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Woody Allen conseguiu transformar o seu filme “Zelig” (1983) em uma narrativa que
se mantém sempre atual: por meio do humor sardônico do gênero pseudo-
documentário conseguiu didaticamente apresentar as origens da cultura narcísica
das celebridades contemporâneas e, através da personagem da doutora Eudora
Fletcher (Mia Farrow) descrever as principais teses do século XX sobre a Psicologia
de Massas.
Para diluir ainda mais os limites entre realidade e ficção, o filme conta ainda com a
participação de figuras reais do mundo acadêmico como a ensaísta Susan Sontag, o
psicólogo Bruno Bettelheim e o escritor vencedor do prêmio Nobel Saul Bellow, entre
outros.
O Medo da Solidão
A psicóloga Eudora Fletcher (Mia Farrow) vai tentar decifrar o enigma Zelig.
Enquanto a comunidade de médicos e psiquiatras submetem Zelig às mais bizarras
experiências envolvendo descargas elétricas e drogas, Eudora acredita na natureza
psíquica da anomalia.
Ela vai montando o quebra-cabeças: filho de uma família em crise com pais
ausentes onde os irmãos acabaram se entregando à prostituição ou contravenção.
Estranhamente Zelig se torna o mais bem sucedido dos irmãos, integrando-se à vida
social. Submetido a sessões de hipnose pela doutora Fletcher, Zelig admite que o
seu mimetismo é uma tática para se sentir seguro. Ele não quer se sentir excluído e,
por isso, se transforma à imagem da pessoa mais próxima para poder se misturar
aos outros.
Ao contrário, Freud vai criar o viés psíquico: mais do que a morte, o que o homem
mais teme é a solidão. O “instinto gregário” é humano, demasiadamente humano: o
medo de não ser amado torna-o um ser mimético, isto é, procura se integrar ao
entorno através da imitação.
A Celebridade Fetiche
Por isso, “Zelig” chega a ter uma precisão quase sociológica ao descrever o
nascimento do culto às celebridades com a figura do “camaleão humano” que vira a
mania do momento promovida por brinquedinhos e bonequinhos do Zelig, gravações
de baladas de jazz e passos de dança especialmente criados.
Por isso compreende-se por que as celebridades midiáticas não são admiradas, mas
invejadas. No fundo todos sabem que a celebridade nada fez para conseguir a
visibilidade midiática a não ser aplicar o senso de oportunismo. Não inspiram
nenhum repeito ético ou moral, a não ser o invejoso desejo de que “podia ser eu”.
Zelig é filho de uma família deteriorada (“quando meus pais ficavam zangados me
trancavam no guarda-roupas; quando ficavam muito zangados se trancavam comigo
no guarda-roupas”) No seu horizonte o simbolismo do Pai e da Ética desapareceu.
Ter filhos, escrever um livro e plantar uma árvore como formas de realização do Ego
desaparecem para, no seu lugar, ser instaurada a fantasia narcísica de onipotência:
ser “amado” por todos como celebridade, ter o seu gesto bizarro ou qualquer
esquisitice visível por imagens efêmeras.
Por isso, o filme “Zelig” de 1983 continua ainda muito atual. Principalmente porque
encontramos nesse pseudo-documentário as origens das modernas formas
narcísicas de individuação. O espírito de Leonard Zelig ainda habita as atuais mídias
de massa e redes sociais.