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02/09/17
Unidade 01 (continuação)
Falaremos sobre os cinco obstáculos que durante o período de transição do DIP clássico
e os Direitos Humanos tiveram que ser superados para que esta disciplina pudesse avançar. Tais
obstáculos são listados pelo professor Cançado Trindade na sua obra sobre os fundamentos
jurídicos dos Direitos Humanos.
1. Histórico
Tal conceito foi afirmado nos tratados de paz de Westfalia em 1648, momento este que
se tem o marco jurídico do nascimento do DIP contemporâneo. Esses tratados de paz deixaram
claro que cada soberano teria direito exclusivo sobre sua jurisdição e o seu território, por
conseguinte sobre os súditos que eles governavam. Isso durou mais de 300 anos. O Direito
Internacional nasceu em torno deste vinculo absoluto do Estado com seus nacionais e todos
aqueles que tivessem sobre sua jurisdição, submetendo-se às suas leis e Constituição.
2. Consequência
3. Resultado
Não havia um Estado com tanto poder para dizer que isso estava errado, portanto foi
necessário romper com esse paradigma da soberania absoluta e relativizar tal conceito para
determinados temas do DIP como os DH, ou também o direito ambiental, direito internacional
penal.
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Hoje DH não são mais matérias de competência nacional exclusiva. A ONU e outras
organizações tem mandato, competência convencional e extra convencional para perguntar dos
Estados e investigar o que eles andam fazendo em matéria de direitos humanos.
c) Princípio da reciprocidade
É um conceito tipicamente dos direitos dos tratados. Se eu assino um tratado com você,
posso lhe cobrar, assim como você pode me cobrar (há uma reciprocidade de débitos e
responsabilidades). Se eu sou uma Estado “A” e lhe prometo uma tarifa alfandegária “X” mais
favorável, você reciprocamente vai me retribuir o mesmo direito me dando uma tarifa
igualmente favorecida. Mas se eu não cumpro a minha parte, você diz “também não vou lhe
dar”, ou seja, há uma espécie de troca entre os Estados em relação as obrigações que
mutuamente assumem. Porém em matéria de Direitos Humanos isso não está certo porque se o
Estado brasileiro diz que não irá cumprir o art. 4º da Convenção Americana, os outros Estados
que também são parte da Convenção não podem dizer que não irão cumprir. Imaginem o que
aconteceria! Então, esse sentido de reciprocidade não funciona para os Direitos Humanos
porque quando você está diante de uma Convenção ou de um Tratado de Direitos Humanos, a
ideia é que todos assumam as obrigações e, independentemente do comportamento dos outros
Estados contratante, todos cumpram objetivamente as obrigações assumidas. Então, ficaria
muito fácil para o Estado invocar reciprocidade para deixar de cumprir uma obrigação porque
o vizinho não cumpre. O Brasil, por exemplo, diz “ah, eu não vou cumprir os Direitos Humanos
porque no Paraguai, na Argentina também não estão cumprindo”. Percebam que a lógica não é
a mesma do DIP Clássico, é uma lógica de responsabilidade comum, de obrigações que valem
para todos os Estados contratantes (obrigações erga omnes). Por isso, a lógica da reciprocidade
não funciona.
Isso traz como consequência prática que se um Estado deixa de cumprir uma
determinada obrigação assumida, não é o Estado contratante/Estado opositor que vai reagir a
essa falta de cumprimento e sim algum órgão de supervisão do cumprimento do Tratado. Um
exemplo bastante simples disso: vocês sabem que a outorga de visto e a permissão da entrada
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Há uns 7 anos atrás (mais ou menos) houve uma grande onda migratória do Brasil para
a Espanha. Muitos dos brasileiros que iam para a Espanha iam como turista, sem precisar
necessariamente de um visto formal, ingressavam no país e ali se tornavam imigrantes
indocumentados. Então, a polícia migratória espanhola passou a barrar brasileiros suspeitos que
não tinham condições, estereótipo, por qualquer motivo que seja. Para eles, bastava apenas
olhar para a cara da pessoa “essa aqui vai para prostituição”, “esse aqui vai virar imigrante
ilegal”, “esse aqui não vai dar certo”, “esse aqui está com pouco dinheiro e não vai conseguir
se sustentar”. Por conta disso, teve uma leva de brasileiros que começaram a ser retidos e
deportados de volta para o Brasil. Em um desses episódios (saiu no jornal), uma senhora do
Nordeste que foi ver o filho na Espanha que já estava em uma situação de imigrante
documentado. Ao analisarem essa senhora (estereótipo, condições financeiras, etc.), ela foi
barrada na imigração e, consequentemente, deportada. Só que essa senhora ao ser colocada na
salinha para ser deportada, ela ficou incomunicável, sem acesso aos seus pertences pessoais e,
por conseguinte, ficou sem acesso aos medicamentos. E aí não deram nem mesmo assistência
consular para ela ter um auxílio do cônsul brasileiro, um direito previsto no Direito
Internacional Humano para as pessoas estrangeiras. Houve todo um escândalo porque essa
senhora passou mal, ela era cardíaca, etc.
