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A Salvação da Lavoura

Entrevista com o cientista Marcello Guimarães

por Mario Drumond (publicada na revista Caros Amigos nº 71 – fevereiro de 2003)

Formado em Geologia na
Escola de Ouro Preto, Marcello
Guimarães trabalhou em
Rondônia, Mato Grosso,
Amazonas, Pará. Participou do
Pró-álcool e dirigiu a Acesita
Florestal em Minas Gerais. Foi
o primeiro civil a exercer o
comando do DNC -
Departamento Nacional de
Combustíveis. Há vinte anos
vem publicando idéias
revolucionárias que imprime
em plaquettes, cadernos,
opúsculos e folhetos que compõem ampla bibliografia de resistência.

Destas publicações, Gilberto Felisberto Vasconcellos extraiu uma suculenta brochura a que
deu o sugestivo e apropriado título de A Salvação da Lavoura - famosa expressão popular
cujo signicado é o mesmo de "salvar a pátria" - nos prelos da Editora Casa Amarela.

Fomos até o principal laboratório de idéias de Marcello Guimarães, a sua fazenda no


distrito de Sítio Novo, em Mateus Leme, perto de Belo Horizonte, que é modelo para a
aplicação prática de sua teoria do "Autodesenvolvimento", termo com que define a sua ação
de resistência política e cultural.

Lá, Marcello apresentou-nos seu sócio, o empresário e engenheiro Fernando Leite Ribeiro,
e levou-nos a um comprido galpão de construção linear com paredes de pau-a-pique,
coberto por um telhado raso de cerâmica, o qual, numa das metades, abriga cabritos,
novilhos e porcos e, na outra, a sua inacreditável oficina de invenção. Bem ao lado está
pronta, instalada e funcionando a sua última invenção: a micro-destilaria de álcool.

- Microdestilaria de álcool é o quê?

Marcello - O equipamento desta oficina, que está montada num velho galpão de leite, foi
todo feito aqui na roça: a solda, a furadeira, a tesoura que corta as chapas. O engenheiro
Fernando Leite Ribeiro, responsável pela parte técnica da oficina, fabricou essa calandra
que dobra as chapas de aço. Qualquer oficina em qualquer lugar de Minas Gerais pode ter
tudo isso facilmente. Então, se nessa oficina nós fomos capazes de fazer com inteira
autonomia a caldeira, o alambique e a coluna de destilação, em qualquer lugar de Minas ou
do Brasil é possível fazer a mesma coisa. Isso é uma revolução. Com tecnologia cem por
cento nacional e acessível a qualquer um que queira utilizá-la, nós podemos produzir um
combustível muito melhor que a gasolina: o álcool! E o álcool não é só um combustível, é
também uma matéria prima. Com ele podemos produzir materiais plásticos, borrachas e
substituir uma série de produtos derivados do petróleo por coisas muito melhores...

- Pode substituir o gás de cozinha?

Marcello - Sim, claro. Em Havana, por exemplo, todos os fogões são fogões a álcool. A
alcoolquímica pode fazer tudo o que a petroquímica faz com inúmeras vantagens, sob todos
os pontos de vista. Aqui é uma oficina artesanal capaz de fabricar uma micro-destilaria que
vai produzir essa preciosa matéria prima. Aí vem a pergunta: por que o governo não
incentiva? A meu ver, não é por falta de vontade política. Porque, para se ter vontade
política, é preciso antes ter o conhecimento. E o que acontece é que os políticos, os
governantes, as pessoas de decisão não conhecem nada sobre o assunto. E quem não
conhece não pode ter vontade política. Como pode haver vontade política para realizar uma
coisa que não se sabe o que é?

- Mas mesmo sendo uma oficina artesanal, de baixo custo, nem sempre será acessível para
um pequeno produtor rural. Você está pensando numa linha de produção em série para
vender essas microdestilarias prontas aos pequenos agricultores e produtores rurais?

Marcello - Essa questão do combustível envolve


muitas variáveis. Uma delas é a variável fiscal. Todo
mundo acha que combustível é coisa de governo, é
coisa muito complicada, para empreendimentos
gigantescos, com tecnologia muito sofisticada,
caríssima e que deve estar sob permanente fiscalização
do governo. Então o pequeno produtor tem medo disso.
Mas isso é uma bobagem. Por exemplo, o leite. O leite
é um combustível que você coloca dentro do estômago
do seu filho! E o leite, sim, é um produto complicado
para se controlar a produção e a qualidade. Mas
ninguém tem medo do leite, nem o consumidor, nem o
pequeno produtor. E é um produto que se deteriora em
poucas horas e pode prejudicar a saúde das pessoas. Já
o álcool é um produto praticamente inerte. E facílimo
de controlar a sua qualidade. Você pega o alcoômetro,
coloca no álcool, mediu, está ali, pronto. Não tem
nenhum problema. Mas todo mundo tem medo! O
produtor que produz leite, que é um produto muito mais sofisticado e difícil de controlar,
tem medo de produzir álcool. Ele pergunta, mas como é que eu vou controlar isso? E o
governo? E a fiscalização? Então só o governo é que pode tirar esse medo. Mas os próprios
governantes também pensam assim. E enquanto o governo, o presidente, o governador, o
prefeito não entenderem que isso é uma revolução, eles não vão botar as suas máquinas de
governo e, principalmente, a área fiscal, que é a que mais amedronta, a favor desse projeto.
- Você está dizendo que o que achamos saber sobre os combustíveis, que é uma coisa de
altíssima sofisticação tecnológica, somente acessível aos megaempreendimentos, é tudo
uma mistificação?

