton lhe emoldurava e cobria o
rosto, deixando nas sombras qualquer emoção que pudesse revelar para
grande desilusão das rivais.
Em sua mão brilhava o ramo de botões de rosas brancas com as
bordas das pétalas com pó de ouro. Luvas de pelica branca lhe cobriam as
esbeltas mãos, mãos que se mostravam extraordinariamente firmes, se
levasse em conta que sua proprietária estava passando a pior humilhação
que pode sofrer uma jovem em sua vida: ficar plantada no altar. O que
pode ter acontecido?
Toda Londres sabia que os pais de Jane e Nigel tinham planejado esse
casamento desde que ambos começaram a dar seus primeiros passos, em
fraldas.
Os jornais que publicavam os ecos da sociedade tinham comentado
várias vezes que raramente se viu um casal de noivos tão compatíveis. O
que poderia ter saído errado?
- Se Nigel demorar um pouco mais, essas rosas ficarão tão murchas
que se poderá encher com elas uma almofadinha - comentou amargamente
lady Caroline, uma das irmãs da noiva. - Vou estrangulá-lo.
- Pobre Nigel - disse lady Miranda, a irmã mais nova, balançando a
cabeça compassiva. - Não acha que pode ter se perdido? Jane disse que
precisava de um mapa para achar sua carruagem.
Caroline estreitou seus olhos castanhos dourados, contemplado sua
irmã abandonada.
- Está levando bastante bem a humilhação, não lhe parece?
- Esperaria menos de uma Welsham? - sussurrou Miranda.
-Não sei, mas me parece que este comportamento tão horroroso é
típico dos homens Boscastle. Deve ter em conta que Nigel, com toda sua
amabilidade e doçura, descende de uma das linhagens mais notórias da
Inglaterra. Olhe se não, para nosso anfitrião Sedgecroft, que está ajeitado aí
em seu banco como o senhor dos leões com seus papagaios ao redor.
- Seus o que? — perguntou Miranda, horrorizada.
- Não posso gritar a palavra, Miranda. Essa mulher de vestido rosa
escuro é lady Greenhall, a última de suas amantes.
- E a trouxe aqui, ao casamento de Jane?
- Salta à vista.
- Bom, dizem que seus irmãos não são melhores - acrescentou
Miranda. - Todos eles deveriam levar o "S" de sem vergonha marcado na
testa.
- Eu gostaria de saber o que pensa Sedgecroft de tudo isto -
murmurou Caroline. - Não parece o que se diria feliz, não é?
O dito anfitrião, o dono da capela, Grayson Boscastle, quinto marquês
de Sedgecroft, estava pensando que a noiva tinha o traseiro mais atraente
que tinha visto desde há muitíssimo tempo. E não que fosse aficionado a
olhar com cobiça a jovenzinhas vestidas de noiva, não, mas levava mais de
duas horas olhando suas costas. Era impossível que não despertasse a
curiosidade própria de um homem normal. Que outra coisa tinha para
olhar? Adoraria saber se o resto dela seria igualmente atraente.
Além disso, de propósito evitava olhar para os convidados sentados
nos bancos reservados para seus familiares: diversos primos e tios meio
adormecidos; duas ex-amantes, uma das quais estava com seus filhos e seus
três irmãos, que estavam meio tombados no banco, sem mostrar o menor
respeito pela sacrossanta cerimônia.
Se é que a cerimônia chegaria a sua normal conclusão desgraçada,
quer dizer, outro homem preso aos grilhões do matrimônio.
Nesse momento, um de seus irmãos, o tenente coronel lorde Heath
Boscastle, que estava sentado no banco de trás, inclinou-se para ele e lhe
disse, divertido:
- O que lhe parece? Começamos a fazer apostas sobre se aparecerá ou
não?
- Será melhor que se apresente, ou responderá ante mim - respondeu
Grayson em tom lúgubre. - Já passei meio-dia olhando.… bom, digamos
que olhando algo que normalmente está reservado para os olhos de um
marido.
Nigel era seu primo, um Boscastle que, por casualidade, lhe agradava
muito, em realidade, embora nesse momento desejasse lhe dar uma surra,
por bobo.
No formoso rosto de Heath se desenhou um largo sorriso.
- A última vez que vi uma coleção igual de familiares Boscastle em
uma igreja foi no funeral de nosso pai. Quem convidou às amantes?
- Acredito que eu - respondeu Grayson, reprimindo um bocejo. -
Estou a tanto tempo sentado aqui que me endureceu o cérebro.
- Você as convidou para o casamento?
- Não é meu casamento, graças a Deus.
- Bom, é sua capela.
- Portanto, convido quem me dá vontade.
- A alguém poderia ter ocorrido convidar o noivo.
Grayson cruzou os braços sobre seu terno cinza pérola.
- Isto está durando tanto que estou tentado a me casar com a noiva.
- É melhor que não.
Grayson soltou uma risada rouca.
- Não.
- Por certo - disse Heath, reprimindo a risada. - Ontem à noite tive que
declinar um convite por você para jantar na casa de Audrey. Onde diabos
estava quando vim buscá-lo?
- Tirando Drake e Devon de um antro de jogo, para que nesta manhã
pudéssemos estar nesta reunião familiar para o casamento.
- Pensei que casamentos o deixassem nervoso.
Os olhos azuis de Grayson brilharam diabólicos.
- O solteiro jurado que há em mim está morrendo minuto a minuto.
Desvaneceu-se o sorriso de Heath.
- E o soldado que há em mim pressente que o problema só começou.
Como está à apaixonada e ardente Helene?
- Grandemente mais fria que a última vez que a vi pelo menos para
mim. Não conseguimos chegar a um acordo.
- Ah, assim seus olhos estão em outra?
- Não.
- Não, Gray? Ainda não?
Grayson olhou dissimuladamente ao redor. Suas duas ex-amantes
pareciam estar em uma batalha de olhares glaciais. Era possível que
houvesse hostilidades.
Seus irmãos mais novos, Drake e Devon, e um dos escandalosos
amigos de Drake, conversavam sobre certa jovem de reputação duvidosa
que conheceram na noite anterior. A conversa se converteu em uma
acalorada discussão quando os três descobriram que ela estava com os três.
Uma briga a murros parecia inevitável.
Chloe, a mais nova de suas duas irmãs, estava inclinada em seu banco
falando em sussurros com as damas de honra da noiva, que pareciam muito
mais aflitas que a noiva.
Como granadas no meio desses três campos perigosos estava um
grupo pequeno, mas seleto de pessoas do belo mundo. Políticos,
aristocratas, jovenzinhas debutantes e senhoras mais velhas casamenteiras
que o contemplavam mais ou menos como se ele fosse uma fortaleza que
deveria ser conquistar.
Sem querer passou os dedos por dentro da gravata, para proteger o
pescoço da corda do matrimônio. Sentia-se abafado, sufocado, por esse ar
de sacrossanto matrimônio, as amantes em guerra, as militantes damas de
honra, as responsabilidades que tinha herdado quase da noite para o dia.
Ninguém, e muito menos ele, esperava a repentina morte de seu pai no ano
anterior quando soube que tinham matado seu filho mais novo, Brandon,
no Nepal. Ele continuava sentindo-se culpado por não ter estado lá para lhe
dar a notícia.
O peso das obrigações familiares tinha caído sobre seus largos ombros
como uma mortalha. Eram muitíssimas as perguntas que tinha desejado
fazer a seu pai, e já era muito tarde. Os afãs egoístas dos quais tanto
desfrutou antes já não tinham nenhum atrativo para ele. Encontrava pouco
prazer em sua vida anterior.
Não gostava do homem em que se converteu, e ultimamente tinha
começado a pensar se poderia mudar alguma vez.
E agora esse desastre, sua primeira prova pública como patriarca do
clã Boscastle. Como deveria agir ante o abandono da noiva por seu primo
idiota?
- O que se faz nesta situação? - resmungou em voz baixa, para si
mesmo.
Heath balançou a cabeça, desconcertado.
- É uma lástima que nossa Emma esteja tão longe na Escócia. Ela
saberia exatamente o que fazer.
Emma, sua irmã mais velha, ficou viúva há pouco tempo e dava aulas
de etiqueta à flor e nata da aristocracia de Edimburgo para ocupar suas
horas de ócio.
Voltou à atenção ao ocioso e mais prazeroso exame do traseiro em
forma de coração da noiva. Muito, muito bonito, pensou. Não estava mal
como escolha de esposa, no caso de ter que escolher uma. Claro que Nigel
já a tinha pedido para ele; uma lástima que não se apresentara para agarrar
o pacote. De todos os modos, quem poderia saber o que espreitava debaixo
desse véu? Uma bela ou uma besta? Uma sereia ou uma arpía?
Um tapinha no ombro de seu irmão e Heath pôs fim a seu sugestivo
devaneio de libertino.
- A noiva é muito bonita, não é verdade? - comentou Heath.
- Mmm - murmurou, juntando as pontas dos dedos das duas mãos
sob seu queixo com covinha. - Não fiz um exame detalhado. Suponho que
poderia ser. Não foi algo em que me fixei.
- Que mentiroso é, Grayson - disse Heath, abafando uma risada. -
Esses olhos azuis seus a estão devorando em todos seus detalhes, até as
ligas.
Bom, uma de suas qualidades menos admiráveis não tinha mudado;
continuava sendo um homem, mesmo que não estivesse seguro de
nenhuma outra coisa.
- É muito grosseiro fazer um comentário como esse em uma capela,
Heath - disse, com fingida piedade, olhando com a extremidade do olho
para sua ex-amante, a senhora Parks, que estava sentada no outro extremo
do banco entre seus dois rebeldes filhos, resultado de um romance anterior
ao que teve com ele. Quando se envolveu com ele era uma próspera
estilista; graças a sua generosa pensão já não teria que trabalhar nunca mais
em sua vida, e tinha uma relação de amizade com ele. - Tenho que lhe
recordar Heath, que estamos em um recinto sagrado?
- É a primeira vez que vem aqui, Grayson? - perguntou-lhe seu irmão,
divertido.
- A segunda - respondeu ele, pigarreando para limpar a garganta.
Novamente passou o olhar pela capela. Uma das damas de honra
começou a chorar e a noiva a estava consolando. Os convidados estavam
decididamente inquietos, movendo-se nervosos em seus assentos,
perguntando-se em sussurros o que iria acontecer. Ele teria que atuar logo,
inventar alguma ridícula desculpa para explicar o comportamento de Nigel.
Começou a ensaiar mentalmente.
Embora fosse muito improvável, não poderia descartar a
possibilidade de que o maldito imbecil de seu primo tivesse caído da
escada ao escorregar em uma de suas sapatilhas de cetim e bateu a cabeça
ficando inconsciente. Aos convidados que conheciam Nigel não custaria
nada acreditar nisso.
Voltou à atenção à atraente mulher que estava em pé ante o altar com
seus brancos ombros muito erguidos. Um homem teria que ter um coração
de pedra para não sentir compaixão por ela, o desejo de protegê-la do
sofrimento infligido por seu parente.
- É digna de admiração - disse a Heath em voz baixa - não se se pôs a
chorar nem fez pó às flores do ramo em um ataque de histeria, como teriam
feito algumas mulheres que conheço.
Dizendo isso franziu o cenho em brincadeira fazendo um gesto para
lady Greenhall e a senhora Parks, que não tinham fama de ser precisamente
submissas.
Em um dos bancos desse mesmo lado da nave, um velho membro do
Parlamento foi despertado por sua mulher, e com uma exclamação algo
confusa perguntou se já tinha terminado o maldito casamento.
- Não começou - lhe sussurrou a senhora Parks, sobressaltada. -
Parece que o noivo se perdeu.
O cavalheiro moveu a cabeça de lado a lado, olhando compassivo à
abandonada heroína que estava ante o altar.
- Esta encarando bem a situação, parece-me - comentou, com voz
baixa. - Estoica, como seu pai. Essas são as mulheres firmes e resistentes de
antigamente. Sua coluna Welsham é inquebrável.
- A pobre inocente deve estar destroçada - murmurou à senhora
Parks, sorvendo pelo nariz para conter as lágrimas. - Ser abandonada pelo
homem a quem amou toda sua vida. Eu gostaria de saber o que pensa disto
a pobrezinha.

***

O que estava pensando lady Jane Welsham não se poderia repetir ante
pessoas educadas. Em primeiro e principal lugar, ansiava correr para casa
para tirar o espartilho de seda e a pequena anquinha; a armação de aço de
sustentação a rodeava como um fole, impedindo-a de respirar. Já levava um
bom tempo sofrendo. Era verdade que já era evidente para todo mundo que
a tinham abandonada.
Sua segunda preocupação girava em torno de sua mãe, uma delicada
flor de feminilidade que não descendia da linhagem saxã mais forte de seu
pai. Sua mãe parecia estar fora de si; parecia incapaz de acreditar que uma
jovem e muito menos sua própria filha, fosse capaz de suportar esse tipo de
humilhação pública.
- A única explicação é Nigel tenha sido assassinado - dizia lady
Belshire veementemente a quem quisesse ouvi-la.
Ao que respondia o conde com igual veemência:
- E assassinado será, não tenha dúvida, quando eu conseguir colocar
as mãos nele.
- Mais sempre estiveram comprometidos - dizia sua mulher, chorosa.
- No dia em que nasceram todos concordamos estavam destinados para
este... este desastre.
Jane exalou um longo suspiro e afundou o nariz em seu ramo de
noiva. Era capaz de suportar a humilhação ante a sociedade, mas detestava
ver tão aflita sua mãe porque o conto de fadas que tinha planejado não teria
o príncipe eleito no final.
A maioria dos convidados supôs, logicamente, que o desanimado
suspiro da noiva indicava que sua fortaleza tinha chegado a seu limite. Seu
terno coração de donzela estava partido; quase era possível ouvi-lo romper-
se em seu peito. Quem poderia não compreendê-la? Como foi capaz sir
Nigel de infligir essa indignidade a jovem que tinha sido sua constante
acompanhante e defensora desde que era criança?
Claro que algumas opiniões maliciosas apareciam em suas feias
cabeças aqui e ali, principalmente entre as jovens debutantes que sempre
tinham invejado a posição social de Jane e suas tendências intelectuais, sua
negativa de seguir ao rebanho. E aí...
O coração partido de Jane deu um salto e lhe subiu até a garganta. Seu
olhar acabava de conectar-se com um par de sedutores olhos azuis que lhe
fizeram descer um muito inquietante estremecimento pelas costas. Fazendo
um esforço para recuperar o fôlego, contemplou avaliadora o resto de sua
irresistível pessoa, olhando dissimuladamente por entre as pétalas com
pontas douradas de seu ramalhete. Vá, caramba, caramba, caramba. Assim
esse era o escandaloso Sedgecroft. Esse magnífico e perigoso espécime de
virilidade só podia ser o infame primo de quem Nigel costumava falar com
tanto desprezo. Ela sempre teve o secreto desejo de conhecê-lo, mas claro,
não em uma situação como essa.
- Aguente-se - sussurrou seu pai ao seu ouvido. - Sobreviveremos a
isto.
- Os Welsham suportaram coisas muito piores - acrescentou seu
irmão, lhe dando um torpe golpe no ombro com o braço.
- Não neste século - demarcou Caroline, olhando-o zangada.
Jane assentiu solenemente, sem ter ouvido nenhuma só palavra. Era a
primeira vez que via em carne e osso e tão de perto seu anfitrião, o notório
marquês de Sedgecroft. E ah, se não era impressionante o corpo de carne e
osso também, nada menos que de uns seis pés e umas quantas polegadas
de altura. Seria o fato de vê-lo o que lhe produziu esse ligeiro enjoo ou seria
que o espartilho não lhe deixava chegar o sangue ao cérebro?
- É Sedgecroft quem está sentado aí no primeiro banco, não é? -
perguntou à Caroline em um sussurro, ocultando a boca atrás do
ramalhete.
O delicado rosto de Caroline ficou sombrio de preocupação.
- Bom Deus, Jane, faça o que for não o olhe nos olhos. Poderia cair sob
a maldição dos Azuis Boscastle.
Jane se atreveu a lhe lançar outro olhar.
- O que quer dizer?
- Dizem - sussurrou Caroline - que quando uma mulher olha esses
olhos azuis pela primeira vez se... ah, vamos, mas o que estou dizendo. Já se
apaixonou por um Boscastle e sua sorte não poderia ser pior do que é
agora. Estou sofrendo por você, Jane. Devo dizer que suporta
admiravelmente.
- É uma prova, Caroline.
- Tem que sê-lo. Caramba há três dos irmãos de Sedgecroft aqui e
ainda não houve nenhum duelo. É um milagre que não tenham derrubado
as paredes da capela. Não sei onde se poderia achar uma coleção assim de
entidades imponentes e bagunceiras fora do Monte Olimpo.
Jane sorriu, ela e suas irmãs tendiam a ficar muito teatrais nos
momentos difíceis. Mas era verdade; pelo visto estavam reunidos ali à
maioria dos Boscastle para presenciar sua humilhação pública. Os quatro
bonitos irmãos destacavam-se sobressaindo por cabeça e ombros entre os
convidados menos dotados fisicamente. Conversando e rindo a intervalos,
os três mais novos estavam ajeitados preguiçosamente nos bancos,
presididos pelo marquês em toda sua glória leonina.
Engoliu a saliva ao sentir descer outro estremecimento pela coluna. O
semblante e todo o corpo de Sedgecroft falava claramente de irritação, e não
era de se estranhar. Fazia alarde da hospitalidade oferecendo sua mansão e
sua capela para a celebração do casamento de seu primo, e, a julgar pela
expressão de seu rosto deveria pagar um inferno por pô-lo nessa situação.
Ela esperava estar já longe e escondida antes que ele perdesse a paciência.
Sua ideia era escapar assim que possível.
- Quer que lhe consiga vinagre? - perguntou-lhe Miranda,
preocupada.
Jane se obrigou a desviar o olhar de seu amedrontador anfitrião de
cabelo dourado.
- Para que?
- De repente tenho a impressão de que poderia desmaiar - disse
Caroline, compassiva.
A culpa disso tinha Sedgecroft, pensou Jane, sentindo uma pontada
de aborrecimento. Inclusive a essa distância, separados por quase a metade
da capela, percebia que era um homem a quem não gostava que o
incomodassem. O céu a amparasse se a ele lhe ocorresse investigar
pessoalmente o desaparecimento de Nigel, mesmo que isso não parecesse
provável.
Dava a impressão de que ele já estava bastante ocupado controlando
seu próprio clã; para não dizer nada das duas mulheres muito atraentes que
a cada momento se aproximavam dele para conversar em sussurros, de
uma maneira que sugeria uma forte relação pessoal.
- Reservem o vinagre para a mãe de Nigel - sussurrou a suas irmãs, e
de repente notou que lhe ardiam às faces, ao pensar que Sedgecroft e suas
amantes eram testemunhas de seu fracassado casamento. - Acredito que
desmaiou pelo menos cinco vezes na última hora.
- Acho que leva pior que você este desastre, Jane - disse Caroline,
pensativa.
- Jane simplesmente é melhor na hora de ocultar seus sentimentos -
murmurou Miranda.
A isso seguiu um momento de silêncio. Jane o aproveitou para lançar
outro olhar dissimulado para Sedgecroft. Parecia estar tão desassossegado
como ela.
- Bom - disse Simon então - quanto tempo mais temos que esperar?
Jane abaixou uma mão para puxar a saia e tirar a bainha debaixo do
pé de seu pai. Sentia-se como se o peso de todo seu vestido de noiva a
estivesse afundando. No aspecto social, claro, já estava afundada. Depois
disso era improvável que algum homem que valesse a pena quisesse se
casar com ela. A menos que encontrasse um homem cuja valentia superasse
em muito a razão. Seus pais não se atreveriam jamais a lhe arrumar outro
matrimônio. O mais provável era que inclusive tivessem medo de
intrometer-se nos assuntos de suas irmãs, com o que Caroline e Miranda se
salvariam de uniões desgraçadas. As três teriam que buscar maridos
sozinhas.
Com dificuldade conseguiu reprimir o impulso de lançar o ramalhete
ao ar e soltar um grito de alegria.
Começava a dissipar-se a nuvem de desespero que tinha escurecido
esses longos meses de noivado. Já aparecia o sol. Tinha conseguido. Tinha
conseguido de verdade evitar o destino que tanto tinha temido.
- Passaram três horas - murmurou seu pai, olhando seu relógio de
ouro de bolso. - É tempo suficiente. Simon me ajude a levá-la à carruagem.
Ficaremos um de cada lado se por acaso desmaiar pela humilhação.
Lady Belshire olhou ao redor horrorizada.
- Não em público, Howard. Pense na multidão de plebeus que estarão
do lado de fora, à espera de ver a comitiva das bodas. Quão único verão
será... uma noiva desmaiada.
- Sairei sozinha - disse Jane, sentindo uma pontada de culpa pela
morte do sonho deles.
Mesmo que isso significasse o renascer de suas esperanças secretas.
Esse casamento nunca foi o sonho dela. Nem tampouco o de Nigel.
De fato, era possível que nesse mesmo momento Nigel estivesse
fazendo suas promessas nupciais à mulher a quem tinha desejado
apaixonadamente nesses últimos quatro anos: a robusta preceptora dos
Boscastle, que tinha consagrado dez anos de sua juventude a governar ao
desmamado clã em sua propriedade de campo.
Ela invejava o futuro dos dois; mesmo que certamente o pai de Nigel
o deserdasse, deixando-o sem um centavo, ele passaria sua vida com a
mulher que amava.
E essa mulher nunca tinha sido ela. Tampouco ela nunca o tinha
amado, embora lhe tivesse muitíssimo carinho, afeto. Casar-se com o Nigel
teria sido o equivalente a casar-se com um irmão, uma união que nenhum
dos dois desejava, mesmo que nunca conseguissem convencer disso a seus
respectivos pais.
- O que poderia estar fazendo Nigel enquanto nós estamos aqui como
um grupo de idiotas rematados? - resmungou seu irmão, lhe agarrando o
braço para animá-la a escapar para a carruagem.
- Me solte Simon - disse ela em um brusco sussurro. - Jamais em
minha vida fui que tipo de mulher que desmaia.
Uma imensa sombra caiu sobre o altar e repentinamente se apagaram
todos os murmúrios e um profundo silêncio envolveu a capela. Um terrível
calafrio de premonição percorreu todo o delgado e flexível corpo de Jane.
As expressões de espanto que viu nos rostos de suas irmãs intensificaram
seu mau pressentimento.
- Oh, é ele - murmurou Caroline, com o rosto tão branco como o
vestido de noiva. - Céu santo.
- Que ele? — perguntou Jane em um sussurro, abrindo seus olhos
verdes.
Seu irmão se afastou, lhe soltando o braço como se fosse uma pistola
carregada. Ele também estava olhando para a sombra, com uma fascinante
expressão de medo combinado com "respeito".
Sem pensar, ela esmagou como um escudo protetor o ramalhete sobre
o decote ladeado por seda com rendas, e se virou para enfrentar seu
destino. E então se encontrou ante o rosto mais indecentemente belo que
tinha visto em sua vida.
Ele. O muito honorável marquês de Sedgecroft.
Sedgecroft, que projetava uma sombra que a cobria toda, do véu da
cabeça até as pontas de seus sapatos. Sedgecroft, com os tormentosos olhos
azuis e o corpo de músculos de aço, o de fama de descarado e estilo de vida
libertino, o patife mais encantador para divertir à aristocracia amante de
escândalos.
O homem em cuja capela ela tinha desejado levar a cabo seu plano.
Sedgecroft, que se via envergonhado, capaz e...
Que demônios pretendia fazer aí no altar?
Sentiu as desbocadas palpitações do coração que faziam vibrar as
pétalas de rosas do ramalhete que tinha segurado tão forte que lhe doía a
mão. Por sua cabeça passaram-se os pensamentos mais estranhos. Imaginou
que um escultor estaria encantado de esculpir o rosto de Sedgecroft, toda
essa soberba estrutura óssea de ângulos marcados, esse queixo com
covinha...
Para não dizer essa boca pecaminosamente modelada e seus ombros
varonis. Tentou calcular quanto tecido necessitaria seu alfaiate para lhe
cobrir as longas e musculosas costas. E seria verdade que ele e sua última
amante fizeram amor uma vez na Torre?
Sua voz profunda a sobressaltou, tirando-a de seu vergonhoso
devaneio:
- Sinto-me profundamente envergonhado.
Envergonhado? Ele estava envergonhado? Bom, talvez tivesse
centenas de motivos para confessar isso, mais, por desgraça, nenhum no
qual tivesse tomado parte ela.
Suas irmãs e ela se olharam desconcertadas.
- Perdão, disse que se sente...?
- Envergonhado. Por meu primo. Há algo que eu possa fazer?
- Fazer?
- Sim, com respeito a este... - moveu sua enorme mão varrendo o ar -
este lamentável assunto.
- Acredito que me posso dar um jeito — respondeu Jane, e se apressou
a acrescentar: - mas é muito amável de sua parte oferecer ajuda.
Sua agradável voz grave fez percorrer uma estranha onda de calor
pelas veias. Imaginou-se que um homem de sua reputação se negaria a
assumir qualquer responsabilidade no assunto, e não que se oferecesse para
ajudar. Então lhe ocorreu pensar se empregaria essa encantadora solicitude
com sua manada de apaixonadas amantes e admiradoras. Que maneira
mais eficaz de derreter o coração de uma mulher.
Imediatamente interveio seu pai, ficando entre eles.
- Estamos ante um problema tático, Sedgecroft. Como levá-la até a
carruagem no meio da multidão aí fora.
Sedgecroft a olhou avaliando, com um olhar de perito que parecia lhe
penetrar até a medula dos ossos, e ver todos seus perversos segredos, até
suas esperanças e temores mais íntimos.
- Isso não é nenhum problema. Poderia sair pela porta da sacristia e
usar uma de minhas carruagens. A não ser que por algum motivo prefira ir
em sua carruagem. - Calou-se um momento, olhando-a atentamente outra
vez. - Eu poderia acompanhá-la na carruagem até além das portas. Poderia
levá-la nos braços, se fosse necessário. Isso daria motivo ao povo para falar.
Caroline afogou uma exclamação e Miranda arregalou os olhos,
desconfiada e divertida. Jane estendeu a mão para o braço de Simon e lhe
apertou o pulso com tanta força que ele se virou para olhá-la carrancudo.
- Socorro - lhe disse em um sussurro apenas audível.
- Acho que a ouvi dizer que nunca em sua vida desmaiou -
resmungou ele.
Ela cobriu a boca com o ramalhete para lhe sussurrar:
- Este poderia ser o dia que faria uma exceção. Disse a sério?
Um brilho de admiração iluminou os olhos de Simon.
- Com Sedgecroft nunca se sabe. Vi-o ganhar uma fortuna no jogo
com seus faróis.
Ela voltou a olhar dissimuladamente esse magnífico rosto e viu leves
sulcos indicadores de um bom humor que talvez o marquês tivesse
controlado por respeito a seus sentimentos. Novamente se sentiu
agradavelmente surpresa. Rumores sobre o temerário comportamento de
seus familiares tinham circulado durante anos pelos salões da alta
sociedade.
- Não acredito que seja necessário me levar nos braços - disse, embora
compreendesse que em outras circunstâncias uma mulher sem dúvida
cairia na tentação de aceitar esse oferecimento.
- Não?
Horrorizou-a o rubor que sentiu subir ardente pelo pescoço quando
olhou seus olhos azuis e se achou cativada por essa atração sensual que
emanava dele quase como se fosse uma segunda natureza. Poderia sentir-se
totalmente avassalada por esse descarado encanto masculino se não
estivesse tão resolvida a pôr fim a essa situação.
Levá-la nos braços até a carruagem, certamente. Falar de criar um
escândalo. Embora devesse reconhecer que esses soberbos ombros
pareciam muito capazes dessa tarefa... caramba, no que estava pensando?
Esse não era nem o momento nem o lugar para descontrolar-se por causa
de um desconhecido bonito.
- Estou disposta a caminhar até a carruagem e fazer frente à multidão
- disse.
- Sim, claro - disse ele, em tom amável e indiferente.
Lorde Belshire olhou ao marquês um pouco nervoso.
- Suponho que não sabe absolutamente nada sobre o paradeiro de
Nigel - disse.
No rosto de Grayson apareceu uma expressão de fria resolução. Sua
resposta golpeou como um raio o centro do coração de Jane.
- É minha intenção averiguar o que aconteceu hoje, acredite - disse, e
então olhou para ela, como tentando transpassar o véu de noiva que lhe
cobria o rosto.
- Sei que este é um momento difícil para senhorita, mas, por favor, me
diga, houve entre a senhorita e Nigel algum desacordo, por acaso?
Ela negou lentamente com a cabeça. Despediram-se sendo os
melhores amigos, totalmente de acordo de que não foram feitos um para o
outro como marido e mulher.
- Não, nenhuma briga - disse.
Sedgecroft franziu os lábios, como se suspeitasse que ela tivesse
omitido algo muito importante em sua resposta.
- Nenhuma rixa de apaixonados que talvez esquecesse com todos os
preparativos para as bodas? Nenhum mal-entendido?
Jane levou um momento para responder.
- Nigel e eu nos entendemos à perfeição - murmurou.
- Deve ter morrido - disse lady Belshire, olhando desconsolada para
todos os lados da capela. - Jane, acredito que seria judicioso aceitar o
amável oferecimento de Sedgecroft.
Jane a olhou horrorizada.
- Mamãe, não vou permitir que me levasse no meio da multidão como
a... a uma bola.
Lady Belshire abanou as faces ruborizadas pela vergonha.
- Refiro-me a seu oferecimento de acompanhá-la até a carruagem,
Jane. Bom Deus, não há nenhuma necessidade de que a plebe fofoque sobre
isto.
Lorde Belshire dirigiu um pesaroso sorriso a sua mulher.
- Prepare-se, Athena. Isto vai aparecer como um escândalo com todos
seus feios detalhes nos jornais da tarde. Não podemos fazer outra coisa que
nos defender o melhor que pudermos. Sedgecroft?
O marquês pareceu despertar, como se o tivesse sobressaltado pensar
como tinha conseguido envolver-se pessoalmente nesse drama familiar.
- Um de meus irmãos acompanhará sua filha a casa enquanto eu me
ocupo dos assuntos aqui - respondeu. - Os convidados bem poderiam
desfrutar do café da manhã de bodas que se preparou. - Endireitou seus
impressionantes ombros, e seus olhos brilharam com um resplendor azul
que a Jane cortou o fôlego. - Eu já resolverei isto - acrescentou em voz baixa,
matizada com toda a arrogância de sua educação aristocrática.
Por um perigoso instante, Jane esteve a ponto de soltar uma
gargalhada. Aí estava junto ao altar com um infame libertino que não lhe
tinha dirigido mais de duas palavras em toda sua vida e prometia vingar
uma afronta que em realidade não tinha ocorrido.
Sem dúvida essa promessa tinha a intenção de tranquilizá-la e a fazia
um homem que provavelmente nunca foi rejeitado na vida. Mais a
promessa produziu o efeito contrário. Em lugar de sentir-se consolada ou
tranquilizada, afloraram todos os instintos de amparo que possuía para
adverti-la.
Tinha pensado que ao sabotar seu próprio casamento ficaria a salvo.
Mas em lugar disso se encontrava ante um perigo muito mais insidioso que
nenhum que pudesse ter imaginado. Na realidade, seu plano para esse dia
bem poderia tê-la levado às próprias portas do inferno, e o próprio
demônio estava aí esperando para apoderar-se de sua alma enganosa.

Capítulo 2

Ainda não tinha transcorrido uma hora da saída da capela onde se


celebraria o casamento quando Weed, o empregado decano da residência
de Sedgecroft em Londres, apresentou-se ante seu senhor no imenso salão
de recepção.
Aí, sob um teto em forma de cúpula, dispôs-se o convite de
casamento com todo o esplendor de taças de cristal, porcelana de Sèvres e
brilhante faqueiro de prata sobre mesas cobertas por toalhas de linho
branco engomado. Passado um momento de vacilação, os convidados se
lançaram ao ataque na salada de lagosta e o champanha como se tudo
estivesse perfeitamente normal.
Como se as cadeiras Chippendale de espaldar alto reservadas para os
recém casados não estivessem tristemente vazias.
Como se seu elevadíssimo anfitrião não estivesse presidindo a
celebração como um senhor guerreiro medieval que ordenou a seus
vassalos que desfrutassem enquanto ele faz planos para sua vingança.
- Fiz o que me pediu - disse Weed em voz baixa, inclinando-se ao lado
de Grayson, simulando que o fazia para voltar a lhe encher a taça de
champanha. - Nosso pombo voou da jaula.
O rosto de Grayson se retesou em uma expressão perigosa. Não
tolerava que um homem carecesse de coragem para cumprir uma promessa
que tinha sido tão idiota para fazer, e muito menos quando esse homem era
um parente que utilizou sua própria capela para cometer esse delito social.
- Está seguro?
- Seu roupeiro e sua cômoda estão vazios, milorde. Os criados
asseguram que não tinham a menor ideia de seus planos. Seu criado de
quarto informou que viu a cama sem nenhum sinal de que tivesse sido
ocupada quando subiu a água quente para barbeá-lo a primeira hora nesta
manhã. Ao ver a carruagem de sir Nigel no recinto todos supuseram que
tinha saído para fazer uma caminhada para acalmar os nervos.
- E não voltou - disse Grayson, depreciativo.
A opinião que tinha de seu primo ia diminuindo minuto a minuto.
Talvez fosse melhor para todos que Nigel fosse atropelado por uma
carruagem de aluguel ou que houvesse alguma outra explicação tão
ridícula como essa para que tivesse deixado plantada essa jovem ante o
altar.
- Suponho que ainda cabe a possibilidade de que tenha ocorrido algo
mau - disse Weed, duvidoso.
Apareceu Heath, o irmão de Grayson, pelo outro lado da cadeira.
- O que aconteceu? - perguntou, sorrindo às convidadas que o
estavam observando.
Eram senhoras que o consideravam um objeto desejável para suas
filhas solteiras, caso fosse possível cativar seu esquivo coração. Claro que o
marquês estaria no primeiro lugar de suas listas, mais para este, tampouco
tinha atraído sua atenção nenhuma jovem, mesmo que muitas tinham
chegado a extremos ridículos para conseguir esse fim.
A domesticação do clã Boscastle e a conseguinte captura para núpcias
era um desafio para muitíssimas mães da sociedade obcecadas por casar a
suas filhas. Toda essa riqueza, essa beleza excessiva, sua generosidade para
as poucas pessoas que consideravam queridas...
- Nigel desapareceu - disse Grayson rodeando com seus longos dedos
o pé esculpido em forma de espiral de sua alta taça.
Heath riu cético.
- Desaparecido? No meio de Londres no dia de seu casamento? Não
acredito.
- Eu tampouco - respondeu Grayson, arqueando uma sobrancelha - O
assunto é que não o encontram. Fica a pergunta, por quê?
Heath cruzou os braços.
- Vamos necessitar um agente de Bow Street.
- Não - disse Grayson em voz baixa.
Estava afligido por sentimentos desencontrados: por um lado a
lealdade a sua família e por outro essa estranha sensação de
responsabilidade que o impulsionava a atuar para remediar esse
desgraçado assunto. Se a filha de Belshire tivesse feito uma manha de
criança ou tivesse chorado lastimosamente, talvez não o tivesse comovido
tanto seu abandono. Mas sua serena resignação o impulsionava a defendê-
la. Por quê? Não sabia. Talvez devido a que não via nenhuma outra pessoa
disposta a assumir esse papel.
- Se o malandro fugiu - acrescentou - e não está morto em alguma
sarjeta, continuaria sendo um assunto da família.
- Sim - murmurou Heath - e, portanto o cobriremos. Bom, cobriremos
tudo o que seja possível, tomando em conta que a metade de Londres já
sabe o que fez.
Grayson estreitou os olhos. Nunca tinha suportado o critério estreito
da sociedade. Este lhe produzia o intenso desejo de atuar seguindo seus
impulsos mais chocantes e escandalosos simplesmente para demonstrar
que não lhe importava. O problema era que já não era o filho pródigo que
pode se levar como muito deseja.
- A melhor maneira de fazer frente às fofocas é ignora-las - disse. -
Seus pais estão absolutamente destroçados, para não dizer nada da noiva.
Suponho que me corresponde resolver as coisas com a família.
- Você, Gray, um pacificador? Bom, isso é como um raio caído do céu.
Acho que gosto.
Nenhum dos seis irmãos Boscastle que restavam tinham se
acostumado ainda à drástica mudança na hierarquia familiar ocorrida no
ano anterior. Seu pai parecia gozar de excelente saúde até dois meses antes
de sua morte. Todos imaginavam que o velho tirano continuaria vivendo
umas quantas décadas mais. E quando mataram seu irmão mais novo,
Brandon, enquanto trabalhava para proteger os interesses britânicos no
Nepal, a todos foi impossível pensar que um jovem tão são e vigoroso não
fosse voltar jamais.
Ninguém na família se recuperou da comoção. As rédeas da
responsabilidade recaíram nas mãos de Grayson antes que ele percebesse o
que tinha acontecido. De fato, ele ia de caminho a China quando chegou a
notícia da prematura morte de seu pai.
Quase da noite para o dia se viu obrigado a abandonar seus
passatempos para pôr sua abundante energia na administração de suas
vastas propriedades. Teve que deixar para depois suas afeições como o box,
a bebida, as corridas de cavalos com obstáculos e as viagens a países
exóticos, para dedicar-se ao trabalho. E seu tempo ficou totalmente
ocupado pelas finanças, os assuntos familiares, a pensão para suas tias
doentes e as incontáveis obras de beneficência com as quais tinham
colaborado seus pais.
Para não dizer nada do clã Boscastle: três irmãos desmamados e
bagunceiros, uma irmã que adoraria seguir esses mesmos passos; outra
irmã na Escócia que virtualmente se desligou da família, e numerosos
primos, entre eles o desaparecido Nigel, a maioria dos quais pareciam não
ter nem um só osso sensato em seu corpo.
Ser um Boscastle equivalia a desentender-se dos limites.
Claro que se um ano antes alguém lhe houvesse dito que estaria
contemplando o mundo com os olhos de seu pai e não com os de seu
habitual hedonismo momento a momento, teria caído na risada.
Se sua família deveria sobreviver, estava claro que isso dependia dele.
E há umas semanas, chegou-lhe, saída de turvas ondas emocionais que não
gostava de explorar, a compreensão de que sua maldita família lhe
importava muitíssimo. A dupla perda, de seu irmão e de seu pai, tinha-o
feito compreender essa surpreendente verdade. De todos os modos, a
responsabilidade produzia uma comoção horrível em seu organismo de
libertino.
- O que fazemos, então? - perguntou-lhe Heath, sorrindo a uma jovem
que estava sentada do outro lado da mesa.
Grayson se afastou, divertido.
- Não pode se desentender das mulheres o tempo suficiente para ser
útil?
- Eu? E me diz isso o homem que tinha duas ex-amantes esperando
para lhe saltar em cima de seus bancos? - Heath ficou sério e seus olhos
azuis escuro brilharam de resolução - Mas sim. Ajudarei.
Grayson assentiu. Poucas pessoas sabiam do trabalho de Heath no
Serviço de Inteligência Britânico durante a guerra. Ele ignorava os detalhes
e tampouco queria pressioná-lo para que lhe revelasse o que tinha feito. O
importante era que sob o calado encanto e o atrativo de Heath havia um
intelecto agudo e uma quase temível indiferença ante o perigo.
Secretamente ele desejava ser mais parecido a seu irmão mais novo e
calcular seus passos em lugar de agir precipitadamente e logo lamentá-lo.
- Encontre-me Nigel.
Heath terminou de beber sua taça de ponche.
- Considere feito. E o que acontecerá depois?
- Arrastaremos o desertor arrependido até o altar para que conclua o
assunto. Leva com você Devon, se quiser. Isso lhe impedirá de meter-se em
dificuldades.
Passeou o olhar pela mesa, acabava de ver que os dois assentos
reservados para seus irmãos mais novos estavam desocupados. Drake que
tinha acompanhado a noiva á casa ainda não tinha voltado.
- Onde está Devon?
Heath esticou os punhos da camisa.
- Partiu com uns amigos que conheceu na semana passada em Covent
Garden. Convenceram-no a ir procurar um tesouro de piratas em Penzance.
Uma cigana o viu em sua bola de cristal.
- Deus nos ajude - exclamou Grayson. - Esta família vai ao inferno em
uma cesta.
- E você é nosso chefe supremo - disse lady Chloe Boscastle, de cabelo
negro azeviche, que todo esse tempo esteve bebendo champanha sentada
muito perto. - Só seguimos seu exemplo, querido irmão.
Grayson exalou um suspiro. A família estava perdida se seguissem
seu exemplo. Embora não pudesse negar que sua influência era um fato. O
que devia fazer? Arrepender-se? Pecar em segredo? Quanto tempo pode
um homem fingir que seus atos não afetam a outros?
Ah, Por Deus, estava em grave perigo de converter-se em um ser
moral?
Por cima do ombro olhou ao empregado que estava apoiado na
parede. De repente lhe parecia mais fácil pensar nos pecados de outros que
considerar os seus. A distração lhe serviria para desviar a atenção de seu
turvo caráter.
- Voltou minha carruagem, Weed?
- Faz uns minutos, milorde.
- Como estava nossa noiva abandonada?
- Impaciente para chegar em casa, me disseram, e suplicando que a
deixassem sozinha.
- Aguentou extraordinariamente bem - comentou Heath. - Isso sim
admiro.
Grayson tentou imaginar ao medíocre Nigel com a encantadora jovem
cuja confiança acabava de trair. Resultou-lhe difícil imaginá-los juntos, e
estranhamento perturbador, em realidade.
Chloe moveu a cabeça de lado a lado, compassiva.
- É provável que nunca volte a aventurar-se a sair de seu quarto. Se eu
estivesse em seu lugar, consolaria-me percorrendo o Continente e
arrumando amantes bonitos para sarar meu coração.
Grayson olhou sua bela irmã de olhos azuis com expressão
reprovadora.
- Esperemos que a dama não leve sua vingança a um extremo tão
ridículo.
- Digo a sério, Gray - disse ela, veemente. - O que lhe aconteceu hoje é
tão horrível que não se pode suportar nem a metade. Uma amiga minha do
colégio jogou-se no Tâmisa por um homem que a deixou abandonada no
altar. Uma mulher não se recupera de uma traição tão horrenda. Isso deve
deixar uma ferida muito dolorosa.
Em sua imaginação, Grayson viu umas graciosas costas, umas mãos
delicadas ocultas por luvas com botões de pérola e um rosto
misteriosamente coberto pelas dobras de um véu de casamento. Um rosto
sereno de traços clássicos, um elegante nariz e uma boca de lábios cheios e
tentadores. Uns olhos verdes felizmente não cheios de dramáticas lágrimas
que o olhavam com uma resignação que quase o desafiava a expiar uma
ofensa que ele não tinha cometido.
Franziu o cenho quase juntando suas grossas sobrancelhas.
- A dama não me pareceu o tipo de mulher que faria algo tão
desesperado como tirar a vida - disse. E muito menos por um imbecil como
Nigel, acrescentou para si mesmo.
- Mais isto significa sua morte na sociedade educada - insistiu Chloe,
levantando levemente seus ombros nus. - Tem que fazer algo para consertar
isto, já que é o cabeça de família. Se não o fizer, Jane nunca poderá voltar a
mostrar sua cara em público.
Grayson imaginou a sedutora donzela de cabelo mel sentada sozinha
e suportando estoicamente sua desgraça o resto de sua vida. Que
deplorável desperdício de feminilidade.
- É minha intenção fazer algo - disse.
Mais o que faria, não sabia dizer. Não permitisse Deus que sua
intervenção piorasse as coisas. Não era precisamente famoso por sua
capacidade de fazer boas obras. Entretanto, sempre havia sentido um
curioso impulso por defender aos oprimidos ou pisoteados, talvez porque
se sentia culpado de sua imerecida boa sorte.
Levantou os olhos.
- Heath?
- Porei-me a caminho dentro de uma hora.
- Dê-lhe uma surra até que não fique nem um ápice do solteiro que
leva dentro, mais não lhe deixe nenhuma marca visível.
- Por que não?
Grayson sorriu lugubremente.
- Não quero que pareça horroroso quando o levarmos arrastado até o
altar.

Capítulo 3

Três quartos de hora depois, Grayson entrava cavalgando pelas


ornamentadas portas da mansão do conde de Belshire em Grosvenor
Square. Quando o cavalariço já levava seu cavalo ao estábulo, observou que
as cortinas das janelas salientes do andar de baixo estavam fechadas. Um
empregado de aspecto taciturno o fez passar a uma das cinco salas formais
de visitas. Em sua visita à casa da cidade de Nigel não tinha encontrado
nenhuma pista útil a respeito de seu desaparecimento.
Teve que esperar vários minutos ali, durante os quais observou os
criados passarem ante a porta nas pontas dos pés, como se não quisessem
romper o triste e profundo silêncio. Na realidade, a mansão parecia estar
envolta em um pano mortuário, como se houvesse falecido
inesperadamente um familiar.
Como receberiam os pais a impulsiva ideia que o tinha levado ali?
Pensou. O que pareceria à noiva abandonada seu oferecimento de agir
como seu protetor temporário, uma espécie de substituto de seu estúpido
primo ante a sociedade? Se tivesse sorte, Nigel apareceria antes que ele
pudesse pôr em marcha seu plano. Não tinha ideia de como o levaria a
cabo, logicamente, mas alguém tinha que proteger ela e a sua família do
inevitável escândalo.
Sendo o membro de status mais elevado de sua família, recaía nele
essa duvidosa honra. Afinal, tinha o poder e a popularidade para dar esse
amparo e lhe oferecia algo novo ser o cavalheiro branco para variar.
A verdadeira surpresa do dia era que não tinha sido ele o causador do
escândalo.
Seus motivos não eram de todo generosos; havia neles um certo
egoísmo. Em primeiro lugar, com isso esperava evitar que o sobrenome de
sua família se visse envolvido em um pleito. Em segundo lugar, pretendia
pôr fim ao comportamento auto destrutivo pelo que sentiam uma atração
natural tanto ele como seus irmãos.
Não pôde deixar de notar que sua aparição no salão principal
desconcertou bastante lorde e lady Belshire. De fato, lady Belshire já bebera
a metade de uma garrafa de xerez. O conde, por sua parte, tinha seu cabelo
negro grisalho muito revolto, com mechas em ponta aqui e ali, e levava a
gravata inclinada, mas, além disso, conseguiu apresentar seu habitual ar
distinto ante o visitante inesperado.
- Sedgecroft. Sirva-se de uma taça. Encontrou esse canalha?
- Ainda não.
Olhando por cima do ombro, Grayson viu as duas gentis damas que
estavam sentadas no sofá simulando estar absortas em seus bordados. Os
arrepiantes olhares carrancudos que lhe dirigiam entre ponto e ponto
poderiam lhe ter petrificado todo o corpo. Como se por parentesco ele fosse
o responsável pelo abandono de sua irmã.
- Heath vai se encarregar da busca, e será discreto - acrescentou. - Se
Nigel estiver vivo, o trará para que cumpra seu dever.
Lady Belshire cobriu a boca com uma mão para ocultar um soluço e
logo disse:
- Confesso que preferiria que o encontrassem morto. Isso pelo menos
seria uma desculpa aceitável pelo que fez a minha filha hoje.
- Libertino - resmungou uma das filhas.
- Cafajeste - acrescentou a outra em voz baixa e dura.
Grayson as observou atentamente pela extremidade do olho. Tinha a
clara impressão de que não se referiam exclusivamente a Nigel, embora,
pelo amor de Deus, pudesse acusar seu primo de muitos defeitos, sendo a
estupidez o principal, mas do que não lhe podia acusar era de mulherengo.
Jamais tinha se destacado nessa habilidade.
E isso deixava ainda mais preocupante que esse idiota tivesse deixado
abandonada no altar a uma beldade como lady Jane. Mais claro, era
possível que a elegante dignidade da dama o tivesse assustado. Igual, pelo
pouco que sabia dele, até teria fugido com um homem. Coisas mais
estranhas estavam ocorrendo. Sem ir mais longe, sua própria atuação
tentando reparar uma ofensa na qual nada tinha que ver.
Carrancudo, voltou a olhar para o conde, que tinha desabado em uma
poltrona e tinha a um gordo spaniel sobre os joelhos.
- Queria falar com sua filha, Belshire. Em privado, por favor. Alguém
tem que fazer emendas em nome dos Boscastle.
Não tinha a menor intenção de pedir permissão a Belshire para fazer
o que fosse que tinha pensado enquanto não tivesse apresentado seu plano
à noiva abandonada.
Se Jane pusesse objeções, bom, ao menos poderia dizer que tinha
tentado. Não tinha nenhum sentido explicar o plano a seus pais. Nem
Athena nem Howard pareciam capazes de tomar decisões nesse momento,
destroçados como estavam pelo desastre sem precedentes desse dia.
As duas damas se levantaram do sofá como movidas por uma mola
de preocupação fraterna. Ele as observou. Uma tinha o cabelo mogno
dourado, a outra era uma atraente morena. Ao que parecia a beleza era uma
característica nas mulheres dessa família.
E outra, sem dúvida, uma desconcertante segurança em si mesmas.
- Para que quer ver Jane? - perguntou-lhe a de cabelo moreno.
- Não está de humor para uma visita social, considerando o que lhe
fez seu primo hoje - acrescentou a outra.
- Isso compreendo - respondeu ele tranquilamente.
- Duvido que queira vê-lo - disse a morena.
Grayson encolheu os ombros; tinha a impressão de que ela estava
errada.
- Não há nenhum mal em tentar - disse.
- Sua aparição aqui é inoportuna, Sedgecroft - disse lorde Belshire,
irritado. - Talvez pudesse lhe apresentar suas desculpas outro dia.
- Quando se cai de um cavalo - disse Grayson, cauteloso - o melhor
conselho é que volte a montar imediatamente.
Lady Belshire deixou bruscamente sua taça na mesinha lateral e o
olhou com os olhos brilhantes de interesse.
- Que sentido lhe damos para voltar a montar, Sedgecroft?
Grayson titubeou um momento, e teve que escolher com supremo
cuidado as palavras, não fossem interpretá-lo mau.
- O pior que pode fazer sua filha é retirar-se da sociedade. No caso de
não encontrarmos Nigel ou não consigamos convencê-lo, seria conveniente
encontrar-lhe outro marido.
Preferivelmente, pensou, um que tenha pelo menos meio cérebro,
para apreciar o que seu primo desprezou tão misteriosamente.
- Está se oferecendo para se casar com minha irmã? - perguntou-lhe a
mais alta das duas irmãs, em um tom a meio caminho entre a esperança e o
espanto.
- Nãoo! - se apressou a dizer ele, horrorizado por essa ideia. - Não.
Minha intenção é ajudá-la a reincorporar-se na sociedade o mais depressa
possível. Quanto mais tempo esperar, mais difícil lhe será voltar.
-Tem um ponto de razão, Howard - murmurou lady Belshire. - Se Jane
se retirar indefinidamente, vai passar a ser solteirona e finalmente deixará
de existir. E Sedgecroft é bem considerado na alta sociedade.
O conde voltou a pôr na fronte o pano com vinagre que tirara.
- Vamos, que diabo, Sedgecroft. Faça o que possa para ajudá-la. Jane
não me dirigiu uma palavra educada há meses. Muitas vezes me expressou
suas dúvidas a respeito de casar-se com Nigel, mas não ignorei? Eu achava
que se adoravam secretamente. Os jovens de hoje em dia são totalmente...
ah, puxa. O que sei eu do amor?
- Não sabe ninguém? - disse Grayson.
Ao voltar descobriu que as duas irmãs o estavam olhando como se de
repente lhe tivessem brotado chifres e uma cauda bífida.
- Quanto tempo acha que levaria este... relançamento? - perguntou
lady Belshire.
Grayson levantou seus largos ombros.
- Não muito. Minha intenção é acompanhar Jane em saídas pela
cidade somente até que comece a atrair o interesse sério de alguns
pretendentes aceitáveis. Espero que com o tempo se recupere o suficiente
para reatar sua vida.
- O fato de que um marquês a ache desejável sem dúvida vai
despertar o interesse da alta sociedade - disse Athena, pensativa. - Vejo
possibilidades nisto, Sedgecroft. É amável de sua parte considerar seu
futuro. Sem ajuda, é provável que Jane passe a ser uma causa perdida.
- É minha intenção dar um exemplo ao resto de minha família -
respondeu ele. Embora Deus soubesse que essa abnegação não lhe era
natural, como tampouco as complicações de um galanteio, embora este
fosse superficial. - Pode ser que nunca tenha pedido a uma mulher que me
acompanhe ao altar, mas tampouco deixei abandonada a nenhuma. Não
careço totalmente de moralidade, como parecem acreditar algumas pessoas.
Lorde Belshire abriu um olho.
- Dar um exemplo está muito bem, meu amigo, mas eu tenho certas
dúvidas. Tem fama de ser um pouco libertino.
- Um pouco? - exclamaram as duas irmãs ao uníssono.
- O que poderia fazê-lo um pretendente atraente para Jane - disse lady
Belshire, pensativa. - Só uma mulher de considerável encanto pode atrair a
atenção de um homem como Sedgecroft. Talvez não faça nenhum mal a sua
irmã que a considerem dessa maneira. É possível inclusive que isso eleve
seu valor social, que hoje caiu horrorosamente baixo.
Lorde Belshire franziu os lábios.
- E como melhorará a reputação de Jane ser acompanhada a todas as
partes por um libertino? Perdoe-me outra vez, Sedgecroft.
Sua mulher negou com a cabeça, resignada.
- Não acredito que se possa reparar jamais sua reputação. Nossa única
esperança é que passado um tempo ela conheça um jovem a quem não
importe este escândalo.
- Exatamente - disse Grayson, sorrindo. - Não podemos desfazer o
que aconteceu.
Athena lhe sorriu também.
- Mais podemos tirar proveito.
- O que importa minha opinião? - grunhiu lorde Belshire. - Pergunte a
ela, Sedgecroft. Está na galeria vermelha com todas essas odiosas estátuas
romanas. Mais não se surpreenda se rejeitar seu oferecimento. É uma garota
de caráter forte.
Grayson se dirigiu à porta sorrindo para si mesmo pela advertência.
Claro que se surpreenderia se ela recusasse. Jamais nenhuma mulher tinha
rejeitado um Boscastle se ele estava decidido a consegui-la. Afinal, a
proposta que iria fazer beneficiaria aos dois. Que mal podia haver nisso?

Capítulo 4

A galeria ocupava todo o espaço do primeiro andar. Era uma enorme


sala iluminada pelo sol e decorada com cortinas e laços de seda vermelha e
uma coleção de valiosas estátuas italianas. Toda uma parede lateral estava
ocupada por uma imensa lareira esculpida em mármore, cujo lar poderia
albergar a uma família de quatro pessoas. Não estava aceso o fogo, mas
sobre a lareira se viam pedaços de cartas rasgadas, aparentemente
preparadas para serem queimadas.
Em um canto estava Jane, recostada em um sofá estofado em veludo
carmesim e com um pêssego de estufa meio comido na mão. Sobre o colo
tinha uma pasta aberta com cartas.
Cartas de amor pensou Grayson, parado na porta, momentaneamente
distraído de sua missão pela lânguida sensualidade de sua postura. Com
certeza esteve lendo os insípidos poemas que lhe teria enviado Nigel ao
longo dos anos. Tinha a cabeça apoiada em seu branco braço dobrado,
postura que lhe levantava os exuberantes seios formando uma sedutora
silhueta. Seus pés descalços pendiam do outro braço do sofá. A beldade de
coração partido não trocou de vestido; ainda usava o do casamento.
Levou um tempo para observá-la nesse momento de distraído
descuido. Tinha os olhos fechados; suas sedosas pestanas negras
projetavam sombras em sua bem formada face; esticava e flexionava os
finos dedos dos pés, como se tentasse relaxar. Os ondulados e brilhantes
cabelos mel lhe passavam pelos ombros e caíam até o chão. Imaginou-se
afundando o rosto nesse cabelo e seguindo as curvas de seu corpo com as
mãos. Essa inesperada fantasia lhe esquentou o sangue.
E pensar que nesse momento Nigel poderia estar gozando de todas
essas possibilidades sensuais em sua cama. Que imbecil mais rematado.
Mais claro, pensou, ele não a conhecia absolutamente. Talvez tivesse algum
defeito oculto. Bom, o defeito deveria estar muito oculto, a verdade; em
apenas estar aí a olhando sentia as perigosas revoadas do desejo.
- Permita-me uma breve interrupção?
Essa voz grave sobressaltou Jane, tirando-a de seu transe. Sentou-se
tão repentinamente que as cartas saíram voando e caíram no chão. O sol da
tarde e os nervos da manhã a tinham deixado sonolenta. Estava sonhando
acordada, pensando na maneira de pôr em ação a seguinte fase de seu
plano.
Estava contemplando a deliciosa liberdade que lhe tinha dado Nigel.
A liberdade de escolher seu par; a liberdade de paquerar ao gosto de
seu coração. De apaixonar-se perdidamente tal como se apaixonara Nigel
por sua preceptora. Ou de não apaixonar-se nem casar-se se não aparecesse
o homem perfeito.
Estava imaginando como seria experimentar uma verdadeira paixão,
esse tipo de paixão espantosa, veemente, impulsiva, violenta, que produz
formigamentos da cabeça aos pés, quando essa voz rouca, grave,
interrompeu-a.
Acelerou-lhe o coração e começou a retumbar, por uma muito
explicável espera. Acabava de ver uma sombra vagamente conhecida no
lugar onde estava reclinada, envolta em uma névoa de satisfação,
felicitando-se.
Era uma sombra que recordava ter visto na capela e que lhe produziu
um estremecimento de premonição. Não! Não podia ser de maneira
nenhuma. Não podia ser, aí em sua casa, em seu refúgio...
- Lorde Sedgecroft, isto é um prazer inesperado.
"Prazer inesperado" nem sequer começava a descrever as inquietantes
sensações que lhe causava sua aparição. A luz do sol formava claros e
sombras nos bem cinzelados planos de seu rosto e criava reflexos dourados
como trigo amadurecido em seu cabelo, como o pincel de um pintor.
E seu corpo... bom, esse torso de ombros largos e esbelto talhe tão
soberbamente marcado pela jaqueta cinza pérola e a calça negra justa
superava muito em beleza às estátuas de deuses romanos que os rodeavam.
Levantou-se e, tardiamente, percebeu que seu aspecto não era
absolutamente o que corresponderia a uma deusa. Tinha uma mancha de
suco de pêssego muito visível na saia; tinha colocado as meias debaixo de
uma almofada. E o que podia estar fazendo ele aí, por certo? Sentiu
ressecada a garganta. Não era possível que esse diabo já tivesse descoberto
sobre o casamento secreto de Nigel, não é?
- No que lhe posso servir milorde? - perguntou tranquilamente,
colocando todas suas preocupações atrás de uma fachada recatada.
Pegou-lhe o cotovelo e a fez retroceder um passo.
- Sou eu que vim servi-la.
Jane se sentou de repente no sofá, tão assombrada que foi incapaz de
dissimular. Ele se sentou a seu lado, com um movimento muito mais
elegante que o seu surpreso e ruidoso desabamento. Apenas sua presença a
avassalava totalmente, além da dura coxa que lhe pressionava o joelho; não
conseguiu imaginar por que seu pai o teria enviado ali e por quê?
- Acho que não entendo.
- Todo este assunto deve ser terrivelmente penoso para você.
- Muito.
Embora não tão penoso como teria sido casar-se com Nigel, disse a si
mesma silenciosamente.
- Tenho que reconhecer que admirei sua serenidade na capela.
Se ele tivesse a mínima ideia do por que estava tão serena; duvidava
que estivessem tendo essa conversa, pensou ela.
- Obrigada - disse.
- Deve ter sido difícil.
Interessante. Parecia ser bastante simpático, na realidade. O que
poderia querer lhe dizer?
- Não se pode fazer uma ideia.
- Ter todas essas pessoas com a atenção fixa na senhorita - continuou
ele, balançando a cabeça, compassivo.
- Nem percebi.
- Todo mundo sussurrando enquanto a senhorita estava
absolutamente humilhada.
- Não foi agradável, mais continuo viva.
- Tss, tss. Ser o objeto de desonra universal. De brincadeiras, de
lástima.
Jane franziu o cenho e o olhou reprovadora.
- Com isso pretende me fazer sentir melhor?
- Tem que enfrentar a realidade.
Por quê? Desejou perguntar ela, mas estava tão imersa nesse drama
que não tinha a energia para manifestar seu desacordo. Era difícil tratar
com ele se não tivesse ideia de suas intenções.
- Sim, terá que enfrentar. Terá que pagar um preço por humilhar a
uma jovem.
- Sim, terá que... a que tipo de preço nos referimos? - perguntou já
bastante impaciente.
- Deixe isso comigo. Apenas saiba que Nigel responderá pelo que lhe
fez.
- Talvez tenha uma desculpa.
- Não se atreva a defender ante mim a essa bicha de merda.
Jane tossiu
- Sua linguagem, milorde.
- Perdoe. Às vezes me deixo levar por minhas paixões.
- Claro - murmurou ela.
Tinha ouvido falar mais de uma vez a respeito de suas paixões, mais
jamais imaginou que ela viesse a ser a receptora.
Ele tirou as luvas de couro cinza de montar.
- Sabe, suponho que os jornais vão especificar todos os vergonhosos
detalhes do acontecimento do dia?
Jane demorou para responder, distraída olhando suas fortes e
elegantes mãos. Mas a distração ficou em nada comparada com a comoção
que sentiu quando uma dessas fortes mãos envolveu a sua.
- Os jornais... o que...? Por favor, o que faz?
Tinha lhe dado um aperto na mão que pretendia ser tranquilizador,
mas cujo efeito foi uma forte onda de prazer que lhe percorreu todo o corpo
em ardentes espirais.
- Os jornais dirão que outro libertino Boscastle rompeu o coração de
uma dama - disse ele, pensativo. - E darão muitíssima importância ao fato
de que eu estava rodeado por duas de minhas ex-amantes na capela.
Jane arqueou uma sobrancelha para expressar uma delicada
recriminação, para dizer "Bom, não é de estranhar", mas pensando bem,
dado que ela tinha frustrado seu próprio casamento e lhe estava
friccionando o dorso da mão com o polegar, e de uma maneira tão
prazerosamente desconcertante, decidiu ficar calada.
Ele soltou um suspiro.
- Neste momento um de meus irmãos está repousando para
recuperar-se de uma briga em que se meteu durante o pedido de casamento
por uma jovem de duvidosa reputação.
- Ah, por Deus.
Cada vez que seus olhos azuis se cravavam nos dela, sentia uma
revoada muito estranha na boca do estômago. Parecia estar transformando-
se em algo indescritível, como se levasse asas mágicas nos pulsos e
tornozelos, que a faziam flutuar dentro de uma agradável névoa escura.
- Minha irmã Chloe disse que irá ser cortesã no Continente -
acrescentou ele.
Jane recordou à formosa jovenzinha de cabelo negro azeviche
consagrada a colaborar em numerosas obras beneficentes.
- Sim? Não, não pode ser.
Não, pensou ele. Provavelmente não. Mais tinha que deixar claro um
ponto, e embelezar um pouco a verdade não faria nenhum dano, posto que
ele tivesse segurado o maior bem de Jane em seu coração. E pensar que
Nigel poderia estar fazendo amor a essa interessante beldade nesse mesmo
momento. Nunca tinha conhecido uma mulher como ela. Tinha umas mãos
muito suaves, e o vestido de noiva com todas as rendas enrugadas, deveria
lhe dar um aspecto recatado, mais nele produzia o efeito contrário. Ao
demônio que havia nele, adoraria saber o que ocultavam essas rendas.
- Devon, outro de meus irmãos - continuou lugubremente - foi-se com
uns amigos inúteis em busca de um tesouro escondido.
- Um tesouro escondido? - repetiu ela sem poder reprimir um sorriso
ante essa ideia encantadora embora frívola.
Ele viu seu sorriso e sorriu também.
- Suponho que ganhamos nossa reputação - continuou - embora em
sua maior parte nossos pecados não são irredimíveis. Quer dizer, até hoje,
com o que fez Nigel. Nunca humilhamos a uma dama assim.
Jane ia flutuando muito alto nessa estratosfera indescritível,
totalmente enfeitiçada por esse homem endemoniadamente atraente. A que
quereria chegar com essa conversa? Os patifes descarados como Sedgecroft
andavam à espreita fora do círculo social das jovens decentes como ela,
mesmo que entre estas despertassem certa curiosidade.
Nigel costumava lhe aconselhar todo o tempo que evitasse aos outros
rapazes Boscastle, e Nigel era seu melhor amigo. Naturalmente ela nunca
tinha julgado esse conselho. Na realidade se achava bastante inteligente
para resistir à sedução. Mas claro, jamais tinha tentado seduzi-la um
homem verdadeiramente atraente. Seria isso...? Passou-lhe pela mente uma
ideia espantosamente aduladora.
- É sua intenção me seduzir? - perguntou-lhe muito séria.
- Não, claro que não.
- Ah, não, claro que não.
Brilharam chispas de maliciosa diversão nos olhos azuis.
- Não se ofenda. Na realidade minha intenção era felicitá-la. Inteirar-
se por experiência própria de quão cruel pode ser o mundo é uma lição que
não é fácil para ninguém, mas a senhorita recebeu uma lição hoje. Querida
minha, se isto fosse sedução, não estaríamos aqui sentados de mãos dadas.
O que estariam fazendo se estivesse ocorrendo uma típica sedução
Boscastle? pensou ela. A busca de respostas a essa interessante pergunta a
deixaria acordada até a madrugada, com certeza. Tinha uma imaginação
muito fértil, e Sedgecroft era capaz de mantê-la estimulada durante vários
meses.
- Lorde Sedgecroft, se isto não é sedução - disse, em tom mais
educado possível - o que é exatamente? Outra desculpa pessoal de sua
família?
- Isso e muito mais. - Levantou-lhe as mãos até o queixo dele e sorriu,
com um sorriso cálido e um pouco travesso. - É uma proposta.
- Uma proposta.
- Não, não é o que pensa. Compreendo como se sente depois da
humilhação que sofreu hoje. Jamais em minha vida havia me sentido tão
envergonhado por minha família.
- A verdade era que nunca tinha prestado muita atenção aos pecados
que cometiam seus familiares; estava muito ocupado pecando ele. - Permita
que seja franco Jane.
- Parece-me que não posso impedir.
- Uma mulher em sua lamentável posição está em perigo de
converter-se em uma ária, em uma proscrita. Seria preciso ser um homem
de caráter para casar-se com a senhorita agora. Um homem bastante forte
para desentender-se das opiniões de outros. Não quero dizer que esse
homem não exista, mas são poucos, muito, muito escassos.
Jane sentiu arder o rosto de aborrecimento. Ele acabava de descrever o
homem de seus sonhos, o homem que talvez não encontrasse nunca nas
águas superficiais da alta sociedade. Existiria esse homem ou morreria de
solidão esperando que aparecesse?
- Bom, não foi minha culpa.
- Exatamente. E por isso não é a senhorita quem deve ser castigada, e
por isso é minha intenção te cortejar, quer dizer, visivelmente,
ostensivamente, para demonstrar que continua sendo uma mulher
desejável, uma boa escolha.
Jane ficou sem fala. Que confusão. Que consequência mais cruel e
inesperada. Logicamente, ela tinha previsto um tempo de isolamento social;
tinha suposto que haveria brincadeiras, pena, que seria ignorada durante
um tempo.
Mais que um conhecido descarado como Sedgecroft abraçasse sua
causa? Que esse homem indecentemente bonito patrocinasse sua volta ao
mercado do matrimônio do qual ela tinha pretendido escapar? Isso era o
último que teria imaginado. Achava-o horrorosamente presunçoso e ao
mesmo tempo encantador por sugerir uma coisa assim. Oferecia-se para
protegê-la das consequências de suas próprias maquinações. Como devia
reagir?
- Vejo que isto foi uma comoção - disse ele, sorrindo, esquadrinhando-
a com seus olhos azuis. - Me acha muito pouco atraente para que te corteje?
Vamos, ele não tinha ideia; achava-o tão aniquiladoramente atraente
que quase não conseguia pensar direito. O que, em sua opinião,
apresentava um problema.
- Bom, é bastante... bom...
- Mais experiente que você.
- Entre outras coisas.
Ele se aproximou mais e lhe apertou as mãos, alentador.
- Minha experiência só será uma vantagem para a senhorita.
- Por que será que duvido disso?
- Conheço todos os jogos de amor que se jogam em nosso mundo,
Jane - disse ele, olhando-a nos olhos.
- Não me cabe dúvida.
- Se Nigel não voltar para emendar esta situação casando-se com a
senhorita, a ajudarei a encontrar outro jovem que esteja bem disposto.
Investigarei-o pessoalmente antes de lhe dar minha aprovação. - Deu-lhe
uma piscada e adotou um tom amistoso. - O selo pessoal Boscastle, mmm?
Isso era a última, a última coisa que desejava ela: outro casamenteiro
para lhe aborrecer a vida. Limpou a garganta, procurando as palavras para
frustrar essa desastrosa conspiração.
- É muito amável de sua parte, mais...
Essa boca belamente modelada se curvou em outro sedutor sorriso:
- Há um certo egoísmo em meus motivos, não são de todo generosos.
Quero fazer isto para ser um exemplo para minha família. Deus sabe que já
é hora de que pelo menos um Boscastle se comporte com maturidade. - Fez
uma pausa e seus olhos brilharam de travessura. - Claro que nunca
imaginei que seria eu.
Ela começou a sentir-se atordoada, girava-lhe a cabeça. No que se
colocara? Cortejada por Sedgecroft. Bom, para ele só seria um jogo, um
plano para inculcar uma aparência de ordem a seus revoltosos irmãos, mais
para ela... Não sabia se suas emoções poderiam com… esse homem tão
homem. Igualmente morria de palpitações depois de uma noite em sua
presença, e os problemas que poderiam surgir mais valia não tentar
predizer.
Por um perigoso instante considerou a possibilidade de confessar-lhe
tudo. Mas isso significaria faltar ao juramento que fizera a Nigel sobre a
Bíblia. Provavelmente destroçaria a vida de Nigel; seus pais tentariam
obrigá-lo a declarar nulo seu matrimônio; sua flamejante esposa ficaria
desonrada, e também o filho que estava esperando.
A ele seus pais deserdariam por desonrá-los. E a ela, que tinha
idealizado esse plano com a melhor das intenções, fariam-na sentir-se
muito malvada e seu pecado seria exposto a um mundo cruel. Quem
compreenderia seu desejo de forjar seu próprio destino?
- Lorde Sedgecroft...
- Ah, vamos, Jane. Não me olhe tão carrancuda como uma preceptora.
Isto será divertido. Saiba ou não, é uma mulher muito formosa.
- Sim?
- Ah, sim.
Ela suspirou. Esse homem respirava e gotejava sedução, sem sequer
saber. Com certeza paquerava dormindo e o fazia muito bem, além disso.
Só estar sentada a seu lado a fazia estremecer, debilitava-lhe as pernas. E
lhe debilitava o cérebro também. Por que não lhe ocorria nenhuma
desculpa para rejeitar sua proposta?
Ninguém acreditaria que ela tinha atraído a atenção de um homem
como esse marquês.
- Acredito... a verdade é que sou tão tímida que não serei capaz de
levar isto de maneira convincente.
Ele a olhou nos olhos.
- Eu serei convincente pelos dois.
Ela reteve o fôlego quando lhe pôs as mãos nos ombros e os
pressionou com firmeza, embora muito suave. Se Nigel se atrevesse a lhe
fazer isso, ela teria caído na risada. Mais ante essa pressão das mãos de
Grayson, atuou seu instinto natural e fechou os olhos, submeteu-se e o
desfrutou.
Estremeceu quando lhe roçou uma maçã do rosto com o dorso da
mão. Fazia-a sentir-se atraente, o que, supôs, era parte da atração dele.
- O que faz? - perguntou, mais curiosa que desconcertada.
- Convencê-la - respondeu ele, com a voz grave, rouca.
Então ela não soube o que pensar quando lhe emoldurou o rosto entre
as mãos. Mas se sua mente estava suspensa em uma espécie de paralisada
curiosidade, seu ser físico estava muito ativo, derretendo-se em uma mescla
de intensas necessidades e ardentes vermelhidões. Estava virtualmente
ardendo quando lhe roçou o lábio inferior com a boca, com intencional
sensualidade. Os batimentos de seu coração se converteram em retumbos
que ressoavam por todo seu corpo até converter-se em angustiosas
vibrações.
- Me convencer - disse, e sua voz lhe soou estranha, longe, como um
eco, algo parecido ao gorjeio de um canário ao qual tiraram de sua gaiola. -
De que?
- Mmm.
Grayson estava desconcertado por sua própria reação ao beijo. Esteve
vários minutos sem saber o que dizer, o que era uma novidade em seu
amplo domínio de si mesmo. A situação tinha tomado um desvio
revigorante, estimulante. Ela parecia muito engenhosa para uma mulher de
sua posição social. Não conseguia decidir se isso seria uma vantagem para
ela ou não. Não lhe importava nem em um nem em outro sentido. Talvez
outros percebessem isso de uma maneira totalmente diferente.
- Me escute, Jane. Não era minha intenção fazer valer minhas razões
desta maneira, mais não se pode esperar que um tigre troque de pele em
um abrir e fechar de olhos. Há alguma coisa em sua natureza que provoca
ao homem primitivo que há em mim. O que quero dizer -continuou em voz
baixa - é que se sua experiência de hoje danificou sua fé de que é desejável,
conheço várias maneiras mutuamente satisfatórias para lhe restaurar isso.
- Isto...
- Mesmo que só seja um jogo.
- Um jogo? - repetiu ela, trêmula.
- Um jogo não exclui um pouco de prazer, não é? - disse ele
docemente. - Seu futuro não chegou a seu fim por ter sido abandonada ante
o altar.
Além disso, seu exuberante corpo foi feito para fazer amor, para
deixar em migalhas o julgamento de um homem, pensou, sentindo
acelerado o pulso por um desejo que já raiava ao perigo.
Ela mudou de postura e ele sentiu todo o corpo se endurecer. O
sensual roce de seu cabelo em sua mão, a turgente suavidade de seus lábios,
desencadeavam-lhe um desejo que embotava a razão. Sem sequer tentar,
excitava-o. Uma rajada de espera erótica lhe desceu como um raio de
energia por toda a coluna. Todas as terminações nervosas de seu corpo
reagiram, levadas para a relação sexual.
- Ooh - murmurou ela, assombrada, e levantou uma mão para afastá-
lo empurrando-lhe o ombro, mas deteve o movimento e a deixou cair
flácida sobre a saia.
Passou a língua por todo o carnudo lábio inferior. Entrecortou-se a
respiração dela, excitando-o mais ainda.
- Não se atreva a mover-se - advertiu-a, amavelmente. - Inclusive não
terminei.
Atraiu-a mais para ele, e lhe escapou um gemido ao sentir no peito a
pressão de seus seios redondos e cheios. Deslizou-lhe suavemente a mão
livre pelas costas, seguindo com os dedos a forma de suas costelas. Isso não
lhe bastava, de maneira nenhuma. Todos seus ferozes instintos masculinos
o impulsionavam a lhe descer o corpo para afundá-la no sofá.
- Lorde Sedgecroft...
- Shss. Não é educado me interromper quando a estou beijando.
Ela emitiu uma risada nervosa.
- Atreve-se a falar de educação quando...
- Volta a me interromper.
- Um dos dois tem que demonstrar autodomínio.
- Ah, sim - disse ele, sorrindo. - Os convidados do casamento faziam
comentários sobre o extraordinário autodomínio de que fez demonstração
hoje.
- Suspeito que também fizeram comentários a respeito do senhor. E
provavelmente não disseram nada relativo ao autodomínio.
Ele começou a rir, encantado por sua franqueza. Assim a dama não
era tudo o que parecia. Isso sim era uma agradável surpresa, que fazia tudo
isso muito mais prazeroso. Livrasse-o Deus de ter que acompanhar pelas
festas da cidade uma senhorita tímida. Voltou a lhe roçar os lábios com os
seus, conseguindo uma suave exclamação. Introduziu-lhe a ponta da língua
por entre os lábios, e sentiu arder a chama do desejo nas mais profundas
curvas do ventre. Ela não se mostrava o que se diz, complacente, mais
tampouco resistia. Gostou de seu sabor, o suave néctar de pêssego. Também
gostava dos contornos de seu corpo; a cálida pressão de seus seios em seu
ombro: turgentes, incitantes. Teve que apertar a mão em um punho para
evitar acariciá-los.
- Não terminou ainda, não é? - disse ela, com voz fraca.
- Não de tudo.
- Muito bem. Continua.
Dizendo isso se reclinou no espaldar. Olhando-a com seus ardentes
olhos azuis, ele seguiu seu movimento e a deixou cravada entre as
almofadas com seu peso todos os músculos duros. Fria como a névoa,
pensou, embora não lhe escapou o pulso acelerado dela na garganta.
Saboreou a forma e a textura de seus lábios úmidos e dóceis; absorveu
os suspiros que lhe escapavam; devorou-lhe a boca com implacável
habilidade até que sentiu seus involuntários estremecimentos de excitação.
Ela o excitava também, mais do que teria imaginado que o excitaria
essa fatalista jovem em seu vestido de noiva enrugado e os pés descalços.
Gostava que não estivesse chorando desconsolada ou clamando vingança.
Exalando um suspiro, reuniu o que ficava de autodomínio; desceu a mão
por seu braço e ao chegar à curva do cotovelo a passou a sua cintura e a
fechou firmemente aí.
- Bom - disse ela, quando começou a respirar outra vez. - Bom.
- Há momentos na vida em que alguém deve esquecer um plano em
favor de um impulso - disse ele tranquilamente, tentando aplacar o desejo
que tomou conta dele.
Jane o olhou com reprovação.
- O que não significa que terei que agir agressivamente seguindo
qualquer impulso que surja.
- Se isso fosse assim não estaríamos aqui falando sobre o assunto.
- O que estar…? Não, nada. Não devo perguntar.
- Não me importa - disse ele sorrindo.
- Não, com certeza não - suspirou ela. Viu que seus olhos se
escureceram a um azul meia-noite, e em suas profundidades se via o desejo,
nu. A essência mesma de diabólica sedução. - Não me vai pedir desculpas
tampouco, não é?
- Do que? - perguntou ele, divertido.
- Se tiver que explicar, suponho que não tem nenhum sentido
continuar com o assunto.
Que assunto? pensou Grayson, e quase perguntou. Não sabia se a
tinha ofendido ou não. Sua reação aos acontecimentos do dia não eram
exatamente a que teria esperado.
Disse a si mesmo que sua resignação era um alívio: não o obrigava a
enfrentar emoções incômodas. Talvez a tinha sobressaltado, afligido. Sim,
tinha que ser isso. A família Boscastle tendia a intimidar às almas mais
fracas.
- Isto é exatamente o que faz a um homem como você um perfeito
libertino - murmurou ela, pensativa.
- Perdão?
- Sua desavergonhada busca pelo prazer.
- Ah, isso. - Olhou-lhe a boca molhada pelo beijo. Era difícil saber
como estava; não parecia particularmente aflita pelo que acabava de
ocorrer. - Ofendi sua sensibilidade?
- Ofendeu? Não, milorde. Arrasou, sim. Suponho que vou necessitar
vários dias para me recuperar. Por que me beijou, por certo?
Ele bateu no joelho com a luva, um pouco desconcertado pela
acuidade mental que revelava essa pergunta.
- Por vários motivos, na realidade. O primeiro, é que não suporto ver
uma mulher formosa aflita por um bobo como meu primo.
- Sim, mais...
- O segundo, é que queria lhe demonstrar quão atraente é. -
Percorreu-lhe todo o corpo com o olhar. - O terceiro, senti desejo de beijá-la
e obedeci ao impulso.
Ela se levantou, com o corpo algo instável.
- Acho que vou retirar-me a meu quarto para desmaiar da devida
forma.
Ele se reclinou apoiando-se no espaldar, e passou o polegar por seu
fino lábio superior, onde ficava o sabor dela lhe atormentando os sentidos.
A cada instante que passava, parecia-lhe uma alma menos e menos fraca.
- Muito justo. Virei visitá-la quando estiver se recuperado.
- Tudo isto é muito avassalador, Sedgecroft.
Ele a olhou atentamente com as pálpebras estreitas. Avassalar a uma
mulher era algo que entendia. Sentiu um vago alívio; isso podia entender.
- Ao que parece meu primo não tem a menor ideia de quão estupenda
é a mulher que perdeu, mais quando eu tiver terminado, vai dar cabeçadas,
certamente.
Ela se voltou para a janela, para ocultar sua consternação, e ele se
levantou e ficou a seu lado.
- Não sei o que aconteceu - murmurou ela. - Nos levar como se... bom,
este beijo não posso comparar com nada que tenha experimentado.
- Não? - brincou ele, curiosamente contente ao saber que não tinha
perdido sua capacidade de avassalar.
- A experiência mais parecida que consigo recordar é aquela vez que
desobedeci a meu pai e às escondidas montei seu garanhão não domado. A
dor do golpe quando caí me deixou sem fôlego. Seu beijo me deixou em um
estado similar.
Grayson franziu o cenho. Havia uma grande diferencia entre
avassalar a uma mulher e imaginá-la sem fôlego pela dor no chão.
- Não sei se devo me sentir adulado ou não.
Ela se voltou pela metade e se desconcertou ao ver que ele estava mais
perto, e não onde o tinha deixado.
- Agradeço sua intenção de me ajudar. São seus métodos que me
incomodam.
Ele encolheu os ombros.
- Como disse, ofereço esta ajuda tanto pelo bem de minha família
como da sua.
- O que diria se me negasse a aceitá-la?
- Pois, teria que fazer outras tentativas para persuadi-la mais acredito
que já aceitou, não é verdade?
- Isso é uma hipótese arrogante de sua parte.
- É um fato histórico, Jane - disse ele, sem o menor indício de querer
pedir desculpas em seu tom. - Desde a época feudal nenhuma mulher foi
capaz de negar-se a um homem Boscastle uma vez que ele pôs sua marca
nela.
Ela arqueou as sobrancelhas.
- Sua marca? Ah, fantástico. Uma marca no proverbial traseiro da
vaca.
Ele passou por seu lado para recolher as luvas do sofá, ocultando um
sorriso. Alma fraca tinha achado? Bom, talvez estivesse emocionada. Talvez
não era ela mesma.
- Virei amanhã.
- Tão logo? - disse ela alarmada, meio consciente de que essa pergunta
equivalia a fechar um trato entre eles.
- Não tem nenhum sentido que se acabe convertendo em uma
solteirona - disse ele, implacável. - Além disso, já se derrubou bastante na
auto compaixão. Fora o luto do casamento, por favor.
- Como disse? - balbuciou Jane, desconcertada por sua brusca
franqueza.
- Luto, como a roupa de luto - disse ele, em tom mais grave - A
esperança do dia morreu; vivam os loucos caprichos do amanhã. Queime
suas cartas, encanto. Amanhã vista-se para mim com algo atrevido.
Ela o olhou desdenhosa.
- Não tenho nada atrevido em meu guarda-roupa, Sedgecroft.
- Isso terá que mudar - disse ele, olhando-a fixamente nos olhos.
Ela plantou as mãos nos quadris.
- E se eu não quiser mudá-lo?
- Toda mulher quer ser desejável - disse ele, encolhendo outra vez
seus largos ombros.
- Talvez as mulheres com quem se relaciona. Vi o harém na capela.
- Só foi boa educação convidá-las.
- Foi a boa educação o que as levou a sua cama? - perguntou ela, sem
poder evitar.
Ele sorriu, mostrando seus brancos dentes.
- Minhas boas maneiras me impedem de responder essa pergunta.
- Imagino - disse ela, enquanto por sua mente passava um desfile de
imagens dele em seus momentos de mais libertinagem, pulando com suas
amantes. Movida por uma repentina curiosidade, perguntou: - Não vai
incomodar suas amantes me servir de acompanhante por toda parte?
- Felizmente para você, Jane, no momento estou livre de confusões
românticas.
- Felizmente para mim - resmungou ela.
Do outro lado da porta rangeu uma tábua do chão. Jane se ruborizou
ao pensar que alguém pudesse ouvido essa conversa.
- Não se parece em nada a Nigel - disse em voz baixa.
Ele emitiu uma risada rouca e se virou para a porta.
- Espero que isso resulte em seu benefício.
Capítulo 5
Em um primeiro instante, Grayson considerou a possibilidade de agir
como se não tivesse visto as duas jovens ajoelhadas fora da porta. Mas
quando elas se levantaram e começaram a correr, não pôde se conter. Tinha
que enfrentar esse par se iria ser visitante frequente nessa casa.
- Perdão - disse, limpando a garganta para fingir um tom severo. -
Sempre escutam às escondidas as conversas de sua irmã ou sou eu o foco
de seu doentio interesse?
- Estávamos... - respondeu Caroline, agachando-se para recolher um
livro que lhe tinha caído no chão - isto... estávamos perseguindo uma
aranha...
- Uma enorme arranha marrom que vimos subir pela escada - se
apressou a acrescentar Miranda.
Caroline moveu o livro debaixo do nariz dele, para dar ênfase.
- Parecia que ia direto à galeria. Queríamos agarrá-la... Jane tem um
medo de morte às aranhas.
- E o que pensavam fazer quando pegassem esse inseto? -perguntou
ele detendo com a mão o movimento do livro, não fosse lhe golpear o
queixo. - Ler uma história para que dormisse?
- Simplesmente queríamos proteger os interesses de Jane - disse
Caroline, deixando cair a máscara.
Grayson se inclinou para olhá-la nos olhos.
- Há algum motivo em particular que a faça pensar que eu sou um
obstáculo no caminho de suas nobres intenções?
- Bom, é um Boscastle - disse Miranda em voz baixa.
Caroline assentiu.
- Um Boscastle lhe rompeu o coração.
- Justamente por isso - disse ele - é um Boscastle quem deve lhe
levantar o ânimo.
- Como pensa fazer isso? - perguntou Caroline.
- Acredito que isso não é seu assunto. Conto com a aprovação de seus
pais.
- Nossos pais não têm a menor ideia do que é melhor para nós - disse
Miranda com muito sentimento. - Deveriam ter feito caso à Jane quando ela
expressou suas dúvidas com respeito a casar-se com Nigel.
Grayson titubeou, pensando se haveria alguma alma débil nessa casa.
- Tinha a impressão de que era Nigel quem tinha suas dúvidas a
respeito do matrimônio.
- Talvez isso também seja uma característica Boscastle - disse Caroline
antes de perceber o que dizia. - Os homens de sua família são notórios
solteiros.
A ele lhe curvaram os lábios em um sorriso amedrontador.
- Talvez, as formosas jovens, poderiam dedicar seus encantos a
remediar esse desconcertante problema. Em lugar de escutar atrás das
portas.
Miranda ruborizou, e ficou a considerar a sugestão, até que Caroline
lhe deu uma cotovelada no flanco.
- O problema - disse Caroline, secamente - é que Jane está muito,
muito vulnerável, e o senhor é...
- Sim? - perguntou ele, pestanejando, com cara de absoluta inocência.
- Bom - continuou Caroline, agarrando o fio - um pouco embromador
para uma mulher nesse estado tão vulnerável.
Que preciosas eram as duas jovens, pensou ele, entretido. Um par de
gatinhas justiceiras que não se aventuraram jamais no mundo cruel.
Poderia ter que lhes dar um bom susto, pelo bem delas.
- Não sei o que quer dizer.
Caroline pôs o livro sobre o peito.
- Como se pode expressar isto de um modo delicado? Verá, no senhor
há uma força perigosa que atrai às jovens.
- Uma força perigosa? - exclamou ele, fingindo modéstia. - Jamais o
teria sonhado possível.
- E nossa irmã, em seu estado vulnerável - acrescentou Miranda,
movendo-se incômoda - poderia não ser capaz de resistir a essa força sua.
Grayson simulou refletir sobre esse ridículo problema. Força
perigosa? Pelo menos isso era original.
- Entendo algo da natureza emotiva de uma mulher.
- Isso ouvimos - disse Caroline, com claro sarcasmo.
Ele conseguiu fazer uma expressão de horror.
- Não acreditarão, suponho, que eu seduziria a sua irmã depois da
humilhação que sofreu hoje?
- Não, claro que não! - exclamou Miranda.
- Santo céu, não! - disse Caroline, embora isso fosse exatamente o que
tinha pensado. - Não quisemos dar a entender isso.
Ele apoiou um ombro na porta e estreitou os olhos, pensativo.
- O que queriam dizer então?
Caroline franziu os lábios.
- Bom, para começar, poderia tentar ser ligeiramente menos... menos
atraente para os sentidos femininos quando estiver em sua companhia.
Ele arqueou bruscamente suas grossas sobrancelhas.
- E como devo fazer isso?
- Iria bem - atravessou Miranda, timidamente - se conseguisse não
parecer tão masculino quando se apresenta.
Ele simulou preocupação.
- Não tinha ideia de que fosse tão extremamente ofensivo para o sexo
oposto - disse em voz muito baixa. - É alarmante isto.
- Entendeu-o mal - disse Caroline, depois de olhar para sua irmã.
- Sim?
- Sim. Embora suas qualidades masculinas sejam envolventes, não são
necessariamente ofensivas.
- Ah, bom - disse ele, exalando um suspiro de alívio.
- Na realidade - acrescentou Miranda - suas qualidades são
exatamente o contrário de ofensivas.
Caroline assentiu energicamente.
- E aí está o problema - disse.
- Compreendo - disse ele, reprimindo o louco desejo de soltar uma
gargalhada. - Parece que terei que procurar um remédio para minha... para
minha... minha espantosa "masculinidade".
- Eu acredito que o problema não é sua "masculinidade" - disse uma
voz pela fresta da porta. - Acredito que é sua forma de usar esse atributo
que o desonra.
Grayson afastou o ombro da porta para que Jane pudesse abri-la e sair
ao corredor. Caroline e Miranda ficaram imóveis pelo sentimento de culpa
quando ela as enfrentou, Caroline se apressou a dizer:
- Estávamos...
- Já ouvi o que estavam dizendo - disse Jane - mas não houve já
muitos problemas por um dia?
- Para toda uma vida, diria eu - acrescentou Grayson, assentindo.
Jane o olhou aborrecida. Por desgraça, suas irmãs tinham seu ponto
de razão. A virilidade desse homem aniquilava uma mulher normal. Por
sorte, ela controlava muito bem seus impulsos. Ao menos até a uns
minutos.
- Se já acabaram de solucionar os problemas de sua senhoria, acho
que me retirarei a meu quarto para tirar uma agradável sesta - disse.
- Necessita de ajuda? - perguntou Grayson, com a voz muito suave.
Jane o olhou séria. Já estava outra vez. Não podia evitá-lo. O próprio
ar que respirava emanava sedução.
- Só me abandonaram, milorde. Não me feriram mortalmente.
- Ai, Jane - disse Miranda, com os olhos cheios de lágrimas. - Quanto
deve lhe doer isto. É muito valente.
Valente e misteriosa, disse a si mesmo em silencio Grayson, com o
corpo excitado ao recordar o beijo e a reação desconcertantemente
enigmática dela. Não deveria ser difícil ajudá-la a esquecer o canalha do
Nigel se este não retornasse. Quanto antes melhor. A aflição por um amor
não correspondido só a faria menos atraente para outro possível marido.
- Jane - disse, solenemente, inclinando a cabeça. - Deixo-a, então, para
que se recupere da terrível experiência de hoje.
Ela exalou um suspiro. O desastre do casamento não a tinha
aniquilado nem a metade do que a tinha aniquilado ele.
- Obrigada - murmurou. - É excessivamente amável. E excessivamente
encantador. E excessivamente sedutor. E excessivamente bonito. E...
- Descanse - disse ele, em tom ditatorial. - Os resultados de nosso
plano valerão a pena, mas vou ser um acompanhante exigente.
Imaginar o que poderia lhe exigir lhe acelerou o pulso.
- Ainda não aceitei, milorde - disse, bastante revoltada, quando lhe
deu as costas para partir.
Ele olhou para trás, piscando os olhos; um homem tão seguro de si
mesmo que era uma façanha ofendê-lo.
- Dá a impressão de ser uma mulher inteligente. Aceitará.
- Poderia se surpreender - resmungou ela.
- Sempre estou disposto a aceitar um desafio - respondeu ele.
Ela dilatou os olhos.
- Acredito que não entendo o que quer dizer.
Ele soltou uma risada diabólica.
- Contribuir para restabelecer a reputação de uma mulher será uma
experiência totalmente nova para um homem Boscastle.
E tão logo fez essa surpreendente confissão, pôs-se a andar, deixando
Jane e suas irmãs pensando que tipo de desafio esperava ele desse
galanteio. Deixou-as olhando-o com horrorizada admiração, e o poder de
sua presença ficou flutuando no silêncio.