Nesse caso específico, qual deveria ser a reação do governo brasileiro em relação a
detenção/deportação dessa pessoa? Se fosse pelo princípio da reciprocidade ou pela lógica dos
Direitos Humanos, o que vocês acham que seria a reação esperada do governo brasileiro? Seria
legítimo o Brasil fazer o mesmo que os espanhóis, ou seja, colocá-los em uma situação de risco
de integridade pessoal/vida, colocá-los em uma salinha, passar por revistas humilhantes,
presumir que as mulheres espanholas vão se prostituir no Brasil? Vocês acham que é um
tratamento legítimo em termos de um país que assinou um tratado de Direitos Humanos (tanto
o Brasil quanto a Espanha)? É isso que é fugir da lógica da reciprocidade: não é tratar as
matérias de Direitos Humanos como o Estado opositor trata e o Brasil fez exatamente isso. Não
sei se vocês lembram que, na época, o Brasil começou a deportar espanhóis também. Não sei
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Aí a gente volta para aquela aula de proteção diplomática em que vocês lembram quais
são os casos que interessam ao Estado conceder proteção diplomática.
Aluna: Os Estados se comportam como crianças: eles batem o pé e dizem que não vão fazer.
É infantil!
Professora: É uma lógica irracional, mas no fundo quem toma as decisões não é o Estado
abstrato, são chefes de Estado ou os altos funcionários que agem dessa maneira. Precisamos
esquecer que o Estado é abstrato.
contas dos Estados sobre como anda a situação dos direitos humanos nos seus territórios, e
esses órgãos da carta dizem respeito a qualquer Estado da ONU, os 193 Estados, independente
se eles ratificam os tratados de direitos humanos ou não, por eles estarem vinculados a ONU,
eles se vinculam a esse sistema de monitoramento dos órgãos da carta e mais ainda existem
tratados internacionais no sistema das nações unidas que tem comitês de supervisão do
cumprimento dessas tratados fora os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos, como
é o caso do sistema da UEA, sistema do Conselho da Europa, sistema da Unidade Africana,
então já que se fugiu da lógica da reciprocidade, que um Estado não fiscaliza o outro
necessariamente, as petições interestatais tornaram-se mecanismos secundários, era necessário
então que se desse capacidade de agir, ou seja, que se desse mandato internacional a
determinados órgãos e organizações internacionais que fizessem essa fiscalização.
Então, hoje quando se fala de direitos humanos se rompe toda aquela lógica da proteção
diplomática, hoje para invocar a proteção internacional em relação a proteção de direitos
humanos, um indivíduo não precisa mais se dizer nacional de um determinado país, basta que
ela alegue que sobre a jurisdição de um determinado Estado ela sofreu algum tipo de violação,
e que o Estado estava obrigado a evitar ou a protege-la dentro de sua jurisdição, ou seja, não há
mais aquela lógica da proteção diplomática que eu precisava primeiro do vínculo de
nacionalidade, depois do endosso diplomático e depois o Estado ia mitigar com o outro em um
foro internacional, hoje a lógica é outra, um indivíduo, que tenha a condição de humano, que
está sobre a jurisdição de um determinado Estado, e esse Estado por ação ou omissão viola os
direitos dessa pessoa e se abre então o sistema internacional de proteção, seja na ONU ou nos
sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos.
É muito importante guardar a ideia da “sob jurisdição”. Não é apenas falar que se está
em um determinado território, mas sim sob a jurisdição efetiva e direta de um Estado. Poderia
se perguntar “e quando se trata de uma área de domínio público internacional? ”. Mesmo assim
ainda se está sob a jurisdição funcional de um Estado, que controla efetiva e diretamente uma
área especifica.