Marcello - É tudo uma mistificação. De que outra forma se explicaria o fato de fazendas
capazes de produzir leite, que é produto complexo, difícil de ser produzido e
comercializado, se acharem incapazes de produzir álcool, que é facílimo de se obter e mais
fácil ainda comercializar? O que acontece é que a indústria dos combustíveis já nasceu
grande. É preciso entender que há uma enorme diferença entre as tecnologias de produção
de combustíveis fósseis para as de combustíveis da biomassa. Porque a energia fóssil é
concentrada. É uma mina de carvão, um poço de petróleo, enfim, um buraco na terra.
Então, numa pequena área é possível fazer um poço que jorra um milhão de barris/dia. No
caso da mina é a mesma coisa. A biomassa, não. A biomassa é ampla, é espalhada. E o fato
de carvão e petróleo serem concentrados é que gerou a cidade industrial. A mina está lá, as
pessoas moram em volta dela, as indústrias e o comércio se instalam ali, e surge a cidade
industrial. Concentração de pessoas, de negócios, de infra-estrutura, etc. Foi nela é que
começou a luta de classes, foi nela que se exacerbou a luta de classes. Então a mina, o poço,
é o poder. É fácil dominar. Por exemplo, se os americanos agora resolverem tomar o Iraque
- e eles já dominam a Arábia Saudita - eles vão dominar a quase totalidade das reservas de
petróleo disponíveis no mundo. E isso dominando um pequeno paisinho de nada! Que tem
um líder que está resistindo, mas é um só. E aí eles vão ter o domínio da energia do
petróleo para mais dez ou vinte anos. Por isso é que nós não vamos ter preço alto para o
petróleo por agora. A Europa, a Rússia, a China, que têm interesse no petróleo do Iraque,
provavelmente não terão interesse que seja o Saddam que continue dominando essa reserva
tão importante para eles. Então o mais provável é que esse petróleo seja colocado sob o
comando americano negociado com aqueles países. E o petróleo vai ficar nos 25 doláres o
barril por mais uns dez, vinte anos. Porque a mina, o poço, vai ser tomado, disso eu não
tenho dúvida.

- Mas o Brasil tem a biomassa, não é?

Marcello - Quando eu estive na direção do Departamento Nacional dos Combustíveis, que


hoje é a ANP - Agência Nacional do Petróleo (antes era o Conselho Nacional do Petróleo,
que na época dos governos militares era dirigido por generais), eu fui o primeiro civil que
assumiu a direção desse órgão já com o nome de Departamento Nacional de Combustíveis,
o DNC. Mas o que é mais importante é que ali eu consegui reunir, pela primeira vez, o
pessoal da Petrobrás, através da AEPET-Associação de Engenheiros da Petrobrás, com os
grandes usineiros de São Paulo. Porque eu dizia o seguinte: a vida da Petrobrás, que tem
uma reserva muito escassa relativamente, quer dizer, a reserva da Petrobrás é de cerca de
dez a doze bilhões de barris - só os americanos consomem oito bilhões de barris por ano! -
depende do álcool. E a vida do álcool depende da alcoolquímica. Então, se o CENPES, que
pertence à Petrobrás e é o maior centro de pesquisa de petroquímica da América Latina,
passasse a se interessar pela alcoolquímica, imediatamente a Petrobrás teria um grande
interesse pelo álcool. Porque ela seria a geradora da tecnologia da alcoolquímica, o plástico,
a borracha, e principalmente a produção de adubos nitrogenados. Então houve aquele
momento em que nós juntamos forças aparentemente opostas para solucionar esse grande
problema nacional que é a Petrobrás. E o álcool seria a solução de continuidade da
Petrobrás. E a Petrobrás teria uma vida muito mais longa do que os pouco mais de dez anos
que ela agora parece ter pela frente.

- O Sr. acha então que a Petrobrás deve ser uma empresa muito mais de energia do que de
petróleo?

Marcello - Sim, mas de energia líquida e gasosa. Na Florestal Acesita nós decidimos por
mudar o nome para Acesita Energética por que lá trabalhávamos com várias formas de
energia, o gasogênio, etc. Ainda não tínhamos a idéia da microdestilaria. Essa veio depois
com o Projeto Introeste, que desenvolvemos junto com a Prefeitura de Divinópolis em
1986. A Petrobrás poderia ser perfeitamente uma empresa de energia. Mas quero voltar
agora àquela sua pergunta anterior sobre o mito da energia. Como se criou esse mito do
grande, tudo grande, grandes volumes, grandes empreendimentos, grandes fortunas, etc. É
o "poder mundial", como costuma dizer o Bautista Vidal. E de tal forma que se falta
petróleo, falta tudo. Nada anda, nada se move. Mas, para mim o que é mais importante hoje
é que, se faltar petróleo, vai faltar alimento no mundo inteiro. Para se ter uma idéia, para se
produzir um quilo de sulfato de amônia precisa-se de dois quilos de petróleo. Hoje, no
mundo inteiro, na Ásia, na China, na Rússia, na Índia, na América do Norte, na Europa, na
África, na América Latina, ninguém produz nada sem o sulfato de amônia. Então na hora
que faltar petróleo o problema não vai ser os carros pararem, os fogões não acenderem... é a
fome que vai ser geral no mundo.

- E isso de fato está em vias de ocorrer. A era do petróleo é muito curta, historicamente.
Cerca de 200 anos somente numa trajetória de mais de dez mil anos de civilização. E
quando acabar o petróleo?

Marcello: Que o petróleo está no fim de sua era, isso é uma certeza. Se ainda não sabemos
quando, se daqui a 20, 30, 40 anos, é outra coisa. Mas o fato é que já estão apelando para
áreas até então preservadas, que eram consideradas sagradas. O Alaska não é só uma
reserva ecológica, é um santuário ecológico. E o governo norte-americano já está
permitindo às multinacionais do petróleo entrarem no Alaska! Todo o programa americano
que era de parar essa poluição pelo carvão mineral e pelo petróleo voltou atrás! Eles agora
acham que pode poluir. Isso porque eles não têm outra saída. A guerra com o Iraque vai ser
feita por causa disso. Você já pensou se o Iraque conquista de fato a autonomia? Aí a
Arábia Saudita vai pensar: porque também não tenho? Isso significa a quase totalidade das
reservas mundiais fora do controle dos Estados Unidos. E eles, que já estão importando
cerca de 60% das suas necessidades de petróleo, onde irão arrumar dólares para pagar a
conta? A dívida deles já está na ordem dos 6 trilhões de dólares, apesar do PIB ser de 1
trilhão.

