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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

GISELLE MORAES PINTO

ESCOLA E LEGITIMIDADE SOCIAL: HISTÓRIA E


MEMÓRIA DA EMEF OZIEL ALVES PEREIRA, UMA
ESCOLA EM ÁREA DE OCUPAÇÃO URBANA EM
CAMPINAS.

CAMPINAS

2016
GISELLE MORAES PINTO

ESCOLA E LEGITIMIDADE SOCIAL- HISTÓRIA E


MEMÓRIA DA EMEF OZIEL ALVES PEREIRA, UMA
ESCOLA EM ÁREA DE OCUPAÇÃO URBANA EM
CAMPINAS.

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de campinas para obtenção do
título de Mestra em Educação, na área de
concentração Educação, Conhecimento,
Linguagem e Arte.

Orientadora: Profa. Dra. Maria do Carmo Martins.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À


VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO
DEFENDIDA PELA ALUNA GISELLE
MORAES PINTO E ORIENTADA PELA
PROF.ª DRª MARIA DO CARMO MARTINS.

CAMPINAS

2016
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751

Pinto, Giselle Moraes, 1978-


P658h PinHistória e legitimidade social - História e memória da EMEF Oziel Alves
Pereira, uma escola em área de ocupação urbana em Campinas / Giselle
Moraes Pinto. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

PinOrientador: Maria do Carmo Martins.


PinDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade
de Educação.

Pin1. Escolas. 2. Memória. 3. História. 4. Movimentos sociais. 5. Legitimidade


Social. 6. Ocupação urbana. I. Martins, Maria do Carmo,1964-. II. Universidade
Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: History and social legitimacy - History and Memory EMEF Oziel
Alves Pereira, a school in urban settlement area in Campinas
Palavras-chave em inglês:
Schools
Memory
History
Social activity
Social legitimacy
Urban ocupacion
Área de concentração: Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte
Titulação: Mestra em Educação
Banca examinadora:
Maria do Carmo Martins [Orientador]
Carolina de Roig Catini
Eliana Nunes da Silva
Data de defesa: 24-02-2016
Programa de Pós-Graduação: Educação

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

ESCOLA E LEGITIMIDADE SOCIAL- HISTÓRIA E


MEMÓRIA DA EMEF OZIEL ALVES PEREIRA, UMA
ESCOLA EM ÁREA DE OCUPAÇÃO URBANA EM
CAMPINAS.

Autor : Giselle Moraes Pinto

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Maria do Carmo Martins

Profa. Dra. Carolina de Roig Catini

Profa. Dra. Eliana Nunes da Silva

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida
acadêmica do aluno.

2016
AGRADECIMENTOS

À Professora Maria do Carmo Martins pelas considerações pertinentes, pela


orientação gentil, séria e responsável, que contribuíram para ampliação de minha
formação profissional e acadêmica.

Aos Professores Carolina de Roig Catini, Eliana Nunes da Silva e Rogério


Adolfo de Moura pelas contribuições preciosas durante a qualificação e defesa dessa
dissertação.

Aos Professores: Ernesta Zamboni, Heloisa Helena Pimenta Rocha, Maria


Carolina Bovério Galzerani (in memoriam), Salvador Sandoval e Vicente Rodrigues
por contribuírem em minha formação no mestrado.

À Sonia Regina Ferreira de Oliveira pelo incentivo, parceria, empréstimos de


livros desde o início até a conclusão dessa dissertação.

À João Zinclar (in memoriam) pelo trabalho realizado durante toda sua vida
profissional juntamente aos movimentos sociais, registrado em fotografias
maravilhosas e por compartilhar com alunos da EMEF Oziel Alves Pereira um pouco
dessa experiência.

À José da Mata, líder de movimento social que contribuiu no pensamento


desse projeto.

Aos professores Ana Maria de Mendonça Chaves e Rodrigo Christofoletti que


desde a graduação incentivaram a continuidade de minha formação acadêmica.