É necessário fazer essa ligação entre as vertentes do DIP e os DHs para podermos
entender onde está localizada esta última matéria.
Hoje em dia podemos falar que existem quatro vertentes de um ramo maior do direito
internacional clássico, que também são ligadas aos direitos humanos. Assim se tem, por ordem
histórica:
da proteção do ser humano, tendo como plano de fundo o princípio da humanidade. Vamos ver
cada uma das vertentes para se ter uma ideia do todo:
Aqui, nessa primeira vertente, destaca-se a atuação bastante presente da Cruz Vermelha.
É um ramo muito suis generis, porque não nasceu necessariamente da evolução do Direito
Internacional. Ele surpreendente nasce da iniciativa da sociedade civil. Então, desde meados do
sec. XIX, começaram a surgir declarações internacionais para tentar (com o princípio da
humanidade e os ensinamentos do direito das gentes) colocar um certo paliativo nas guerras
que ocorriam na época. Com o avanço das armas e das tecnologias de guerra os conflitos
armados se tornavam cada vez mais violentos e sangrentos. Assim, se iniciou um movimento
na Europa para tentar, por meio de declarações (relações internacionais), arrefecer esses
conflitos. Um dos principais conflitos, que é visto como ponto de partida para o DI Humanitário
foi uma guerra que aconteceu no norte da Itália, mais especificamente conhecida como “Batalha
de Solferino”.
Tal evento foi marcante porque, naquele determinado caso, havia um comerciante suíço,
chamado Henri Dunant, que por infelicidade se encontrava no local no momento que o episódio
eclodiu. Para ele foi uma experiencia pessoal terrível, já que a batalha foi uma verdadeira
carnificina. De um lado estavam os exércitos francês e italiano se enfrentando e do outro vários
estrangeiros se mobilizaram para ajudar as vítimas do conflito. Não interessava qual era a
nacionalidade do ferido, havia uma mobilização de médicos e enfermeiros de improviso,
inclusive o próprio Dunant também estava ajudando. Ele escreveu um livro intitulado de
“Memórias de Solferino”, que virou um best-seller no sec. XIX. A partir daí nasce então uma
mobilização da sociedade civil internacional para constituir o que hoje se chama “Comitê
Internacional da Cruz Vermelha”. Em 1864 se tem uma importante declaração sobre essa
disciplina do Direito na Guerra e em 1899 é feita a primeira Grande Conferencia da Haia,
tentando também disciplinar o uso dos recursos bélicos nos conflitos. Tais declarações da Haia
foram repetidas em 1907, na segunda Conferência Internacional de Haia.
Então, num primeiro momento, o DI Humanitário era um direito: interestatal (em termos
de obrigações) e declaratório (documentos disciplinadores surgiram em forma de declarações e
serviam para disciplinar a veracidade da guerra, ou seja, era um direito na guerra, que tentava
disciplinar o comportamento de beligerantes como finalidade uma finalidade humanitária,
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proteger aqueles que estavam fora de combate, como soldados feridos, prisioneiro de guerra,
náufragos, pessoas da sociedade civil que não estavam litigando).
1) Direito da Haia: que é esse direito ancestral, vai até 1907, que reúne as declarações
das duas grandes conferências da Haia, da primeira e segunda de 1899 e de 1907.
3) Direito de Nova Iorque: o mais recente, direito que foi construído dentro das nações
unidas a partir da década de 60, preocupado mais com a mentalidade e o grau de
sofrimento causado pelas armas utilizadas em guerra.
O Direito de Nova Iorque é o caçula dos três porque nas primeiras duas décadas de vida
da ONU, a ONU teve entendimento de que se ela era una organização internacional que tinha
como objetivo a manutenção da paz e da segurança coletiva, seria contra sensu a ONU editar
resoluções sobre conflitos armados. Até a década de 60 a ONU resistiu a isso, e como até na
década de 60 as colônias se formaram como um típico rompimento, a ONU não consegui barrar
isso. O Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU começaram a fazer resoluções
de declarações nesse sentido. Assim o Direito de Nova Iorque é um direito mais centrado no
humanitário no sentido de disciplinar a questão da mentalidade ou do sofrimento desnecessário
das armas utilizadas em conflitos armados causam. Por exemplo: o banimento por causa de
armas que possuem balas que estilhaçam em mil pedacinhos no corpo, ou armas químicas, que
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atingem a população sem fio que não está envolvida no conflito e também a questão que atua
fortemente no tratamento das ajudas humanitárias nesses conflitos, criando correntes
humanitárias, disciplinando os embargos, os reflexos dos embargos que são impostos as partes
em conflito, etc.