- Mas isso não estaria acontecendo por que eles não tem saída para uma outra fonte
substitutiva de energia? O Brasil teria essa saída?

Marcello - Quando o Brasil produzia apenas 70 toneladas de cana por hectare, e hoje já há
quem produza mais de 100 toneladas por hectare, a Petrobrás fez uma pesquisa que
constatou que a cana pode produzir o álcool suficiente para fazer 4.000 quilos de sulfato de
amônia por hectare. Nós estamos no único lugar do mundo - estou falando de grandes áreas
cultiváveis, porque, claro, tem outras áreas menores como em Java, Indonésia, Filipinas,
uma parte da África - onde a energia que é retirada da Natureza é proveniente do sol! Desse
imenso reator, como diz o Bautista, que está a 145 milhões de quilômetros da Terra. Como
a cana tira energia do sol, ela tem superávit energético. E é só nos países tropicais, onde há
muita abundância de sol, que esse superávit é viável de se explorar economicamente.
Nenhum outro lugar do mundo tem isso.

- Isso quer dizer que a cana recebe uma energia que vem de fora da Terra, que a faz crescer
e crescer. Corta-se a cana e ela cresce outra vez, tanto mais rapidamente quanto mais sol
houver. Já com o petróleo, nós estamos tirando uma energia que já está acumulada na Terra
há milhões de anos e demorará tantos outros milhões para ser renovada. Quer dizer, tirou,
queimou, já era. A reserva só diminui, diminui, diminui.

Marcello - E vai demorar de 100 a 2000 milhões de anos para repor.

- Estamos hoje no limiar da era PT. O Lula presidente. Você falou que nossos políticos não
sabem nada sobre essa questão. Isso acontece também no PT de Lula?

Marcello - Eu fui
militante do PT durante
quase dez anos. E estou
trabalhando com essa
idéia da microdestilaria
desde 1986/87. Em 1990
fui candidato a deputado
federal pelo PT. E senti
uma dificuldade muito
grande de comunicação
com os meus
companheiros nessa
questão técnica. Com os
políticos em especial. Isso
não quer dizer que não
existam cabeças no PT
capazes de avaliar bem a questão. Quando eu fui para o DNC, eu era do PT, e isso foi
discutido por mim diretamente com o próprio Lula. E lá tive um grande apoio de um
deputado federal como Agostinho Valente, um outro deputado federal como o Luis
Gushiken. Eles queriam saber sobre essas idéias, tiveram e ainda têm interesse nelas. Mas,
por outro lado, o Eduardo Suplicy achava que eu estava trabalhando para os usineiros! Não
compreendia nada. Como eu já disse antes, a questão da biomassa é uma questão que tem
muitas variáveis; a variável fiscal, da qual já falei, a variável tecnológica, da qual já
abordamos alguns poucos pontos, e tem também a variável política. Quanto a essa última e
o PT, não é que eu não veja algum interesse, pois ele existe - o Palocci, que é de Riberão
Preto, por exemplo, ele está lá, ele conhece o poder da cana-de-açúcar, não tem como
ignorá-lo. Então, a cúpula do PT tem alguma visão da biomassa. Mas eu sinto que eles
vêem isso só pelo lado das grandes usinas, os grandes empreendimentos...
- A biomassa do megainvestimento?

Marcello - É, eles não enxergam o outro caminho...

- Então é hora de mostrar esse caminho ao PT (os entrevistados e a equipe vão até a
microdestilaria). O novo caminho é a microdestilaria. Mas é micro mesmo! Um pouco
maior que um panelão de feijoada!

Marcello - Aqui nós tiramos cem litros de álcool por dia. Álcool combustível! Você põe no
tanque do carro e sai andando. Álcool de 92 a 96 graus! Mas vamos à questão que
interessaria ao PT. Que interessou ao Brizola e que está despertando algum interesse no PT.
Aqui estamos diante de três equipamentos básicos, todos eles inteiramente construídos na
roça, nessa oficina artesanal: a caldeira, a destilaria e a coluna de destilação. A esse
conjunto falta ainda a moenda e as dornas para ser completo. Todo o conjunto pode ser
construído por qualquer um em qualquer lugar, com tecnologia cem por cento nacional,
matérias primas abundantes no país inteiro e a partir de um projeto que pode ser cedido
gratuitamente, como foi cedido a Cuba. Numa entrevista que fizemos com o Chico Pinheiro
na Globo News, dissemos o seguinte: nós podemos produzir aqui o melhor combustível do
mundo, o insumo mais cobiçado do planeta Terra atualmente, com apenas dois recursos
estratégicos e abundantes que estão abandonados no Brasil: a terra vazia e o homem
desempregado. Com esses dois recursos nós podemos produzir o melhor combustível que
existe no mundo, não tem nada igual.

- Quantos hectares de cana você precisa para alimentar essa microdestilaria?

Marcello - Entre dois a três hectares para se produzir 100 litros de álcool/dia. Um hectare é
do tamanho de um campo de futebol.

- Quantas propriedades rurais você acha que teriam condições para implantar esse projeto?

Marcello - Só em Minas Gerais temos hoje cerca de 400 mil propriedades rurais, quase
todas em uma situação pré-falimentar. O pequeno produtor hoje não ganha nada, não
consegue pagar empregados, não consegue conservar a cerca nem a pastagem, as estradas
da propriedade estão acabando... Você pensa o seguinte: e se dessa grande massa de
proprietários quase falidos, cerca de dez mil decidissem começar um projeto desses, com o
apoio do governo?