***

Já era bem passada a meia-noite quando Jane molhou a pena no


tinteiro para escrever uma furtiva carta em sua escrivaninha à luz de uma
só vela.

Meu querido N:

Suponho que já é o momento apropriado para felicitar a você e a sua


flamejante esposa. Nosso "casamento" foi, ou não foi, tal como o esperávamos além
de que se apresentou um pequeno obstáculo em nosso plano.
Chama-se Sedgecroft.
Preciso dizer mais?
Não se preocupe por mim. Saberei arrumar-me com ele.

- Ao menos espero isso - resmungou, deixando cair a pena, agitada.


Levantou-se e começou a passear pelo tapete Axminster, com seus
olhos verdes escurecidos pela preocupação. O som da bainha de seu
penhoar ao roçar o tapete era a única coisa que perturbava o silêncio do
quarto iluminado por uma só vela.
Não era uma choramingona. Tinha participado desse plano com o
ânimo bem disposto, mas achava um pouco injusto ter sido ela a ficar e
enfrentar as consequências do frustrado casamento enquanto Nigel estava
longe desfrutando da sorte conjugal com sua mulher.
As consequências, na forma de um pasmoso exemplar de beleza
masculina, o marquês, pareciam-lhe um destino mais terrível que o que
tinha desejado evitar.
O que se podia fazer para frustrar Sedgecroft adiantando-se a ele?
Aparentemente, isso era impossível. Ao menos sem pagar um preço.
Só o sorriso desse homem tinha o efeito de um disparo nas sensibilidades
de uma mulher. Debaixo de sua fachada cortês pulsava o coração de um
conquistador consumado. De todas as moças aflitas que poderia ter
escolhido para defender, por que a escolheu a ela? Se queria expiar suas
maldades, por que não se dedicava a resgatar órfãos ou construía um
hospital? Por culpa de Nigel, logicamente.
- Jane? - sussurrou uma voz atrás dela.
Virou-se no meio do tapete e viu Caroline na porta. Quase imaginou
que Sedgecroft se materializaria, saído de seus pensamentos.
- Que susto me deu - sussurrou.
Caroline fechou silenciosamente a porta.
- Sabia que não poderia dormir esta noite. Estava preocupada com
você.
Jane se lembrou de mudar sua expressão para pôr a máscara de
abatimento, ferida de amor, que tinha levado todo o dia.
- Tenho muitas coisas na cabeça. Com Nigel compartilhávamos
muitas lembranças.
- Entre outras coisas.
Jane se endireitou alarmada ao ver que Caroline se aproximava da
escrivaninha.
- O que quer dizer?
- Tinham segredos, não é verdade?
- Bom, uns poucos. - Correu a resgatar a reveladora carta das mãos de
sua irmã. - Iria queimar essa.
Caroline levantou lentamente a cabeça e a olhou, seus olhos brilhantes
de compreensão.
- É uma carta para o Nigel, não é?
- Sim, mais não deve se inquietar por mim - respondeu, arrojando a
carta sobre as brasas da lareira. Já não havia intimidade nessa casa. - Meu
coração sarará a seu devido tempo.
- Eu diria que tem uma extraordinária capacidade de recuperação -
disse Caroline, sarcástica.
Jane levantou os olhos da carta que já ardia consumida pelas chamas.
- Conhece-me. Nunca fui boa em demonstrar minha aflição.
- Chorou um mês inteiro quando morreu seu spaniel.
- Bom, era um cão. Isto é por Nigel. Uma dama não exibe seus
sentimentos em público.
Os olhos castanhos dourados de Caroline a perfuraram.
- Eu não sou público. Sou eu, Jane.
- Prefiro guardar a pena para mim se não se importar.
Caroline lhe deu uns golpes no braço com as pontas dos dedos.
- Vomita a sopa.
- Sopa? O que...?
- Vi a carta. Mencionava Sedgecroft, ao que conheceu hoje. Portanto,
era uma carta atual.
- Que não pensava enviar - disse Jane, com a voz aguda e nada
convincente.
- Mentirosa.
Caroline olhou ao redor, desconfiada. Sobre a cômoda cama de quatro
postes de Jane havia um prato com frutas, além de uma pilha de revistas
para mulheres e algumas novelas.
- Quanto tempo pensa representar à heroína trágica? - perguntou-lhe
em tom malicioso.
Jane pestanejou, horrorizada, embora na realidade bastante aliviada
também por ter a alguém em quem confiar. Nunca em sua vida tinha sido
capaz de ocultar um segredo a suas irmãs. Elas a acossavam com sua
incessante curiosidade e intromissão, sempre bisbilhotando onde não
deviam. Era um milagre que tivesse conseguido lhes ocultar a verdade todo
esse tempo.
- Fiz isso por nós - disse depressa. - Fiz para que nenhuma de nós
tivesse que aceitar outro matrimônio arrumado.
- Você... - Caroline arregalou os olhos admirada. - Foi um complô!
Céus, caramba. Sabia. Sabia que você e Nigel planejavam algo durante essas
conversas tão secretas.
Miranda achava que estavam... bom, o que importa no que
acreditasse. É evidente que estava equivocada.
Jane se sentou na cama, esgotada emocionalmente.
- Foi um complô, de acordo, e tudo poderia ter resultado às mil
maravilhas se esse descarado de Sedgecroft não tivesse sofrido uma
mudança oceânica em sua moralidade e decidido ser um exemplo para sua
família.
Caroline a olhou preocupada, aparentemente muito bem disposta a
participar da conspiração.
- O que vai fazer?
- O que posso fazer? Não posso lhe dizer a verdade. Ficaria furioso.
Eu não poderia voltar a me mostrar em público nunca mais.
- Suponho que o único que se pode fazer é lhe seguir o jogo até que
ele se convença de que conseguiu o que quer. Não pode durar eternamente.
Dizem que uma certa francesa chamada Helene Renard será sua próxima
conquista.
- É provável que tenha uma coleção de conquistas - disse Jane,
movendo a cabeça desgostosa. - Não vou sobreviver.
- Vamos, Jane, não é tão ruim.
- Não. É muito bom. Como descarado, quero dizer.
- Tem uma vontade tremendamente forte, mais forte que qualquer
mulher que conheço, bom, talvez depois de mim - disse Caroline, com a
testa enrugada. - Nunca soube que tenha caído na tentação, desde essa vez
que montou o garanhão de nosso pai.
- A tentação nunca... bom, nunca me tentou antes.
Caroline pestanejou, e finalmente pareceu horrorizada por essa
revelação.
- Sedgecroft a provoca?
- Não, claro que não - se apressou a responder, mas tão rápido que
não convenceu a nenhuma das duas. - mais não importaria se me tentasse.
Sacrifiquei minha reputação para conseguir minha liberdade. Não vou jogá-
la ao vento pelos beijos de um malandro.
Mesmo que seus beijos sejam muito eróticos e a atormentassem o
resto de sua vida.
- Beijou-a?
- Pois claro que me beijou. Não pode evitar.
- E você?
- Eu não pude evitar tampouco - respondeu Jane tristemente,
cobrindo o rosto com as duas mãos como se assim pudesse apagar a
lembrança.
- Ai, Deus. Suponho que você não gostou.
- Pois sim, eu gostei - disse Jane, descendo as mãos e suspirando.
- Bom - disse Caroline, passado um longo silencio. - Suponho que tem
razão. Sedgecroft não parece ser o tipo de homem que se interessa por uma
mulher eternamente. Quero dizer, em uma mulher que não...
- Sim, acredito que sei o que quer dizer. Não sou o tipo de mulher que
mantenha seu interesse.
- Isso não significa que não possa se converter em uma mulher dessas
- disse Caroline, esforçando-se por ser útil.
- Converter-me em uma mulher dessas não é o que me propunha
quando urdi este enredo - disse Jane, voltando a suspirar.
- O que pensaria Nigel de tudo isto? - perguntou Caroline, pensando
em voz alta. - Sedgecroft é seu primo.
- Duvido que Nigel esteja pensando muito neste momento - disse
Jane, secamente. - Está feliz desfrutando sua lua de mel.
- Sua lua de mel? - exclamou Caroline assombrada.
- Com Esther Chasteberry.
- Sua preceptora? - exclamou Caroline erguendo a voz. - A robusta,
casta e castigadora senhorita Chasteberry? A antipática com a varinha?
- Robusta continua sendo, segundo Nigel. Casta parece que já não.
- Bom - exclamou Caroline desabando na cama ao lado de Jane. -
Quem teria imaginado?
- Amam-se - disse Jane sorrindo. - É bastante comovedor, na
realidade, ouvi-lo falar dela.
- Bom, tudo isso está muito bem para Nigel, mas e você? - perguntou
Caroline, muito leal, com os olhos preocupados. - Como vai consertar isso
na sociedade?
- Não se preocupe com a sociedade - disse Jane, veemente. - Como
vou consertar isso com Sedgecroft? Ouviu o que disse? Prometeu ser um
acompanhante exigente. Tem uma ideia do que significa isso?
Caroline fechou os olhos, fascinada.
- Por minha cabeça passam todo tipo de ideias indecentes. O que vai
fazer com ele?
Jane se estendeu de costas na cama, com o rosto preocupado.
- Inclusive não urdi essa parte - sussurrou.

Capítulo 6

Na manhã seguinte, como Sedgecroft não foi visitá-la, Jane se atreveu


a ter esperança de que ele tivesse reconsiderado seu oferecimento. Talvez já
tivesse se esquecido dela, arrastado por seus assuntos. Afinal, ele mesmo
tinha reconhecido que em seu comportamento se deixava levar por seus
impulsos. Uma boa noite de sono poderia ter devolvido a sensatez a sua
arrogante cabeça.
E uma boa noite de sono poderia ter feito muitíssimo bem a ela
também, se não a tivesse despertado um sonho muito nítido. Nesse sonho
ela estava descansando no sofá da galeria quando uma das estátuas tomou
vida e se inclinou sobre ela, totalmente nua da cabeça aos pés. Era
Sedgecroft.
"Vista-se para mim com algo atrevido", sussurrou-lhe, com seus
firmes lábios apenas a uns dedos dos seus.
Ela tentou sentar-se, com o rosto aceso de indignação e curiosidade.
"Você poderia vestir algo. Está nu!"
"Sim? Alegra-me que tenha notado..."
Não soube que mais disse, porque já tinha jogado seus braços no
pescoço e atraído seu corpo nu sobre o seu, absorvendo seu calor e peso
com todas as fibras de seu ser.
Logicamente, depois de despertar desse sonho não conseguiu dormir.
Cada vez que fechava os olhos via o descarado nu inclinado sobre ela, seus
sedutores olhos azuis, seu peito e seu ventre todo ondulante de músculos.
Um malandro imaginário que atormentava seus sonhos.
Agitando a cabeça para tirar essa perturbadora imagem, levantou-se e
não se incomodou em chamar sua empregada. Depois de assear-se levando
todo o tempo do mundo, foi ao roupeiro olhar seus vestidos. Finalmente se
decidiu por um muito recatado de seda cinza com botões de ônix nas
mangas e a blusa coberta por babados franzidos. Tinha que parecer abatida
algumas semanas pelo menos. De repente lhe chamou a atenção um
charmoso e vaporoso vestido de tule rosa com finas fitas sob a cintura.
Tirou-o e imediatamente ficou imóvel, sentindo subir o rubor às faces.
Por sua mente passou um rosto magro de cinzeladas feições e uns
sedutores olhos azuis. Não, por favor, outra vez não, pensou aterrada. Os
brancos dentes relampejavam atrás de seu sorriso lupino. Olhou dentro do
roupeiro, quase esperando que aparecesse.
"Vista-se para mim com algo atrevido."
Sacudiu-se para tirar essa ideia da cabeça e pegou o insípido vestido
cinza. E de repente percebeu que a casa estava tão silenciosa como uma
tumba. Não, isso não estava bem, não era o normal.
Uma vez vestida saiu e desceu a escada sorrindo alegremente aos
criados que estavam no vestíbulo de ladrilhos de mármore, até que seus
tristes suspiros e penalizadas expressões lhe recordaram que uma noiva
abandonada não vai saltando pela casa como se fosse um petardo.
Diminuiu o passo, desceu a cabeça e pensou no cão que tinha
morrido, com a intenção de parecer aflita.
- Onde estão todos, Bate? - perguntou ao alto e sério mordomo que
estava fiscalizando a limpeza dos adornos de bronze do vestíbulo.
- Suas irmãs estão em suas aulas no pavilhão do verão - respondeu ele
gravemente. - Sua senhoria tinha uma reunião em Saint James Street. Lady
Belshire está trabalhando no jardim como gosta de fazer.
- Obrigada, Bate - disse ela, virando-se sobre os calcanhares.
- Em nome do pessoal, lady Jane - disse ele a suas costas, em tom
solene, como se estivesse recitando uma elegia - quero expressar minha
mais profunda compaixão por sua perda.
Ela parou, tentando ignorar o estremecimento de culpa que lhe
desceu pelas costas.
- Obrigada, Bate, muito amável.
Desnecessário, mas amável de todo modo.
- O mesmo digo eu, lady Jane - acrescentou a diminuta mulher
grisalha que estava no outro extremo do vestíbulo.
Jane se virou, tensa, e sorriu à governanta baixa, que estava limpando
as lágrimas com a fita do avental. Ai, Deus, essa era uma vergonha que não
tinha previsto.
- Anime-se, senhora Bee. Somos os Belshire.
- Sim, efetivamente, milady - disse a senhora Bee, sorvendo pelo nariz.
Com seu bom humor bastante minguado, deu meia volta e continuou
seu caminho até sair ao exuberante jardim todo verde pelo excesso de más
ervas e se encontrou com sua mãe, que com seu chapéu de palha e um
vestido de cor verde mar estava cortando as más ervas no meio de um muro
de tremoceiros com umas tesouras de costura. Encontrava bastante consolo
nessa conhecida cena doméstica. A vida no jardim tendia a continuar apesar
das complicações do mundo exterior.
- Olá, minha pobrezinha - saudou-a lady Belshire, lhe escrutinando o
rosto em busca de algum sinal de que tinha o coração partido. Pôde dormir
algo? Adverti a todos que guardassem o maior silêncio possível.
- Dormi...
Interrompeu-se, ao recordar o sonho que a despertou. Consternada
comprovou que a imagem cheia de vida do marquês nu já começava a ficar
imprecisa. Com certeza nunca voltaria a ser capaz de admirar uma estátua
romana, mas se não conseguia recordar a Sedgecroft despido tampouco
poderia excitar-se de tanto em tanto.
- Querida, sente-se mau?
Jane pestanejou, observando que sua mãe estava agitando um caule
de tremoceiro diante de seus olhos.
- Estou muito bem. Isto... Sedgecroft enviou algum recado por acaso?
Quer dizer, não é que eu queira que...
Lady Belshire exalou um suspiro.
- Não pôde vir esta manhã, Jane. Espero que isso não seja outra
decepção para você, embora depois do ocorrido ontem imagino que não há
muitas coisas que possam mais machucar seu sofredor coração. Sedgecroft
foi retido por um assunto familiar. Enviou uma mensagem dizendo que...
- Não tem importância, mamãe. Na realidade não esperava que
cumprisse sua palavra. É provável que já esteja arrependido de ter feito seu
oferecimento, e de maneira nenhuma quero que o cumpra.
Correndo deu a volta ao banco de pedra, enjoada de alívio. Uma
pausa. Uma oportunidade de recuperar o equilíbrio. Claro que Sedgecroft
não viria. O que poderia querer ele com a insípida lady Jane abandonada?
Embora durante uns minutos a tinha feito sentir-se mais desejável do que
jamais sonhou possível. Bom, isso demonstrava que tinha razão com
respeito a ele.
- Minhas irmãs continuam na aula com madame Dumas? - perguntou,
afastando-se.
- Sim, mas... - Lady Belshire olhou consternada para sua filha que se
afastava correndo. - Bom Deus, Jane, nem sequer terminei de lhe dizer a
mensagem.
***

Jane freou a tempo para não entrar correndo no pavilhão do verão


para dar a boa notícia à Caroline. Caroline e Miranda estavam lendo em voz
alta o Tartuffe de Moer, com sua horrorosa pronúncia francesa, enquanto
madame Dumas escutava, beliscando o nariz com seus fracos dedos, como
se estivesse sofrendo horrorosamente.
- Posso interromper? - perguntou Jane, divertida.
Madame Dumas estremeceu e fechou o livro.
- Sim, é claro, por favor. Suas irmãs estão assassinando minha língua
materna.
Miranda se levantou e foi abraçar meigamente Jane.
- Caroline me contou tudo - lhe disse em voz baixa. - Estou a
arrebentar de admiração - acrescentou passado um instante. - Ui, Jane, o
que fez?
- Até aí chegou o de guardar um segredo - comentou Jane, levando
suas duas irmãs à curta escadaria para sair à luz do sol. - Proíbo-as de dizer
a alguém mais.
- Nem a uma só alma - prometeram as duas, muito sérias.
- E espero que não falem de mim diante de madame Dumas. Já me
considera uma causa perdida porque preferi estudar italiano em lugar de
francês, em protesto por todos os amigos que morreram na guerra.
Caroline afugentou uma mariposa que posou sobre seus abundantes
cabelos mogno dourado.
- Ouvi Dumas dizer à senhora Bee que poderia ter que te casar com
um francês, posto que é improvável que algum aristocrata inglês queira
casar-se com você.
Antes que Jane pudesse responder a esse comentário, chegou até elas
lady Belshire, sem fôlego pela pressa de correr pelo jardim.
- Chegou! - exclamou, e, com uma brusquidão muito atípica nela,
pegou Jane pelo braço e a afastou de suas irmãs. - E nem sequer está bem
vestida.
- Bem, para que? - perguntou Jane, desconcertada, olhando ao redor.
Além dos dois jardineiros que estavam podando os álamos, não havia
ninguém à vista, nem nenhum motivo para que sua mãe estivesse tão
agitada. E isso lhe produziu outra dessas terríveis sensações de premonição.
- Quem chegou, mamãe?
- Sedgecroft, quem, se não ele? - Ao ver a espantada expressão de sua
filha, lady Belshire levou a mão ao coração. - Ai, querida, acreditou que me
referia a Nigel, não é verdade? Que descuidada sou. Que absolutamente
estúpida. É evidente que continua com a esperança de que esse patife se
apresente com alguma explicação compreensível de sua abominável
crueldade.
Jane olhou para sua mãe, dominando o infantil desejo de lhe arrancar
chapéu de palha adornado com fitas, atirando-o no chão e saltando em cima
pisoteando-o.
- Sabe que reputação tem Sedgecroft, mamãe. Não teme, embora seja
um pouco, que me manche?
- Não seja idiota - respondeu lady Belshire, agachando-se para
arrancar uma má erva que crescia entre as lajes. - Todas minhas filhas estão
acima da tentação. Seu irmão, pelo contrário, é outra história. Há um
momento tentei dizer-lhe que Sedgecroft não pôde vir esta manhã porque
estava retido por um assunto familiar. Disse que viria mais tarde.
- Esta tarde?
- Agora, Jane - exclamou sua mãe, exasperada. - Era sua carruagem
que passou pela rua.
- Que carruagem?
- Já não tem importância - sussurrou sua mãe a toda pressa e,
agarrando-a pelos ombros, virou-a para a casa. - Já está aqui e, ui, olhe o
que vestido pôs.
Jane olhou para a enorme figura que vinha avançando pela grama,
com os duros planos de seu rosto iluminados pelo sol. A jaqueta azul
marinho de manhã e calça bege, de cara confecção, realçavam sua elegante
masculinidade. E não era que necessitasse de algum realce nesse aspecto.
Podia estar totalmente nu e de todo modos ai, não, por favor, essa imagem
outra vez. E justo quando tinha que olhá-lo no rosto.
Ele diminuiu o passo e lhe dirigiu um sorriso sensual que lhe fez
passar vibrações de terror por todo o organismo. Toda essa virilidade, a
plena luz do dia; cativava a uma mulher como envolvendo-a em um
furacão. Quando começava a recuperar-se, seu primeiro impulso foi
esconder-se covardemente atrás da sebe de arbustos.
Mas como era bem educada, manteve-se bravamente firme onde
estava, e ele reatou a marcha.
- Ah, está aqui - disse ele, lhe pegando as duas mãos sem a menor
vacilação. - Temi que tivesse se escondido. Não podemos permitir isso.
E isso era exatamente o que tinha desejado fazer ela. Começou a sentir
formigamento nos dedos com a pressão das mãos dele. Fez vários esforços
sutis de livrar-se da pressão. Ele nem o notou. Sobressaltada, olhou para
sua mãe e suas irmãs, que, de modo nada convincente, simulavam que não
estavam observando cada movimento dele.
- Me escute, Sedgecroft - disse em voz baixa, resolvida a fazer entrar
em razão esse cabeçudo.
- Escuto-a.
Ai, esses olhos, tão intensos, tão vivos, tão convidativos. Que
importava que fosse o homem mais arrogante do mundo? Sua alegria era
contagiosa.
- Pensei em seu generoso oferecimento, por assim dizer, para
recuperar a aceitação social.
Ele sorriu de orelha a orelha, lhe dando a impressão de que deveria
sentir-se adulada por essa oferta sua.
- Estupendo - disse, fazendo um elegante gesto, como se com isso
ficasse tudo dito.
- E decidi...
Enredaram-lhe os pensamentos e esqueceu o que iria dizer por que
passou sua enorme mão pela cintura e começou a levá-la para a porta de
madeira oculta na parede de tijolos. Sentiu nas costas o delicioso apoio de
seu corpo duro como a pedra.
- Acredito que por aqui podemos sair à rua, não é? - disse ele, e
continuou sem lhe dar a possibilidade de responder: - Minha carruagem
está estacionada aí. Havia tal congestionamento no tráfego que me custou
chegar aqui, entre vacas e vendedores ambulantes.
- Acho que terei de declinar - disse ela, quase gritando, já presa pelo
terror.
Ele continuou levando-a por entre os álamos, e repentinamente olhou
para cima, aos dois jardineiros que acabavam de deixar imóveis as
bordadeiras. Seu cenho ligeiramente franzido os fez reatar o trabalho
imediatamente. Era um homem a quem os outros obedeciam
instintivamente.
- Podemos falar disso no caminho - disse. - Em privado.
A seu pesar, ela o olhou com respeito e temor em partes iguais,
pensando como pode um ser humano andar pelo mundo com essa
inesgotável arrogância.
- Sedgecroft, não estou preparada para me expor ao público.
- Tolices. - parou para examiná-la em todo detalhe. - Está muito bem
para levá-la a um passeio pela tarde, embora tenha de reconhecer...
Interrompeu-se.
- Reconhecer o que?
- Não tem importância. - Olhou para trás, pensativo, às três mulheres
que os seguiam a uma discreta distância. - Suponho que não importa -
murmurou, encolhendo os ombros. - Já é tarde para fazer outra coisa.
Ela afundou os saltos de seus sapatos de seda. Tinha-lhe picado a
vaidade feminina com sua insinuação de que algo não estava bem em sua
aparência. Deveria lhe dizer como aparecia ele em seu sonho nessa noite
passada.
- Importa - disse com voz firme. - Ao menos sei que me importaria se
tivesse a amabilidade de me explicar o que o desagrada em minha
aparência.
Ele golpeou com os dedos um lado de seu queixo com covinha,
pensativo. Olhou-a nos olhos um momento.
- É só que... não, não quero ofendê-la, não, depois do ocorrido ontem.
Ela arqueou as sobrancelhas e estreitou seus olhos verdes.
- Me ofender.
- Bom, é esta sua ideia de um vestido atrevido? - perguntou-lhe em
voz baixa, e como se sentisse vergonha dela.
Aaahh.
- O que tem de mau meu vestido? - perguntou, desejando ser
indiferente ao que pensava ele.
- Não mostra nada. Nada além de babados franzidos e... é cinza.
Todos esses franzidos no peitilho... - Fez um gesto e apontou o peito,
remedando-a, e horrorizando-a. - Traz à mente a imagem de uma pomba.
Uma pomba atraente - se apressou a acrescentar ao ver o olhar dela.
Ela apertou os dentes.
- Foi feito para não mostrar nada, Sedgecroft.
- E isso por quê? - perguntou o demônio.
Ela cruzou os braços, cobrindo os seios com babados franzidos.
- Não sou uma de suas mulheres de duvidosa reputação.
Ele pigarreou, era evidente que estava desfrutando muito.
- Certamente não o é.
Por que esse comentário lhe soava como um insulto? Pensou ela. Uma
jovem decente se sentiria orgulhosa de sua aparência de pomba.
- Acontece que este é meu vestido favorito.
- Minha avó tinha um par de cortinas exatamente dessa cor em sua
sala de estar.
- Também ela recordava a uma pomba?
- Não exatamente, mas não vou desfrutar de nossa tarde se cada vez
que lhe olhar me lembrar de minha avó.
- Este é um vestido recatado, Sedgecroft. Um vestido na moda.
- Talvez, se fosse octogésima. Mmm. - virou-se para olhar às damas
que os seguiam. - Lady Belshire, qual é sua sincera opinião sobre este
vestido?
Jane revirou os olhos. O maldito, pediu a sua mãe sua sincera opinião.
Era o mesmo que pedir a uma reformadora que fizesse um discurso ante o
Parlamento.
- Não tem importância, mamãe - disse, com voz glacial. - Não temos
por que incomodá-la.
Mas sua mãe parecia adulada, desejosa de intervir.
- Querida, não me incomoda.
- Volte para suas flores, mamãe - murmurou Jane em voz baixa. - O
jardim precisa da senhora.
- O vestido, Athena - disse Grayson, convidando-a a aproximar-se
com um preguiçoso gesto dobrando os dedos. - O que lhe parece? Nos
ofereça o benefício de sua sabedoria.
Sua senhoria avançou uns passos e observou atentamente sua filha
em silêncio.
- Para ser totalmente sincera, nunca gostei do cinza para as garotas, a
não ser que a situação exija gravidade, é claro. O cinza, a não ser nos tons
muito claros, deveriam ser usados por preceptoras e as governantas. Agora
bem, o prateado...
- É isto uma conspiração? - atravessou Jane, situando-se entre eles.
- Não - disse Grayson. Guardou silêncio um momento e não pôde
evitar sorrir de orelha a orelha ao ver a indignada expressão de Jane. - Mas
parece que há consenso na opinião. Acho que deveria se trocar, se
tomarmos em conta que se celebrará um baile na festa a que vamos
participar.
Jane agitou a cabeça, desconfiada. Tinha a clara impressão de que
tinha caído em uma armadilha posta por um caçador muito esperto e muito
bonito. Ao que parecia, se não quisesse provocar outra cena desagradável,
era muito pouco o que poderia fazer, estando sua mãe conspirando com o
demônio. Que homem mais irritante, francamente.
Que confusão.
- Baile? - Franziu os lábios. - No dia seguinte ao ter sido...? Muito bem,
Sedgecroft, irei me trocar. Quer escolher o tamanho dos botões? Examinar a
costura interior de minhas luvas? Prefere alguma determinada cor, além de
proibir as cores pomba?
Faiscaram-lhe de travessura os olhos, sedutores, irresistíveis.
- Prefiro o rosa, mas, logicamente, a decisão é sua.
- Não, não é - grunhiu ela, virando sobre seus calcanhares e pondo-se
a andar para a casa - porque a pura verdade é que prefiro o cinza.

***

Grayson quase lamentou sua sugestão de que se trocasse de vestido


quando ela reapareceu meia hora depois. O diáfano vestido de tule rosa
cobria um corpo curvilíneo que tentava a todos seus demônios
adormecidos. Sabia muito bem que ela o tinha feito esperar de propósito,
embora de maneira nenhuma ele se queixaria por isso.
Não poderia queixar-se, quando o resultado final lhe acendia os
sentidos; quando o único que podia fazer era simplesmente respirar e dizer-
se que deveria sentir-se culpado por desejá-la. Sabia muito bem que ela era
vulnerável à sedução depois de ter sido tão cruelmente abandonada por seu
primo. Não iria se aproveitar dela, não é?
Escureceram-lhe os olhos com franca aprovação masculina quando,
cedendo a seus instintos, permitiu-se lançar um largo e ávido olhar de cima
abaixo. A espera havia valido a pena. Suas curvas lhe faziam água na boca:
seus seios cheios e elevados, esses quadris arredondados, e suas ágeis
pernas longas e magras. Apoiado despreocupadamente na parede de tijolo,
lhe oprimiu a garganta quando, ao estar ela mais perto, passou o olhar a
seu rosto. Sedutor, doce, mas não enjoativo. Ela deveria ter feito em
picadinho Nigel, não ele a ela.
Reconhecia secretamente que ao menos uma parte de seu plano para
ajudá-la estava inspirado em algo mais que nobres intenções. Embora,
logicamente, não iria agir segundo essas vis motivações Boscastle. Mas
tampouco tinha nenhum sentido enganar-se. Achava Jane atraente, achava-
a fascinante de uma maneira que nem sequer conseguia compreender. Isso
lhe faria mais fácil ajudá-la; inclusive acrescentava um elemento de perigo à
relação entre eles.
- Isso está muitíssimo melhor - disse amavelmente.
Em sua voz não se detectou nenhum sinal que em sua imaginação
acabava de despi-la e deitar-se com ela; que por um momento ela o tinha
enfeitiçado com uma inevitável atração, e que não sabia o que fazer com
isso.
- Sim? - perguntou ela.
O cenho com que ela manifestava seu aborrecimento não destruiu
absolutamente as imagens sensuais que desfilavam por sua mente, a visão
de seus corpos unidos no prazer.
Sua reação o assustou um pouco; era um golpe emocional que quase o
fez cambalear. Por sorte, fazia tempo que tinha aprendido a ocultar seus
sentimentos, se não, o susto teria sido de morte.
- Nunca minto, Jane - disse, lhe oferecendo o braço.
Ela o olhou fixamente um momento e logo passou a mão pela curva
de seu cotovelo.
- Pode ser que não minta, mas é dominador.
- Isso também é verdade - murmurou ele, atraindo-a para ele para
abrir a porta oculta na parede.
Quando se tocaram seus corpos ela conseguiu com muita dificuldade
reprimir um suspiro de prazer. Mas ao inspirar aspirou os aromas que
emanavam dele, a lã e sabão da Castilla, o masculino aroma de sua pele,
essa virilidade que a fazia sentir-se tão protegida e vulnerável ao mesmo
tempo. Uma parte dela desejou aproximar-se mais para saciar seus
sentidos. A outra parte desejou afastar-se, proteger-se desse assalto a seu
juízo. O fato de que tivesse cometido um enorme pecado não significava
que estivesse destinada a cair no vício do hedonismo e perdição, não é?
Tinha que pensar, sopesar as coisas.
No fundo de seu ser se sentia como uma vela de cera suspensa sobre
uma chama, derretendo-se ao calor que emanava dele. Levantou os olhos e
os olhos dele apanharam os seus, sedutores, sem ocultar sua sensualidade.
Então, com a maior despreocupação, ele levantou o fecho, abriu a porta e a
guiou pelo estreito atalho de paralelepípedos que levava a rua. Ela
expulsou o fôlego em um suspiro. Só Deus sabia o que estava pensando ele
e por que lhe seguia o jogo aceitando seu plano, fosse o que fosse.
Parou bruscamente, ao perceber que estava tão encantada por ele que
não tinha prestado atenção ao caminho que levavam.
- O que acontece a porta principal? Achei que convinha que nos
vissem.
- E convém - disse ele, arrumando a gravata branca e olhando-a com
uma expressão de cumplicidade. - Mais acontece que na porta está um
repórter particularmente detestável a quem provavelmente vou acabar
matando algum dia. E você, querida minha, não vai servir de cordeirinho a
homens de sua índole.
A ela nem tinha ocorrido ler os jornais.
- Ah. - Titubeou um momento. - É muito horrível o que dizem os
jornais?
- Brutal - disse ele, com seus duros trasços ligeiramente suavizados.
- Então me nego a fazer isto.
Segurou-lhe firmemente o braço com uma mão, para impedi-la de
retornar, e com a outra fez um gesto para o empregado que esperava na
calçada.
- Volte, Jane.
- Volte para que? - perguntou ela, exasperada. - Solte-me, Sedgecroft,
se não, vou bater em você.
- Isto o faço por seu bem - disse ele, obrigando-a a passar perto de um
crescente grupo de curiosos que iam se aglomerando para ver a noiva
abandonada e a seu infame acompanhante.
Golpeou seu ombro, sussurrando:
- Todos estão nos olhando.
- Então deixa de resistir - sussurrou ele, sorrindo preguiçosamente.
- Então me solte.
- Mas, meu desonrado anjinho, e se cair?
- Cair ?
- No meio-fio, no meio de todos esses feios montões de esterco de
vaca e lixo.
- Suponho que esse é um risco que devo correr.
- Não em minha presença. Jamais permitiria que uma mulher que vai
comigo sofresse algum dano.
- E permitiria a ela machucá-lo?
Ele piscou os olhos, encantado.
- Depende. O que tinha pensado?
- Acredito que não no que está pensando.
Ele soltou uma risada rouca e a aproximou mais a ele para lhe
sussurrar:
- Sorria ante nosso público, Jane. Recorda que eu substituí Nigel em
seu coração. Não ficaria bem começarmos a brigar na rua no primeiro dia
que nos veem juntos.
Mesmo que ela não tivesse aceitado nada disso, não pôde evitar reagir
ante essa segurança dele. Falava como se fizesse esse tipo de coisas todos os
dias. Fazia com que parecesse uma maravilhosa aventura.
- Não posso acreditar que minha mãe tenha permitido que saia com
você sem acompanhante - balbuciou.
- Pois, temos acompanhante - respondeu ele, levando-a para a
elegante carruagem negra que parou atrás deles, com expressão satisfeita
por lhe obedecer. - Seu irmão nos está esperando ali.
- Simon vai conosco?
Então ele se aproximou mais e inclinou a cabeça, e a brincalhona
expressão de seus olhos se escureceu com sedutoras promessas. Olhou-o no
rosto, atordoada; sentiu subir um ardente rubor pela nuca e lhe abrandou o
corpo, de pecaminosa espera.
- O que vai fazer? - murmurou.
- Não olhe agora, querida, mas esse repórter acaba de aparecer na
esquina.
- Posso desmaiar?
- Depois que subir à carruagem - disse ele, aproximando mais a
cabeça à dela e lhe falando em um tom tranqüilizador que lhe recordou que
ele não era alheio ao escândalo. - Ah, estupendo, tomou a direção contrária.
Esperemos um momento para ter certeza.
Ela sentiu sua respiração na borda do maxilar, quente, uma tortura
para seus sentidos. Seus largos ombros lhe bloqueavam a vista. Em uma
fração de segundo, estava ardendo, confusa, consumida pela embriagadora
presença dele. Ele levantou o braço, para protegê-la e lhe roçou a pele com a
boca. O contato foi breve, um toque fortuito de seus lábios na sensível curva
da sua maçã do rosto. Qualquer um que estivesse olhando poderia ter
suposto que simplesmente lhe sussurrou algo ao ouvido. Mas ela sentiu seu
poder sensual em todos os irregulares batimentos de seu coração.
Subiu-lhe a temperatura corporal, fazendo-a formigar de prazer, de
espera. Meio esperava que ele voltasse a beijá-la, aí mesmo, na rua.
- Não... Jane - disse ele e sua voz rouca a sobressaltou.
Pestanejou duas vezes.
- O que acontece?
- Suba à carruagem - lhe ordenou, rindo. - Acredito que está
chamando a atenção.
- Eu estou chamando a atenção?
Ele a olhou nos olhos, sorrindo.
- Sim. Acredito que convém que suba à carruagem.
Ela sacudiu a cabeça, para romper o feitiço.
- A carruagem.
Ele parecia divertido.
- Passa-se algo?
- Bom, é que por um momento pensei... achei...
Ele simulou estar horrorizado.
- Não me diga que acreditou que iria beijá-la aqui, aqui, diante de sua
casa?
Ela fez uma brusca inspiração, humilhada por sua perspicácia.
- Nunca acredi...
- É uma dama, Jane - interrompeu, lhe roçando o queixo com um
dedo enluvado - e quero restabelecer seu bom nome. Mas se de verdade
quer que a beije, estarei encantado de satisfazê-la dentro da carruagem.
Que ele estivesse zombando não lhe diminuiu em nada o
estremecimento de prazer que lhe produziu seu contato por todo o corpo.
- Acredito que não será necessário.
- Uma lástima - murmurou ele, penalizado.
- Vamos, você é a lástima - replicou ela, recuperada por fim sua
serenidade. - Por que me olham assim essas pessoas da calçada de frente?
Ele fez um gesto ao empregado, dobrando o dedo.
- Não sei. Talvez desejam poder beijá-la também.
Abafou uma exclamação de surpresa quando sentiu sua enorme e
impertinente mão lhe empurrando o traseiro para que pusesse um pé no
degrau. Sobressaltada, não pôde reagir e olhou aos empregados que a
flanqueavam como duas estátuas de pedra, aparentemente acostumados às
maldades de seu amo.
- Ninguém me beijou em público nunca - sussurrou por cima do
ombro, resolvida a deixar as coisas claras. - E não desejava que o fizesse.
- Bom, se mudar de opinião...
Ela teve que esmagar o espantoso desejo de rir.
- Se Simon ouvir esta conversa, vai repreendê-lo.
O brilho diabólico que viu cintilar em seus olhos azuis deveria havê-la
advertido. Quando entrou na espaçosa carruagem, viu consternada o corpo
inerte deitado no assento de frente. Grande vigilante. Seu irmão estava
dormindo os excessos da noite passada, absolutamente ignorante de seu
problema; parecia estar morto para o mundo, além de algum ou outro
ronco que saíam dele como de um javali.
- Isto não é um acompanhante - exclamou - isto é um cadáver.
Grayson lhe deu um suave empurrão para que se sentasse, e sorriu
levemente.
- Vai bem para nosso propósito.

***
Grayson a observou divertido enquanto ela tentava sentar-se a um
lado do corpo escarranchado de seu irmão. Passado um momento, ao
compreender que isso era impossível, ela renunciou, sentando-se ao lado
dele, resignada a contra gosto. Ele começava a sentir-se desequilibrado e
não conseguia discernir por que.
Tinha desfrutado de sua justa cota de mulheres bonitas e nunca se
havia sentido tão desassossegado em companhia delas. Talvez estivesse
desequilibrado porque lhe era desconhecido o papel de cavaleiro branco.
Ou talvez se devesse a que era a primeira vez em sua vida que tinha que
meditar cada passo que dava. E isso o levava de volta ao assunto de Jane. O
que deveria fazer, sabendo que ela o achava atraente? Simular que isso não
o adulava? Esmagar todos seus conhecidos instintos masculinos?
Sim, teria que vigiar seus passos. Não só para não alertar à opinião
pública. Deus sabia que muitas vezes tinha sido tema de fofocas. Faria
muito bem se enganasse os traficantes de intrigas e escândalos. Os
falatórios maus intencionados tinham feito mal a sua família mais de uma
vez. Que o pendurassem se permitisse que Jane sofresse mais indignidades
do que já tinha sofrido.
Jane o roçou ao mover-se e a sensação o levou imediatamente ao
terreno físico. Por muito decidido que estivesse em sua conspiração para
ajudá-la, suspeitava que sua aspiração ao cavalheirismo não duraria
eternamente.
Seguir o ensolarado caminho da respeitabilidade não lhe era natural.
Dançar na escuridão era outra história muito diferente.
Jane tinha razão. Tinha desejado beijá-la na rua, mas duvidava que ela
pudesse chegar a imaginar muito além de um beijo que desejava chegar.

Capítulo 7

Um momento depois, quando a carruagem já ia estralando pela rua,


Jane disse:
- Decidi uma coisa.
- O que, Jane? - perguntou ele, amavelmente.
- Vou fingir que a conversa na rua não ocorreu nunca. - Limpou a
garganta. - Nem tampouco esse incidente entre nós na galeria vermelha
ontem.
Ele pegou o jornal que tinha ficado metido entre eles, tirando-o de
baixo do traseiro dela.
- Como quiser. - Por seu rosto passou um indício de sorriso. - Se
puder.
Ela juntou recatadamente as mãos na saia.
- Já está esquecido.
Ele deixou o jornal de lado, claramente descontente de deixar em paz
o assunto.
- Quer que lhe refresque a memória?
- Talvez devesse primeiro refrescar suas maneiras.
Acabava de decidir como tratá-lo. Enfrentar assuntos difíceis não
arrepiava as penas de um cisne Welsham muito tempo. Esta filha de um
conde se dava tão naturalmente com o autodomínio como a paquera a
Sedgecroft. Essa situação exigia simplesmente que ela combatesse sua
masculinidade com etiqueta.
- Assim, milorde. Parece bem descansado esta manhã. Suponho que
passou uma noite aprazível?
Ficou em silêncio. De repente lhe ocorreu que ele poderia aproveitar
sua pergunta para lhe explicar suas atividades noturnas com todos seus
sedutores detalhes. Preparou-se para ouvir uma recitação de maliciosas
aventuras.
Ele a olhou, e o brilho que viu em seus olhos a fez reter o fôlego.
- Me deixe pensar. Umas horas depois de sair de sua casa surpreendi
Chloe saindo furtivamente com as damas de sua sociedade de reforma
social. Virtualmente me atacaram quando me neguei a lhe dar permissão
para sair a desaconselhável missão que tinha pensado. Tive que prendê-la
com chave em seu quarto.
- Mmm, essa me parece uma atividade muito perigosa para a noite
-concordou Jane.
- Isso só foi o começo. Depois tive que percorrer Vauxhall Gardens de
cabo a rabo em busca de meu irmão.
- Que irmão seria esse? - perguntou ela, visualizando o grupo de
malandros bonitos de olhos azuis que tinha visto no dia anterior na capela.
- Procurava Drake, que andava procurando um par de botas para
comprar para um duelo que tinha esta manhã.
- Bateu-se em duelo hoje? - perguntou ela, alarmada.
- Por sorte não - respondeu ele, sorrindo tristemente. - Seu adversário
apresentou uma desculpa pública uns minutos antes de ter lugar o duelo.
- Santo céu, Sedgecroft.
Ele jogou atrás a cabeça e seu cabelo loiro lhe roçou o pescoço da
camisa.
- Não teve nada de noite descansada. A responsabilidade suporta um
preço.
Também o engano, pensou ela, sentindo uma pontada de inquietação,
enquanto ele se acomodava no assento, deixando o joelho pressionando o
dela. Seu potente corpo lhe intensificou a consciência de como era precária
a relação entre eles. Pensou em quão diferente era de seu primo Nigel, e por
que não pôde havê-lo conhecido primeiro. Embora claro, ele nem teria se
fixado nela tendo uma amante em cada braço; nem ela teria feito nenhum
esforço para atrair sua atenção.
Olhou pela janela, pensando nos estranhos caprichos do destino.
A carruagem parou, entupida no congestionado tráfego da primeira
hora da tarde: carretas puxadas por bois, diligências, transeuntes cruzando
de uma calçada a outra, varredores tirando o esterco dos animais do meio-
fio. Ficou preso o ar na garganta quando Sedgecroft se levantou, pegou-lhe
o braço e a pôs em pé.
Ela olhou desesperada para seu irmão adormecido.
- Simon, desperta imediatamente, horror de acompanhante.
Simon emitiu um grunhido parecido ao de um porco e se voltou para
o outro lado.
- Aonde me vai levar, Sedgecroft? Há pessoas lá fora, olhando sua
carruagem.
- Sei - disse ele, com a maior tranquilidade. - Esses que estão na
esquina são um de meus banqueiros e sua mulher. Acontece que a mulher é
uma fofoqueira de dar medo.
- O que devo fazer?
Ele a ajudou a descer à calçada.
- Desfrutar - disse, e acrescentou em voz baixa: - Deixe que a mime.
Para começar, deixe de franzir o cenho como um mocho. Finja que está
encantada.
- Encantada? Pelo que?
- Por nosso florescente romance, querida.
Chamou com um gesto a um par de floristas que estavam na esquina
e jogou um punhado de moedas em seus cestos. As duas mulheres idosas,
com seus rostos emoldurados por chapéus de palha, ruborizaram-se e lhe
agradeceram, chamando-o por seu nome. Antes que Jane pudesse lhe
perguntar algo, encontrou-se afogada por um montão de ramalhetes de
flores, dadas de presente ao que a menina que havia nela não pôde deixar
de reagir.
Mordeu o lábio e repentinamente sentiu molhadas as mãos dentro das
luvas. A mulher do banqueiro a reconheceu, claro. Notou como o olhar da
mulher posava nela, escandalizada ao reconhecê-la. Ui, que vergonha; como
se não tivesse bastado o ocorrido no dia anterior. Embora fosse agradável
ser mimada em público.
- O que vão pensar todos? - sussurrou.
- Provavelmente que estou apaixonado por você - respondeu ele,
imperturbável.
- Por quê? - perguntou ela, sem querer curiosa ante essa ideia.
- Bom, é bonita e doce.
- Pois não. Sou bastante comum e antipática.
Ele riu.
- Bom, então, é modesta.
- E toda Londres vai acreditar que me compra flores para honrar
minha extraordinária modéstia?
O preguiçoso e sedutor sorriso que lhe lançou lhe produziu
estremecimentos.
- Todos vão pensar que há algo mais entre nós.
- Algo...
- Um cortejo sério - disse ele, encolhendo um ombro.
- Ah, vamos, Sedgecroft. Ninguém acreditaria que você... que eu...
bom.
- Por que não? - perguntou-lhe ele, tão sério que ela quase se derreteu.
Pôs-lhe a mão sob o queixo e a ela lhe acelerou o coração esperando.
Bem podia não ter toda a experiência prática que tinha ele, mas não lhe era
difícil imaginar uma mulher desejando secretamente que a cortejasse esse
homem. E todo o prazer e angústias que entranharia isso.
- Sedgecroft, tolo, tem meu rosto agarrado.
- Estou esperando que me agradeça.
- Ah, obrigada.
- Isso não é muito convincente.
- Não?
Ele negou com a cabeça.
- Procure fazê-lo com algo mais de entusiasmo. Por casualidade sou
um pretendente generoso. Estas flores só são um prelúdio das pérolas que
lhe deixarão esta noite. Convém que a aristocracia comente isso.
Pérolas, e o que viria depois? Pensou ela. Surpreendeu a si mesma
ficando nas pontas dos pés e lhe dando um rápido beijo na face.
- Obrigada - sussurrou.
Ruborizou-se até a raiz do cabelo com o contato de sua cálida e firme
pele. Que demônios acabava de fazer? Beijá-lo depois do alvoroço que tinha
armado só uns minutos antes.
Seus olhos faiscaram, olhando-a.
- Isso foi muito agradável, Jane, mas, não sei, faltou-lhe entusiasmo.
Sorriu-lhe artificiosamente e apertou os ramalhetes contra o peito.
- Ooh! Oh, Sedgecroft! - exclamou, com voz teatral. - Que surpresa!
Pérolas! E flores! Para mim?
Ele fez uma careta e tossiu, sobressaltado, e logo lhe pegou o braço e a
levou de volta à carruagem.
- Necessita mais prática. Vi atuar melhor os patos de minha lagoa.
Ela afundou o rosto no monte de ramalhetes para abafar a risada.
- Primeiro uma pomba, depois um mocho. Agora sou um pato. Que
ave vou lhe recordar depois?
- Um ganso, acredito.
Instalaram-se no assento. Simon estava deitado de costas, com os
braços dobrados sobre o peito e as mãos agarradas. Os olhos azuis de
Grayson a percorreram inteira, preguiçosos, apreciativos, lhe fazendo subir
novamente o rubor às faces.
- A que lhe recordo eu?
Ela espalhou os ramalhetes sobre o assento, e a fragrância das violetas
inundou a carruagem.
- A um leão, acredito. Uma besta senhorial.
- Uma besta? - repetiu ele, arqueando uma sobrancelha. - É valente
para me chamar assim na cara. Sente-se mais perto de mim.
- Mais perto? - perguntou ela, quase rindo - Estamos em Brook Street,
Sedgecroft, não em um bordel.
- Eu gosto da sensação de tê-la junto a mim - disse ele,
tranquilamente. - Além disso, não tenho fama de santo, Jane.
- Significa isso que é um demônio?
Ele tirou uma margarida de um ramalhete e a pôs entre as mãos de
Simon.
- Isso terá que descobrir você. - Levantou lentamente a cabeça e a
olhou nos olhos. - E se o for, serei seu demônio, Jane. Ao menos durante
todo o tempo que levar para corrigir esta situação. Bom ou mau, combaterei
a seu lado.

***

A carruagem virou à direita, entrando na Davies Street, e ao chegar a


Berkeley Square diminuiu a marcha diante de uma mansão georgiana com
fileiras e fileiras de brilhantes janelas com peitoril saliente. Até eles
chegavam os sons de uma alegre melodia, procedentes dos jardins na
ladeira cobertos por um bosque de frondosos plátanos orientais. Mais à
frente se erguiam campos de morangos, onde os grupos de frutos
vermelhos brilhavam ao sol. Então o cocheiro dirigiu a carruagem para as
portas de ferro forjado da garagem.
Um grupo de jovens dandies que estavam passando ociosamente o
momento na escadaria de entrada interromperam a conversa quando viram
se aproximar a elegante carruagem negra puxada por cavalos brancos.
- É Sedgecroft - gritou um.
- Vai uma mulher com ele - observou outro, esticando o pescoço para
ver melhor.
- Seria estranho que não - exclamou seu amigo, agarrando seu
monóculo.
- Quem é ela?
- Está vestida de rosa, isso é a única coisa que consigo distinguir.
- Meu irmão viu o secretário de Sedgecroft escolhendo pérolas em
Ludgate Hill esta manhã.
- Ah, então é algo sério. Estarão em negociações?
- Não tem lido os jornais? Tudo sobre a noiva Belshire abandonada
ontem no altar por Nigel Boscastle.
- Quem diabos é Nigel Boscastle?
- O aborrecido primo de Sedgecroft. Acha que...?
Todos desceram juntos a escadaria para examinar mais de perto à
misteriosa mulher que se via pela janela da carruagem. O marquês de
Sedgecroft tinha estabelecido certas pautas que tendiam a emular muitos
aspirantes a libertinos. Considerava-se um êxito ser visto em uma festa
conversando com alguma de suas ex-amantes.
Em geral, as mulheres desse seleto círculo continuavam
extraordinária e ostensivamente leais a seu nobre ex-amante, e não
soltavam palavra a respeito de suas passadas relações com ele. Os porquês
dessa lealdade ofereciam um constante tema de deliciosas elucubrações.
Sedgecroft lhes pagava seu silêncio? Era um amante tão perito que as
apaixonadas amantes esperavam reatar sua relação com ele? Ou já o tinha
reatado secretamente? O homem fazia malabarismos com três ou quatro
apaixonadas beldades ao mesmo tempo em sua cama?
Suas proezas sexuais, fossem realidade ou fantasia, despertavam a
admiração dos mais jovens.
- Por que acha que gosta tanto da cor rosa? - perguntou um indiscreto
cavalheiro. - Porque se parece com a cor da pele nua da mulher?
- Não, idiota, porque recorda os cravos - respondeu seu irmão, rindo
grosseiramente.

***
Jane sentiu subir um ardente rubor às faces, e isso só porque tinha
ouvido poucas palavras dessa conversa.
- Percebe que esses jovens estão falando de mim e em termos nada
aduladores? - comentou a ele em tom resignado.
Embora, na realidade, depois do plano levado a cabo por ela e Nigel
no dia anterior, já supunha que seria melhor que se acostumasse às fofocas.
Mas, bom Deus, jamais lhe tinha ocorrido pensar que ela poderia ser de
interesse para as pessoas do belo mundo. O pobre Nigel tinha aborrecido
de morte à alta sociedade com seu amor pelos cães e pela literatura francesa
antiga.
Grayson olhou pela janela observando com os olhos estreitos o grupo
de olheiros.
- Deixe comigo , Jane. Não demorarei para endireitá-los.
Ela tragou saliva para passar o nó de nervosismo que lhe tinha
formado na garganta.
- Acabo de decidir que não vou descer desta carruagem.
Sorriu-lhe, com esse sorriso tranquilo de um homem que nunca em
sua vida teve que levantar um dedo para atrair a uma mulher; o sorriso de
um homem a quem não importa um rabanete o número de escândalos que
provocou.
- Então, trago-lhe o café da manhã na carruagem? Com um quarteto
de corda para que nos entretenha enquanto comemos?
Ela respondeu esboçando um sorriso; a picardia que viu em seus
olhos obscurecidos lhe fez passar uma onda de calor por toda ela. A espera
lhe fez formigar as costas quando lhe pegou a mão enluvada e lhe esfregou
a palma.
- Nunca em minha vida atraí a uma multidão - grunhiu.
- Está preparada para atrair uma agora? - perguntou-lhe ele, como a
desafiando.
Preparada? Preparada para enfrentar o escândalo e os sorrisos de
afetada compaixão? Virou-se, dando as costas à janela e exalou um suspiro.
- Se for necessário. Você é o tirano, não?
- Venha, Jane. Nos divertiremos um pouco com eles. Deixaremos eles
meio loucos pensando o que somos um para o outro.
- Eu estive pensando nisso.
Deslizou-lhe a mão até o cotovelo, atraindo-a para ele até quase tê-la
em seu colo. Acelerou-lhe mais o coração e o surpreendeu a intensidade de
sua reação.
No que se colocara? Talvez não lhe conviesse sabê-lo. Já era muito
tarde para retirar seu oferecimento, mesmo que o caminho ao inferno
estivesse pavimentado de boas intenções.
- Espere - lhe ordenou, sem saber por que.
Talvez para ganhar tempo, ou simplesmente porque era um prazer
para ele falar com ela.
- Mais nos estão olhando. Vão pensar que estamos nos beijando, ou
talvez algo pior ainda.
Ele golpeou levemente com o indicador o botão de madrepérola do
cotovelo dela.
- Isso iria muito bem, agora que o sugere. Por desgraça, não posso
agradar seus luxuriosos interesses. Nem os meus.
- Eu não o sugeri... demônio irresistível.
- Demônio irresistível - repetiu ele, com ar satisfeito, arregalando os
olhos para zombar dela. - Isso soou quase como um elogio.
Ela sorriu a seu pesar.
- Suponho que a sua maneira só quer me ajudar.
- Exatamente. - Por incrível que parecesse a si mesmo. - Agora faça o
que lhe peço. Deixarei muito claro a esses malandros sua categoria e
dignidade.
- Um libertino com consciência - disse ela, em tom meditabundo. - Um
libertino com uma veia de bondade em seu podre coração.
Ele riu. Não se sentia cômodo nesse papel.
- Bom, não corra a voz, não quero que chegue a conhecimento
público. Tenho uma bem ganha reputação de corrupção, que vou reatar
uma vez que tenha devolvido a normalidade a sua vida.
Ela cruzou os braços e se afastou para examiná-lo.
- Falando sério, Sedgecroft, alguma vez considerou a possibilidade de
se casar?
Ele franziu exageradamente o cenho.
- Falando sério, Jane, não.
- Por que não?
- Para que teria que me casar? - perguntou ele mansamente.
- Não se pode ser um libertino eternamente. Tendo suas obrigações.
- Mas sem dúvida posso tentar - replicou ele, mesmo que essa maldita
ideia o tivesse atormentado ultimamente. - Nos velhos tempos, meus
antepassados tiveram a sensatez de não submeter-se ao matrimônio até que
ficassem aleijados e tivessem estado a um cabelo de morrer no campo de
batalha, e não serviam para nada mais.
- Suas esposas devem ter estado fora de si de gratidão - disse ela,
sarcástica. - Que imensa honra cuidar de um Boscastle incapacitado.
O sorriso dele era diabólico. Ficou em silêncio um instante,
desconcertado ao perceber que já tinha revelado mais de si mesmo à Jane
do que jamais tinha revelado a nenhuma de suas amantes nem velhos
amigos.
- A finalidade, minha insolente dama, era engendrar outra geração de
Boscastle de má conduta quando já estavam esgotadas todas as demais
opções de aventura. Meus antepassados demonstraram ser muito capazes
de cumprir esse prazeroso dever até seu último fôlego no leito de morte.
- Sim? - perguntou ela, com uma vozinha débil.
- Sim, Jane - disse ele, encantado por sua reação. - E suas mulheres
nunca se queixaram. Cumpriam.
- Cumpriam?
- Seus deveres conjugais. Os quais...
- Não é preciso mais explicação.
Ele ficou em silêncio, pensando até onde poderia atrever-se a chegar e
por que gostava tanto de provocá-la.
- Perdoe. Pensei que poderia sentir curiosidade.
Ela sentiu subir um revelador rubor às faces. A ideia de engendrar um
herdeiro Boscastle fazia passar inexprimíveis imagens terrestres pela mente.
Como demônios chegou a isso a conversa?
- É provável que meu irmão nos esteja ouvindo - sussurrou, em tom
de advertência.
- Com toda sua atenção de cadáver.
Ela se agachou para dar uma boa sacudida em Simon. Grayson a
observou sorrindo enquanto ela tentava despertar seu irmão virtualmente a
golpes. Sob toda essa reserva tinha batido os dentes deliciosamente
penetrantes.
- Acorde, idiota - disse ela, severa. - Faça-se útil ao mundo.
Simon se moveu, abriu os olhos injetados de sangue e olhou ao redor,
desconfiado.
- Sedgecroft, Jane, e... e todas essas flores. - endireitou-se um pouco,
apoiado no cotovelo. - Morreu alguém? Foi...? Deus santo, acharam Nigel?
Não me diga que vamos a caminho a seu funeral.
Desgostosa, Jane observou sua roupa enrugada, enquanto ele
pestanejava, deslumbrado pela luz do sol.
- Não morreu ninguém, Simon - disse, com a voz mais clara possível. -
Está aqui para ser meu acompanhante , mesmo que esteja incapacitado para
fazê-lo.
Ele passou a mão por seu revolto cabelo castanho.
- Eu não falaria de aparências. Esse vestido é bastante revelador para...
-Se interrompeu ante o olhar de advertência que lhe dirigiu Grayson. -
Alguém soube algo de Nigel?
- Nenhuma sílaba - respondeu Grayson, com a mandíbula tensa pelo
aviso. - Continuo fazendo averiguações, é claro, mas parece que partiu de
Londres sem deixar rastro.
Simon exalou um suspiro.
- E aonde vamos, por certo?
- Ao café da manhã que oferece o duque de Wenderfield - respondeu
Grayson.
Jane se inclinou para tirar uma meia de seda branca do bolso do
colete.
- Bom Deus, Simon, onde esteve ontem à noite?
Ele encolheu os ombros, indeciso.
- Não me lembro. Nem sequer sei como cheguei aqui.
- Esteve em um baile de máscaras à meia-noite - disse Grayson irônico
estendendo a mão para ajudar Jane a levantar-se. - Seu cocheiro o encontrou
meio inconsciente entre uma monja e a criada de Cleópatra.
- Estávamos...?
Grayson o interrompeu limpando a garganta. O brilho travesso de
seus olhos dizia muitíssimo.
- Acredito que podemos terminar esta conversa em privado, Simon.
Jane atirou a meia no chão, enojada.
- E acredito que a resposta a essa pergunta é infelizmente óbvia.

