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“A Dama Que Renegou O Príncipe”

Ou “A Traição dos Amantes”

Dedicado ao rei / poeta Al-Muthamid

e a Ibn Qasi, mestre sufi, o perseguido, de Silves

Estando confortavelmente prometida à mesa e


Ao leito do Príncipe
Sem oração nem esforço
Não como despojo de guerra, ou prenda assaz diversa
Nem escrava comprada em Fez ou Samarcanda
Mas antes, na invejada situação de favorita
Pois assim lhe pousara as vistas por sobre o dorso
Tão logo o monarca suspirara,
De enlevo e paixão pressaga
E desde então, absorto e lerdo vogava
Na morba contemplação de seus olhos pardos
Na presteza irradiante do seu sorriso
Na macieza adivinhada dos seus quartos de poldra, brava

Ela contudo não emanava satisfação...não


Antes semelhava fêmea prenhe
De má catadura, sempre enjoada, amuada, séria…

II

Seu olhar blandicioso e turvo acomete,


Ferino e fere
Como aguçada ponta de azagaia, diz-se…

Seus olhos, fondue de queijo, derretido


De madeira queimada
Olorosos e ternos, morenos
De mormaço, preguiça, estranho enleio
Olhos de bruxa feiticeira, avoadora
De quem cavalga a noite e não teme
De quem promete e não cumpre

Assim era a mulher


Corpo alabastrino, estátua pagã
Longo cabelo, asa de corvo
Negros olhos de líquido carvão
Oleosos como pez
Como não?
Como não haver
O monarca de ceder
À sua escrava branca e única?

III

Tão ausente se mostrava já o emir


Tão displicente e louco já
Arredado de seus deveres,
Ordenações, responsabilidades e negócios de estado
Que toda a corte murmurava aflita.
Todos temiam silenciadamente
O pavor de uma tal situação

Será feitiço, maldição ou lúbrico amor


Tam somente?

Perguntavam-se a medo pelos cantos


Nobres, mordomos, eunucos, servos
Todos os preteridos de agora
Belos, e ternos preferidos de antanho
Porque essa dama apeara já
De seus claustros, peanhas e plintos
Muitos dos poderosos do reino

- Quem é esta estrangeira ?


- Que estranho encanto lançou
Sobre o nosso pai, prince e amigo?

E o Príncipe álgido penava


Tam de si mesmo ensombrado e triste
E por entre gemidos, distante, cantava:

- Maior dano, amiga


Me causam teus lânguidos olhos
Maiores feridas me abrem
Na alma
Que o fero aço inimigo
Em impiedoso campo de batalha...

IV

Ditoso era este Príncipe


Tão de seu povo, amado e simples
Pois sabiam-no justo, generoso e firme
Herdeiro da mais fina elite da península
Seu avô fora poeta e grande valido
Na nobreza, na miséria e na loucura
Seu pai cuidara e bem, as finanças do Califa
E dele sabia-se certo
Que quem chorasse teria apoio de seu braço firme
Quem gemesse receberia dele cálido abraço

Havia também quem lhe arremedasse a sorte


Pois inveja, maldade e morte
Sempre campearam à solta
Nestes reinos

Mas tudo correria prestes e bom


Não fora esta torpe estrangeira
Baralhar o norte
Ao nosso tão amado Príncipe

Reúne o Conselho, o Grã Divã


À revelia do homem, que repousa
A sesta, em seus aposentos
Entre sussurros, rumores e gritos
Donairosos olhares, quase a medo
Cúmplices encolher de ombros
Feroz algaraviada

Diz um: - Isto nam pode ser, senhores…

Diz um outro: - Há que dar le um fim e prestes!

Um terceiro acrescenta ainda:

- Alguém terá de dizê-lo ao Prince


O estado vai de mal a pior
O povo padece de miséria e fome
Não cumpre já com os impostos
Nossas guerras intestinas entre taifas
Valis e reinados vizinhos, tudo devastam.
A ameaça dos Almorávidas em África
Que não é vã, nem negligenciável…

E depois há pior
Esses malditos infiéis
Que vêm do norte, poderosos
Com seus ginetes couraçados, flâmulas e xairéís
Seus montantes, lanças, padres e bacharéis
À conquista de nosso chão sagrado
Que fazer?