- Isso geraria milhares de empregos e uma bela produção de combustível.

Marcello - Minas Gerais hoje importa 600 milhões de litros de álcool. Com essas
microdestilarias espalhadas pelos quatro cantos de Minas, rapidamente o mercado mineiro
estaria completamente atendido. Mas a grande importância desse projeto - e isso é tão
óbvio mas as pessoas custam a entender - é que ele cria emprego na área rural. Então ele é a
única solução capaz de reduzir a criminalidade urbana. Porque, na medida que se oferece
um emprego saudável, um emprego que tem tecnologia, um emprego bonito, um emprego
no campo, o sujeito deixa de ter qualquer razão ou motivo para assaltar, roubar, traficar e
matar na cidade.
- E como funciona exatamente a microdestilaria?

Marcello - É muito simples. A cana é colhida, moída, o caldo é fermentado nas dornas e
depois colocado no reservatório para destilar. A produção da microdestilaria não é
contínua, é em batelada. Colocado o caldo no alambique, aciona-se a caldeira a lenha. O
vapor vai até o caldo e o aquece. Aquecido, o caldo sobe por essa coluna pequena. Você
pode optar por produzir álcool ou cachaça, conforme as necessidades do produtor. Então o
registro pode ser virado para a serpentina, quando se quer a cachaça, ou para a coluna de
destilação do álcool, que é a coluna grande de seis metros. Isso tudo construído com restos
de ferro-velho e aquelas maquinetas, também recuperadas ao ferro-velho. Mas, aí, você diz:
não é melhor produzir só a cachaça, que dá mais rendimento - com um litro de álcool você
faz dois de cachaça - e o preço é mais alto? Isso é verdade, mas a cachaça é limitada em sua
comercialização, o álcool não. A COCESP, uma fábrica de cachaça de São Paulo, por
exemplo, já produziu um bilhão de litros de álcool. Porque o álcool, além de ser o mesmo
que dinheiro, não tem os problemas de qualidade que a cachaça tem, qualquer parte da cana
serve para fazer álcool; a cachaça, não: precisa escolher, não pode usar os talos, etc.

- Esses elementos são os mesmos que os de uma grande usina, guardadas as proporções?

Marcello - Exatamente os mesmos. Mas isso não é monocultura, não transforma o país em
canavial, é perfeitamente adequado ao meio ambiente, não tem nenhum problema de
poluição. Além disso, o vinhoto é dado para o gado, o gado bebe esse vinhoto todo e gosta.
E ainda temos os subprodutos: no nosso projeto, a moenda só retira 50% do açúcar da cana.
Isso quer dizer que o bagaço ainda fica com açúcar e, além da sua parte volumosa, ele
retém uma parte energética, que é o açúcar. Então isso é picado e é dado para o gado. Como
de um modo geral a maior produtividade da cana é no período seco, quando começa a
escassear o pasto você entra com o bagaço para substituí-lo. Aí você consegue um perfeito
equilíbrio na produção de leite da propriedade. Isso equilibra também a mão-de-obra e a
renda do leite. E não pára aí. Como o gado fica estabulado, é fácil recolher o esterco e a
urina para fazer o adubo orgânico.

- Genial. Aí completa-se o ciclo: o adubo vai para a cana, etc e tal. Mas, quanto seria o
investimento necessário para montar uma microdestilaria como essa?

Marcello - Essa pergunta às vezes é muito fácil de responder, às vezes, muito complicada.
Isto porque esse equipamento, se feito com a tecnologia adequada, dura 20 anos. Não há
peça móvel. Então ele poderia ser amortizado em 20 anos. Um projeto desses completo,
funcionando, fica em torno de US$ 10 mil, tudo. Então se houvesse interesse dos grupos
financeiros em ajudar mesmo, o que isso significaria? Um financiamento para ser pago na
ordem dos 600 dólares por ano! 50 dólares por mês! Quem não pode pagar essa mixaria?
Mas , é claro, com a especulação solta e até estimulada como está hoje, ninguém vai querer
fazer isso.

- Mas ainda teríamos que ter uma infra-estrutura de transporte, armazenamento de grandes
quantidades, etc, não é?
Marcello - Se o governo quiser, se o governo conhecer, nem precisa mexer muita coisa não.
Cada um vai produzir seu álcool, vai resolver com os vizinhos a melhor forma de cooperar
naquilo que interessa, isso sai naturalmente. Nem precisa de muito controle. Leite, sim.
Leite precisa de controle, mas álcool, não. Álcool é só botar lá o alcoômetro, medir e
pronto. Aí é botar no tanque do veículo e sair andando. Não precisa nem de governo, de
estrutura, de nada. É claro, se o governo estiver ajudando, se a cooperativa estiver
ajudando, aí nós vamos fazer alcoolquímica, vamos fazer o diabo. Agora, para o consumo,
não precisa mais nada. É o que está aí.

- E de quantos trabalhadores você precisa para cumprir todo esse ciclo produtivo?

Marcello - Com quatro trabalhadores faremos tudo durante o ano inteiro. Vão plantar a
cana, vão colher a cana, vão transportar a cana, vão moer a cana, vão fermentar a cana, vão
fazer a destilação, vão fazer tudo. Quatro pessoas só. Mas temos 400 mil propriedades, a
maioria com quase ninguém trabalhando em regime contínuo. É só multiplicar por quatro
para se ter o potencial de empregos que o projeto pode gerar. Só nisso seriam um milhão e
seiscentas mil pessoas empregadas, e produzindo um produto que é demandado pelo mundo
inteiro! Não é igual ao leite, que ora baixa o preço por que tem leite em excesso, aquela
coisa toda. Vai ter álcool em excesso? Isso não existe! Porque se eu tiver álcool em excesso
eu vou fazer plástico, eu vou fazer borracha, eu vou fazer adubo nitrogenado...