***

Grayson não se incomodou em responder às saudações dos jovens


dandies que estavam reunidos na escadaria. A ávida curiosidade que viu
em seus olhos quando olharam para Jane o enfureceu. Um deles a tinha
reconhecido.
- Sedgecroft - disse ela, com a voz serena, mas que delatava confusão.
- Calma, Jane - disse ele em tom resistente. - Sorria mas não pare. Não
demorarão para captar a indireta.
Eles lhe gritavam, adotando posturas afetadas, como macacos
vestidos elegantes, brigando por uma migalha de sua atenção. Malditos,
pensou ele, sem revelar nada em seu olhar. Maldito seu descaramento, ao
atreverem-se a olhá-la como se de repente se convertera em uma mulher de
duvidosa reputação. Retesaram-lhe os músculos dos ombros aos dedos,
pelo feroz desejo de lhes apagar a murros suas expressões maliciosas.
- Disse - falou ela, olhando à frente.
Ele a olhou de esguelha. Apesar de sua voz trêmula, parecia
totalmente serena. Ele estava tão acostumado a desentender-se da opinião
pública que não lhe teria importado a notoriedade se tivesse estado com
qualquer outra mulher. A senhora Parks teria reagido alegremente a todo
esse alvoroço lhes fazendo um grosseiro gesto com um dedo.
- Poderia lhe fazer muitíssimo bem, Jane - sussurrou - se deixasse
deslizar sua reserva só uma vez.
- Não acredito que o mundo esteja preparado para o tipo de deslize
de que sou capaz - respondeu ela, enigmática.
Um dos dandies levantou seu monóculo para examiná-la, e o desceu
imediatamente ao ver o olhar letal que lhe dirigiu Grayson.
Considerou brevemente a possibilidade de agir, de arrastar o
insolente cachorrinho escadaria abaixo e dar um bom exemplo com ele. Mas
outro escândalo não faria nenhum bem à Jane, pelo que, pela primeira vez
desde que se lembrava, obrigou-se a engolir a raiva e considerar as
conseqüências de sua conduta.
Custar-lhe-ia, pensou, guiá-la no meio desses estreitos critérios da
aristocracia até pô-la a salvo. Teria que ficar em guarda para protegê-la dos
insultos e insinuações e propostas importunas. Isso já sabia quando se
ofereceu para ajudá-la.
O que não sabia era com que facilidade poderia levá-la ao mau
caminho.
- O que está pensando, Jane? - perguntou-lhe em voz baixa.
-Não lhe direi, Sedgecroft. Ficaria escandalizado.
- Eu não, querida. - Isso era ridículo, com a vida que levava ele. Como
se uma dama decente como Jane pudesse ter algo em seu passado. - Nada
que fizesse poderia me escandalizar.

Capítulo 8

Os donos da casa os acompanharam pelos jardins apresentando-os


aos distintos convidados estrangeiros que honravam a festa com sua
presença. Simon achou uma taça de champanha e se perdeu em meio da
multidão acompanhado por lady Damaris Hill, cujo sussurrado comentário
sobre uma meia perdida explicou o mistério da identidade da monja no
baile de máscaras.
A orquestra estava tocando sobre a erva ao lado de um pavilhão
clássico ao final do parque de grama em pendente. Tinham construído uma
plataforma que servia de pista de baile; vários jovens se dispersaram pela
parte leste do parque. Os vestidos de cores pastel das damas balançavam
como asas de mariposa enquanto passeavam de um lado a outro com seu
elegante andar.
- Tem fome? - perguntou Grayson à Jane, com a mão pousada sobre
seu ombro, de modo suave mas possessivo.
- Uma fome canina - respondeu ela, e ao cabo de um momento
acrescentou: - Embora tenha que ter nervos de aço para comer quando todo
mundo nos está olhando.
- Eu os esqueci.
- Como pode?
- Talvez porque não me importa - disse ele, muito convincente.
- Muito bem, então tampouco me importará.
Ele parou para olhá-la com um sorriso levemente malicioso.
- Sim que lhe importa. A todas as mulheres importa.
- Só a aquelas que andam procurando marido - suspirou ela.
- O que poderíamos estar fazendo.
- Não, estamos... - Mordeu a língua ao recordar como devia parecer. -
Não estou preparada para voltar para o mercado do matrimônio.
Não o estou agora e talvez não o estarei nunca, desejou acrescentar.
- Volte a montar, Jane - disse ele, sorrindo sem piedade. - Uma queda
do cavalo não faz uma solteirona.
Ela o teria beliscado por reduzir a essa simples frase as complicações
de sua vida.
- Eu gostaria que deixasse de comparar minha situação com a
atividade eqüestre.
Ele a olhou como pedindo desculpas.
- Me esqueço quão sensível está sobre esse tema.
- Sedgecroft! - exclamou uma voz feminina.
Essa exclamação, indicava que a mulher estava encantada de vê-lo,
impediu Jane de responder, mesmo porque não sabia o que responder a
esse comentário sem mentir descaradamente.
Os dois se viraram ao mesmo tempo e se acharam ante uma mulher
miúda com um vestido de seda marrom, sustentando graciosamente uma
taça de champanha na mão. Jane a contemplou surpresa, sem poder
acreditar que pudesse ser a senhora Audrey Watson, a popular cortesã e ex-
atriz cujos jantares intelectuais em que oferecia a tinham convertido em
uma celebridade entre as pessoas mundanas e os aristocratas. Segundo os
rumores, o duque de Wenderfield desejava fazê-la sua amante.
- Audrey - a saudou Grayson, afetuoso.
Talvez muito afetuoso, pensou Jane enquanto os dois se davam um
breve abraço.
- Sedgecroft, faz séculos que não... - Audrey se interrompeu e olhou
para Jane com um sorriso tão verdadeiramente amistoso que esta não pôde
deixar de abrandar-se. - A formosa filha de Belshire, a mais velha, não é? O
que faz ela com um homem como você, Sedgecroft? - perguntou, perplexa.
Grayson olhou para Jane com um olhar tão ardente que a fez
ruborizar-se até as pontas de seus cabelos. Se não soubesse a verdade, teria
acreditado que ele estava apaixonado por ela. Ah, era excelente nisso, o
muito demônio. Sentiu-se como se devesse aplaudir sua atuação.
Então ele a fez avançar um passo.
- Teve a honra de que a apresentassem, Audrey?
- Não - respondeu Audrey, olhando-a preocupada, sem a menor
dissimulação, sem esforçar-se para impressionar. Seu caráter espontâneo e
franco, sem fingimentos, tinha conquistado partidários leais, desde políticos
a poetas pouco reconhecidos, sua franqueza costumava ofender. - Mais,
minha querida senhora, tem que ser muito valente para sair tão cedo,
depois de ontem. E você, Sedgecroft, não perdeu nem um segundo em se
lançar ao ataque, não é?
Lançar-se ao ataque? Pensou Jane, divertida e indignada ao mesmo
tempo. Que maneira de expressar, reduzir sua relação com Sedgecroft a de
predador e presa.
- Na realidade - disse, quando se fez evidente que o dito descarado
não iria corrigir Audrey - lorde Sedgecroft só est...
- É um homem enfeitiçado - disse ele em voz baixa, tão cortês e seguro
de si mesmo como qualquer consumado predador.
Oooh. Que talento o do maldito, fazê-la formigar inteira com essa
escandalosa atuação, quando sabia muito bem que não deveria acreditar
nele.
Cravou-lhe as costas.
- Para ser sincera, nossa relação não tem por que convidar a pensar
nada. Nigel e Grayson são...
- Rivais - interrompeu ele, pegando sua mão e apertando-a com tanta
força que lhe fez ranger os dedos, até que ela o olhou indignada. - A perda
de um homem é o ganho de outro, não? Digamos simplesmente que
admirei em silencio Jane de longe. Não iria permitir que outro me
adiantasse.
Audrey bebeu um longo gole de seu champanha, olhando da jovem
de beleza clássica ao descarado pecaminosamente bonito que, observou,
tinha apertada fortemente a mão em seu possessivo punho.
- Faça o que quiser, Sedgecroft, mais... - iluminou-lhe o rosto - isto
significa que posso convidá-los juntos a um jantar.
- Ah, isso seria muito agradável, com certeza - respondeu ele.
Enquanto isso Jane estava pensando o que opinariam seus pais dessa
novidade. Sem dúvida sua mãe de critério amplo desaprovaria que sua
filha alternasse com mulheres mundanas. Ou talvez não. O plano tinha
dado um giro muito imprevisível. Já começava a pensar que tinha dado o
proverbial salto das chamas às brasas.
E Sedgecroft decididamente atiçava as vermelhas chamas do fogo do
inferno em sua alma.
- Acredito que vejo uma amiga minha nessa mesa - disse, tentando
soltar a mão. - Me desculpariam um momento?
Grayson lhe levantou a mão enluvada e lhe beijou as pontas dos
dedos, murmurando com voz de apaixonado:
- Só um momento muito curto?
Era uma representação. Isso sabia ela com o intelecto, mas todos seus
sentidos femininos reagiram ao sedutor timbre de sua voz.
- Sim - disse, confusa ao compreender que ele era muito consciente do
desconcertante efeito que produzia nela. - Mais só vou à mesa.
Ele a atraiu para si puxando as pontas dos dedos, até que ficaram
tocando os joelhos. Ela sentiu um pecaminoso revôo no profundo do ventre.
O que se propunha?
- Volte logo - disse ele, olhando-a nos olhos.
E então lhe soltou a mão. Expulsando o ar retido, ela se apressou a
virar sobre seus calcanhares, e pôs-se a andar no meio da multidão.
Grayson a observou afastar-se pensativo, só meio consciente de que
era observado pela mulher que estava a seu lado. Fazer o papel de
pretendente apaixonado era mais fácil do que tinha esperado. Só estar na
presença dela o fazia ansiar uma relação sexual desenfreada e lhe recordava
que não tinha uma amante há mais tempo de que queria reconhecer.
Talvez fosse sua inacessibilidade o que o desafiava, embora
suspeitasse que havia algo mais. Ela era inteligente, prática, sua igual na
conversa. Divertia-o com sua afetada dignidade, e estava seguro de que
nela havia profundidades que jamais se atrevera a revelar a ninguém.
Poderia desfrutar explorando essas profundidades se não fosse por sua
tarefa de inseri-la novamente e suavemente na alta sociedade.
Seu ardente olhar seguiu os movimentos de seu corpo ao afastar-se
pela cuidada erva em sua teimosa pressa por escapar. Sua maneira de
caminhar como um soldado não tirava de maneira nenhuma a atração do
meneio de seu arredondado traseiro debaixo de seu vestido de tule rosa.,
pensou, sentindo uma onda de excitação que lhe endureceu e abrasou o
corpo. Seria rosa e branco toda inteira. Rosas com nata. Tão doce para
desfrutá-la em um bocado. Mas não a devoraria de uma vez. Saborearia
com lentas e tenras dentadas...
Santo céu. Jane lhe alvoroçava os pensamentos fazendo-os correr um
após o outro em círculos. Sua intenção era lhe restabelecer a
respeitabilidade, não desonrá-la.
- É possível, Sedgecroft? - perguntou-lhe Audrey em voz baixa. - Está
você por trás desse escândalo no casamento de ontem?
Ele sorriu peralta, pensando o que podia responder. Esse era um
momento crucial, uma prova a sua capacidade para dissimular. Audrey o
conhecia há muito tempo. Não queria mentir, mas sabia que algo que lhe
dissesse nesse momento já correria por todo Londres essa noite.
- Sabe que não deve me perguntar isso. Reconheceria se estivesse por
trás?
- Este é um comportamento muito insólito. Acredito que estou
preocupada. Sabe que já a chamam lady Jane Plantão?
Ele sentiu uma onda de raiva.
- Não em minha cara.
- É a primeira vez que o vejo com uma mulher decente - continuou ela
em voz baixa caminhando a seu lado já que ele voltava a meter-se entre a
multidão. - Tome cuidado, Sedgecroft.
- Cuidado como o que? - perguntou ele, encolhendo os ombros
despreocupadamente, desviando o olhar dela para voltá-lo para Jane. - Sou
um homem de honra. Conhece alguma mulher que lamente uma relação
comigo?
Pôs-lhe a mão no pulso.
- É você que me preocupa. Pode ser que esse seu coração não seja fácil
de cativar, mas quando estiver cativado, suspeito que a perda poderia ser
fatal. Face ao que aconteceu ontem, ela é uma mulher feita para o
casamento.
- Essa maldita palavra outra vez. Sim, sei que está é para o casamento.
Franziu o cenho ao ver que uns quantos conhecidos seus se
agruparam ao redor da mesa de café da manhã para apresentar-se a Jane.
Uns pirralhos, pensou, depreciativo.
Virtualmente estavam chupando os dedos. E ela iria comer enquanto
todos estavam babando a seu redor?
- Ouça, teremos que deixar para mais tarde esta agradável conversa.
Os lobos estão se reunindo e ela não está em condições de defender-se.
Audrey se virou para olhar a que se referia ele.
- Esse lado possessivo seu é fascinante. Acredito que nunca o tinha
visto antes. Isso não quer dizer que...
Ele passou por seu lado, vexado. Não tinha prometido protegê-la?
- Não é o que pensa - disse e se afastou.
***

Audrey ficou olhando sua alta figura de ombros largos e o viu passar
por entre a fileira de amigos com sua habitual arrogância Boscastle. O
coração lhe deu um inquietante salto, mesmo que já fizesse tempo que se
resignara a uma relação platônica com o interessante marquês.
- Poderia não ser tampouco o que você pensa, querido - disse,
tristemente.

***

As mesas estavam dispostas sobre a grama na parte sudoeste do


parque, cobertas por toalhas de brocado e sobre elas jarras de limonada e
café, chá e chocolate sobre o aquecedor de pratos. Um dos amigos de
Sedgecroft tinha levado para Jane um prato com morangos e amêndoas
açucaradas.
Ela acabava de levar um morango à boca quando o viu abrindo
caminho como uma espada no meio dos convidados. Enroscou a língua
sobre a azeda fruta. Observou que as mulheres que a rodeavam
interrompiam suas conversas para olhá-lo. E não era de estranhar. Sua
masculina vitalidade arrojava um feitiço tão potente que era impossível não
senti-lo. Quem não se deixaria arrastar pelo redemoinho de sua pasmosa
atração? Era uma rajada de ar fresco que desafiava as rançosas censuras da
alta sociedade.
Seus amigos lhe deram tapinhas nas costas, olhando
significativamente dele para ela, como se esperassem uma apresentação
formal. E ele se negou a apresentá-los por motivos que ela não conseguiu
discernir. Já conhecia vários dos jovens, através de seu irmão. E Sedgecroft
os olhava zangado. E a ela. Que excelente ator. Que aborrecimento.
- Ah, está aí - lhe disse ele do outro lado da mesa, em voz alta e
possessiva, que não fez outra coisa que atrair a atenção. - Procurei-a por
toda parte. Não volte a me deixar sozinho.
Jane sentiu os olhares das pessoas, notou o silêncio ao interromper-se
todas as conversas. Não conseguiu tirar a voz; tinha ficado presa na
garganta ao engolir inteiro o morango. Sentiu subir a cor às faces. Não era
tão perita nisso como ele. Seu primeiro impulso foi esconder-se debaixo da
mesa.
- Bom, estava aqui. - O que ele já sabia. - Com seus amigos.
- Amigos? Meus amigos?
Olhou impassível aos quatro homens que estavam atrás dela. O
quarteto se afastou imediatamente, advertidos pelo tom de Grayson de que
se colocaram em território privado.
- Bom, quem o teria imaginado? - murmurou um deles. - A
abandonada por Nigel acompanhada por Sedgecroft?
- Talvez não foi um plantão, depois de tudo. Talvez Nigel não teve
nenhuma opção no assunto.
Os quatro pararam e se viraram para a mesa, com a mesma ambiciosa
idéia. É que a bela filha de Belshire estava a ponto de converter-se em uma
amante?
Quem poderia ter suposto que estaria disponível para esse delicioso
acerto? Ou a situação entranhava algo mais sério? Seu ídolo estava a ponto
de acorrentar-se?
Quando o malandro chegou a seu lado, Jane franziu os lábios.
- Isso foi uma atuação dramática bastante desnecessária a esta hora do
dia.
- Foi convincente, não é? - disse ele, sorrindo timidamente. - Perdoe-
me, mas tive a intuição de que necessitava que a salvasse.
- De comer algo no café da manhã?
Pegou seu cotovelo e com a outra mão pegou o prato.
- Não se aceitam as atenções de um cavalheiro sem endividar-se
-disse, com fingida severidade. - Tome o café da manhã hoje, cama amanhã.
- Vamos, Sedgecroft, francamente. Só uma mente como a sua poderia
fazer essa associação. Café da manhã e... esporte de cama.
- São compatíveis, acredite.
- Em seu mundo, talvez.
- Tão diferentes somos você e eu? - brincou ele.
- É claro.
- Bom, não permita Deus que eu te corrompa.
- Não acredito que seja tão corrupto.
De repente ele levantou os olhos e os estreitou. Algo que havia atrás
tinha captado sua atenção.
- Não? - perguntou distraído. - Isso significa que há esperanças para
mim?
Ela olhou para trás. Não conseguiu ver o que ou a quem tinha olhado
ele com tanta atenção. A outra mulher?
- Eu não contaria com isso - disse.
- Sei como pensam os homens - disse ele em voz baixa, em tom
presunçoso - em especial esses homens.
- Esses homens - sussurrou ela, tentando agarrar outro morango antes
que ele devolvesse o prato à mesa - são de sua classe e têm um histórico
similar. Admiram-no, emulam-no.
Ele a afastou da mesa para o atalho principal, e passado um momento
começou a descer por uma suave ladeira toda coberta de camomila.
- Justamente por isso sei como pensam - disse, retornando o fio da
conversa. - E por isso me preocupei com você.
- Isso não fala muito bem de seu caráter.
- Não, não é? - Repentinamente começou a rir; achava muito
agradável, embora também bastante difícil discutir com ela. - Talvez
devesse ter deixado que viesse com o vestido cinza.
- Tentei adverti-la.
Continuaram caminhando em silêncio um momento. Jane não soube
como conseguiu ele para lhe deslizar a mão pelas costas e deixá-la à altura
da cintura, onde a sentia de forma possessiva; a pressão de seus dedos fazia
descer estremecimentos por toda a coluna. Tampouco sabia para onde iam.
A única coisa que sabia era que ele parecia preocupado e que ela estava
desfrutando mais do que deveria.
- Acho que desejo que me leve de volta ao circo social o mais breve
possível.
- Sim, mas não ao fosso dos gladiadores. E não sozinha. Fizeram-lhe
alguma pergunta pessoal?
Ela parou para olhá-lo. Já começava a falar muito parecido a seus
pais.
- Na realidade, sim.
- O que, por exemplo?
- Por exemplo, se preferia café ou chocolate.
Cansaram-lhe os olhos de risada.
- E o que respondeu?
- Que nem o um nem o outro.
- Uma mulher misteriosa - disse ele fingindo um suspiro de decepção.
Eles interpretarão isso como um convite à intimidade.
- Disse-lhes que eu gostava de chá - replicou ela asperamente. - Não
vejo como se poderia interpretar isso como um convite a nada, e muito
menos a um ato íntimo.
- A um homem em busca de presa, só a insinuação dê um sorriso nos
lábios de uma mulher basta para inspirá-lo -disse ele, em tom autoritário. -
Acredite. Essa realidade está tão firmemente estabelecida como qualquer
principio científico.
- Meus lábios estavam ocupados em comer, Sedgecroft, até que você
me confiscou o prato em meu próprio nariz. Por casualidade tenho fome.
Ele riu e voltou a lhe agarrar o braço para que continuassem
avançando pela ladeira.
- Alguém lhe disse que sua franqueza a meterá em dificuldades algum
dia?
Rugiu-lhe o estômago, e virou a cabeça para olhar nostálgica as mesas
de café da manhã.
- Só minha mãe, pelo menos dez vezes na semana durante toda minha
vida. Aonde vamos? As pessoas vão falar de nós.
- Estou seguro de que causou uma impressão favorável, Jane.
- Eu não. Disse-lhe que era muito cedo para fazer ato de presença.
Com Nigel nunca provocamos este tipo de cena em público.
- Não, até ontem. - parou para olhá-la, percebendo que acabava de
dizer; fazer-lhe brincadeiras era uma coisa, ser cruel, outra muito diferente.
- Não quis dizer o que pareceu.
- Bom, mas é verdade - disse ela, sentindo uma pontada de culpa.
Desconcertava-a que a tratasse como a uma frágil figura de porcelana;
tomara o merecese. - Tenho certa fortaleza interior, Sedgecroft.
- A única coisa que queria dizer é que a alta sociedade se fixou em nós
-disse ele, com mais cautela. - Esse era nosso primeiro objetivo. Me dê o
braço outra vez.
Por que não se negou? Pensou ela, desgostosa. Se ele fosse um capitão
pirata que lhe ordenasse caminhar pela tábua e jogar-se na água, quase
certo que o obedeceria. A verdade era que se sentia feliz de aferrar-se a seu
musculoso antebraço, fosse qual fosse o desastre que se abatesse mais à
frente. Talvez por isso seus pais lhe tinham aconselhado que se casasse com
Nigel. Para protegê-la de si mesma.
- Sedgecroft, não darei nem um só passo mais. Este pavilhão é famoso
pela quantidade de mulheres seduzidas aqui.
Ele continuou fazendo-a avançar, como um homem exposto a uma
missão se é que ela tinha visto um.
- Isso sei muito bem.
Ela pestanejou.
- Então sabe que não vou entrar.
Ele virou a cabeça e lhe cravou o olhar, com um imperioso cenho.
- Deixa de perder tempo, Jane. Preciso de você. Venha aqui
imediatamente.
- Perdão, o que disse?
- Se não me enganaram meus olhos, minha irmã Chloe acaba de
desaparecer no pavilhão com um jovem oficial de cavalaria que é muito
atrevido para seu bem. Talvez precise de você para que me impeça de
cometer um ato de violência.
- Tem certeza de que era Chloe?
- Não.
Não, porque estava tão ocupado tentando pôr Jane a salvo dos
famintos lobos que não pôde prestar muita atenção a outra coisa. Não,
porque Chloe não tinha por que estar aí nesse dia, e se tinha entrado no
pavilhão, tinha desobedecido descaradamente suas ordens.
- Não estou certo de que seja ela - disse, notando o tom de terror em
sua voz. - Mas não quero correr nenhum risco.
Jane contemplou o pavilhão de tijolos vermelhos com seus quatro
esbeltos torreões brancos que se erguiam ao céu em comemoração a um
castelo de contos de fadas de antigamente.
- Contam que os corredores secretos deste pavilhão oferecem ao
duque lugares perfeitos para estar com suas convidadas mais amorosas.
- Sim, Jane - respondeu ele, em um tom levemente altivo, paternalista.
- Duvido que Chloe tenha entrado para admirar os bancos esculpidos em
pedra.
- Espera um momento - disse ela, olhando-o com clara desconfiança. -
Pensei ouvi-lo dizer que a tinha deixado encerrada com chave em seu
quarto.
- Um aposento com chave não é nenhum obstáculo para um Boscastle
- disse ele, pesaroso, no instante em que acabava a fragrante erva e
começava um largo caminho ladrilhado. - É um desafio, um degrau para a
aventura imprudente.
- Sempre me pareceu uma garota muito sensata - disse ela,
balançando a cabeça. - Eu gostei muito dela aquela vez que nos
encontramos no orfanato.
- Sensata? - grunhiu ele. - Nunca se sabe o que se esconde sob a
superfície.
Jane mordeu o interior da face. Não se atreveu a olhar esses
perspicazes olhos azuis, depois do segredo que lhe ocultava.
- Mmm, não. Suponho que não.
- Esse é um dos motivos que eu gosto de você, Jane. É uma mulher
muito franca e sensata.
Ai, Deus. Se ele soubesse o sinuosa, insensata que tinha demonstrado
ser nesses dois últimos dias.
- Tomara pudesse exercer certa influência em Chloe - acrescentou ele.
- Estou certa de que é sensata em seu coração - murmurou ela,
mordendo o lábio inferior.
- Isso o diz por que você é sensata.
- Deixa de me fazer parecer um modelo de virtudes. - Gritaria se ele
continuasse lhe acumulando elogios sobre a cabeça. - Me envergonha.
- Isso é justamente o que quero dizer - disse ele, assentindo
aprovador. - Não recordo ter visto essa sinceridade em uma mulher, e
acontece que valorizo a sinceridade - continuou, como se ainda não lhe
tivesse brocado o coração; seu mentiroso e pérfido coração.
- Não sabia que a sinceridade fosse uma qualidade que um homem
como você admirasse no sexo oposto - disse, com uma voz débil.
- Bom, entre outras coisas - disse ele, e os dois souberam que outras
coisas valorizava pelo sorriso malicioso que passou por seu rosto. - Talvez
pudesse ser um exemplo para minha irmã.
- Não acredito que isso seja conveniente.
- Não tem nenhuma mulher a quem buscar, sabe? Desde que nossa
Emma partiu para Escócia, não tem ninguém. Temo que eu não lhe dei
muito bom exemplo no que a moralidade se refere.
- Mmm. - Não havia nada que discutir a isso.
- Simplesmente não posso deixar que a dinastia familiar se estrague
-continuou ele, consciente de que voltava a confiar nela. - O problema é que
achava que ficavam uns quantos anos mais de liberdade antes de me
estabelecer.
- Que crueldade que deva pôr fim a sua vida de pecado.
Ele riu e ela sentiu deslizar deliciosamente por sua pele o rouco som
de sua risada.
- Sim, não é verdade?
Até eles chegava fracamente a música que estava tocando a orquestra
na parte alta do parque. Uma fileira de salgueiros dava sombra ao caminho
e ocultava essa parte da vista. Um par de toninhas de mármore ladeava a
entrada do pavilhão, com jorros de água que ao cair em arco se esfumavam
convertendo-se em garoa muito fina.
Grayson olhou ao redor. Já não via nenhum dos convidados da festa.
Além disso, o duque mantinha uma multidão de criados indo e vindo por
fora para dar uma aparência de decoro ao lugar.
- Disseram-me que o chamam Pavilhão do Prazer - murmurou Jane-.
Sempre me perguntei como seria.
- Bom, já pode deixar de perguntar - respondeu ele, e sem nenhuma
cerimônia a fez entrar no interior em sombras. - Já está. Acredito que não
nos viu ninguém.
- Sedgecroft, acredito que não...
- Vigie onde põe os pés - disse ele, e sua voz pareceu propagar-se pela
desorientadora penumbra. - O chão está molhado e o interior escuro como o
mundo de além túmulo.
O mundo de além túmulo, pensou ela, estremecendo ligeiramente,
sentindo-se mais ou menos como Perséfone quando seguiu a seu escuro
senhor aos infernos. Como tinha acontecido tudo isso? Só no dia anterior
estava contemplando sua liberdade arduamente ganha e agora, quem podia
saber os giros que continha o futuro? De que maneira poderia frustrar esse
plano dele sem delatar-se? - Observo que esteve aqui antes -comentou,
sarcástica.
- Só quando acabaram o pavilhão e o duque nos fez um percurso.
- Nós?
- A meu pai e a mim. - virou-se para ela e seu formoso rosto ocupou
todo seu campo de visão. - Bom Deus, Jane, eu tinha pouco mais de três
anos.
- Seriamente?
Ele tossiu.
- Bom, talvez treze.
- Isso imaginei. O que poderia haver-se apoderado de sua irmã para
vir aqui hoje?
- Ver o que acontece a você.
- Talvez tivesse dor de cabeça e necessitasse de um momento de paz.
Ele respondeu à sugestão com um grunhido bastante insultante.
- Só um idiota acreditaria nisso. Agora, silêncio, Jane. Vem alguém.
Dito isso inclinou distraidamente a cabeça para saudar o cavalheiro e
a dama que acabavam de sair de um estreito corredor. Os dois pareceram
surpreendidos e com aspecto de sentir-se culpados por terem sido
descobertos.
- Simon! -exclamou Jane, horrorizada, parando bruscamente.
- Jane - gaguejou ele, arregalando os olhos ao reconhecê-la. - O que faz
aqui?
- Isto...
- Tem dor de cabeça e necessita um momento de paz - respondeu
Grayson, muito sério.
- Ah, bom - disse Simon, sem ver a expressão indignada de sua irmã. -
Este pavilhão sempre me acalma as dores de cabeça. Experimenta molhar
os pés no Lago das Pléyades. Eu os esperarei fora, não é?
- Fabulosa ideia - disse Grayson, olhando para Jane de esguelha. - nos
espere ao final do atalho.
- Bom, até aqui chegamos com minha acompanhante - comentou Jane,
brincalhona, depois que Simon deu um amistoso tapinha a Grayson no
braço e se afastou com a risonha lady Damaris Hill na outra direção.
- Pelo menos parecerá que estávamos todos juntos aqui - disse
Grayson, agitando a cabeça. Fez um gesto para o escuro corredor que se
abria do lado direito. - Ah, esse parece ser um lugar idôneo para uns
momentos de paixão, não é?
- Pois não saberia dizê-lo.
- Não? - brincou ele.
Em seguida começou a caminhar por outro estreito corredor e ela
seguiu sua alta figura, carrancuda. Inesperadamente o corredor deu lugar a
um espaço em que havia uma série de borbulhantes lagos em forma de
concha.
Ele se voltou para ela e olhou atentamente para seu rosto um bom
tempo.
- O que está pensando, Jane? - perguntou-lhe com voz grave,
irresistível.
Ela suspirou. A umidade do lugar deve ter subido à cabeça porque
antes de perceber, disse:
- Nenhum jovem me trouxe jamais a um lugar como este. Jamais.
Ele esboçou seu sorriso preguiçoso e a olhou nos olhos.
- Não acredito. Um ou dois devem ter tentado.
Ela sentiu arder o rosto. Tinha o vestido úmido e grudado ao corpo
pelo vapor da água. O calor do rubor foi se estendendo por toda a pele.
- Não, de verdade, ninguém tentou nunca.
- Então me permita que eu o faça - disse ele, lhe estendendo a mão,
todo seu potente corpo envolvido pelo vapor. - Venha aqui.
Essa imperiosa ordem lhe acelerou o coração. Surpreendeu a si
mesma aproximando-se dele, obedecendo a sua aveludada voz.
- O que quer? - sussurrou, com o fôlego retido.
- Complementar sua educação. -Inclinou a cabeça para a dela e seu
cabelo loiro lhe roçou a face. - Dado que há deficiências evidentes, tomarei
um momento para que viva a experiência que lhe faltou.
- Que cavalheiresco.
- Não é necessário que me agradeça - disse ele, olhando-a com os
olhos brilhantes como chamas.
Ela sentiu arder-se até os ossos com o calor de seu olhar.
- Isto não é... prudente.
Deslizou-lhe o indicador pelo contorno da mandíbula, lhe
produzindo vibrações na pele.
- Há um tempo para ser prudentes e um tempo para ser imprudentes.
Qual acha que é agora?
Seus olhos azuis de pálpebras entreabertas a enfraqueciam,
aceleravam-lhe o coração.
- Acredito que...
Nos olhos dele ardeu uma chama de desejo e ela não pôde desviar o
olhar. Sua sedosa voz a adormecia.
- Seja um pouquinho imprudente, Jane, só por uma vez. Só por um
momento.
Pegou-a em seus braços, toda trêmula, e desceu o rosto para o seu.
Antes que sua firme boca a tocasse sequer, sentiu-se totalmente
desorientada, como se estivesse virando como um pião. Ele desceu mais a
cabeça e ela sentiu a carícia de seu fôlego no pescoço. O fogo do inferno,
pensou vagamente, arqueando as costas. São as chamas do tentador e eu
vou entrando bem disposta em seu centro de calor branco.
Percorreu-lhe os lábios com a língua, com uma delicadeza tão sensual
que lhe enroscaram os dedos dos pés dentro dos sapatos de seda. Então lhe
pegou suavemente o lábio inferior com os dentes e quase lhe dobraram as
pernas. Sentiu um estremecimento de desejo no fundo dela. Ele introduziu
a língua em sua boca e a ela lhe escapou um gemido de prazer. Através da
camisa de linho sentia os fortes batimentos de seu coração, semelhantes aos
seus. O calor de seu duro corpo lhe acendeu uma chama no ventre, que se
foi estendendo em ardentes círculos.
Assim isso era o que fazia com que Nigel e sua preceptora
desafiassem o mundo. Isso era o que convertia mulheres sensatas em
insensatas e imprudentes.
- Bom - murmurou ele, com a voz rouca e sedutora. - Não tinha ideia
de quão boa é para a imprudência.
- Como se eu estivesse no comando, demônio.
Ele riu sem poder evitar, e a estreitou com mais força, aumentando a
pressão de suas mãos ao redor dela. Muito esperta para seu bem, pensou.
Ou para o bem dele. Ela nunca acreditaria que ele não tinha tido a intenção
de fazer isso.
- Diga e pararei - lhe sussurrou ao ouvido.
- Não, ainda não.
- Ainda não? - brincou ele, atormentando-a. - Minha escrupulosa
pombinha alberga paixão em alguma parte? Mostre-me Jane. Conte-me
seus segredos.
Voltou a beijá-la e, gemendo de prazer, a fez retroceder até deixar as
costas apoiada na parede, esmagando seus pulsos na parede com os
antebraços. Sua boca era doce, gosto de morangos. Sua pele ardia com o
calor sensual de uma mulher excitada, e de repente se surpreendeu
pensando quando, se alguma vez, viu-se obrigado a refrear tanto o libertino
que havia nele, que maquinava seduções, que ansiava liberar a tensão
sexual que lhe enroscava por todo o corpo. Surpreendia-o o intenso e
doloroso desejo que lhe provocava.
Essa situação era vergonhosa. Sua intenção era lhe restabelecer a
reputação e lhe roubava beijos às escondidas. Grande herói era. Mas...
Mas o fazia sentir algo. Não tinha muito claro o que. Emaranhava-lhe
os sentidos. Fazia-o impossível conter-se.
- Desejo devorá-la - lhe sussurrou.
- Sim, Sedgecroft? - murmurou ela, apertando os ombros à parede,
para afirmar-se, para combater a sensação de ir caindo em um vazio negro,
ardente.
- Estou perdido - disse ele com a boca junto à sua. - Salve-me, Jane.
- Salvá-lo? - sussurrou ela.
Sentiu mover-se brilhantes arcos de cor atrás dos olhos; suspirou
quando o fôlego dele lhe produziu vibrações de desejo ao longo da
clavícula e logo seguiu pela elevação de seus seios por cima do decote, até
que seus rosados mamilos se endureceram e esticaram o fino tule. Olhou
sua cabeça. Ele levantou lentamente o rosto e a olhou nos olhos, olhos
nublados pelo desejo.
- Sou eu a quem necessitam que salvem - disse então ela, suspirando. -
Me sinto...
- Melhor que tudo o que acariciei em minha vida. Querida Jane, não
duvide nunca, nem por um momento, de que é desejável.
Ela escrutinou seu formoso rosto, o rosto que provocava sua queda,
fascinada. Esses olhos azuis a escrutinavam com descarada sensualidade.
Azul, a cor do céu de meia-noite, a cor do pecado.
- Feche os olhos - murmurou ele, peralta, lhe esfregando o molhado
lábio inferior com o indicador.
Ela os fechou, e ele voltou a beijá-la na boca, absorvendo avidamente
seu suspiro de excitação, seduzindo com a língua todo seu corpo, até o
último fôlego.
Sentiu passar por toda ela a excitação e o despertar sensual, em
vibrantes ondas. Suas a pernas enfraqueceram e lhe dobraram os joelhos,
que estavam presos e seguros pelas pernas dele, duras como o ferro.
Combateu o desejo de apertar todo o corpo ao dele. Arqueou ligeiramente
as costas.
Grayson não pôde evitar reagir a isso, mesmo que percebesse que ela
estava em dificuldades. Investiu com os quadris, em um movimento
instintivo. Em sua mente, já estava dentro dela. Sentiu o involuntário
estremecimento que desceu pela coluna dela. Em seu duro peito sentia a
pressão de seus seios ao mover-se com sua agitada respiração. Desceu as
mãos pelas incitantes curvas de seu corpo, seguindo os contornos de suas
costelas, pressionando, apalpando, esculpindo esse corpo maduro que o
tentava sem piedade. Desejou lhe arrancar o vestido com os dentes.
Não achava que houvesse muitas jovens capazes de converter um
beijo furtivo em uma crise de autodomínio. Na realidade não poderia
nomear nem a uma sozinha.
E não era que outras damas não se entregassem ao prazer atrás de
portas fechadas. Mas Jane contribuía com uma atraente novidade e frescor
ao proibido.
- Sedgecroft - disse ela, fazendo uma profunda inspiração.
Ele se afastou ligeiramente, exalando um suspiro de autêntico desejo
em seus cabelos.
- Sim?
- O que estamos fazendo? - perguntou ela, com a voz trêmula.
Sua primeira finalidade, disse a si mesmo, tinha sido fazê-la sentir-se
uma mulher desejável, lhe demonstrar que a rejeição de Nigel não fazia
com que deixasse de ser atraente para um homem.
E o tinha conseguido até um extremo humilhante. Ardia-lhe o corpo
de desejo; fervia-lhe o sangue nas veias de um desejo tão intenso que não
recordava haver sentido nunca antes. Seria possível, pensou, que a dama
albergasse um pouco de boa travessa picardia debaixo de sua carapaça de
decoro? Não. Descartou essa sugestiva consideração. Os motivos mais
negros eram próprios de homens como ele e suas mundanas amantes, não
de jovens de pele rosada com nata de impecável criação. Uma lástima, para
os dois.
- Acredito que ouço vozes acima - sussurrou ela. - Escute.
Esse sussurro rompeu o feitiço.
Inclinou a cabeça e franziu o cenho, aborrecido consigo mesmo. Céu
santo, em seu ataque de luxúria se esqueceu completamente de Chloe.
- Tem razão, e uma dessas vozes parece ser a de minha irmã.
Jane alisou e arrumou o enrugado vestido, sentindo-se arder por toda
parte. Não estava bastante serena e composta para apresentar-se ante
ninguém. Jamais em sua vida havia sentido essas tempestuosas emoções.
Necessitava tempo para recuperar-se.
- Vamos nos apressar - disse ele, lhe agarrando a mão, já recuperada
sua habitual arrogância. - Este é um momento muito importante.
- Não a ouço gritar pedindo auxílio - sussurrou ela, aborrecida.
- Por isso é muito importante - respondeu ele, levando-a quase a
rastros pelo corredor em direção a uma estreita escada iluminada por
tochas. - O silêncio indica submissão.
- Terei presente isso no futuro.
Ele virou a cabeça e olhou o rosto oval ruborizado. Duvidava que ela
tivesse uma idéia do muito que tinha desejado possuí-la.
- Isso não foi uma crítica a sua conduta. Nós dois sabemos que é
bastante sensata para decidir quando parar.
- Sou? - balbuciou ela.
Nesse momento chegavam ao último degrau e se acharam ante uma
acolhedora saleta de teto elevado, tão pequena que só continha um banco
em forma de divã e...
Ali estava sentado um jovem com casaca militar azul e botas
hessianas, e a seu lado uma conhecida jovem de cabelo negro azeviche, com
a cabeça apoiada em seu ombro.
- Perdão, interrompemos algo? - disse Grayson, com uma voz
tranqüila, controlada, que ficou vibrando no silêncio.
O oficial se levantou de um salto e ficou olhando, com o rosto sombrio
de medo, a alta e imponente figura que parecia gigantesca ante ele.
- Milorde, me permita que explique.
- Acredito que entendo muito bem o que estava acontecendo -
respondeu Grayson, afastando com uma mão o apavorado tenente como se
fosse uma mosca. Seus olhos azuis brilhavam de fúria. - Falava com minha
endemoniada irmã.
Chloe se levantou graciosamente e o rosto foi se cobrindo de rubor ao
ver Jane atrás de seu irmão.
- O que faz aqui, Grayson?
- O que faz você aqui?
- Poderíamos falar disto depois? - propôs ela, em um tom que
revelava arrependimento e rebeldia.
O oficial deu um passo para interpor-se entre eles. Justo antes que
Grayson girasse para ele, Chloe lhe fez um dissimulado gesto indicando o
divã, dizendo:
- Deixe comigo, William.
- Não quero que a castiguem - disse ele, torpemente, sentando-se, e
engoliu saliva ao ver que Grayson dava um passo para ele.
Jane passou junto à rígida figura de Grayson e se sentou ao lado do
oficial.
- Não lhe diga nenhuma só palavra mais - lhe aconselhou em um
sussurro.
Esse lado de Sedgecroft era muito diferente do que tinha visto nele.
Ah, que gênio tinha.
- Mais é que eu desejo me casar com ela - disse o oficial, retorcendo
seu colete entre as mãos. - Quero lhe pedir sua permissão.
Jane não pôde deixar de sorrir ante essa romântica coragem. O grande
idiota não tinha a menor possibilidade ante a indignação de Grayson.
- Quanto tempo faz que se conhecem? - perguntou-lhe em voz baixa.
- Alguns dias - respondeu ele, olhando para Chloe com angustiosa
adoração - Nunca em minha vida estive tão apaixonado. Entende o que
quero dizer?
- Bom - Jane desviou os olhos para o marquês, sentindo o corpo ainda
quente pelo contato com seu muito musculoso corpo. Entendia? -
Perguntou-se, sentindo preso o ar na garganta. Seria possível que uma
pessoa entregasse o coração sem sequer saber? Teria algum controle sobre
isso a pessoa, ou simplesmente acontecia?
Grayson e Chloe estavam encetados em uma acalorada discussão, os
dois com suas emoções a flor da pele. Grayson a ameaçou enviá-la para
viver com uns tios no campo se não controlasse seu comportamento.
- Você também poderia partir. Não posso dizer que esteja vivendo
tendo dia e noite seu fôlego no pescoço.
Jane não soube decidir a qual dos dois defender, nem se atreveria a
intervir. Grayson era francamente eficiente em sua fúria protetora,
passeando ao redor de sua irmã ao mesmo tempo em que a exortava.
E Chloe era ou muito valente ou muito idiota ao enfrentá-lo. Ele
parecia muito capaz de cumprir sua ameaça.
Aproximou a cabeça ao jovem tenente e lhe sussurrou:
- Eu em seu lugar sairia sigilosamente daqui enquanto ainda tem
tempo. Parece que está terrivelmente zangado.
O jovem contemplou os largos ombros de Grayson e seu rosto furioso,
e aparentemente reconsiderou sua situação.
- Acredita que Chloe compreenderá?
A opinião de Jane era que Chloe estava tão confusa que nem sequer
sabia o que pensava ou queria.
- Acredito que ela pode levar melhor isto sozinha - disse
amavelmente. - Também acredito que não desejaria vê-lo morto por... por
um momento de imprudência.
O jovem se levantou, calculando qual seria o lado mais seguro para
passar junto aos irmãos.
- Seguirei seu conselho então - disse, e a olhou como se a visse pela
primeira vez. - Que estranho é achar a uma mulher como você, formosa e
sensata ao mesmo tempo. Posso me atrever a esperar que apresentará
minhas desculpas a lady Chloe?
- Vá - sussurrou-lhe Jane - O marquês o dobra em tamanho.
E é dez vezes mais imponente, pensou.
Sem necessitar mais advertências, ele desapareceu pela escada. E
muito a tempo, por certo. Grayson tinha terminado sua furiosa diatribe;
Chloe estava de frente à parede, com seus brancos braços cruzados sobre o
peito e seus olhos azuis brilhantes de lágrimas de humilhação contidas.
Que o jovem oficial se apaixonara tão impulsivamente por Chloe não
surpreendia a Jane absolutamente. Aparentemente, todos os Boscastle
viviam com paixão cada momento de suas vidas, e era evidente que
estimulavam a fazer o mesmo a aqueles que cruzavam em seu caminho.
Uma família muito apaixonada, pensou, olhando para Grayson
avaliadora. O furioso olhar dele se encontrou com o seu, e o coração lhe deu
um salto ao ver as fortes emoções que expressavam seus olhos. Não se
atreveu a dizer nenhuma palavra, por medo dele explodir.
Bom, podia lhe criticar muitas coisas, mas teria que elogiá-lo por
tentar proteger a sua irmã, mesmo que tivesse passado um pouco dos
limites. Talvez sua paixão pela vida se transbordava sobre outros aspectos
de seu caráter.
- E o que foi feito de nosso don Juan? - perguntou ele, olhando o
espaço desocupado ao lado doe Jane no divã. Parecia decepcionado por não
ter a ninguém a quem assassinar.
- Lembrou-se que tinha uma entrevista - respondeu ela
tranqüilamente.
- Bom, melhor para ele, porque sua próxima entrevista teria sido com
o encarregado da funerária.
Jane limpou a garganta.
- Acalme-se, milorde. Já partiu.
Então Chloe se virou e seus chorosos olhos se fixaram em Jane.
- E o que faz ela aqui, por certo, depois de ontem? Vamos, Grayson,
não me diga que a escolheu para convertê-la em sua próxima vítima. Isso é
tão típico de você que não o suporto.
Jane se levantou, certa de que tinha o rosto de todos os matizes de
vermelho.
- Há uma explicação muito lógica.
- Que não daremos a ela - disse Grayson, em tom abrupto. - O fato é
que me desobedeceu, Chloe, e demonstrou uma absoluta falta de juízo com
seu comportamento de ontem à noite como de hoje. A nenhuma mulher
decente surpreenderiam neste pavilhão com um homem.
Jane abriu a boca assombrada. Tinha ouvido mal o muito descarado?
- Vá procurar a um empregado e lhe diga para trazer a carruagem,
Chloe - continuou ele, em tom severo, com as mãos em seus magros
quadris. - Já teve sua aventura do mês.
Chloe passou por seu lado e parou para olhar Jane compassiva.
- Eu em seu lugar fugiria dele e não olharia atrás.
- Esta dama só está aqui para proteger sua virtude - disse ele com voz
acerada. - Não lhe ocorra voltar a insultá-la.
- Bom, é que é verdade, Grayson - replicou Chloe, levantando os
ombros. - Jane é uma jovem decente e não tem idéia no que se converterá
quando você dizer...
- Basta, Chloe - interrompeu ele, com os olhos ardentes como brasas.
- É verdade - insistiu ela, obstinada.
Jane balançou a cabeça de lado a lado, penalizada pelos dois, e disse,
olhando para o chão:
- Chega disso, por favor, os dois. Estão muito zangados para falar de
maneira racional.
- Fuja dele, Jane - sussurrou Chloe, limpando a face com o dorso de
sua mão enluvada.
Escureceu-se o rosto dele. Jane teve a impressão de que estava tão
magoado como sua irmã mas não sabia o que fazer. Um par de
temperamentos titânicos.
- Desta vez me levou ao limite - resmungou ele.
- Sinto muito, Jane - murmurou Chloe, lhe tocando a mão. - Lamento
tê-la insultado, mas lamento mais ainda que tenha caído nas garras de meu
irmão.
- Chloe! - rugiu ele.
Ela passou a toda pressa a seu lado e desapareceu na estreita escada, e
seus passos ressoaram nas paredes de pedra do pavilhão. Grayson ficou
olhando o vazio da escada por onde tinha desaparecido, com uma
expressão tão desconcertada que Jane teria sentido lástima se ele soubesse
levar melhor a situação.

Capítulo 9

Grayson passou a mão pelo cabelo, com expressão confusa, e algo


tímida, considerando o resultado do enfrentamento.
- Bom, Ah, que cena - disse, tentando brincar. - Não percebem as
jovens quanto custa mantê-las afastadas dos problemas?
- Tanto como custa a homens como você nos trazer aqui?
Ele franziu o cenho.
- E o que quer dizer com isso?
- Nada. Nada absolutamente.
Ele entrecerrou os olhos, desconfiado.
- Defende essa diabinha?
Ela mordeu o lábio, ansiando lhe dizer que se comportava como um
valentão.
- Não sei - disse por fim.
- Defende-a - disse ele, absolutamente atônito. - Não é verdade?
- De acordo, suponho que sim - respondeu ela, também olhando-o
carrancuda.
Ele parecia verdadeiramente perplexo.
- Por quê?
Ela passou a seu lado e começou a descer a escada. Adulava-a que lhe
importasse sua opinião, mesmo que fosse a pior pessoa do mundo para lhe
pedir uma opinião sincera.
- Foi muito duro com Chloe, não acha? - disse, parando para olhá-lo
por cima do ombro. - Toda essa tolice de que eu estava aqui só para
proteger sua virtude e sua ameaça de enviá-la fora da cidade. Assustou-nos
de morte aos três.
Ela seguiu seu enorme corpo quente e agradavelmente amedrontador
na penumbra. Estava zangado com ela também, compreendeu Jane, embora
tivesse dominado muito a raiva.
- Me perdoe Jane - lhe disse friamente - por tentar proteger a minha
irmã de atraí-la a desonra.
- Continuo pensando que poderia ter levado o assunto com um pouco
mais de tato - respondeu ela.
Estava resolvida a manter-se em sua opinião, por escorregadio que
fosse o terreno que pisava. Mas então vacilou, comovida pela expressão de
confusão que viu em seus olhos. Pode-se culpar a um homem por tentar ser
pai e mãe de seus irmãos e fracassar infelizmente na tarefa?
- Estou preocupado com Chloe - disse ele então. - Éramos os melhores
amigos do mundo antes da morte de nosso pai, e após isso tenho a
impressão de que nem sequer a conheço.
- Talvez ela sente o mesmo.
- O que quer dizer?
- Talvez ela tampouco a entende, Grayson. Talvez devesse lhe dar um
pouco mais de liberdade.
Um cenho escureceu suas angulosas feições.
- Jane, acho que é você quem não entende. - Pegou-lhe o queixo e
levantou seu rosto para o seu, lhe acariciando por debaixo com o polegar. -
Teriam surpreendido você sentada em um sofá beijando um homem a
quem mal conhece?
Sua carícia lhe fez descer um ardente estremecimento até os dedos
dos pés. Fez uma lenta inspiração.
- Até ontem, poderia ter respondido essa pergunta com muita
convicção - respondeu. - Sedgecroft, que hipócrita é.
Ele piscou, totalmente desconcertado.
- Sou um hipócrita?
- Sim!
- Não sou - disse ele, sobressaltado e divertido ao mesmo tempo.
- Ah, não? O que acha que estávamos fazendo há uns minutos? Ou a
conduta imprudente é tão normal para você que nem sequer percebe?
Ele desceu seu belo rosto para o dela.
- Não esqueci. Acredito que você tampouco. Foi algo, não?
- Teria a bondade de não se desviar do assunto? Isso é uma regra
muito importante da conversa.
Ele curvou as comissuras da boca, nesse sorriso que tinha feito
fraquejar os joelhos de mulheres muito mais fortes que ela.
Retirou-lhe a mão do queixo, mas sua sensual boca continuou a só
uns dedos da sua. Seu magnetismo a distraía.
- Não era beijar o assunto?
- Essa é uma tática de distração para me desviar do verdadeiro
assunto.
- Sim? E no que a desviei se pode saber?
- O verdadeiro assunto - disse ela energicamente, desejando ter força
para resistir a tentação de entregar-se aos prazeres que prometia sua
incitante boca - você e eu somos culpados do mesmo pecado pelo qual
repreendeu Chloe e seu oficial.
Toma, já está. Tinha conseguido expor seu argumento e resistir a ele
ao mesmo tempo, esforço que a deixou totalmente esgotada. A ver se podia
ele refutar essa lógica.
- Isso foi diferente - disse ele alegremente.
Ela abriu sozinha a boca, afogando uma exclamação de surpresa.
- Como se chega a essa surpreendente conclusão?
- Para começar - disse ele, com uma tranqüilidade que a enfurecia -
meus motivos não são duvidosos. Assumo toda a responsabilidade de meus
pecados. Contrariamente à crença generalizada, não tenho o costume de
seduzir todas as mulheres que conheço.
- É um descarado casto?
- Casto não, seletivo - replicou ele. - Não tenho a menor ideia de por
que minhas poucas indiscrições despertam tanto interesse em todo mundo.
- Levou duas de suas amantes ao meu casamento!
- Mais alguém me viu nos braços dessas mulheres?
- Não, claro que não. Era uma capela, afinal.
- Bom, então. Ninguém pode apresentar nenhuma prova de que sou
um réprobo.
- O que o mundo civilizado tenha medo de confrontar a respeito de
seus pecados não absolve eles de maneira nenhuma.
- As provas, Jane? - disse ele rindo, e o rouco som de sua risada lhe fez
descer um estremecimento pelas costas - as testemunhas?
- Voltemos para ponto em que estávamos, Sedgecroft - disse ela,
consciente de que a tinha distraído. - Ao tema da conversa. Se quiser que
Chloe se comporte de maneira decorosa, não basta que a ataque com
sermões e ameaças. Deve lhe dar exemplo.
Ele fechou e abriu seus formosos olhos azuis.
- Esse é justamente o motivo de querer emendar sua situação, Jane.
Por isso a estou ajudando a corrigir o escândalo em que meu primo
converteu sua vida. Para demonstrar a minha família como deve comportar
um Boscastle.
- E de que maneira o demonstra me beijando neste pavilhão?
- De acordo, reconheço. Isso foi um ligeiro desvio no caminho de
minhas decentes intenções. Danificou algo?
- Bom.
Ele sorriu. Sua intenção tinha sido ajudá-la, sará-la. Era uma mulher
muito especial, e talvez sua personalidade fosse muito forte para Nigel.
Talvez a traição de seu primo lhe tinha alterado a percepção. Havia se
sentido impotente e delicada em seus braços. Mas em sua mente não estava
indefesa. Ah, não, absolutamente; tinha armas escondidas que atacavam um
homem antes que este pudesse levantar um escudo. Levaria tempo para
voltar a confiar em um homem. Podia confiar nele? Disso não estava certo.
- Poderia ter continuado beijando-a dias e dias - murmurou, pesaroso.
Movendo a cabeça lhe seguiu com o polegar a proeminente curva da maçã
do rosto. - Não se importaria, não é verdade?
A sensação lhe penetrou nos músculos, uma deliciosa vibração que
propagou aos braços e pernas.
- Dias e dias? Não é um pouco exagerado isso?
Ele riu suavemente, lhe deslizando as pontas dos dedos pela curva da
garganta até parar no branquíssimo ombro.
- Meses, inclusive. Anos.
Ficou preso o fôlego dela na garganta ao sentir o contato dos botões
de sua jaqueta nos seios, lhe roçando os desejosos mamilos. Ele deslizou a
mão por seu ombro em lentas e incitantes espirais, em lentas carícias
capazes de aniquilar e liquidificar o corpo de uma mulher, e ela descobriu
que tratando-se de resistir à paixão Boscastle não era muito mais forte que o
resto dos mortais.
- Tem uma pele muito suave - murmurou ele - Acredito que nunca
havia sentido uma tentação tão forte. Desde o momento em que a vi ante o
altar não fui totalmente eu mesmo. Fora de meu papel habitual me sinto
torpe, inseguro de minhas palavras, pelo que se espera de mim. Nem
sequer sei se pode confiar em mim, Jane.
Tinha a boca tão perto da sua que quase a tocava. Sentia em seus
lábios o entrar e sair seu quente fôlego, o poder de seu musculoso corpo
apertado ao dela. O desejo lhe percorreu os lugares secretos de seu corpo.
Com que facilidade a poderia levar pelo mau caminho, pensou. Que
sedutor era ao lhe falar de seus sentimentos. E torpe? Vamos, isso nem por
um segundo.
Engoliu saliva.
- Isto é o que quer dizer dando exemplo?
- Sim - disse ele, fazendo uma inspiração, com sua firme boca curvada
nas comissuras.
- Ouvi bem?
- Se fôssemos Chloe e seu oficial - disse ele em voz baixa, olhando-a
nos olhos - ainda estaríamos nesse divã. Você não estaria me fazendo
perguntas. Muito possivelmente estaríamos a ponto de fazer amor.
Ela desceu os olhos, pensando se de verdade podia acreditar nessa
tolice. Aparentemente seu corpo achava, a julgar pelos rápidos retumbos de
seu coração.
- Penso que não...
- Não. Duvido que esteja pensando, Jane. Nem falando. Estaria muito
ocupada me deixando que lhe desse prazer.
Ela levantou os olhos e olhou atentamente seu rosto anguloso, de
planos fortes. Se antes a diversão dava a suas feições uma beleza de sátiro,
nesse momento a estava olhando um rosto com os olhos escurecidos pelo
desejo. Não tinha idéia se falava a sério ou simplesmente repetia frases
usuais, de alguma de suas famosas seduções. Mas sabia que desejava tanto
que a beijasse que todas as veias de seu corpo vibravam pelas correntes do
desejo e a necessidade. Lhe abrandaram os lábios, lhe incharam os seios, e
seus turgentes contornos pressionaram ligeiramente os fortes músculos do
peito dele.
- Não – ela disse, falando como quando uma dama decente se
desespera por conservar a sensatez. - Está equivocado.
Agitaram-se as narinas dele, o macho aspirando o aroma do desejo da
fêmea.
- Estou equivocado?
Então desceu a boca à dela, e sentiu a rajada de sensações, que ela
certamente estava experimentando com a mesma intensidade que ele.
Sentiu-a abrandar-se apertada contra seu corpo e notou que lhe dobravam
os joelhos. Soltando uma maldição em voz baixa, segurou-a, lhe agarrando
os antebraços. No escuro lugar de seu cérebro que não estava excitado por
ela compreendeu que estava se desviando de sua finalidade. Teria que
parar se não quisesse fazer mais mal que bem. Sim, aí estava o defeito em
sua forma de raciocinar. Não tinha previsto que as melhores intenções
podem causar problemas maiores dos que se pretende resolver.
A contra gosto se afastou e disse, tristemente:
- aí está a diferença.
Jane fez um esforço para recuperar embora só fosse uma aparência de
normalidade. Sentia-se como uma fruta madura arrancada da árvore e
atirada no chão. Teria desejado que ele continuasse? Não. Sim. Sim.
- A diferença? - perguntou, confusa. - Ah, compreendo. Quer dizer
entre Chloe e seu oficial e nós?
Saiu-lhe a voz trêmula. Perceberia ele? Tremia-lhe todo o corpo.
Notaria ele? Claro que sim. Tinha produzido esse vergonhoso desequilíbrio,
e não havia mais que olhá-lo aí, tão indiferente como um poste para
amarrar os cavalos.
- A diferença entre nós e eles - continuou ele, em tom algo pomposo -
está no caráter.
Ela se virou e continuou descendo o resto dos degraus, afirmando-se
na parede para não cair na escuridão. Como podia ele falar de caráter
quando esteve a ponto de agir seguindo seus impulsos mais básicos,
escapava a sua compreensão. Com certeza até as pedras desse pavilhão
estavam impregnadas com alguma beberagem para incitar a paixão.
Tomara quando estivesse fora limpasse sua cabeça.
- Somos discretos - acrescentou ele, seguindo-a. - Chloe me
desobedeceu e me enganou para encontrar-se com esse homem hoje. Não
poderia imaginar você, Jane, chegando a esses extremos. Não consigo
imaginar implicada em um engano. Você sim?
Ela conseguiu gaguejar uma resposta evasiva e começou a correr para
sair do pavilhão sem ouvir a resposta dele. Estava surda a sua voz. Quão
único ouvia eram os sinos tangendo lugubremente sua perdição no futuro.
Ele não podia imaginá-la implicada em um engano.
Jamais poderia lhe dizer a verdade.

***

Grayson não estava tão indiferente ao ocorrido entre eles como


parecia. Saiu com ela do pavilhão ao calor da tarde, observando-a em
cauteloso silêncio.
Vá, vá, quem o teria imaginado? A respeitável lady Jane confundindo-
o e pondo-o nervoso até o fundo da alma. O que pensaria ela se tivesse uma
mínima idéia de como o tinha desarmado, do interessante e incitante que
achava essa situação? Ela tinha que ser um dos segredos melhor guardados
da alta sociedade. Que outras surpresas teria reservadas? Jamais em sua
vida o tinham excitado e repreendido com tanta profundidade em uma
mesma tarde. Agitou a cabeça, estreitando os olhos para acostumá-los à luz,
mantendo na visão periférica sua figura vestida em rosa.
Recordou o sabor doce de seus lábios, o brando e dócil que sentiu seu
curvilíneo corpo apertado contra o seu. Olhando-a nesse momento, toda
escrupulosa e distante dignidade, ninguém adivinharia que era capaz de
reagir assim. Morria por saber que mais teria descoberto se a tivesse
explorado um pouquinho mais. Que momento mais terrível para descobrir
que continuava tendo consciência.
Olhou ao redor e o satisfez ver Simon e Damaris no final do atalho,
esperando-os. Isso dava certo ar de respeitabilidade a seu breve
desaparecimento, e ninguém poderia acusá-los de amores ilícitos. O de
Chloe era outro assunto.
Quando foram chegando ao final do atalho pararam para lhe falar.
Com que era um hipócrita, não é? Esse comentário lhe magoou pouco,
talvez porque era verdadeiro.
- Estará bem uns minutos se a deixar sozinha? - perguntou-lhe,
nervoso. - Quero comprovar se Chloe já partiu para casa.
Ela o olhou nos olhos, e ele voltou a sentir outra onda de excitação
pelas mais profundas curvas de seu corpo. Tinha o rosto colorido por um
favorecedor rosa, e não parecia tão reservada nem tão digna como
imaginara.
- Jane, está bem?
- Pois claro que estou bem. Por que não iria estar?
Sua arrepiada resposta o fez sorrir. Apesar de seu empenho em
parecer serena, sabia que lhe tinha dado algo no que pensar. Com toda sua
inteligência, ela tinha muito pouco conhecimento dos assuntos sensuais. O
que tinham feito ela e Nigel todos esses anos juntos, pelo amor de Deus? Ao
que parecia, não tinham se beijado.
Ridiculamente, esse pensamento lhe animou, embora tivesse que
vigiar-se quando estivesse com ela no futuro.
- Fique com seu irmão - lhe ordenou amavelmente, olhando por cima
da cabeça dela para os grupos de pessoas no parque. - Que ele cuide de
você enquanto eu não estou.
- Posto que até agora fez tão bem seu trabalho de acompanhante?
Ele a olhou no rosto.
- Talvez devesse pedir que você o vigiasse. Parece ser a mais
responsável.
- Não em algumas coisas.
- O que aconteceu no pavilhão não foi sua culpa. Foi minha.
- Apesar de tudo - disse ela em voz baixa - é impossível estar zangada
com você. Suponho que é gastar saliva em vão tentar corrigir um homem
que se acha superior ao mundo em geral. - Exalou um suspiro de desgosto -
vá arrumar as coisas com sua irmã. Eu estarei muito bem, mas tente não
voltar a perder a calma.
- Experimente controlar o clã Boscastle sem perder os nervos - disse
ele, reatando a marcha pelo atalho. - No dia de Natal em nossa família
quase se tem que pendurar no lustre para obter um momento de atenção.
- Isso me disse Nigel.
Já estavam na borda da parte superior de grama, a só umas jardas das
mesas de café da manhã. Simon e Damaris já se iam se afastando. Grayson
lançou um olhar feroz ao grupo de dandies que simulavam não estarem
olhando para Jane. Isso era o que o impulsionava a reformar-se. Proteger
jovens desejáveis dos jogos que em outro tempo jogava tão bem ele. Jogos
que não lhe importaria jogar com ela nesse momento, por certo.
- Uma coisa mais - disse, cauteloso. - Observei com que frequência sai
Nigel em nossas conversas, o que é totalmente compreensível, mas acredito
que deve aceitar que se dentro da próxima semana mais ou menos não
voltou para reparar as coisas, é possível que não volte nunca mais.
- Isso sei - disse ela, arrumando-se para evitar olhá-lo nos olhos. -
Estou... muito resignada.
- Não é preciso que se resigne a nada ainda - disse ele. Talvez tivesse
sido muito franco - Encontraremos outro marido.
- Mas eu não quero... Ah, olhe. Aí está minha amiga Cecily, na última
mesa, me fazendo gestos. Estarei bastante a salvo com ela, não acha?
A salvo de mim? Pensou ele, sorrindo, irônico. Será que a tinha
assustado? Perdoaria a ele? Talvez tudo fosse melhor se não o perdoasse. Os
sentimentos que lhe provocava lhe eram desconhecidos, e uma provocação
mais que difícil a seu autodomínio.
Antes que ele pudesse lhe responder ela já ia se afastando a toda
pressa. Sua expressão se tornou reflexiva observando-a reunir-se com o
pequeno grupo de jovens que se viraram para saudá-la. Por um estúpido
instante sentiu a tentação de lhe dizer que tomasse cuidado. Mas ela já o
enfrentara a favor de Chloe, e saiu totalmente ilesa disso. Novamente a
maravilhou a estupidez de Nigel por abandoná-la. Havia mistérios em Jane
que esse bobo jamais tinha detectado.
Capítulo 10

Jane voltou a recordar o velho provérbio: "Sair das chamas para cair
nas brasas". Ainda um pouco aturdida por sua experiência com Sedgecroft,
sentia-se sufocada no círculo de suas quatro fofoqueiras amigas. Teriam
uma idéia de como lhe ardia o rosto? Perceberiam que ainda lhe
formigavam os lábios por seus beijos?
Claro que todas sabiam o que lhe tinha acontecido no dia anterior.
Sua melhor e mais querida amiga, a honorável Cecily Brunsdale, filha de
um visconde, tinha sido uma de suas damas de honra, testemunha
presencial do fiasco. Não sabia que reação podia esperar das outras.
Compaixão, sobressalto, a generosa cortesia de fingir que o horrível
acontecimento não tinha ocorrido jamais?
Mas o que certamente não tinha esperado era que o interesse delas
por sua fracassada tentativa de matrimônio fosse tão fugaz. Sim,
comentaram sua perda, mas só um breve momento. Isso era notícia de
ontem, algo digno de compaixão, e de uns poucos sorrisos bem
intencionados embora falsos. Muitíssimo mais interessante para essas
quatro mariposas sociais eram os detalhes de seu romance deliciosamente
surpreendente com o muito adorado marquês de Sedgecroft.
- Romance? - perguntou, aparentando não entender, ante o insistente
cravejar de perguntas. Bom, agora sim tinha o rosto ardendo, como em um
incêndio. - O que as faz pensar que tenho um romance com ele?
- Que outra coisa poderia ser? - murmurou uma delas.
- Uma mulher não entra em uma sala em que está Sedgecroft sem cair
presa de seus encantos - disse a senhorita Priscilla Armstrong, auto
proclamada perita nesses assuntos depois de três infrutíferas temporadas.
Imediatamente saltou em defesa de Jane sua amiga Cecily, esbelta
jovem de cabelo loiro cinza e olhos cinza claro.
- Tenho que lhe recordar, Priscilla, que Sedgecroft é primo de Nigel? É
seu dever ocupar seu lugar como acompanhante até que Nigel...
Até que Nigel o que? Perguntaram-se todas, olhando para Jane com os
olhos dilatados, esperando alguma insinuação do que se poderia esperar.
Mas ela resistiu obstinadamente a revelar algo mais, ignorando a
advertência de Grayson, de que um pequeno mistério a faria mais atraente
ante a sociedade.
Não é que desejasse ser atraente, mas desejava não chatear Sedgecroft.
Se seu comportamento durante as vinte e quatro horas passadas era um
indício de sua pertinaz perseverança, não tinha o menor desejo de provocar
sua raiva. Bom Deus, se já lhe era difícil tratá-lo como amigo, como seria tê-
lo como inimigo.
- Não tenho nada mais a dizer sobre o assunto - disse, sentindo uma
aflição que se ia fazendo mais e mais real hora a hora.
Mas as quatro jovens quase não a ouviram; três delas estavam
encantadas escutando a opinião da senhorita Evelyn Hutchinson sobre o
tema Sedgecroft, homem ao qual evidentemente tinha observado e
analisado com ardor acadêmico desde há bastante tempo.
- Sabem o que disse a criada de uma de suas ex-amantes?
- De qual? - perguntou lady Alice Pfeiffer, demonstrando que não era
o que se diz ignorante sobre o tema.
- A senhora Parks - respondeu Evelyn.
- Diga-nos. - Ordenou Priscilla. - Jane tem direito de saber.
- Bom, eu... - começou a protestar Jane.
- Precisa saber a verdade - disse Cecily em voz baixa.
Jane não tinha muita certeza de querer saber a verdade. Sem perceber
estendeu o pescoço olhando à multidão, se por acaso via sinais de seu
perturbador patife de olhos azuis. Era de esperar que não estivesse
repreendendo outra vez sua corajosa irmã. Sentia-se atraída pela paixão de
Chloe pela vida, e percebia um coração ferido debaixo de sua tenaz
rebeldia. Deus santo, se ela fosse alguma vez o objeto dessa fúria leonina. E
o seria, se ele descobrisse quão boa era para urdir diabruras.
Evelyn apoiou o leque no queixo.
- Uma noite a criada ouviu a senhora Parks confidenciar a alguém que
Sedgecroft era como uma orgia para os sentidos femininos.
Jane pestanejou, atraída.
- Com certeza entendeu mal - disse; embora não lhe custasse
acreditar.
Evelyn assentiu, com expressão ladina.
- Também disse que é melhor que não ocorra a uma mulher ir
cavalgar no parque pelo menos até duas semanas depois.
- Oh, vamos, francamente - exclamou Cecily, desaprovadora,
enquanto as outras assimilavam encantadas essa fascinante fofoca. - Esse
não é o tipo de revelação que eu tinha pensado quando a animei a dizê-lo.
- E lê o jornal da manhã enquanto executa certas atividades físicas
com suas amantes - acrescentou Evelyn.
Priscilla se aproximou mais com os lábios entreabertos.
- Executa essas atividades pela manhã?
- Pela manhã, ao meio-dia e de noite - respondeu Evelyn, maliciosa. -
Satisfaz todos os caprichos de uma mulher.
Vários suspiros precederam ao silêncio que desceu sobre elas, até que
Evelyn se sentiu obrigada a continuar:
- Passar um tempo em sua companhia é cair sob seu feitiço. Sedgecroft
é um homem que reflete bem antes de atuar. Uma vez que decide fazer a
jogada, é o fim.
- O fim do que? - perguntou Jane, com o pêlo da nuca arrepiado.
- O fim da virtude. O começo do vício. Já iniciou sua estratégia muito
antes que sua vítima perceba o que ocorreu.
- Basta, Evelyn - advertiu Cecily, carrancuda.
- Embora nenhuma mulher que ele ame se consideraria uma vítima -
acrescentou Evelyn, passado um momento. - Um tesouro seria a palavra
mais apropriada.
Voltou a cair o silêncio sobre o grupo.
Jane aproveitou um espaço que se abriu no grupo e afastar-se; já
tinha experimentado bastante da perícia de Sedgecroft por um dia.
- Desculpam-me, sim? Pareceu-me ver meu irmão me chamando.
Cecily a seguiu, lhe falando em penalizado sussurro.
- Fui vê-la ontem à noite, mais seus pais a tinham encerrada. Como vai
sobreviver a isto, Jane?
Jane olhou para o imenso parque de grama. Cecily era uma de suas
mais velhas amigas e confidentes, quase tão íntima como Caroline e
Miranda. Cecily só tinha três aninhos quando anunciou a todos os reunidos
na igreja que tinha surpreendido o padre na sacristia com sua tia. Aos cinco
anos cortou seu brilhante cabelo, que lhe chegava à cintura, para brincar de
Robin Hood com seus irmãos. Aos onze cometeu o mesmo delito porque
planejou fugir de casa disfarçada e converter-se em cavaleiro de corridas.
Não era de estranhar que ela a adorasse. Cecily tinha garra, e o duque
com quem estava a ponto de casar-se, agradava-a muito. Mas nem sequer
sua querida amiga conhecia seu plano com Nigel para frustrar o curso de
um falso amor.
Por isso desejou poder ser sincera quando Cecily lhe pegou a mão e
lhe sussurrou:
- Estava doente de preocupação por você. Se tivesse uma pistola teria
procurado Nigel para matá-lo. Acredite ou não, compreendo exatamente
como deve se sentir. Foi muito valente ao dar a cara hoje, mais, Jane, é
prudente isto?
"Há um tempo para ser prudente e um tempo para ser temerário".
- De todo modo vão falar de mim na alta sociedade, Cecily. Quanto
antes enfrente isso, melhor.
- Não me referia à alta sociedade.
- Então...?
- A Sedgecroft.
- Ah.
Desviou o olhar para o parque e viu o homem extremamente bonito
que vinha caminhando para ela, movendo todos seus músculos com graça
natural. O coração lhe deu um salto quando ele a olhou. Ai, que monstro
mais lindo. A seu pesar, voltou o olhar para o rosto angustiado de Cecily.
- Acredito que não tem por que preocupar-se por mim.
- É Sedgecroft, Jane. Um libertino consumado.
- Simplesmente vim tomar o café da manhã com ele. Nada mais.
- Sedgecroft não se limita a "fazer uma refeição" com uma mulher. A
não ser que ela seja o prato principal.
"Café da manhã e esporte de cama", pensou ela, recordando suas
próprias palavras, que voltavam para acossá-la.
- Tolice - disse firmemente.
Cecily olhou ao redor, ao perceber que não tinha toda a atenção de
sua amiga. Arqueou as sobrancelhas ao ver aproximar-se o bonito marquês.
- Ah, falando do ruim de Roma... - resmungou. - Jane, por favor, me
faça caso, suplico-lhe. Por favor. Está muito vulnerável. Sei o muito que a
feriu Nigel, mais se associar com Sedgecroft… Bom, não se parece um
pouco a caminhar com os olhos enfaixados pela borda de um penhasco?
- Olá, Cecily - saudou Grayson, olhando para Jane e situando-se entre
as duas. - Como está seu pai? Ultimamente não o vi no clube.
Cecily o submeteu ao mais glacial de seus olhares. Sendo uma das
amigas íntimas de Chloe, conhecia muito bem o encanto letal Boscastle, e
sempre estava em guarda.
- Está muito bem, obrigada. E sua família? Todos pareciam muito
saudáveis ontem na capela.
- Sãos e endemoniados, se me permite empregar essa palavra. -Passou
os olhos dela para Jane, e seus penetrantes olhos a olharam com um solícito
interesse que ela sabia que era pura representação. - Gostaria de dançar,
Jane?
Cecily olhou intencionalmente a mão que roçou o ombro de Jane, e
esticou os lábios, desaprovando.
- Agora não, obrigada - respondeu Jane, negando com a cabeça.
- Vamos buscar umas taças de champanha, então? - propôs ele,
afastando-a de Cecily com a maior sutileza.
- Ah, champanha, isso iria fabuloso - exclamou Cecily, negando-se a
captar a indireta. - Nos faria o favor de trazer aqui as taças, Sedgecroft?
Ele a olhou com a maior candura.
- Mais isso significaria deixar sozinha Jane outra vez, e não poderia
ser tão grosseiro. Seja boa e vá nos buscar um empregado. Uma duquesa
deve exercitar-se em dar ordens, não lhe parece?
Jane abaixou os olhos, por temor a pôr-se a rir, se não a chorar. Ai,
Deus, a expressão de horror no rosto de Cecily. E Sedgecroft, o demônio,
provocando assim sua pobre amiga.
Cecily sorriu, embora o sorriso lhe saísse frágil.
- Ah, isso me recorda, Jane. Na terça-feira à tarde irei cavalgar no
parque com Hudson, e nos acompanharão suas sobrinhas e sobrinhos. Viria
conosco?
Grayson lhe sorriu.
- Nós adoraríamos, não é verdade, Jane?
Cecily o olhou boquiaberta.
- Quis dizer...
- Não estive com Hudson desde que fomos caçar nas Terras Altas -
continuou ele. - Talvez os quatro poderíamos ir à ópera mais avançada a
semana.
Cecily não soube o que pensar de sua atitude. Era difícil achar um
homem mais arrogante que Sedgecroft, e o pior era que Hudson gostava
dele. Em incontáveis ocasiões tinha comentado que adorava Sedgecroft, um
verdadeiro homem. Mas que intenções tinha por sua amiga? Seria possível
que houvesse uma migalha de honra nele?
- Pensando bem, seriamente acha que Jane deve reatar suas atividades
sociais tão cedo depois de... bom, depois de ontem? - perguntou, com a voz
afogada.
Ele sorriu levemente e virou Jane para o outro lado, para protegê-la.
- Acredito que sou muito capaz de cuidar de Jane, embora admire sua
lealdade durante este... digamos, este momento difícil. E agora, antes de
partir, os dois iremos buscar-lhe esse champanha, Cecily. Tem o aspecto de
necessitar algo forte.
- Não poderíamos ir os três? -propôs Jane em voz baixa, olhando por
cima do ombro a sua pasmada amiga.
Passados uns minutos se despediram, acharam Simon e sua bonita
acompanhante e tirou Jane da festa sem que tivesse provado outro bocado.
- Sedgecroft, sua maneira de tratar Cecily foi muito... muito...
- Não é necessário que fique me agradecendo - murmurou ele,
levando-a quase pela força para sua carruagem. - Sua gratidão se
subentende.
- Sim, Sedgecroft? Não sabe quanto me alivia isso.
Ele parou e franziu os lábios.
- Livre-me Deus de criticar o comportamento de ninguém que não
seja um familiar, mas comecei a me perguntar se essa sua tendência à
mordacidade não terá intimidado meu primo.
Ela não soube como reagir.
Ele pareceu desconfortável.
- Não deveria ter dito nada. Acontece que acho muito atraente essa
tendência.
Atraente. Que ela enfrentasse a ele.
- O que? - disse, uma vez recuperada a fala.
- Até certo ponto. Lamento ter puxado o assunto. - Olhou-a sorrindo
contrito. - Também o lamento se tiver parecido desatento hoje.
Jane lhe deu as costas, novamente estupefata. Uma amostra mais de
sua atenção e estaria derretida dentro de seus sapatos.
A voz profunda dele por cima de seu ombro a fez dar outro salto.
- Tudo se deve a esta rebelião de Chloe - confessou, revelando o que
evidentemente pesava em sua mente. - Não posso controlar todos seus atos,
e tenho medo de que esteja empenhada em seguir um caminho para a
autodestruição. A verdade é que em geral não venho a estas insípidas festas
durante o dia. Estou em melhor forma de noite.
- Não é isso o que ouvi.
- Perdão?
Sentiu seu enorme corpo atrás dela, recordando envergonhada o que
comentara Evelyn.
- Foi só uma fofoca - se apressou a dizer. - Diziam que de manhã...
bom Deus, esqueça que disse algo.
Seria verdade? Seria verdade que Sedgecroft lia o jornal enquanto
fazia amor?
Ele a seguiu de perto até que subiram o degrau e estiveram dentro da
carruagem; olhou-a brincalhão:
- Não faça caso das fofocas, querida.
Ela se virou para olhar para seu irmão, que ainda não tinha subido.
Começava a compreender que havia mais nesse homem do que viam os
olhos.
- O que quer dizer?
- Descubra você mesma a verdade. - Esperou que ela se sentasse para
sentar-se ele a seu lado e se inclinou para trás, escrutinando-a com seu
ardente olhar. - Se tiver curiosidade a respeito de meus costumes pessoais, a
única coisa que tem de fazer é me perguntar.
- Acredito que não me atreveria.
- Então não saberá nunca.
- Talvez em alguns casos, é melhor continuar felizmente ignorante.
- Mais não você, Jane. - Deu-lhe um brincalhão empurrão com o
ombro. - Tenho a impressão de que sua curiosidade não começou a ser
saciada.