Aos companheiros do grupo MEMÓRIA, Carla de Oliveira, Carla Sampaio,


Getúlio Chartier, Maurício Demori, Priscila Kaufmann Corrêa e Rayane Aranha da
Silva, que compartilharam parte de minha trajetória, pelos nossos encontros, trocas,
momentos de descobertas e aprendizados durante o mestrado.
Aos meus amigos e familiares que acompanharam ainda que a distância todo
o trabalho, me animaram e apoiaram tantas vezes com palavras de encorajamento,
com mensagens e interesse pelo andamento da dissertação.

Aos professores e funcionários da EMEF Oziel Alves Pereira que estiveram


desde o começo da escola, que resistiram aos primeiros anos e ajudaram a conquistar
esse espaço.

Aos moradores dos bairros Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Vila Taubaté,
que construíram com tanta determinação uma parte da história da cidade de
Campinas.

À minha cunhada Sylvia, que vislumbrou juntamente comigo a possibilidade


do mestrado, aos seus apontamentos que contribuíram em minha formação desde o
início.

Aos meus pequenos sobrinhos, Lucas e João Gabriel, que alegraram meus
dias com sorrisos, simplicidade e vontade de viver.

Aos meus irmãos, Cristiane e Jonas que me ensinaram a continuar a


caminhada sempre!

Aos meus pais, José e Roseli por me ensinarem a amar o conhecimento, o


valor do trabalho, da dignidade, da justiça e do amor ao próximo.

Ao Alexandre pelo companheirismo e apoio incondicional em todas as


situações durante esses anos juntos.

E ao meu filho, Pedro, por assistir aulas do mestrado comigo, por me


acompanhar nas orientações, por entender minha ausência durante o processo de
escrita, por fazer cafés, sucos e lanchinhos enquanto estudava. Por ouvir sobre a
dissertação incontáveis vezes. Pela torcida dele a cada etapa vencida durante esses
anos. Pelos abraços compartilhados, pelos sorrisos e pelo amadurecimento que me
proporcionou com sua presença.

Muito obrigada!

Campinas, janeiro de 2016.


“O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-
la, a esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de
imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda. Em sua escola, escola
do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação. Mas
está visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha sua coroa,
nem desalento que não busque seu alento. Nem tampouco há escola que não
encontre sua contra-escola. ”

(Eduardo Galeano)
RESUMO

A dissertação propõe uma análise histórica sobre o percurso de criação e construção do


aparato físico da Escola Municipal de Ensino fundamental Oziel Alves Pereira, construída
numa área de ocupação urbana apoiada no movimento social que reivindicava o direito à
moradia. Atualmente designada “Parque Oziel”, a ocupação ocorreu em meados de 1997 na
cidade de Campinas, SP. A partir da consolidação do direito à moradia, outras reivindicações
foram aparecendo e a escola foi uma dessas frentes. A dissertação pretende contribuir na
escrita de um marco importante para a comunidade em questão, compreendendo como a
construção da escola pode esclarecer as tensões e os ganhos obtidos pela organização social
dos moradores e, como ela ainda pode simbolizar elementos da cena política da época,
mirando elementos que contribuíram para a legitimidade de um dado movimento social e
político. Como fontes documentais foram usados registros documentais da escola e materiais
fotográficos diversos, além de matérias de jornais.

Palavras chave: Escola – Memória e História; Movimentos Sociais- Ocupação Urbana –


Legitimidade Social.
ABSTRACT

The dissertation presents a historical analysis of the route creation and construction of the
physical apparatus of the Elementary school called “Oziel Alves Pereira”, built in an urban
occupation, supported by a social movement that demanded the right to housing. Currently
designated "Oziel Park", the occupation took place in mid-1997 in the city of Campinas, SP.
From the consolidation of the right to housing, other claims were appearing and the school
was one of those fronts. The dissertation aims to contribute in the writing of an important
milestone for the community in question, including as building the school can clarify the
tensions and gains by the social organization of residents and, how it can also symbolize
elements of the political scene of the time, aiming elements contributing to the legitimacy of a
given social and political movement. As documentary sources were used the administrative
and pedagogical school documents, various photographic materials and newspaper clippings.