- Você acha que estamos no limiar de um novo governo que vai se interessar por uma
solução dessas?

Marcello - Não sei... Na verdade, eu estou doido para que o Lula se interesse por isso, mas
não estou vendo nenhum sinal nítido. Eu vejo só a intenção, muito boa intenção, mas...

(Fernando Leite Ribeiro entra na conversa)

Fernando - Ontem houve uma alta no preço do álcool... Por quê? Porque o preço do açúcar
nas bolsas internacionais subiu. Então os grandes usineiros preferem exportar açúcar do que
produzir álcool. Se nós tivéssemos as microdestilarias espalhadas pelo Brasil afora, isso não
aconteceria. O preço do álcool não subiria.

Marcello - Você poderia ter junto da ANP um órgão que seria a ANA - Agência Nacional
do Álcool. Mas o órgão ágil que hoje tem recursos na área federal é a ANP. Se a ANP
tomasse a decisão de levar à frente um projeto desses em nível nacional - e ela já tem os
recursos, e se esses recursos fossem colocados para o programa do álcool -, na minha
opinião, esse seria o único meio de se fazer uma reforma agrária no Brasil. Nós daríamos a
cada assentamento a sua autonomia energética, a sua autonomia de renda, e esses
assentamentos passariam a não depender em nada do governo.

- E aí deveria ser criada a ANA?

Marcello - Eu acho que a coisa deveria ser integrada. Deveria criar-se a ANC - Agência
Nacional de Combustíveis. Essa agência que já lida com os combustíveis fósseis e recebe o
dinheiro do imposto ao consumidor alocaria uma parte desses recursos para incentivar a
área agrícola e a indústria artesanal, para fazer o álcool combustível e seus subprodutos.

- Isso resolveria a promessa do Lula de dez milhões de empregos?

Marcello - Se nós calcularmos que só em Minas Gerais teríamos um potencial para criar um
milhão e seiscentos mil empregos, pensa no Brasil, que teria cerca de dez vezes o potencial
de Minas. E sem importações, sem complicações tecnológicas...

- Você acha que um projeto desses contaria com o apoio dos grandes usineiros, ou eles
seriam contra?

Marcello - Quando foi publicada a portaria que criou o Pronal, que é o programa do álcool
e do leite, o projeto tinha o apoio dos grandes usineiros e da AEPET, que é a Associação
dos Engenheiros da Petrobrás. Isso porque o projeto vai ajudar os dois lados. Ele vai dar
mais credibilidade ao álcool e vai dar mais vida à Petrobrás. Esse é um projeto que eu não
vejo quem é contra ele. A única força contrária foi a das montadoras, porque achavam que
o álcool era um combustível "bugre". O interesse delas estava voltado para o carro mundial
e elas não queriam saber de outra coisa que não fosse o petróleo. Mas hoje, com o carro
bicombustível que os próprios americanos já começaram a fabricar desde o ano passado...

- Volto a insistir na política. Um operário é, pela primeira vez, eleito presidente da


República. Você por este projeto já foi chamado pela equipe do novo governo para alguma
avaliação de perspectivas?

Marcello - Francamente, não. Eu tenho amigos no PT, como o deputado Agostinho


Valente, que eu sei que tem um grande interesse nisso. Inclusive ele já conversou com a
assessoria do Gushiken, que também parece estar interessado. Eu hoje trabalho muito com
a idéia do projeto em si e menos com a idéia de política partidária. Nós estamos
desenvolvendo um projeto para Minas, para o Brasil, para o mundo dos trópicos que nos
leva em direção a uma democracia mais plena. É um projeto que descentraliza o poder, cria
emprego na área rural, é um projeto democratizante. O governo Lula deveria tomar
conhecimento disso. O Lula hoje já conhece a biomassa, mas não conhece ainda a
microbiomassa, o Pronal, o Fazendeiro Florestal. Até nos Estados Unidos, onde a floresta
demora mais de dez anos para crescer, eles já têm cerca de dez milhões de fazendeiros
florestais. E no Brasil nós ainda não temos nada disso. É a floresta para produzir energia
elétrica, tudo descentralizado; os pequenos produtores se localizariam em volta de uma
pequena ou média usina elétrica a lenha, lenha renovável, adequada ao meio ambiente,
tirada da própria floresta natural, se se quiser, ou de uma floresta de eucalipto plantado, que
cresce muito rápido. O Brasil tem tudo para criar muito mais do que dez milhões de
empregos somente na área rural. E este será o único caminho para diminuir o medo urbano,
para diminuir a criminalidade urbana.

- Marcello, você não acha que há interesses de origem externa que impedem o projeto do
autodesenvolvimento?
Marcello - Que existe uma decisão mundial de domínio da energia, eu não tenho nenhuma
dúvida. Se os americanos estão querendo hoje invadir o Iraque, é para dominar a energia. A
Venezuela está em crise porque tem petróleo. Esse o poder internacional da energia. Mas
pior do que isso é o desconhecimento das lideranças nacionais em relação às nossas
possibilidades. O governador e o deputado não têm a mínima noção do que é exatamente o
significado da palavra "combustível". Para eles, combustível é aquela matéria prima que se
coloca no carro, e fica nisso. Eles não têm noção de que o álcool é um petróleo limpo! É
carbono, hidrogênio e oxigênio.

- Na época do Pró-álcool criou-se a balela de que o álcool era ruim, os carros não
andavam...

Marcello - Primeiro, é preciso comunicar o que é a biomassa, para depois saber sobre a
biomassa agrícola, a cana, o dendê, e a biomassa florestal, que pode ser natural ou plantada.
Então, sem o mínimo de conhecimento, seja do deputado, seja do secretário de Estado, seja
do governador, seja do presidente da República, não se muda nada politicamente em
relação a esse assunto.