Capítulo 11

Mal chegou a sua casa, Jane foi fechar-se em seu quarto,


desentendendo-se da chuva de perguntas de suas curiosas irmãs. Precisava
refletir, sopesar.
Claro que só podia pensar em Grayson. Pensar em todos os detalhes,
devagar, tranqüila. Quando estava com ele o cérebro deixava de funcionar,
e só lhe permitia realizar as atividades mais elementares.
Nessa tarde teria pensado menos nele se não a tivessem comovido tão
estranhamente todas as emoções que ele revelou quando gritava com sua
irmã. Eram o carinho e o medo de um homem que por fim compreende que
não pode controlar o mundo.
Pomposo Grayson. Tinha boa intenção, mesmo que seus torpes
métodos, de mão dura, deixavam bastante a desejar. Não entendia por que
se sentia tão cômoda com ele. Talvez se devesse ao fato dele não se
escandalizar ou horrorizar facilmente pelas coisas que ela dizia ou fazia, e
tinha feito algo muito horroroso.
Horrorizaria-o seu segredo?
Provavelmente sim, se pudesse julgar por sua maneira de tratar
Chloe. Aparentemente, seu critério liberal se limitava somente à
prerrogativa masculina de comportar-se mau.
Mas acontecesse o que acontecesse no final, no momento ele a fazia
sentir-se valorizada, e nunca ninguém, além de seus cães, a tinham
valorizado por si mesma.
Embora claro, na realidade Grayson não sabia quem era ela; nem o
que tinha feito. O que pensaria se descobrisse a verdade?

***

Mesmo que o dia passado com Jane tivesse sido surpreendentemente


prazeroso para ele, Grayson não tinha a menor ilusão de que evitaria o
enfrentamento que devia ter com Chloe essa noite. De todos seus irmãos,
era sua irmã mais nova que o preocupava mais e com quem mais choque
tinha. Possivelmente isso se devia ao fato de em muitos sentidos se
parecerem.
Arrogantes. Aventureiros. Sempre inclinados a fazer suas as causas
perdidas.
Atraíam-nos os problemas; estavam resolvidos a fazer das suas e
aceitar as conseqüências.
Parou ante a porta de seu dormitório, preparando-se para outra
batalha. Nessas ocasiões desejava que estivesse aí sua forte e férrea irmã
Emma para fazer as honras. Ou pelo menos Heath, cuja força amável e
flexível ao mesmo tempo desarmava eficazmente às mulheres. Também lhe
seria muito útil ter Jane a seu lado, embora depois o repreendesse. Ele era
consciente de que para os assuntos pessoais tinha todo o tato de um aríete.
Mas havia certas coisas nas quais devia manter-se firme. Gostasse ou não,
era o cabeça da família. Devia ser obedecido.
Por que Chloe o desafiava a cada passo? O que podia fazer com ela?
Abriu a porta. Não tinha a menor ideia do que devia dizer.
Ela estava sentada ante sua escrivaninha, com seu ondulado cabelo
negro esparso sobre os ombros como a asa de um corvo. Parecia muito
menina e vulnerável, embora adulta ao mesmo tempo. Ela endireitou as
costas ao ouvi-lo entrar, mas não se voltou para olhá-lo.
- Ah, vem meu carcereiro. Faça o favor de deixar o pão e a água junto
à porta.
- Chloe.
- Grayson.
Ele abriu a boca para falar, mas a fechou ao ver um desenho de
Brandon sobre a escrivaninha. Brandon tinha sido o bebê da família, e o
fervente defensor e companheiro de Chloe em suas travessuras de crianças.
Sua morte, e logo a de seu pai, tinha-a deixado destroçada justo no
momento em que deveria estar se preparando para se casar.
Novamente se culpou por não ter estado com seu pai e Chloe quando
receberam a notícia de que tinham matado Brandon. Durante meses seu
pai, Royden Boscastle, tinha suplicado, a ele, seu filho mais velho, que fosse
passar uma semana na casa de campo e sair de caça e encontrar-se com seus
amigos. E ele foi deixando para depois, prometendo que iria, sem saber que
estava acabando o tempo para essa reunião familiar.
Acaso seu pai pressentiu sua própria morte? Não podia deixar de
perguntar-se se teria continuado vivo se ele tivesse estado a seu lado para
suavizar o golpe da notícia do assassinato de Brandon. Chloe e seu pai
estavam sozinhos quando chegou a carta, e foi ela quem o segurou em seus
braços, impotente e assustada, quando ele morreu. A comoção e a surpresa
a fizeram mudar.
- O que pretendia fazer hoje? - perguntou-lhe tranquilamente.
- Não quero falar sobre isso.
Ele se sentou na borda do divã.
- Chloe, vire-se para mim e converse comigo. Vamos falar sobre disso.
Ela vacilou um momento, mas ao final se virou, com seus olhos azuis
frios e magoados. Ele suspirou, com o coração aflito por ela.
- O que esperava que fizesse? - perguntou, aborrecido. - Era um
soldado, pelo amor de Deus.
Ela golpeou a escrivaninha com a pena.
- Assim, se eu estivesse beijando um duque, teria dado sua
aprovação?
- Não, claro que não. Mas pelo menos com alguém de sua classe, bom,
se de verdade estivesse apaixonada, haveria uma opção de matrimônio.
Ela enterrou seus brancos dentes na borda do lábio inferior.
- E o que pretendia conseguir levando Jane para que presenciasse
minha vergonha?
- Na realidade, Jane a defendeu.
- Alguém deveria defendê-la de você - exclamou Chloe, com seus
olhos azuis, tão parecidos com os dele, como chamas.
- Chloe - disse ele, fazendo uma inspiração e passando por cima o
insulto - não pode me dizer que de verdade está apaixonada por esse
homem.
- Poderia.
- Eu não gosto deste giro insensato que deu - disse ele, negando com a
cabeça, aborrecido. - Tampouco aprovo seu trabalho no Orfanato nem na
Penitenciária para mulheres, com essas jovens desonradas e prostitutas.
- Ninguém se preocupa com elas, Grayson - disse ela, veemente, sua
voz impregnada de paixão. - Não têm pais que delas cuidem.
Não têm pais. Seria tão aguda, tão forte, sua sensação de perda pela
morte de seu pai que se sentia mais confortável com esses seres angustiados
que com seus familiares?
- Eu lhe quero bem , Chloe - disse, confuso, sem saber que outra coisa
dizer. - Todos lhe queremos.
- Então me deixe viver minha vida como me agrada.
- Não, enquanto o que lhe agrada não receba minha aprovação. -
levantou-se, colocou suas enormes mãos nos bolsos e começou a passear
por trás dela. - Talvez deveríamos lhe procurar um marido. Não sei.
Alguém que nosso pai tivesse escolhido.
Uma sombra de pena lhe escureceu os olhos azuis, mas desapareceu
antes que ele pudesse decifrá-la.
- Meu pai me teria deixado escolher.
- Nós dois sabemos que isso não é verdade - se apressou a dizer ele. -
Era um tirano, Chloe, por muito que o quiséssemos. Sabia ser muito
irritante às vezes.
Ela se levantou, com as faces acesas.
- Não diga isso - falou, aflita.
- Bom, é verdade. Isso não quer dizer que eu não o amasse. Nem que
não sinta falta dele tanto como você.
- Quero ir ao Nepal - disse ela, inesperadamente.
- O que? -perguntou ele, atônito.
- Quero achar o cadáver de Brandon.
Ele exalou um longo suspiro. Não podia lhe dizer que era muito
provável que os animais carniceiros não tivessem deixado nem um resto de
seu corpo; que Brandon e seus companheiros tinham morrido em uma
ravina ao caírem em uma emboscada dos rebeldes. Que ele soubesse,
ninguém tinha revelado a ela esses horrorosos detalhes. Na realidade,
ninguém sabia ao certo o que ocorreu, apesar dos esforços de Heath e
Drake para descobrir a verdade.
- Isso de maneira nenhuma, Chloe - disse, negando com a cabeça para
dar mais ênfase.
- Isso é o que queria fazer nosso pai.
- Sim, ir ele.
- Devon disse que me levaria.
- Então vou retorcer o pescoço desse diabo quando chegar em casa
-disse ele, erguendo a voz simplesmente ao pensar no perigo que
entranhava essa viagem.
Ela o olhou fixamente, tentando conter as lágrimas de desafio e de
aflição.
- Algum dia farei exatamente o que quiser.
- Não se eu tiver opinião e voto no assunto.
Pôs-lhe firmemente as mãos nos ombros; ela ficou rígida e não o olhou
nos olhos.
- Não volte a ver esse soldado - acrescentou, e a voz lhe saiu tão
parecida com a de seu pai que fez um mau gesto.
- Em todo caso, com certeza o afugentou para sempre - resmungou
ela.
- Isso espero.
Então ela o olhou nos olhos, com uma chispa de diversão.
- É possível que tenha afugentado Jane também.
Grayson reprimiu o desejo de rir, recordando a repreensão que jogou
Jane em defesa de Chloe. Será que todos a subestimavam?
- Ficou do seu lado, se quer saber.
- Me agrada, Grayson - disse ela, exalando um longo suspiro. - Há
alguma coisa terna, encantadora, nela. Por favor, não faça nada que possa
piorar sua situação.
Ele a olhou surpreso.
- Chloe, em parte se deve a ti que eu me tenha convertido em seu
amigo. Você me convenceu, durante o café da manhã depois do casamento
frustrado, que o correto seria ajudá-la, e isso me fez pensar. E sabe? É
bastante curioso: também me agrada. É muito fácil falar com ela.
- Simplesmente não leve muito longe essa amizade - disse ela, em voz
baixa.
Ele respirou aliviado, sentindo a tentação de estreitá-la em seus
braços como à irmã pequena que sempre seria para ele. Assim Jane ia ser o
terreno comum entre ambos, o elo para restabelecer sua danificada relação.
Jane, sua sensata pacificadora e sedutora sem sabê-lo.
- Acredito que Jane é muito capaz de cuidar de si mesma - disse. —
Em especial se continuarmos leais a ela.
- Isso espero - disse Chloe, sorrindo tímida. - Talvez ela faça aflorar o
melhor que há em você.
- Não à besta?
Ela riu, a seu pesar, sem poder resistir a seu encanto.
- Pelo bem dela, espero que não.

Capítulo 12

Nos cinco dias seguintes, Grayson representou o papel de um atento


pretendente, acompanhando Jane a festas ao anoitecer, a bate-papos e
conferências, e inclusive a um jantar tardio com várias pessoas amigas no
Clarendon. Introduziu-a nos sofisticados prazeres de seu mundo, um
mundo rutilante ao qual só aparecia raramente.
Em lugar de estabelecer-se na aprazível escuridão que tinha desejado,
bebiam a sua saúde libertinos e reformadores; fez amizade com atrizes,
jogadores e pintores exilados de Paris. Fez uma visita cais para ver
descarregar o último navio de Grayson que chegou da China, e em todo
tempo estava muito consciente de que logo chegariam a seu fim esses
prazeres ilegítimos.
E não desejava que acabassem.
Tinha começado a viver para os momentos em que gozaria de sua
maliciosa companhia. Jamais em toda sua vida riu tanto. Ele era arrogante,
e considerado. Sentia-se tão atraída por ele que temia não ser capaz de
dissimulá-lo.
Nesse dia tinham ido ver a subida de um balão no Green Park, e
durante o trajeto de volta a casa, esteve perigosamente perto de confessar-
lhe tudo. Era-lhe quase impossível suportar a tensão que lhe causava
ocultar um segredo de um homem de sua experiência. Especialmente,
porque lhe confiava seus desejos, esperanças e medos. Pensar que confiava
nela lhe contando segredos de sua família enquanto ela continuava
enganando-o. Não deveria ser o contrário? Não era o descarado quem
enganava à dama?
Suspeitava que se ele não estivesse tão envolvido pessoalmente com
ela, adotando o papel de herói, tão impróprio dele, poderia ser o tipo de
homem que valorizasse o que tinham feito Nigel e ela.
O irônico era que, em outras circunstâncias, Grayson Boscastle seria
justamente a pessoa a qual recorrer em busca de conselho. Seria o amigo
mais leal e compreensivo que se poderia desejar. E ela desejava com todo
seu coração merecê-lo.
Caroline e Miranda entraram silenciosamente no dormitório em
penumbra e se aproximaram nas pontas dos pés para contemplar a esbelta
figura de sua irmã estendida na cama de quatro postes.
Jane estava imóvel como uma efígie de pedra com um pano molhado
em água fria sobre a testa e o cabelo esparramado sobre o travesseiro.
Simulou estar dormindo até que seus nervos não lhe permitiram suportar
nem um segundo mais essa silenciosa intrusão. Não podia continuar dessa
maneira. Sua consciência não o permitia.
- Fora, as duas - disse entre dentes.
- Vamos, Jane - suspirou Miranda, compassiva - parece estar
absolutamente angustiada.
- Muito possivelmente porque estou.
Caroline se sentou na cama.
- Eu tinha razão, então - disse, aflita. - Sedgecroft é horroroso.
- Não - protestou Jane, tirando o pano da testa e abrindo os olhos. - É
maravilhoso. É o mais maravilhoso que tive a desgraça de experimentar em
toda minha vida.
Suas irmãs se olharam surpresas.
- Nos conte - disse Miranda, sentando-se ao lado de Caroline.
- Não lhes contarei nada.
- Se com isso quer dizer que a seduziu - sussurrou Miranda - na
primeira semana...
- Não, não me seduziu - disse Jane, irritada. - Pode ser que me tenha
beijado. Uma ou duas vezes.
- E por isso está deitada aqui às escuras? - perguntou Caroline,
carrancuda.
- Se a tivesse beijado Sedgecroft, não faria essa pergunta tão estúpida.
Talvez fosse incapaz de dizer algo coerente.
- Acredito que o julgamos mal - disse Miranda, passado um longo
tempo de silêncio. - Pode ser muito encantador, se tiver a oportunidade.
- E alguém duvidava? - suspirou Jane, recordando muito claramente
quão potente podia ser esse encanto. Isso é o que o faz um descarado de
êxito.
- E como pensa resistir a ele? - perguntou Caroline.
- Com a maior dificuldade, asseguro-lhe. Pelo visto não sou tão imune
a seu encanto como tinha esperado. Ainda tenho que me recuperar de nossa
saída de hoje.
- Bom, será melhor que comece a se recuperar - disse Miranda,
olhando o relógio da mesinha de noite. - Seu empregado Weed veio dizer
que o marquês virá a pegá-la dentro de uma hora.
Jane se sentou alarmada.
- Para que?
- O baile anual na casa Southwick - respondeu Caroline. - É um dos
principais eventos da temporada. Só a uns poucos favorecidos convidam a
chegar cedo. Vamos, Jane, vamos todos os anos.
Jane olhou para o roupeiro, aterrada. Jamais se tinha visto tão
desafiada sua aptidão para vestir-se na moda como nesses cinco dias
passados. Não lhe tinha importado nada parecer uma pomba até que
Sedgecroft jogou a luva, desafiando-a a sua diabólica maneira.
- De fato, seria agradável se tivesse tido a amabilidade de dizer- me -
grunhiu. - O que posso vestir?
- O de organza rosa claro com o xale de franjas - respondeu Caroline. -
O de seu enxoval feito para o pedido de casamento.
- O pedido de casamento? - repetiu Jane, pensando vagamente se o
rosa claro se consideraria rosa, e, portanto agradaria os gostos de réprobo
de Sedgecroft. - Que recepção?
- O pedido que foi celebrar com Nigel - respondeu Miranda,
brincalhona. - Nigel, o homem pelo qual chegou a extremos maquiavélicos
para não se casar.
Com o cenho franzido, Jane desceu da cama e se dirigiu ao roupeiro
sem calçar os sapatos, só com as meias.
- Sei muito bem quem é Nigel, obrigada.
- O vestido rosa claro não está no roupeiro - disse Caroline, olhando
travessa a sua irmã. - Viemos com Miranda tirá-lo quando estava se
recuperando, para que o arejassem e o engomassem.
Jane virou sobre seus calcanhares, irritada.
- A ninguém ocorreu que eu tenho direito a opinar nesta casa?
- Claro que tem - respondeu Miranda, em tom malicioso. - E isso foi o
que a meteu neste problema com Sedgecroft.
- Não tem problemas com Sedgecroft - disse Caroline, olhando para
Jane preocupada. - Ainda.
- Deveria chamar Amélia para que a penteie e lhe arrume o rosto.
Ficou pálida e magra.
- Não provei nem um só bocado em toda a semana, além de um
morango! - exclamou Jane, sentindo que lhe escapava até o último vestígio
de controle que tinha sobre sua vida. - Necessito sustento para tratar com
esse homem. Não ocorreu isso a Sua Perversidade?
Caroline mordeu o lábio para reprimir um sorriso.
- Pois lhe ocorreu. Disse que haveria um jantar antes do baile. Sugeriu
que comesse uma maçã para a sustentar. O chef austríaco dos Southwick é
divino, um absoluto gênio na cozinha. Sedgecroft disse que temos que
chegar com apetite.
Jane olhou zangada sua imagem no espelho. Jantar e baile. Uma maçã.
E outra ronda de resistir a Sedgecroft. A lembrança desse arrogante Adonis
de olhos azuis beijando-a tirava-lhe o fôlego, debilitava-lhe as pernas. Ele
era implacável em sua busca pelo prazer, e ela, com seu sentimento de
culpa e essa sensação de iminente desastre, danificaria o que poderia ser
uma noite de sonho. Por que não puderam seus pais procurar Grayson
como genro desde o começo?
- E se não quiser ir? - perguntou, sem dirigir-se a ninguém em
particular. - Certamente, dadas as circunstâncias, ninguém vai notar minha
ausência.
Nesse preciso momento ressoaram umas pegadas no corredor e um
instante depois se abriu a porta e lady Belshire apareceu. Tinha recolhido
seu cabelo castanho prateado no alto da cabeça, seguro com forquilhas com
cabeça de diamante. O vestido de tafetá dourado que mostrava sua juvenil
figura brilhava como pó de estrelas na semi escuridão.
- Ainda não está preparada, querida? Bom Deus, por que estão as três
aqui sussurrando na escuridão? Parecem ratinhos travessos em um quarto
de crianças
- Miranda e eu já estamos preparadas, mamãe - disse Caroline.
- Bom, apresse-se, Jane - disse lady Belshire, ofegante, arrumando o
lenço cruzado sobre o peito. - Sedgecroft acaba de chegar. Está todo de
branco, elegante até os dentes. Devo reconhecer que faz muito boa imagem.
Parece-me que os dois irão causar rebuliço.
- Fantástico - resmungou Jane. - Justo o que necessito, causar outro
rebuliço.
Com a aparência de uma abatida rainha das fadas, Athena, lady
Belshire, exalou um longo suspiro de desespero ante o rebelde comentário
de sua filha mais velha.
Claro que o abatimento de Jane, pensou, não tinha nada que ver com
o adorável marquês a quem ela, evidentemente, tinha julgado mal. A triste
verdade era que Jane não esqueceria seu amado Nigel em tão poucos dias, e
o melhor que podia fazer sua família era distraí-la e lhe demonstrar que sua
vida não tinha acabado.
- Quando fala dessa maneira tão imprópria - disse - mataria Nigel
pelo que lhe fez. Mas deve ter presente o título Belshire, querida minha.
-Fez uma profunda inspiração, satisfeita pela forma como tinha decidido
levar isso. - E agora tem Sedgecroft do seu lado.
- Sedgecroft - gemeu Jane, deixando-se cair na cama.
- Uma dama não poderia pedir melhor paladino - disse lady Belshire,
esquecendo que não fazia muito tempo o considerava um libertino
irresponsável. Mas claro, o que importava isso se ele aplicava toda essa
avassaladora virilidade em ajudar a sua filha a sair da desonra. - Na
realidade - acrescentou, pensando em voz alta - Estremece-me pensar o que
fará quando achar Nigel.
- E não estremecem todas? - disse Miranda em voz baixa quando sua
mãe desapareceu da porta.

Capítulo 13

Os jornais dessa tarde já sugeriam um interessante giro no escândalo


do casamento Boscastle: Sir N realmente plantou a lady J ou foi ameaçado
pelo ramo dominante da família? Será que um certo marquês estaria
esperando nos bastidores para atuar? Ou talvez foi esse belo conspirador
que dispôs o cenário?
Isto expunha um mistério a respeito de quando começou realmente
esse drama. Ou a respeito de como acabaria. Por que os pais de lady J
aceitavam tão publicamente esse assunto? Sir N teria desaparecido
totalmente da face da terra? E a pergunta mais sugestiva de todas: Estava
preparando-se outro matrimônio entre essas duas ilustres famílias?
Em poucas horas já não se falava de outra coisa entre os membros da
aristocracia. As conversas se interromperam na casa Southwick quando os
convidados viram Grayson e Jane juntos, embora ela não estivesse
convencida de que não fora sua audácia para apresentar-se repetidamente
em público e a popularidade de Sedgecroft o que gerava essa reação.
As damas decididamente tinham seus olhos postos em seu atraente
acompanhante. Sua esbelta e elegante figura, e seu andar pausado quando
atravessaram o salão de recepção fizeram voltar cabeças e agitar leques por
toda parte.
A opinião de Grayson a respeito do interesse que causava sua
aparição era diferente.
Sim, notava que as pessoas os olhavam; em especial os homens, e o
desejo mal velado que via em seus olhos ao olhá-la, ratificavam-no em seu
temor de que lady Jane Plantão fosse considerada uma mulher fácil.
Mas os ardentes olhares que dirigiam a Jane se apagavam
imediatamente quando ele fixava seu esmagador olhar nos homens que se
atreviam a degradá-la. Então se desviavam os olhares, e havia perguntas
sussurradas e gestos de resignação. Ninguém tinha a coragem de desafiá-lo,
nem por palavra nem por obra. Seu temperamento acomodado lhe tinha
granjeado muito poucos inimigos, mas era famosa sua lealdade para as
pessoas que queria.
Naturalmente tinha visto os jornais. Não lhe incomodavam
absolutamente as elucubrações de que estava cortejando Jane como uma
possível noiva. Tal como predisse lady Belshire, isso parecia elevar o valor
social de Jane, e ele estava contente por ser útil. De fato, tinha ordenado a
seu secretário que não negasse nem confirmasse nada quando o
interrogassem.
Bastaria um sorriso enigmático.
Farto de sua reputação de libertino, não lhe importava se os
aristocratas achavam que estava considerando a possibilidade de casar-se
com Jane. Um matrimônio entre eles era acreditável. Que importava que
alguém pensasse que ele estava atrás do escândalo no casamento?
Que o apelidassem demônio, muito bem.
Na realidade, se tivesse conhecido Jane uns meses antes, teria...o que?
Franziu o cenho, pensativo, escurecendo o rosto. Era provável que tivessem
assistido a vários eventos ao mesmo tempo.
Entretanto, nunca se tinham cruzado seus caminhos. Por que não? Em
sua nebulosa memória viu Nigel se aproximado a ela, protegendo-a de um
malandro como ele, para depois poder feri-la. Isso lhe recordou que só há
duas horas tinha recebido uma mensagem de Heath a respeito do
desaparecimento de Nigel e que teria que achar um momento para falar
com ela a sós. Detestava danificar um agradável serão, mas ela tinha o
direito de saber a verdade a respeito de seu primo.
- O grande idiota - resmungou.
Jane virou a cabeça e o olhou surpresa.
- O que disse?
- Nada. Que passe bem.
- Como? - murmurou ela, olhando os grupos de convidados que
abarrotavam o iluminado salão. - Isto é uma tortura absoluta para mim.
- Ninguém a incomodará estando eu aqui. Ignore.
- Sempre é tão cegadoramente arrogante?
- Acredito que sim.
Instintivamente se aproximou mais a ela. Até o dia de sua morte seria
um mistério para ele por que jovens inteligentes como Jane e Chloe podiam
ver-se tão facilmente prejudicadas pelas opiniões de pessoas virtualmente
desconhecidas.
Escapou-lhe o ar dos pulmões quando um convidado, sem querer, os
fez chocarem-se. O corpo lhe acendeu de desejo ao sentir esse contato muito
breve com o lado de seu peito e seu cotovelo. Desejou saber aí mesmo e
nesse momento como era ela debaixo de seu vestido rosa claro, de que cor
era sua pele em todos os lugares secretos.
O desejo de tê-la em sua cama foi tão intenso e terrível que teve que
apertar fortemente as mandíbulas para evitar agarrá-la em seus braços.
Desviou o olhar, perplexo; não entendia como podia sentir esse desejo
tão potente de seduzir uma mulher de quem assegurava ser amigo. Mas os
ocultos indícios da sexualidade dela o desassossegavam mais e mais cada
vez que a via. Ou seria seu caráter o que o atraía? Que curioso que não
soubesse discernir isso. Talvez uma característica realçava à outra.
Voltou a olhá-la. Tinha o aspecto de sentir-se tão absolutamente
desgraçada que não pôde conter a risada.
- Sempre resiste tanto a desfrutar?
- Como devo desfrutar?
- Dance um pouco. Beba um pouco. - Fez um gesto a um empregado
para que trouxesse para Jane uma taça de champanha. - Converse comigo.
Além disso - acrescentou alegremente, protegendo com seu alto e robusto
corpo o dela - já que estamos aqui, bem poderíamos tentar passá-lo o
melhor possível.
Sorriu-lhe e ele sentiu outro temerário desejo de pegar sua mão e tirá-
la dali para tê-la exclusivamente para ele. Só o trajeto em carruagem com
ela o tinha posto de humor para uma noite de amor. Claro que ela era a
única mulher do mundo que não devia possuir, o que poderia ter algo que
ver com seu desejo de seduzi-la acariciando-a por toda parte.
E agora teria que afligi-la ainda mais lhe revelando o que dizia a breve
mensagem de Heath. Teria que fazê-la chorar lhe explicando que, ao que
parecia, Nigel tinha planejado sua escapada. Ah, bom, melhor deixá-la
desfrutar de uma hora mais antes de lhe dar a notícia que lhe estragaria a
noite.
Tinha descoberto que gostava muitíssimo de fazer Jane rir. Também
gostava de irritá-la, só um pouco, o justo para ver brilhar esses olhos verdes
com tantas e interessantes emoções. Talvez não fosse amável fazer isso, mas
ao que parecia seus demônios não conseguiam resistir a ela. Seus demônios
se sentiam atraídos por Jane de um modo inexplicável, desconcertante.

***

Jane estava passeando o olhar pela multidão de elegantes convidados


em busca de suas irmãs quando Grayson lhe pegou suavemente o braço e a
fez virar-se para ele.
- Procura Nigel? - perguntou-lhe.
- A Ni...? Ah, não, não! - respondeu, sentindo um nó na garganta.
- Não se preocupe - disse ele, sem sorrir. - Não tenho dúvida de que
no seu devido tempo responderá ante os dois. Eu terei uma satisfação
pessoal quando voltar a me encontrar com ele.
Escureceram os olhos dela ao ver a desumana resolução de seu rosto.
Deus santo, muito em breve teria que responder ela ante ele.
- A não ser que tenha morrido - acrescentou ele, quase iludido.
- Eu... isto... espero que não tenha morrido.
- Ah, claro - disse ele, com um tom de desaprovação em sua voz
grave. - Ama-o, por incrível que comece a me parecer essa idéia.
E amava Nigel, de certo modo; tinha-lhe carinho, tal como sentia
carinho por Simon, ao tio Giles ou aos cães da família.
- Conheço Nigel desde sempre. Pôs um sapo em meu berço quatro
dias depois que eu nasci, ao menos isso contam. Quando crianças éramos
inseparáveis.
- Tem uma ideia de onde poderia ter ido?
- Ido? Bom, ouvi-o falar da Escócia uma ou duas vezes.
E falou, sim, como do último lugar bárbaro do mundo que gostaria de
visitar. Nigel era o tipo de homem capaz de ficar sentado em uma poltrona
junto à lareira o resto de sua vida. Ai, quanto detestava ser tão mentirosa.
-Escócia? - repetiu Grayson, carrancudo. - É curioso. Mais passarei
essa informação a Heath.
Ela sentiu descer um calafrio, como gelo, pela coluna.
- Por quê?
- Porque Heath tem o instinto rastreador de um lobo. Tinha muitas
aptidões para o trabalho que fazia no serviço de inteligência secreto.
Lobos. Serviço de inteligência. A envolvente sensualidade que
brilhava nos olhos de Sedgecroft. Isso bastaria para que uma mulher com
menos coragem se deixasse cair em um sofá. Jane sentiu que ia apertando
mais e mais ao redor a rede de seu engano, afogando o senso comum,
frustrando-lhe a escapada.
O baile era uma festa grandiosa. O mestre de cerimônias entregou
uma rosa vermelha a todas as damas assistentes. Uma banda de músicos
italianos deu um concerto durante o jantar, e depois se dispuseram três
salas de jogo para os que queriam jogar cartas. Apesar do elegante
ambiente, Jane não conseguiu relaxar nem um só momento, simulando que
não se fixava nos olhares curiosos que lhe dirigiam todo o tempo.
Nunca lhe tinha acontecido isso antes. A verdade era que se não
tivesse Sedgecroft a seu lado não a considerariam uma pessoa tão
interessante para continuar gerando rumores. E não era que não tivesse
amizades, pois as tinha. Mas o escárnio que a rodeava se teria acabado logo.
Teria passado feliz ao esquecimento antes que terminasse a temporada.
Mas ninguém se desentendia do marquês.
Era-lhe impossível não estar consciente dele, nem sequer um
segundo, e o ter a seu lado tão atento e vigilante não fazia nada para lhe
acalmar a ansiedade.
Sentia-se como se estivesse acompanhada por um enorme leão
dourado que poderia tornar-se feroz a qualquer momento. Quem podia
saber o que pensava realmente ele de tudo isso? Esses olhos azuis de
pálpebras entreabertas não revelavam nada, e continuava tendo a terrível
sensação de que pagaria caro seu engano.
Ele dançou com ela duas vezes. E depois, com a maior naturalidade,
levou-a dançando a valsa pelas portas de vidro que davam ao jardim. Ali
um grupo de jovens tinham improvisado o jogo da galinha cega.
- O que vamos fazer? - perguntou, divertida resistindo a descer a
escadaria do terraço que levava ao jardim de grama, iluminado por
lanternas.
- Seriamente quer dançar com todos esses presunçosos que nos
observam? -brincou ele. - Agora sei de onde vem esse cenho esquivo. Seu
irmão me olhava carrancudo como se quisesse atirar-se sobre mim para me
bater a qualquer momento.
Jane sorriu.
- O Cenho Belshire não pode ser tão perigoso como os Azuis
Boscastle.
Ele parou ao pé da escadaria de pedra, pestanejando com ar inocente.
- Os Azuis Boscastle? Isso é uma espécie de regimento?
Ela contemplou seu anguloso rosto travesso. Continuava tendo-a
presa pela mão, bom, seus dedos estavam enluvados mais essa cálida
pressão lhe produzia uma revoada de excitação proibida no mais profundo
do ventre. Era forte a tentação de apertar-se a esse corpo forte e duro e
simular que o resto do mundo não existia.
- A maldição dos Azuis Boscastle - disse. - E não faça como se não
soubesse o que é.
Ele encolheu os ombros, perplexo.
- Pois, não sei. É algo horrível?
- Só para a vítima, para uma dessas almas desafortunadas que cai sob
o feitiço desses olhos azuis.
- Bom, lamento que minha família a tenha escolhido como vítima.
- Não parece que o lamente muito.
Ele a olhou curioso.
- Não quis dizer "minha" vítima, querida. Referia-me a Nigel.
- Aah.
Poderiam lhe arder mais ainda as faces? Como pôde esquecer que
deveria estar derrubando-se de pena pelo abandono de Nigel e não
combatendo a atração por seu primo pecaminosamente desejável?
- Ele tem os olhos verdes, em todo caso - disse.
- Então talvez se possa anular a maldição - disse ele, aproximando-se
mais para lhe afastar um cacho solto do ombro.
Ela captou o aroma de seu sabão de barbear e estremeceu
involuntariamente.
- Mmm, é possível.
- Ei, vocês dois, jogam? - gritou uma voz amistosa, e um jovem tirou a
atadura dos olhos um instante antes de saltar sobre o degrau para subir. -
Ah, olá, Sedgecroft. Surpreendi-os?
- Ainda não - respondeu Grayson, levando-a firmemente pelo atalho
ladrilhado, entrando-a no jardim onde titilavam bonitas lanternas de
fantasia. - Dê-nos uma oportunidade.
- Mais eu não quero jogar - protestou Jane.
- Bom, nem eu, mas tampouco tenho o menor desejo de que me
acusem de trazê-la fora para um encontro amoroso. - Percorreu estes jardins
à luz da lua?
Ela o olhou desconfiada.
- Parecem-se em algo ao Pavilhão do Prazer.
- Preciso falar com você.
- Isso acho bastante detestável, Grayson. Por que este secretismo tão
de repente?
- Não quero que nos ouçam. Separemo-nos e encontremo-nos no
centro do labirinto.
- Mais o labirinto não está iluminado.
- Sei. Não tenha medo. Eu estarei com você.
- E é necessário que nos ocultemos como espiões?
- Só porque quero proteger seu nome. Venha.
Sorrindo, observou-a entrar no labirinto de sebes de alfena;
imediatamente se equivocou e teve que virar-se para lhe pedir ajuda.
- Pode ser que tenha bom senso, Jane, mas não tem o menor sentido
de orientação - disse através da sebe. - Não, toma o da direita. Eu me
reunirei com você do outro lado.
- Todos nos viram chegar juntos - sussurrou ela, olhando na direção
de onde vinha a voz. - O que acha que vão pensar?
Ele não respondeu, pelo que supôs que estava falando sozinha, até
que um forte par de mãos lhe pegou os ombros e a virou. Reprimiu o grito
ao olhar e ver seu rosto sorridente.
- Talvez vão pensar que estamos presos em um amor maior que
jamais viu o mundo - respondeu ele, tão atraente na penumbra que ela
meio desejou que isso fosse verdade. - Que você é uma mulher fatal a quem
não pode resistir nenhum homem.
- Ah, sim? E não lhe ocorreu escrever para os folhetins de intrigas?
Espere, entrou-me uma pedra no sapato.
- Aqui. Sente-se neste banco. Eu a ajudarei. Acredito que não nos viu
ninguém.
Ela se sentou obedientemente no banco esculpido em pedra e ele se
ajoelhou, tirou-lhe o sapato de baile e lhe passou os longos dedos pela
planta coberta com a meia, até que ela suspirou.
- Melhor?
- Muito melhor. - Pela perna ia subindo um traiçoeiro calor. - Agora
posso pôr o sapato?
- Não sei - disse ele, lhe movendo o pé a um lado e outro. - Tem um pé
muito bonito. Talvez o acrescente a minha coleção. Há homens assim, sabe?
Não, provavelmente não sabe. Vejo que ninguém se colocou em seus
sapatos antes.
Sorriu-lhe pesarosa.
- Esse é seu prazer secreto, Sedgecroft? Os pés?
Ele se endireitou, rindo.
- Não. Eu prefiro o todo em lugar de umas poucas partes.
- Que democrático.
Ele se levantou e se sentou a seu lado.
- Em seu caso - disse, lhe produzindo vibrações por toda a pele com
sua voz grave e profunda - um homem teria dificuldade para decidir que
parte é mais desejável.
- Isso era o que queria me dizer?
- Não. - Desvaneceu-se seu sorriso travesso, pegou-lhe a mão e
deslizou o indicador pelas pontas dos dedos enluvados. - Não são muitas as
pessoas que sabem que meu irmão Heath trabalhou como espião para a
Coroa há um tempo.
Jane ficou muito quieta, sonolenta por sua carícia. O que quereria lhe
dizer?
- Não tinha nem ideia - disse.
- Heath é muito inteligente.
E um sedutor também, pensou ela, ao menos isso asseguravam suas
irmãs.
- O que quer dizer?
- Encarreguei-o de procurar Nigel - disse ele, passado um momento. -
Falei disto em privado com seu pai, Jane, e os dois estivemos de acordo em
que isso era preferível a contratar a um agente de Bow Street.
Formou-se um nó de nervos no estômago dela.
- Ah, mais não tinha por que...
- Não o fiz só por você. A conduta de Nigel fez uma irreparável trinca
no sobrenome Boscastle. - Ao ver que ela ia dizer algo, pô-lhe o polegar nos
lábios para impedir. - Sim, sei que os outros não são, como dizer, um
exemplo de virtudes, mas normalmente somos mais discretos e não
humilhamos uma mulher em público.
Ela expulsou o fôlego quando lhe tirou o polegar dos lábios.
- Heath o achou, então?
- Não, mais descobriu que viram Nigel subindo a uma diligência em
Brighton. Para onde ia, ainda não descobrimos, mas não demoraremos
muito em dar com ele - acrescentou, em tom mais resoluto ainda, zangado.
- Heath é muito perseverante.
Brighton, pensou Jane, tentando pôr uma expressão impassível para
ocultar seu alarme. Nigel tinha uma tia em Brighton, pelo que era muito
possível que tivesse feito uma parada aí com Esther, para logo continuar até
a pitoresca aldeia de Hampshire que tinham escolhido para estabelecer sua
casa.
Mas Sedgecroft não sabia isso. Afinal, com toda sua arrogância e ares
senhoriais, só era um ser humano, não uma deidade onisciente. Não
poderia seguir a pista de Nigel até uma aldeia rural quase invisível.
Ele se levantou, esticando com seus largos ombros o tecido de seu
elegante fraque negro. Seu cabelo loiro, que levava algo longo, brilhou à luz
da lua quando puxou o golpe seguinte:
- Acredito que deveria saber que Nigel tem uma tia em Brighton, a
mulher de um advogado aposentado.
Ela se levantou bruscamente, sentindo que lhe amontoava o sangue
na cabeça, enquanto ele continuava:
- É muito possível que passasse a noite aí para logo continuar viagem
a... - Se interrompeu para agarrá-la pelos ombros. - Meu Deus, Jane, não vai
desmaiar, não é verdade?
- Não sei - disse ela, com uma voz fraca. O que faria ele agora? Tirar
Nigel do bolso de seu colete. - Continuar viagem a... para onde?
- Só Deus sabe. Mas acredite, descobrirei. - Apertou-lhe suavemente
os ombros, olhando-a com rosto compassivo, mas resoluto. - Sei que isto
não resolve seu problema, mas espero que pelo menos faça-a sentir um
pouco melhor.
- Evitam-me as palavras. Não consigo nem começar a explicar como
me sinto.
- Então, volte a sentar-se. Parece-me que se sente algo indisposta.
Ela se sentou no banco, engolindo a saliva.
- Não me passará nada.
- Claro que vai a...
O som de pegadas sigilosas ao outro lado da sebe interrompeu a
conversa. Até eles chegaram sussurros e risadas; era evidente que um
homem e uma mulher estavam desfrutando de prazeres clandestinos.
Jane olhou para Grayson consternada, levantando-se com a intenção
de escapar. Em sua opinião, era quase tão vergonhoso ouvir furtivamente
uma conversa durante uma entrevista amorosa como ser surpreendida em
uma, mas, a verdade, essa interrupção foi um verdadeiro alívio.
- O que fazemos agora? - perguntou em um sussurro.
- Esperar - sussurrou ele, olhando para a sebe.
Ela obedeceu, embora a contra gosto, e só passado um momento
compreendeu o motivo porque ele estava com o cenho franzido.
- Me diga, pois, Helene - disse a voz do homem - antes que eu pereça
pela incerteza, acabou-se seu romance com Sedgecroft?
Jane reteve o fôlego, engolindo uma exclamação de surpresa. Era
Helene Renard, a bela e jovem viúva francesa cujo marido inglês tinha
morrido ainda não fazia três meses, a mulher a que, supostamente,
Sedgecroft esteve cortejando com o fim de fazê-la sua seguinte amante. Sem
dúvida era um escândalo que se apresentasse em público tão cedo, durante
seu período de luto, e nem sequer com roupa negra ou cinza. Vestia-se de
rosa.
Sim, através da sebe se via parte do vestido de cetim rosa forte de
Helene. Rosa forte, a cor da pele de certas partes de uma mulher. A cor que
satisfazia o gosto de certo réprobo.
Em nome do sexo feminino em geral, olhou carrancuda ao homem
que estava sentado a seu lado.
- Se acabou meu romance com Sedgecroft? - murmurou Helene,
asperamente. - É impossível dizer isso, posto que nunca começou. E agora
ele anda por aqui com essa ratinha abandonada, Janet.
- Jane - emendou seu acompanhante.
Jane pareceu reconhecer a voz do corado lorde Buckley, o herdeiro de
uma imensa fortuna que não demoraria para esbanjar em jogo e mulheres.
Não lhe agradava, imaginou suas bochechudas faces avermelhadas.
- Eu não a acho nada ratinha, Helene - continuou ele, em tom
vacilante. - Na realidade, a acho muito atraente, de certo modo distante,
fria, isso sim - se apressou a acrescentar.
Bom, pensou Jane, talvez tivesse que revisar sua opinião dele. Mas se
recuperou de ter sido chamada "essa ratinha abandonada". Seriamente se
parecia com um camundongo? Teria isso algo que ver com sua predileção
pelo cinza?
Olhou para Sedgecroft, e ante seu meditabundo silêncio se esqueceu
de tudo o que estava pensando a respeito de si mesma. Se em realidade era
Helene a mulher que, segundo os rumores, ele desejava converter em sua
amante seguinte, tinha que lhe ser doloroso ouvir essa conversa. Ela não
sabia se lhe importava tanto Helene para desafiar em duelo a Buckley. Que
escândalo se armaria se a acusassem de ter provocado um duelo. Claro que
a possibilidade de que houvesse um duelo dependia da reação de Grayson
ante essa reveladora conversa.
Indiferente, despreocupado, magoado? Era impossível tirar alguma
conclusão desses olhos azuis entreabertos nem do leve sorriso que
esboçavam esses lábios tão bem modelados. A julgar pela emoção que
expressava seu rosto igualmente poderia estar escutando um recital de
poemas. A maioria dos homens estariam lívidos de fúria por ouvir-se trair
pela mulher que inspirava seu interesse amoroso.
- Vai considerar minha proposta? - perguntou Buckley, depois de um
silêncio durante o qual Jane só pôde supor que estiveram se beijando. - Já
fiz redigir o contrato, e não lhe faltará nada.
- Pergunte-me isso pela manhã. Esta noite estou de péssimo humor.
- E sobre Sedgecroft?
- O que acontece com ele? - perguntou Helene, em tom cortante.
- Bom, quero dizer, tem uma certa reputação, não só como amante,
mas sim como lutador.
- Quer muitíssimo a si mesmo.
- Mais me disseram...
- É um aborrecido - exclamou Helene, veemente. - Sim, aborrece-me
de morte; faz-me saltar as lágrimas de aborrecimento.
- Inclusive na cama? - perguntou Buckley, em tom de incredulidade.
Helene exalou um suspiro tão melancólico que Jane não pôde evitar
olhar para Grayson com as sobrancelhas arqueadas. Ele encolheu os
ombros, e teve inclusive a elegância de parecer sobressaltado.
- O que quero dizer - continuou Buckley em voz baixa - é que talvez
devesse lhe pedir permissão para se relacionar comigo. Não me faz
nenhuma graça a idéia de enfrentá-lo em um duelo.
- Se quiser sua opinião, pergunte-lhe você, Buckley - disse Helene, e
sua voz soou mais apagada, pois já tinham voltado para centro do caminho.
- Quer dizer, se consegue arrancá-lo das garras dessa patética ratinha. Não
consigo imaginar o que vê nela.
- Essa elegância Belshire é muito impressionante - disse seu
acompanhante, imprudentemente.
- Oh, vamos, Buckley, cale-se - replicou Helene. - Os britânicos são
insuportáveis com essa obsessão por suas linhagens. Eu digo que é lady
Ratinha, a princesa dos ratos. O mais provável é que grite quando
Sedgecroft se deita com ela.
Jane afogou uma exclamação, indignada, e já quase se levantava
quando Grayson lhe pegou o braço e voltou a sentá-la a seu lado. Embora
provocasse um escândalo, não vacilaria em sacudir essa mulher até deixá-la
inconsciente...
- Não grite, minha adorável ratinha - sussurrou ele, travesso - Espere.
Ela cruzou os braços e jogando atrás a cabeça ficou a contemplar o céu
estrelado. Sobressaltou-se quando, passado um minuto de silêncio, ouviu-o
rir em voz baixa.
Olhou-o por cima do nariz.
- Ficou totalmente louco?
Ele a apontou com o indicador.
- Seu rosto... deveria se ter visto quando disse...
- Não é necessário que repita nada - disse ela, indignada - Ouvi cada
palavra insultante.
Ele estava zombando dela, e nem sequer tentava dissimular sua
diversão. Que tipo de homem era? Sentiu arder o rosto. Em que tipo de
mulher se converteu ela?
- Bom - disse ele, emitindo uma rouca risada travessa, e inchando as
faces, em um ridículo esforço de parecer controlado.
- Bom o que?
- Tem que reconhecer que foi uma conversa interessante - murmurou
ele, com os olhos dançando pela risada.
- Para você é fácil dizer isso - disse ela, afastando os pés dos seus. -
Ninguém o acusou que parecer um roedor.
- Bom, essas não foram minhas palavras - respondeu ele, negando
com a cabeça - nem meus pensamentos.
- Por que ri, então?
- Você também está rindo.
- Agora rio, mas a princípio não, homem cruel. Senti-me muito
ofendida.
Ofendida pela quase amante do malandro que a estava protegendo
das conseqüências de sua arrevesada obra. Já via quase impossível sair do
enredo que tinha armado.
Ele sorriu.
- Não se zangue comigo. Jamais te acusaria de parecer uma ratinha.
-Ah, não, só uma pomba. Ou um mocho.
Ele a olhou nos olhos profundamente, de uma maneira que ela supôs
era uma tentativa de parecer sincero.
- Jane, só é risível porque é ridículo. É uma mulher desejável, como já
lhe disse.
- Não me sinto absolutamente desejável, obrigada. Sinto-me com
vontades de roer um pedaço de queijo. Acha que ao chef austríaco lhe
sobrou algo do queijo de Cheshire?
Pôs a mão sob seu queixo e lhe virou a rosto para o seu. Já não estava
rindo. Na realidade, estava muito sério.
- Disse-lhe que é desejável. Acha que só o digo para fazê-la sentir-se
melhor?
- Não, porque se desejasse me fazer sentir melhor iria procurar um
pedaço desse queijo. E um pão-doce bem rangente para...
O escuro brilho de desejo não dissimulado que viu nos olhos dele fez
expulsar todos os pensamentos da cabeça. Nenhum homem a tinha olhado
jamais com esse desejo tão nu. Claro que ela nunca se pôs em uma situação
que a fizesse tão vulnerável à sedução. Que professor nessa arte, Deus
santo.
Seria possível que visse nela algo que ninguém mais via? Quando a
olhava assim sentia a tentação de acreditar nele. Embora não fosse sincero,
produzia-lhe uma sensação muito agradável. Os dois poderiam continuar
sentados sozinhos em meio desse labirinto escuro, e isso já seria estímulo
suficiente para encher toda sua noite.
A Jane sensata disse a si mesma que deveria lhe pedir que a levasse de
volta ao salão, mas estava cravada no banco. Aparentemente o escândalo do
casamento não tinha satisfeito sua capacidade de buscar problemas. Mas a
tinha desatado.
- Talvez nos dois vamos ser desafortunados no amor esta temporada -
disse ele, pensativo, inclinando a cabeça para a dela.
Ela reteve o fôlego, esperando em desesperado suspense. Essa Jane
desatada não tinha nem o mais mínimo sentido de vergonha.
- Não lhe importa ter dito que a aborrece de morte?
Ele esboçou um leve sorriso.
- Aborreço a você?
- Ah, não.
- Bem, pois.
Ela sentia no corpo o calor que emanava do corpo dele. Penetrava-lhe
a pele, entrava-lhe no sangue e nos ossos, lhe roubando a força.
- Não vai fazer nada a respeito de Buckley? - perguntou, lhe olhando
o rosto, fascinada.
Ele se aproximou outro pouquinho ao rosto. O pulso de Jane acelerou
até um rápido galope.
- Para que? - disse ele. - Parece que tem bom gosto com as mulheres.
- Helene é muito bonita - murmurou ela, embora secretamente
pensava que a mulher merecia cair em uma toca de coelhos e não sair nunca
mais daí.
- Ao dizer sobre seu gosto com as mulheres se referia a você, Jane.
Essa elegância Belshire "é" impressionante.
- Bom...
Emoldurou-lhe o rosto entre as mãos e a beijou, profundamente, lhe
devorando os lábios como se sua vida dependesse de reduzi-la a uma
ofegante rendição. Ela apoiou a mão em seu peito, e seus dedos se acharam
com uma parede granítica de músculos sob a qual pulsava seu coração com
o forte ritmo do desejo. Forte. Quente. Masculino até a última polegada.
- Sim, me acaricie, Jane - sussurrou. - Deixe que eu lhe faça o mesmo
favor. -Deslizou as pontas dos dedos desde seu ombro até o vale entre os
seios e então passou a mão de um a outro lado lhe roçando os dilatados
mamilos até que ela gemeu. - Você e eu traçaremos nossa própria sorte -
murmurou, lhe agarrando a borda da orelha entre os dentes.
Daí desceu a boca pela curva do pescoço. Ela não tinha idéia do que
quis dizer com "sorte", só podia tentar controlar os estremecimentos de
excitação que lhe percorriam todo o corpo como raios. Suas capazes mãos
não demoraram para subir e descer por todo seu esbelto corpo, em evidente
gesto de posse, lhe acariciando as curvas da cintura, a leve elevação do
ventre, o quente espaço entre as coxas. Incrível. Em um segundo já conhecia
seu corpo melhor que ela. Arqueou-lhe as costas, ao sentir correr por suas
veias a excitação. Quando ele a acariciava se convertia na Jane desatada,
diferente, exuberante e viva, muito preparada para ser seduzida, ardendo
com os desejos mais escandalosos que poderia imaginar-se. Cada roce de
sua firme e formosa boca, cada exploração com suas mãos e dedos,
sensibilizava-lhe a pele.
- Aproxime-se mais - disse ele, com a voz rouca, atraindo-a para si até
que ficou virtualmente sentada entre suas coxas, com a mão dele colocada
sob suas nádegas. - Assim está melhor, não é verdade?
- Melhor para que? - perguntou ela em um sussurro, sentindo um
desejo tão intenso por dentro que lhe doía.
Na capela ele percebeu que Jane tinha um corpo sensual, a fantasia
secreta de um homem. Entregou-se, pois, a essa fantasia, explorando suas
voluptuosas curvas, seus bem arredondados seios, seu bem formado
traseiro, tendo-a sentada tão comodamente entre suas coxas.
- Desejei fazer isto no dia de seu casamento - disse, afundando o rosto
entre os brancos montículos de seus seios, e aumentando a pressão ao redor
de sua caixa torácica.
- Me senti enfeitiçado por você enquanto esperava ante o altar.
Ela arqueou as costas, rindo de surpresa e prazer.
- Bom, levando em conta o escândalo que causei, fez bem em não
atuar segundo seus impulsos.
Desceu-lhe as mangas pelos ombros até deixar a descoberto seus
tentadores seios. Fechou a boca sobre um escuro mamilo e pegou entre os
dentes a ponta já dura para atormentar-lhe com a língua. Chateava-lhe ter
entre eles o vestido, e não estar em um lugar que lhe permitisse uma
exploração ininterrupta. O que estava fazendo era impetuoso, temerário,
imprudente, uma loucura, mas estava desfrutando encantado de cada
momento. Claro que não se permitiria chegar muito longe. Mas no
momento estava tão excitado que não conseguia raciocinar.
Descendo a mão esquerda lhe achou o tornozelo e lhe levantou as
saias até o joelho e ali fechou a mão, lhe acariciando a sedosa curva. Um
segundo depois lhe estava acariciando a sedosa pele por cima da meia,
subindo a mão até o quente triângulo de pele úmida entre as pernas.
Imaginou o prazer de saboreá-la ali, de estar dentro dela, e o desejo passou
como uma faca por todo seu corpo.
Ela estremeceu quando ele enredou o indicador em seu ninho de
cachos, mas a comoção foi substituída imediatamente por um desejo tão
intenso que não pôde mover-se.
Tinha desejado libertar-se de Nigel, para ter a oportunidade de achar
seu próprio amor, e era isso o que tinha conseguido em troca? Crepitava-lhe
o sangue com essas carícias íntimas e, embora sentisse medo, a espera lhe
eletrizava todas as terminações nervosas. Estar assim com Grayson
superava tudo o que tinha experimentado em sua vida, e em suas fantasias
pessoais.
Ele gemeu com a boca junto à sua.
- Ui, Jane, está tremendo. Relaxe, e deixe que lhe dê prazer.
- Relaxar? Sinto-me como se fosse morrer.
- Não vai morrer. Bom, talvez de certo modo, mas, confie em mim,
será muito agradável.
- Confiar em você? -sussurrou ela, em um fôlego. - Olhe aonde me
levou confiar em você.
Então me ordene que pare, pensou ele, porque não conseguia achar a
força de vontade para pôr fim a esse exercício de auto tortura. A ela nunca
tinham acariciado assim, e de maneira nenhuma podia deflorá-la ali, em um
banco de jardim. Embora o desejasse. Desejava enterrar-se até o fundo nesse
sedutor calor, mergulhar nessa ardente paixão ainda não despertada. Seu
aroma lhe enchia a mente lhe produzindo uma negra e egoísta paixão. Uma
paixão tão intensa que fazia tremer todo o corpo.
Jane afundou o rosto em seu pescoço, tentando combater essa
deliciosa neblina sensual que se abatia sobre ela. Quando lhe afastou as
molhadas dobras da vulva e lhe introduziu um dedo na vagina,
surpreendeu-se tanto que não foi capaz de resistir, e a distraiu tanto a
insuportável onda de prazer que não pôde montar uma defesa. Já tinha
bastante tentando aferrar-se à prudência quando suas carícias a levaram ao
limite e mais à frente, até lhe liberar a crescente tensão da excitação em
rajadas de sensações incríveis. Ah, maravilha de maravilhas. Que prazer tão
intenso, vertiginoso. Sua cabeça descontrolou-se, mergulhada em um
borrão de cores.
Ele a tinha abraçada com tanta força que lhe custou fazer uma
inspiração para voltar, a contra gosto, à terra. Na distância se ouviram
risadas e vozes, que foram aumentando em volume, como o zumbido de
abelhas. Era evidente que um grupo de convidados vinham aproximando-
se do labirinto. Girou a cabeça, assustada.
- Acho que...
- Ouço-os - murmurou ele com voz rouca, com o rosto afundado em
seu cabelo. - Não se passa nada. Vamos recompô-la, querida. Não se
danificou nada.
Dissimuladamente ela arrumou a blusa e alisou a saia.
- A você não, talvez - disse com a voz trêmula. - A mim... acredito que
nunca voltarei a ser a mesma. Céu santo, tremem-me as mãos, Grayson.
Tenho todas as partes de meu corpo no lugar que corresponde?
Ele a examinou dos pés à cabeça e deteve seu sagaz olhar em seu
rosto. O cavalheiro branco havia voltado a fracassar rotundamente em suas
intenções cavalheirescas. O que tinha feito a ela essa noite? Que loucura
tomou conta dele?
- Umas partes muito formosas, por certo - disse, docemente. - Me
parece uma lástima escondê-las. - Colocou-a em pé e a reteve um momento
entre seus braços, pensando se depois disso ela fugiria dele e não voltaria
jamais. Como encaixava o seduzi-la em seu plano de ajudá-la. - Parece
inclusive melhor que antes - acrescentou em voz baixa. - Sou eu o que vou
voltar para a festa com meu ruibarbo inchado e tudo levantado.
- Seu Rui...
- Nos apressemos, Jane, antes que sintam nossa falta. Não devem nos
ver sair juntos do labirinto. - brincadeiras aparte, de maneira nenhuma iria
correr o risco de envolvê-la em outro escândalo. - Vamos procurar esse
pedaço de queijo que tanto deseja, não é?

Capítulo 14

Quando chegaram ao jardim caminharam juntos pela erva, inspirando


o ar noturno para esfriar a paixão. Tinha segurado sua mão mas a soltou
quando chegaram à parte iluminada por uma lanterna e se mesclaram com
o grupo de convidados que estavam fora como se nunca se tivessem partido
daí. A verdade era que ele não desejava lhe soltar a mão. Tinha agido mal se
aproveitando de sua vulnerabilidade. Mas, por sua vida, era-lhe impossível
resistir a ela.
O que tinha Jane que o descontrolava dessa maneira, quando tinha
conhecido todos os tipos de ardis femininos que existiam sob o sol? Pensou.
E então compreendeu.
Jane era simplesmente ela mesma. Não se dava ares, não estava
empenhada em apanhá-lo nem impressioná-lo. Era Jane e isso era mais que
suficiente.
Felizmente, ninguém tinha sentido sua falta. Pelo que todos sabiam,
bem poderiam ter estado todo esse tempo conversando nessa parte do
jardim. Mas de todo modo isso não devia continuar. Ele tinha que refrear-
se, se não Jane acabaria pior do que estava antes.
- Me vai tornar insensata cada vez que estejamos juntos? - perguntou-
lhe ela, sem olhá-lo.
Ele a olhou com um triste sorriso.
- Suponho que mereço isso.
- Isso não era parte de seu plano para me redimir ante a sociedade,
não é verdade?
- Nunca faço planos com muitos detalhes, ao menos se tratando de
mulheres. Sendo seres imprevisíveis, deve lhes dar certa liberdade de
expressão se a pessoa quer conservar a paz.
- Essa não é uma resposta, Grayson.
- Sentiria-se melhor se programássemos estas "atuações"?
Ela exalou um suspiro.
- Eu tive tanta culpa como você, mas acredito que me sentiria melhor
se controlássemos o desejo de cometê-las.
- Cometê-las? Como se fossem pecados mortais ou assassinatos. -
parou junto a um canteiro, com o rosto às escuras, já que a luz da lanterna
estava atrás. - É por Nigel, não é verdade?
- Nigel não tem nada a ver com isto - disse ela, tentando dizê-lo em
tom muito convincente.
- Sim, tem que ver. Entendo um pouco de mulheres, Jane. No fundo
de seu coração tem a esperança de que retorne. Sendo uma mulher leal,
uma mulher íntegra, quer lhe demonstrar que não caiu na tentação
enquanto ele estava em sua peregrinação de solteiro.
- Que peregrinação de solteiro?
- Parece que no desaparecimento de Nigel não houve nenhum tipo de
violência. Por desgraça acredito que está vivo.
-Lamenta que seu primo não esteja morto?
- Isso teria economizado o problema... quer que descubra a verdade
ou não?
Um mau pressentimento passou por ela ardendo como um rastro de
pólvora. Até que ponto da verdade se aproximaria ele? Nigel tinha
prometido não deixar rastros e manter-se oculto até que os dois decidissem
que já não havia perigo em dar a conhecer seu matrimônio com Esther.
Nenhum dos dois tinha contado com a intervenção de Sedgecroft,
nem com a de Heath. Em que jogo mais complicado se converteu tudo.
Fez uma inspiração lenta e profunda, para reunir toda sua coragem.
- Falando da verdade, acredito que deveria saber o que sinto por
Nigel.
- Sei - disse ele, carrancudo.
- Não pode saber.
- É uma mulher inteligente, especial, Jane, mas não é tão perita em
ocultar seus sentimentos como poderia acreditar.
- E você, Grayson? -perguntou ela, timidamente.
Ele a olhou sorrindo, perplexo.
- O que quer dizer?
- Não lamenta sobre Helene?
- Deve estar brincando.
- Não, não é brincadeira. Deve ter lhe ferido os sentimentos.
- Nem um pouco.
- É sincero comigo, ou isso é orgulho?
- Acho a situação muito divertida e iluminadora.
- Mmm. Alguém quer dar uma boa imagem.
- Vamos, quem poderia ser?
Ela o olhou sorrindo cética.
- Digamos que um de nós é um valente soldado, e não sou eu. A
mulher que devia ser sua amante anda exibindo-se por aí com outro
homem.
- Minha querida Jane, se Helene significasse algo para mim, acha que
você e eu estaríamos a sós nesse labirinto?
Ela vacilou, e a salvou de responder a aparição de seu irmão, que
vinha caminhando para eles. Ainda nem começava a entender esse
interlúdio mágico ocorrido no labirinto. Uma complicação parecia levar a
outra, até que sua vida se converteu em um verdadeiro nó.
- Ah - disse - aí aparece Simon, por fim; só se atrasou vinte minutos
em investigar o que estávamos fazendo.
Grayson começou a rir.
- Vamos, Jane, volta a aparecer esse lado sensato teu.
- Sim - disse ela, passando pela frente dele a passo enérgico. - E se
atrasou vinte minutos para me ser útil.

***

Jane se sentia absolutamente desgraçada, dançando com jovens que


ou eram tão estúpidos que não entendiam que ela era um escândalo
ambulante, ou estavam tão desconectados socialmente que não lhes
importava. Como ia poder concentrar-se em uma verdadeira conversa
quando ainda tinha o coração acelerado pelo acontecido com Grayson?
Como pôde meter-se em um jogo no qual não tinha a menor esperança de
ganhar? Quanto mais conhecia Grayson, mais enfeitiçada se sentia por ele.
E essa maneira de acariciá-la, Oh, ainda lhe tremia o corpo.
- Vamos, basta de olhá-lo - resmungou. - Aí como um leão.
- Perdão, o que disse? - perguntou-lhe seu par, quando os últimos
passos da dança os reuniram.
Ela abriu o leque.
- Disse que estava cansada de ficar na fila.
- Ah, sim, é uma dança tola, não? Gostaria de uma limonada?
- Sim, se não se importar. Tenho muita sede.
Dizendo isso pôs-se a andar pela pista de baile em direção à Cecily,
que estava dando audiência ante um grupo de amizades aristocráticas. Não
podia desentender-se de Sedgecroft, pelo que lhe fez um dissimulado gesto
com a mão. O sorriso que lhe dirigiu ele foi francamente presunçoso,
enlouquecedor, um aviso de que nunca lhe permitiria esquecer o que
acabava de ocorrer entre eles.
Estranhava sua facilidade para aceitar o que tinham feito, por que não
se sentia mais horrorizada e arrependida, em lugar de sentir prazer na
sensação de bem-estar produzida por seu glorioso pecado. Sabia tudo a
respeito da reputação dele com as mulheres, mas ninguém lhe tinha
explicado nunca quão maravilhoso era ser objeto de suas atenções.
Ninguém lhe tinha explicado tampouco que embora pudesse planejar sua
vida com métodos retorcidos, o que ocorria a seu coração era outro assunto
totalmente diferente.