Key words: School history – Memory and History - Social Activity- Urban Occupation- Social
Legitimacy.
LISTAS DE IMAGENS

Figura 1 Oziel Alves Pereira. ..................................................................................... 33


Figura 2 Mãe de Oziel................................................................................................45
Figura 3 Oziel Alves Pereira. .....................................................................................46
Figura 4 Sala de informática da Emef Oziel. ..............................................................49
Figura 5 Marcha dos trabalhadores na fazenda Annoni............................................44
Figura 6 Área da ocupação na região sul de Campinas............................................49
Figura 7 Passeata dentro do bairro Parque Oziel......................................................52
Figura 8 Vista parcial do bairro Parque Oziel.............................................................53
Figura 9 Vista parcial do bairro Parque Oziel.............................................................53
Figura 10 Vista dos fundos da EMEF Oziel Alves Pereira.........................................54
Figura11 Vista parcial do bairro Parque Oziel............................................................54
Figura 12 Vista parcial do Centro de Saúde do Parque Oziel. ..................................55
Figura 13 Moradora do Jardim Monte Cristo. ............................................................55
Figura 14 Vista parcial da Praça do Parque Oziel. ....................................................56
Figura 15 Vista parcial do Córrego Taubaté...............................................................56
Figura 16 Fachada principal da EMEF Oziel Alves Pereira. .....................................61
Figura 17 Vista da entrada lateral pela Rua Fauze Selhe, s/nº..................................61
Figura 18 Vista do corredor lateral.............................................................................62
Figura 19 Vista parcial do refeitório da EMEF Oziel Alves Pereira............................62
Figura 20 Vista parcial da quadra poliesportiva da EMEF Oziel Alves Pereira..........63
Figura 21 Mapa parcial da região do Parque Oziel e Jardim das Bandeiras. ...........66
Figura 22 Balancete mensal dos Contêineres Parque Oziel......................................68
Figura 23 Balancete mensal Humberto Souza Melo. ................................................69
Figura 24 Alunos ao lado dos contêineres.................................................................71
Figura 25 Alunos esperando para fazer uma apresentação teatral nos contêineres do
Parque Oziel...............................................................................................................71
Figura 26 Vista parcial dos contêineres, alunos fazendo uma refeição. ...................72
Figura 27 Vista parcial dos contêineres. Alunos........................................................72
Figura 28 Sala de aula dos contêineres.....................................................................73
Figura 29 Apresentação teatral nos contêineres........................................................73
Figura 30 Sala de aula na estrutura pré-moldada......................................................77
Figura 31 Vista parcial do pátio na estrutura pré-moldada.........................................77
Figura 32 Vista parcial do refeitório............................................................................78
Figura 33 Vista parcial do refeitório............................................................................78
Figura 34 Vista parcial das salas de aula na estrutura pré-moldada.........................79
Figura 35 Vista parcial da estrutura pré-moldada e ao fundo prédio de alvenaria da
atual Emef OZIEL Alves Pereira.................................................................................79
Figura 36 Sala de aula/contêiner. EMEF Oziel Alves Pereira. ..................................92
Figura 37 Sala de aula EMEF Oziel Alves Pereira. ...................................................92
Figura 38 Interior da sala de aula/ contêiner. EMEF Oziel Alves
Pereira........................................................................................................................92
Figura 39: Interior da sala de aula EMEF Oziel Alves
Pereira...................................................................................................................................................92
Figura 40: Contêineres e o prédio atual EMEF Oziel Alves
Pereira........................................................................................................................93
LISTA DE ABREVEATURAS E SIGLAS

Anpur- Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em planejamento Urbano e Regional.

CEB – Coordenadoria de Educação Básica

COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo

CONPEDI- Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito.

EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental.

MTST- Movimento dos Trabalhadores dos Sem-Teto.

MST- Movimento dos Sem Terra.

NAED- Núcleo de Ação Educativa Decentralizada.

OIT- Organização Internacional do Trabalho

SME – Secretaria Municipal de Educação.