- E as Forças Armadas? Elas não teriam um interesse nessa idéia, que pode ser estratégica
em relação à soberania nacional, à ocupação territorial e tudo mais?

Marcello - Num dado momento, muito por desconhecimento, a Petrobrás foi contra o
álcool; num dado momento, também por desconhecimento, as Forças Armadas também
foram contra o álcool... Por quê? Na medida em que você produz combustível
descentralizado, surge a possibilidade da guerrilha. É a riqueza independente. Por outro
lado, sem soberania não há cidadania; e sem energia não há soberania. E soberania só é
possível com as Forças Armadas organizadas e cuidando dessa soberania.

- Vocês já conversaram com alguém das Forças Armadas sobre o autodesenvolvimento e a


biomassa?

Marcello - Sim, o mais interessado é o brigadeiro Ferolla. Um dos fundadores do CTA e


grande estimulador, inclusive, do motor aeronáutico a álcool. Mas o fato concreto é que
esse projeto, dentro de um projeto de soberania, é de grande interesse das Forças Armadas
hoje. E é de interesse de todas as forças nacionalistas e, principalmente, é do interesse da
população brasileira! Ele é de grande interesse do cidadão que mora na cidade...

- Então por que a grande imprensa omite totalmente o assunto? É claro que não faltaria
público para um assunto desses, tanto na mídia impressa como na mídia eletrônica. Então
por que não se divulga?

Marcello - Veja o caso dos bancos. Hoje os bancos só pensam em termos de percentuais e
muita margem de lucro, ou seja, muito lucro e pouco trabalho. Então, eles só querem
projetos grandes, porque, mesmo que os percentuais sejam pequenos, dão lucros enormes.
Então, quando se fala em 200 mil, 300 mil projetos, nem os bancos do estado querem saber
disso. É muito trabalho e, mesmo com percentuais maiores, dão menor lucro. Nós fizemos
um levantamento no começo do governo Itamar em Minas sobre os quatro anos de governo
FHC: o BNDES tinha emprestado somente para São Paulo algo da ordem de 200 bilhões de
reais, que eram 200 bilhões de dólares naquela época. Para Minas Gerais, só seis bilhões de
reais! Os próprios bancos ditos "de desenvolvimento" não têm o menor interesse nos
projetinhos, nas coisas pequenas. E eles fazem uma confusão muito grande entre "ponta de
tecnologia" e "tecnologia de ponta". Eles não entendem que isso aqui é uma "tecnologia de
ponta"! Ela é nossa, é criada por nós, pode ser desenvolvida por nós, somente nós é que
podemos estar na ponta disso! E eles confundem esse termo achando que ele trata de
alguma empresa estrangeira que está aprimorando um conceito de motor, de design... e isso
chama-se "ponta de tecnologia". Agora, tecnologia de ponta é a nossa alcoolquímica,
desenvolvida aqui, por nossas indústrias, nossos centros de pesquisa. Veja o plástico de
álcool, não é o melhor do mundo? É! Pois é biodegradável, então é muito melhor do que o
do petróleo.

- E o silêncio absoluto da grande imprensa sobre o Autodesenvolvimento e a biomassa?

Marcello - Infelizmente a mídia é paga. E quem é que paga? Não seria a Shell, a Esso, a
Ford, que são também grandes anunciantes? Então eles têm de publicar o que agrada a
esses que pagam... E esses não têm nenhum interesse nesse projeto.

- Mas têm interesses contrários?

Marcello - Eu acredito que eles tinham interesses contrários antes do carro bicombustível.
Mas agora eu não vejo nem razão para eles serem contra.

Fernando - E eles hoje já ganham muito na distribuição do álcool. A Texaco deve ganhar
mais com o álcool do que qualquer usineiro de grande porte.

- Ué, e eles estão distribuindo álcool agora?

Marcello - Ele está falando da distribuição da gasolina misturada com álcool.

- Você acha então que se nós levarmos agora esse assunto ao conhecimento da grande
imprensa vai haver interesse, uma vez que os pagantes não estão mais no time dos contra?

Marcello - Eu nem tento mais. Ah, fulano de tal quer fazer uma entrevista. Eu não faço.
Porque 90 por cento das entrevistas que eu dei não foram publicadas. Uma exceção,
raríssima, foi a que eu dei para o Chico Pinheiro na Globo News. Eu disse a ele: não vai
sair. Ele disse: vai! E saiu! Mas a segunda etapa da matéria, que era a gravação em Salinas,
inclusive com a participação do Fernando, para mostrar a microdestilaria que instalamos lá,
essa já não saiu.

Fernando - Algum interesse interferiu nisso, disso eu não tenho dúvidas.

- Como assim? Alguma coisa oculta, escondida? Porque será que logo essa não saiu?

Marcello - Isso não adianta especular. Eu acredito que se tivéssemos aqui um governador
querendo fazer isso, nós faríamos. Se tivéssemos um prefeito querendo fazer, nós faríamos.
Não tem nenhum estado melhor do que o de Minas Gerais para alavancar um projeto
desses. Pela quantidade de cooperativas, pela quantidade de produtores de leite; é um
estado que importa muito álcool, mais da metade do que consome; é um Estado ainda com
boa distribuição da população pela terra. Realmente se um governador de um estado como
esse quiser, e com Itamar Franco isso não foi possível - eu na verdade nem entendo bem o
que é que aconteceu -, então eu acredito que se o governador Aécio de fato quiser fazer, se
ele levar a fundo essa realização, ele pode se preparar para ser o próximo presidente da
República, já nas próximas eleições. Isso se o Lula não pegar para si o projeto. Então eu
acho que, sem entrar no mérito da competência, do comprometimento do Aécio com o
governo passado, etc, eu acho que esse projeto precisa é de alguém que está no poder e que
quer realizá-lo. Pois qual é a dificuldade de realizar esse projeto, seja em nível estadual,
seja em nível nacional? Nenhuma. Qualquer prefeitura pode fazer. Se nós estamos fazendo
aqui, nessa pequena oficina artesanal!