***

Grayson esteve observando Jane dançar com dois ou três jovens galãs,
que sem dúvida se sentiam atraídos pelo radiante rubor de suas faces. Bom,
pensou cinicamente, com o ombro apoiado em um dos enormes pilares do
salão de baile, ele podia atribuir a si a responsabilidade de pôr esse rubor
em suas faces. Deveria lhe ter pedido desculpas em lugar de brincar. Mas
nesse momento lamentava mais não ter estado em posição de levar algo
mais longe as carícias. A verdade era que talvez já tinha feito mal suficiente
por uma noite e não devia continuar sua relação com ela. Maldição, como
lhe pôde ocorrer fazer isso, no que estava pensando? Longe estava a sua
capacidade para raciocinar.
Mas adoraria atraí-la a sua cama; desejava lhe fazer amor de todas as
maneiras conhecidas como as que não. Entretanto, esse prazer não seria
dele jamais. As obrigações familiares eram sua prioridade, disse a si
mesmo. E isso também lhe recordou que Chloe se mostrou francamente
desdenhosa ante sua ameaça de enviá-la ao campo se lhe desse um só
motivo mais para desconfiar dela. Sua infelicidade, sua rebeldia,
preocupavam-no tremendamente. Só era questão de tempo que sua atitude
desafiante o obrigasse a fazê-lo.
Seus pensamentos voltaram para Jane. Seu aroma, a suave textura de
sua pele, a tímida e ousada exploração de seu corpo quando o acariciou;
essas carícias tímidas o levaram a ponto de ebulição. Não sabia o que fazer
consigo mesmo fora estar ali, tremendo por dentro, como um adolescente.
- Vai jogar cartas? - perguntou-lhe um amigo.
Ele encolheu os ombros, pensando que lhe viria bem um descanso de
seu exercício de auto tortura.
- Por que não?
Enquanto se voltava para ir à sala de jogo, viu um jovem alto de
cabelo moreno afastar-se do grupo de Cecily para olhar para Jane com uma
expressão que ele reconhecia muito bem.
- Denville, quem é esse homem, que está olhando para Jane como um
falcão?
- Ah, o barão Brentford, não?
- Parece algo veemente.
- Veemente é a palavra. O ano passado tentou matar-se quando Porcia
Hunt o deixou por seu irmão. Vem ou não?
- Sim, dentro de um minuto.
Observou com os olhos estreitos. Jane estava olhando nos olhos do
sinistro barão, assentindo muito séria ao que fosse que lhe estava dizendo.
De repente desviou os olhos e se encontrou com o pétreo olhar dele, como
se tivesse percebido sua desaprovação.
Sorriu-lhe indecisa, não correspondeu ao sorriso. Era muito provável
que ao barão o considerasse um bom partido, mas a um espírito alegre
como Jane não fazia nenhuma falta um pretendente emocionalmente
instável para somar a suas penas. Levando em conta quão bem tinha
aceitado o abandono de Nigel, ele tinha que elogiar sua fortaleza interior.
Fez-lhe um firme gesto negativo com a cabeça. Ela podia achar a
alguém melhor. Mas quem seria um homem digno dela? Pensou.
Não sabia o que fazer; sentia-se desconcertado. Isso era estranho. No
banco do labirinto ele e Jane tinham estado mais perto de fazer amor do que
ele jamais teria sonhado, e de qualquer modo ele continuava ali,
espreitando nas sombras, sentindo-se carregado de culpa, enquanto ela
dançava e fazia todo o possível por desentender-se dele. Seria isso uma
simples representação para demonstrar ao mundo que sobreviveria ao
abandono de Nigel? Bom, não podia culpá-la por seguir seu conselho.
- Já o abandonou sua última conquista, Sedgecroft? - disse uma voz
glacial junto a seu ombro.
No sugestivo sotaque francês reconheceu a voz de Helene, a mulher a
quem durante um breve espaço de tempo pensou em converter em sua
amante; nas últimas semanas seus encantos tinham adquirido um decidido
deslustre. A contra gosto se virou para olhá-la.
- Não vejo Buckley a seu lado. Soltamos sua cadeia, não é?
- Foi me buscar uma bebida - disse ela. Observou-lhe o formoso perfil
em silêncio e, graças a sua considerável experiência, compreendeu que seu
ardor esfriara. - Na realidade, tem medo de você.
- Por quê?
- Porque você e eu...
Sorriu-lhe com o educado desinteresse de um desconhecido. Não era
um homem cruel, mas desejava que se esfumasse.
- Sim?
Ela se ruborizou ante essa indiferente frieza.
- Sua conquista está em animada conversa com Brentford, não?
Ele voltou o olhar para Jane e o rosto ficou duro , com ironia.
- Bom, já sabe o que dizem, Helene. "Quando o gato está longe os
ratos aproveitam para jogar." E falando de roedores, não é Buckley que está
escondido atrás do vaso de barro com a samambaia do canto?
Riu ao ouvir a obscenidade que ela resmungou em francês antes de
desculpar-se para ir reunir-se com seu novo protetor. Não lhe guardava
nenhum rancor; na realidade, agradecia não ter se relacionado mais a fundo
com ela antes de perceber o quão incompatíveis eram. Claro que antes,
antes da morte de seu pai, teria se arrojado de cabeça no romance bem
como nas conseqüências.
O que não queria dizer que teria renunciado para sempre a esse tipo
de prazeres. Só até que tivesse controlado o clã e se arrumasse o desastre da
desafortunada Jane a satisfação de todo o mundo.
Mas, o que tinha sido feito de Jane? Seu triste barão também brilhava
por sua ausência.
- Perdão, lorde Sedgecroft, poderíamos falar um momento?
Grayson se virou para olhar e se encontrou ante o penetrante olhar do
barão Brentford. Ao fundo conseguiu divisar Jane, que estava com suas
duas irmãs, a nenhuma das quais lhe faltava seu número de admiradores.
- Com respeito a lady Jane, suponho?
Brentford inclinou sua morena cabeça.
- Está disponível para cortejá-la?
- Isso depende - respondeu Grayson, cauteloso.
- Do que, milorde?
- De quais sejam suas intenções, e se Nigel... - Interrompeu-se. Não
tinha falado com Jane a respeito de nenhuma possibilidade para o futuro.
Que diabos devia dizer? A metade dos aristocratas achavam que ele se
casaria com Jane; talvez fosse benéfico para ela respirar essa ilusão. - Não é
esta uma pergunta que deveria fazer a seu pai ou a seu irmão?
- O visconde enviou-me a você, milorde. Ele estava ocupado em um
debate político.
- Não o conheço tão bem para falar de meus assuntos pessoais - disse
Grayson ao fim.
- Compreendo.
Ficaram em silêncio, cada um esforçando-se para não olhar para Jane,
sem consegui-lo. Grayson havia se sentido cômodo com ela desde o
começo, como se ela tivesse sido uma velha amiga, mas depois do ocorrido
essa noite temia que houvesse algo mais. O que, não conseguia imaginar. O
barão foi o primeiro a romper o silêncio.
- Entendo a dor do amor não correspondido - disse, inesperadamente.
- Conheço a humilhação da traição que ela sofreu.
Grayson o olhou surpreso. Será que repentinamente se converteu em
uma tia solteirona que dava conselhos aos feridos de amor?
- Pensei que não poderia continuar vivendo - acrescentou Brentford.
- Sim, bom, não nos ponhamos tristes em uma festa, Brentford. Jane
veio aqui para distrair-se.
- Então, me proíbe que fale com ela?
Grayson deixou de olhar para Jane. Deus sabia que não era dono dela.
Não tinha o direito proibir a um homem que a cortejasse, e muito menos
quando esperava restabelecer sua disponibilidade no mercado do
matrimônio. Mas tampouco podia entregá-la ao primeiro indesejável que se
apresentasse. Devia-lhe no mínimo esse grau de amparo.
- Sim - disse, sem saber que outra coisa dizer - suponho que sim.
E que o homem entendesse o que quisesse.
Novamente ficaram em silêncio. Os dois observaram Jane dançando
na pista com um dos amigos íntimos de seu irmão. Estava rindo,
aparentemente passando-o muito bem, até que na metade de um giro olhou
para os dois homens tão diferentes que estavam observando-a com
melancólica intensidade, nublou-lhe o rosto, perdeu o ritmo e se equivocou
no passo.
- Isso é o que quero dizer - disse Grayson, afastando o ombro do pilar.
- Não vai se derrubar na aflição por meu primo se eu puder evitar.
- Não sei como pode parecer tão alegre e despreocupada quando ele a
abandonou só faz uma semana mais ou menos - disse Brentford, pensativo.
- Aplaudo sua capacidade para atuar. É incrível.
Grayson, que estava escutando pela metade essa triste tolice, olhou-o,
perfurando-o com os olhos.
- O que quer dizer?
O barão titubeou.
- Livre me Deus de dar crédito às fofocas. O que acontece é que uma
de suas amigas suspeita que ela nunca amou Nigel. Inclusive algumas
acreditam que não se sentiu tão desgraçada quando... - Se interrompeu ao
ver a expressão de desprezo no rosto de Grayson. - Fofocas, milorde -se
apressou a acrescentar.
- Então não as repita. Jamais.
Brentford arqueou uma sobrancelha.
- Minha avó sempre dizia que a fofoca é uma semente que dá maus
frutos.
- Pois, lhe faça caso - disse Grayson, friamente. - Não plante sementes
mal engendradas.
Brentford assentiu.
- Deixo-o, então, para que cumpra seu dever de guardião.
- Isso - disse Grayson, cortante, com a esperança de abortar assim
qualquer outro rumor malicioso a respeito de Jane que andasse circulando
entre os membros da aristocracia.

Capítulo 15

Na manhã seguinte levaram à Jane uma caixinha procedente de


Rundell, Bridge & Rundell, os joalheiros de Ludgate Hill. A caixinha
continha um broche adornado com um camundongo de diamante e os
olhos de ônix. Não o acompanhava nenhum cartão, nenhuma mensagem
que fizesse alusão a essa apaixonada sessão de amor no labirinto; só isso,
um muito caro aviso de um momento que não poderia esquecer jamais,
nem que quisesse. Enquanto Caroline e Miranda admiravam o insólito
presente e faziam elucubrações a respeito de seu significado, Jane desceu
sigilosamente à cozinha para falar com a cozinheira.
- Um ruibarbo, disse, milady? - disse a cozinheira, secando-as mãos
em seu avental. - Bom, faz séculos que não vejo nenhum, mas há um
boticário a quem minha tia visita que vende ervas para beberagens
importadas da China. Raízes de ruibarbo seca e coisas dessas.
- Raízes de ruibarbo - murmurou Jane, e um alegre sorriso lhe
iluminou o rosto, ao imaginar a maneira de corresponder dignamente ao
presente de Sedgecroft.
- Ah, esplêndido. Se encarregue de que ponham uma raiz bem grande
em uma caixa bonita e a enviem ao marquês a Park Lane. Com meus
melhores desejos. Ah, e que amarrem a raiz com uma fita rosa.
- Ao marquês. Uma raiz de ruibarbo. Com uma fita rosa - repetiu a
cozinheira.
- Em uma caixa bonita, isso sim - acrescentou Jane, antes de virar-se e
afastar-se.
A cozinheira olhou, perplexa, à criada que ficou imóvel junto à pia.
- Raiz de ruibarbo - murmurou. - Deus nos ajude. O que quer fazer
uma dama com uma raiz a não ser que seja uma dessas poções amorosas de
abracadabra que vendem as ciganas? Recorrer à magia para conseguir um
homem - respondeu ela mesma. - Pobrezinha.
A criada abaixou a vassoura.
- Eu gostaria de comprar um pouco de arsênico para colocar no chá de
sir Nigel, de verdade.
- Não gostaríamos às duas? - disse a cozinheira. - Mais o arsênico é
muito amável, querida, para o que fez esse miserável. Eu lhe poria as mãos
ao redor do pescoço e o retorceria como a um frango.
A criada olhou o pano de cozinha que a cozinheira estava retorcendo
entre suas potentes mãos.
- Acalme-se, senhora Hartley. A dama tem o marquês para que cuide
de seus assuntos.
A cozinheira franziu o cenho.
- E lhe enviar uma raiz de ruibarbo, como se eu fosse tão obtusa que
não entendesse o que significa "isso". Não há nenhuma sutileza nisto,
minha filha. Nenhuma velha como eu pode deixar de ver a atração.

Nessa tarde Grayson chegou a cavalo à mansão do conde de Belshire


em Grosvenor Square.
Tinha pensado em Jane toda a noite, as vezes perplexo, as vezes
divertido e as vezes apavorado pela atração que sentia por ela. Também
tinha pensado nela quando voltou a visitar o clube de Nigel e outros de
seus lugares favoritos, sem achar nada em nenhum deles que lhe desse
alguma pista sobre seu desaparecimento.
Já começava a pensar se não seria melhor que acompanhasse Heath
em sua busca. Mas claro, tinha prometido ficar em Londres para defender
Jane da crueldade da sociedade. Defendê-la de si mesmo era outro assunto
muito diferente.
Cada vez que a via, desejava-a mais e mais. Sabia que não devia tê-la.
Mais a desejava de todo modo.
Entretanto, uma promessa é uma promessa, mesmo que lhe causasse
um problema que não tinha esperado quando se lançou ao inverossímil
papel de salvador de donzelas.
Sim, lamentava o impulso, mas não pelos motivos que poderia ter
previsto. Embora seu traiçoeiro corpo a desejasse com uma perseverança
que desafiava suas opiniões morais sobre o galanteio, muito mais
perturbador era quanto desfrutava de sua companhia e de sua conversa.
Apreciava-a, e a apreciava tanto que não podia deixá-la sozinha a mercê do
primeiro barão suicida que a desejasse.
Se não podia proceder com ela da maneira normal para ele, pois teria
simplesmente que idear outra maneira que fosse aceitável para os dois.
Ergueu-lhe o ânimo quando ela apareceu na escadaria da porta
principal, seguida por seu irmão. Simon fazia má cara, pela ressaca dos
excessos dessa noite passada.
Era provável que nem sequer recordasse que ele o levou a casa essa
noite e o depositou justo no lugar onde estava em pé nesse momento.
Sorrindo para Jane desmontou para ajudá-la a montar sua égua,
despedindo-se com um dissimulado gesto o cavalariço que tinha aparecido
com essa mesma finalidade.
Para falar a verdade, não desejava que ninguém que não fosse ele a
tocasse.
- Vejo que pôs meu broche - lhe disse em voz baixa.
- Ah, sim. Todos o admiram, embora ninguém tenha entendido seu
significado. Inclusive poderia iniciar a moda de levar um camundongo de
diamante pela manhã. - Olhou-o sorrindo maliciosa. - Que gentileza
comemorar assim nossa noite de ontem à noite.
- Todo o prazer foi meu. - Olhou de esguelha seu justo traje de montar
de veludo cor borgonha, que lhe destacava os exuberantes seios. Seu prazer,
certamente. – Simon vem conosco?
Os dois se viraram e viram Simon inclinado sobre o cavalo, cobrindo
os olhos com uma mão. Jane começou a rir.
- Não sei se conseguirá chegar até o parque.
- Não se preocupe. Se cair o acharão os varredores.
Cavalgaram em silêncio a curta distância, Grayson afastando as
crianças que corriam fazendo rodar seus aros e os cães que passavam
ladrando, ao mesmo tempo em que observava o traseiro de Jane
expulsando ao ritmo do passo de seu cavalo. Esse sensual meneio de seu
corpo fazia-o pensar em um tipo diferente de cavalgada, a qual explicava
seu ardente olhar quando em Upper Brook Street ela se virou para olhá-lo.
Por desgraça, não conseguiu disfarçar a tempo seus luxuriosos
pensamentos para que ela não os visse no rosto.
- Grayson Boscastle - disse ela em voz baixa, em tom exasperado - não
se atreva a me olhar assim em público.
Ele esboçou seu sorriso preguiçoso.
- Simplesmente estava admirando seu assento.
- O que se pode fazer com você?
- Não posso evitar pensar como um homem.
Nem deixar de recordar como suave e molhada estava ela essa noite,
calma e receptiva em sua sensualidade. A lembrança lhe fez arder até os
ossos.
- Sim, é essa sua espantosa masculinidade que se mostra outra vez -
disse ela.
Ele não sabia o que pensar dela. Às vezes lhe parecia sofisticada.
Outras vezes vulnerável. Era uma contradição a cada passo. Embora
também o fosse ele.
Ela não fazia nada para fazer-se atraente a outro possível marido.
Atraía-o sem o menor esforço, quando outras mulheres tinham maquinado
para atrair sua atenção.
Impregnava-o imediatamente sempre que ele cometia um engano ou
deslize; atrevia-se a insultá-lo quando ele queria ajudá-la. Esse era um tipo
de amizade diferente a tudo o que tinha conhecido, e gostava disso.
- Por certo - disse, aproximando o cavalo ao dela quando chegaram à
esquina do parque - foi muito amável de sua parte me enviar a raiz de
ruibarbo esta manhã. Deve me perdoar por usá-la.
Ela fingiu sentir-se aflita.
- Você não gostou?
- Ah, sim eu gostei. Quase caí da cama de tanto rir.
A clara luz do sol formava reflexos dourados no ondulado cabelo, que
lhe caía solto às costas, lhe emoldurando o pescoço. Observou a delicada
estrutura óssea de seu rosto e sentiu agitar uma estranha emoção no fundo
do coração.
Uma emoção desconhecida, que o assustava. Uma emoção a qual não
lhe convinha pôr nome. Esperava, contra toda esperança, que fosse o que
fosse, partisse sozinha. Teve a horrível sensação de que não seria tão
afortunado.
- Acho que enganou ao mundo, Jane.
Ela o olhou em silêncio, apagado o brilho de seus olhos.
- Como? - perguntou por fim, com voz fraca.
- Debaixo de todos esses ares de senhora funciona uma mente de
arpía. É um verdadeiro demônio.
- Ah, vamos, olhe quem fala.
Ele sorriu de orelha a orelha, apertando suas potentes coxas para
incitar seu garanhão a aproximar-se mais à montaria dela.
- Um demônio reconhece a outro, suponho. Deixamos atrás seu
irmão?
Ela assentiu e os dois fizeram entrar seus cavalos no caminho de
ferradura. Depois de um breve galope, Grayson diminuiu a marcha e
sugeriu desmontar para caminhar um pouco. Vários casais o saudaram
agitando as mãos, e observaram furtivamente Jane, aparentemente sem
saber se deviam mostrar que sabiam ou não sabiam sobre o escândalo do
casamento.
Ela ignorou os olhares e fixou o olhar no lago, sobressaltada por todo
o interesse que despertava. E pensar que as pessoas bem poderiam supor
que eles estavam destinados a unir-se em matrimônio. Ela e Grayson,
marido e mulher.
- Eu gostaria de saber se Simon esta nos procurando - disse de
repente, mais para distrair a imaginação dessa sugestiva possibilidade que
por lhe preocupar o paradeiro de seu errante irmão.
Grayson lhe pegou a mão para ajudá-la a desmontar e depois apertou
seu duro corpo contra o seu, lhe causando um prazeroso estremecimento.
- Já pode me soltar - sussurrou com a voz algo trêmula.
- Por quê? - murmurou ele, lhe roçando o cabelo com os lábios. -
Sinto-a divina; esse traje de montar se ajusta como uma luva e eu a rodeio
melhor ainda. Quanto a Simon - acrescentou, soltando-a lentamente -
parece que vai para o Serpentine com um grupo de damas.
- Bom, é de esperar que não caia à água. Veio todo o caminho
balançando-se como um bêbado. Tomara encontrasse uma jovem decente
para casar-se.
Puseram-se a andar juntos, desviando-se das babás que passavam
correndo atrás de crianças, e dos cães, e mais à frente de um duque idoso
que tinha saído com seus criados para tomar ar. Grayson viu aparecer o
barão Brentford em Rotten Row; muitas cabeças se viraram para olhar aos
dois briosos baios que puxavam a elegante carruagem pelo caminho.
Imediatamente pegou o braço de Jane e a levou, com certa energia, na
direção oposta. Brentford fazia aflorar-lhe uma veia possessiva muito
agressiva.
- O que faz? - perguntou-lhe ela, rindo nervosa.
- Protegê-la de um mau vento que está a ponto de soprar para nós. E
voltando para o assunto de Simon. Por que as mulheres sempre pensam
que o matrimônio é a cura para todos nossos males?
- O matrimônio é sem dúvida a pedra angular de nossa civilização -
respondeu ela distraída, olhando por cima do ombro dele.
Ele olhou atrás e seu rosto se tornou sombrio de aborrecimento ao ver
o barão diminuir a marcha de sua carruagem de excelentes molas de
suspensão, luzindo sua perícia em controlar os briosos cavalos. Será que
não lhe tinha deixado claro o assunto no baile?
- Está olhando-o, Jane - disse, em tom frio, aborrecido.
Ela deu um pulo.
- Sinto muito. Estava-o olhando, não é verdade?
- Sim. Por quê?
- Não sei. Ele estava me olhando. A gente se sente obrigada a olhar
também.
- Jane - disse ele, em tom severo, inflexível, esboçando um tenso
sorriso. - Um de nós poderia sentir-se obrigado a pôr fim a esses olhares de
uma vez por todas.
- Aqui não, suponho - disse ela horrorizada, temendo que ele fosse tão
temerário que cumprisse a ameaça.
- Por que não? -perguntou ele, alegremente. - Já se derramou sangue
neste terreno. Afinal provenho de uma família que segue a tradição.
Pegou-lhe o musculoso antebraço e o levou até um aprazível lugar
coberto de erva, deixando atrás o cavalariço que os seguia a discreta
distância com os cavalos.
- Ao que parece essa é uma tradição saturada de violência e busca de
prazer. Em lugar de brigar com Brentford, por que não faz uma boa obra e
apresenta a meu irmão alguma dama doce que possa exercer nele certa
influência para afastá-lo de sua volúvel conduta?
Achou muita graça esse afã dela de guiá-lo; embora, logicamente, não
teria nenhuma influência nele nem em um nem outro sentido. Se o barão se
convertesse em um problema grave, ele resolveria com ele, não em um
lugar público, claro, mas o faria entrar em razão de todo modo.
- Pressinto outro sermão sobre as virtudes do santo matrimônio -
disse, deixando-se cair sobre a erva como se desabasse, e emitiu um teatral
ronco. - Ainda não estou morto?
- Levante-se, Grayson. Os jornais já estão cheios de fofocas sobre nós.
Ele abriu um olho.
- Ah, mais fofocas. O que estivemos fazendo agora?
Ela cruzou os braços e o olhou chateada.
- Vamos nos casar no mês que vem.
- Bom, e o que tem que mau nisso? - perguntou ele, peralta. - Achei
que aprovava o matrimônio.
- Só que nosso compromisso é uma mentira, Grayson - respondeu ela,
fazendo uma careta. - Não podemos enganar a todos eternamente. Agora,
por favor, deixa essa postura tão pouco digna. Agora mesmo.
Ele rodou até ficar de lado e se apoiou em um cotovelo. Sua postura,
estirado sobre a erva brilhante pelo sol, com sua jaqueta de manhã aberta
na cintura, voltou a lhe recordar a imagem de um magnífico leão.
- O que fazia com Nigel quando estavam juntos? - perguntou-lhe ele
em tom lânguido, percorrendo-a toda com o olhar. - Desenhar naturezas
mortas?
- Conversávamos, se quer saber.
Ele arrancou uma folha de erva, com uma expressão de cínica
diversão no rosto.
- Do que falavam?
Ela exalou um suspiro.
- Da vida, de livros, do amor. - Concretamente, esse último ano, da
crescente paixão de Nigel pela preceptora da família.
- Do amor de Nigel por você?
Ela captou seu olhar e lhe desceu um estremecimento pelas costas.
- Mmm, não exatamente.
Ele se levantou, com o rosto sombreado por um cenho, e sua imensa
sombra a cobriu inteiramente.
- Às vezes penso que ele não era realmente um Boscastle.
- O que quer dizer? - perguntou ela, passado um instante de
hesitação.
- Bom, para dizer francamente, um Boscastle não teria passado todos
esses anos em sua companhia sem lhe ter dado algo mais que simples
conversa, se entende o que quero dizer.
- Temo que o entendo - disse ela, agitando a cabeça, como se não visse
esperança para ele, e imediatamente exclamou, em voz bem alta, para
distraí-lo - Ah, olhe! Não é Cecily a que vai caminhando pela borda do
lago?
- Jane. - Agarrou-lhe a aba da jaqueta de montar e a fez retroceder até
lhe deixar as costas apoiada em seu largo corpo. Inclinou-se para lhe
murmurar ao ouvido. - Sente-se incômoda ao falar sobre desejo? Ninguém
nos pode ouvir a esta distância.
Formigaram-lhe perigosamente os lugares que ficaram em contato
com o corpo dele: as omoplatas, as curvas das nádegas, as panturrilhas.
- É o único homem que se atreveu a me falar desse tema - respondeu,
e se virou bruscamente ao sentir gritar seu nome. - É Cecily, está nos
chamando. Vamos? Acredito que Simon está com ela.
- É muito previsível, querida.
- Você também, Grayson.
- Sim?
- É absolutamente transparente.
- Então me diga o que estava pensando.
- Não acredito que minha língua seja capaz de articular as palavras.
- Estava pensando no que aconteceu ontem à noite - disse ele
docemente, lhe afastando uma mecha de cabelo do pescoço.
Antes que ela se afastasse, conseguiu ver como lhe agitava o pulso da
garganta.
- Então pensa em outra coisa - disse ela, quase retendo o fôlego - ao
menos durante o próximo momento. Não nos convém que caia na água.
Grayson a seguiu, com seu anguloso rosto pensativo. Apesar de todas
as táticas evasivas que ela empregava, não podia deixar de pensar em sua
calma receptividade essa noite no labirinto, nem em como isso tinha
mudado seus sentimentos por ela. Jamais tinha conhecido uma mulher que
o desarmasse tão completamente. Recatada um momento, tentadora ao
seguinte. Dócil, complacente, deliciosa. Decorosa, majestosa. Um pouco
arpía. Uma mulher que o fazia ansiar possuí-la. E comprometer-se.
Parou seco e fez uma respiração profunda, negando com a cabeça. De
onde lhe veio esse último pensamento?
Mas era verdade. Alguém chegaria a valorizá-la. Tinha descoberto
nela muitíssimas qualidades dignas de valorizar-se. E o que se via por fora
não deixava de ser convidativo. Por que a estupidez de Nigel tinha que
fazê-la indesejável de por toda a vida?
O desejo que ele sentia por ela deixava em ridículo os critérios da alta
sociedade. Sua ardilosa ratinha o incitava a segui-la, e para onde o levasse
não lhe importava tanto como deveria lhe importar.
"Algumas de suas amigas suspeitam que ela nunca amou Nigel." Ah,
Jane, pensou, sorrindo para si mesmo, necessita de uma ou duas lições em
amor. Talvez nós dois necessitamos.

***

Suas amigas estavam reunidas à borda do lago lamentando a perda


da cartola de seda de Simon, que um nobre impertinente tinha arrojado à
água. Ergueu-se um coro de vivas quando o chapéu se moveu em direção à
borda, e logo se ouviu um gemido coletivo quando começou a afundar-se e
ficou claro que a alta sociedade não voltaria a vê-lo nunca mais.
- Isto é muito impróprio de você, Jane. Não viu hoje os jornais? - disse
Cecily pela comissura da boca, simulando que não via o marquês bonito
que se mantinha a certa distância de outros.
Cecily vestia um traje de montar de seda chocolate e seu pequeno
rosto quase desaparecia sob um chapéu, adornado garbosamente por penas
de cisne.
Jane se dedicou a contemplar a água, com todas as partículas de seu
ser conscientes de que Grayson estava atrás dela, afastado, mas tão presente
que não conseguia pensar em ninguém mais. Ainda sentia o contato de seu
musculoso corpo apertado ao dela. Pelo visto não era a única que se sentia
atraída por ele; a maioria de suas amigas lhe dirigiam encantadores sorrisos
e súplicas de que salvasse o chapéu no fundo. Inexplicavelmente, essa
atração generalizada por ele a irritava, ao que se somava o nervosismo e o
sentimento de culpa pelo segredo que lhe ocultava.
- Sim - respondeu, passado um momento. - Vi-os. Sabe que a metade
do que está escrito não é verdade.
Cecily estreitou os olhos, pensativa.
- Ou seja, que a outra metade é? Não, não me responda.
- Não pensava responder.
- Todos dizem que vai lhe propor matrimônio, Jane. Se é que ainda
não lhe propôs.
Jane suspirou. Nessa manhã, quando viu unidas suas personalidades
em letras de imprensa, quando leu que certo marquês se apaixonara por
ela, experimentou uma onda de alegria a mais injustificada, que se
desinflou mal deixou o jornal sobre a mesa.
- Uma parte de mim admira-a por isso, Jane - acrescentou Cecily,
passado um longo momento de vacilação.
Pela extremidade do olho, Jane viu Grayson olhando para o parque;
Helene estava passando agarrada ao braço de lorde Buckley, com seu
cabelo loiro claro brilhante pelo reflexo do sol. A francesa parou quando viu
o alto marquês, e dissimuladamente deu uma leve cotovelada a seu
acompanhante. Grayson cobriu sua sensual boca com a mão enluvada e
bocejou.
- Admira-me, por quê? -perguntou, distraída, absorta no silencioso
drama que acabava de presenciar.
Que demônios significava isso? Por que seriam tão complicadas as
emoções humanas? Então lhe ocorreu pensar se dentro de um mês seria ela
que iria pelo braço de outro homem, desesperada por atrair o interesse de
Grayson. Alguma vez Grayson teria levado Helene a um labirinto e lhe teria
dado prazer até deixá-la sem sentido? Algum dia bocejaria quando a visse?
- Por brincar de amante com Sedgecroft - sussurrou Cecily ao ouvido.
Isso sim lhe captou a atenção. Sentiu um rubor de vergonha, que lhe
começou nas solas dos sapatos e foi subindo como uma onda até o rosto.
Pior ainda, a julgar pelo brilho diabólico que viu em seus olhos, ele também
o tinha ouvido.
- Não é meu amante - sussurrou, embora a voz lhe soou menos
convincente do que devia. - É um acompanhante, um amigo da família.
- Esse tipo de amizade - disse Cecily, com voz áspera, mas mais baixa
- se chama engordar ao cordeiro para matá-lo. Sim, todo mundo vê esse
enorme broche de diamante em seu peito. Todos sabemos de onde procede
e que se esta amizade acabar em matrimônio tudo será perdoado. Mas e se
ele seguir os passos de Nigel? E se Nigel retornar?
- Tenha a bondade de mudar de assunto, Cecily - sussurrou Jane,
segura de ter ouvido Grayson rir.
Cecily a levou mais perto da borda do lago.
- Tem que romper com ele. Ao menos até que esteja bastante calma
para pensar.
- Você experimente romper com Sedgecroft.
- Estou muito preocupada com você, Jane, de verdade. Dá toda a
impressão do mundo de que desfruta de sua companhia.
- Talvez a desfrute.
- E talvez está tão magoada que não sabe o que faz.
- Pode ser que pela primeira vez em minha vida esteja fazendo o que
desejo.
Jane se surpreendeu com seu intenso desejo de defender o malandro.
Suas amigas só viam sua fachada. Não percebiam sua bondade nem o
carinho por sua família que lhe tinha conquistado o coração. Sim, podia ser
um libertino às vezes, mas cuidava dos seus. Se Grayson se apaixonasse
alguma vez, pensou tristemente, a mulher que escolhesse não só ficaria sem
sentido de prazer, mas também seria amada, mimada.
- Acredito que...
Cecily se interrompeu ao cair uma sombra entre elas.
- Quer cavalgar agora, Jane? - perguntou Grayson, em tom muito
agradável, como se não tivesse idéia do tema dessa conversa sussurrada.
Jane o olhou, e sentiu passar uma rajada de prazer por toda ela. Podia
ser um demônio, mas o que a fazia sentir desafiava toda descrição. Cecily
esticou os lábios em uma careta de desaprovação e se virou para o lago,
onde tinham arrojado um punhado de flores em honra do chapéu de
Simon.
- Sim quero - disse Jane, temendo que seus dois amigos iniciassem
uma briga por ela a qualquer momento.
Tanto Cecily como Grayson eram seus amigos, duas pessoas
diferentes que só queriam protegê-la, cada um a sua teimosa maneira.
Como iria manter a paz entre eles?
Pensou.
- Sim - acrescentou, sorrindo à Cecily a maneira de desculpa -
Acredito que gosta muito de cavalgar.
***

Duas horas depois Jane ia caminhando com Grayson por um atalho


do úmido e sombreado jardim de sua casa em Grosvenor Square.
- Agora Cecily está zangada comigo - comentou penalizada. -
Prognosticou que me vão cair sobre minha cabeça todo tipo de desgraças, e
é possível que não esteja equivocada.
- Bom, equivoca-se com respeito a mim - disse Grayson, caso
evidentemente tivesse acusado a ele de ser a causa de suas iminentes
desgraça. - Espero que tenha saído em minha defesa.
- Sim, mais...
Parou junto ao abrigo para as plantas pequenas e olhou para a casa,
bem a tempo para ver cair uma cortina na janela de um dormitório.
- A equipe de espionagem nos viu - disse, sorrindo de orelha a orelha.
- Quem é desta vez? - perguntou ele, em um sussurro teatral -
Caroline ou Miranda?
- Acho que as duas. Na realidade, pareceu-me ver uma luneta na mão
de Caroline.
Ele a observou com um preguiçoso sorriso.
- Demos-lhe motivo para preocupar-se?
- Vamos, Grayson, que patife é. O que podemos fazer? Temos que pôr
fim a esta tolice antes que os aristocratas exijam saber a data de nossas
"bodas".
- Quer romper nosso compromisso, Jane?
- Poderia falar sério um momento?
Ele levantou os olhos, distraído pelo claro rangido de uma janela ao
abrir-se. Sorrindo divertido, pegou-lhe a mão e a levou até o outro lado do
abrigo.
- Agora não podem nos ver, e isso deve alarmá-las de verdade. Assim,
o que será esta noite? Uma festa ou um jantar para dois?
Jane resistiu a tentação de fundir-se com ele apoiando-se em seu duro
peito.
- Alguma vez lhe ocorreu pensar que às vezes uma pessoa normal fica
em casa, para ler, ou descansar?
- Não há descanso para os maus, querida minha, algo assim diz a
Bíblia.
- Como se a tivesse lido.
- Ah, pois sim, tenho lido-a. - Dançaram-lhe os olhos azuis ao
recordar. - Com uma preceptora que tinha virtualmente minha idade, e
segurava uma vara junto a meu traseiro. Depois tive certa dificuldade para
estudar as Sagradas Escrituras. Às vezes penso o que terá sido dessa
mulher, e a quem estará torturando agora.
Jane se obrigou a sorrir para ocultar sua reação a essas palavras. Não
lhe custava imaginar-se que boa peça seria ele de menino. Mas o céu a
amparasse. Ao dizer preceptora só podia referir-se à Esther Chasteberry ou,
melhor dizendo, lady Boscastle, que já o era, mãe de outra geração de
crianças de má conduta. A Preceptora da Luva de Ferro, chamavam-na.
Renovava-lhe todas suas ansiedades descobrir que ele a recordava tão bem.
Não estaria brincando se soubesse que Esther se casara com seu primo
desaparecido.
- Não sei o que dizer - falou. - Provavelmente merecia qualquer
castigo que ela lhe infligisse. Acredito que...
Pestanejou surpresa porque lhe pegou o queixo e lhe deu um rápido e
forte beijo. Em um instante uma perigosa onda de calor lhe inundou os
sentidos, que desapareceu quando ele se afastou, deixando-a um pouco
desequilibrada e aborrecida.
- Isso terá que sustentá-la algumas horas - disse ele, pesaroso. - Vêm
os jardineiros.
- Me sustentar algumas horas. Francamente, Grayson, como se uma
mulher não pudesse viver nem respirar entre beijo e beijo. Isso é pura
arrogância.
Ele riu e, despreocupadamente, a fez sair do atalho para deixar
caminho ao carrinho de mão que vinha empurrando um dos jardineiros.
- Isso me disseram mais de uma vez - disse, sem retirar a mão de seu
ombro. - Em todo caso, isto só é para me assegurar de que não caia nas
garras de nenhum barão melancólico a quem goste.
- Me dá pena - respondeu Jane. - Não deveria zombar dele.
- Um homem em busca de uma presa poderia aproveitar-se dessa
compaixão - disse ele, com o mais absoluto cinismo.
- Dito por alguém que conhece todos os salários de seu ofício.
- Mas pode achar a alguém melhor que Brentford, Jane. Só
começamos nossa busca.
- Alguma vez partiu-se seu coração?
Ele retrocedeu um passo e desceu a mão a seu flanco. Acabavam de
aparecer Caroline e Miranda no jardim, dando um vergonhoso espetáculo
ao simular que estavam admirando as malvas.
- Só uma vez. A sensação é horrível - disse, enrugando o nariz e
correndo para a porta do jardim. - Passaremos bem esta noite. Traga sua
Bíblia ou uma vara. O que preferir.
Capítulo 16

Sua Bíblia ou uma vara.


Jane sentiu passar um calafrio por ela toda quando a alta figura dele
desapareceu de sua vista. Iria necessitar todas as orações da Bíblia e uma
vara para proteger-se quando Grayson descobrisse a sorte de sua
Preceptora Luva de Ferro, e o papel que ela e Nigel tinham tido em sua
vida. Quanto tempo poderia continuar com essa farsa sem derrubar-se?
Quanto tempo levaria a ele perceber que esteve enganando-o?
Cruzou os braços quando se aproximaram suas irmãs sigilosas.
- O que ocorreu? -perguntou-lhe Caroline, com um olho posto na
porta do jardim.
- Saímos o mais rápido possível quando a vimos - continuou Miranda,
fazendo uma pausa para respirar. - Poderíamos ter chegado antes, mas
Caroline não conseguia achar um sapato.
- Não aconteceu nada - respondeu Jane, em tom nada convincente.
Caroline lhe dirigiu seu frio olhar de tigre.
- Escondeu-a atrás do abrigo.
- Ia mostrar os bulbos que enviou a tia Matilde de Bruxelas.
- E por isso estão desabotoados esses três botões de sua jaqueta de
montar? - perguntou Miranda, toda inocente. - Porque foi lhe mostrar seus
bulbos?
- Estive cavalgando no parque - respondeu Jane indignada. - Fazia
muito calor esta tarde.
- Sim, muito calor - suspirou Caroline. - Vamos, Jane, minha sensata,
minha respeitável irmã, que nunca se viu metida em um escândalo, como
pôde permitir que isto acontecesse?
Ela afastou uma pedra com a ponta do sapato.
- Isso me pergunto a cada hora.
As jovens ficaram uma a cada lado dela sobre o atalho ladrilhado.
- Tudo isto é muito impróprio de você, Jane - disse Miranda, lhe
contemplando o perfil. - Sabe como é ele.
- Pois, a verdade é que não sei como é - disse Jane, pensativa. Mas
fosse como fosse, gostava muito dele, muitíssimo. - Só sei que não merece
que eu o tenha enganado.
- Vai contar? -perguntou Caroline, quase sem fôlego.
- Tenho que contar-lhe não? - respondeu Jane, aflita. - Embora vivo
com a esperança de que, por algum milagre, ele diga que já cumpriu com
seu dever e não tenha que descobrir nunca a verdade.
- Isso não ocorrerá - disse Caroline, carrancuda - a menos que Nigel
parta da Inglaterra e não volte jamais. E não a descobrirá enquanto você lhe
mostrar seus bulbos.
- Quer que nós contemos? - propôs Miranda, passado um momento
de reflexão.
- Não! - exclamou Jane, energicamente - Isso seria a saída do covarde.
- mordeu o lábio inferior - Contarei na sexta-feira.
- Pense muito bem - aconselhou Caroline. - Se Sedgecroft decide trair
sua confiança por raiva, outro escândalo atrás do primeiro será seu fim.
Não estamos de todo certas de que possamos confiar que ele guardará o
segredo.
- Não imagino encolhendo os ombros e esquecendo o assunto sem
guardar rancor -acrescentou Miranda, em tom detestável-. Pode ser que um
Boscastle seja um amigo excelente, mas eu não quereria ter a nenhum deles
como inimigo.
Esse mesmo pensamento tinha passado pela mente de Jane mais de
uma vez. Virou-se para olhar o abrigo, sentindo outra arrepiante
premonição. Que perspectiva mais insuportável. Todo esse encanto e
energia masculinos convertidos em raiva, em desejo de vingança. Todo o
delicioso agrado que compartilhavam destruído sob a sombra do engano.
- Terei que correr esse risco, não é? - disse, firmemente.
E outro escândalo não seria seu fim absolutamente. Perder a confiança
de Grayson o seria.

***

Grayson percebia que com Jane ia entrando em território traiçoeiro,


perigoso, não explorado. Mais de uma vez tinha considerado inclusive a
possibilidade de pôr fim ao acerto entre eles, mas não conseguia decidir-se
a fazê-lo; seguia inventando montões de pretextos para continuar vendo-a.
Afinal decidiu que, no mínimo, devia tentar tirá-la da cabeça quando não
estavam juntos. Em todo caso, tinha descuidado seus assuntos. Nunca tinha
se sentido a gosto participando dos ociosos passatempos da aristocracia.
Assuntos de negócios o aguardavam no cais. Tinha jurado investigar
o rumor de que Drake queria seguir o malfadado caminho de Brandon e
alistar-se nas filas da Companhia das Índias Orientais. De maneira
nenhuma podia permitir-se estar pensando em uma mulher todo o dia, por
atraente que fosse.
Entretanto, virtualmente não pensava em outra coisa, e
constantemente se surpreendia esperando com ilusão voltar a vê-la. Sentia-
se ansioso por assistir com ela a algum evento agradável ou ameno, por lhe
falar de suas preocupações pela família ou de lhe pedir conselho.
No que se converteu acerto com ela para ajudá-la?
Não se atrevia a pensar.

***

Passaram rapidamente outros cinco dias, e Jane continuava sem


conseguir reunir a coragem para fazer sua confissão. Cinco dias em que
Grayson ocupou seu tempo e seduziu seu espírito, os cinco dias mais felizes
e mais aterradores de toda sua vida. Felizes porque ele a fazia rir com sua
audácia e afável sinceridade; aterradores porque percebeu que estava muito
apaixonada por ele, esse homem cujo galanteio só era uma generosa farsa.
Aterradores devido ao segredo que se interpunha entre eles. Ao
punhado de esperançados pretendentes que se atreveram a visitá-la, os
rejeitou com amáveis desculpas.
Ela inclusive se negou a sair às compras com Cecily, em sua excursão
semanal por Bond Street, pois não tinha o menor desejo de suportar outro
sermão. Em lugar de sair com ela, foi com Grayson passear de barco pelo
Tâmisa em Chelsea, acompanhados por Simon e Chloe; ali fizeram corridas
com o barco de Drake e sua buliçosa tripulação. Naturalmente, ganhou o
barco de Grayson.
Na noite seguinte assistiram a um baile. Na noite da quinta-feira, a
véspera do Dia do Julgamento Final, quer dizer, no dia que tinha fixado
para lhe fazer a confissão, foram ver uma peça de teatro com seus pais, e
voltaram para casa sozinhos, pois lorde e lady Belshire decidiram ficar
jogando cartas com um amigo idoso em Piccadilly.
- Encarregue-se de que chegue bem em casa, Sedgecroft - disse lorde
Belshire, que só aprovava esse acerto porque lhe parecia que Jane estava
mais feliz que nunca, bom, na realidade, mais feliz que desde o momento
em que começaram a organizar esse malfadado casamento. E ninguém
soube nada desse cruel canalha, Nigel. Portanto, sentia muita pena por sua
filha mais velha, e tanto a sentia que a deixava passar o tempo com um
homem com fama de libertino que estava demonstrando ser mais confiável
que seu primo - Simon e as duas meninas estarão em casa - acrescentou, a
modo de precaução - Assim não estarão sozinhos.
Mas resultou que Jane e Grayson se encontraram sozinhos ao chegar à
casa, além dos criados que iam e vinham silenciosos pelos corredores mais
escuros.
Lorde Belshire tinha esquecido que Simon ia acompanhar Caroline e
Miranda a um baile de aniversário.
Assim, acharam-se os dois sozinhos no vestíbulo de ladrilhos de
mármore brancos e negros, como duas peças em um tabuleiro de xadrez,
cada um experimentando a tensão e tentação que impregnavam o ar. A
quem correspondia fazer a primeira jogada?
Ele tirou uma das penas de pavão que lady Belshire mantinha em um
vaso de bronze e com ela fez cócegas no nariz de Jane, movendo as
sobrancelhas em gesto teatral.
- Por fim sozinho com você - murmurou, lhe roçando o cabelo com os
lábios - O que acha que devemos fazer primeiro?
- Deixar de fazer-se de idiota, para começar. - Jane tirou o capote de
seda ameixa, e ficou preso o ar na garganta ao ver os escurecidos olhos dele
ao olhá-la. Desde essa noite no labirinto não tinham caído na tentação - E
agora me vai fazer espirrar.
- Deus a guarde - disse ele, lhe dando uns golpes na cabeça com a
pena - Falo sério. Onde prefere que a seduza, no salão de damasco rosa ou
no dourado?
Ela começou a rir, mais para dissimular a excitação que lhe produziu
a pergunta que por outra coisa.
- Bom, em nenhum dos dois, assim parece que a sedução não está
escrita nos astros. Mas já é tarde. Suponho que o correto é que parta.
- Por quê?
Atraiu-a suavemente para ele, lhe rodeando a cintura com seus
potentes braços. Por cima do ombro dele ela viu o reflexo dos dois no
espelho do bengaleiro, seu alto corpo com o traje negro de noite quase
ocultando o seu arqueado, apoiado no dele. Por um instante o reflexo criou
a ilusão de que eram um só, unidos em um na penumbra. Engoliu em seco,
com o coração acelerado por esse pensamento.
Ele soltou a pena, que caiu no chão.
- Não vou deixá-la sozinha - disse, lhe levantando o rosto para o seu.
- Há os criados. Estou segura.
Mais segura que com ele em certo sentido. Embora em outro, bom, no
fundo do coração sabia muito bem que ele não permitiria jamais que
alguém lhe fizesse mal. Tomara pudesse salvá-la de si mesmo também.
- Podemos ficar até tarde e jogar cartas - disse ele,
despreocupadamente, levando-a pelo vestíbulo até o salão principal -
Certamente pode apostar algo que eu deseje.
- Não... ah, não, tinha esquecido. Fiquei de ir tomar o café da manhã
com Cecily e Armhurst amanhã cedo.
- Desculpe-se com ela e lhe peça que o deixe para a próxima semana -
disse ele firmemente.
- Não posso. Tenho que vê-la antes que parta com sua família para
Kent a preparar a propriedade para o casamento.
Ele fechou silenciosamente a porta, sem deixar de olhá-la. O salão
estava em penumbra, e ficou observando-a caminhar para o aparador. Toda
essa noite esteve morto de vontade de acariciá-la, mesmo que lorde e lady
Belshire estivessem sentados junto a eles no camarote. Cada roçar de seu
suave ombro com o seu lhe tinha feito descer um estremecimento de desejo
pela coluna.
A tentação lhe acelerou os batimentos do coração a um ritmo perigoso
quando ela se voltou e pôs-se a caminhar para ele. Acelorou-se o sangue e o
inundaram violentas ondas de excitação.
Ela bebeu um gole do uísque antes de lhe passar o copo.
- Ah! - exclamou, enrugando o nariz - Se isto não lhe acender o fogo
no ventre, nada o fará.
"À exceção de você", pensou ele. Com seus longos dedos rodeou os
dela um instante ao pegar o copo, e com a mão livre soltou um pouco a
gravata.
"Me ordene que parta, Jane, antes que me esqueça que isto não deve ir
mais longe."
Ela deu meia volta e foi sentar se no enorme sofá do centro do salão,
fazendo ranger a seda ao afundar-se nele.
- O que lhe pareceu a peça?
- Não a vi - respondeu ele, sentando-se a seu lado - Estava um pouco
distraído.
Escrutinou-lhe o rosto, fascinada. Seus olhos pareciam prateados na
penumbra, ardentes, faiscantes de pecado.
- Acho que não vou lhe perguntar o que o distraiu.
Tinha sido ela, logicamente. Enquanto fingia estar atento à peça de
teatro, estava espremendo o cérebro tentando recordar todas as fofocas que
tinha ouvido sobre Jane ao longo dos anos. Todos diziam, é claro que ela
pertencia a Nigel, e ele não tinha prestado muita atenção. De bom berço e
boa criação; formosa; uma intelectual, uma sabichona. Sim, de acordo, uma
intelectual com um corpo que corresponderia estar em um bordel real.
Ninguém tinha mencionado nunca seu malandro humor nem esses
sedutores olhos verdes, nem esse atraente indício de insegurança. Nem que
com ela todos seus demônios achariam a seus iguais.
- Quem é Armhurst? - perguntou, depois de beber um gole.
- Um amigo de Cecily.
- É jovem?
- Acredito que sim.
- O ano passado um Armhurst esteve envolvido em um duelo por um
romance rompido.
Ela fez uma inspiração profunda, para serenar-se. Tinha detectado
frieza em sua voz quando falou, e nesse momento via fogo em seu olhar ao
aproximar lentamente a cabeça para ela, e seu cabelo dourado longo lhe
roçou as lapelas de seu fraque negro. O aroma a uísque de seu fôlego a
tentava, e a ardente paixão que expressavam seus olhos a abrasava.
- Não vá - disse ele, em um tom enganosamente alegre.
Deu-lhe um salto o coração, saltando um batimento. Estavam
suspensos à beira de algo, de uma queda no desconhecido. Percebia-o, e
não conseguia decidir se tinha medo ou não.
- O que?
- Não vai reunir se com esse Armhurst. Proíbo.
- E se for? - perguntou ela, para cravá-lo.
- Então eu estarei lá e Armhurst não se atreverá nem a olhá-la sequer.
- Não me diga que nunca participou de nenhum duelo - disse ela, com
o coração acelerado por esse desdobramento de possessivo autoritarismo.
O que tinha mudado entre eles?
- Neste momento o tema não é minha moralidade, Jane.
O que, pensou irônico, era condenadamente conveniente, se levasse
em conta as coisas imorais que desejava lhe fazer.
Ela apoiou a cabeça no espaldar do sofá.
- Me diga uma coisa, Grayson. Casaria-se com uma mulher a que não
amasse? Se sua família insistisse, ou ela tivesse montões e montões de
dinheiro e fosse uma fabulosa beldade?
Ele estendeu o braço para trás para deixar o copo na mesinha lateral
que estava a suas costas. Isso era entrar em terreno perigoso, falar com
franqueza a uma mulher.
- Jane, para ser totalmente franco, nunca soube se me casaria com uma
mulher a que amasse, tivesse montões de dinheiro ou não.
- Não?
- Bom, há um mês mais ou menos, teria preferido torrar em azeite
fervendo antes de me submeter a me acorrentar a uma mulher por
matrimônio. Mas ultimamente estou olhando a vida de outra maneira.
Ela o sentiu aproximar-se mais, um movimento no tabuleiro de
xadrez.
Secou-lhe a boca. Dentro de um momento ela estaria sentada sobre
suas coxas; ele apertaria contra ela seu quente e potente corpo e os
desonraria aos dois.
- Desde que morreu seu pai, quer dizer? A carga de responsabilidade
Boscastle de que me falou?
Roçou-lhe o exuberante lábio inferior com o dorso dos dedos; a
responsabilidade era a última coisa que tinha na cabeça. Desejava-a com
tanta intensidade que lhe doíam os ossos.
- Isso e outras coisas. Já lhe disse alguém alguma vez que sua boca é
muito erótica?
- Não, é claro que não - se apressou a dizer ela - É provável que Nigel
nem sequer saiba o que significa essa palavra.
De repente não conseguiu recordar do que estavam falando. Esqueceu
tudo ao sentir essa boca com aroma a uísque a uns dedos da sua; ao ver
esses olhos azuis prateados lhe perfurando os seus com sensual posse. O
corpo se retesou e vibrou em reação a seu tácito pedido. Desejou lhe dar o
que fosse que desejasse, por muito desmandado, escandaloso ou perigoso
que pudesse ser.
- Não deveria ter ficado - murmurou ele, com a voz rouca, espessa.
- Sei.
E fechou os olhos quando deslizou as mãos pelos flancos, subindo até
seus seios e cavando suavemente as palmas sobre eles.
- Sabe quanto desejei fazer isto no teatro? - perguntou ele, com a voz
rouca, lhe beijando o pescoço, por debaixo do queixo, lhe descendo a blusa
de seda bronze até deixar descobertos os cimos de seus redondos seios -
Que corpo mais formoso tem. Desejo-o, Jane.
Ela estremeceu, de desejo e incredulidade.
- Achei que íamos jogar cartas.
- Joguemos outra coisa.
Agarrou-a pelos ombros e a montou em seu colo, lhe levantando as
saias enquanto a beijava e logo afundava o rosto sedutoramente entre seus
seios. Sentiu-se enjoada pela enchente de sensações que lhe desencadeava
essa postura, com as nádegas presas entre suas musculosas coxas; seus
beijos a faziam retorcer-se e gemer de prazer. Sentiu virar a cabeça como
um torvelinho quando lhe subiu a mão pelo interior de uma perna e logo
começou a acariciá-la ali, de uma maneira que lhe acendeu todas as
terminações nervosas.
- Ooh, ooh - sussurrou ele, enredando os dedos no úmido pelo - Já
está molhada. Afogaria-me em você. Não deixei de pensar em você todas as
horas, desde essa noite no labirinto.
Sua voz profunda lhe chegava de muito longe, penetrando apenas a
névoa de desejo que a envolvia. Estava levada por sua força e suavidade.
Aferrou-se a seus ombros e nas Palmas sentiu ondular seus duros
músculos, como aço quente. Nas partes baixas, abriram-se a ele todas as
curvas mais íntimas de seu corpo, em uma reação erótica que lhe era
impossível controlar, em uma rendição ao macho elementar que tinha
capturado sua presa e podia brincar com ela a seu prazer.
A casa estava absolutamente silenciosa. Os suaves sons íntimos do
homem dando prazer a sua mulher pareciam amplificar-se no silêncio e
eram absorvidos pelas grossas cortinas de damasco e das tapeçarias das
paredes. Também absorveram o grito de prazer que escapou a ela quando
lhe introduziu o indicador na abertura. O tictac do relógio dourado que
estava atrás deles marcava o passar do tempo. Escapou um gemido dele por
estar acariciando-a assim.
- Não deveria estar aqui - murmurou com a voz áspera, com os olhos
escurecidos, quase negros, pelo desejo e o remorso - Me tenta até me fazer
perder a razão. Tenho que partir...
- Não - disse ela, sem poder acreditar no desespero que detectou em
sua voz. Acariciou-lhe a face, deslizando as pontas dos dedos por suas bem
cinzeladas feições, e o olhou nos olhos - Não quero que parta.
- Vamos, Jane - sussurrou ele, virando o rosto para afundá-lo em sua
palma - Não me dê fôlego. Já estou no limite. Sei muito bem a que poderia
levar isto.
Ela sentiu pulsar forte o pulso da garganta. Ele parecia a tentação
encarnada, com seu cabelo dourado revolto e seu corpo de guerreiro oculto
sob seu traje de noite. E a desejava, desejava a esse homem que lhe tinha
devotado sua amizade em um momento em que estava humilhada e
desonrada ante a sociedade. A que conduziria isso?
- Não me importa - disse, aproximando o rosto para beijar sua firme
boca - Desejo que fique.
- Não sabe o que diz - murmurou ele, e sua voz soou angustiada. Não
podia resistir. Nenhuma outra mulher poderia acalmar o torvelinho que
sentia em seu interior.
Ela se sentia igualmente, ou ao menos isso achava ele-. Você nunca fez
isto. Tenho uma vantagem injusta.
- Quem melhor para me ensinar, então? -sussurrou ela, fechando os
braços ao redor de seu forte pescoço.
Ouviu-o fazer uma inspiração profunda. Não desviou olhos. Lhe
brilhavam os lábios, molhados com o beijo dela. Ele era tudo o que tinha
desejado em sua vida. Que fizesse o pior.
Ele ficou imóvel como um morto, com as pálpebras entreabertas, seu
olhar indecifrável, olhando seu formoso rosto. Agitaram-se as narinas e um
formigamento de pressentimento passou ela pelas terminações nervosas.
Por um insuportável instante pensou que o tinha escandalizado com seu
pedido. Sentiu subir o rubor pelo pescoço, de vergonha. Que tipo de
mulher pede a um homem que a seduza?
De repente ele pareceu cobrar vida novamente e sentiu mover-se seu
enorme corpo debaixo dela. Seus olhos continuavam tendo-a cativa com
sua intensidade. Enfeitiçada, não se moveu. Não teve tempo para pensar se
tinha cometido um engano. Com a mão esquerda ele soltou os laços de seu
vestido, com tanta perícia que ficou nua até a cintura antes de perceber.
Bom, isso era o que tinha desejado, não?
Ele desceu os olhos, para contemplá-la, e sua boca se curvou em um
sorriso de sensual espera. O convite tinha soltado os últimos vestígios de
reserva.
- Quem melhor, com efeito? - disse, lhe introduzindo outro dedo na
vagina molhada - A resposta é ninguém, Jane. Essa reclamação é privilegio
meu, com sua permissão.
Ela arqueou as costas; a perita invasão dele no centro mais sensível de
seu corpo a deixava absolutamente impotente, enquanto o prazer lhe
inundava os sentidos.
Alongava e friccionava a cavidade com uma delicadeza vizinha à
tortura, e seus frescos e longos dedos continuaram introduzindo-se e
saindo; a intensidade de sua excitação e prazer era tal que lhe parecia que
se estava dissolvendo, convertendo-se em vapor.
Grayson fez uma funda inspiração quando o aroma almiscarada lhe
envolveu os sentidos. O salão da família não era o lugar para fazer amor
pela primeira vez, mas não conseguia pensar em outra coisa que em
enterrar-se em sua estreita passagem. Molhava-lhe toda a mão, movendo-se
com uma sensualidade inconsciente que desencadeava o lado diabólico de
sua natureza. Isso era o que ele desejava também, e tinha temido que
ocorresse. Por que imaginou que ele seria conveniente para ela?
- Grayson - gemeu ela, com o olhar desfocado.
Estava receptiva e bem disposta, a mulher mais desejável que tinha
conhecido.
- É prazeroso, não é? – murmurou - e lhe vou fazer isso mais
prazeroso ainda dentro de um momento.
Com a mão livre se abriu a jaqueta, ansiando senti-la apertada contra
seu peito. Ao ver seu corpo meio nu, seu instinto masculino básico
ameaçava jogar ao vento o pouco autodomínio que restava. Dar-lhe prazer
não lhe acalmaria a febre que corria por seu sangue; precisava possuí-la
totalmente. Retesaram-se os músculos das costas e os ombros com o esforço
de esmagar o desejo que vibrava por todo ele.
Com a ponta do polegar lhe acariciou o sensível e pequeno
botãozinho de seu sexo até que ela agarrou o tecido engomado de sua
camisa, com o corpo duro de tensão. Ele não afastava os olhos de seu rosto,
e o coração lhe deu um salto e se alojou na garganta quando viu que ela se
ia se aproximando do topo. Olhou para a porta, para assegurar-se de que a
tinha fechado com chave. Ela era toda dele nesse momento, e nada ia
mudar isso.
Apertando-se contra sua mão ela chegou ao orgasmo, em uma
violenta onda de sensações, tentando respirar, enquanto ele afundava mais
os dedos nela para lhe intensificar ainda mais o prazer. Sentiu-se dividida
em duas, aliviada e humilhada ao mesmo tempo pelas contrações de prazer
que lhe estremeciam o corpo.
Entretanto, uma vez passado tudo, pareceu-lhe o mais natural do
mundo estar sentada aí com ele, em um agradável enredo de braços e
pernas, com o vestido todo enrugado na cintura. Desejou continuar assim
eternamente. Não queria pensar.
Dissimuladamente lhe olhou o bem cinzelado perfil, ouviu sua
entrecortada respiração. Estavam sentados juntos, ele com a perna dobrada
sobre o delicado arco do pé dela, e a cabeça apoiada no braço dobrado
sobre o espaldar. Tinha a roupa indecentemente ordenada, e estava olhando
o teto, com o cenho franzido, tão absorto que ela estremeceu. O que tinha
feito de seu malandro brincalhão? Estaria aborrecido por não ter sua
própria satisfação? Não se atrevia a perguntar-lhe mais parecia...
insatisfeito. Ou estaria lamentando a queda de seu modelo de virtudes?
Esse pensamento a fez voltar bruscamente para a terra.
- Grayson?
- Me dê só um momento, Jane. Necessito de tempo.
Tempo? Passeou a vista pelo salão em penumbra. Passado um longo
momento, que lhe pareceu séculos, esperando que ele fizesse algum
movimento, murmurou:
- Deveríamos pôr um pouco de ordem aqui, não vá que nos
surpreendam nadando em culpa como Antonio e Cleópatra. O único que
nos falta é uns escravos nos abanando com folhas de palma e nos pondo
uvas na boca.
Seu esforço de reanimá-lo não deu resultado. Ele exalou um longo
suspiro. Não poderia pegar olho em toda a noite, embora lhe dar prazer
havia valido a pena. Ele e Jane tinham cruzado um limite essa noite, e isso
levava a pensar a sério a respeito do futuro de ambos.
- De acordo - disse por fim - Levante-se e vá procurar um baralho
enquanto eu acendo as velas. Quando chegar sua família estaremos muito
compostos.
- Por que estava tão sério? - perguntou-lhe ela, preocupada, quando
os dois já se levantaram do sofá e ele estava junto ao aparador acendendo as
velas do candelabro.
Ele desviou os olhos do candelabro.
- O que? Estava tentando me dominar. E pensando. Ah, minha doce
Jane, há muitíssimas coisas no que pensar.
Ela terminou de amarar os laços do vestido e arrumar a blusa, com as
mãos nada firmes.
- Muitíssimas coisas?
A luz das velas criou sombras na perfeita simetria de suas angulosas e
fortes feições. Com o cenho franzido se aproximou dela para ajudá-la a
alisar as dobras da saia.
- Hoje recebi uma mensagem de Heath dizendo que está a caminho
para reunir-se comigo. Suponho que poderia ter notícias.
Ela se virou para a mesa onde iriam jogar cartas e pegou o baralho.
Um frio foi invadindo toda inteira, desvanecendo o vigoroso calor que
havia sentido um momento antes.
- Que tipo de notícias? - perguntou.
Embora não desejava sabê-lo. Não queria que nada estragasse sua
ilícita felicidade. Ressecou-lhe a boca.
Ele encolheu os ombros e pegou o baralho de suas mãos quando ela
se voltou para ele.
- Não tenho nem ideia.
Voltaram a sentar-se no sofá, a uma prudente distancia. Ela o
observou embaralhar as cartas com a mesma naturalidade e perícia com
que nesse mesmo lugar a tinha acariciado lhe dando um prazer
inimaginável. Olhou fixamente suas fortes e bem cuidadas mãos, fascinada
e alagada de ansiedade ao mesmo tempo.
- Algo deve lhe ter dito - falou.
Ele negou com a cabeça.
- Toda sua mensagem era muito detestável e misteriosa, sem dizer
uma sílaba do que descobriu, se é que descobriu algo. Mas suponho que
isso vem de seu trabalho como espião. Claro que Drake esteve também
trabalhando em um assunto misterioso, ao menos isso suspeito eu. Mas são
muito diferentes. - Levantou os olhos e lhe sorriu de orelha a orelha. - A
única coisa que sei é que não queria ter por inimigo a nenhum dos dois.
- Não, claro - disse ela, e reteve o fôlego quando se encontraram seus
olhos. Desceu os olhos às cartas que ele já tinha repartido. Viu imprecisas as
cores vermelhas e negras. Confia em mim, pensou; ainda não sabe. - E se eu
lhe confessasse que nunca me importou se Nigel voltasse ou não?
Ele não pôde dissimular sua aprovação.
- Compreenderia totalmente.
Oprimiu-se a garganta dela. Isso era ainda mais difícil do que tinha
suposto.
- E se lhe dissesse que nunca desejei me casar com ele?
Escrutinou seu rosto com olhar tranqüilo, objetiva. O que viu?
- Ver as coisas em retrospectiva sempre nos dá a sabedoria que
poderíamos desejar.
- Não é ver em retrospectiva - se apressou a dizer ela - Sou muito
sincera. Não acredito que o tenha amado jamais. A não ser como a um
querido amigo.
Grayson meditou suas palavras enquanto seguia dando as cartas. Seu
tenso sorriso poderia ser o único sinal externo de que essa confissão o
agradava, mas no fundo sentia uma ridícula onda de alívio; não haveria
necessidade de competir com Nigel.
- Bom, isso facilita todas as coisas, não é? - disse, com a voz mais
tranqüila que pôde.
- Que coisas?
- Outros amores. Não lamentar o que perdemos. Eu sinto o mesmo a
respeito e Helene, se quer saber. Agora a olho e me pergunto que demônios
via nela que me atraiu.
Em todo caso, a única pergunta que vale é, o que fará se Nigel voltar
com seu coração na mão?
- Não sei - respondeu ela, olhando as cartas repartidas sobre a mesa -
Nada. O que...?
- Está preparada para perdoá-lo? - perguntou ele, seu sorriso
desvanecido.
Ela procurou a força para limpar a consciência.
- Ainda não sabemos se há algo para perdoar - disse, logo depois de
titubear um instante.
- Ah, é imperturbável, Jane, querida - disse ele, rindo. - E, como disse
antes, extraordinariamente sincera.
- Deixe já de me fazer parecer um modelo de virtudes, por favor -
disse ela, irritada - Sou uma pessoa extraordinariamente imperfeita, se tiver
que saber. Como já tem que saber.
- Bom, eu também.
- Não. Você... - Teve que engolir a saliva para passar o nó que lhe
oprimia a garganta - Você não é horrendo; não o é no que de verdade
importa.
Ele sorriu, com o fim de lhe dissipar a preocupação.
- Costumo sê-lo, quando estou chateado, e é muito improvável que
você experimente isso pessoalmente, a não ser que pegue fazendo
armadilhas no jogo.
Ela pegou suas cartas, sentindo-se tremendamente abatida. Tinha que
dizer-lhe sabia, e não limitar-se a dar rodeios em torno da verdade, mas
tinha medo. Medo que o travesso afeto que via em seu rosto se convertesse
em desprezo; medo de que ele saísse desse salão e não voltasse nunca mais;
e medo de que em sua relação tivesse chegado a um ponto em que ele já
não pudesse perdoá-la se lhe contasse o que tinha feito.
- Grayson, sinto muito, não consigo me concentrar no jogo neste
momento.
- Eu sinto muito, Jane. Sabia que deveria ter partido.
- Não, não é por isso.
- Por que, então? - Seus olhos azuis lhe escrutinaram o rosto - Pensa
que traiu Nigel?
- Na verdade, faz-me parecer muito melhor do que sou. Por favor.
Não quer jogar cartas.
- Então podemos...
O som de vozes no vestíbulo o interrompeu. Levantou-se e foi
rapidamente virar a chave da porta, voltou a sentar-se e apoiou
despreocupadamente o cotovelo no braço do sofá. Quando se abriu a porta
do salão, ele e Jane eram um quadro de atividade inocente para as três
pessoas que entraram e ficaram olhando-os surpresos.
- Sedgecroft - disse Simon, olhando com olhos experientes sua irmã, e
ficou satisfeito ao ver que tudo estava em ordem, além dos sapatos de cetim
que ela tirou e estavam debaixo da mesa - Achei que tinham ido ao teatro
com meus pais.
- E fomos - respondeu Grayson, que tinha ficado em pé por deferência
à Caroline e Miranda - E me ofereci para fazer companhia a sua irmã
quando descobrimos que não estavam em casa.
Caroline olhou fixamente para Grayson, como se soubesse, com os
mais humilhantes detalhes, o que tinha ocorrido há uns minutos.
- Que gesto tão cavalheiresco, ficar aqui com ela para protegê-la -
disse.
- Sim, não é? - disse Jane, em tom frio, dando a entender que não
seguisse com o tema.
Simon pigarreou para limpar a garganta.
- Quer um drinque, Sedgecroft?
Grayson virou a cabeça para olhar para Jane.
- Obrigado, mas fiquei de me encontrar com meu irmão amanhã a
primeira hora. Tenho que me pôr a caminho. Senhoras, lhes desejo
agradáveis sonhos.
Jane olhou as cartas esparramadas que tinham caído sobre o sofá.
Agradáveis sonhos, e como; não dormiria nem um só segundo enquanto
não soubesse o que descobriu Heath a respeito de Nigel.
- Acompanharei você à porta - disse Simon - Soube que é um perito
em tiro, e me convidaram...
Caroline se apressou a fechar a porta tão logo saíram os dois homens.
- Não o disse, verdade? - perguntou em um sussurro - Era o momento
perfeito, os dois sozinhos na casa.
Jane molhou os lábios.
- Quase disse. Inclusive poderia ter chegado a pior parte se vocês três
não tivessem irrompido aqui como o exército troiano. De todo modo,
amanhã é sexta-feira. Disse que contaria na sexta-feira.
- Tem medo? - perguntou Miranda, deixando-se cair no sofá, no meio
das cartas.
- Terror - reconheceu Jane.
- Poderíamos nos esconder atrás da escrivaninha quando lhe fizer a
confissão, se por acaso ficar violento - disse Caroline, pensativa.
- Não seja tola. Sedgecroft não me machucará. - agachou-se para
pegar o rei de copas, e acrescentou com a voz embargada pela emoção - Ao
menos não de uma maneira que vocês pudessem evitar.

Capítulo 17

Grayson parou fora da porta de seu dormitório ao ouvir o fraco


rangido das molas do estrado de sua cama. Estreitou os olhos e esboçou seu
sorriso implacável.
Com certeza sua visita noturna era de uma certa francesa; esperava
poder tirá-la daí com um mínimo de gritos histéricos.
E não era que não ansiasse uma noite de relações sexuais desinibidas;
o problema era que seus gostos mudaram para uma dama de olhos verdes
mais complexa que desafiava suas emoções além de lhe converter o corpo
em uma fogueira de frustração pelo desejo reprimido.
E se Helene albergava a esperança de ter a mínima possibilidade de
reatar a relação entre eles, bom pois, não havia nenhuma esperança.
Nenhuma absolutamente.
Já não era o homem que foi quando se conheceram.
Além disso, essa noite tinha mudado tudo. Ele e Jane tinham chegado
ao ponto em que o acerto entre eles ou era um começo ou um final. E como
não tinha a menor intenção de renunciar a ela, compreendia claramente que
estava submerso em dificuldades, com a água até o pescoço.
Embora as dificuldades não o preocupassem nada. Aparentemente,
formavam parte do estilo de vida Boscastle. Mas como ele era o mais velho
dos irmãos, e o primeiro dos homens que entregava oficialmente seu
coração, teria que considerar cuidadosamente seus passos seguintes, como
pioneiro que era.
Matrimônio? Por que não?
Fazia tempo que tinha compreendido que uma esposa é uma
necessidade, mas secretamente tinha abandonado a esperança de encontrá-
la no círculo de suas amizades íntimas. Inclusive tinha feito uma vaga
imagem dela na mente: a cor do cabelo, o som de sua voz.
E então apareceu Jane e a imagem foi mudando lentamente. Cobrou
outra forma, a forma da mulher mais contraditória do mundo, que o
mantinha acordado de noite, que não se parecia absolutamente a que tinha
andado procurando.
Mas era tudo o que necessitava.
Não era um estúpido. Tinha visto muitos de seus amigos cair como
moscas quando os atacava a enfermidade fatal.
E agora era ele o doente; tinha os Seis Sintomas Mortais de um
Homem Apaixonado:

1. Incapacidade para pensar direito.


2. Uma alarmante propensão a sorrir nos momentos mais estranhos.
3. Pensamento constante no objeto de seu desejo.
4. Absolutamente nenhum interesse em outros membros do sexo
oposto.
5. Uma surpreendente boa vontade para o mundo em geral.
6. Excitação sexual perpétua.