SESC- Serviço Social do Comércio.

PMC- Prefeitura Municipal de Campinas

PPP- Plano Político Pedagógico.

PSDB- Partido da Social Democracia Brasileira

PT- Partido dos Trabalhadores

SEESP- Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.


SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 13
1.1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA .................................................................... 20
2 CAPÍTULO 1: OZIEL ALVES PEREIRA: O SUJEITO QUE DÁ NOME AO
BAIRRO E A ESCOLA. ............................................................................................ 31
3 CAPÍTULO 2: BREVE HISTÓRICO DO BAIRRO PARQUE OZIEL NA CIDADE
DE CAMPINAS: A LUTA DO MOVIMENTO SOCIAL PELA POSSE DA TERRA. .. 54
4 CAPÍTULO 3: EMEF OZIEL ALVES PEREIRA: O PERCURSO DE CRIAÇÃO,
CONSTRUÇÃO E OCUPAÇÃO DA ESCOLA. ........................................................ 70
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 106
6 FONTES E REFERÊNCIAS ................................................................................... 109
6.1 DOCUMENTOS CONSULTADOS ............................................................. 109
6.2 PERIÓDICOS ............................................................................................. 109
6.3 SITES CONSULTADOS............................................................................. 110
6.4 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 111
7 ANEXOS ................................................................................................................... 115
13

INTRODUÇÃO

A presente dissertação aborda a história da “Escola Municipal de Ensino


Fundamental Oziel Alves Pereira”, entre o período de 1997 a 2004, construída no
bairro de ocupação urbana, denominado Parque Oziel. A Escola fica na cidade de
Campinas, estado de São Paulo e surgiu sob o signo da resistência popular diante da
real iminência de desapropriação das pessoas que ocuparam essa área da cidade.
Diz-se, portanto, que a escola se vincula estreitamente ao período de lutas em que
uma ocupação urbana buscava a legitimidade social para tornar-se um bairro nesta
cidade.

A ocupação urbana é vista, na maioria das vezes, como um fato negativo


na história recente da cidade. Em geral, sabe-se pouco sobre ela e esse
desconhecimento foi um dos ingredientes que movimentou a pesquisa nesta
dissertação, tendo em vista o fato de, como professora da própria escola, presenciar
e vivenciar experiências preconceituosas em relação a esse espaço urbano e lugar
educativo. Associado, não raras vezes, à compreensão que o bairro surgiu de uma
“invasão”, estigmas sobre a escola e a comunidade escolar foram frequentes durante
todo tempo em que nela atuei.

Referente aos termos invasão e ocupação, cabe reiterar que o primeiro está
ligado ao ato ilegal de invadir propriedade privada, ao passo que o termo ocupação
está ligado ao ato de tomar posse de alguma coisa que está abandonada e/ou não
apropriada. Esses dois conceitos estão ligados à questão da distribuição de terra.

No que tange os conceitos acima citados cabe-nos ir além do senso comum


e tentar engendrar minimamente uma reflexão sobre essa questão que nos permeia
desde sempre, a posse da terra. Nesse trabalho não nos cabe apresentar um estudo
sociológico profundo sobre as causas que estão relacionadas a esses dois conceitos
e sobre a questão da terra no Brasil, mas cabe refletir um pouco sobre as formas como
ele se apresenta no caso do Parque Oziel.

Esta história insere-se no contexto dos movimentos sociais recentes do


Brasil, na história da política habitacional brasileira e mais detidamente na história
recente da cidade de Campinas. Se de um lado temos o direito fundamental à moradia
14

do indivíduo, garantido pela Constituição, do outro temos o direito à propriedade


privada, também vista como direito fundamental. Para reiterar essa ideia Almeida
(2006) num ensaio sobre Direito faz uma reflexão sobre a função social da propriedade
e diz:

Invasão de certo, possui um sentido construído em torno de alguma


ilegalidade. Como afirma os dicionaristas, denota algo contrário ao juízo de
valor social, algo reprovável. De seu turno, a ocupação mitiga essa
ilegalidade e nos põe a par de um sentido mais brando, é posse legalizada
de algo; significaria ter a posse legal de alguma coisa abandonada ou ainda
não apropriada. (ALMEIDA, 2006)

Sob o prisma do conflito entre proprietários de terra e os chamados “sem


terra”, temos pessoas com seus lotes e o seu direito fundamental à propriedade
privada, e de outro temos homens, mulheres e crianças afrontados em seu direito
fundamental à moradia, que lhes conferiria dignidade humana.