- E a CEMIG? Ela não teria interesse?

Marcello - Eu fiquei quatro anos dentro da CEMIG lutando por


este projeto. Não consegui. E a CEMIG seria uma grande
alavancadora de um projeto desses. Teria tudo para isso.
Principalmente nessa área florestal, de geração de energia
elétrica. Um hectare de floresta de rápido crescimento produz 4
Kw instalados. Se você tivesse a área alagada de Três Marias em
floresta teria muito mais energia elétrica do que tem lá hoje,
nisso não há a menor dúvida. E energia renovável, criadora de
emprego, mais barata... E hoje, inundar áreas férteis e tão vastas
é praticamente impossível, não se faz sem uma grande
dificuldade, existem até movimentos internacionais. A energia
de hidrelétrica era muito barata quando era fácil inundar terras.
Mas hoje não é mais assim. É o mesmo caso da Petrobrás com o
álcool. A vida da CEMIG depende da termoelétrica a lenha e
não da termoelétrica a gás! Mas ela não quis o projeto.

- E qual o motivo alegado para essa atitude negativa?

Marcello - É desconhecimento. Não conhecem! E também não querem conhecer. É o


comodismo do poder, o cara está ali, na dele, as viagens internacionais, a mordomia, vamos
comprar um transformador da Siemens na Alemanha, sabe como são as coisas, não é? E o
medo da mudança, porque aí vai ter que estudar, vai ter que trabalhar, vai ter que se
esforçar, vai ter que se arriscar, enfim, é todo esse conjunto gerador de inércia, de não
querer mudar, arriscar...

- Mas já existe um grupo de pessoas que realmente começaram a se interessar?

Marcello - O Sindieletro tem sido o maior incentivador do Pronal, até em nível nacional.
Hoje eles estão incentivando a instalação do Pronal numa região aqui perto de Betim, e eles
estão se esforçando, levantando verbas, arrecadando dinheiro; já plantaram a cana, agora
compraram uma caldeira. O Sindieletro é um "alavancador" disso hoje. E na CUT, o Lucio
me afirmou que a prioridade deles é o Pronal. E vão levar ao Lula como prioridade da CUT
de Minas Gerais. Mas é só isso. Eu, em vista de tantos esforços sem que nada aconteça,
ando meio descrente.

- Você acredita mais naquela estratégia de um fazer aqui, o vizinho fazer ali?

Marcello - Sim, eu só acredito no autodesenvolvimento. Construir o Brasil de baixo para


cima.

- E como você define o autodesenvolvimento?

Marcello - Autodesenvolvimento é a proposta de condução da economia nacional a partir


de uma política de autodeterminação dos povos, sem a intervenção externa nas prioridades
e nos negócios do país. Nesse sentido, é um conceito radicalmente contrário ao de
desenvolvimento sustentável, expressão essa que já entrou até mesmo no nome do
ministério que cuida do meio ambiente brasileiro. Entretanto, muitos a empregam sem
conhecer sua origem e fundamentação. Já o autodesenvolvimento propõe soluções para
alguns dos nossos principais problemas: desemprego, geração e conservação de energia,
produção de alimentos e melhoria do padrão de vida. Propostas ambiciosas, mas realistas e
viáveis, considerando-se que utilizam somente aquilo que possuímos em grande
quantidade: a força do trabalho, o raciocínio humano e os recursos naturais e tropicais.

- Há alguma coisa de errado nessa expressão "desenvolvimento sustentável"?

Marcello - Os conceitos explícitos na filosofia do desenvolvimento sustentável são


aparentemente positivos, dentro de padrões aceitáveis ética e historicamente. Um dos
principais pilares é a defesa da ação do homem sem agressão à Natureza. O que está por
detrás, contudo, é uma perversa política de controle das populações, através da esterilização
de homens e mulheres, manutenção de nações em atraso tecnológico, retardo de pesquisas e
dependência externa. Não há mesmo com o que se iludir: a concorrência é letal.

- Isso é uma loucura!

Marcello - O autodesenvolvimento propõe empregar os recursos abundantes e estratégicos,


ou seja, o povo e os recursos naturais do Estado, sem qualquer dependência ou tutela
externa, para conquistar desenvolvimento e autonomia. São diversas ações dentro de uma
mesma diretriz: implantar uma política florestal para aproveitar as terras e o sol, produzindo
energia sólida, limpa e renovável; utilizar os minerais fertilizantes, como fosfatos, apatitas,
fosforitas e galuconita, abundantes em Minas Gerais, para dar autonomia à agricultura, sem
adubos importados a preço de dólar; dinamizar aqui o Pronal - Programa Nacional do
Álcool e do Leite, que começou a ser implantado por Itamar Franco quando presidente da
República, mas foi descontinuado. É um sistema que combina a produção de cana-de-
açúcar e leite. Os dois em baixa escala, pulverizados em milhares de pequenos produtores,
transporte pela "linha do leite" e comercialização através de muitas e pequenas
cooperativas. Uma estrutura que funciona, é rentável e gera empregos. Além do álcool, a
geração de energia pode ser incrementada com a construção de pequenas hidrelétricas para
produção de energia, irrigação, criação de peixes, turismo interno e geração de empregos.
Sempre utilizando tecnologia, trabalho e capitais próprios. Outros subprogramas são a
produção de óleos vegetais combustíveis, produção de plástico e borracha de álcool - de
extrema facilidade - e de adubos nitrogenados. Estas ações dão prioridade ao mercado
interno, principalmente de produtos de primeira necessidade destinados à alimentação,
vestuário, moradia e atendimento à saúde.