Cláusula Martens
Aqui no slide trouxe a redação que é quase idêntica nas quatro convenções, do artigo
que fala da denúncia do tratado. Nas 4 convenções, nos últimos artigos das 4 convenções de
Genebra, vocês vão encontrar esse mesmo dispositivo reproduzido com a mesma redação quase
idêntica. No artigo primeiro ou no preâmbulo do protocolo adicional 1 e 2 dessas 4 convenções
de Genebra de 77, a gente encontra com uma redação mais atualizada da mesma clausula
Martens.
Mas antes de fazermos a leitura, vamos explicar porque o nome é Cláusula Martens. Por
que essa clausula tão importante se reproduziu nas Convenções de Genebra ou nos protocolos
adicionais? Porque na verdade esse texto jurídico teve origem na primeira conferência da OEA
em 1899 com inspiração de um diplomata russo chamado Von Martens que não se conformava
que a declaração resultante dessa primeira conferencia fosse exaustiva, ou seja, tivesse um viés
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de direito positivo, e tudo que dissesse respeito ao direito humanitário até então tivesse
catalogado nos princípios da declaração de 1899. Então ele propôs de um modo bastante
semelhante a essa redação atual da Convenção de Genebra e dos protocolos adicionais que
houvesse uma válvula de escape, dizendo que mesmo que não houvesse previsão escrita, ou
seja do direito internacional positivo sobre uma determinada temática de direito humanitário,
os Estados deveriam recorrer as fontes de direito natural.
“[A denúncia] não terá efeito algum sobre as obrigações que continuam
a caber às Partes em conflito em virtude dos princípios do direito das
gentes, tal como resultam dos usos e costumes estabelecidos entre
nações civilizadas, dos princípios humanitários e das exigências da
consciência pública. ”
Dessa leitura, qual interpretação que se pode fazer em um caso concreto? Lembram do
que discutimos da fonte principiológica do artigo 38 da CIJ, onde mudaram a redação no que
diz respeito a concepção racista de haver nações civilizadas e incivilizadas. Fora isso, tem-se
uma noção mais contemporânea de princípios humanitários e sempre invoca essa ideia de que
existe algo anterior e superior ao direito positivo, ou seja, mesmo que um Estado denuncie a
Convenção de Genebra ou os protocolos adicionais, o que vai haver para amparar os civis e os
combatentes? Normas de jus cogens, princípios de humanidade, fontes de direitos das gentes,
regras consuetudinárias, que são aquelas regras que podemos invocar até mesmo oriundas do
século XVI, dos escritos dos pais fundadores do direito internacional, como escreviam sobre o
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direito da Paz e da Guerra e diziam que certos comportamentos dos soldados em combate não
eram legítimos, não eram de acordo com o direito natural do direito das gentes – por exemplo,
cometer saques, estupros, apropriação civil, incendiar (depois de render uma vila ou uma
cidade). São costumes, ou seja, regras consuetudinárias, que são postas desde a origem nos
direitos das gentes e que hoje estão previstas no direito internacional humanitário e, assim,
mesmo que um Estado denuncie ou não ratifique essas Convenções, não deve descumprir essas
regras.
No direito interno até se evita esses conceitos gerais como ordem pública, bons
costumes, e até a reforma que houve no Código Penal sobre crimes contra costumes e contra
liberdade sexual, existia uma expressão terrível que era mulher honesta. E no Código existia o
rapto da mulher honesta, então se a mulher fosse desonesta não existia crime. Logo, há mesmo
uma crítica contra esses conceitos jurídicos indeterminados, porque realmente quando o juiz ou
legislador quer burlar uma norma, ele diz estar fazendo isso em nome da ordem pública.