Fala o Astrólogo, judeu:


- Meu venerando mestre, o sábio Maimónides de Corduba
Tendo estudado todos os tratados e ciências do passado
As obras de matemáticos, geógrafos, geómetras
Astrónomos, astrólogos, filósofos e médicos
As lendas, os mitos e as sagas
O Advento do Paracleto
A Tora, o Talmude, o Deuteronómio
Os Provérbios, a Cabala, o Corão e os nove evangelhos
Os canópticos, os apócrifos e os heréticos
Os Uppanishades, a saga de Gilgamesh
A Tábula Esmeraldina do Trimegisto
A Ilíada e o Odisseus de Homero
De Platão, a República, Phedra, Crítias e Timeo
Sólon, Pitágoras, Aristóteles, Píndaro
Plutarco, Pausânias, Demócrito, Xenofonte
Heródoto, Sócrates, Tucídites, Euclides
Heraclito, Epicteto, Plotino
Arquimedes de Siracusa, Políbio
Diógenes, Epicuro, Paraménides
As obras do arguto Séneca, Cícero
Suetónio, Virgílio, Lucrécio
Catulo, Lactâncio, o sage Marco Aurélio
A Geografia de Estrabão
A História Natural de Plínio o Velho
A Climata de Erastótenes e a sua refutação
Por Hiparco de Niceia

O Almagesto, e o Tetrabiblos de Ptolomeu


Hipócrates, Esculápio, Galeno, Avicena, Averróis
Tertuliano, Agostinho, Eusébio, Boécio
O Venerável Beda, Isidoro de Sevilha
Bonifácio, Crisóstomo, Porfírio, Fílon
E outros de igual renome e estatura
Al Idrisi, Ibn Qasi, Leão o Africano
Al Gazâli, Ibn Al Arabi, Omar Khayyam
Os segredos da grande pirâmide, no Egipto
O denso mistério da Esfinge
A localização das colunas de Hércules
Porta para nosso mar oceano
De todos desconhecido a oriente
As Ilhas Afortunadas de Brandão
O dilúvio da Atlântida, o fim da Lemúria
A Terra de Mú e a antiga Tule
A saga dos Hiperbóreos
Os escanos e grandes Arcanos do passado
Os registos Askádicos escritos no éter
A ciência perdida de assírios, caldeus e babilónios
Para ele não havia cisma, dissidência ou heresia
Todo o conhecimento era legítimo
Toda a fonte, fruto de consulta e análise
Fosse sufi, xiita ou sunita
Mitra, Orfeu, Cibele, Ceres
Aura Mazda, Zoroastro ou Buda
Maniqueus, nestorianos, cátaros ou bogomiles
Hassídicos, ortodoxos, pagãos ou infiéis

Uma vez concebida, toda a ideia


Era passível de estudo e interpretação
Conhecendo do ano solar, a verdadeira duração
O desenho das horas diurnas e nocturnas
A técnica de clepsidras e ampulhetas
O astrolábio, a quadratura do círculo
A medida da circunferência da terra
A localização exacta da infernal Ghaena,
O reino de Hades, Caronte, Perséfone
A Vahalla de Thor e Odin

Sabia obviamente também, ler o futuro


Nas circunvalações das estrelas
Na cauda ardente dos cometas
Na face oculta da lua, nos eclipses
Nas elipses dos cinco planetas

E eu, seu humilde discípulo


Posso tristemente confirmar
Que entrámos num século nefando
Marte, Saturno, o Setentrião
Todos no-lo são nefastos
Não é essa mulher o grande perigo
Que nos espreita
Ela é apenas o instrumento
De um desígnio maior e irrefutável

Esses infiéis de que fala o general


Bárbaros sem cultura nem passado
Montados em seus cavalos couraçados
Em suas mãos possantes
Grandes, sequiosos montantes
Do puro sangue dos fiéis
Parece estarem fadados
A governar o mundo por mil anos

Vede o que já fizeram no oriente


Jerusalém, o umbigo do mundo
Tiro, Acre, Sídon, Antioquia
Nossas cidades sagradas,
Tudo varreram, aniquilaram
No sangue, miséria e impiedade
Godofredo de Bulhão e seus sequazes
Os cavaleiros do Templo
Os do Hospital e os temíveis Teutónicos

Allah virou-nos as costas


Nada já, os pode deter
Será um milénio nefando
Sangue, morte, saque, grandes orgias
Peste, lepra, fome, iradas tecnologias
Coisas que não podemos compreender

Será o reinado da Besta


A grande batalha do Armagedeão
Gog e Magog, de que fala o Corão
E já os mui antigos, temerosos anunciavam
Curvemo-nos pois à vontade, à impiedade dos fortes
Será um milénio de ferro, fogo, sangue e medo

Acabou-se a doce poesia e o amor


As ternas noites de palavras e beijos
A dança das virgens, os belos escanções
Entre vergéis de rosas e libações
Será o fim de nossa cultura e reinos

- Cata-te judeu pressago! Tarrenego maldito!