- Ainda estou perplexo com aquela sua lição sobre o desenvolvimento sustentável. E eu que
pensava que era uma boa. Mas, então é o lobo em pele de cordeiro?

Marcello - Com tantas riquezas, o quadro de pobreza e falta de perspectivas para a maioria
da população só pode ser explicado porque os projetos de desenvolvimento são voltados
para exportação e não para o atendimento do povo. E a importação de equipamentos e
tecnologias caras, obsoletas e inadequadas; o desconhecimento de nossa realidade física de
região tropical; a crescente dependência financeira, tecnológica e cultural externa; os meios
de comunicação comandados por grandes anunciantes e grupos estrangeiros, cujos
interesses são, quase sempre, contrários aos da grande maioria da população...

- E isso não é de hoje...

Marcello - A publicação do livro Limites do Crescimento, do Clube de Roma, em 1969,


revelou a preocupação dos países industrializados com a escassez dos recursos naturais do
planeta. A principal dificuldade, como não poderia deixar de ser, era com o limite das
reservas de combustíveis fósseis: carvão mineral energético e coqueificável, petróleo e gás
natural. Mas outras matérias primas minerais se apresentavam com reservas preocupantes
pela pequena quantidade: alumínio, manganês, água e outros. Dois outros fatores traziam
grandes preocupações: a localização dessas reservas restantes e o desequilíbrio ambiental
causado pela produção e uso indiscriminado de tais recursos, principalmente quanto ao
carvão mineral e o petróleo. As reservas de alta qualidade e custo competitivo de extração
do carvão mineral já haviam sido exploradas, restando minas mais profundas, com teores
mais baixos. Quanto ao petróleo, os Estados Unidos já haviam consumido cerca de 90 % de
suas reservas internas, e a localização de 70 % das reservas restantes do mundo estavam no
Oriente Médio, uma região complexa e tensa, devido a distúrbios políticos, étnicos e
religiosos. De modo semelhante, os minerais estratégicos, para a grande industrialização,
estavam localizados nos chamados países periféricos, alguns dos quais com crescimentos
populacionais explosivos. Diante dessa realidade, os países industrializados, os sete ou oito
grandes, seguidos pelos outros 16 países da OCDE, somente teriam um caminho a seguir
para manter a hegemonia política, econômica e os altos padrões de vida de suas
populações: dominar esses recursos naturais onde quer que eles estivessem, com todos os
meios persuasórios - econômicos ou militares.

- E é o que está rolando agora?

Marcello - A primeira tática utilizada foi reduzir drasticamente as populações que nasciam
nos países onde estavam esses recursos. Esta política global utilizou como cobertura ética o
discurso bem articulado de desenvolvimento social e progresso humano. Desse
pensamento, surge o conceito de desenvolvimento sustentável. Ele daria, a partir de então,
toda cobertura às ações que se desenvolveram em função dos objetivos almejados, mas não
explicitados.

- Nós mesmos, que nos julgávamos preparados, vínhamos caindo direitinho nesse conto do
vigário que é o tal do "desenvolvimento sustentável", que, pelo visto, até hoje só sustentou
mesmo foi a miséria e a ruína dos países do chamado Terceiro Mundo. Mas agora, para
finalizar este bate-papo, o que você diria para o eleitor brasileiro, que votou na mudança,
sobre a mudança que realmente deve ser feita? Ou seja, qual o seu recado para esse eleitor?
O que, para você, cientista e cidadão, significa mudar?

Marcello - Mudar tem que ser para melhor. E o único jeito de mudar o Brasil para melhor é
criar emprego na área rural. Dizer que vai arrumar emprego na construção civil e na
indústria só agrava o problema. E o único projeto que cria emprego na área rural, sem
aumentar a dependência externa, sem exigir megainvestimentos e outras inviabilidades ou
impossibilidades é esse projeto de produzir o álcool, um insumo de consumo ilimitado, de
liquidez imediata, além de democratizante e descentralizador. Se Lula realmente quer
mudar o Brasil, ele pode fazê-lo em menos de dois anos, com resultados sensíveis e
positivos a curto prazo em todas as esferas das dificuldades nacionais, bastando
simplesmente incentivar a realização das microdestilarias num programa de repercussão
nacional. E será bastante dar o pontapé inicial para a coisa começar a pipocar e crescer por
ela mesma. Eu tenho certeza de que essa microdestilaria que acabamos de construir aqui vai
despertar um grande interesse na minha região. Isso já está acontecendo. Quando
começarmos a produzir regularmente, daqui a uns três meses, eu vou ter dificuldade de
atender a demanda somente da minha vizinhança mais próxima. É realmente uma coisa
inacreditável, para mim, que sou geólogo, estar realizando esse projeto. E eu tenho de dar
um desconto para os que não acreditam por que eu, como geólogo, também não acreditava
nisso, de jeito nenhum. Eu não acreditava que era possível fazer plástico, borracha, de
álcool! Eu não acreditava que era possível fazer sulfato de amônia de álcool! Enquanto não
fui ver, não fui estudar, não fui fazer, eu não acreditava! E, depois, encontrar pessoas como
Bautista Vidal, o Fernando, que me ajudou a realizar isso tudo, e muitos outros. Hoje eu
tenho uma visão claríssima de tudo isso, mas foi com uma dificuldade muito grande que eu
consegui romper as barreiras do desconhecimento, da desconfiança, da mistificação. Por
isso eu acho que existe uma dificuldade enorme em comunicar tudo isso. São muitas
variáveis atuando simultaneamente. É uma cultura de duzentos anos arraigada nas mentes
das pessoas e nos interesses dos poderosos.

- Essa oficina mágica tem nome?

Marcello - Sim, tem. É Oficina AD: autodesenvolvimento.

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