Já está. Era um começo então. Necessitava-a. Ela tinha aberto caminho


até seu coração, e não poderia substituí-la jamais. Invadiu-o uma agradável
sensação de que tudo estava bem, correto.
Abriu a porta do dormitório, sem ter a menor ideia de que esse
resumo tão claro de sua situação estava a ponto de estalar em chamas.
Entrou, tendo já tudo resolvido em sua mente. Nem sequer olhou
para a figura que estava recostada em sua cama, com o fim de lhe
economizar a vergonha, e economizar ele o sobressalto.
- Se não está vestida, tenha a bondade de se cobrir antes que eu olhe.
Não estou de humor para uma relação fortuita esta noite.
- Eu tampouco - disse Heath, abaixando os pés com botas da cama -
Ao menos não com você.
Grayson começou a rir, deixando a mão imóvel sobre a impecável
gravata branca que tinha começado a soltar-se.
- Compreendo que leve a espionagem no sangue, mas é necessário
tanto sigilo estando Napoleão bem seguro em sua ilhazinha?
Heath pegou o par de luvas que tinha deixado na mesinha de noite e
ficou a examiná-las como se fossem as mais interessantes do mundo.
Grayson o contemplou um momento e logo continuou tirando a gravata e o
fraque.
- Nunca se sabe - disse Heath.
- Ah, compreendo. Bom, suponho ao menos que não esperará achar
nenhum problema dessa natureza nesta casa.
Heath levantou a cabeça e lhe sorriu, com seu sorriso de menino.
- É pela senhora Cleary, se quer saber. Desde que o mês passado sua
governanta me surpreendeu posando como soldado romano para um
quadro da senhorita Summers, não fui capaz de olhá-la na cara.
Grayson começou a desabotoar o colete. A pesar do tom brincalhão
do Heath, algo ia mal. Percebia e rogou que não fosse algo que fizesse Jane
sofrer.
- Achei que nos encontraríamos amanhã no clube.
Heath se levantou e foi sentar se em uma das duas poltronas junto à
janela, na qual olhava à porta.
- Tenho que atender outros assuntos na cidade. Espero que não se
importe.
- Não - respondeu Grayson, sentando-se na outra poltrona, frente a
ele, um pouco confuso por essa mudança de planos. Que revelação poderia
exigir esse grau de segredo. - Não me importa. Quer uma taça?
Heath bebia muito raramente. Oferecer-lhe uma taça era
simplesmente um gesto de cortesia, e Grayson viu confirmada sua
premonição quando o largo sorriso de seu irmão foi dando lugar a uma
expressão de preocupação.
- Talvez você necessite de uma quando eu tiver terminado, Grayson.
Grayson coçou o queixo.
- Então o encontrou. Como estava?
- Debaixo de um lençol, quando o deixei.
Os olhos azuis do Heath brilhavam. Na escuridão os dois se pareciam
mais que à luz do dia, quando a beleza masculina dourada do Grayson
contrastava com o cabelo escuro o ar de perigosa serenidade de seu irmão
mais novo.
Grayson demorou uns segundos em reagir.
- Debaixo de... meu Deus, Heath, não me diga que matou esse imbecil.
Não é que não compreenda seus motivos, mas tinha a esperança de pelo
menos obrigá-lo a desculpar-se publicamente ante Jane antes de estrangulá-
lo.
- Está vivo. Muito vivo.
Grayson se surpreendeu pelo imenso alívio que sentiu.
Provavelmente Nigel merecia morrer, mas era um familiar.
- Viu-o, então?
Heath soltou o fôlego em um bufo.
- Em carne e osso. E literalmente em carne, devo reconhecer. Vi muito
mais de Nigel do que alguém desejaria ver.
Grayson se inclinou para ele, fascinado.
- Surpreendeu-o no ato... debaixo de um lençol, santo Deus. Não me
diga que estava com um homem.
- Não.
- Então... não... não seria com um animal ou com algo tão pervertido
que não o possa explicar a Jane?
Heath tirou um charuto do bolso de seu colete.
- Recorda à senhorita Chasteberry?
- É curioso que a mencione. Só há uns dias estive contando a Jane esse
detalhe da história de nossa infância. A Preceptora da Luva de Ferro, que
convertia em gelatina seus alunos. E não esqueçamos sua vara infernal. Por
que...?
- Pelo visto continua levantando varas.
Grayson se inclinou para trás, divertido. Que revelação mais
inesperada.
- Nigel estava com transando com a preceptora da família?
- Para ser mais exatos, estava transando com sua esposa. Ou melhor,
ela estava transando com ele. Não consegui fazer a distinção.
Grayson riu, inquieto.
- Não acredito em você.
- Acredite. Vi o registro do casamento em Hampshire.
- Casou-se com Chasteberry?
Heath sorriu, olhando seu charuto sem acender.
- Com ela, a dos medos e fantasias de nossa infância. Talvez Nigel seja
um desses homens que sente predileção pelas mulheres dominantes.
Inclusive há homens que pagam por esse duvidoso prazer.
Transcorreu um longo silencio. Finalmente Grayson balançou a
cabeça de um lado a outro.
- Não tenho ideia de como devo explicar isto à Jane.
- Isso será desnecessário.
- Demônios - exclamou Grayson, irritado - Disse a ela antes que a
mim?
- Grayson, tão atordoado está? Tenho que lhe explicar todos os
detalhes? Pelo amor de Deus, não me faz isso nada fácil. Não será
necessário dizer a Jane. Ela sabe, soube-o todo o tempo. Ela e Nigel
sabotaram seu casamento. A maioria das jovens chegariam a qualquer
extremo para amarrar um homem. Sua Jane fez o contrário. Você e suas
nobres intenções interromperam sua engenhosa conspiração.
- Conspiração?
- Isso é o que foi. Nem Jane nem Nigel desejavam casar-se; nunca o
desejaram.
Grayson afastou os olhos da janela, absolutamente pasmo, mudo, sem
sequer poder abrir a boca, pelo que acabava de lhe revelar seu irmão. Uma
conspiração. Um casamento sabotado. Santo céu, uma conspiração entre
Jane e seu primo. Não podia acreditar. Embora ao mesmo tempo, começava
a achar sentido a muitos pequenos mistérios. Lógico, não deixaram Jane
plantada. A grande velhaca tinha estado manipulando sua própria vida, e a
ele, todo o tempo.
Fez uma longa inspiração, para esmagar a fúria que lhe queimava o
peito. Não se atrevia a falar, não podia confiar em si mesmo. Que nobre
imaginou que era. Que arrogância e estupidez a sua ao acreditar que seu
sacrifício importaria. Condenação, quem era ele para ter chamado bobo a
Nigel? Ele era quem tinha demonstrado ser um idiota, o bobo que se deixou
tampar os olhos. Uma conspiração, e ele tinha sido um peão. Não, um
obstáculo.
Tentou limpar a névoa vermelha que lhe embotava a cabeça. Por que
não viu os sinais? Perguntou-se, furioso consigo mesmo. Desde o começo
tinha suspeitado que havia algo estranho na situação. Por que não foi capaz
de somar dois mais dois? Por que não o adivinhou?
Porque nenhuma dama decente sabotaria seu próprio casamento.
Nenhuma dama da classe de Jane se atreveria. Seu querido modelo de
virtudes burlou a sociedade, fazendo uma zombaria. Burlou-se dele.
Quando pensava lhe dizer a verdade, se é que o pensava? Pensou,
mais indignado a cada momento.
Quanto tempo, até quando, teria continuado com essa farsa? Acaso
teve medo de lhe confessar o que tinha feito? Medo dele? Estupendo.
Deveria ter. Ele tinha um pouco de medo de si mesmo ao pensar no que lhe
faria. Pagaria caro. Ah, como desfrutaria a fazendo pagar.
Contemplou um momento o aposento e emitiu uma risada rouca sem
humor. Perplexo pela aparente falta de reação de seu irmão, Heath pegou a
caixa de pederneira e fósforos da mesa e acendeu com supremo cuidado
seu charuto.
Uma nuvem de fragrante fumaça cinza azulada se ergueu entre eles
quando voltou a falar:
- Talvez me entendeu mal - disse, com cautela.
Grayson o olhou esboçando um arrepiante sorriso.
- Por que o diz?
Heath se revolveu incômodo na poltrona.
- Não estaria sorrindo como um sátiro se tivesse entendido o que lhe
disse. Esteve enganando-o, Gray, jogando com você, fazendo-o de idiota,
enquanto o mundo contemplava maravilhado.
Nos olhos de Grayson brilhou uma chama, uma chama de raiva. De
fogo do inferno desatado.
- É você quem entendeu mal -respondeu tranquilamente.
- Sim?
- Este sorriso que vê não é o de um idiota nobre. - Guardou silêncio, e
seus longos dedos se aferraram aos braços de sua poltrona - É o de um
homem planejando um castigo.
- Vamos, espere um momento - disse Heath, alarmado - Isso é mais do
que tinha esperado. É correto castigar Jane?
O sorriso de Grayson se desvaneceu um pouco. Não voltaria a deixar-
se manipular por um sentimento de culpa. Tinha cumprido seu dever, e
devia ver aonde o tinha levado isso; virtualmente o tinha feito cair de
joelhos no chão, humilhado.
- Fazer o correto foi o que me meteu nesta situação. Jane necessita que
lhe demonstre que sei corresponder de acordo ao que recebo.
- Isso acho detestável, Gray. Toda essa tolice bíblica de olho por olho e
dente por dente.
O olhar de Grayson refletia muito pouca piedade. Jane o tinha ferido
de uma maneira que não teria nem sonhado possível.
- Ele faz chover sobre justos e pecadores.
- Sim, mas isto me parece mais um temporal que uma simples chuva -
disse Heath, preocupado - O que vai fazer, exatamente?
- Me casar com ela.
- Casar-se com ela? - exclamou Heath, pasmo.
Grayson riu da expressão desconfiada de seu irmão.
- Depois de fazê-la pagar.
- E como vai fazer isso? - perguntou Heath, cauteloso.
- Vou jogar com ela, Heath, tal como ela jogou comigo. A simples
realidade é que a quero. Amo Jane.
Um brilho de afável admiração substituiu a ansiedade nos olhos azuis
de Heath. Não pôde ocultar seu alívio.
- Tenho que concluir que esta vingança vai ser doce? Para você, quero
dizer?
Grayson cruzou seus musculosos braços atrás da cabeça e fechou os
olhos, em atitude contemplativa.
- A sedução sempre é doce, não é verdade? A vingança só
acrescentará um pouco de condimento à panela.
Mal Heath saiu de seu quarto, Grayson enviou Weed para procurar
seu secretário. Era tarde; mas isso não importava. As melhores conspirações
se tramam à hora mais escura da noite.
Seria a essas horas quando sua ratinha traçou os detalhes de seu
atrevido plano?
Por que o fez? Já se tinha dissipado bastante sua fúria inicial, o que
lhe permitia pensar com mais clareza. Por que o fez?
Refletiu um momento a respeito da resposta mais óbvia. Ela e Nigel,
sendo tolos jovens e valentes, seguiam acreditando no conceito do amor
acompanhado pelo felizes para sempre. Se ela se negara francamente a
aceitar a imposição de seus pais, eles a teriam forçado a fazê-lo, teriam
procurado outro marido ou a teriam deserdado.
E Jane, com todas suas fraquezas humanas, adorava a sua família.
assim, de uma maneira inteligente mas desesperada, decidiu e planejou ter
o bolo e comê-lo também. Mas seu plano não resultou, como costuma
acontecer a esses planos tão desesperados.
Ele seria muito mais retorcido ao elaborar seu plano de contra-ataque.
Utilizaria todos os meios que tinha ao seu dispor: legais, espirituais e
financeiros.
E, sim, sexuais, também, não faltaria mais. O engano dela lhe dava
carta branca para realizar suas fantasias mais acariciadas, mesmo que já
estivesse perigosamente perto de atuar segundo elas mais de uma vez.
Por fim, por fim. O malandro que vivia nele estava novamente no
comando. O herói já teve sua oportunidade e seu tempo. Já não se sentia
desequilibrado. Que mais importava que o labirinto emocional pelo qual o
tinha feito passar Jane o tivesse levado a terreno conhecido. Finalmente
voltava a estar com os dois pés firmes na terra. Pior para Jane.
Não lhe escapava a ironia da situação. Estava planejando casar-se com
uma mulher que tinha levado a cabo um temerário plano para evitar a
ratoeira do padre, destino que ele tinha evitado durante toda sua vida
adulta.
Não era um estúpido. Amava a essa condenada, apesar de seu engano
mas também , talvez em parte, devido a ele. Sim, estava furioso com ela por
jogar com ele. Mas já estavam voltas as voltas. O jogo já não se jogaria em
branco e negro a não ser em todos os nebulosos matizes de cinza.
Um jogo de vingança?
Talvez um pouco. Mas mais que nenhuma outra coisa, seria um jogo
de amor.
Porque pressentia que se Jane fosse capaz de sabotar seu próprio
casamento, não o respeitaria se ele não reagisse conforme. Uma mulher com
sua paixão pela vida, com sua capacidade para planejar seu destino,
esperaria o mesmo de seu parceiro. E quem, se não Jane, era capaz de
igualá-lo maldade por maldade, palavra por palavra?
Quem, se não ela, podia contribuir para o matrimônio com essa
avidez pela vida, essa ousadia de jogador?
Desejava-a, e não restava outra coisa que submeter-se, mesmo que se
negasse a fazê-lo com elegância.
Tinha encontrado sua parceira, sua igual, mas antes de aplaudir sua
astúcia, divertiria-se um pouco se vingando dela por enganá-lo. Que suasse,
e ganhasse seu perdão.

***

Lorde Belshire abriu os olhos na escuridão, despertado pela espetada


de uma mão desconhecida. Vagamente compreendeu que estava no interior
de sua carruagem.
- O que? Já chegamos a casa? Não estava roncando, Athena. Nem
sequer estava... - Pestanejando olhou ao redor, atônito - Sedgecroft! Onde...?
O que fez com minha mulher?
Grayson golpeou o teto, e a carruagem empreendeu a marcha pelas
labirínticas ruas de Londres.
- Está muito bem em casa com o resto da família - respondeu, e
acrescentou, franzindo os lábios - Incluída sua filha mais velha.
- Jane - disse o homem mais velho, tirando seu relógio de ouro do
bolso de seu colete bordado - Onde...? Aonde diabos vamos a esta hora da
noite?
Grayson se acomodou no fofo assento.
- A minha casa, para fazer nosso trabalho em paz. Meus advogados e
meu banqueiro já estão lá nos esperando.
- Banqueiro... que tipo de trabalho se faz de maneira tão clandestina a
esta hora da noite? - perguntou Belshire, com voz ensurdecedora - Bom
Deus, descarado, se tiver desonrado a minha filha...
Quarenta minutos depois, lorde Belshire já compreendia à perfeição a
natureza do "trabalho" do Sedgecroft, e a contra gosto tinha aceitado as
cláusulas detalhadas no contrato de matrimônio que acabava de assinar. As
condições impostas para o noivado e matrimônio eram extravagantes para
dizer o mínimo, mas também o era o oculto engano de Jane e Nigel a todas
as pessoas que os queriam e confiavam neles.
- Não posso acreditar que fez isso – resmungou - De todo modo,
insisto em que não sofra a conseqüência deste acordo. Deve jurar ante Deus
que respeitará nosso contrato.
- Não tenha dúvida, Belshire - disse Grayson, com os olhos brilhantes
como o gelo - Quero bem a sua filha. Amo-a.
- Neste momento não posso dizer que compartilhe esse sentimento.
Isso não quer dizer que deseje vê-la maltratada de maneira nenhuma.
- Confia em mim. Jane será bem tratada. Dentro de um ano ou menos,
espero que o presenteie com um neto.
Um brilho de esperança iluminou o rosto de Belshire. Um neto; um
futuro marquês.
- Duvido de seus métodos...
- Não vai duvidar dos resultados quando os vir - disse Grayson sem
vacilar.
- Suponho que Jane está disposta a ser sua esposa.
- Asseguro-lhe que sim.
- Isso resolve vários problemas de uma vez, Sedgecroft.
- Isso me pareceu.
Meditando lugubremente a respeito da oculta conspiração de Jane
durante o trajeto de volta casa, Belshire chegou à conclusão de que talvez
sua voluntariosa filha merecia casar-se com um homem como Sedgecroft,
que tinha o mesmo tipo de mente fingida e retorcida que ela. Ao menos isso
foi o que tentou explicar a sua mulher quando chegou a casa.
Athena estava lendo na cama quando ele parou em uma pose teatral
na soleira da porta do dormitório.
- Estou pasmo – declarou - total e absolutamente prostrado. Sinto
todo o corpo paralisado.
Ela deixou a um lado o livro.
- Isso é o preço que paga por sair para beber com um homem a quem
virtualmente dobra em idade. E com isso não quero dizer que alguma vez
tenha tido a energia de Sedgecroft. E do que queria falar com você, por
certo?
Ele entrou, fechou a porta e explicou tudo. Quando terminou, ela
estava passeando furiosa rodeando a cama, sobre a que ele já desabara.
- E aceitou isto? Pôs sua assinatura nesse contrato?
- Passou por cima a essência do assunto, querida. Jane nos enganou.
Nunca desejou casar-se com Nigel.
- Como se atreveu a fazer isto! - exclamou ela - Irei a seu quarto
imediatamente.
- Não. Vai fazer as malas para que amanhã quando se levantar
descubra que partimos todos. Só ficarão Simon e o tio Giles, aos quais
pedirei que a acompanhem enquanto Sedgecroft leva a cabo seu... seu
cortejo.
Athena parou no pé da cama, melancólica.
- É uma maldade o que fez, sim, mas recorda que nos suplicou que
anulássemos seu casamento com Nigel. E deixá-la sozinha aqui a mercê de
um homem como Sedgecroft...
- Um homem que vai ser seu marido, querida minha - disse Howard,
carrancudo - Sedgecroft a ama apesar de seus enganos, e acredito que ela
também o ama. Além disso, acha que haverá um homem decente na
Inglaterra que queira casar-se com ela uma vez que se revele sua
conspiração?
- Bom, sempre há Escócia ou Gales - respondeu Athena
tranquilamente - E não esqueça os aristocratas exilados da França.
- Digo-lhe, criamos uma jovem Medea - disse ele - É uma sorte que
ainda não nos tenha convertido a todos em pedra.
- Está pensando em Medusa. Medea assassinou a seus filhos.
- Medea, Medusa, que importa. Só você sabe a diferença. Isso é o que
tirei por me casar com uma sabichona e engendrar uma filha com o
intelecto retorcido. Jane terá uma condenada sorte se tiver algum filho para
assassinar.
Athena foi sentar-se na banqueta de sua penteadeira, já resignada a
seu destino.
- Com Sedgecroft terá filhos, não tenho nenhuma dúvida, e filhos
formosos além disso, que terão um montão de tios para mal criá-los quando
já não estivermos nós -disse, pensando em voz alta - As coisas poderiam ser
pior.
Howard a contemplou da cama.
- Não vejo como, mas não importa. Vai se casar com Grayson
Boscastle e aí se acaba tudo. Como vai conseguir ele para dirigi-la, não
consigo imaginar, só posso lhe desejar sorte.
- Jane sabe algo sobre isto? - perguntou ela, de repente.
- Não. E Sedgecroft deseja ser ele a dizê-lo. A sós.
- Que homem mais romântico. Espero que Jane mostre bom senso
desta vez.
Lorde Belshire franziu o cenho. Romântico não era a palavra que teria
empregado ele para descrever o ar de implacável resolução de Grayson
quando estava redigindo o contrato de matrimônio.
- Não se parece em nada a Nigel, Athena. Jane não vai encontrar
nenhuma maneira de livrar-se desta situação, a não ser que resolva ficar
solteirona.
- Podemos pelo menos nos despedir dela antes de enviá-la à batalha?
- É um cortejo, não uma batalha, embora neste caso não se pode ter
certeza. E não, felizmente já teremos partido quando ela se levantar. Se Jane
teve a astúcia para nos enganar, é mais que capaz de fazer frente a
Sedgecroft sozinha.

Capítulo 18

No dia seguinte, Jane despertou muito mais tarde que de costume e


imediatamente notou o estranho silêncio que parecia envolver toda a casa.
Nove de cada dez manhãs a despertava Miranda com sua lastimosa prática
no piano ou uma acalorada discussão no corredor entre sua mãe e Caroline,
devido ao traje desta última.
Quando, depois de vestir-se apressadamente, saiu a investigar esse
estranho silêncio, a governanta do andar principal a informou:
- Todos partiram para o campo, para Belshire Hall, lady Jane. Só ficou
lorde Tarleton, que saiu esta manhã a primeira hora com seu tio, sir Giles,
para assistir a uma corrida de cavalos. Disseram que estariam de volta a
tempo para o jantar.
- Minha família me deixou aqui sem sequer me perguntar se queria ir?
- disse Jane, desconfiada.
- Parece que ficou doente a prima de lady Belshire, e milady
considerou desnecessário que a senhorita os acompanhasse - respondeu a
criada, com os olhos fixos no chão, como se acreditasse nessa historia tanto
como Jane.
- Suponho que ninguém teve o trabalho de me deixar uma mensagem
- disse Jane, irritada, virando sobre seus calcanhares e afastando-se.
Tudo isso era muito misterioso e suspeito, e essa inquietante sensação
se confirmou quando, por instinto, entrou no quarto de Caroline e
encontrou uma nota escrita apressadamente colocada debaixo do mata-
borrão de sua escrivaninha.

Jane:
Levam-nos contra nossa vontade, virtualmente amarradas e amordaçadas.
Tome cuidado, o leão escolheu sua parceira.

A seguir havia uma feia mancha de tinta, como se Caroline se visse


obrigada a esconder o papel porque alguém entrou em seu quarto.
- Que estranho - disse, falando consigo mesma, sentindo arrepiar o
pelo dos braços - "O leão escolheu sua parceira" Quem...?
Deu um salto ao ouvir um forte golpe na porta. Era um empregado.
- Chegou o marquês, lady Jane. Insistiu para que subisse para chamá-
la imediatamente.
- Para me chamar? Chamar-me para que?
- Não me ocorreu perguntar-lhe milady.
- É curioso... não acha que acontece algo estranho?
Sem esperar a resposta desceu depressa até o salão principal. Aí
estava Grayson, em pé na janela, muito elegante com uma jaqueta de
manhã azul marinho, feita à medida, e calça cáqui justa, e dando batidinhas
em uma dura coxa com sua vara de montar. Golpes, pensou fugazmente,
como o movimento da cauda de um animal que está a ponto de atacar,
furioso.
- Bom - disse, tão contente de vê-lo que começou a rir, - pelo menos
você não me abandonou. Toda minha família ficou louca. Parece que minha
prima ficou doente e meus pais foram para o campo em uma missão
caridosa.
Então ele se virou para olhá-la e o ar na garganta ficou preso.
Nenhum homem tem direito a estar tão pecaminosamente bonito a esta
hora do dia, tão cedo, pensou.
Desvaneceu-se a risada quando seus olhos se encontraram com os
dele, e, pela segunda vez nessa manhã, lhe arrepiou o pêlo dos braços, e a
percorreu toda por um mau pressentimento. Não recordava ter visto essa
expressão tão sombria em seu rosto.
- Encontrou-se com Heath? - perguntou, com o coração retumbando
no peito.
- Sim.
- Ah.
Sentiu fracas as pernas e lhe escrutinou o rosto, em busca de um sinal
a respeito de seu destino.
- Lamento que a notícia não seja boa, Jane - disse ele, pesaroso.
- Não?
- Parece que deve abandonar a esperança de se casar com Nigel. Tudo
indica que é verdade que fugiu.
- Aonde?
- Importa isso?
Ela temeu que ele ouvisse as aceleradas pulsações de seu coração.
- Suponho que não.
- Ouça, livrou-se de boa.
Que fria e reservada se tornou sua expressão. Ou ela imaginava
coisas?
- Sim.
- Não o perdoará.
- Isto...
- Seria melhor que o esquecesse, Jane.
- Mais...
Quanto saberia? Desconcertava-a sua atitude. Talvez se sentisse
envergonhado por ter que lhe dar essa notícia?
- Ele já não importa, não é verdade? - disse ele, lhe estendendo a mão,
convidando-a a aproximar-se.
Ela sentiu passar uma desconcertante onda de calor por todo o corpo.
- Não - disse, olhando-o, pensando se tudo poderia ser assim fácil.
Existiria uma mínima possibilidade de que ele não descobrisse a
verdade, ou de que já soubesse e pudessem continuar fingindo que não
sabia? De que ele se contentasse dizendo que Nigel já não estava, que a vida
deve continuar e você, Jane, é parte de minha vida?
- Agora vá procurar seu capote - disse ele, em tom grave e tranquilo -
Temos que fazer uma visita.
A misteriosa emoção que lhe escurecia o olhar desapareceu antes que
ela conseguisse interpretá-la. Notava uma sutil diferença em sua atitude
para com ela. Será que Heath tinha descoberto algo mais do que Grayson
lhe dizia? Não. Ninguém sabia da casa de Esther em Hampshire. E se
Grayson soubesse não seria capaz de dominar sua raiva. Sentiria-se culpado
pelo que fizeram na noite passada? Acelerou-se o sangue ao recordá-lo,
inclusive enquanto pensava se ela não teria caído em sua estima.
Diga-lhe tudo. Conte toda a verdade. "Ele já não importa." Agitou a
cabeça, para limpá-la.
- Que visita? Disse-lhe que tinha ficado para me encontrar com
Cecily...
- Sua carruagem está esperando, milorde - disse o empregado da
porta.
- Obrigado - disse Grayson - Traga uma capa leve para lady Jane e nos
espere fora.
Passado um momento, Jane se viu virtualmente arrastada pelo
vestíbulo, de modo não muito suave, e não demorou para se encontrar fora
da porta.
- Grayson, tenha a bondade de me explicar o que vai fazer.
- Suba a carruagem, Jane. Explicarei a seu devido tempo.
Mas continuou em um enlouquecedor silêncio quando a carruagem ia
estralando pelas lotadas ruas em direção à zona comercial de Bond Street.
Ela não se atreveu a pensar a respeito de suas intenções nem do que
significava sua atitude meditabunda. Estava claro que estava pensando em
algo. Talvez não tivesse nada a ver com ela.
Embora soubesse que sim.
- Pelo menos me diga aonde vamos.
Ele a olhou de cima abaixo um momento, fazendo lhe subir um
quente rubor ao rosto.
- Vamos ver a modista Devine.
- Mas essa modista é para mulheres mundanas, cortesãs, bailarinas.
Ele fechou os olhos, e sua relaxada postura não a enganou
absolutamente.
- Seus vestidos são deliciosos - disse.
- Sei - disse ela, carrancuda - O noivo de Cecily lhe exigiu que
incluísse alguns de seus escandalosos modelos em seu enxoval. Ah, e isso
me recorda que, pelo menos, devo informá-la de que não nos vamos ver
hoje.
A carruagem deixou atrás uma galeria de arte e parou diante de uma
elegante loja de tijolo marrom, estilo georgiano, a cuja porta esperavam dois
empregados para acompanhar as clientes ao pequeno interior iluminado
por velas de candelabros. Uma pequena multidão de transeuntes os
observava em silêncio, com curiosidade. Em qualquer lugar que fosse,
Sedgecroft despertava interesse.
- Cecily não sentirá sua falta - disse ele, levando-a por diante do
mostrador para uma escada lateral oculta - Tomei a liberdade de lhe
notificar que não estaria disponível. Nem hoje nem no futuro próximo.
- O que? - perguntou ela, certa de que tinha ouvido mal.
Ele a levou escada acima.
- O amigo de Cecily, esse personagem Armhurst, não é um
acompanhante conveniente para você. Ah, Jane, perdoe, pensava lhe pedir
isso ontem à noite -acrescentou, como se acabasse de recordar. - Suponho
que este é um lugar tão privado como qualquer outro.
Começaram a pulsar as têmporas dela. O que estava acontecendo?
Algo estava errado. Notava algo diferente. Sua família a tinha abandonado,
deixando-a com esse escandaloso malandro que, embora exteriormente
agisse com sua habitual arrogância, tinha mudado, e ainda não lhe havia
dito...
- Me pedir o que? - perguntou em um sussurro, ao notar movimento
no corredor de cima.
- Que seja minha amante - disse ele e olhou para o corredor, na
expectativa. - Ah, aí está madame Devine. Pedi-lhe nossa sala de provas
privada.
A garganta dela ressecou e esteve um momento tentando recuperar a
capacidade para pensar que tinha perdido. Sua amante. Essas duas palavras
lhe produziram um calafrio. Desta vez não havia forma de acreditar que
tinha ouvido mal. Assim a isso a esteve levando todo o tempo. Que
estúpida, que cega tinha sido ao acreditar em sua simulação de amabilidade
e responsabilidade. Enquanto ela se apaixonava por ele, ele esteve
planejando o que sabia fazer tão bem. A sedução definitiva. Bom, nunca lhe
disse que era um santo? E ela tinha seguido alegremente o mesmo caminho
de suas outras mulheres. Passo a passo. Ninguém a tinha obrigado.
Sorriu-lhe, obviamente indiferente a lhe ter lhe partido o coração com
sua indecente proposta.
- Querida, não se surpreenda tanto. É improvável que alguém volte a
fazer-lhe uma proposta de matrimônio. Sendo minha amante, pelo menos
terá satisfeitas por toda a vida suas necessidades econômicas, e as de todos
os filhos que me dê.
- Filhos? - balbuciou ela, aturdida.
Ele encolheu os ombros.
- Dada a frequência com que faremos amor, chegarão filhos; são uma
parte inevitável da relação sexual. Sempre desejei uma família numerosa.
- Ah, sim?
- Uns doze ou mais pirralhos Boscastle, o começo de minha própria
dinastia.
- Livre-me Deus de estorvar suas ambições reprodutoras.
- Logo falaremos com tranquilidade, quer?
Ela o olhou como se acabasse de lhe revelar que era o demônio em
pessoa, e antes que pudesse replicar conforme a seu incrível descaramento,
ele se voltou e continuou subindo os últimos degraus, assobiando, sem o
menor cuidado.
- Venha, vamos - acrescentou alegremente, olhando-a por cima do
ombro - Não a terei em minha cama todas as noites. Haverá ocasiões em
que terá que se vestir bem para atender visitas. Não mais cinza pomba para
minha ratinha.
Sentindo as pernas de chumbo, Jane entrou atrás dele em um pequeno
quarto mobiliado por um biombo, duas cômodas poltronas, um espelho de
corpo inteiro e uma mesa, sobre a qual havia uma jarra de cristal com xerez
e duas taças, além de um amontoado de mostruários de tecidos e modelos.
Sua amante.
Uma das escandalosas mulheres que assistiram a seu casamento
sabotado.
Ele pretendia que se convertesse em outra Helene ou senhora Parks.
Uma mulher a quem visitaria para obter prazer sexual. Uma mulher a
quem pagaria para vê-la em privado. Uma parceira que abandonaria
quando minguasse seu interesse nela.
Desejou empurrá-lo escada abaixo e ficar a saltar em cima de sua
proposta.
Duas costureiras a levaram a posicionar-se atrás do biombo e
procederam lhe tirar eficientemente a roupa para tomar as medidas,
enquanto Grayson servia as duas taças de xerez e explicava a elegante
madame Devine, que usava óculos, e a sua ajudante, o que desejava das
amostras e modelos que lhe mostraram.
- Esse não - disse, e sua risada rouca e arrogante fez ferver o sangue
de Jane - Muitos botões. Sou um homem que prefere levar a mulher à cama
com o mínimo de complicações.
Madame Devine emitiu uma risada de menina tola.
-Mas oui, milorde. Compreendo. Estes objetos de roupa interior,
talvez?
- Não, a dama não necessita que lhe realcem os seios. A natureza a
dotou com tudo o que posso dirigir.
- Ah, bom, então, este de cetim rosa?
- Ah, sim. E o de renda negra também.
A ajudante de madame Devine exalou um suspiro.
- Muito, muito bonito debaixo de um vestido de baile.
- Que vestido? - perguntou ele - Pensei que os poderia levar sem nada
mais em cima.
A mulher ruborizou.
- Estes espartilhos com as fitas de laços, milorde?
- Para que incomodar-se? Prefiro o contato natural da pele feminina.
Ante essa declaração, a ajudante se levantou para abrir uma janela;
acumulou-se tanto vapor no ar que os óculos de madame estavam
embasados. Esse era um homem em uma missão muito perversa, na
realidade.
Jane pôs a cabeça por um lado do biombo e o olhou indignada.
- Acredito que já basta de tolices, Grayson.
- Jane, seriamente quer me negar o prazer de gastar meu dinheiro com
você? -perguntou ele, placidamente.
Ela viu que as costureiras alertavam os ouvidos ante essa pergunta.
- Grayson – respondeu - não sou uma idiota total. Pode gastar comigo
até ficar arruinado. - Fez uma pausa para dar mais efeito - Mais não lhe
prometo nada em troca.
Ele a olhou esboçando um enlouquecedor sorriso.
- Famosas últimas palavras, querida minha. Passarei tão bem tirando-
lhe estes objetos como comprando. Agora me mostre o que tem na seda
mais vaporosa - disse à modista, voltando-se para se acomodar em sua
poltrona - Algo que me permita ver através. Sim, esses calções com a rajinha
são muito bonitos.
Jane sentiu arder as faces e seu sobressaltado olhar se encontrou com
os olhos invejosos das costureiras no espelho. Era um malandro vagabundo
até a medula dos ossos.
E o disse, mas as quatro mulheres confusas os deixaram a sós para
discutir os detalhes de seu guarda-roupa.
- Está totalmente louco? - disse-lhe, pegando a taça de xerez que lhe
oferecia olhando-a com um inocente sorriso.
- Quero cobrir de presentes minha amante - disse, em tom magoado -
O que tem de mal nisso?
- Só que eu não aceitei nada disto - disse ela, entre dentes - Meu pai
vai ficar lívido de fúria.
Ele observou atentamente a taça que tinha na mão.
- Encanto - disse amavelmente - seu pai é um homem de mundo.
Compreende.
- Como é possível que diga algo assim?
- Porque ontem à noite ele e eu conversamos longa e extensivamente a
respeito de seu futuro - respondeu ele, balançando para um lado e outro a
cabeça - Sim, a princípio resistiu, mas ganhou a lógica.
- Não acredito em você. Meu pai morreria de vergonha se acreditasse
que eu...
- Sua família já está morrendo de vergonha, querida. Tem que
enfrentar a realidade. Seu período de jovem casadoira já se acabou.
- Não se acabou.
- Pois sim - insistiu ele - Ninguém vai se casar com minha amante.
- Não aceito isto.
- Pois, aceitará. - Olhou-a malicioso - Lembra de ontem à noite? Já a
fiz subir até meio caminho do céu. Uma pessoa em sua situação deve ser
prática. Esta é a solução mais sensata para seu problema.
Ela bebeu outro ardente gole de xerez, tentada a golpeá-lo na cabeça
com o a jarra.
- Não desejo ser uma mulher mantida - ferveu, tossindo.
Ele reagiu esboçando um sorriso indulgente.
- Que deseja?
- Desejo... bom, suponho que desejo amor.
- Amor? - repetiu ele, divertido - Tss, tss. Me peça uma arca cheia de
diamantes, ou uma mansão palaciana. Um navio carregado de sedas.
- Não tem por que fazê-lo parecer uma obscenidade. - levantou-se
bruscamente e se enjoou, pelo potente xerez e a proposta dele - Algumas
pessoas se apaixonam, Grayson.
- Sim? - levantou-se também, gigantesco ante ela - Ah, tinha esquecido
seu profundo amor por Nigel. Confio que com o tempo vá minguando seu
afeto por ele.
Involuntariamente ela retrocedeu um passo.
- Ontem à noite lhe disse que não o amei nunca.
- Então, isso deixa espaço para mim em seus afetos? - perguntou ele
sem vacilar.
Ela o olhou fixamente, e lhe revolveu o estômago ao detectar a
tranqüila brincadeira em sua voz.
- De repente me sinto indisposta. Faria-me o favor de me levar para
casa?
A escuridão que viu nas profundidades desses olhos azuis a fizeram
pensar em nuvens de tormenta.
- É claro, Jane. Agradá-la e protegê-la é parte de nosso trato.

***

Heath arqueou as sobrancelhas quando Grayson terminou de lhe


contar os detalhes dessa manhã, estando os dois a sós em seu escritório.
- Em resumo, parece-me que tudo foi bastante bem.
- Não posso acreditar que a tenha levado a loja de Sucedi. A plena luz
do dia. E sua reputação?
Grayson o olhou tentando de tirar de cima de si um leve remorso.
- O que acontece com sua reputação? Meu primeiro objetivo era
protegê-la do dano causado a sua reputação pelo fictício abandono de
Nigel. Mas não lhe importou nada sua reputação quando elaborou seu
plano.
- Mais a alta soc...
- Jamais me importou a opinião da alta sociedade - interrompeu
Grayson - Em todo caso, bem está o que bem acaba. Uma vez que nos
casemos, acabarão-se as fofocas. É incrível como o santo matrimônio
restabelece a honra.
Heath conseguiu esboçar um triste sorriso.
- Não lhe ocorreu que algo poderia ir mal seguindo esse raciocínio?
Grayson ficou contemplando o monte de cartas que tinha sobre a
escrivaninha, descartando a advertência de seu irmão.
-Tenho um contrato legal de matrimônio assinado por seu pai. Jane
ficará zangada quando o souber? Talvez. Mas ao final compreenderá que
não tem outra opção. E de verdade acredito que me ama.
Heath exalou um suspiro, preocupado.
- Bom, certamente espero que saiba o que faz. E que nada saia mal
neste jogo.
Grayson levantou os olhos e olhou o rosto preocupado de seu irmão.
- Nada sairá mal. Como disse, é um jogo, e não o levarei muito longe.
Uns poucos dias no máximo. O que poderia acontecer de ruim?

***

Três horas mais tarde, em seu dormitório, Jane suplicou a Simon em


um sussurro:
- Diga-lhe que estou terrivelmente doente. Diga-lhe que tenho uma
febre espantosa. Que tenho a peste. A malária, o cólera, a varíola.
Simon lhe tocou a testa, preocupado.
- Disse. Enviou Weed para consultar seu médico para lhe pedir
conselho. Esteve esperando aqui toda a tarde.
- Toda a tarde? - perguntou ela, com a voz abafada pelo terror -
Grayson esteve em nossa casa tanto tempo?
- Esteve jogando bilhar com tio Giles. Esse homem está decidido a ter
você. -Titubeou, totalmente desconcertado, sem saber o que fazer - O que
fez, Jane? Sei que está em uma confusão terrível por algo.
Ela cobriu o rosto com as duas mãos.
- Não me pergunte. Não posso dizer. Não posso explicar. É uma
confusão espantosa que causei eu mesma.
- Então não pode esperar que eu a ajude - disse ele, mais
desconcertado ainda.
- De qualquer modo, não poderia fazer nada.
- Tem certeza? Jane, não está... não está grávida?
- Vamos, Simon.
- Bom, então não é tão terrível, não é verdade? - disse ele,
esperançoso.
- Cavei minha própria sepultura. É pior que terrível.
- Sedgecroft é um homem poderoso. Talvez já tenha uma solução.
- Será que não entende nada? Meu problema "é" Sedgecroft. Quer que
seja sua amante. Sim, Simon, pediu-me isso esta manhã.
Ele abaixou os olhos e a cravou no chão, e o rosto ficou vermelho de
raiva.
- Suponho que tudo isto é por culpa de Nigel - disse, desconfortável. -
Poderia matar a esse idiota. O que vamos fazer?
O que Jane queria fazer era esconder-se debaixo das mantas e simular
que nunca tinha iniciado esse desastre.
- É meu irmão - disse, desesperada. - Sabe o que faria meu pai em seu
lugar. Obriga-o a partir.
A expressão de Simon foi de tal consternação ante a idéia de enfrentar
um personagem como Sedgecroft, que Jane se teria posto a rir, se não
tivesse desejado morrer.
Então Simon desviou o olhar e ela compreendeu que tinha perdido
seu último defensor.
- Esse é o problema - disse ele então, engolindo em seco. - Por muito
que eu queira plantar rosto ao marquês, papai me deixou ordens explícitas
de que não estorvasse de maneira nenhuma este cortejo. É estranho, agora
que penso.
- Cortejo? - exclamou ela - Isto não é um cortejo. Isto é Wellington
tomando Toulouse, os camponeses franceses tomando a Prisão fortificada,
empalideceu, toda a cor abandonou seu rosto - Quer dizer que meu pai não
põe nenhuma objeção a que eu me converta na amante de Sedgecroft?
- Ah - disse uma voz profunda da porta - nossa doente está bastante
bem para discutir. Há esperanças para ela, então.
Jane se encolheu debaixo das mantas, sentindo que essa aveludada
voz de barítono lhe penetrava até os ossos.
- Grayson, isto é muito indecoroso. O que faz em meu quarto?
Ele entrou e foi se situar ao lado da cama; seu rosto masculino toda
uma máscara de solícita preocupação.
- Simon demorava tanto em voltar que comecei a temer que tivesse
piorado. Devo dizer que tem melhor cara do que esperava, Jane.
- Também me pareceu isso - disse Simon, jogando outra pá de terra na
sepultura cavada por Jane - Na realidade, em nenhum momento achei que
tivesse algo grave... - Se interrompeu ao ver o olhar zangado que lhe dirigia
Jane - Além da febre, claro.
- Me deixe ver - disse Grayson inclinando-se e lhe pondo a fresca mão
na testa, com seus olhos azuis perfurando os seus - Ai, Deus.
Ela sentiu uma traiçoeira onda de prazer com seu conhecido contato.
- Ai Deus, o que? - perguntou, desconfiada.
- Está bastante quente. - Inclinou-se outro pouco e lhe disse em um
suave e sedutor murmúrio - É febre, ou está pensando no que fizemos
ontem à noite?
- Vá embora - sussurrou ela - Meu irmão está olhando.
- Peço-lhe que parta? - sussurrou ele.
- É você quem deve partir - conseguiu balbuciar ela - Simon?
Simon limpou a garganta.
- O que disse seu médico sobre sua enfermidade, Sedgecroft?
- Bom, que sem lhe haver feito um exame completo, o melhor que
podia aconselhar era ou uma sangria ou uns dias de férias junto ao mar.
- Não vou submeter-me a uma sangria - disse Jane, estremecendo de
repugnância.
Grayson se endireitou e com os olhos percorreu toda sua figura
encolhida.
- E isso lhe disse. E por isso organizei as coisas para uma estadia em
minha vila de Brighton. Partimos amanhã a primeira hora.
- Bom - disse Simon, sem ver os desesperados olhares de sua irmã -
Não há nada como o ar de mar para reviver o espírito.
- Mas o que vamos fazer será ir nos reunir com a família em Belshire
Hall - disse Jane, quase gritando. - Uns dias de férias não planejados são
tentadores, mas não práticos.
Grayson a olhou com um brilho de ímpia resolução em seus olhos.
- Tratando-se de sua saúde, Jane - disse em tom doce, mas férrea
resolução - não vamos correr nenhum risco. Insisto em que passe uns dias
junto ao mar. Nego-me a lhe permitir que vá ao campo.
- Bem para você - disse Simon; estava claro que era da opinião de que
devia manter a paz a qualquer preço - Jamais faz caso de meus conselhos.
Jane se sentou lentamente, sem deixar de olhar Grayson nos olhos.
- Vai me obrigar?
Ele curvou os lábios em um leve sorriso.
- Se for necessário. Prometi a seu pai que a protegeria no lugar dele.
Descuidaria meu dever se não levasse a sério esta sua enfermidade.
- De repente me sinto muito melhor - disse ela, com forçada
cordialidade.
Ele negou com a cabeça.
- A tensão nervosa que sofreu ultimamente, no final cobrou seu preço,
Jane. Talvez não lhe convenha continuar em Londres.
- Sugere que me refugie em um esconderijo?
- Não podemos permitir que fique na cama e engorde, minha
pombinha.
- Não quero ir - disse ela entre dentes, realçando cada palavra.
- Necessita uns dias de férias, Jane. Eu a levarei pelo passeio marítimo
empurrando-a na cadeira de rodas junto com outros hipocondríacos.
- Ah que oferta mais tentadora.
- Cavalgará no burro, então.
- Sei quem será esse burro.
Ele sorriu.
- Poderia desfrutar banhando-se e esfregando-se com as algas da
praia.
- Poderia desfrutar estrangulando-o com elas.
- Ordenarei a uma criada que a ajude a levantar-se e fazer a bagagem -
disse Grayson em voz baixa, desafiando-a com o olhar.
Ela não afastou os olhos, pensando se a primeira mulher que caiu
vítima dos Azuis Boscastle se sentiria como se sentia ela nesse momento.
Porque embora estivesse espantada pelo que lhe tinha proposto, no fundo
de seu coração desejava ir a qualquer lugar que a levasse esse formoso
demônio. Desejava estar em seus braços, entregar-se a ele, ser a mulher que
ele desejava. Tolamente tinha se apaixonado por essa ilusão de que se
converteria em seu protetor.
- Seu oferecimento é muito generoso, Grayson - disse ao fim, em um
último esforço de resistir mas não posso ir de férias só com você.
Ele arqueou suas grossas sobrancelhas, surpreso.
- Claro que não. O tio Giles e Simon estarão ali em nome da decência.
Guardou silêncio e seu endemoniado sorriso a informou que a
decência era última coisa que tinha na mente.
Sim, era verdade, tudo tinha mudado entre eles. Ele tinha planejado
isso até o último desonroso detalhe. Sobre ele tinha descido uma calculada
frieza, uma objetividade que indicava perigo. Sim, estava tão encantador e
atento como sempre, mas debaixo dessas qualidades deixava ver a astúcia
de um animal da selva esperando o momento oportuno para jogar-se sobre
sua presa.
Imaginou toda essa amabilidade, essa amistosa afabilidade que o
faziam tão irresistível a uma mulher? Ou foi sua consciência culpada que
lhe embotou a capacidade para ver? Sua vida tinha tomado um horroroso
desvio do caminho da decência e a viagem de volta seria escura e difícil.
Talvez impossível. Talvez inclusive a desfrutasse.
- Não é possível, nem decente, na realidade - disse, com mais
coragem. - Uma mulher sozinha com três homens, mesmo que dois sejam
familiares seus.
Seu sorriso paternalista a fez suspeitar que ele ia adiantado dois
passos no jogo.
- Jane, conhece-me muito bem para pensar nisso. Naturalmente pedi a
Chloe que nos acompanhasse.
- E ela aceitou?
- Sim.
Claro que nem Chloe nem nenhum outro se intrometeria na lição que
pretendia dar a sua amada enganadora. Ele simplesmente preparava o
cenário com os adequados apontamentos. Ah, com que ilusão esperava
essas férias.
- É claro que Chloe aceitou – continuou - Chegou a desfrutar de sua
companhia tanto como eu. - Dirigiu-se à porta, tendo já tudo muito claro -
Isto irá francamente bem -acrescentou de improviso - Dessa maneira posso
vigiar às duas.
- Quer dizer ter dominado às duas, não é? - gritou Jane a suas costas
que se afastavam.

Capítulo 19

Passar um dia inteiro de viagem presa em uma carruagem, estralando


pelo caminho às costas com Grayson, Simon, o tio Giles e Chloe não
coincidia, exatamente com a ideia que tinha de uma experiência relaxante,
por muito boas molas de suspensão que tivesse o carro. Os homens não
paravam de falar de corridas de cavalos com obstáculos e reformas
parlamentares. Chloe se negava a falar com seu irmão, e inclusive a olhá-lo,
e a utilizava como meio de comunicação.
Quando pararam em Cuckfield para almoçar já ninguém falava, de
modo que ao anoitecer, o grupo que desceu do carro na vila estilo
georgiano de Grayson, situada sobre um terraço com vistas ao mar, estava
silencioso e com as pernas duras.
Em receoso silêncio, Jane contemplou a formosa casa de três andares.
A elegante fachada de tijolo vermelho impressionava os olhos tanto como
seu dono. Entretanto, que surpresas conteria em seu interior? O que
descobriria atrás dessas portas fechadas sobre o homem a quem amava? O
que descobriria a respeito de si mesma?
Os acompanhantes se dispersaram mal entraram no vestíbulo com
pilares de mármore e elevado teto adornado com molduras barrocas em
gesso. Chloe subiu para encerrar-se em seus aposentos, resmungando que
desejava banhar-se no mar e uma taça de clarete. Simon e tio Giles saíram
imediatamente a caminhar pela orla marítima até avançada a noite, com a
esperança de encontrar-se com velhos amigos.
Jane e Grayson ficaram sozinhos, tal como sem dúvida ele tinha
planejado. E tal como ela tinha esperado secretamente, se quisesse ser
sincera consigo mesma.
- Bom - disse, admirando um vaso Ming que descansava sobre um
pedestal em um canto, com o fim de aparentar que não sentia
formigamentos de expectativa. - Chegamos. Heath virá nos acompanhar?
- A verdade é que não sei - respondeu ele, observando-a das sombras,
divertido por seus esforços de evitar o inevitável - Se sentiria melhor se ele
estivesse aqui?
Pulsava-lhe acelerado o coração.
- Por que deveria me sentir melhor?
Ele se aproximou e a pegou em seus braços, murmurando:
- Meu irmão tem um estranho efeito nas mulheres. Algumas se
sentem atraídas por ele. Outras o acham bastante amedrontador. Jane,
querida, é possível que sinta medo?
Medo? Só de perdê-lo, de estragar sua vida.
- Comecei a pensar que não o conheço, Grayson - disse, com voz
apagada.
- Não demonstrei que sou seu amigo? - perguntou ele, subindo uma
mão por suas costas até a nuca e lhe acariciando com o polegar a sensível
parte detrás da orelha. A carícia lhe fez subir calor à pele.
- Suponho que isso depende da definição que cada um dê à palavra
amizade.
- Vamos, Jane - disse ele com voz rouca, sardônica - Sempre tão em
guarda. - E lhe soprou suavemente na orelha.
- Ao que parece meu guarda me falhou - disse ela, com uma voz fraca.
- Então talvez a linha de conduta mais judiciosa... mais prazerosa, é a
rendição.
- E depois? - perguntou ela, com o fôlego retido.
- Não sei. Para que estragar a surpresa? - perguntou alegremente -
Suponho que teremos que obedecer a nossos instintos e deixar que os dados
caiam onde possam.
Ela engoliu a saliva para passar o nó que tinha na garganta.
- Há algo mais em jogo do que acredita. Ao menos para mim.
- Mas é muitíssimo o prazer que ganhará.
- Pare.
Ele encolheu os ombros, como se fosse impotente.
- Não posso parar. Não quero parar. Não pararei até que seja minha
de todas as maneiras possíveis.
Ela estremeceu pela reação, a seu pesar.
- Não é assim como eu o desejava.
- Sempre podemos escolher em nossa vida, Jane?
- Isso esperava - respondeu ela, com a voz quase inaudível -
Entretanto, talvez nem sempre.
- Aceitará minha proposta? - sussurrou, começando a lhe desabotoar
os botões das costas com uma mão, acariciando-lhe e descendo por sua
coluna.
Sua farsa quase tinha chegado a seu fim, pensou. Não atormentaria
muito tempo mais sua intrigante bem-amada, e aproveitaria ao máximo o
tempo que restava.
Não devia levar muito longe sua lição. Cada vez que olhava seus
formosos olhos verdes sentia minguar um pouco mais sua raiva. Muito em
breve se acabaria de tudo. Fariam as pazes mutuamente.
- Não me ama nem um pouquinho, Jane?
Sustentou-lhe o olhar, com os olhos nublados pela emoção.
- Sabe que sim - respondeu com voz clara - se não, não estaria aqui.
Nessa resposta ao menos, ele sabia que era sincera. Já conhecia bem
Jane. Conhecia seus medos secretos, sua astúcia, conhecia a chave de seus
desejos. E por um instante duvidou do benefício de continuar a farsa. Ela o
tinha enganado, sim, mas também se apaixonara por um impostor.
Ele não era O Salvador que disse ser quando se apresentou. Não era
um herói, mas a amava. Amava-a com um desespero tão imenso que fazia
entrar suas forças e suas debilidades no jogo.
E ao final, seriam um do outro. Muito em breve acabaria o jogo e
começaria seu futuro como marido e mulher. Ela compreenderia que não
poderia voltar a enganá-lo. E que não precisava enganá-lo.
Compreenderia que podia confiar nele, não só lhe confiar seus
segredos, mas também sua vida. Toda a paixão e a capacidade de amor de
cada um concentrariam um no outro.
- Venha a minha cama, Jane - lhe rogou.
Essa impaciência não fazia parte de seu plano, mas não podia esperar
nem um momento mais. Desejava-a tão intensamente, tinha sonhado com
isso tantas vezes que queria saborear cada momento. Deslizou-lhe a mão
pelo pescoço até introduzir os dedos no profundo vale entre seus seios.
- Vamos. Deixe sua dignidade na porta.
- Que dignidade? - perguntou ela, em um sussurro.
- Seja indigna comigo - lhe disse em brincadeira.
Ela fechou os olhos, pensando. Como tinha chegado a isso, não
saberia dizer. Tinha cometido um engano, tomado um caminho equivocado
em seu desejo de ter um amor escolhido por ela. Marcou-se como uma
proscrita. E o que tinha sido real no galanteio simulado dele, se é que tinha
sido algo? Só o desejo, o desejo mútuo? Com certeza teria que haver algo
mais...
- Seja seu ser mais desenvolvido, Jane - disse ele, interrompendo seus
pensamentos-. Não vi todos seus lados, não é?
- O que... o que quer dizer?
- Há outra Jane no fundo de você, não é verdade?
- Você sim está mostrando suas verdadeiras cores - replicou ela -
Como no negro, mais negro. E mais negro.
Rindo ele a levou retrocedendo até a escada e começou a subi-la, sua
risada rouca e sedutora. Muito em breve ela estaria rindo com ele. Ririam
um do outro, talvez depois de uma apaixonada briga. Seria agradável
voltar a ser ele mesmo com ela.
- Sim ou não, Jane? Estive sonhando com as maneiras de possuí-la.
Morrerei se me disser não.
Ela se sentiu como se de repente todo o espaço estivesse em chamas.
Fogo. Havia fogo por toda parte. No contato de seus lábios em sua
garganta, no ar que respiravam; o fogo lhe subiu pelas pernas, saltou-lhe ao
ventre, às pontas dos dedos. Que amedrontador amar assim. Que
emocionante, que fascinante. O que ficaria dela depois dessa noite?
- Sim - murmurou, jogando seus braços ao pescoço para beijá-lo e
encher-se dele. Não havia outra resposta - Sim.
Os dois estavam ardendo de desejo, de necessidade.

***

O dormitório dele era enorme e estava na penumbra, o teto de gesso


também era adornado com molduras barrocas. Candelabros com duas velas
e uma figura em espiral montados na parede projetavam misteriosas
sombras no macio tapete persa, e pelas janelas abertas entrava uma brisa
úmida que soprava do mar, agitando as cortinas. A colcha de seda estava
sedutoramente dobrada no pé da cama deixando à vista os fragrantes
lençóis aromatizados com lavanda.
Jane já estava ofegante de excitação quando ele a depositou na cama e
a despiu com uma perícia pausada que poderia tê-la ofendido mais que só
lhe aumentou a excitação. Estava ansiosa de prazeres dos quais nem sequer
sabia o nome. Foi para trás apoiada no outro braço dele, abrindo-se a ele,
convidando-o.
O coração se acelerou olhando o rosto magro. Nunca se havia sentido
mais vulnerável nem mais formosa que nesse momento, em que ele estava
contemplando seu corpo sem incomodar-se em dissimular seu desejo.
Quando ele terminou sua exploração visual, sentiu-se como se a tivesse
examinado palmo a palmo e a achado desejável.
- É perfeição pura, Jane - disse ele, com a voz tão rouca que era quase
desconcertante. Acariciou-lhe a face - Acredite. Confie em mim, Jane.
Sentiu-se enfeitiçada por sua voz, ansiosa de que a acariciasse.
Quando ele subiu à cama, o coração lhe acelerou e sentiu acumular o
líquido do desejo entre as pernas.
Então ele a beijou, profunda, longamente, até que ela começou a
mover-se debaixo dele. O desejo que sentia ferver em seu interior aumentou
até quase fazer-se insuportável.
- Confie em mim, Jane - repetiu ele, e só um tempo depois ela
recordaria o leve tom penalizado de sua voz.
- Confio em você - respondeu, percebendo ser verdade - Nunca
confiei tanto em ninguém.
Ele se inclinou até mais sobre ela. Com os olhos ardentes, intensos,
banhou-lhe de muito suaves beijos o rosto, a garganta, os seios e continuou
descendo pelo ventre até chegar ao triângulo púbico. Gemendo de prazer,
afastou-lhe as coxas e esfregou o maxilar em seu ninho de cachos. Era um
leão; seu amante.
Arqueou as costas com a potência desse ato proibido. Afastou as
inchadas dobras da vulva com a língua e procurou o pequeno botão até
encontrá-lo.
- Grayson, não pode...
- Não pode me negar isto, Jane.
Na penumbra do quarto ele era como um desconhecido, seu sedutor;
não o homem no qual tinha chegado a confiar, mas um libertino cuja única
finalidade na vida era o prazer, que fazia um pausado rito da sedução. Mas
inclusive como um desconhecido, ela não era capaz de resistir. Seu coração
o conhecia, sabia seu nome, e seu corpo respondia a sua perícia.
Talvez sua voz lhe soasse mais profunda, mais rouca, diferente. Mas
ela o desejava desde o dia do casamento frustrado. Nesse dia já se sentia
atraída por sua potente masculinidade, e deveria ver aonde a tinha levado
essa atração. Descobrir a ternura e amabilidade que havia debaixo de sua
atração sensual a tinha levado a perdição. Já era incapaz de resistir a sua
crueldade.
- Não posso acreditar que estamos fazendo isto - murmurou, quando
seu corpo começou a reagir, arqueando os quadris, e sentiu a necessidade
de lhe acariciar os ondulantes músculos dos ombros.
- Acredito que isto é o progresso natural de uma relação entre homem
e mulher - disse ele em voz baixa, rouca.
Ela esqueceu o que fosse que iria dizer quando a vibrante tensão de
seu ventre chegou perto do topo. Inundada pelo prazer, gemeu, enquanto
ele aproveitava sua desatada sensualidade para lhe introduzir a língua o
mais fundo possível.
Era um absoluto prazer, felicidade, humilhante e estimulante ao
mesmo tempo, embora não suficiente para nenhum dos dois. Abafou outro
gemido quando se sentiu como se o corpo se dividisse em pedacinhos, e
ficou imóvel entre os braços dele. Durante todo um minuto não conseguiu
abrir os olhos, e compreendeu que ele tinha demonstrado seu poder sobre
ela da mais elementar ou primitiva das maneiras.
- Progresso natural e um fracasso - murmurou para a escuridão -
Quase me convenceu que planejou tudo isto desde o começo.
- Que retorcido seria eu se tivesse feito isso - disse ele, rindo, com uma
risada rouca-. Sempre fomos sinceros um com o outro, não é?
Ela não podia responder a isso. Abriu os olhos, com o coração ainda
acelerado, enquanto ele se desabotoava lentamente a camisa e a braguilha
das calças. Sua silhueta nua lhe esquentou o sangue, como se tivesse estado
dormindo muito tempo ao sol. Contemplou-o, descendo o olhar por seu
musculoso peito e ventre, até a virilha, onde se levantava seu membro
inchado e duro. Voltou lentamente o olhar até seu rosto, sem saber muito
bem no que se colocara. Só sabia que o desejava, que desejava que isso
pudesse ser para sempre seu destino.
Brilhavam seus olhos azuis prateados na penumbra. Ela ansiou sentir
o que via nessas doentias profundidades, a satisfação de seus desejos
secretos. Ele tinha seu coração em suas perversas mãos. Acontecesse o que
acontecesse nessa noite, ela participaria com todo seu ser. Nunca seria uma
mulher que pudesse separar sua sexualidade de seu ser mais profundo.
- Grayson – murmurou - algum dia alguém vai domar essa
arrogância.
- Talvez seja você - disse em brincadeira ele.
- Talvez.
- Acredito que eu gostaria disso, Jane.
- Anseio esse dia.
- Isso exige prática.
Ela o olhou fixamente, pensando como era possível que ele a cativasse
e enfurecesse ao mesmo tempo.
- Sim?
-Meses e meses de prática - disse ele, peralta - A não ser que
demonstre possuir um talento natural, e eu suspeito que o tem.
Ela sentiu calor no pescoço e ombros.
- Ensino-lhe como se faz? - perguntou-lhe ele, em um rouco sussurro.
Ela reprimiu um estremecimento, sentindo o corpo mais que disposto
para o que lhe prometia.
- Sim, por favor.
Ele desceu o corpo até ficar em cima dela. Por instinto ela pressionou
os seios contra o duro plano de seu peito. Ele estremeceu ante o contato,
colocou as mãos sob suas costas e as desceu até as nádegas, apalpando-as
apertando-as suavemente; voltou a subir e descer deslizando as pontas dos
dedos pela curva de sua coluna e novamente cravou as palmas em suas
nádegas seguindo com os dedos o contorno da base em forma de coração. E
assim continuou acariciando-a com as mãos, tomando posse.
- Dê-me tudo – sussurrou - Quero tudo.
Afirmando-se em um lado, estreitou-a em seus braços. A sensação de
seu musculoso corpo apertado ao dela a inundou de desejo. Arqueou-se,
apertando-se mais a ele, ansiosa de mais contato. Estremecia de espera,
sentiu vibrar seu pênis ereto no ventre. Sem poder controlar o instinto,
desceu as mãos até tocá-lo e fechou as pontas dos dedos ao redor do sedoso
e duro membro. Gemendo, ele se apertou mais a ela.
- Me toque assim e estarei domado - murmurou.
- Tomara fosse verdade isso - sussurrou ela - Acredito que sempre
será um selvagem no fundo de seu coração. Custará-me um horror domá-
lo.
Estava equivocada, pensou ele. Ela não sabia o que ele sentia; não
sabia como lhe tinha mudado a vida, o vazio e superficial que era seu
mundo antes de conhecê-la.
Não sabia que só em suas mãos, com seu contato, podia se amansar.
Com ela se sentia enfeitiçado, extasiado, duro como ferro; o desejo era tão
intenso que lhe doía, estava tão excitado que quase tinha esquecido o papel
que devia representar. Não, já não podia haver nada de representação; seu
amor por ela era muito real.
-Estou louco por você, Jane - murmurou.
Ela já não podia responder, entregue, rendida totalmente ao instinto.
Subiu-lhe a mão direita pelo quadril até o peito e com o polegar lhe
esfregou os rosados mamilos até que a inundou um prazer cego e arqueou
o corpo para apertar-se a ele; com a outra mão lhe acariciou a sedosa pele
do interior das coxas até que ela abriu as pernas com o ventre brilhante de
pérolas de umidade.
- Grayson - disse, com a voz abafada - não estou preparada...
- Ah, sim que está - murmurou ele.
Dizendo isso enredou os dedos no encaracolado pêlo molhado e a
acariciou aí com uma magia que lhe produziu selvagens estremecimentos
por dentro. Fechou os olhos, drogada pelo prazer, tão apaixonada por ele
que lhe era impossível refrear seus instintos. Então lhe introduziu um dedo
na vagina e ela sentiu subir a ardente sensação até a base da coluna.
Sedução, pensou. O simples toque das pontas de seus dedos fazia
arder a pele como um ferro para marcar. Ela estava se derrubando
enquanto ele continuava forte, seguro de si mesmo, um homem que se
deleitava na arte da sensualidade. Afundou o rosto em seu forte ombro; a
promessa de prazer carnal que viu em seu sorriso a fez ruborizar-se até a
alma.
- É prazeroso, não é? - murmurou ele, lhe introduzindo outro dedo na
estreita passagem, com os músculos da mandíbula tensos.
Ela gemeu e se moveu apertando-se contra sua mão, respondendo
sem palavras. -Sabia que é um demônio - disse então.
- Não tem ideia de quão diabólico sou -disse ele rindo, e o rouco som
lhe vibrou no peito - Mas descobrirá. Esta noite nos faremos coisas muito,
muito iníquas.
Ela levantou o rosto para lhe olhar o cinzelado perfil.
- De verdade acha que sou iníqua?
- É claro, Jane. Toda mulher é, se lhe dão a oportunidade.
Ela não pôde deixar de rir.
- Que coisas diz, convertendo o vício em uma virtude.
- Bom, desde meu ponto de vista é.
- Detesto que seja tão experiente.
- E eu adoro que você não.
Mas, na verdade, igualmente poderia estar fazendo amor pela
primeira vez, pensou. Quase não conseguia recordar todas as técnicas que
tinha aprendido até as dominar, nem às amantes que as tinham ensinado, e,
entretanto sentia mais afinados que nunca seus instintos, enfocados
totalmente a dar prazer a essa mulher. Sentia pulsar o coração como um
tambor de guerra, pelo desejo de possuí-la.
Tudo tinha saído tal como o planejado, à exceção da inesperada
erosão de seu autodomínio, a intervenção de suas emoções. Mas Jane era
Jane, inclusive no momento de sua queda moral, fazendo-o duvidar quem
dos dois sairia vitorioso nesse jogo. Mas a possibilidade de derrota, por
remota que fosse, só o estimulava.
Mas ele ganharia essa batalha. Faria-se dono de seu corpo, a marcaria
como sua, a faria suplicar que lhe desse mais. Moveu mais rápido os dedos
e sentiu neles as contrações de seus delicados músculos ao aproximar-se do
orgasmo. Quando a inundaram os estremecimentos de prazer, lhe rodeou o
pescoço com os braços e amoldou seu corpo ao dele, uma sedutora por
direito próprio em toda sua glória. Observou-a desfrutar com toda sua
desenvoltura. A intensa ternura por ela que o invadiu o fez sentir-se
humilde. Nunca antes tinha participado seu coração quando fazia amor.
Então posicionou a ponta do pênis para penetrá-la, deixando
aninhados os testículos mais abaixo. Esticou-se todo o corpo dela ante a
invasão, pelo que ele tentou fazer mais lenta a penetração, lhe sussurrando
palavras tranqüilizadoras e deslizando suas grandes mãos por debaixo de
seus quadris para firmá-la.
- Jane - sussurrou com a voz abafada - renda-se a mim.
Estreitou-lhe mais forte o pescoço. Sentia enorme seu membro
entrando nela, alongando-a, em um rito de prazer e dor.
- Estou tentando - conseguiu murmurar.
Ele a penetrou um pouco mais, seu desejo e necessidade implacáveis.
- Desejo você, terrivelmente. Não sabe quanto desejo você.
Ela também o desejava. Desejava conhecê-lo assim, introduzi-lo
totalmente em seu corpo. Desejava afogar-se nele, sentir seu poder em
todas suas partes. Com os olhos dilatados olhou-o no rosto em penumbra,
com descarada fascinação. Que belo, seu sedutor. A apaixonada intensidade
de seus olhos azuis fazia subir e descer estremecimentos pelas costas, como
raios. Notou como lhe esticavam os músculos dos braços ao sustentar-se
imóvel em cima dela. Sentindo correr desbocado o sangue pela incerteza,
sussurrou:
- Sim. Ah, sim.
Ele jogou atrás a cabeça e ela sentiu que lhe partia o corpo com a
primeira investida. Sem saber o que seguiria a esse sensual ataque,
enterrou-lhe os dedos nos ombros e se preparou para a seguinte investida.
Ainda assim, sentiu-se tomada por assalto quando ele avançou os quadris e
enterrou o membro nela até a base.
Sentiu que a força abandonava seu corpo.
- Não... não posso...
Beijou-lhe suavemente a trêmula boca, murmurando.
- Perdoe-me. Compensarei você.
Sua voz a enfeitiçou, penetrando a névoa que lhe envolvia a mente.
Vibraram-lhe os músculos interiores, lhe apertando o membro, adaptando-
se ao ritmo imposto por ele. A maneira dele de mover os quadris, as lentas e
suaves penetrações e a crua sexualidade de seu rosto lhe tiraram o fôlego.
- Caramba, mulher - murmurou ele - Que deliciosa é.
- Você... você também.
- Como nada, como ninguém que tenha conhecido jamais.
Isso a emocionou.
- De verdade?
Cintilaram seus olhos.
- De verdade, Jane - disse, docemente, como um ronronar. - Nunca
abri o coração a outra como abri a você.
Ela estava tão imersa em sua sedução que ignorou a pontada de culpa
que lhe produziu essa declaração. Talvez entregar sua virgindade lhe foi
mais doloroso do que tinha esperado, mas não podia negar o excitante e
bela que era toda essa crueldade primitiva. Simplesmente seguir os
misteriosos instintos de seus corpos. Arquear-se, chocar, investir-se
mutuamente. Observou que a luz da lua prateava os ondulantes músculos
de seu peito. Estremeceu pela violenta beleza de seu relacionamento.
Grayson tinha mantido o corpo absolutamente tenso, controlado, para
impedir-se ejacular à primeira investida. As paredes de sua vagina virgem
se fecharam sobre seu membro como um punho de seda; teve que apertar
os dentes ao sentir o intenso prazer dessa pressão. Se ela fizesse um mais
desses rápidos e sedutores estremecimentos explodiria dentro dela. Só
quando a sentiu descontrolar-se pela proximidade do orgasmo, afrouxou a
tensão e começou a investir descontrolado, penetrando-a até o fundo, tão
fundo que temeu lhe fazer mal.
O orgasmo o deixou reduzido às sensações básicas, apoderando-se de
todo ele, da cabeça aos pés. Ouviu-a suspirar seu nome quando se
desmoronou sobre ela rodeando-lhe com os braços seus esbeltos e brancos
ombros. Tão pequena que era comparada com ele e, entretanto tinha
demonstrado ser sua igual na paixão. Passado um momento rodou para um
lado, mantendo-a abraçada, e ficaram juntos como dois guerreiros que
declararam uma trégua depois da batalha: esgotados, exaustos, exultantes.
Ele tinha planejado seduzi-la, e conseguiu, com a mesma implacável
resolução que aplicava ao resto de sua vida. Mas não tinha esperado os
sentimentos que acompanharam sua prazerosa vitória. Estreitando em seus
braços seu quente corpo, seus corações pulsando ao uníssono, sentia-se
avassalado por emoções que não se conciliavam absolutamente com sua
pretendida vingança. A ternura lhe arrasava o coração, deixando-lhe nu.
Jamais tinha amado ninguém até esse extremo.
Desejava sentir-se ofendido com ela por tê-lo enganado; e se sentia.
Desejava recuperar o comando em sua relação; fisicamente, isso já era um
fato, mas no resto, bom, o equilíbrio continuava incerto. A vingança tinha
sido doce, sim, em especial pela forma elementar que tomou. Ela já era sua,
pertencia-lhe; já não podia lhe permitir que se separasse dele. Tampouco
podia lhe permitir que saísse impune do engano, mesmo que tivesse que
pagar um inferno quando ela descobrisse que conhecia seu segredo.
Ela se moveu e abriu os olhos, com seu abundante cabelo mel
enredado no pulso dele.
- Vamos, Grayson - disse com a voz rouca, embargada pela emoção -
não me olhe assim.
- Assim como? - perguntou ele, com sua enorme mão aberta sobre seu
ventre.
- Como um imenso animal satisfeito que acaba de comer...
- Uma ratinha? - brincou ele docemente, introduzindo o joelho entre
suas pernas.
Já não podia deixar de tocá-la, acariciá-la. Sentiu uma pontada de
ciúmes ao pensar que ela poderia ter terminado casada com seu primo.
- Talvez devesse voltar para seu quarto.
- Este é meu quarto - respondeu ele, e continuou, peralta - Todas os
aposentos são meus.
- Quis dizer... escute, Grayson, apesar de todas as aparências contra,
eu não fui feita para ser uma amante.
Isso ele sabia, logicamente. Ela tinha o matrimônio e a maternidade
marcado em todos os ossos de seu delicioso corpo. E sua preocupação lhe
produzia um intenso sentimento de culpa por dentro. Mas não podia
perdoá-la tão facilmente. Primeiro tinha que terminar seu jogo, e então lhe
concederia o perdão.
Simulou que pensava.
- Bom, certamente não podemos permitir que se converta em uma
solteirona.
Ela se sentou lentamente, e a cor rosada de bem-estar deixado pela
relação sexual se foi desvanecendo ante as complicações da realidade.
- Tampouco posso me converter em uma cortesã.
- Volte a se deitar, Jane - lhe disse ele, em tom tranqüilizador - Falta-
lhe aprender umas quantas coisas para chegar a essa categoria.
- Não há alternativa, Grayson. Temos que nos casar.
- Nos casar? - exclamou ele, levando uma mão ao coração, fingindo
estar horrorizado - Céu santo, que alguém me ponha uma pistola na boca.
Ela o olhou com os olhos estreitos.
- Continue assim e isso não está fora do domínio do possível.
- Sabe o que penso da ratoeira do padre. - Esboçou seu sorriso
preguiçoso - Mesmo que você seja uma ratinha deliciosa.
Ela fez uma inspiração profunda.
- Sou uma mulher decente, ou ao menos o era, déspota. Foi você que
apresentou-se a meus pais como um homem respeitável.
- Está me propondo matrimônio, Jane? - perguntou ele, peralta.
- Isso me parece - disse ela, aparentemente nada satisfeita por ter que
reconhecer.
Ele exalou um triste suspiro.
- Achei que tínhamos chegado a um acerto conveniente.
- Ser uma rameira não vai comigo - disse ela, séria pela indignação.
- Não? Mas acredito que tem um talento natural para ser.
- Onde está essa pistola de qual falou?
Passou-lhe as pontas dos dedos pelo ventre, notando a reação no
movimento de seus músculos.
- Matrimônio? Deixe-me pensar um ou dois dias. Talvez possa me
persuadir. Enquanto isso, querida, ponha-se de barriga para baixo.
- Boca ab... - Engoliu uma exclamação - O que vai fazer?
- Há um espelho à esquerda se quiser olhar - respondeu ele com sua
voz sedosa - Se não, simplesmente feche os olhos e desfrute da experiência.
Passou todo o resto da noite despertando seu corpo. Não tomou
nenhuma precaução para acautelar uma gravidez, pela primeira vez em sua
vida. Estava absolutamente preparado para ser pai de todos os filhos que
lhe desse, para protegê-la e proteger a seus seres queridos. Amiga, amante,
esposa. Continuaria seduzindo a sua formosa malandrinha todo o caminho
até o altar. Amaria todo o resto de sua vida.

Capítulo 20

Jane levantou o musculoso braço que lhe aprisionava a cintura e o


deixou sobre a cama. O dono do braço, esse imenso animal loiro e nu que a
tinha encantado fazendo amor, emitiu um grunhido de satisfação e ficou de
lado. Esse movimento permitiu a ela admirar o longo torso e as magras
nádegas e as coxas duras como ferro. Enquanto o admirava, ele dobrou o
braço sobre a almofada que ela tinha tentado colocar entre eles toda a noite.
Embora essa insignificante barreira não tinha sido absolutamente um
impedimento para ele, pensou, sarcástica. Não tinha feito amor de modo
poético. Alegremente a tinha seduzido de todas as maneiras imagináveis, e
ela, também alegremente, tinha-o animado a elevar-se a novas alturas na
sedução.
Olhou maravilhada o desastre em que estava convertido o dormitório.
Tinha sido uma noite memorável, inesquecível. Cadeiras derrubadas, as
taças de champanha no chão, sua regata pendurada no poste da cama como
emblema de sua rendição.
Rendição? Santo céu, no final foi ela quem iniciou o ataque,
aproveitando ao máximo, tirando o melhor partido de sua gloriosa queda.
De verdade permitiu que ele a amarrasse à cama com suas próprias meias?
E essas mordidas amorosas que deixou marca por todo o corpo dos dois?
Como pôde acontecer isso? Até há pouco ela era uma senhorita
decente, muito virtuosa e formal. Sim, a rebelião sempre esteve fervendo a
fogo lento sob a superfície, mas as coisas às quais se entregaram ela e
Grayson essa noite eram indescritivelmente imorais segundo qualquer
critério. Amá-lo havia lhe virado seu mundo totalmente ao contrário. A
idéia de que ele pudesse resistir a corresponder seu amor era insuportável.
Ouviu vacilantes passos fora da porta. A isso seguiu um suave golpe
na porta. Reteve o fôlego olhando a maçaneta, que não se virou. Esse só
podia ser Simon, pensou, espantada, e se apressou a descer da cama, onde
seu companheiro no vício continuava dormindo.
Colocou o vestido de viagem de musselina azul celeste e remexeu no
monte de roupa de cama jogada no chão até achar suas botas de cano longo.
Quando se vestiu se dirigiu silenciosamente à porta. Ali parou para olhar
acusadora no espelho à mulher desonrada em que se converteu. Tinha
muito claro que tinha convertido sua vida em um desastre e que
necessitaria bules e bules de chá e dias de solidão para pensar.
- Pelo menos poderia ter a aparência de lamentá-lo - sussurrou a sua
desonrada imagem - As melhores pessoas da aristocracia lhe advertiram
isso, ignorou.
Não, convertera-se em uma amante.