Contudo, no direito internacional quando nós estamos em situações agudas (graves de direitos
humanos) não me recordo de terem sido utilizados esses mesmo conceitos indeterminados para
justificar essas violações, pelo contrário, elas sempre vêm a reboque do que está acontecendo
para afirmar que está sendo violada uma regra consuetudinária, então como o direito
internacional dos direitos humanos surge depois do que acontece, no cenário de um conflito
com violações de direitos humanos, esses conceitos geralmente são utilizados com essa
concepção de proteger os direitos humanos.
Aluna: só foi mudar no último Protocolo de Palermo. Mas todos os anteriores se retratam
a mulher de uma maneira completamente preconceituosa no âmbito internacional.
Professora: Isso faz todo o sentido porque o Direito Internacional, pelo menos do ponto
de vista ocidental, ele refletia muito a ideia machista que tínhamos nos próprios códigos civis,
né? Eu não vou nem falar da realidade do oriente porque não mudou muita coisa. Mas do ponto
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de vista dos nossos tratados maciçamente ratificados pelos países do ocidente, a visão da mulher
era uma visão que refletiu o machismo dos códigos civis e que tentava dá uma amenizada.
Então, você tem razão em relatar isso, e podemos até acrescentar tratados internacionais
que protegiam mulheres casadas, especificamente, em termos de nacionalidade, mas não havia,
que surgiu depois dos anos 90, uma convenção, como é o caso da CEDAL, Convenção da ONU
sobre os Direitos da Mulher, que protegesse a mulher pela única identificação do gênero. Então
esse é realmente um fenômeno muito recente de proteger o direito da mulher pelo fato de ser
mulher, independentemente de qualquer outro fator, e mais, hoje em dia a tendência ainda é
mais aprofundada, dialogar a discriminação de gênero com outras formas de discriminação, por
exemplo: combinar a discriminação de gênero por ser mulher com o fato de ser
afrodescendente, de ser uma mulher negra, ou de ser de uma classe social menos favorecida, ou
seja, fazer uma interseccionalidade de padrões de discriminação.
Antes a proteção internacional da mulher era bem machista. Era a proteção em relação as
casadas. Para não sermos tão injusto assim, a única convenção que não tinha tanto problema,
que era igualmente restrita, era aquela que estimulava os Estados, ou exortava os Estados a
protegerem os direitos políticos da mulher na década de 50, que era uma convenção pra
estimular os Estados a permitirem voto das mulheres.
Voltando a Cláusula Martens. Essa Cláusula Martens ela tinha uma tal dimensão
ultrapassa o Direito Internacional humanitário, que ela é usada hoje em dia inclusive nos outros
sub-ramos do Direito Internacional, Direitos Humanos em sentido amplo. Então, em matéria de
refugiados, de deslocados internos, de Direito Internacional Penal, essa Cláusula Martens tem
se tornado constantemente invocada. Até num caso brasileiro, da ditadura militar, quando se
fala nos crimes cometidos contra os opositores políticos, quando se fala da repercussão
internacional, da prática de tortura durante a ditadura militar, se invoca essa Cláusula Martens.
Por que se invoca essa Cláusula Martens? Porque na época o Brasil não fazia parte de
nenhum tratado internacional de proteção dos Direitos Humanos contra a tortura, contra o
desaparecimento forçado, ou contra qualquer outro tipo de crime cometido na época. Mas o
Brasil já era parte da convenção de Genebra de 1949, das quatro convenções. Então mesmo em
contexto de ditaduras em que se revogue todas as leis internas, que se hipoteticamente revogasse
as constituições, ainda assim a Cláusula Martens estaria de pé lembrando que o Direito
Internacional não um Direito puramente positivo.
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Para lidar com esse problema de milhões de pessoas fora das suas casas, depois da
Segunda Guerra, a ONU, recém-nascida, cria em 1950 o Alto comissariado para os refugiados,
que até hoje nós conhecemos como ACNUR. O ACNUR, como instrumento de trabalho, teve
aprovado na Assembleia das Nações Unidas o Estatuto do Refugiados de 1951, sendo que na
naquela época, em 1951, o Estatuto dos Refugiados era uma convenção internacional
nitidamente europeia, porque o mandato do ACNUR era um mandato especificamente para
lidar com as vítimas da Primeira e da Segunda Guerra Mundial no cenário ali dos países
europeus.