Meus fiéis exércitos impedi-lo-ão…

Grita possesso o vizir

O judeu, prudente, cala-se então


Após sóbria vénia, afasta-se
Murmurando para si mesmo:

- Nem tu com teus poderosos exércitos de mujahedin


Todos os heróis das azóias e ribats, tariqas e arrifanas
Nem o emir dos crentes com seus ulemas e marabus
A sua corte de servis mullahs e valis e cádis
Poderão jamais alterar o que está debuxado nas estrelas

Nas vísceras das aves, nas entranhas dos borregos


No fígado do Tauro, no sangue derramado do filho do Homem…

Tudo isto eu sei e calo, mais valera


Fugir em breve para Cairo, Damasco, Bagdad
Ou Ispaão, pois Gharb e Andalus
Estão já perdidos para vossa fé…
E quem sabe, para minha velhice e segurança
VI

- Por mim condenava essa puta pagã, à morte

Continua o vizir sua fala

- Inúmeras são suas faltas


É falsa, manhosa, luxuriosa e treda
Caiu porém nas graças do sultão
Governa o harém com peçonha e forte mão
Tem larga rede de esculcas intriguistas
Dá-se com políticos, embaixadores, generais
Seus eunucos são hábeis e prestativos
Não será fácil apeá-la do seu corcel
É contudo do sangue e da fé
De nossos inimigos
Não podemos consentir
Venha ela a parir
Um filho de nosso senhor

Mas não se pode deter o Tempo em sua orbe


Nem a História em seus céleres galopes
Em seus torpes golpes, de sabre ou lança
O que tiver de ser sê-lo-á, Ox-Allah…

- Inch Allah! Allah el Akbar…

Repetiram todos em suave e corânica prestação

VII

O povo, andava triste e rasco, num enleio


Raivando pela lama sua fereza e asco
O próprio tempo, lento, estagnava feio
No pardo céu de entardares sombrios
Quando soou bruta, a notícia no meio:

- Que a moça estendia olhos ao moço de estrebeiro


Que o beijava nas trevas, entre degraus e lances
Fugaz e às pressas, por escadarias e cantes…

Murmurava-se a medo entre benzeduras e preces

O Príncipe nos seus devaneios e sonhos e sortes


Nada ligou a estas invejosas vozes
Ingratas, maldosas vestes
Com que lo pretendiam envergonhar e cobrir
De ignomínia e fereza torpe
Deixou bordejar o pano...
Era um Príncipe navegante, pois,
Conquanto só conhecesse Arade e Guadalquivir

VIII

Tendo escutado sob cauto disfarce, nas ruas


As vozes do povo, grosseiras, iradas, nuas
Ouvidos no Paço seus iguais
Temerosos, hostis, rancorosos, banais
Ousou o vizir murmurar aos ouvidos do monarca:

- Precatai-vos senhor, contra essa fêmea


Boa mulher não é
Que vos há de levar e ao reino, em ruínas
Nem sequer é de nossa fé…

Perdoa senhor, meu soberano e amigo


Mas isto tem de ser dito
E ninguém se assume de coragem

Tu que foste o cruel ginete


De tantas batalhas
Luz do Islão, Sabre do Profeta
Seu estandarte e mentor
Estás feito um traste, Senhor
Estás gordo, pálido, adiposo, mole
Não sais já do serralho
Teus dias são de preguiça e luxúria,
Não escutas sequer o conselho de teu Divã…

- Já chega gentil amigo, ruge enxofrado o monarca


Conquanto me não sejam agradáveis tais palavras
Sei bem são ditadas por teu brando coração
Por tua sábia e prudente visão, de estadista
Vai-te porém, enquanto conservo minha calma
Me não sobem negros humores à bílis

Vai enquanto me é doce recordar


Nossas ternas, tenras infâncias
Quando juntos íamos à madrassa estudar
Juntos caçávamos o lobo e a gazela
Íamos a banhos e às damas em conjunto
Deixávamos escorrer por nossas sequiosas goelas
Esse vinho ímpio e inebriante das terras do Gharb
Que o Profeta tam sabiamente condena…

E lassamente recosta-se ao divã, a sonhar


IX

Fôra um homem mais prudente, o vizir


E teria aproveitado respeitosamente
Para se escafeder...
A mensagem estava dada, bem assim o recado
Mais não poderia, nem lhe competia fazer

Contudo, vendo o rei amansado em seus relembros


Ousou mais, duro e soez, desta vez:

- Senhor, esta mulher é pútica, alteza


Seguro te há de trair, perdoa assim insistir
Pôs-te cego e frouxo, bruto
À loucura te vai conduzir
Arruinar-te o reino e a saúde
Ouve a voz do povo, senhor
Lança uma mirada a teus cofres…

- Calla cabron! Calla te yá!!!

Ladrou o Príncipe ensandecido, feroz


Erguendo-se do trono em toda a sua potestade

- Acaso queres ter tu a última palavra


Neste diálogo de surdos?
Quem é aqui o soberano afinal?
Vai-te prestes, antes esqueça
Nossa amizade velha, nosso fraterno amor

- Acaso queres te mande para a degola?