***

Quando ia pela metade da escada se lembrou de que a tia de Nigel


vivia em Brighton com seu marido, advogado aposentado. Posto que
continuar nessa casa só respiraria sua indecência latente, talvez pudesse lhe
pedir refugio até conseguir convencer Simon de que a levasse a casa. Se é
que alguém de sua família voltaria a lhe falar, pensou, suspirando pesarosa
pelo que tinha feito.
Quando ia passando nas pontas dos pés por entre os pilares de
mármore do vestíbulo viu seu capote e sua bolsa no bengaleiro, onde os
deixou um criado enquanto sua proprietária revelava
desavergonhadamente seu lado luxurioso no dormitório de cima.
Vestiu o capote e contemplou a porta principal com sua janela em
forma de leque transversal, pela qual entravam tênues raios de sol que
atravessavam a aprazível penumbra. Pareceria uma prostituta caminhando
sozinha pela orla, embora se Grayson fizesse o que queria, esse seria seu
destino.
- Meu irmão não me perdoaria jamais se a deixasse escapar - disse
uma voz profunda saída das sombras. Um jovem alto e largo de ombros se
afastou de um dos pilares e avançou até posicionar-se diante dela-. E eu
tampouco me perdoaria. Por que não me acompanha para tomar o café da
manhã no salão verde? Assim poderei conhecer a dama que tem o cabeça
de família comportando-se de forma tão estranha.
Ela detectou uma ordem subjacente a esse convite. Na realidade, já
lhe tinha pego o braço e ia levando-a para o lado leste da casa. Este deve ser
Heath, pensou, olhando-o dissimuladamente de lado, um representante
moreno, mais calado, mais severo, do lado masculino da família Boscastle.
Tinha penteado para trás seu cabelo negro liso, deixando livre seu rosto
anguloso, de feições bem cinzeladas, e um queixo quadrado que denotava
força. Era mais ou menos tão alto como seu irmão, talvez um pouco mais
magro, e seu andar revelava o domínio perigoso, sinuoso, de uma pantera.
Havia arrogância nele, embora mais moderada. Sentia seu olhar
examinando-a enquanto caminhavam pelos ladrilhos de mármore do longo
vestíbulo.
- É muito cedo para estar levantada - disse ele, e calou um momento -
Sobre tudo depois de um dia de viagem. Sou Heath, Jane, como
provavelmente já o adivinhou. Acredito que nunca nos apresentaram como
é devido.
Ela sorriu pesarosa.
- Não sei se poderíamos chamar como é devido a estas circunstâncias.
Os olhos cor azul viva brilharam de circunspeta diversão.
- Não?
- Já sabe como é Grayson.
- Sim - disse ele com voz grave, que convidava a confiar nele - Mais
não a conheço, Jane.
- Não estou em meu melhor momento - respondeu ela, com a voz
quebrada. Molhou os lábios, consciente de que ele a percorria rapidamente
com seu olhar azul escuro, avaliando todos os detalhes de sua aparência,
das olheiras que lhe escureciam os olhos à bolsa que apertava
nervosamente na mão direita. Claro que sabia que não estava esgotada pela
viagem mas sim por uma noite passada na intimidade com seu irmão mais
velho. Essa compreensão lhe fez subir um ardente rubor às faces.
- Não quero tomar o café da manhã - disse, negando com a cabeça.
Ele arqueou uma sobrancelha.
- Talvez eu consiga fazê-la mudar de opinião.
- Sei o que deve pensar de mim - conseguiu dizer ela, com a voz
entrecortada.
- Duvido.
Ela engoliu em seco, pensando o que teria ele que a fazia sentir-se
cômoda tão imediatamente.
- Foi você que bateu na porta do dormitório, não é?
- Sim - reconheceu ele, esboçando um sorriso de desculpa.
- Então me pegou.
Ele a fez entrar em uma imensa sala em que crepitava alegremente
um fogo na lareira e havia uma mesa com toalha de linho que tentava o
apetite com um suculento café da manhã para dois.
- Sim, peguei-a saindo para dar um passeio antes de comer. Esse é um
pecado terrível. Venha, Jane, sente-se e coma.
- Não entende - disse ela, desgostosa - Minha vida se está desfazendo
fio por fio.
- E não há maneira de voltar a unir as partes? - perguntou ele,
cauteloso.
Ela pensou no malandro que estava dormindo em cima e sorriu um
pouco triste.
- Não vejo como.
O estômago se contraiu de fome quando ele levantou a tampa de uma
bandeja de prata para tentá-la com umas rangentes fatias de bacon frito e
ovos quentes. Sentou-se, com as mãos entrelaçadas na saia, e suspirou.
- Não poderia comer depois de...
O perspicaz olhar dele fez desnecessário terminar a frase. Ficou
calada.
- De verdade quer tanto a esse monstro? - murmurou ele, como se
estivesse pensando em voz alta.
- Não estaria aqui se não o amasse.
Ele abaixou os olhos, reprimindo um sorriso.
- Ah - disse. - Então sinto muito.
Embora por quem dos dois sentia, pensou, inclusive não tinha
decidido. Estava claro que Grayson tinha continuado adiante com seu
plano de vingança, que há uns dias parecia divertido. Mas nesse momento,
sentado cara a cara com Jane, e tendo formado sua opinião pessoal, não via
que ela fosse a mulher frívola e fingida que imaginara. Na realidade,
admirava sua iniciativa para escapar de um matrimônio não desejado. Não
pôde reprimir o sorriso ao recordar Nigel na cama com Luva de Ferro.
- Acha divertida minha situação, Heath?
Ele negou com a cabeça.
- É a vida que me diverte, Jane. - Levantou-se para pegar o bule do
aparador e voltou para a mesa a servir o fumegante chá negro nas xícaras
dos dois - Os criados desta casa estão extraordinariamente bem treinados.
Não aparecem nunca, a menos que os chame.
Ela rodeou com as mãos a xícara de porcelana.
- Imagino que isso vai muito bem com as necessidades de seu irmão.
Ele voltou para sua cadeira.
- Na realidade, acredito que Grayson não trouxe nunca uma mulher
aqui, embora saiba que está na moda manter uma amante em um balneário
junto ao mar. Esta vila sempre se reservou para a família. E por favor, não o
repita, não diga que eu lhe contei isto.
Jane desceu a xícara até o pires, tentando recordar o que lhe tinha
contado Grayson a respeito de Heath. Tinha sido espião e soldado, não? E
tinha conseguido achar informação a respeito de Nigel. Levantou os olhos e
dissimuladamente observou suas formosas feições. Dava a impressão de ser
um homem muito paciente, muito agradável, mas compreendeu que seria
perigoso subestimá-lo. Teria adivinhado seu segredo? Aparentemente não,
se pudesse julgar pela tranqüila expressão de seu anguloso e muito sedutor
rosto. Ou igualmente era um professor ocultando seus pensamentos,
valiosa habilidade para um agente do serviço de inteligência. Dava-lhe
medo perguntar que descobrimentos tinha feito, mas tinha que saber.
- Grayson disse...
Heath virou a cabeça uma fração de segundo antes que seu irmão
mais velho aparecesse na porta. Imediatamente Jane pensou se teria estado
todo esse tempo aí escutando a conversa. Ele se dirigiu em linha reta para
ela, ágil e muito elegante com uma jaqueta de manhã cinza estanho sobre
uma camisa de linho branco e calça bege.
Tinha penteado para trás seu cabelo loiro trigo, deixando limpa a
formosa estrutura óssea de seu rosto. Quando ele captou seu olhar, sentiu
passar uma rajada de calor por todo o corpo.
Apesar de sua confusão, apesar da incerteza a respeito de seu futuro
juntos, notou que se abrandava ao vê-lo. Nessa noite se inclinou ainda mais
a balança do equilíbrio entre eles, mas não sabia o que significaria isso.
Tinha lhe roubado o coração. Ela tinha compartilhado sua cama. O que
seria dela agora?
Tudo, pensou. Desejava tudo para ela, cada pecaminosa polegada
dele. Desejava-o para toda a vida. Que casal mais escandaloso formavam.
Como se horrorizaria a alta sociedade com seu comportamento.
Repentinamente se ruborizou, sentindo o olhar de Heath sobre ela. Como
saber o que pensava ele de tudo isso?
- Ouvi meu nome - disse Grayson, inclinando-se ousadamente para
lhe beijar a nuca antes de sentar-se na cabeceira da mesa, ao lado dela -
Falou de mim em termos aduladores?
Ela desejou meter-se debaixo da mesa ao ver seu agradável sorriso,
mesmo que o beijo lhe tivesse feito descer um estremecimento pelas costas.
- Você acha?
Ele a olhou com os olhos faiscantes, deixando-a cravada, imóvel.
- Acredito que depois de ontem à noite seria indicado algo adulador.
Heath tossiu e desceu sua xícara.
- Tão modesto como sempre, não é?
- Estou de tão bom humor que não vou me incomodar com a
modéstia - disse Grayson, dirigindo a ela um sorriso sensual que a invadiu
de calor - Por que não come, querida? - perguntou-lhe, preocupado, pondo
a mão sobre a sua. - Meu irmão a intimidou?
Sua atitude era tão masculina, tão possessiva e franca a respeito do
que ocorria entre eles que Jane não soube como reagir. Era evidente que não
pensava ocultar nada a seu irmão, que dava a impressão de não saber o que
fazer ante esse comportamento.
- Não tenho fome - respondeu, tentando libertar sua mão.
- Como é possível que não tenha fome depois do que fizemos... ? - se
interrompeu e olhou para Heath, repentinamente sério e com expressão
desaprovadora - Disse-lhe sobre Nigel? Isso é o que lhe tirou o apetite?
Heath se afastou e olhou a seu irmão sorrindo resignado.
- Por que não o diz você, Grayson? Arrebenta-me ser portador de más
notícias.
O coração de Jane deu um salto.
- Más notícias? – perguntou - A respeito de Nigel?
- Muito bem - disse Grayson, lhe apertando a mão em gesto protetor. -
Heath enfrentou-o, Jane. Não sei nenhuma maneira fácil de dizer isto, assim
serei franco e lhe direi tudo. Meu primo se casou com outra mulher. Ela
está grávida dele.
Jane se sentiu sufocada, como se tivesse acabado o ar na sala; os dois
homens a estavam olhando com tanta atenção que quase não pôde nem
engolir a saliva.
Nunca tinha se siderado boa atriz nem mentirosa. Seu primeiro
impulso instintivo foi confessar sua culpa.
- Compreendo. Então já está.
- Que resignação a sua para aceitar - murmurou Grayson - Eu em seu
lugar não aceitaria. Jane, isto terá que conseguir.
- Não posso dizer que seja uma surpresa total para mim - disse ela, e
levantou a cabeça, obrigando-se a sustentar os olhares de curiosidade dos
dois - Disse-lhe que nunca nos amamos dessa maneira.
Grayson lhe soltou a mão e passou a ponta de seu indicador pela
afiada folha de uma faca.
- De todo modo - disse, pensativo-, terá que fazê-lo pagar. Seus pais
insistirão nisso. Eu insisto. Talvez inclusive o desafie a duelo.
Ela reteve o fôlego.
- Mais é seu primo. Isso causaria um escândalo pior ainda, para não
falar da possibilidade de ficar ferido ou morrer. Eu não queria me casar
com ele. Eu...
- É uma questão de honra, Jane - interrompeu ele, fazendo virar a faca
entre as mãos-. Farei o que for preciso para manter a honra de minha
família.
Heath limpou a garganta.
- Eu não sei se estou de acordo - disse.
- De acordo? - repetiu Grayson, perfurando-o com um autoritário
olhar - Pois claro que está. Afinal há conseqüências judiciais. Jane poderia
pôr um pleito a Nigel por descumprimento de uma promessa, embora eu
pessoalmente prefiro lhe colocar uma bala no coração e acabar de uma vez
por todas.
Heath arqueou uma sobrancelha, acusador.
- E deixar viúva sua mulher e seu filho órfão de pai? Como pode lhe
ocorrer isso?
Grayson deu de ombros, indiferente.
- É preciso vingar Jane.
- Não necessariamente - disse ela, que por fim achou a voz, embora
lhe saísse como um feio chiado - Com o tempo se esquecerá todo este
escândalo.
- Jamais - exclamou Grayson, e sua voz ressoou pelas paredes como
um trovão - Seu comportamento foi deplorável. Nego-me a deixar em paz
este assunto, e isso é concludente.
- Falou o Senhor - disse Heath, sorrindo irônico e olhando para Jane.
Jane jogou atrás a cadeira e se levantou. Nesse momento uma retirada
de covarde lhe parecia a melhor opção.
- Acho que os deixarei sós para que discutam isto.
Grayson a olhou sério.
- Não se sinta obrigada a se retirar, querida. Tem todo o direito a
saber com todos seus detalhes como penso vingar sua honra.
O rosto dela se tornou sombrio.
- Sinceramente, preferiria simular que nada disto aconteceu nunca.
"Isso não me cabe dúvida - pensou Grayson, contemplando a faca que
tinha na mão - Mas não se preocupe, meu amor, prometo-lhe o final feliz
que merece. Os dois temos uma dívida de gratidão com Nigel por
reunimos. A história de nosso romance entreterá a nossos descendentes nos
anos vindouros."
- Você gostaria que Nigel te pedisse desculpas publicamente antes do
duelo? -perguntou-lhe, olhando-a muito solícito.
Ela empalideceu.
- Isso não será necessário. Grayson, tem que entender que não me
importa que esteja casado. Poderia ter sete esposas, pelo que a mim
respeita.
Ele negou com a cabeça, descartando isso.
- As mulheres perdoam com muita facilidade. Além disso, é um
Boscastle, e eu assumi o papel de teu protetor. O que pensariam de mim se
não o enfrentasse para vingá-la? O que pensaria meu pai se soubesse que
falhei a minha família?
Ela fechou os olhos e voltou a abri-los passado um momento.
- Heath, por favor, tenta convencer a seu irmão de que seja sensato.
Pelo visto eu sou incapaz de dissuadi-lo dessa idiotice masculina.
Heath abaixou os olhos, aparentemente sem saber o que fazer.
- Farei tudo o que estiver em meu poder, mas meu irmão não costuma
aceitar conselhos.
Ela dirigiu um sombrio olhar Grayson e se afastou da cadeira.
- Sim, sei. Mas tente dissuadi-lo de qualquer modo. Vou subir a meu
quarto.
Antes que pudesse dar outro passo, Grayson lhe pegou a mão.
- Convidaram-nos às corridas em Plumpton amanhã, se estiver com
ânimo para isso. E esta tarde há um espetáculo de bonecos no passeio
marítimo. Pensei que poderíamos ir vê-lo antes do baile desta noite. -
Sorriu-lhe, olhando-a nos olhos, e acrescentou com voz sedutora - A não ser
que prefira ficar em casa sozinha comigo. Essa idéia me atrai, Jane.
Então, Jane, horrorizada, sentiu descer essa enorme mão por suas
costas, e em lugar de resistir ao malandro vadio, surpreendeu-se a si mesma
aproximando-se mais a ele, ansiosa por sentir contra ela esse corpo quente e
duro. Enquanto isso Heath os observava em silêncio, absolutamente
fascinado.
- Me solte imediatamente -disse com firmeza.
- Me dê um beijo antes de ir.
- Tire a mão do meu traseiro, idiota animal - lhe sussurrou, dobrando-
se para trás pela cintura.
Acariciou-lhe a curva das nádegas.
- Não enquanto não me beijar.
- Seu irmão nos está olhando.
- Não seria a primeira vez.
- Grayson, é um...
- Um beijo - exigiu ele - Heath, olhe para o outro lado.
Ela se inclinou para lhe beijar recatadamente a face recém raspada.
Um segundo depois estava sentada em suas coxas, lhe rodeando o pescoço
com os braços, enquanto ele a beijava com uma descarada sensualidade que
os deixou aos dois com a respiração agitada. Brilhavam-lhe os olhos de cru
desejo quando finalmente, a contra gosto, pô-la em pé.
Imediatamente ela se dirigiu à porta. A chama de paixão entre eles
tinha deixado carregada a sala como a quietude antes de uma tormenta.
Levava a sensação de seu potente corpo gravada até a medula dos ossos,
como uma erra.
Saiu depressa ao corredor, sem atrever-se a virar a cabeça para olhar
Heath. Mas se tivesse ficado um momento mais, teria captado o
significativo olhar que trocaram os dois irmãos. Poderia ter visto o amor e o
desejo por ela que Grayson se esforçava tanto em ocultar.
- Fiuuú - soprou Heath, apoiando a mão na mesa. - Depois desta
exibição me sinto bastante incapaz. Felicitações. Agora entendo tudo. Não é
preciso acender a lareira no aposento quando estão juntos.
- Não me felicite ainda - disse Grayson, com a voz um pouco rouca,
tentando dominar-se para não sair atrás dela; Jane o debilitava sem sequer
tentar. - Ainda não a levei a altar. Poderia achar a maneira de desfazer-se de
mim.
Heath o olhou desconfiado uns segundos e depois jogou atrás a
cabeça e soltou uma gargalhada. Grayson temia perder à mulher que
desejava? Grayson inseguro no papel de sedutor? Brilharam-lhe os olhos de
carinho e compreensão.
- Uma primícias na história familiar dos Boscastle, um de nossos
homens conspirando para capturar uma esposa.
- Falha-te sua memória legendária, Heath - disse Grayson, irônico -
Nossos antepassados raptavam a suas mulheres como o mais natural do
mundo. E não esqueça a vergonha de nossa história recente. Nigel chegou a
extremos desesperados para casar-se com o objeto do desejo de seu coração.
Heath sorriu encantado pelo aviso do turbulento passado de sua
família.
- Mais alguma vez o consideramos um de nós, não é verdade? Lembro
que fracassou em nosso rito de iniciação no castelo quando completou treze
anos.
Grayson sorriu de orelha a orelha.
- Certo. Tinha esquecido isso. Lembra-se da cara que pôs quando
nossa leiteira começou a despir-se diante dele?
- E então o resgatou... - Heath pareceu pasmado. - Luva de Ferro.
Anda, caramba. Esse deve ter sido o começo desse infame romance. Esther
o resgatou de nossa corrupção só para corrompê-lo ela anos depois.
- Seriamente nos golpeava com uma vara, ou era com suas mãos?
- Não estou de todo seguro. Mas fosse como fosse, eram golpes
tremendamente dolorosos.
- De quem foi a idéia de sabotar o casamento? - perguntou Grayson,
curioso - De Jane ou de Nigel?
- Nigel se negou a dizê-lo, o que foi extraordinariamente valente ou
estúpido, dado que eu o estava apontando com duas pistolas.
- Foi de Jane - disse Grayson, com absoluta certeza - Nigel não teria
tido jamais nem o engenho para planejá-lo nem a coragem para atrever-se a
fazê-lo. Suponho que poderiam ter escapado impunes se eu não tivesse
intervindo para salvar a situação. Não é de estranhar que Jane se mostrasse
tão consternada quando me ofereci para ajudá-la.
Os dois estiveram um momento em silêncio. Heath foi o primeiro que
o rompeu, levantando a cabeça, com o cenho franzido, preocupado.
- Simplesmente não esqueça que os tiros podem sair pela culatra,
Grayson. Com todos seus defeitos, Jane é um encanto. Nenhum dos dois é o
que poderíamos chamar de uma pessoa dócil. Não é justo que brinque com
ela quando está muito claro que o adora.
- Eu também a adoro, Heath - respondeu Grayson em voz baixa - Já
tenho em minha escrivaninha a licença especial que obtive em Londres
antes de vir. Jane e eu estamos a um dia da respeitabilidade.
- Então lhe diga que sabe o que fez. Cedo ou tarde terá que dizer-lhe.
- E o direi. Quando chegar o momento oportuno.
Estava mais que convencido de que se Jane era capaz de sabotar sua
própria cerimônia casamento, não o respeitaria se ele se deixasse enganar.
A astúcia de Jane exigia que seu parceiro agisse com os mesmos retorcidos
subterfúgios que empregou ela.
- Não quero decepcioná-la, sabe? - acrescentou, pensativo - Não posso
permitir que ganhe em engenho minha futura esposa.
- Brinque com ela em uma competição. Poderia ser que não fosse tão
inteligente como acha.
- Nosso jogo acabará logo.
- Está certo de que vai ganhar?
- Como poderia perder?
Heath sacudiu a cabeça. O amor tão evidente por seu irmão que viu
no rosto de Jane lhe havia tocado algo no fundo do coração. Jane e Grayson
formavam um casal perfeito, um casal ideal para uma família que estava à
beira do desmoronamento. Antes de conhecê-la não entendia a atração de
Grayson por ela. Agora a entendia. Onde acharia seu irmão uma mulher
com a garra que tinha demonstrado ter Jane, uma companheira que
desafiasse sua teimosa natureza? Complementavam-se à perfeição.
- Diga-lhe Grayson. Confie em meus instintos. Diga-lhe esta noite
depois do baile, senão poderia ter mais problemas dos que poderia ter
imaginado. - riu em voz baixa - Certamente vou gozar vendo como acaba
tudo isto.

Capítulo 21
Jane entrou no dormitório e ficou com a testa apoiada na porta com o
coração retumbante de terror. Se Heath tinha encontrado Nigel e Esther, só
seria questão de tempo que um dos dois se desmoronasse e revelasse o
papel que teve ela no escândalo do casamento.
Nigel era seu amigo; defenderia-a até certo ponto, mas não podia
esperar que fosse capaz de fazer frente a um homem da talha do Grayson. E
muito menos se este seguisse adiante com sua obstinada idéia de desafiá-lo
a duelo. Nigel desmaiava em apenas ver um dedo levantado. Sua mulher
tinha mais jeito de estar capacitada de enfrentar Grayson em um duelo. E
tal como ia resultando a vida dela, igualmente acabava servindo a Nigel de
madrinha no duelo.
Só havia uma solução; era o único que podia fazer. Confessar tudo;
pedir desculpas a todos os envolvidos. E depois abandonar o que ficasse
dela à mercê de Cecily e seu duque enquanto o mundo a censurava. Talvez
pudesse chegar a ser a preceptora de seus filhos e dar surras aos que se
comportassem mal para ganhar a vida.
O pior seria a reação de Grayson. De maneira nenhuma demonstraria
que seu engano o tinha ferido; simplesmente a mataria.
Não era tão idiota para pensar que podia confessar-lhe tudo na cara e
viver para contar. Ele não a perdoaria jamais. O mais seguro era que se risse
dela se tentasse lhe explicar com que desespero tinha desejado evitar um
matrimônio arrumado. E, francamente, era tão covarde que não se atreveria
a dizer-lhe pessoalmente. Escreveria uma carta e a deixaria debaixo do
travesseiro.
Quando se virou para a escrivaninha, que estava junto à janela, viu
que o aposento já estava limpo e ordenado, sem dúvida o eficiente trabalho
de uma das discretas criadas. A um lado do biombo havia uma banheira de
assento cheia de água quente, fumegante. Sobre a cama, uma pilha de
toalhas limpas e na mesinha de noite um pequeno vaso com fragrantes
rosas moscatel.
E sobre a penteadeira, ao lado de seu prezado broche com o
camundongo de diamante, havia outra caixinha de joalheiro de veludo azul
com um cartão colocado debaixo. Leu-a duas vezes, com os olhos
empanados de lágrimas:

Algo para comemorar a primeira de nossas muitas noites juntos.


G.

Dentro da caixa achou um brinco: um enorme brilhante em uma


corrente de ouro. Caro, elegante. O presente que faria um homem generoso
a uma amante para indicar uma noite de paixão.
- Você gosta? - perguntou Grayson da porta.
A joia deslizou por entre os dedos dela.
- É lindo, e um absoluto esbanjamento. Tomara pudesse aceitar isso.
- Mas claro que pode. Por que não se despe e me mostra como ficaria?
- Perdão, a esta hora do dia?
Ele a contemplou longamente com seu sedutor olhar.
- Amanhã, tarde, meia-noite. Estou totalmente obcecado por você,
Jane. - Fechou a porta - É um prazer para mim lhe dar de presente jóias.
Como pode uma mulher montar uma defesa quando o homem faz
comentários como esse? Como podia esperar ser capaz de pensar quando
lhe rodeou a cintura com os braços e a fez cair com ele na poltrona?
Doeu-lhe o coração quando ele introduziu os dedos em seu cabelo e
sossegou seus protestos com o mais terno dos beijos. Deitara-se com ele e
não o lamentava.
- Jane - murmurou ele - obrigado por ontem à noite.
Ela fechou os olhos, imaginando a cara que poria ele quando lesse sua
carta, tentando agarrar-se ao pensamento do aborrecido e furioso que
estaria. Era implacável com a rebeldia de Chloe, absolutamente convencido
de que é o dever do homem dominar a vida de uma mulher. Jamais
compreenderia o que ela tinha feito.
- Acontece algo, Jane? - perguntou ele, docemente - Não é de lágrimas
esse brilho que vejo em seus olhos, não é?
- Me prometa uma coisa, Grayson.
- O que quiser - disse ele, lhe acariciando a face com o dorso da mão.
- Me prometa que não fará mal a Nigel.
Ele ficou imóvel.
- De verdade é intolerável que mencione seu nome quando está em
meus braços.
- Promete-me isso?
Seus olhos azuis lhe perfuraram os seus.
- As pessoas merecem um castigo quando ferem a outras, não lhe
parece?
- Não sei; não estou tão certa disso.
Ele continuou perfurando-a com os olhos, com implacável
intensidade. Por muito que o amasse, havia momentos em que alegremente
o golpearia até deixá-lo inconsciente.
- Há um tempo para o perdão - acrescentou.
- Não em minha opinião. Falamos de outra coisa?
- Por favor, Grayson. Só lhe peço isso.
- O que me dará em troca?
Ela teria aceitado lhe dar o que fosse que desejasse seu perverso
coração se nesse momento não tivessem ressoado fortes passos na escada e
logo no corredor em direção a esse aposento.
- Grayson! -gritou uma irreverente voz masculina fora da porta -
Onde diabos está escondido? Acabo de deixar Helene em Londres; a
mulher está furiosa amaldiçoando-o daqui ao inferno. Está aí?
- Deus todo-poderoso - resmungou Grayson, olhando irado para a
porta - É Drake. Fique aqui enquanto eu me livro dele.
Ela se desprendeu de seus braços.
- Me prometa que não fará nada a Nigel.
Ele se levantou, pensativo, e alisou as abas da jaqueta.
- Terei que pensar, Jane. Tenha presente que Nigel e seus pais
dependeram da prodigalidade de minha família durante muitos anos. Sua
conduta é um insulto tanto para mim como para você.

***

As vozes se foram apagando pouco a pouco à medida que os dois


homens se afastavam pelo corredor. Jane se despiu e se meteu na banheira
revestida de cobre e ficou a contemplar seu futuro como mulher caída.
Mal terminou de assear-se e arrumar-se, escreveria duas cartas, uma
para Grayson e a outra para sua família. Embora depois da forma como seu
pai virtualmente a jogou ao leão, não tinha a mínima esperança que lhe
perdoasse a vergonha e desonra que tinha causado a sua família.
Exalou um longo suspiro, pensando em suas irmãs, na agradável vida
que sempre tinha dado como certa, na forma como seu pai a mantinha e
protegia, no matrimônio que arrumou porque achava que Nigel seria bom
com ela.
Afundou-se mais na água aromatizada, franzindo mais e mais o
cenho pela concentração.
Pensando bem, achava muito irracional o comportamento de seu pai.
E sua mãe, teria apoiado realmente essa mudança tão brusca em sua
moralidade, esse empurrão a sua filha desonrada ante a sociedade
arrojando-a a esse estilo de vida? Isso desafinava muitíssimo com a forma
de ser de seus pais. Depois de tudo, seus motivos para escolher Nigel foram
sua amistosa afabilidade, sua lealdade, sua aparente falta de interesse na
libertinagem.
Em resumo, escolheram Nigel porque era exatamente o contrário de
Grayson. O que tornava mais inexplicável e misteriosa sua traição. A não
ser que...
Caiu-lhe a esponja na água.
A não ser que soubessem. A não ser que uma de suas irmãs desse a
língua e lhes tivesse contado o de seu pacto secreto com Nigel. Com o qual,
ela ficava como a traidora, não a traída.
E se toda sua família conhecia seu segredo, era muito possível que
também soubesse Grayson, e, mmm, essa humilhante situação em que se
encontrava cheirava a Boscastle de longe.
Sabe tudo, pensou.
Essa sessão com a modista. A mudança que tinha notado nele. Esse
cruel brilho de seus olhos. Seu repentino desejo de trazê-la a Brighton.
Grayson sabia, com certeza.
Ela era o inconsciente peão em seu diabólico jogo. Mas por quanto
tempo? Com que fim?
Sabia, sim, certamente.
Saiu bruscamente da banheira, Vênus de caminho à guerra, jorrando
água por todo o elegante e macio tapete Axminster.
- Ai, o grande canalha - resmungou, detendo-se ante a penteadeira,
totalmente nua e jorrando água - Esse intrigante filho de Satã! Jogando
comigo como jogaria um leão... -seus olhos posaram no broche de diamante
- com um camundongo!
Passou-lhe pela cabeça o pensamento de que foi seu plano para
sabotar o casamento o causador de todo esse enredo, mas se apressou a
colocá-lo debaixo de uma manta de justa indignação. Convertê-la em uma
cortesã de classe alta, não é? Exibi-la coberta de diamantes e seda rosa, não
é? Jamais, nem em mil anos, seu escrupuloso pai teria aceitado uma coisa
assim sem nada em troca.
Bom, era preciso um Boscastle para derrotar a um Boscastle, e não lhe
cabia dúvida onde acharia o elo mais fraco da cadeia familiar.
Vestiu-se depressa e, sem calçar os sapatos, saiu ao corredor e se
dirigiu pisando forte ao quarto de Chloe. Na porta expulsou à criada que
queria voltar a entrar no aposento para continuar ordenando-o.
Ao que parecia, Chloe havia se tornado a entregar a sua paixão pela
reforma social depois de descobrir que seu oficial de cavalaria, William,
fora enviado a uns novos quartéis em Devon. Estava sentada no divã com
as pernas recolhidas, e a saia cheia de cartas a amigos do Parlamento, uma
caixa de chocolates meio comida e uma lista dos trabalhos que pensava pôr
por obra. Tinha as persianas fechadas, para reforçar o aura de solenidade.
Quando Jane irrompeu em seu quarto, Chloe simplesmente arqueou
as sobrancelhas e pôs para trás a negra cabeleira.
- Ah, sua primeira briga com meu bestial irmão, não é? - disse em tom
compassivo - Não sei o que vê nele, por certo. Chocolate para a ferida de
amor?
- Quero a verdade, Chloe.
Chloe deixou a um lado a pena, captada sua atenção.
- A verdade? É um tirano, um destruidor de tudo o que para alguém é
querido. Essa é a verdade. Foi pela cabeça de William e o fez enviar a
Devon para ver-se com contrabandistas. Meu irmão cortou toda
possibilidade de que eu o volte a ver. E não é que eu o queria vê-lo de novo,
mas teria sido agradável me despedir dele.
- Lamento sua perda, Chloe, mas preciso saber uma coisa. Para que
me trouxe aqui Grayson?
- Eu diria que isso é evidente - respondeu Chloe, não sem
amabilidade - Pobre Jane. Tinha tanta esperança de que resistisse a ele.
- Me responda.
Chloe a contemplou em silêncio um momento, com seus olhos azuis
brilhantes de emoções desencontradas.
- Jamais, jamais, nunca em minha vida, traí um segredo Boscastle, mas
como você é virtualmente uma Boscastle, e membro de meu sexo, estou
obrigada pela honra a traí-lo.
Jane se deixou cair no divã, sentindo formigar a pele pela nota
vingativa que detectou na voz de Chloe.
- O que quer dizer?
- Nem Grayson nem Heath sabem que eu sei - disse Chloe, vacilante.
- Que sabe o que?
- Não me disseram.
- Não lhe disseram o que?
- Eu ouvi tudo, sabe? Estava escondida na biblioteca quando Grayson
mandou chamar os advogados.
- Chloe, se não me der uma resposta clara imediatamente, terei-a
pendurada fora da janela agarrada pelo cabelo até que me conte.
Chloe franziu seus rosados lábios, reprovadora.
- Já fala como um Boscastle.
- Por que Grayson fez chamar a seus advogados?
Chloe se aproximou mais a ela.
- Protegerá-me de sua ira quando descobrir que fui eu que o dedurei?
Jane endireitou as costas, alarmada. Que coisa horrenda teria feito
Grayson a suas costas?
- Farei o que puder.
- Nigel disse tudo a Heath, Jane, "tudo". Contou-lhe como
conspiraram os dois para frustrar os desejos de seus pais para que ele
pudesse casar-se com Esther; sobre o generoso presente de casamento que
lhes fez, sobre o mês que levaram planejando tudo.
- Nigel, que me jurou que jamais revelaria nosso pacto nem que o
torturassem - exclamou Jane indignada, embora em realidade não tinha por
que surpreender-se - Vamos, covarde, fraco sem caráter. Estrangularei ele
por isso. Se é que Esther não o fez já.
- Heath sabe ser muito amedrontador quando quer - disse Chloe.
- Grayson também.
- Parece que é um traço da família.
- Tenha a bondade de voltar para o assunto, Chloe.
- Ah bom, com certeza já adivinhou. Heath o disse a Grayson, e
Grayson reagiu a sua típica maneira despótica. Disse-lhe algo? Enfrentou-a
e lhe deu a oportunidade de explicar-lhe. Ah, não. Fez vir seus advogados
a meia-noite e teve uma reunião secreta com seu pai.
- Para me colocar um pleito por sabotar meu próprio casamento?
- Não, para arrumar um... Você com ele.
O coração de Jane saltou vários batimentos. Não conseguiu imaginar
seu pai metido nessa intriga de meia-noite. O que pretendia fazer esse
diabólico amante seu?
- Acredito que a entendi mal. Grayson quer...?
- Casar-se com você.
- Não que me converta em sua amante?
- Ui, santo céu, não. Isso é parte de seu plano para lhe dar uma lição. -
jogou um chocolate à boca enquanto Jane a olhava muda pela comoção -
Tem certeza que não quer um destes?
- O grande canalha - murmurou Jane.
Deixou sair lentamente o ar e pelo rosto lhe estendeu um sorriso de
prazer. Assim tinha estado jogando com ela, não é? Tinha planejado um
travesso joguinho para castigá-la pelo engano. De acordo, talvez o
merecesse, mas ele não tinha ganhado ainda. Seu espírito de luta pegou a
provocação no ar. Teria que pensar com supremo cuidado sua próxima
jogada. Essa noite caiu na armadilha quando lhe pediu que se casasse com
ela. Quanto desfrutaria ele vendo seu terror.
- Deveria saber que o malandro sem princípios tramava algo -
resmungou.
- Não o odeia? - perguntou-lhe Chloe, compassiva.
Esticou-se o sorriso de Jane.
- Não, como vou odiar. Amo-o, senão não teria permitido que me
colocasse nesta horrorosa posição.
- Tomara eu pudesse me colocar em uma posição horrorosa com um
homem a quem amasse - disse Chloe, com os olhos brilhantes de
melancólica travessura - Cada vez que estou perto de uma, aparece um de
meus irmãos e estraga tudo. Desde a morte de meu pai, Grayson e Heath
me protegeram até o ponto de que igualmente poderia estar vivendo em
uma jaula. Acredito que sou muito parecida com você, Jane.
Jane ficou calada, refletindo sobre o comentário de Grayson ao dizer
que sua irmã se desmamou depois da morte de seu pai. Que tipo de homem
seria um bom marido para Chloe? Um pretendente muito forte as amável.
Entrar na família Boscastle por matrimônio não era para os fracos de
coração. Em todo caso, a não ser que alguém interviesse, tinha a impressão
de que irmão e irmã chegariam muito em breve a um choque de vontades.
E ela ia ter que dar-se de murros com Grayson, que se achava tão
inteligente por ter planejado seu compromisso em segredo. Só uma mente
diabólica chegaria a esses extremos para apanhá-la totalmente. Poderia
sentir-se furiosa com ele por ter jogado com ela se não tivesse iniciado ela
mesma todo o assunto.
- O que posso fazer, Chloe?
- Em minha opinião, lhe dar uma lição imediatamente.
Ah, dessa ideia Jane gostou. Ter em estado de alerta a seu amado
demônio.
- Sim?
- Talvez pudéssemos pedir conselho à senhora Watson - sugeriu
Chloe, entusiasmada pela idéia de criar um problema na vida de seu irmão
- Essa mulher é uma perita no macho inglês.
- Senhora Watson… a cortesã por excelência de Londres?
- A cortesã por excelência de Brighton; chegou ontem pela tarde.
Chegam diligências cada meia hora de Londres.
- Importaria de me levar para ver a senhora Watson hoje? Iria bem o
conselho de uma mulher experiente.
- Por que iria me importar? Não tenho nada mais que fazer além de
adoecer sob a vigilância do Grayson.
- Acha que a incomodaria me ajudar?
- Incomodá-la? Acredito que se sentiria honrada. Audrey sempre
sentiu uma especial fraqueza por meu irmão. E adora este tipo de diversão.
Jane se levantou decidida.
- Irei pôr os sapatos e as luvas enquanto você termina de se vestir. E,
por favor, que seus irmãos não descubram aonde vamos.
- Direi- que vamos à biblioteca - disse Chloe, borbulhante de alegria -
para ampliar nossa formação.

***

Quando chegaram as duas jovens, a senhora Watson acabava de


voltar de uma caminhada pela orla para tomar ar marinho acompanhada
por um grupo de cavalheiros. A carruagem as deixou diante de sua
encantadora casinha com janelas salientes e grade de ferro forjado. Audrey
estava muito elegante, com um vestido de talhe alto de popelina amarela e
um chapéu de palha adornado com penas de avestruz. Tinha mais aspecto
de senhora respeitável que de uma notória cortesã.
Quando reconheceu suas visitantes deu alegres palmadas com suas
mãos enluvadas.
- Ah, meus amores, que amabilidade virem me ver. E bem a tempo
para comer bolos e tomar conhaque. - Abraçou afetuosamente Chloe, lhe
sussurrando: - Menina tola, olhe que ir apaixonar-se por um soldado, com
todos esses príncipes estrangeiros que estão a ponto de nos visitar para
celebrar nossa vitória. Achava-a com melhor senso. E você, lady Jane, bom,
certamente as duas com Sedgecroft estão fazendo a competência a meus
pequenos escândalos. Passem, passem, e me iluminem. Estou faminta de
fofocas.
Depois de ordenar que lhes levassem refrigérios, Audrey as levou a
um salão decorado em tons azul e creme, tons que não se limitavam aos
móveis mas sim se estendiam também às cortinas de brocado e o tapete
persa. Sentou-se em seu divã com incrustações de marfim a presidir a
reunião como uma imperatriz, e Chloe lhe explicou o motivo da visita.
- Oh, como me sinto adulada! - Exclamou Audrey, com uma mão no
coração e sustentando na outra sua terceira taça de conhaque - Também
estou um pouco bêbada, mas isso é muito melhor para tramar intrigas.
Comodamente reclinada no sofá, Chloe lhe contou o segredo de Jane e
o inesperado resultado.
- Meu horrendo irmão a fez acreditar que a deseja como sua amante
quando a suas costas assinou com seu pai um contrato de matrimônio com
ela.
- Então, uma amante será - disse Audrey, com os olhos faiscantes de
expectativa. - Diga-me, Jane, quer se divertir um pouco? Acredito que é seu
dever enfrentar esse menino mau.
- Não sei se tenho a coagem.
Audrey a olhou fixamente.
- Qualquer mulher que é capaz de plantar-se a si mesma tem coragem
aos montes, acredite. A pergunta é, está preparada para ganhar Sedgecroft
neste jogo?
- Como? - perguntou Jane, repentinamente duvidando de que
tamanha façanha fosse possível.
- Convertendo-se em uma cortesã que acaba com todas as cortesãs! -
exclamou Audrey, com as faces coloridas por um favorecedor tom rosa
forte - Ensinaremos você a seduzir Sedgecroft totalmente, até a medula de
seus ossos.
- Bom, não sei se...
- Faremos - disse Chloe, deixando a taça na mesa - Mas teremos que
começar esta mesma tarde, porque Heath me vigia como um falcão e vai
acreditar que venho aqui para me encontrar com um amante. E não é que a
este passo vá ter um amante alguma vez.
- Chloe, meu amor - disse Audrey, em tom de doce repreensão - que
eu ensine a ser uma sedutora à futura esposa de Sedgecroft é algo que ele só
terá que me agradecer. Profusamente. Mas instruir a sua irmã solteira nas
artes sexuais, é outro assunto muito diferente. Volte quando for se casar.
- As artes sexuais? - disse Jane, rindo nervosa - Isso é, mmm, algo
bastante simples, não? Quer dizer, o que precisa saber realmente uma
mulher?
Audrey se levantou e se dirigiu a sua escrivaninha dizendo, com voz
tão enérgica como a de uma professora de escola.
- Há muito mais nos "pequenos detalhes" da relação sexual, como
diríamos, do que nunca chega a saber a típica esposa inglesa. - Desatou a
fita de seda azul que fechava uma avultada pasta, tirou um detalhado
desenho e o mostrou. - Olhe esta ilustração.
Jane abafou uma exclamação e engasgou ao querer inspirar. Seria
"isso" o que ela pensava que era?
- Ah, caramba.
- Sabe o que é?
Chloe terminou de beber seu conhaque de um só gole.
- Não será um desses novos foguetes a Congreve, não é verdade?
Drake me mostrou o desenho de um no jornal, mas tenho que reconhecer
que não prestei muita atenção.
- Chloe - disse Audrey em tom firme - poderia sair do salão e ir
entreter-se sozinha em minha biblioteca? Embora por falta de uma palavra
mais delicada chamaremos foguete ao que representa este desenho, uma
esposa bem informada deve conhecer seu adequado manejo, se não quer
que dispare antes de tempo.
- De verdade preciso saber isto? - perguntou Jane, bebendo um longo
gole de seu conhaque.
- Quer que um foguete exploda nas suas mãos antes que o tenha
levado a seu destino? - perguntou Audrey.
Chloe se virou a meio caminho para a porta.
- Não é justo. Eu a trouxe aqui, Audrey. Deveria poder ouvir o que
dizem.
- Já chegará sua vez - respondeu Audrey, lhe fazendo um gesto para
que saísse, e então tirou outra ilustração de sua pasta - Agora, Jane, observe
isto, por favor.
Jane se inclinou para olhar o desenho e ficou boquiaberta.
- Santo céu! Isso é fisicamente impossível.
- Não só é possível - replicou Audrey - é também muito prazeroso
para o homem.
Chloe pôs a cabeça pela porta.
- Aonde foi o foguete?
Jane fechou os olhos e lhe respondeu com a voz trêmula pela risada.
- Não lhe convém sabê-lo.

Capítulo 22

Jane e Chloe voltaram para a vila já avançada a tarde. Por sua


aparência eram duas damas bem educadas que tinham passado umas
aprazíveis horas na biblioteca.
Fortalecida pelo conhaque e o tesouro de conhecimentos sensuais que
tinham feito tremer até seus alicerces suas sensibilidades aristocráticas, Jane
parou hesitante no vestíbulo. De cima chegava o som de vozes masculinas.
Uma delas era a do homem que iria seduzir até a medula dos ossos.
- O que faço agora? - sussurrou.
Chloe estava tirando o casco.
- Ponha tudo em obra enquanto ainda tem esse conhaque na corrente
sangüínea.
- Não posso fazê-lo.
Chloe lhe deu um empurrão para a escada.
- Tome o comando, Belshire.
Fazendo uma inspiração profunda, Jane desabotoou as presilhas de
seu capote, passou-o à Chloe e se dirigiu à escada. Um momento depois,
viu sair Grayson da sala de estar de seus aposentos, no outro extremo do
corredor, acompanhado por Heath e Drake; seguiam conversando
animadamente.
Interromperam a conversa ao vê-la aparecer e ela sentiu um leve
calafrio de incerteza por esse experimento que ia fazer seguindo as idéias
de Audrey. Talvez, pensou, todas as mulheres se perguntavam
secretamente como seria ser uma cortesã se tivessem a oportunidade de sê-
lo; debaixo de sua ansiedade estava consciente de que era uma boa
provocação seduzir a um homem que tinha feito uma arte da sedução.
- Jane - disse ele, franzindo o cenho, severo. - chegou. - Começava a
me preocupar. Tio Giles e Simon saíram para procurá-las. Eu fui duas vezes
à biblioteca. Aonde foram?
- Ah, por aqui e por lá.
Avançou para ele, com o andar ondulante que lhe tinha ensinado
Audrey ao lhe fazer a demonstração, o que a princípio a fez sentir-se tola, e
logo gratificada ao ver que Grayson dilatava os olhos.
- Machucou o pé, Jane?
Ela ficou nas pontas dos pés para lhe agarrar o pescoço entre as mãos.
- Que encanto me perguntar isso. Nenhum beijo de saudação a sua
amante?
Desprendeu-lhe as mãos de seu pescoço e sorriu sobressaltado em
cima de seu ombro.
- Heath e Drake nos estão olhando.
- Sim? Bom para eles.
- Não está bem - disse ele em voz baixa, desconcertado.
Ela desceu as pontas dos dedos pela musculosa parede de seu peito.
- Mas esteve bem no café da manhã.
- Sim, mas... me tocou onde acredito que me tocou?
- Essa é minha função como amante, não?
- Não diante de minha família, querida - disse ele, com as maçãs do
rosto coloridas por um vermelho subido - Jane, seriamente se sente bem? É
possível que eu não tenha tomado bastante a sério essa febre. Talvez abusei
muito de suas forças ontem à noite.
- Que tímido é. - Obrigou-o a entrar na sala de estar da qual ele
acabava de sair e fechou a porta com o pé - Agora estamos sozinhos. Jogue-
se no sofá.
- Acredito que é você quem precisa se jogar. Servem conhaque na
biblioteca, Jane?
- Estive reconsiderando sua proposta.
- Sim?
Ela o levou até o sofá em ângulo ao canto.
- Talvez não seja tão má idéia, depois de tudo.
- Bom...
Ela o sentou a seu lado, segurando as lapelas da jaqueta.
- Necessitarei de prática, isso sim.
Ele a olhou com as sobrancelhas arqueadas, intrigado.
- Prática? No que?
Desabotoou-lhe a jaqueta e continuou com os botões do colete
bordado.
- Em lhe dar prazer.
- Dá-me muito prazer.
- Mas sempre se pode fazer melhor - respondeu ela, lhe acariciando o
peito.
Pegou-lhe a mão, com um músculo vibrando na face.
- Faz melhor do que ninguém que tenha conhecido. Do que vai isto?
- De desejo.
- Desejo?
- De luxúria, Grayson. De paixão. De fazer explodir foguetes.
Ele limpou a garganta.
- Tudo isto é muito excitante e inesperado, mas... - Levantou as coxas
para atraí-la para ele, mas ficou imóvel ao ouvir a voz de Drake fora da
porta:
- Vai descer, ou cancelamos nossa reunião?
- Que reunião? - perguntou Jane, agradecendo a interrupção.
A cada momento ia se sentindo mais e mais insegura de ser capaz de
pôr em prática o plano de Audrey sem delatar-se. Não estava tratando com
um bobo mais com um competidor impetuoso e ladino.
- A reunião sobre o futuro de minha família - disse ele, suspirando.
Deu-lhe um beijo longo e profundo e a soltou - Meus irmãos e eu
esperamos achar um marido conveniente para Chloe, antes que se desonre
totalmente.
- Que bom é, Grayson, ao tomar essa decisão por ela. Deus sabe que
as mulheres são incapazes até de escolher um par de sapatos sozinhas.
Ele se levantou e a observou, sorrindo estranhando.
- Não disse nada disso. Comece a vestir-se para a noite, quer? Desejo
exibi-la.
- Como a sua nova amante?
Ele vacilou, abotoando o colete, e ao final respondeu em tom neutro.
- É claro, querida. Como se não?
Chegaram atrasados ao baile posterior às corridas, e o cocheiro custou
achar um lugar para estacionar em meio a quantidade de carruagens que
ladeavam o meio-fio em ladeira. Drake tinha se desculpado de assistir no
último momento, presumivelmente para ir visitar uma certa dama que
acabava de chegar de Londres.
Simon, Heath e tio Giles se separaram deles imediatamente para ir à
sala de jogos, onde se estavam fazendo as apostas para as corridas do dia
seguinte. Grayson conduziu Jane e sua irmã para o salão de baile
totalmente iluminado com velas da casa do visconde Lawson.
Esteve meditando a respeito da advertência de Heath e decidido que
talvez fosse melhor fazer caso de sua intuição. Tinha chegado o momento
das revelações. Era evidente que Jane estava tramando algo.
Outra vez.
Pensou nas duas Jane que tinha chegado a amar. Uma era a dama
pragmática e sensata a que tinha acompanhado pelas festas de Londres,
supostamente para sarar seu coração partido. Adorava esse lado dela. Sua
respeitável imagem calçava à perfeição com o tipo de mulher que seus pais
teriam escolhido para ele. Essa Jane era a esposa ideal para um marquês.
Amável, educada, elegante, uma jóia da coroa da aristocracia.
Mas a outra Jane, ah, sim. A misteriosa beldade coberta por um véu
de noiva em pé ante um altar vazio. Essa mulher enigmática e seus
misteriosos motivos atraíam seu lado tenebroso. Esse lado dele que
desprezava as convenções sociais; esse lado dele que a despojaria de seu
último véu e contemplaria sua alma nua em toda sua pecaminosa glória.
A qual das duas preferia?
A nenhuma acima da outra. Era a fusão desses dois seres
incongruentes que o enfeitiçava, encantava-o. Era a mulher em sua
contraditória totalidade a que amava e ao mesmo tempo desejava superar
em engenho.
Já era quase a meia-noite da farsa entre eles.

***

Quando estavam a ponto de separar-se fora do quarto de vestir e


toucador, Grayson tocou o rosto de Jane com o dorso de sua mão enluvada.
- Note em quão acalorada está, toda envolta nesse capote. Ninguém
adivinharia jamais como se converteu em tentadora. Não vejo as horas para
comprovar o que me reservou para esta noite.
Ela abaixou os olhos recatadamente, lhe respondendo em silêncio,
divertida: "Espere, meu querido arrogante. Tenho outra surpresa para
você".
- É muito entristecedora, Grayson, esta exibição pública de sua
amante.
- Que tolice - disse ele, olhando por cima de seu ombro para Chloe,
que estava com sua morena cabeça suspeitamente encurvada - Vai causar
sensação.
"E essa é minha intenção", disse ela para si mesma.
Ele a olhou sério.
- Disse algo, Jane? Não consigo ouvir, por causa do harpista que está
tocando na galeria.
- Não disse nada.
Ele voltou a olhá-la, com os olhos estreitos.
- Vá tirar esse capote, a não ser que queria desmaiar. Aqui estamos tão
apertados como arenques em escabeche.
- Como quiser, Grayson. Só existo para lhe agradar.
Isso disse com a voz tranquila mais já começava a lhe retumbar o
coração. Estava a ponto de tirar o leão da jaula. Como conseguiria dirigi-lo
depois?
- O que disse? - perguntou ele.
- Que espero não desgostá-lo nunca - disse ela, mansamente.
Chloe o afastou com uma cotovelada.
- Nos espere fora do vestiário uma vez que nos tenhamos arrumado,
Gray. Não viemos aqui para conversar toda a noite no vestíbulo.
Já na sala toucador e vestiário, Jane tirou o capote forrado em seda e
sussurrou:
- Não posso sair e me expor a todas essas pessoas, a todos esses
desconhecidos, com o aspecto de uma... de uma prostituta de East End.
- Está francamente linda - respondeu Chloe, examinando o vestido de
noite de vaporoso tule cor pêssego, um dos vestidos de seu guarda-roupa
secreto, que não usava nunca, e que emprestou para Jane para essa noite -
Acredito que deveríamos umedecer mais um pouco para que se ajuste mais.
Necessita um pouco de ruge para...?
- Não! - chiou Jane, horrorizada, atraindo a atenção da jovem criada
que estava na porta. Em voz mais baixa acrescentou-: Assim já mostro
muito de minhas partes rosadas. Igualmente poderia ir coberta só com um
paninho de renda.
Chloe abafou a risada, divertida.
- Tem um corpo que uma deusa invejaria.
- Invejaria, Chloe, não exibiria desta maneira tão horrorosa.
- Não perderia por nada do mundo a cara que vai pôr Grayson
quando a vir.
- Vai ficar fora de si de fúria.
- Não se trata disso?

***

Jane demorou mais ou menos um minuto em divisar o homem alto de


cabelo dourado que estava em um apertado grupo de convidados; eram
damas muito elegantes que desejavam reatar a relação com ele, aristocratas
de antigas famílias que alternavam nos mesmos círculos sociais seletos,
exclusivos. Grayson parecia confortável , tão a gosto, nesse mundo de
riqueza e elegância, que Jane duvidou que fosse possível perturbá-lo.
Ardiam-lhe as faces abrindo caminho para ele. Os jovens a cujo lado
passava ficavam totalmente em silêncio, em deferência a essa nova estrela
que tinha aparecido em sua rutilante galáxia.
Um deles emitiu um suave assobio apreciativo. Outro passou um
bilhete ao mestre de cerimônia para que lhe dissesse sua identidade. Outro
colocou a mão no coração e declarou seu amor eterno. Sem desatender a
conversa, Grayson meio se voltou para olhar, com expressão divertida, até
que viu a causadora dessa comoção. Seus olhos se encontraram com os
dela, e logo desceram por seu corpo tão sedutoramente exposto, e voltou o
olhar o seu rosto. A expressão de surpreendida fúria, controlada mais
eloquente, que ela viu em seus olhos, quase a derrubou.
Com esse vestido de tule pêssego umedecido se sentia nua como...
como um pêssego podado. Só um muito fino tecido cor carne protegia seu
corpo sem espartilho de olhares luxuriosos. Seus seios pressionavam o
tecido muito fino da blusa de forma tão evidente que não se atrevia a
arriscar-se a respirar.
- Jane - disse ele sorrindo. Seu sorriso não revelou seu desgosto mais a
forma de lhe apertar a mão sim - Esse não é um dos vestidos que escolhi.
De onde saiu?
- Emprestou-me uma amiga, Grayson. Você gosta?
- Todos os homens deste salão gostam dele - respondeu em voz baixa,
em tom abrupto - Não volte a fazer isto em público.
- Fazer o que?
- Mostrar o que é meu, só meu.
- Pois, eu pensei que este vestido era apropriado para minha estréia
como cortesã em formação.
Ele a olhou com os olhos brilhantes de fúria.
- Sim?
- Bom, querido, uma amante não pode permitir-se parecer um
camundongo.
Ele a afastou do grupo de convidados, fazendo um gesto de desculpa
à anfitriã por cima do ombro.
- Talvez devêssemos dançar - disse.
- Como quiser, querido.
- Quero que deixe de me falar assim - disparou ele.
Ela fingiu sentir-se ferida.
- Posso deixar de falar de tudo se preferir. Embora, claro, eu gostaria
de falar de minha atribuição. Acha que deveríamos falar disso antes de
prosseguir?
- Com nossa dança? - perguntou ele, sombrio.
- Vamos publicar no jornal nossas negociações? - perguntou ela,
quando chegavam à beira da pista de baile.
- Não acredito que isso seja necessário.
Ela mordeu o lábio, pensando até onde poderia atormentá-lo sem que
ele perdesse os estribos. Uma vez que tinha começado, era como se não
pudesse parar.
- Mais se não me forjou um nome na alta sociedade... - Guardou
silêncio enquanto ocupavam seu posto na pista-. Não trouxe papel e pena,
não é?
- Papel e pena? - repetiu ele, desconfiado. - Para escrever enquanto
dançamos?
- Não, tolo. Para minhas memórias. É muito improvável que você vá
ser meu único protetor, Grayson. Vou necessitar outra fonte de ganhos no
futuro. Uma mulher deve ser prática.
- Perdão - disse uma voz tímida atrás deles - Poderia interromper esta
conversa para lhe pedir esta dança à formosa dama?
- E eu poderia interromper seu rosto com meu punho se atrever a
fazê-lo? - replicou Grayson, com expressão feroz.
- Meu rosto...
Pestanejando horrorizado, o jovem retrocedeu vários passos e logo
desapareceu no meio da multidão.
Grayson e Jane ocuparam seus postos na pista. A orquestra iniciou
uma equipe. Ele fez sua vênia; ela fez sua reverência. Mas nenhum dos dois
tinha a mente posta na dança. Ele estava ocupado dirigindo olhares
assassinos aos homens que se atreviam a olhá-la, enquanto ela tentava
parecer graciosa em seus movimentos ao mesmo tempo em que cobria o
corpo com os braços. Em um momento passou Chloe por seu lado e lhe
sussurrou:
- Nunca tinha visto uma mulher que se parecesse mais a um molinete.
Agarre a saia e estende-a, pelo amor de Deus.
- Não posso.
- Por que não?
- Porque é transparente e se vê tudo.
Grayson fazia seus passos pela pista com as pernas rígidas e o olhar
sombrio, negro, e ameaçador. Depois, quando terminou a dança, levou-a
com arrepiante resolução até o canto mais escuro da sala, onde estavam
reunidos os convidados idosos sentados em cadeiras.
- Por que estamos aqui como um par de flores do papel de parede? -
perguntou por fim ela, no tom mais inocente - Não deveríamos ser mais
sociáveis?
- Não estou de humor sociável - respondeu ele, mordaz.
- Bom, ninguém nos vai ver se continuarmos aqui.
- E esse é meu objetivo, Jane. - Escureceu-lhe mais o rosto, olhando-a
de cima abaixo - Se vê muito de você esta noite.
- Talvez pudesse ir jogar cartas - sugeriu ela.
- Talvez fosse - disse ele arrastando a voz - se não estivesse ocupado
protegendo-a de todos os aristocratas lascivos de Brighton.
Ela olhou ao redor, porque não se atreveu a olhá-lo nos olhos cheios
de fúria.
- Ah, olhe, não é essa sua velha amiga, a senhora Watson?
- Sim.
- Não seria cortês ir saudá-la?
- Não estou de humor para isso tampouco - disse ele, chiando os
dentes.
- Bom, para que está de humor, então?
Ele decidiu não responder, mas a resposta era enlouquecedoramente
simples: para ela. Junto com a maioria dos homens presentes no salão,
estava imaginando-a sem o vestido: Jane no altar de sua luxúria com seu
exuberante corpo e seus cabelos mel dourado soltos sobre esses brancos e
suaves ombros. Como uma deusa inalcançável, desafiava os mortais que a
rodeavam para demonstrar que eram dignos de sua atenção. Bom, Heath o
tinha advertido. A Jane tenebrosa estava tendo sua vitória.
Obedecendo a um impulso, pegou-a pelo cotovelo e a levou em
direção à porta lateral.
- Por aqui se vai à sala de refrigérios? - perguntou ela, sem poder
evitar a nota de medo na voz.
Ele a olhou significativamente.
- Não. Vamos para casa.
- Por quê?
- Para ter essa conversa sobre a qual falou.
- E Chloe e Simon? E tio Giles? Não podemos deixá-los aqui.
- Depois lhes enviarei a carruagem.
Jane virou a cabeça para olhar o abarrotado salão e viu que Audrey
fazia um leve gesto de assentimento, aprovadora. O objetivo tinha sido
desarmar a certo descarado, mas de repente tinha suas dúvidas, dúvidas
que aumentaram vertiginosamente quando, em um corredor escuro, achou-
se apertada a um peito de aço, com a boca de Grayson a uns dedos da sua.
- Será que quer me deixar louco? - perguntou-lhe ele em voz baixa - Se
for assim, conseguiu.
Estreitada em seus musculosos braços lhe era muito fácil esquecer que
ele tinha decidido todo seu futuro sem lhe pedir o consentimento, e que
teria que fazer frente a esse tipo de conduta o resto de sua vida. Só sabia
que já lhe pertencia, que seu destino foi selado há pouco tempo por um só
olhar entre eles em uma lotada capela preparada para um casamento; no
dia em que supostamente ia entregar se a outro homem. E depois
Sedgecroft se apresentara em lugar desse outro, demonstrando ser o melhor
aliado e a pior ameaça que podia enfrentar uma mulher.
- O que aconteceu? - perguntou Chloe atrás deles.
- Jane se sente algo... - Olhou de cima abaixo sua arqueada figura -
pegou um resfriado.
- Ai, Deus - disse Chloe, com os olhos dançando de travessura,
aproximando-se deles - Então terá que levá-la a casa, Grayson. Audrey me
vigiará.
Se esse comentário pareceu estranho a ele, estava tão obcecado pelos
acontecimentos dessa noite que não fez nenhuma pergunta. Jane,
logicamente, entendeu o que Chloe quis dizer, e não lhe agradeceu o aviso:
que tinha que pôr por em prática a segunda parte de seu plano assim que
fosse possível.
Seguia ouvindo a voz de Audrey na cabeça: "Agarre-o despreparado,
querida. Nunca é mais vulnerável um homem que no toucador".
Mas era menos vulnerável uma mulher? Pensou Jane então, desejando
poder levar Audrey com ela para que lhe desse conselhos a cada momento.
Uma coisa é falar de seduzir a um marquês na segurança de um salão e
outra muito diferente realizar essa sedução estando cara a cara com o dito
marquês. Quando deveria despi-lo; quando deverá abrir caminho em meio
de sua fúria para excitá-lo.
Sim, Audrey era uma perita nesses assuntos, e tinha revelado a sua
aluna umas técnicas que teriam feito ruborizar-se a proprietária de um
bordel. Mas Grayson também era um perito. E ela não.
Olhou-o e sentiu mover-se o chão. Seria possível para alguém deixar
impotente um homem assim?
- Não se meta em problemas - disse Grayson secamente a sua irmã,
rodeando Jane com o braço e afastando-a firmemente - Eu já tenho bastante
trabalho com um problema para uma noite.
- Espere - gritou Chloe - Esqueceu-se do capote.
- Pois, corre a procurá-lo.
Quando ele se virou para continuar caminhando, Chloe se aproximou
de Jane e lhe sussurrou ao ouvido:
- Estarei toda a noite pensando nesses foguetes de Congreve. Seja
valente. E conte-me tudo pela manhã.
Se vivesse para contá-lo, pensou Jane, estremecendo pela espera da
sedução que iria realizar.
Capítulo 23

Durante o curto trajeto de volta à vila, Jane se livrou de fazer frente ao


pior do desgosto de Grayson graças à repentina decisão de seu tio de partir
do baile com eles. Nunca antes havia sentido essa glacial desaprovação na
atitude dele para ela. Nunca antes tinha posto a prova até esse extremo a
profundidade dos sentimentos dele. Só podia esperar que tio Giles servisse
de amortecedor entre ela e um muito furioso marquês.
- Na minha idade - explicou o ancião, depois de subir atrás deles na
carruagem e sentar-se - sou mais uma vergonha que um entretenimento
nestas festas. Minha vista já não é a que era. Aí estava eu jogando cartas
com um encantador jovem visconde, ao menos isso achava eu, até que um
empregado me levou amavelmente para um lado para me dizer que meu
competidor era uma viscondessa. Quem ia imaginar, com essa roupa que
usa? Galões e botões militares em uma casaca de húsar. Você sempre veste-
se como uma dama, Jane, não está de acordo, Sedgecroft?
Grayson afastou os olhos da janela para olhá-la.
- Ninguém discutiria isso - disse, com a voz carregada de sarcasmo.
Jane estremeceu dentro de seu protetor capote. Tinha ouvido alguma
vez esse fio de navalha em seu tom?
- Vai pegar um resfriado, querida minha - disse tio Giles, preocupado
- Vá para cama assim que chegarmos.
E há se não seria ela feliz de poder seguir seu conselho. Quando
entraram na casa, agradeceu o momento de pausa quando seu tio parou
Grayson no vestíbulo para falar das corridas do dia seguinte. Como o
cavalheiro que era, ficou a responder amavelmente as perguntas do ancião.
Mas não havia a mínima amabilidade em seus olhos de pálpebras
entreabertas enquanto a observava subir depressa a escada para escapar a
seu quarto.
Sua expressão advertiu a ela que não evitaria sua fúria muito tempo.
A voz de Audrey burlava de sua covarde retirada: "Agarre-o despreparado,
querida. Nunca é mais vulnerável um homem que no toucador".
- Não posso fazer isto – resmungou - Não posso, não posso, não
posso. Não vou demonstrar nada. Só vou fazer ridículo.
O que tinha feito essa noite? Lhe dar uma lição ou soltar uma besta?
Qualquer um suporia que o escândalo de seu casamento lhe teria ensinado
que não se levam a cabo os planos sem que haja conseqüências inesperadas.
Ainda não tinham transcorrido vinte minutos quando o ouviu entrar
no quarto contíguo. Já vestida com seu penhoar de seda rosa, sentou-se ante
a penteadeira, com o coração palpitante de ansiedade, e começou a escovar
o cabelo. Abriu a porta que comunicava os aposentos. Viu sua alta figura no
espelho. Segurou com mais força o cabo da escova de armação de prata. A
frieza dos olhos dele pareceu descer em vários graus a temperatura do
aposento.
- Não se trocou ainda. Não tirou o traje de noite - disse, por dizer algo,
e reteve o fôlego enquanto ele avançava. Ele se situou atrás dela, com os
ombros rígidos como os de um soldado.
- Falamos desse vestido?
- Não é... só é um vestido.
- Em outra mulher, talvez - disse ele, e sua voz se enroscou ao redor
dela como um suave golpe de advertência de um chicote. - Em você é um
escândalo.
- Tinha a impressão de que me queria com roupa... como foi que disse
à modista? "Com o mínimo de complicações".
Ele apertou as comissuras da boca.
- Isso não significa que deseje exibir seus encantos ante o mundo.
- Não podemos manter em segredo nossa relação, Grayson.
- Talvez não, mas eu sou um homem reservado, muito e não tenho a
mínima intenção de exibi-la nem compartilhá-la com ninguém.
Ela desceu a escova a todo seu cabelo. Captou seu olhar no espelho e
o que viu em seus olhos a fez engolir em seco. Como pôde atrever-se a
desafiar um professor em seu próprio jogo?
- O que esperava ganhar? - perguntou-lhe ele, lhe tirando a escova e
começando a passá-la por seu cabelo, lentamente e com a mão firme - O
que…?
Ela se levantou e abriu o vestido, que deslizou até seus pés em um
sibilante frufru, deixando-a totalmente nua, só com o brinco de brilhante.
- O vestido ofendeu-o. Tirei-o. Estou melhor assim?
Grayson ficou em silêncio, sem saber se podia dar crédito a seus
olhos. Sua Jane tenebrosa fazia outra espetacular aparição.
Deixou a escova na penteadeira, e desceu lentamente os olhos por seu
corpo, deslizando o olhar por seus mamilos encolhidos, rugosos, seu
arredondado ventre, e o triângulo de pêlos abaixo. O coração lhe retumbava
no peito. Assim novamente estava a um passo em frente a ele, não é? Bom,
ele era bom perdedor, e gostava de apostar no jogo. Se a dama o desejava,
fossem quais forem seus motivos, quem era ele para negar-se? E a verdade,
não podia negar-se.
- O assunto de seu comportamento desta noite não está encerrado -
disse, começando a soltar a gravata, com os olhos escurecidos pelo desejo -
Mas a conversa pode esperar.
Rodeou-lhe o pescoço com as duas mãos.
- Despi-lo é minha tarefa, como amante. Deixe-me.
- Como quiser, mas... céu santo, Jane, mais lento. Vai rasgar a camisa.
Ela franziu os lábios.
- Como posso evitar se estou ansiosa por adorar a meu maravilhoso
protetor?
Ele olhou o chão, bastante assombrado.
- Isso foi um botão. Arrancou um botão de minha camisa.
- Importa-se?
- Eu não, mas o meu alfaiate poderia se importar.
Pegou-lhe o rosto entre as mãos e o beijou como se nisso tivesse sua
vida, introduzindo-lhe a língua na boca e movendo-a contra a sua, até que
lhe rodeou a cintura com os braços e a estreitou fortemente. Grayson
aproveitou o momento para tomar a iniciativa, e retrocedeu com ela até a
cama. Caiu-lhe em cima, com seu corpo nu firmemente preso entre as coxas
dele.
Ficou quieto estendido de costas, ainda um pouco desconcertado, mas
receptivo ao que fazia, equilibrando-se firmada nos joelhos para despi-lo.
- Não é que ponha objeções, mas sinto curiosidade – murmurou - A
que vem isto?
Ela jogou a camisa no chão por cima do ombro e passou a lhe
desabotoar a braguilha.
- Sedução.
- O que fez hoje com Chloe?
- Não coloque sua irmã no toucador, Grayson.
- Disse toucador?
- Essa é uma palavra mais apropriada que dormitório para uma
amante, não lhe parece? Importa-lhe se de ato à cama?
Com sua sensual boca curvada em um sorriso, e seu musculoso corpo
nu até os quadris, ele parecia o pecado encarnado.
- O que a inspirou a isto? - perguntou.
- Uma coisa que vi em um livro.
- Ah, um livro. - Subiu as mãos por sua caixa torácica até seus seios e
cravou as palmas sobre eles - Não um livro dos que deixam na biblioteca,
suponho?
- Não - respondeu ela, sorrindo sedutoramente e estendendo a mão
por cima dele para a mesinha de noite.
- Então...
Interrompeu-se ao vê-la segurar suas meias entre os dentes.
Estreitando os olhos, observou-a em silêncio enquanto pegava suas mãos, e
lhe atava destramente os pulsos aos postes da cama.
- Interessante mudança de sorte – murmurou - Vai me atar em um
bonito pacote, né?
- Esses não são simples laços, Grayson. São os Nós Belshire da
Aniquilação. Minhas irmãs e eu os aperfeiçoamos em Simon durante nossa
infância. Funcionam especialmente bem em um homem que se orgulha de
submeter a outros.
Ele esticou e relaxou os ombros e os bíceps para provar as ataduras.
- Muito bonito. Continue, por favor.
Jane se surpreendeu e descobrir que gostava dessa sensação de ter
poder sobre ele. Sentia vibrar todos os pontos de seu corpo ao recordar as
instruções de Audrey. Esboçando um sorriso perverso, desceu-lhe
lentamente as calças até tirá-las e logo subiu as mãos, deslizando-as
suavemente pelo interior de suas coxas até chegar ao denso triângulo de
pelo no qual aninhava seu grosso membro masculino.
- Agora não mova nem um só músculo.
- Nem o sonharia - murmurou ele.
Levantaram-se sozinhos os quadris quando ela fechou a mão ao redor
da base de seu inchado pênis.
- Querido, fique quieto - murmurou ela, perversamente.
No meio da corrente de sensações que o assaltavam, ele caiu percebeu
que na agressiva sensualidade dela havia algo mais do que viam os olhos.
Sempre o surpreendia com algo, desafiando-o a planejar várias jogadas
adiantado, mas para isso... bom, fosse o que fosse o que pretendia ela, não
havia nenhuma estratégia, além de submeter-se.
Não lhe importava um nada o que ela tivesse planejado, enquanto não
parasse.
- Não trate de se soltar - disse ela, lhe acariciando o vibrante pênis
com as pontas dos dedos, com ligeiros toques, como de pena - Esses nós
estão muito firmes. Não quero lhe fazer mal.
Como o cavalheiro que era, não se incomodou em lhe dizer que com
um mínimo esforço poderia ter libertado as mãos e já a teria jogado de
costas na cama; nesse caso, a mudança de papéis era decididamente jogo
limpo. E esteve a ponto de explodir quando ela desceu a cabeça e, lhe
roçando as virilhas com seu sedoso cabelo, passou-lhe a rosada e molhada
língua da base do pênis até a ponta; lhe esticou todo o corpo com a doce
tortura de conter a excitação sexual.
- Como o sente? - perguntou-lhe ela em um sussurro.
- Não é...
Então ela fechou a boca capturando seu inchado membro e ele
arqueou o corpo e lhe escapou um gemido.
- Ponha-se em cima - murmurou, arqueando as costas.
- Mais é que não terminei...
Ele soltou os pulsos das ataduras, endireitou-se bruscamente e,
agarrando-a por debaixo das axilas, montou-a em cima dele.
- Me mostre que mais aprendeu hoje na casa de Audrey.
Olhou para seu rosto, aflita.
- Como sabe?
- Acha que vou permitir que volte a me enganar, Jane?
- Talvez devesse partir.
- Não brinque. Por fim está justo onde a desejei.
Passado um horroroso momento, Jane conseguiu mover-se, presa
entre as enormes mãos de seu torturador sobre seus quadris. Por desgraça,
comprovar que seu amado era um patife mais preparado do que tinha
suposto não diminuiu em nada sua impotente atração por ele.
Pelo contrário. Seu corpo já estava absolutamente sensível a suas
carícias. Quando ele a desceu suavemente para lhe sugar os seios, debilitou-
se mais ainda e sentiu acumular o líquido de excitação entre as pernas.
- Eu sou melhor que qualquer livro de consulta, Jane - sussurrou ele,
rodando com ela e deixando-a de costas - Algumas coisas terá que
experimentar de primeira mão.
Ela não podia discutir isso. Muito menos quando lhe levantou as
pernas, passou-as por cima de seus fortes ombros e afundou o rosto em sua
ventre. E muito menos quando em poucos segundos chegou ao orgasmo,
inundada de vergonha e prazer, com o coração acelerado.
- Que mais aprendeu hoje? - perguntou ele, perfurando-a com seus
olhos ardentes, desafiando-a.
- Deixe que lhe demonstre - disse ela docemente, liberando o corpo.
- Sou todo seu.
Ela montou escarranchada em cima dele, posicionou-se e começou a
descer introduzindo nela seu membro ereto. Por um instante, de verdade
acreditou que seria capaz de controlá-lo. Emitindo um rouco grunhido, ele
se endireitou e lhe acariciou os seios com as mãos e com a boca. Arqueando
as costas, com o cabelo lhe roçando até o ventre, ela começou a mover-se, a
experimentar lhe dar prazer. Ele a deixou fazer isso por um momento e
logo lhe pegou os quadris e se arqueou, penetrando-a até o fundo, mais ao
fundo do que ela teria sonhado possível.
Acreditou que ia se dissolver aí mesmo.
- Grayson, Oh, ooohh.
Ele voltou a arquear-se.
- Está fazendo muito bem. Não pare agora.
- Vou a...
- Mais, Jane.
- É... não...
- Mais.
Ela gemeu e começou a mover-se ao ritmo imposto por ele, subindo e
descendo, cavalgando-o, notando a dilatação e tensão de seus músculos
internos para contê-lo, até que chegou o momento em que não pôde
continuar movendo-se. Ele a firmou pelos quadris enquanto seu corpo se
descontrolava nas contrações e estremecimentos de outro intenso e potente
orgasmo.
- Grayson, tenha piedade.
Mais ele continuou movendo-se ao mesmo ritmo, lhe apertando os
seios e as nádegas, investindo e amassando-a até o instante mesmo em que
lhe chegou o orgasmo, com o que todo seu musculoso corpo estremeceu de
prazer.
- Nunca tive uma relação sexual assim - reconheceu com a voz rouca
quando por fim pôde falar.
Jane não conseguiu achar palavras para dizer, e pensou que devia
lembrar-se de enviar uma nota de agradecimento à Audrey pela manhã.
Embora claro, isso não era fosse o tipo de coisa que se pudesse expressar
facilmente com palavras.
Fechou os olhos e se desmoronou a seu lado, inundando-se no
prazeroso negrume que a chamava.
Até que a voz sardônica lhe penetrou a névoa e compreendeu que
tinha chegado a hora de prestar contas.
- Venha, Jane, não acha que chegou o momento de fazer nossas
confissões?
Suspirando, ela abriu os olhos e olhou seu anguloso rosto iluminado
pelas velas. Os dois estavam finalmente sem suas máscaras, revelado já o
último de seus segredos.
Exalou outro suspiro de rendição.
- Parece-me que já era hora.