Engraçado, pois o ACNUR tinha um tempo de duração, tinha um mandato, mas que ao
longo da década de 50 se percebeu que o problema dos refugiados não ia acabar nunca, enquanto
houvesse conflito na terra, enquanto guerra, conflito interno, o problema dos refugiados
continuaria. Então, em 1967 foi feito um protocolo adicional a esse estatuto derrubando tanto
as barreiras temporais, quanto as barreiras espaciais do mandato do ACNUR. Por isso, que a
partir de então o ACNUR tem um hoje mandato e supervisão sobre o problema dos refugiados
por toda o globo, por onde haja jurisdição ou legitimidade da ONU ao ACNUR pode trabalhar.
E mais ainda, em 1984, num contexto de conflito interno na américa-latina, no auge das
ditaduras da América do Sul e da América Central, o ACNUR deu um outro passo bastante
importante porque ampliou as categorias de beneficiários de refúgio através da Declaração de
Cartagena, e essa declaração amplia as modalidades de solicitação de refúgio. Então, esses são
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Refúgio e asilo
O asilado político se caracteriza por ser perseguido dentro das fronteiras do seu Estado
por motivos de opinião política: é aquele opositor do regime, é aquele deputado do partido de
oposição, é aquela pessoa que exerce o jornalismo e tem opiniões críticas, é aquele cidadão que
se opõe ao regime vigente, que comete crime de opinião política. Esses crimes podem estar
conexos a crimes comuns ou não. A figura do asilado tem uma longa história no direito
internacional clássico como um todo, desde a antiguidade grega e desde o direito romano, existe
a figura do asilado: essa pessoa que foge do território do Estado, seu Estado patrial, para ficar
sob a jurisdição de um outro Estado estrangeiro visando conseguir preservar sua própria vida,
integridade pessoal e sua liberdade.
E vejam aí como a amplitude dos conceitos aqui facilita a pessoa a se encaixar em uma
dessas outras hipóteses de pedido de concessão de refúgio e também que essas cinco outras
hipóteses são típicas do momento histórico que a América Latina vivia nos anos 80: motivos
de violência generalizada e grave violação de direitos humanos.
Até aí nós temos duas grandes diferenças terminológicas. Primeiro entre refúgio e
asilo e, depois, em determinação aos motivos de solicitação de asilo que são mais restritos e
motivos de solicitação de refúgio.
Existe outra diferença que hoje o direito internacional e os direitos humanos tentam
superar. No Estatuto dos Refugiados de 1951, existe um princípio que não existe nas
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É como se nós tivéssemos um troco comum do asilo e este incluísse o asilo político
tradicional e o direito dos refugiados. Então, a tendência atual que será discutida (e aprovada,
se Deus quiser1) na próxima opinião consultiva da Corte Interamericana, é considerar que esse
princípio do Non Refoulement seja utilizado indistintamente e sem discriminação a essas duas
figuras de pessoas internacionalmente protegidas. Não haveria sentido dá um tratamento
discriminatório, favorecendo mais o refugiado em relação ao simples solicitante de asilo
político.
1
Professora.
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Os deslocados internos são uma espécie de apátridas dentro do seu próprio país, o que
hoje é uma situação dramática, principalmente na Colômbia e no conflito da Síria, que são
aquelas pessoas que fogem ainda dentro das fronteiras de seus territórios porque são
perseguidas pelo próprio Estado em que residem, do qual são nacionais. Os apátridas internos
são aqueles que, por motivo de perseguição como os refugiados ou mesmo por catástrofes
ambientais, migram dentro da fronteira do seu próprio Estado e não tem a proteção devida por
parte deste último.
Note-se que, diferentemente dos casos dos asilos, refugiados e apátridas, a saída (dos
trabalhadores estrangeiros) é voluntária.
A última categoria é das pessoas vítimas de tráfico. Essas pessoas são, principalmente,
mulheres e crianças que são levadas do seu domicílio e Estado nacional por conta de um engodo,
de sequestro, por razões que ludibriam a vontade dessas pessoas. Eles não têm o elemento da
livre vontade, ao contrário dos trabalhadores imigrantes. Eles vão para essa interceptação pelos
mais diversos motivos como diz o Protocolo Adicional, o Protocolo de Palermo, da Convenção
das Nações Unidas contra o crime organizado: são pessoas que vão para a prostituição;
casamento forçado; tráfico de pessoas para extração de órgãos e tecidos; e para a escravidão.