Ser estraçalhado por meus ferezes corcéis
De finos jarretes e lustrosas crinas?
Queres te ponha em tormentos?
Te mande trinchar a língua,
Espichar o globo dos olhos
Cortar as pontas dos dedos
Em fogo lento a grelhar?

- Não conheces já a barbárie de minhas fúrias


A inclemência de meus desagravos?
Não vês, já me incitas aos piores desvelos, irmão
Vai-te antes que perca de minhas justezas a firme noção
E te mande conduzir a suplícios

- Vai pois irmão de minhas infâncias límpidas


Que estou quase em trem de esquecer
Nossas noites de poesia e deleite
Noites de cálamo e de pena
De vinho, filosofia, o zéfiro e o espírito
Quando amanhecíamos em cálidos braços de escravas
Ao som da lira, do rouxinol e estorninhos
Nossas loucas cavalgadas no açoute do vento
As finas justas de sabre, punhal e florete…

Temeroso, não podendo ir mais longe


A cabeça pouco segura nos ombros
Retracta-se o vizir e baixando os olhos
Soa profunda, respeitosa vénia
E logo se afasta claudicante do emir
Sem jamais virar costas ao soberano…

Que douda mulher é esta


Que ao leito de finas sedas do Príncipe
Panos do oriente e raros perfumes
A mirra, o sândalo, o aloés
Prefere rudes mãos calosas
E entranhado fedor de estrebeiros ?
Baba, suor e curtumes…

Que o beija às esconsas nos pátios


Dão-se as mãos, sorrisos e lábios
Tão logo o monarca vira as costas,
Dá de dorso e sai de portas...

Que torpe traição é esta?


Que trágico lance se prepara na bruma?
Oh mundo, maldade e treva
Falaz crueza, ignomínia tanta
Terror, inferno, abentesmas…

E nosso amado Prince, andará deveras cego?

Isto, toda a gente teme, murmura e reza


Que ele, coitado o não merece
Sempre tam terno, tam justo e recto, o correcto

Mas o destino mostra-se circunspecto


Não se abre o chão hiante
A morder raivoso de fúria, tais vilões
Não se apaga o sol vergonhoso
De iluminar tão fartas e vis traições

Não! Tudo passa pressuroso e belo, ao de leve


Como que sob os auspícios de gran farra e festa
XI

Talvez, para calar as vozes


Silenciar os medos
Remendar las cruces
Ousar, quem sabe, democracias
Mostra-se o Príncipe invulgarmente magnânimo

Prenda o moço com serviço e banho


De prata, barata
Prenda-a a ela, a bela com gran carta de alforria
Assinada e em branco passada
Com su sello e cuspo
Rara prenda
Erro seu, maior, tardio
Tudo em forma,
De mão beijada,
prendada
Como em linda cantoria
Polifónica procissão, jamais antes ousada

Como cego ao trágico destino infausto


Que a lira encantada canta
Como sob um mágico sólio
Falaz encantamento
Triste e merencória fantasia
Passa-lhes sorrindo para as torpes e sujas mãos
Faca, gume e pedra de amolar
Com que hão de cuidar
Feri-lo mais e bem, no fundo, logo após
E depois sorrindo inda más
A alma rasgada, a carne falaz
Abre a camisa e de costas deita-se a descansar
O peito aberto à ferida infrene
A alma nua exposta ao vento,
Ao pérfido e venenoso gume
Que o há de vir a retalhar, temprano

XII

Que infame e desprezivo se mostra, às vezes o destino


Este que aqui sorri, à cega sorte aberto, confiante
Em breve o veremos de bruços chorando
Sofrendo lancinante e lacrimoso, a vomitar ressacando
Alma, dor, pulmão e fígado, bílis

Enquanto estes dois outros


Frouxas sombras escorrendo paredes
Apressam mentirosa e célere, a fuga
Em larga, confiada cavalgada
Noute adentro, pela calada
Após trocarem na judiaria
Sua legal e alforriada carta
Por bela e sonante prata
Nove milhões de marevedis
Ao que consta
Deixando vagos os cofres do reino
E tristemente inconsolado
O coração do monarca...

Epílogo

E se mais tarde o moço acabou justiçado


Leproso, doente, endoidado
Envolto em podres trapos
Entre indigentes, lunáticos e pobres outros
No hospital primeiro e logo em muda campa rasa

E ela duramente palmilhando descalça a estrada


Por entre lágrimas, fugas, ranho e ferida
Seguramente repesa, amald’çoando a vida
Pois cárcere, enxovia e duras penas
Estão-lhe desde já promessas

Não são já contas deste rosário


São prantos para outras fadas...

JOSEL HESPANO / Faro / 2000 / 08

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