Capítulo 24

Jane estava sentada na banqueta da penteadeira, novamente envolta


em seu penhoar, e em uma mão segurava a taça de borgonha que lhe tinha
servido ele. Seu acusador passeava diante dela, somente vestido com a calça
negra de seu traje de noite.
Ele jogou para trás a mecha de cabelo revolto que lhe tinha caído
sobre o rosto. Tinha a cara séria, mas não expressava a raiva que ela tinha
esperado.
- Não amava Nigel - disse lentamente, como se estivesse tentando
armar um quebra-cabeças - Ele não a amava, o que é ainda mais difícil de
entender. Mas muitíssimos outros casais se vêem obrigados por suas
famílias a submeter-se a um matrimônio arrumado. Os dois poderiam ter
tido suas aventuras depois do casamento.
Ela o olhou reprovadora.
- Esse é seu estilo, talvez, mais Nigel amava Esther, e ela estava
grávida dele. Eu supunha que você não entenderia o sacrifício, nem como
se sente uma mulher obrigada a compartilhar sua vida com um homem a
quem não ama.
Ele parou para olhá-la.
- É verdade que não entendo como se sente uma mulher. Mas entendo
sua relutância a se comprometer em um matrimônio sem paixão.
- Ui, Grayson - suspirou ela - De verdade não me faz sentir melhor
que tenha decidido ser tão tolerante.
Ele a olhou em silêncio, com o aspecto de sentir-se vulnerável e
magoado.
- O que de verdade me custa entender - disse ao fim, apoiando as
mãos na penteadeira, deixando-a entre seus braços - é por que me enganou.
- Não sei muito bem como ocorreu - se apressou a explicar ela - A
situação entre você e eu foi evoluindo, e antes que eu percebesse, as coisas
se fizeram muito difíceis de explicar. Não é que o enganasse
intencionalmente. Uma coisa levou a outra e, então, de repente, descobri
que tinha me apaixonado por você.
Ele a estava olhando com os olhos abertos, já oculta sua
vulnerabilidade.
- Além disso - continuou ela - você vivia me fazendo parecer um
modelo de virtudes, valorizando minhas boas qualidades, até que eu morri
de vergonha por dentro.
- Não foi um modelo de virtudes a que atou a essa cama, Jane.
Ela assentiu tristemente.
- Não, foi uma mulher muito perversa.
- Disse-lhe que admiro sua perversidade. E o que esperava
demonstrar me seduzindo, por certo?
- Descobri sobre o contrato de matrimônio, que esta tolice de amante
era só uma farsa para me disciplinar.
- Ah - disse ele, reprimindo o sorriso.
- "Ah". Isso é o único que lhe ocorre dizer?
O rosto dele voltou à sua habitual arrogância.
- Casaremo-nos, Jane. Que mais tenho que dizer?
- Nego-me a que me imponham outro casamento pela força.
- O que deseja? - perguntou ele, curioso, sem duvidar nem por um
instante que o assunto já estava decidido e prevaleceria sua vontade.
Não tinha chegado a esses extremos em rebater sua estratégia para
admitir uma derrota.
Ela fez uma longa inspiração.
- Desejo ser cortejada.
Cortejada. Isso havia dito? Céu santo, de que maneira mais
enigmática funcionava o cérebro de uma mulher. Em especial dessa mulher.
Cortejada.
- E que diabos acha que estive fazendo estas duas últimas semanas?
- Grayson, se não vê a diferença entre cortejar e seduzir, não sei o que
dizer.
Ele levantou as mãos, rindo sem poder evitar.
- Nunca em minha vida me esforcei tanto em conquistar uma mulher.
Ela agitou a cabeça.
- Fala como se me cortejar fosse... fosse uma experiência penosa.
- Bom, houve ocasiões.
- Ninguém me vai permitir jamais decidir com quem e quando me
casar?
O sorriso dele gotejava segurança em si mesmo.
- Vai se casar comigo, Jane, isso já está decidido. Se mal não recorda,
você já me propôs matrimônio. Pode seguir adiante e comprar um anel se
quiser.
- É a maneira como procedeu em tudo isto é o que me magoa. Você e
meu pai manipulando minha vida à luz de velas, a porta fechada.
- Como soube? - Ah, claro. Só havia uma pessoa capaz de descobrir
isso. Tomou nota mental de prender Chloe na Torre de Londres -
Manipulando sua vida.
Expresso assim soa desagradável. E não é que sua conduta não tenha
tomado seus desvios sinuosos.
- Sei. Já pedi perdão...
Tirou-lhe a taça da mão, sorrindo com um leve ar sardônico.
- Não há nenhuma necessidade de pedir perdão. Sua natureza sinuosa
é uma das coisas que, estranhamente, acho atraente em você.
Ela se levantou, deu-lhe as costas e o olhou pelo espelho.
- Então entende meu desejo de ser cortejada.
- Cortejei-a - disse ele, fazendo um despreocupado encolhimento de
ombros.
-Não - respondeu ela, apoiando as mãos na penteadeira - Me
conquistou como a uma cidadela. Eu desejo o romântico, Grayson, flores,
cartas de amor, íntimas cavalgadas pelo parque.
- Fomos cavalgar no parque, e comprei-lhe uma carreta inteira de
flores - disse ele, divertido, lhe afastando uma mecha do ombro - Quer toda
uma pradaria?
- Ninguém me cortejou nunca - disse ela em voz baixa.
Ele contemplou sua imagem iluminada pelas velas no espelho,
absorvendo todos os detalhes de seu rosto.
- Deixa de autocompadecer-se. Não lhe faltou atenção masculina.
Pode ser que Nigel seja um bobo, mas a levava a festas e eventos sociais.
Ela sorveu pelo nariz, em um gesto de muito atípica autocompaxão.
- A única coisa de que falava Nigel nessas saídas era de Esther. Isto
Esther, Aquilo Esther. Os belos seios e a voz trêmula de Esther.
Ele riu.
- Esther tem a voz de um general prussiano.
- Isso pensava eu também, mas está claro que Nigel era sensível a essa
voz. -Guardou silêncio um momento e continuou em tom triste - A única
coisa que desejava sempre no fundo de meu coração era que alguém me
amasse assim.
- Bom, me dê essa oportunidade - disse ele, em seu tom sedutor -
Acredito que o posso fazer tão bem como Nigel, não?
- Mas tudo isto começou como uma farsa - disse ela, desejosa de que
lhe dissolvesse os temores - Como sei que não vou me converter em outra
Helene?
- Não há comparação entre você e ela.
- Sempre deu a entender que não se casaria nunca.
- E então a conheci - disse ele, como se isso explicasse tudo.
Oprimiu-se a garganta dela ao ver a emoção em seus olhos.
- Achei que tudo estava perdido, até que você me salvou.
- Correu um risco que muito poucas mulheres se atreveriam a correr.
- E você, malvado, me fazendo acreditar que só me queria como sua
amante.
- E cortejá-la me desculpará da cruel brincadeira que lhe aprontei?
Grayson se aferrava à esperança de achar uma maneira simples de lhe
aliviar a ansiedade. Deus o liberasse de que Jane decidisse pô-lo a prova
com métodos mais sinuosos.
Antes que ela pudesse responder soou um suave golpe na porta.
- Ouça, Jane - sussurrou tio Giles - como está o resfriado?
- Que resfriado? - perguntou ela, distraída, porque ele deixou a taça
na penteadeira e a atraiu para seu quente e sedutor corpo.
- O resfriado que contraiu no baile, querida, quando se apresentou
meio nua para me dar uma lição - disse Grayson em voz baixa, deslizando
suavemente as mãos por seus ombros.
Então lhe roçou a nuca com os lábios, e ela estremeceu
involuntariamente.
- Parece que está pior, tio Giles. Baixou-me ao pescoço, a uma
velocidade alarmante.
- Pegou-a bem - disse tio Giles, compassivo, através da porta - Não
convém que se instale no peito.
- Não, claro que não - respondeu Jane, ruborizando-se pois Grayson
lhe colocou as mãos sob o penhoar para lhe pegar os seios.
- O melhor remédio é uma boa noite na cama - disse tio Giles.
- Não poderia estar mais de acordo - sussurrou Grayson, lhe esticando
um rosado e sensível mamilo com as pontas dos dedos.
- Com certeza estarei melhor pela manhã - disse Jane, e sussurrou em
um fôlego - Pare. Pode ser que seja velho mais não é um incompetente.
- Não ouvi esse último, Jane - disse tio Giles - Me pediu uma
compressa quente? Excelente ideia. Trarei-lhe uma e um copo de leite
quente imediatamente.
Quando se apagaram seus fortes passos, Jane se desprendeu dos
braços de Grayson.
- Vai me cortejar? - perguntou-lhe, colocando o coração em suas mãos,
e não em forma de súplica, porém mais como uma afirmação de uma
condição.
- Jane, tomaria a todos os exércitos de Napoleão só para tê-la. - Uma
vez confessado isso, sentiu-se impulsionado a acrescentar, puxando o cinto
do penhoar para abri-lo - Embora ache muito estranho, isso de cortejar à
própria esposa.
- Ah - exclamou ela, exasperada, segurando os extremos do cinto - o
objetivo é que me corteje para que me converta em sua esposa. Grayson,
esse comentário é outro exemplo de sua incrível arrogância. Vá embora.
Ele exalou um suspiro de prazer ante o contato do corpo dela com o
seu.
- Permite-me te recordar que esta é minha casa?
- Poderia me visitar outro dia, quando eu não me sentir indisposta.
- Posso visitá-la quando me der a maldita vontade. - Atraiu-a mais
para si com outro puxão do cinto, para lhe demonstrar quem estava no
comando; ao menos no momento-. Caramba, Jane, fizemos tudo ao
contrário. Conhecemo-nos no altar, ficamos amigos, tivemos relações
íntimas, e agora no final, um cortejo.
- Suponho que bem está o que bem acaba.
- Devo dar-lhe o que deseja seu coração - disse ele docemente -. Se
isso for o que faz falta para te demonstrar meu amor, farei-o.
- De verdade, Grayson? - perguntou ela, colocando as mãos em seu
peito nu.
- Por você e por nossas famílias. Faremos decentemente desta vez.
Ela mordeu o lábio, e o olhou rindo.
-Decentemente? Você e eu?
- Bom, todo o decentemente que consiga chegar este par formado por
você e eu.

***

Grayson entrou na biblioteca iluminada por velas e olhou pensativo a


seu irmão Heath, que estava no outro extremo sentado em uma poltrona
com os braços cruzados na nuca.
- Venha, ria à vontade. Rejeitou-me.
- Quem acreditaria? - disse Heath, divertido - Uma mulher rejeita a
meu irresistível irmão.
- Isto é assunto sério, Heath. Nega-se a casar-se comigo enquanto eu
não cumpra certas condições.
- Bom, ninguém o obriga a fazer nada, assim aí se acaba tudo.
Brilharam os olhos de Grayson de diversão.
- Impossível. É provável que minha retorcida dama já leve em seu
ventre o herdeiro da família. Acredita que existe a mínima possibilidade de
que não nos casemos?
Heath deixou a um lado o livro que estava lendo, bastante divertido
pela situação. Não tinha imaginado que Jane lhe caísse tão bem como caía.
Secretamente a admirava por resistir a seu irmão.
- Isso propõe um problema interessante. O que vai fazer? Raptá-la?
- Não acredite que não me passou essa ideia pela cabeça - disse
Grayson, sombriamente.
- Escócia é bastante agradável nesta época do ano. Seus pais armariam
uma confusão se fugisse com ela?
Grayson emitiu um grunhido.
- Belshire está tão furioso com ela que igualmente a jogaria pela janela
dentro da carruagem que a estivesse esperando. Mais minha Jane deseja
decidir ela mesma, e eu não gostaria de uma esposa que não me dirigisse a
palavra durante nossa lua de mel.
- Eu tampouco.
- Você? - Grayson olhou atentamente a seu irmão, cujos atos e
emoções pareciam envolvidos em sombras desde há anos; Heath sempre
era muito misterioso em todos seus assuntos - Você não gosta de ninguém
para esposa, não é verdade?
- Tenho outras obrigações que atender.
- Isso quer dizer que não acabou seu trabalho para o serviço de
inteligência.
- Não sei. Ainda não se comunicaram oficialmente comigo.
- Há algum perigo ainda?
- Alguns o consideram evidente - respondeu Heath, cauteloso,
escolhendo com supremo cuidado suas palavras. - No exílio, Napoleão só
pode esperar que haja discórdia entre as potências mundiais. Na Europa há
desassossego. Os parados estão chegando em massa a nossas fronteiras.
- E os erários estão esgotados.
- Mas por que falamos de política quando tem problemas com uma
mulher, Grayson? - disse Heath; essa era sua maneira de dizer que não
desejava falar mais desse assunto. - Francamente, entre a guerra e o cortejo
a uma mulher, não sei o que é mais fácil ganhar.
Grayson sorriu de orelha a orelha. Na verdade, ele esperava com
ilusão esse futuro incerto com Jane.
- Pode ser que tenha razão, embora haja mais prazer em minha
batalha. Isso lhe garanto.
- Então só posso lhe desejar...
Heath estava em pé com uma pistola tirada da gaveta da escrivaninha
antes que Grayson conseguisse chegar ao aparador. Havia um alvoroço no
vestíbulo, ouviam-se ruídos de passos, gritos de uma mulher e relinchos de
cavalos na rua.
- Quem diabo poderia ser a esta hora? -disse Grayson, seguindo
Heath até a porta.
Já tinham apagado as velas dos candelabros do vestíbulo, pelo que a
princípio custou aos dois reconhecer às pessoas que tinham chegado a essa
hora inverossímil: uma delas era um jovem de aspecto medíocre todo
coberto por um casaco marrom, e a outra uma mulher envolta em uma capa
forrada em pele cujo volumoso ventre delatava uma adiantada gravidez.
- Aí está esse canalha, Nigel, espreitando na escuridão como
costumam espreitar os canalhas - declarou ela, com voz enérgica, tirando as
luvas e jogando-as ao atônito mordomo, que, como bem educado que era,
mordeu a língua.
- Ah, caramba, essa é a voz de meus pesadelos - disse Grayson a
Heath.
- E dos meus - respondeu Heath, divertido e consternado ao mesmo
tempo por essa nova situação - Ocorre-lhe o que poderia querer?
- Bom... - Grayson se interrompeu ao olhar para o patamar da escada,
onde estava Jane em camisola de linho. - Bom, aí poderíamos ter nossa
resposta.
Esther Chasteberry, já lady Boscastle, a cujos perspicazes olhos jamais
tinha escapado nenhuma só aberração social em toda sua carreira como
preceptora, emitiu uma exclamação de espanto:
- Está em camisola de dormir, Nigel! O homem nem sequer é sutil. O
mundo se foi ao inferno, digo-lhe. Está absolutamente desonrada!
Nigel estava olhando para Jane boquiaberto de assombro. Em todos
os anos de amizade, jamais tinha imaginado que veria chegar a isso a sua
bondosa e generosa Jane. Pior ainda, sabia que ele era o responsável. Se
tivesse se casado com ela, talvez os dois teriam sido desgraçados, mas pelo
menos ela seria respeitável. Com certeza não se teria convertido na amante
de um libertino que recebia às pessoas na escada em camisola de dormir.
- Ai, Jane - disse em voz baixa, balançando a cabeça desesperado -
Como pôde? E com meu primo.
- Não é sua culpa - exclamou Esther, indignada, avançando pelo
vestíbulo como uma barco real pelo Tâmisa - Aproveitou-se dela esse -
apontou um dedo acusador a Grayson - menino mau.
Heath começou a rir.
- Acredito que houve um mal-entendido - disse Grayson, já
recuperado da surpresa.
- Não se deixe intimidar por ele, Nigel - disse ela - Faça algo.
Nigel engoliu em seco, tentando armar-se de coragem para agir. Na
realidade, quem o intimidava era sua amada mulher, mas Grayson sempre
o tinha assustado um pouco também, com seu temperamento Boscastle
respaldado por destreza física. Tinha-o visto deixar fora de combate a um
competidor com o primeiro murro.
Nisso estava, preparando-se, quando Esther se virou para ele e lhe
pegou o braço.
- Faça algo você ou o faço eu? - perguntou-lhe.
Brilharam de humor os olhos de Heath.
- Cuidado, Gray, que pode ter trazido sua vara.
Nigel deu um passo adiante. Era pelo menos uma cabeça mais baixo
que seus primos, de abundante cabelo castanho ondulado e exibiria o
começo de uma dupla papada sob um rosto simpático embora não bonito.
Nesse momento tinha mais o aspecto do humilde baronete que era que o de
um valente defensor de damas vítimas de pilhagem.
Embora claro, caramba, Jane não era só uma mulher desonrada; era
também sua melhor amiga, um espírito valente que tinha sacrificado
muitíssimo por ele. A raiva abriu caminho em meio de sua covarde
vacilação. Quando conseguiu falar, a voz lhe saiu tão zangada e varonil que
quase assustou a ele mesmo.
- Deveria ter vergonha, Sedgecroft – disse - O que significa isto? Me
responda imediatamente.
Estava custando a Grayson muitíssimo manter o rosto sério. Somente
um resíduo de medo a preceptora da família lhe permitiu responder sem
rir:
- Eu deveria fazer a você essa pergunta, Nigel, não lhe parece?
- Bom, isto...
- Foi um egoísmo incrível de sua parte deixar a sua noiva abandonada
aos lobos, querido primo - continuou Grayson, fazendo um leve cenho a
Jane, que desapareceu da escada, presumivelmente para vestir um traje
mais apresentável - Foi um bom escândalo o que deixou para eu limpar
pela família. E não é que me tenha incomodado fazê-lo. E não é que o
escândalo não tenha sido muito, muito divertido. Mas bom, foi um
escândalo de todo modo.
Nigel baixou a cabeça, derrotado pela lógica de seu primo.
- Bom...
- Não teria sido tão escandaloso se você não tivesse se intrometido -
disse Esther, quando se fez evidente que a bravata de Nigel se desinflou. -
Embora não me surpreende. Seu ramo da família Boscastle sempre tomava
a iniciativa.
- Vamos, obrigado, Esther - disse Heath, sorrindo de orelha a orelha a
seu irmão mais velho. - Acredito que esta é a primeira vez que nos elogia.
- Talvez não o fizesse - disse ela, com a voz afogada-, se agora não
fôssemos da mesma família. Não tolerarei que ninguém de fora critique a
meus.
- O que veio fazer aqui, por certo? - perguntou Grayson, cruzando os
braços, resignado.
Esther ergueu o queixo, absolutamente acovardada por um homem
cujo traseiro tinha golpeado.
- Viemos salvar o que resta da reputação de Jane.
- Então abaixe a voz - disse Grayson, calmamente. - Seu irmão e seu
tio estão dormindo lá em cima.
Nigel olhou para um lado. Jane, com um vestido de musselina e com
aspecto muito decente para uma mulher caída, acabava de descer a escada
para meter-se na refrega. Sentiu-se culpado por sua feliz vida conjugal, tão
em contraste com a triste desonra dela, embora... bom Deus, o que foi esse
olhar que trocaram ela e Sedgecroft?
Eletrizante. Fogo branco, como o arco de um raio uma noite de verão.
Até o ar chispou com essa fogosa corrente, e aí estava ele no meio, um
simples espectador impotente. De repente pensou se existiria uma maneira
de persuadir a um homem como Sedgecroft de fazer o honrado.
Grayson limpou a garganta, mais alto, mais corpulento, mais forte do
que Nigel recordava.
- Por que não nos retiramos ao salão, senhores, para conversar sobre
isto?
Nigel endireitou seus estreitos ombros. Uma conversa podia dirigir.
- Fique aqui, Esther - disse em tom autoritário, e acrescentou
docemente ao virar-se para seguir a Grayson - Por favor.

Capítulo 25

- Jamais teria aceito nada disto se soubesse o enredo que ia se armar -


confiou Esther a Jane quando foram abandonadas no vestíbulo.
- Eu tampouco - disse Jane. O que, se pensava nisso, era uma absoluta
mentira; tinha desfrutado de cada minuto com seu Boscastle, tanto como
Esther tinha desfrutado com o seu - Ninguém poderia ter previsto nada
disto - acrescentou; essa parte pelo menos era certa.
- Espero que Nigel saiba defender-se sozinho - disse Esther, séria de
preocupação.
Jane apenas pôde responder com um gesto de assentimento nada
convencida. Que possibilidades tinha Nigel contra Grayson e Heath?
- Os falatórios sobre vocês correm por toda a cidade - disse Esther,
movendo a cabeça de um lado a outro, deixando ver a preceptora que havia
nela - Pelo menos Nigel e eu fomos discretos.
- Porque eu os encobri - indicou Jane.
- Sim, sim, certamente. E não ache que não estamos agradecidos.
Claro que o pai de Nigel o vai deixar sem um céntimo agora que nosso
matrimônio é de conhecimento público. Mas é você nossa preocupação
imediata. Quando corremos a Londres para resgatá-la, sua desonra já era a
fofoca em todas as partes. O que pôde tomar conta de você para fazer isto,
querida minha?
- O mesmo que se apoderou de você e de Nigel, imagino.
- Nigel e eu nos horrorizamos até a medula dos ossos quando
soubemos que seus pais lavaram as mãos, desentendendo-se de você, e
partiram ao campo.
- Bom...
- Não tema. Nós não a abandonaremos em sua hora de vergonha e
notoriedade como fez sua família - a consolou Esther.
- São muito amáveis - respondeu Jane, nada disposta a que a
pusessem sob custódia - mais estou levando bem e tenho comigo tio Giles.
- Não está levando bem absolutamente - insistiu Esther - Engana-a sua
paixão por Sedgecroft.
- Como sabe?
- Porque eu combati tentações similares no curso de minha carreira
como preceptora. - Os olhos castanhos claros de Esther se desfocaram,
contemplando suas lembranças - Uma vez houve um duque que... ah, não
tem importância. O problema é o que fazer com você.
- Sou muito capaz de levar meus assuntos.
- O fato de que esteja nesta casa contradiz isso - suspirou Esther -
Talvez nos ocorra alguma solução durante o trajeto a Londres.
- A Londres?
- Sim, Jane. Nigel e eu devemos enfrentar seus pais juntos e a pôr sob
nosso amparo. A não ser, claro, que Nigel consiga persuadir a Sedgecroft de
que faça o correto com você.
Jane sorriu.
- Grayson já me pediu a mão.
- Ah, bom. De todo modo deve viver conosco até que se acabem os
falatórios.
- Por uma vez, Esther, só por uma vez, quero ter voz e voto em minha
vida. Simplesmente uma ou outra palavrinha aqui e ali. Uma oportunidade
de dar minha opinião.
Esther a olhou francamente.
- Não deveria ter se apaixonado por um Boscastle.
- Não tive muita opção nisso - respondeu Jane, recordando seu
primeiro encontro com Grayson e como a partir de então se produziram
muitas interessantes mudanças em sua vida - Na realidade, ainda não
entendo muito bem como lhe entreguei o coração.
- Nenhuma mulher entende nunca, Jane. Nem sequer eu, com toda
minha sabedoria e experiência em dirigir crianças rebeldes, pude resistir a
meu doce Nigel, e cada dia agradeço ao céu que seus primos não
conseguissem corrompê-lo.
***
Nigel já bebera duas taças de Porto quando por fim reuniu a coragem
para ir ao ponto. A ideia de que o mais provável era que Esther estivesse
escutando a conversa na porta o encorajou; embora também o aterrasse.
Preferia enfrentar Grayson em um duelo com os olhos enfaixados antes que
enfrentar a ira de sua mulher grávida.
- Tal como eu o vejo, só há uma solução - declarou, abanando-se
dissimuladamente com a mão para desviar a nuvem de fumaça de charuto
que Heath tinha soprado em sua direção.
- Solução a que? - perguntou Grayson, que estava comodamente
reclinado no sofá com os olhos entrecerrados.
- A esta... a esta desastrosa situação como amante em que caiu Jane.
Já está, havia dito, e sem acusar Grayson de ser o canalha que a tinha
empurrado nessa queda.
- Minha opinião é que deveria casar-se com ela - disse Heath.
- Sim? -perguntou Grayson, endireitando as costas.
- Isso ataria alguns fios soltos - disse Nigel, dissimulando seu alívio.
- Então, acha que isso seria uma solução aceitável? -perguntou
Grayson, como se só nesse momento lhe passasse a ideia pela cabeça -
Poderia contar com você para que convença Jane de aceitar a proposta? Já
que é seu melhor amigo, etc..
- Ah, pois sim - respondeu Nigel, tão adulado por participar de uma
conspiração com seus primos que perdeu de vista seu primeiro objetivo -
Farei tudo o que estiver em meu poder para persuadi-la, desde que...
- Desde o que? - perguntou Heath, olhando-o com os olhos
entrecerrados.
- Antes terei que pedir conselho à Esther, logicamente. É um simples
ato de cortesia, dado seu estado.
- Continua brandindo aquela vara? - perguntou Grayson, virando a
cabeça.
Nigel se ruborizou; ainda lhe doía recordar as muitas vezes que o
excluíram do buliçoso clã Boscastle.
- Não sei como reagir a essa pergunta - disse, sobressaltado.
- Acredito que ainda a tem - disse Grayson.
- Acredito que tem razão - disse Heath, esboçando seu sorriso
diabólico.

Capítulo 26
Assim que a isso tinha ido parar tudo, estava pensando Grayson, na
janela de seu dormitório, observando aos criados carregar sua bagagem em
uma carruagem.
Voltaria para Londres com a mulher que amava. Os dois
retrocederiam em seu escandaloso romance e voltariam a percorrer o
caminho de uma maneira socialmente aceitável.
E tudo para terminar onde tinham começado: em um altar para a
cerimônia de casamento. E desta vez não escaparia do casamento nenhum
dos dois. Casariam-se embora tivessem que realizar a cerimônia
acorrentados. Ele não tinha a menor intenção de permitir que Jane o
derrotasse outra vez.
Virou-se para contemplar o aposento em que tiveram relações tão
íntimas que lhe ardeu a pele ao recordá-las. Só Deus sabia a quantos
estúpidos bailes e lanches campestres teria que ir com Jane para por fim
poder desfrutar dela em sua cama novamente. Sentia-se mais ou menos
como o diabo virando em círculos para agarrar a cauda, mas não tinha
nenhuma dúvida de que lhe daria caça.
Duraria esse equilíbrio que tinham encontrado ou flutuaria ao longo
de sua vida conjugal? Já se conheciam e compreendiam mutuamente. Tinha
a sensação de que tinham chegado a seu fim os enganos entre eles. De
qualquer modo, tinha a certeza de que não existia outra mulher no mundo
capaz de desequilibrá-lo como Jane. Estava certa de que apresentaria
desafio após desafio nos anos vindouros.
E não queria de nenhuma outra maneira.

***

Quando o carro empreendeu a marcha, Jane contemplou a elegante


vila junto ao mar pela janela; sentiu uma pontada de pesar por deixar a casa
onde ela e Grayson tinham posto fim à representação de sua farsa. De todo
modo, gratificava-a saber que ele nunca tinha levado aí nenhuma outra
mulher. Se o tivesse feito, ela poderia ter se visto obrigada a insistir em que
a vendesse. Não sendo assim, poderiam voltar ali ao longo dos anos para
passar nostálgicas férias.
Suspirando, acomodou-se no assento macio e apoiou as costas. Já
sentia falta dele, mesmo que ele viesse atrás em seu carro. Desejava viajar
com ele, tê-lo a seu lado, em lugar de ir com Nigel e Esther, que a
sufocavam com seus cuidados. Tratavam-na como a uma menina
abandonada a que acabavam de resgatar de um orfanato.
- Juntos faremos o caminho de volta à respeitabilidade - disse Esther
energicamente.
E Jane teve que sorrir. Sim, é agradável ter o consolo de amigos
quando se esteve a ponto de estragar a vida.
Quando chegou a Londres com sua comitiva de protetores, foi um
alívio para ela comprovar que sua família já estava de volta na casa de
Grosvenor Square. Seu pai lhe deu um abraço tão efusivo que lhe fez ranger
os ossos, com o rosto enrugado pela emoção. Ela não esperara isso, como
tampouco percebeu o muito que sentia falta de seus pais. Sua sincera
preocupação por ela a obrigou a lhes perdoar a má situação em que a
jogaram.
Em realidade, o perdão foi o triunfador do dia. Ela os perdoou; eles a
perdoaram. Inclusive se mostraram amáveis com Nigel e Esther, agindo
como verdadeiros aristocratas, como se nunca tivesse havido um casamento
sabotado.
- Muito bem, então - disse lorde Belshire, servindo conhaque e massas
para o chá aos hóspedes - só falta Sedgecroft em nossa pequena reunião.
Onde está seu noivo, Jane?
Jane parou a meio caminho da boca o biscoito de amêndoas.
- Ainda não estamos comprometidos oficialmente, papai.
Lorde Belshire deu a impressão de que ia desmaiar. Olhou indeciso a
sua mulher, que tinha conseguido decodificar o mistério apoiando-se no
que lhe tinha contado Simon.
- Tem que haver um período de cortejo, Howard.
Ele empalideceu até um cadavérico matiz de cinza.
- Por quê? Quer dizer, o contrato já está assinado. Já cortejaram. Sim,
cortejaram, nesta cidade, nesta casa. Eu os vi com meus próprios olhos. Eu
mesmo... - o frio sorriso que viu no rosto de sua mulher lhe disse que não
esperasse ajuda dela - Achei que era cortejo - terminou, sem convicção -
Estava equivocado?
Athena apertou os lábios em sinal de advertência. Havia se sentido
tão culpada, tinha estado tão preocupada com sua queridíssima filha mais
velha durante a estadia desta em Brighton, que estava resolvida a fazer as
pazes com ela, embora isso significasse contradizer a Howard pela primeira
vez em sua vida conjugal relativamente pacífica.
- Não foi um cortejo decente, Howard.
Ele pestanejou uma, duas, três vezes, como um mocho exposto
repentinamente a uma luz muito brilhante.
- Decente? Como se houve algo decente nesta família ultimamente.
Preceptoras grávidas, casamento sabotado conspirações a cada passo.
Nigel baixou os olhos a seu prato; Jane mordiscou seu biscoito de
amêndoas com expressão pensativa; Caroline e Miranda, que estavam
sentadas no sofá, ficaram imóveis como estátuas, com a cabeça encurvada
sobre um álbum de recortes; Esther pegou seu terceiro pastelzinho.
- Um cortejo como é devido - disse Athena, suspirando - porá fim a
todos os falatórios de uma vez por todas.
-Só se acabar em matrimônio - disse Howard, e olhou a sua mulher
paralisado pelo horror ao passar por sua cabeça outra possibilidade -
Porque isto vai acabar em casamento entre eles, não? Jane não vai voltar a
mudar de opinião?
- Sinceramente, querido - disse sua mulher, agitando impaciente a
cabeça - não se pode responder a essa pergunta sem estragar todo o
romance.

***

Certamente a pergunta tinha sido respondida a inteira satisfação das


irmãs mais novas de Jane. As duas estavam no dormitório de Caroline,
estendidas de barriga para baixo sobre a cama, examinando pratos e menus
de moda à luz de velas, com vista a preparar o grandioso acontecimento.
- Teremos que começar totalmente de zero - disse Caroline - Jane não
pode usar o mesmo vestido.
- Deveríamos convidar Nigel? - perguntou Miranda.
- Sim, mas teremos que reservar um banco inteiro para a Chasteberry.
Dá a impressão de que vai ter trigêmeos.
- Acha que Grayson vai convidar suas ex-amantes desta vez?
Brilharam de travessura os olhos de Caroline.
- Acho que pelo menos teria que perguntar primeiro à Jane, embora
contribuam com um certo condimento.
- E que o diga.
Caroline rodou até ficar de costas, fazendo voar até o chão folhas com
listas e desenhos.
- Poderemos contratar ao chef francês de Gunter outra vez?
- Nós vamos precisar de vestidos novos também - murmurou
Miranda.
- Eu gostaria de saber se Drake e Devon vão assistir esta vez - disse
Caroline, distraída.
- Eu diria que sim. Parecem ser uma família muito unida.
- Uma família escandalosa.
- E apaixonada.
- A nossa também é.
Miranda levantou a cabeça.
- O que? Apaixonada ou escandalosa?
- Acredito que há potencial para ambas as coisas - disse Caroline
olhando o teto, contemplando a pintura de cupidos pulando - Deveríamos
ter suspeitado que Jane tinha planejado algo diabólico quando resistia a
fazer as provas dos vestidos para seu enxoval. Não desejava atrair Nigel.
Miranda esboçou rapidamente em seu bloco de papel de desenho
uma noiva com um ramo de ervas daninhas e rosas murchas.
- Como íamos imaginar? Ocorreria a você sabotar seu próprio bodas?
- Eu vou fugir - disse Caroline - Se chegar a conhecer homem de meus
sonhos, eu mesma o levarei direto ao altar.

Capítulo 27

A paciência era uma das poucas virtudes que Grayson tinha cultivado
entre vício e vício. Se Jane queria que a cortejasse, pois a cortejaria. Não
tinha a menor dúvida a respeito de quem seria vitorioso nesse jogo de
amor. Ela podia atormentá-lo quanto quisesse, mas ao final dominaria o
homem. Alegremente levaria seu coração na manga para demonstrar a ela e
ao mundo que a adorava.
Entretanto, mesmo que tivesse plena confiança em sua capacidade
para ganhar, não dava como certo muito mais na vida. Jane o tinha
desafiado emocional e intelectualmente desde o momento em que se
conheceram. Enquanto não fossem declarados marido e mulher ante Deus e
os homens, continuaria lhe dando caça, embora só fosse para lhe
demonstrar seu amor. Para lhe demonstrar que embora seduzi-la tinha sido
supremamente prazeroso, isso não tinha sido seu único objetivo.
Falava absolutamente sério quando lhe disse que a necessitava para
que o ajudasse a dirigir seus irmãos. Que insensatos e desmamados se
tornaram. Na infelicidade tão profunda que manifestava Chloe via uma
revolução em potência, que se não se frustrasse logo a levaria a desastre.
Heath também parecia ir encaminhado para uma atividade enigmática e
sem dúvida perigosa.
Suas preocupações não acabavam aí. Sua escrupulosa e correta irmã
Emma tinha perdido seu marido, e em qualidade de viscondessa viúva
estava em uma posição vulnerável ante a sociedade, mesmo que ela se
negasse a considerar as coisas dessa maneira. Drake e Devon sempre
tinham sido almas inquietas, e buscavam problemas uma e outra vez. Ao
valente Brandon, o mais novo, já lhe tinha chegado sua hora e não podia
voltar a aborrecê-lo metendo-se em dificuldades.
A linhagem Boscastle necessitava a força e a astúcia de Jane para
sobreviver aos perigos e chegar ao outro século.
E ele a necessitava para sua própria sobrevivência. Nessa noite, a do
mesmo dia de sua chegada, quando Grayson foi em visita formal à casa de
Jane para acompanhar toda a família à ópera, ficaram vários minutos a sós
no salão, ele com um elegante traje de noite negro e reluzentes botas; ela
com um vestido de cetim branco marfim cujo corpete rematava-se em
delicados babados que lhe rodeavam seus belos ombros como as pétalas de
uma exótica açucena. Pareciam feitos um para o outro. Que outra mulher
no mundo o excitava e domava seus demônios ao mesmo tempo?
Deu uma lenta volta ao redor dela, como um leão examinando a sua
presa.
- Esse vestido lhe assenta muito bem - disse em voz baixa.
- Você gosta? Deveria. É um dos que escolheu, o único de meu
guarda-roupa de amante que poderia usar em público.
Ele parou atrás dela para lhe esfregar a sedutora curva do ombro com
o queixo.
- Acredito que o escolhi pensando em uma atividade íntima e secreta.
O trajeto de Brighton lhe permitiu dar um descanso a essa tortuosa mente
sua?
- Efetivamente, milorde. E deu tempo de repouso a sua mente
tortuosa?
Ele posou os lábios na curva de seu pescoço, murmurando:
- Em toda a viagem não fiz outra coisa que arquitetar maneiras de
voltar a tê-la toda para mim. Sinto sua falta, Jane. - Sentiu-a estremecer
levemente quando lhe pôs as mãos sobre os ombros - Quanto tempo temos
que esperar?
- Não podemos nos casar até que se case Cecily. Simplesmente não se
podem celebrar dois casamentos na mesma semana.
- Fugimos?
- Mmm, o que acontece, Grayson, é que eu tenho o coração posto em
uma cerimônia como é devido, um casamento para recordar...
- Já teve um, se não recordo mal.
- Bom, me ocorreu que desta vez poderia convidar o noivo.
Ele suspirou.
- Quando é o casamento de Cecily?
- Dentro de duas semanas, em Kent, na casa senhorial de seu pai. Vai
assistir?
- Por que não? O último bodas a que assistimos você e eu foi muito
divertida.
- Estará toda minha família - disse ela, entusiasmada pela ideia de
apresentar seu patife malandro ao resto de seus parentes. - Bem poderia
assustar minhas irmãs com sua espantosa masculinidade.
- Suponho que terei que me acostumar a estas festas familiares - disse
ele.
Virou-a para pô-la de frente a ele, observando suas curvas envoltas
em cetim. Estaria grávida? Teria começado a expandir um pouquinho essa
estreita cintura? Em Brighton fizeram amor vezes suficientes para que isso
fosse uma possibilidade. Deslizou-lhe um dedo pela base da garganta.
Repentinamente se sentia muito protetor com ela.
- Quero fixar uma data - disse.
- Uma data para que? - perguntou ela, sorrindo.
Ele deslizou a ponta de um dedo por debaixo de seus seios. Teve a
satisfação de ver que a respiração ela acelerava.
- Para pôr a assar o pudim de Natal. O que lhe parece?
Jane levantou o rosto para o dele.
- Não está escrito isso no contrato clandestino?
- Déspota que sou, esqueci esse importante detalhe.
- Surpreende-me que o outro déspota, meu pai, tenha permitido essa
omissão.
- Acredito que estava emocionado.
- Vão ficar toda a noite aqui ou nos vão acompanhar à ópera?
-perguntou lorde Belshire da porta, em tom zangado, para ocultar o prazer
que sentia por Jane ter encontrado um homem como Sedgecroft para cuidar
dela - Não há nada pior que chegar na metade de uma maldita ária.
- Causaremos alvoroço cheguemos à hora que cheguemos - disse
Athena atrás dele, esbelta e elegante com um xale de cetim branco sobre um
vestido de tafetá azul que formava águas - As pessoas morrem por saber
que tipo de acordo fez Grayson com Jane. Passarei toda a noite negando e
fazendo gestos de repulsa.
O alvoroço prognosticado por Athena se fez realidade poucos
segundos depois de entrarem no camarote para ocupar seus assentos.
Nem sequer as pessoas inteiradas do assunto conseguiam decidir
como interpretar o que viam. Lorde Belshire com toda sua família, e sua
vibrante filha mais velha agarrada ao braço de um bonito patife; e esta
notória dama parecia radiante, para uma mulher supostamente caída. Não
tinham informado os jornais uma ou duas semanas atrás que um certo
marquês foi visto com sua "amante" comprando para esta um guarda-
roupa? Além disso, uma indiscreta empregada tinha dado a conhecer a
muito suculenta conversa que teve lugar na sala de provas do primeiro
andar de uma loja do Bond Street muito conhecida.
Senhoras e filhas passavam binóculos entre elas para lançar um bom
olhar ao vestido de cetim branco marfim de Jane, e reconheceram o estilo da
modista madame Devine, muito estimada pelas mulheres mundanas.
Ninguém recordava ter visto esse determinado vestido antes. E então,
oooh!, O sempre delicioso Sedgecroft lhe deu um beijo na orelha. Típico
dele fazer o gosto na multidão. Sim, acabava de lhe dar um beijo em
público, justo no momento em que os dois se inclinaram ao mesmo tempo
para recolher o programa que tinha caído de Jane.
- Todos o viram - sussurrou Jane, sentindo arder as faces, quando ele
levantou os olhos e a olhou sorrindo. - Seu pai não - sussurrou ele. - É ele
unicamente com quem devo me preocupar.
- Os traficantes de intrigas vão dizer que estavam certos, e os jornais
vão continuar publicando coisas horrorosas sobre nós.
- As fofocas não nos vão matar, Jane, se não, eu já teria morrido faz
muito tempo.
Ela simulou estar lendo o programa, tentada a lhe jogar os braços no
pescoço para beijá-lo ela também.
- Pode ser que tenha razão.
Ele voltou a acomodar seu corpulento corpo no assento.
- A verdade, querida, é que todo aquele que seja alguém vai desejar
ser convidado a todos os eventos sociais cuja anfitriã seja a nova lady
Sedgecroft. E essa será você.
Ela sorriu, imaginando-se aos dois presidindo uma festa com os
membros da aristocracia no salão de baile da casa dele em Park Lane.
- Eu sou o cabeça de família - continuou ele - Como tal, corresponderá
a mim desfrutar do privilégio de vigiar os Boscastle solteiros abandonados
nas festas com jantar que ofereça minha mulher. - Aproximou-se mais para
lhe sussurrar ao ouvido - E essa será você.
Ela olhou seu belo rosto e sentiu o coração cheio de uma felicidade
que quase lhe dava medo. Sim, esse era seu Boscastle. Sua maravilhosa e
malandra origem seria formada por filhos dela, seria seu legado também. A
perspectiva deveria fazê-la cair em um sofá com um pano com aplicado à
fronte, mas ela tinha sido sempre o tipo de mulher que gosta de desafiar o
destino.
- Qual acha que será seu irmão seguinte que se casará? - perguntou -
Drake?
Escureceram-se o azul dos olhos dele.
- No momento estou concentrado em conseguir esse estado para mim.
Talvez tenha que fazê-la me desejar mais.
- Como? - sussurrou ela, incapaz de imaginar que fosse possível
semelhante coisa.
- Depois desta noite não voltarei a tocá-la, Jane. Não haverá nem um
só beijo mais até o dia de nosso casamento.
- Você, Grayson, demonstrando autodomínio?
- Veremos quem se enfraquece primeiro - disse ele, presunçoso.
- É um desafio o que acaba de me fazer?
- Acredito que sim.
- O que apostamos?
- Tem algo para oferecer?
- Perdão - disse lorde Belshire, que estava sentado atrás deles,
inclinando-se para dar um tapinha a cada um no ombro - Será que a ópera
interrompe sua conversa? Peço a signora Nicola que saia ao beco para
cantar sua ária?
- Minhas desculpas, senhor - respondeu Grayson, com o rosto muito
sério. - Presta atenção à atuação, Jane, querida - acrescentou, em voz
bastante alta para que se escutasse.
-Ah, pois, sim estou atenta - replicou ela, olhando-o com um cenho
que poderia ter tido mais efeito se Caroline e Miranda não tivessem soltado
uns risinhos atrás dela.
Grayson se virou para obsequiá-las com um encantador sorriso.
- Muito bem, vocês duas. Porei-as na lista de outros membros da
família que precisam casar-se para o bem da sociedade.
- Tudo isso está muito bem - grunhiu lorde Belshire, inclinando-se
para eles novamente - mas deixemos para depois de vermos vocês casados ,
mmm?

Capítulo 28

Ao longo das duas semanas seguintes, Grayson se comportou como


um perfeito cavalheiro, um perfeito pretendente. Acompanhou Jane e suas
irmãs ao museu, ao anfiteatro, a palestras e festas noturnas. Levava-lhe
flores. E não lhe pôs nem um dedo em cima, consciente de que a
atormentava, torturava-os aos dois ao cumprir sua promessa de demonstrar
autodomínio.
Ela queria um cortejo decente, pois decente o teria, embora só fosse na
superfície. Haveria tempo de sobra para indecências na intimidade de sua
futura vida conjugal.
Passadas as duas semanas, Cecily celebrou seu casamento com o
duque de Hedleigh em uma antiga igreja gótica que estava a uns poucos
minutos da sede da família de seu pai em Kent. Jane foi uma de suas damas
de honra, e Grayson causou outro escândalo ao sentar-se em um dos
primeiros bancos ao lado de lorde Belshire, que não cessava de comentar
como felizes pareciam os noivos, e quanto desejava ver sua filha no altar
muito em breve.
Alguns minutos depois de terem feito sua entrada a comitiva dos
noivos e a procissão de convidados pelas portas de ferro forjado da
propriedade, soltaram uma nuvem de pombas brancas da torre da asa leste
da mansão. As pombas se ergueram no céu azul acompanhadas pelos
melodiosos repiques de bodas dos sinos da igreja da aldeia.
- Que bonito - exclamou Jane, olhando para o céu fazendo viseira com
uma mão.
- Não será tão bonito se decidirem voar por cima do café da manhã de
casamento - grunhiu seu pai, enquanto ocupavam seus assentos nas mesas
onde bandejas com presunto, perdiz branca, carnes assadas e manjares em
gelatina tentavam o apetite dos convidados.
- Por que não podem celebrar estas coisas no interior da casa?
Passado um momento, Jane pegou sua taça de champanha para beber
um pouco, e procurou Grayson com os olhos. Onde teria se metido? Ah, aí.
Ia caminhando por uma avenida de altos carvalhos, seguido por duas
jovens. Franziu o cenho quando os viu os três virarem para um caminho
transversal. Fiel a sua palavra, não a havia tocado desde essa noite na
ópera, e ela ardia, ardia por estar em seus braços novamente. Ele estava
brincando com ela, para lhe demonstrar outro de seus pícaros argumentos.
A alta figura dele desapareceu de sua vista. Passado um momento se
ouviram alegres risadas femininas procedentes do arvoredo. O som das
risadas fez em migalhas os anos e anos de boa criação de Jane.
- O que estão fazendo? - perguntou, deixando o garfo na mesa.
- O que estão fazendo quem? - perguntou seu pai, trespassando uma
fatia de presunto no garfo.
- Grayson e essas garotas.
Lorde Belshire passeou o olhar por toda a mesa.
- Não vejo Grayson com nenhuma garota.
- Exatamente. Não estão à vista, o que faz bastante suspeito seu
comportamento.
- Eu acredito que Grayson seria um pouco mais discreto se
anunciassem seu compromisso.
- Acha que quer me deixar ciumenta? - perguntou ela, levantando-se.
- Minha querida menina, escapa totalmente a minha compreensão o
que fazem vocês dois. O único que me importa neste momento é que fixem
uma data para o casamento.
- Declinou uma taça de champanha que lhe oferecia um lacaio - Uma
vez que estejam casados, podem comportar como tiverem vontade.
Ela deixou o guardanapo sobre a mesa e começou a andar depressa
pela avenida para o lugar onde tinha visto pela última vez seu patife. Era
francamente grosseiro de sua parte que estivesse paquerando em público,
durante um café da manhã de casamento, estando todo mundo olhando. E
isso enquanto cumpria a risca a bestial promessa de não tocá-la, desde há
duas semanas.
Chegou à curva do caminho por onde o viu desaparecer. No meio do
largo atalho se erguia um Cupido esculpido em pedra, que estava
apontando sua flecha ao coração.
- Dispara se quiser - resmungou - mais chega muito tarde.
- Muito tarde para que? - perguntou uma sonora voz travessa atrás
dela.
Virou-se bruscamente e se chocou com o musculoso corpo de
Grayson. Uma onda de sangue a esquentou até os dedos dos pés. Isso era o
mais perto que estavam desde duas semanas, e mesmo assim, ele não a
tocou. Não, simplesmente continuou onde estava, em toda sua potência
viril, deixando que ela se derretesse.
- Estava falando com Eros. Onde estão suas tão risonhas garotas?
- Ah, as senhoritas Darlington. Bom, resgatamos uma pomba e elas
foram procurar sua mãe.
- Que pomba?
- Uma das pombas que puseram-se a voar para comemorar o
casamento que ficou presa nos ramos de uma árvore. Entre o jardineiro e eu
montamos um heroico resgate. Será que ficou ciumenta, Jane?
Pôs uma mão em seu peito.
- Horrorosamente, como uma desequilibrada. Grayson, nunca mais se
perca entre as árvores com alguma mulher que não seja eu. Queria me pôr
ciumenta?
Ele sorriu de orelha a orelha.
- Eu, capaz de um ato tão infantil? Pois claro que sim, querida, e é
evidente que meu ardil deu resultado. - Pegou-lhe a mão, rompendo sua
promessa-. Vamos anunciar nosso compromisso no baile desta noite.
- Acha que...?
- Sim.
- Eu também - murmurou ela, jogando os braços em seu pescoço e
aproximando a cabeça para beijá-lo - Não suporto estar longe de você.
Pareço um desastre, Grayson, por dentro e por fora, pensando em você.
Uma discreta tosse interrompeu o apaixonado momento tão
longamente esperado por Jane.
Grayson foi o primeiro a levantar a cabeça e olhar ao redor, irritado
pela interrupção a esse momento de intimidade.
- Que dia...?
- Perdoe, andava procurando Chloe - disse Heath, levantando as
mãos, reprimindo com muita dificuldade a risada.
Grayson pegou Jane pela mão.
- Perdoado, posto que é você, embora não vejo por que não pôde
esperar um minuto. Íamos, por fim, celebrar nosso compromisso.
- Felicitações - disse Heath olhando a ambos os lados da avenida.
- Passa algo? - perguntou Jane em voz baixa.
- Não sei - respondeu Heath voltando a vista para ela. - Chloe
desapareceu durante o café da manhã.
- Tem que estar em alguma parte da propriedade - disse Grayson,
encolhendo os ombros.
- Já, mas, com quem? - disse Heath em voz baixa - O barão Brentford
desapareceu ao mesmo tempo em que ela.
- Esteve-a olhando durante a cerimônia de casamento - disse Jane,
preocupada - É um jovem muito veemente.
- Eu pensei que olhava para você - disse Grayson, sério.
- Só até que Chloe captou sua atenção. Ela se sente muito desgraçada
por ter perdido seu oficial. Parece-me que esteve falando com Brentford
esta manhã.
Um revoo de movimento ao final da avenida lhes atraiu a atenção.
Jane apontou para o casal que se aproximava cavalgando para as portas do
parque: eram um cavalheiro vestido de negro da cabeça aos pés, e uma
jovem de vestido azul marinho, com a cabeça de negros cachos jogada para
trás rindo. Não os acompanhava nenhum cavalariço. Jane exalou um
suspiro, pensando quem era ela para julgar alguém. Esses Boscastle
esgrimiam seus encantos como armas.
Grayson resmungou uma maldição, todo seu encanto brilhando por
sua ausência.
- Já é muito tarde. Seja qual for a diabrura em que tenham andado, já
aconteceu.
- O que não quer dizer que permitamos que volte a acontecer -disse
Heath, com expressão implacável -Estranhei ver Brentford pegar uma
garrafa de vinho da mesa. Pensei para que a quereria.
- Agora sabemos - disse Grayson entre dentes, com a mandíbula
apertada.
Heath virou sobre seus calcanhares.
- Acredito que é hora de que me apresente. Suponho que também
você gostaria de lhe dizer algumas palavras seletas. Pedimos a Drake que
nos acompanhe?
Depois de olhar para Jane, Grayson se afastou para acompanhar
Heath.
- Não - disse - tem que ficar um de nós para vigiar à rainha. Jane, por
favor, tenha a bondade de apresentar nossas desculpas a nossos anfitriões.
- Essa rainha sou eu? Bom, me escutem, os dois, ordeno-lhes que não
voltem a envergonhar Chloe.
- Eu sou a sutileza encarnada - disse Heath rindo.
- E essa palavra não está no vocabulário de seu irmão - replicou ela,
exasperada.
Ficou olhando enquanto eles se afastavam apressadamente para
atormentar a sua irmã, pensando: "Isso será minha vida, meu destino".
Todos seus atos estariam submetidos à aprovação de Grayson, as
preocupações e problemas de sua família seriam preocupações e problemas
deles. Virou-se a olhar a estátua do Cupido, imaginando-os dias de
tormenta que a aguardavam; a única coisa que podia esperar era que algum
dia Chloe encontrasse o amor que procurava com tanto desespero e que
fosse correspondida em seu amor.

***

Grayson e Jane anunciaram seu compromisso no final do baile de


casamento celebrado no salão essa noite. Lorde Belshire estava tão aliviado
e contente que dirigiu um brinde e o celebrou bebendo uma garrafa inteira
de champanha. De acordo aos peculiares critérios da alta sociedade, o
compromisso anulou instantaneamente todos os escândalos das semanas
anteriores. De repente todas as consequências do pitoresco comportamento
de Grayson adquiriram o brilho rosa de um galanteio romântico.
O correto, o essencial, era fingir que se aprovavam as travessuras do
casal.
"O patife deve ter planejado tudo isto desde o começo - sussurrou
uma condessa viúva a sua sobrinha - Vá falar com Heath, querida. Agora
corresponde a ele começar procurar esposa."
"Formam um casal perfeito, não é verdade?" - diziam as mesmas
pessoas que só uns dias antes prediziam o desastre.
"Embora claro, Jane substituiu um vulgar baronete por um marquês."
"Não lhe tirou os olhos de cima em toda a noite", suspirou uma
senhora idosa feliz em seu matrimônio.
Jane se achou rodeada por uma multidão de mulheres que lhe
expressavam seus bons desejos, Cecily na primeira fila.
- Parece que eu estava equivocada a respeito - sussurrou-lhe Cecily,
timidamente - Não é o descarado que todos achavam que era.
Jane deu um forte abraço a sua amiga, em celebração a felicidade das
duas. Cecily tinha a grinalda nupcial inclinada de tanto dançar, e seu lindo
vestido de cetim branco tinha duas descosturas ou três pontos de linho de
seda aqui e lá.
- Bom - disse Jane - não se pode dizer que seja um santo, embora Deus
sabe que eu tampouco sou.
Cecily nem sequer fez ameaça de mostrar desacordo.
- Ao menos seu pai parece muito feliz pelo compromisso. Agia como
se ele tivesse arrumado o matrimônio.
- Falando de matrimônios arrumados - disse Jane em voz mais baixa-.
Tem uma ideia do que ocorreu entre Chloe, seus irmãos e Brentford esta
tarde?
Cecily franziu o cenho.
- Minha criada me disse que Brentford partiu da casa pouco depois
dessa reunião, com aspecto bastante perturbado, mais vivo. Chloe está
jogando cartas com Drake.
- Provavelmente Grayson os assustou de morte outra vez - disse Jane,
passeando o olhar pelos grupos de elegantes que abarrotavam o iluminado
salão - Onde se colocaram ele e meu pai, por certo?
Os dois homens escaparam para a ala de bilhar. Lorde Belshire estava
tão feliz que tinha que refrear-se para não ficar a dançar uma giga ao redor
da mesa. Depois de dar uma tragada em seu charuto e expulsar a fumaça,
felicitou a seu futuro genro pelo compromisso.
- Bom, conseguiu, Sedgecroft.
Grayson posicionou seu taco e respondeu:
- Ainda me falta levá-la até o altar.
- Estará lá, acredite, se não, eu mesmo me casarei com você. Você
estará lá, não? Não se repetirá a história...
Grayson levantou os olhos antes de golpear a bola.
- Estive lá na primeira vez, senhor, não recorda?

Capítulo 29

Nos dias anteriores ao casamento foi tal o frenesi de atividade que


Grayson e Jane escassamente achavam um momento para trocar umas
poucas palavras, o que excluía de todo a possibilidade de que sucumbissem
à tentação.
Para começar, tinha chegado da Escócia a irmã viúva de Grayson,
Emma Boscastle, viscondessa Lyons. Toda ela fervente de energia. Emma
se fez encarregada dos preparativos, organizando tudo com um só estalo de
seus elegantes dedos.
Famosa por seu comportamento e porte impecáveis e por sua
genialidade para oferecer uma festa, também era um verdadeiro manancial
de conselhos para aqueles ignorantes dos usos sociais, entre os quais,
segundo sua culta opinião, achavam-se por desgraça seus indisciplinados
irmãos.
Drake expressou isso muito bem no dia que chegou sua irmã: "Bom,
chegou a seu fim a vida incivilizada tal como a conhecemos. Chegou a
Delicada Ditadora. Vai andar em cima de todos. Não estranharia que nos
revistasse atrás das orelhas".
Dada a fama de escandalosa que tinha a família Boscastle, a flor e nata
da aristocracia esperava com ilusão a cerimônia. A qual, a julgar pelo
recente esforço de casamento da noiva, prometia, pelo menos, oferecer a
todos um entretenimento inesquecível.
E chegou o dia do casamento.
Nessa manhã Jane despertou com o coração lhe retumbando por todo
o corpo, e pensou se Grayson se sentiria igual. Bom Deus, e se decidisse lhe
aprontar e não apresentar-se em sua própria capela para o casamento?
Embora claro, havia Emma, que se encarregaria de colocá-lo no
caminho certo. A formosa Emma de olhos azuis, em que a predileção
Boscastle pelo desmame se investiu, permutando-se em predileção pelo
decoro.
Em sua residência de Park Lane, o criado de quarto do marquês
terminou de afiar sua navalha na tira de couro e alegremente começou a
cobrir de espumoso sabão o belo rosto de seu amo.
- Bom, hoje é o dia, milorde, e, se me permite o atrevimento, direi-lhe
que não achava que viveria para vê-lo.
Grayson assentiu, com seu quadrado maxilar já coberto pela espuma.
- Eu tampouco. A verdade é que me custa acreditar que vá acontecer.
Mais ocorreu, exatamente três horas depois. Grayson Boscastle, quinto
marquês de Sedgecroft, virou-se para admirar sem disfarces à noiva que,
em uma comovedora repetição da cerimônia anterior, fazia sua entrada
pelo corredor da nave de sua capela particular. Sabia de certo que tinha um
belo traseiro, e que o resto dela era algo, bom... outra história.
Não era que ele tivesse por norma olhar com luxúria jovens vestidas
de noiva, mas, por casualidade, essa determinada noiva lhe pertencia.
Ou lhe pertenceria muito em breve. Afinal cabo os dois tinham
conseguido fazer ato de presença. Endireitou os ombros quando seu pai
chegou com ela até o altar, levando-a firmemente agarrada pelo braço, não
fosse escapar antes do "até que a morte nos separe".
- Feito - disse Belshire, simplesmente.
Grayson olhou para o rosto de Jane coberto pelo véu, pegou-lhe a
mão e disse:
- Obrigado, do fundo de meu coração. Amarei-a eternamente.
Entre os convidados já sentados nos bancos se ergueu um murmúrio
de admiração. A noiva, todos estavam de acordo, não poderia ter estado
mais formosa. Levava um toucado de seda bordada sobre o cabelo mel
adornado por fileiras de diminutas pérolas trespassadas. Sob um longo véu
de muito fina renda de bilros de Valenciennes, seu belo e curvilíneo corpo
estava com um vestido de cetim, com a saia e as mangas branco creme,
corpete apertado em tom rosa muito claro e um cinto de pequenos discos
semelhantes a rosáceas que lhe caía até a bainha guarnecida com babados.
Grayson sentiu oprimida a garganta. Já está. Isso não era um final, era
um começo. Assim estaria junto a ela o resto de suas vidas; em nascimentos,
batismos, em bailes, até seu último suspiro. Contemplou-a, adorando-a.
Não se arrependia de seu passado, não, à exceção daquelas vezes em que
descuidou de sua família e dava por certa sua existência. Não repetiria esse
engano no futuro. Talvez não fosse tão bom como devia, mas tinha
compreendido que tampouco era tão mau.
Do rosto de sua noiva passou o olhar a seus irmãos e irmãs, todos
muito bonitos, todos irritantes. Por incrível que fosse, amava a todos esses
pesados.
Santo Deus, não, por favor, outra vez as amantes. Parou o olhar no
banco ocupado por duas de suas ex-amantes com os frutos de relações
anteriores.
A senhora Parks lhe soprou um beijo amistoso. Seus dois desajeitados
filhos de seu primeiro romance lhe sorriram, fazendo gestos para Jane e
dando-se cotoveladas para manifestar sua aprovação. No dia seguinte ele
teria que fazer as diligências para assegurar comissões militares a esses dois
caipiras.
Voltando a atenção a sua noiva deu de ombros.
- Juro-lhe que não as convidei...
- Convidei-as eu - sussurrou ela, mordendo o lábio para reprimir uma
risada travessa.
- Ah.
- Não se alegra?
- Devo me alegrar?
- Queria que tudo estivesse igual ao que estava no dia que nos
conhecemos.
- Igual?
- Bom, desta vez pensei que devia convidar o noivo.
Ele riu em voz baixa, pensando quantas vezes recordariam rindo em
segredo esse momento.
O padre pigarreou e desceu o silêncio sobre a capela. O delicioso
perfume das rosas se mesclava com a fragrância da cera de abelha
derretida. Os olhos de Jane se encheram de lágrimas de felicidade quando
Grayson lhe apertou a mão em gesto possessivo. Era o mesmo lugar e os
mesmos convidados, mas o noivo era outro e os sentimentos muito
diferentes. Desta vez estava seu coração ante o altar. Iniciou-se a cerimônia
e aceitou o coração dele em troca do seu, comprometendo-se a toda uma
vida de sua leonina arrogância e amor, pronunciando as promessas com
voz firme e clara.
Os convidados esperaram e alongaram os pescoços para ver o beijo
dos recém casados.
- Todos esperavam um escândalo - murmurou ela com a boca muito
perto dos frescos lábios dele.
Ele arqueou suas grossas sobrancelhas, estreitou-a em seus braços e
lhe deu seu primeiro beijo de casados.
- Dê ao povo o que deseja.
- E isso significa...
Jane se interrompeu voltando a rir porque seu escandaloso bem-
amado a levantou nos braços e a pôs no ombro.
- Desejei fazer isto no dia que ia se casar com Nigel - lhe disse ele, em
voz alta para fazer-se ouvir por cima dos vivas dos simpatizantes, que se
levantaram de seus assentos para vê-los.
Ela arrumou o toucado que lhe tinha caído sobre a testa e lhe golpeou
o outro ombro com seu ramalhete.
- Eu também o desejei nesse dia - disse em um fôlego - mais nunca
sonhei...
- Grayson Boscastle - disse uma voz grave e culta detrás deles - Faça o
favor de recordar o momento e o lugar. Solta à marquesa agora mesmo.
Até estando de barriga para baixo sobre seu ombro, Jane notou a
reação automática no corpo de seu marido, que a desceu lentamente até
deixá-la em pé no chão.
- Foi Esther? - perguntou-lhe em um sussurro, com as faces
avermelhadas de prazer.
Ui, o que era uma mulher capaz de exercer esse poder sobre essa
família de crianças travessas.
- Ah, não - disse ele, esfregando um lado do nariz, com as comissuras
dos olhos enrugadas por um ímpio sorriso - Foi sua cunhada Emma, a
senhora Desmancha-prazeres.
Emma, sedutora mulher de cabelo dourado damasco e doces olhos
azuis, olhou para Jane compassiva:
- Recorde ao todo-poderoso que terá que acontecer um café da manhã
antes de outras coisas.
Com "outras coisas" queria dizer levar sua flamejante esposa à cama.
Grayson desceu sua possessiva mão pela curva da coluna de Jane até detê-
la na elevação de suas nádegas. Aristocrata até os ossos que era, acataria as
normas sociais fazendo ato de presença no café da manhã de casamento e
agradeceria amavelmente os brindes e bênçãos que lhes dessem. E depois,
que Deus amparasse ao que se atrevesse a interrompê-los.
Pela segunda vez nesse ano se celebrou um café da manhã de
casamento no salão de banquetes da mansão de Park Lane. Desta vez o
casal de recém casados ocuparam os assentos correspondentes na mesa
principal com os pais da noiva.
As lágrimas de vidro esculpido dos lustres brilhavam como estrelas
sobre os convidados que conversavam enquanto devoravam a salada de
lagosta e bebiam champanha. Emma recordou amavelmente a todos os
comensais que reservassem espaço para as sobremesas de abacaxi de estufa
e o enorme bolo de muitos andares de Gunter.
De repente, em meio a um dos brindes, a mãe de Nigel olhou para
Jane e pôs-se a chorar.
- Durante quase dez anos a considerei minha nora - soluçou.
- Calma, mãe, não tem importância - disse Nigel em tom consolador -
Vem em caminho seu primeiro neto para a consolar.
- Sim - disse ela, fungando e olhando o avultadíssimo ventre de
Esther por cima do lenço - Um neto que igualmente vai parecer um gorila
pelo tamanho que tem.
Na mesa do lado, Emma deixou o garfo na mesa, alarmada.
- Ai, não, a mãe de Nigel está chorando como um grifo. Sabia que era
uma estupidez celebrar um casamento com tanta pompa depois desse
recente desastre.
Caroline a olhou sorrindo.
- Acredito que não devem temer parecer torpes. Grayson e Jane se
elevaram por cima do caldo do escândalo como a espuma.
- Suponho que tem razão - disse Emma, sorrindo resignada - Agora
tocará a você, não?
Miranda se inclinou para elas e sussurrou:
- Em realidade, ouvimos um rumor a respeito de você, Emma, e um
certo homem...
- Isto é exatamente o que me faz detestar casamentos - declarou Drake
Boscastle aos convidados sentados a sua mesa, que, como grupo, estavam-
se levando com menos educação que os da mesa dos recém casados.
A senhora Parker arrumou o colar de pérolas olhando séria para seus
filhos, que estavam colocando muito bolo na boca.
- Isso por quê? - perguntou.
- Toda esta emoção - respondeu Drake - Quer dizer, note na mãe do
Nigel derramando lágrimas em seu champanha. Todas estas possibilidades
de desastre.
- Não, nada disso. Seu irmão ama de verdade a sua esposa -disse a
senhora Parks, melancólica.
E Grayson a amava, francamente, sem dissimulação, dando margem a
um consenso de opinião entre seus conhecidos de que o casamento era a
prova de que Boscastle era domesticável.
Não obstante, alguns de seus amigos mais ardilosos interpretavam o
brilho possessivo que brilhava em seus olhos cada vez que olhava a sua
mulher como o sinal de que os sagrados laços do matrimônio não tinham
apagado de tudo sua ferocidade.
Duas horas depois ele demonstrou este último.

***

- Champanha na cama em pleno dia - murmurou Jane, admirando os


potentes contornos do peito de seu marido enquanto ele tirava o fraque
azul - Isto é indecência.
- Não é indecência, é capa de decência o que queria? - perguntou ele
lhe tirando das mãos a taça de champanha que já estava na metade.
Ela ficou nas pontas dos pés para beijá-lo, agitando a ponta da língua
sobre a dele, sentindo erguer-se a excitação entre eles como vapor.
- Acredito que me conhece muito bem.
- Acredito que tem razão - disse ele com a voz rouca.
Deslizou suas grandes mãos por seus flancos até lhe roçar os
exuberantes contornos de seus seios. Ela se afastou, travessa, para tirar as
anáguas.
Ele a contemplou de cima abaixo com ardente expectativa. Os lentos
movimentos dela ao despir-se, de costas à cama, atormentavam-no.
Reclinou-se na cama, apoiado nos travesseiros, e a observou com os olhos
entrecerrados, sentindo excitar-se seu corpo, sentindo correr com força o
sangue por suas veias.
- Adiante, me atormente - disse, tirando a gravata - Dentro de uns
minutos a terei me suplicando.
Revocaram-lhe os cabelos ao redor dos quadris quando se virou para
a cama. Não havia nenhuma só polegada de sua mulher que não o
excitasse.
- Não sei do que fala - disse, sorrindo travessa.
- Acredito que sabe.
Ela pôs uma perna sobre a cama para que lhe tirasse a liga e as meias
brancas. Essa tarefa, a primeira como seu marido, excitou-o, lhe
endurecendo tanto o membro que lhe doeu. O coração lhe retumbava no
peito ao subir a mão pela curva de sua panturrilha para fazer sua tarefa. Os
detalhes íntimos como esse lhe produziam um imenso prazer.
O aroma feminino que era só seu intensificava seus instintos animais;
seu doce sorriso o estimulava. Do fundo da alma se sentia atraído por ela.
Lentamente lhe soltou a liga e lhe tirou uma meia e logo a outra. Seus olhos
brilhavam de amor e de intenções eróticas enquanto ela esperava nua
diante dele.
Levantou-se e começou a desabotoar as calças, com o rosto cheio de
desejo. Ela estendeu a mão para ajudá-lo, colocando-a na cintura.
- Me toque assim, tentadora, sob seu risco - disse ele emitindo um
suave grunhido de aprovação.
Ela deslizou os dedos a todo o longo de seu sedoso membro.
- Assim?
- Está procurando problemas.
- Não busco isso sempre?
Ele a aproximou, apertando-a a seu duro corpo.
- E eu não lhe dou isso sempre?
- Sim, mas não com a suficiente frequência.
- Isso se conserta facilmente - disse ele, rindo apreciativo.
- Então conserte, Grayson. - Com um sorriso sugestivo, começou a lhe
desabotoar o colete bordado e a camisa de linho branco - Ou posso fazer eu
as honras?
- Alternamo-nos? - propôs ele, encantado pela reação dela, por sua
natureza apaixonada.
Com ela se sentia em paz, aflorava o melhor dele, e o futuro brilhava
como um farol de esperança e felicidade. O compromisso para sempre que
tinham feito nesse dia só adoçava o mútuo prazer.
Terminou de despir-se e a atraiu a seus braços.
Deslizou as mãos por sua suave e branca pele, lhe acariciando o
corpo, esculpindo suas curvas como um escultor; precisava senti-la
apertada a ele. Vibrava-lhe todo o corpo de prazer ao pensar que podia lhe
fazer amor sempre que quisesse.
- Fizemos - murmurou ela, balançando seus seios como opulentas
pérolas contra o quente peito dele - Um casamento completo, sem nenhum
escândalo de que se possa falar.
Ele inclinou a cabeça para beijar sua úmida boca rosada.
- Imagine. Tanto a noiva como o noivo se apresentaram ao mesmo
tempo.
- Lástima que não ficassem para todo o café da manhã.
- Escandaloso - disse ele, lhe agarrando a mão - Me pareceu que a
noiva estava algo frenética. Sei o que fiz mal, mas durante toda a cerimônia,
no único que podia pensar era em colocá-la em minha cama.
- Eu tinha os olhos postos no noivo.
- Sim? - Levou-a a cama, com seu membro viril totalmente ereto - E
isso por quê?
- Ardo por ele - murmurou ela, erguendo os olhos para seu rosto.
- É correto isso?
- Mais não o diga a ninguém - disse ela - Com certeza uma mulher
decente não deveria arder por um homem durante o café da manhã.
Estreitando-a em seus braços, ele se sentou na cama e a montou em
seu colo, com as pernas escarranchadas, deixando o membro pressionando
seu ventre e lhe sustentando as nádegas com suas duras coxas.
- Me atrai bastante a indecência.
- Importaria-se de explicar isso?
Fazendo-a virar apertada a seu peito, estendeu-a de costas sobre a
colcha de seda azul.
- Talvez deveria demonstrar. Este tipo de coisas exige uma detalhada
explicação.
Ela riu, ocultando o rosto na curva da axila dele, pensando nos dias,
tardes e noites que estariam juntos; nas promessas nupciais que tinham
intercambiado ante Deus e suas famílias. E sim, desta vez o tinha feito bem,
à perfeição.
- Grayson...
- Não me interrompa, querida. Demonstrar a indecência é trabalho
sério.
Com as pontas dos dedos lhe roçou os seios cheios com suaves
carícias de pena e foi descendo, passando pela concavidade do umbigo, até
desaparecer pelos cachos do pelo púbico. Com infalível tino seu polegar
achou a pequena protuberância oculta e lhe excitou esses nervos sensitivos
com deliciosas carícias.
- Ooh - resfolegou ela, endireitando-se firmada nos cotovelos.
Mais imediatamente se deixou cair novamente quando lhe abriu as
pernas deixando exposto a ele seu sexo. Ela sentiu sair o líquido viscoso de
seu interior. Arqueou os quadris e lhe rodeou a coxa com a perna.
Com seu sedoso cabelo loiro sobre seus largos ombros, seus olhos
azuis humosos de sedutoras promessas, era o amante perverso dos sonhos
de uma mulher. E era seu marido.
Voltou a endireitar-se.
- Grayson, por favor...
- A paciência é uma virtude.
- Não me fale de virtude em um momento como este. Desejo-o.
Ele desceu da cama e, agarrando-a pela cintura, posicionou-a na
beirada. Em pé, com as pernas separadas, levantou-a e afastou as coxas
para abri-la totalmente a ele. Viu brilhar as dobras de seu sexo, rosadas e
inchadas.
Introduziu a ponta do pênis por entre essas dobras molhadas e
investiu.
Felicidade. Prazer. Excitação. Ao sentir vibrar a molhada carne
feminina ao redor do membro,
Começou a lhe ferver o sangue e lhe endureceu todo o corpo.
Começou a mover-se, empurrando os quadris, posicionando bem o
membro em cada investida para lhe intensificar o prazer. Investidas até o
fundo de seu fértil centro e lentas retiradas, em um ritmo parecido que a fez
apertar os dentes de frustração.
- Mais - sussurrou ela - Mais forte.
Movendo-se por puro instinto, ele a atormentou investindo até levá-la
uma e outra vez até a borda do topo para logo retirar-se no segundo último,
até que passados uns minutos ela se arqueou, estremecendo pelas
contrações do orgasmo, e ele a seguiu, saboreando o prazer, a satisfação e
plenitude que só conhecia no amor dela.
Meia hora depois ainda não se moveram do lugar onde se
desmoronaram. Já estava avançada a tarde e o sol que entrava pela janela
lhes esquentava o leito nupcial.
Jane estava aconchegada contra seu musculoso corpo, escutando os
interessantes sons que chegavam de baixo.
- Ah, Por Deus - disse, tentando sentar-se e libertar-se de braços e
pernas nus e dos lençóis - essas vozes são preocupantes. Não sei se vêem da
porta ou da rua. O que...?
- Shss - sussurrou ele, agarrando-a em seus braços e voltando-a para
apertar contra ele - Emma e Heath podem ocupar-se do que seja que ocorra.
Celebra comigo, meu amor. Nos concentremos o um no outro.
Ela fechou os olhos, com a cabeça comodamente apoiada em seu
ombro. Um calorzinho de gratidão lhe esquentou o coração e a percorreu
toda. Isso era o que tinha desejado, essa intimidade e aceitação, o prêmio
pelo qual tinha sacrificado sua reputação. Havia valido a pena correr esse
risco, negar-se a aceitar o que outros achavam que era melhor para ela.
Talvez seus métodos poderiam ter sido mais refinados, mas ninguém podia
pôr em dúvida a recompensa: todos seus medos de uma vida vazia
substituídos pelo amor de Grayson.
Como poderia saber que seu ardil acabaria nessa maravilhosa doçura
imerecida? Quem teria imaginado que um libertino seria o mais amante dos
maridos, o homem que lhe ensinaria o verdadeiro significado do amor?
- O que desejo - murmurou - é que cada um deles encontre a
felicidade e satisfação que temos nós. Não pude deixar de pensar que
Emma e Chloe pareciam um pouco tristes hoje. E Drake com essas
mulheres, bom, o que posso dizer?
Ele emitiu uma rouca risada.
- Nem acabou com uma intriga, já está tramando outra. Minha
marquesa já está fazendo-se de casamenteira. Acha que poderíamos deixar
esses planos pelo menos para umas horas depois?
- Tem outra coisa em mente?
- Agora que o pergunta...
Ela meio se virou para lhe acariciar o rosto, esses arrogantes ossos,
com as pontas dos dedos.
- Foi o casamento perfeito - disse.
Ele a abraçou e sentiu o coração cheio de felicidade e terna posse. Sua
esposa, sua amante e sua engenhosa estrategista. Sua parceira em prazeres
sinuosos, a mulher que o ajudou a achar seu lugar quando estava confuso
sem saber o que fazer.
- Amo-a, Jane.
- Eu sempre o amei, patife.
Debaixo chegaram sons de risadas, golpes de portas, um grito que
bem podia ser uma provocação ou um viva. Os sons de uma reunião de
familiares e amigos para celebrar a chegada de dois corações a seu lar, ao
lugar onde lhes correspondia estar.

Fim
Sobre a autora:

Jillian Hunter escreveu uma dezena de novelas, todas elas grandes


êxitos, e recebeu prêmios como o Romantic Teme Career Achievement
Award. Vive na Califórnia com seu marido e três filhas.

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