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O historiador Eric Hobsbawm depositou tamanha importância à queda do Muro de Berlim, que
em sua leitura histórica o século XX ali encontrou seu fim. Para Hobsbawm o século XX possui
um recorte bem específico, iniciando-se em 1914, com a Primeira Guerra, e desmoronando em
1991, com o fim da União Soviética. Está aí a origem da expressão largamente empregada:
"Breve Século XX".
Hoje estão sendo "comemorados" os 25 anos da queda do Muro de Berlim, uma fronteira física,
ideológica, de medos profundos e grandes esperanças que, por quase meio século, dividiu o
mundo e os homens. Resolvi desenterrar este texto de 2003 a fim de repensar no momento
presente as transformações que o gênero humano experimentou em uma década e como meu
próprio pensamento, embora mantenha a mesma direção, modificou-se em ritmo e no trato.
Hoje, em retrospecto, não é de surpreender que o “Longo Século XIX” tenha sido o bojo
formador desta ideologia que pretendeu, de uma só tacada, emancipar a humanidade, coletivizar
os meios de produção, combater crendices e superstições para, num processo gradual, libertar a
sociedade de toda e qualquer manifestação do Estado. Falamos de um século sem liberdade
política, em que a classe média inexistia e a escravidão oficial persistia, embora combatida e
vilipendiada pelos setores progressistas da sociedade; a jornada de trabalho estendia-se por pelo
menos dezesseis longas horas, arrastando indiscriminadamente crianças, adultos e velhos para
os galpões fabris e as mulheres, estas nem sonhavam com o advento da Revolução Feminista e
da Liberdade Sexual. O fim da belle époque praticamente coincidiu com o nascimento da
primeira República Socialista, uma nação que fora historicamente destinada a pôr fim aos
abusivos governos burgueses e a eliminar as diferenças impostas entre os povos e entre os
sexos. Nem oitenta anos durou este sonho...
Não faltam historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas sociais e palpiteiros de toda
espécie a indicar os motivos que levaram à falência o poderoso Império Soviético. Justificável
que assim seja. Diante de um quadro tão surpreendente, é impossível conter as dúvidas – as
dúvidas vêm aos borbotões. Já as respostas, embora exaustivamente ensaiadas, nem sempre são
as mais adequadas. O mais provável é que nunca haja um consenso. Excepcional em todos os
aspectos, o mundo soviético o foi até no instante de sua queda.
A URSS que competiu com o capitalismo desesperadamente por sete décadas, erguendo-se de
raízes feudais até chegar ao patamar de superpotência, derrotando a ameaça nazista apesar de
todas as adversidades que lhe foram impostas, arrastando metade da Europa para a sua severa
órbita de influência, seduzindo e alimentando a esperança de milhões de trabalhadores, jovens,
intelectuais, artistas e demais indivíduos que ambicionavam um mundo mais justo e mesmo
quando estes indivíduos sabiam que a União Soviética absolutamente não era um mar de rosas,
havia um valor simbólico pairando sobre o Bloco Socialista, como se uma experiência social de
proporções titânicas estivesse se dando dentro da Cortina de Ferro. Uma experiência que não
podia dar errado. A falência desta empreitada poderia significar a primeira e a última chance de
se colocar à disposição de todos os meios de produção; seria admitir não haver alternativa
possível ao capitalismo e à exploração do homem pelo homem. Abandonada à própria sorte, a
União Soviética acumulou um arsenal inaplicável (utilizar-se dele significaria uma mútua
extinção), esteve por mais de uma vez próxima de uma guerra total contra as potências
ocidentais e de repente, sem que se fosse realmente esperado ou previsto, o mundo comunista
desfez-se por si só. Qualquer indivíduo razoavelmente esclarecido é desafiado a questionar os
porquês.
Dizer que há uma razão específica ou que o colapso da URSS era inadiável, representa o mesmo
que nada dizer.
Quando se deu início a década de 80, passada a euforia dos Jogos de Moscou, tornou-se claro
aos dirigentes do Kremlin a necessidade inadiável de reformar-se o socialismo soviético. Talvez
fosse uma constatação tardia, ignorada por Brejnev e pela cúpula burocrata do PC, posto que
antevista pelo desacreditado Nikita Kruschev. Porque o pós-guerra apresentou-se uma época
peculiarmente favorável ao socialismo, todavia também o foi para o capitalismo, que começou a
sofrer neste período a revolução da eletrônica e dos bens de consumo que dependiam de
inovações tecnológicas. As economias planejadas, apesar de teoricamente comprometidas com o
progresso e com a alta tecnologia, haviam se especializado muito mais na construção de tratores
e armas de destruição em massa do que na de computadores e televisões. O próprio modelo de
produção das indústrias soviéticas era defasado. A população ambicionava maior variedade de
bens de consumo. Além do mais, havia repressão estatal e um aparelho burocrático gigantesco
travando o desenvolvimento econômico. Não que as coisas não tivessem ficado melhores desde
Stálin. Mas sem a mão forte do Estado, como impedir que os cidadãos desobedecessem às
rígidas diretrizes impostas pelo Partido Comunista?
1 (Como se sabe, a maior parte da antiga nomenklatura soviética não teve problemas em aceitar
a Nova Ordem Mundial e esforçou-se por infiltrar sua influência na máquina estatal, muitas
vezes se apropriando abertamente do patrimônio público. Uma dos exemplos mais notáveis de
rejeição ao fim do “socialismo realmente existente” foi o do marechal Serguei Akhromeiev, que
se suicidou, legando a seguinte mensagem: "Tudo a que dediquei minha vida se destruiu.". (N.
dos A.)
Akira Riber Junoro in "Manifesto Potencialista - Uma nova Interpretação para a Interpretação
de um Mundo Velho/2003"