E Almeida (2006) ainda diz:

A propriedade é um direito fundamental. Não pode ser violado, ressalvadas


as hipóteses que a própria Lei maior dispõe, já que constitucionalmente,
nenhum direito é absoluto. Ser proprietário implica em ter a garantia de que
sua propriedade não será violada por quem quer que seja. (ALMEIDA, 2009)

E continua:

De outro lado, a moradia, a habitação, o trabalho e outros direitos também


são previstos na Constituição como fundamentais. Sua importância é
indiscutível e seu pressuposto é a própria dignidade da pessoa humana- essa
dignidade justifica a existência de uma ordem constitucional. Contudo esses
direitos sociais e sua aplicação padecem de algum esquecimento por parte
do Estado e por parte do povo. Há um misto de negligência e aceitação. O
famoso art.5º da Constituição Federal, nunca lido e interpretado, e o
desconhecido art.6º, que prevê os direitos sociais, raramente são alvos de
análise mais profunda. (ALMEIDA, 2006)

Assim Almeida (2006) tece argumentos que permitem, de modo sucinto,


que possamos observar o quão paradoxal é a questão da distribuição de terra no
Brasil, seja ela rural ou urbana. Tanto uma quanto a outra estão intimamente
relacionadas ao direito à propriedade e também a moradia, e sob essa perspectiva do
Estado Democrático de Direito, estes – os direitos – deveriam caminhar para o
equilíbrio, usando como caminho de acesso à via política e da participação popular.

Outro autor que trata dos termos invasão/ocupação, mais especificamente


sob o prisma do bairro Parque Oziel, é Carvalho (2003), que foi considerado
importante para a reflexão sobre o tema que não deixa de ser atual, diz:
15

Antes de entrarmos nas espeficidades das ocupações de Campinas cabe um


alerta conceitual: invadir e ocupar são dois conceitos que podem até se firmar
no mesmo ato concreto, mas que carregam em si conotações políticas e
morais completamente diferenciadas. O primeiro é tipificado no Código Penal
Brasileiro como “esbulho possessório visando a obtenção de vantagens
econômicas ou financeiras”. Invadir é ferir o direito à propriedade previsto em
Constituição. O segundo forjado na própria dinâmica dos movimentos sociais
de luta pela terra seja urbana ou rural, se legitima a partir da discussão da
função social do uso, da posse e da propriedade da terra (Petuba, 2001).
Sendo assim, todo esse trabalho tem como princípio que, terra vazia não é
terra invadida é terra ocupada para cumprir seu fim social, visto que o ato em
si não visa o enriquecimento ou o aproveitamento pessoal. (CARVALHO,
2003, p.4-5)

Assim, podemos pensar a complexa disputa entre os grandes proprietários


de terra e os diversos movimentos sociais, que buscam legitimar seu direito a uma
vida digna, pelo direito à moradia, entre tantos direitos que muitas vezes lhe são
negados.

O Parque Oziel surge de uma ocupação organizada pelo MTST -


Movimento dos Trabalhadores sem Teto, que promove nos espaços urbanos um
conjunto de ações voltadas para a conquista das moradias e de ressignificação dos
espaços urbanos.

Em pesquisa bibliográfica para a dissertação foram localizados cinco


trabalhos de caráter acadêmico, que tratam especificamente da ocupação do Parque
Oziel sob pontos de vista do Urbanismo, do Direito e da Informática. No que tange,
porém, à historiografia da educação e sobre a EMEF Oziel Alves Pereira que fica no
referido bairro, não foram encontrados trabalhos acadêmicos que se refiram a escola.

Tais dissertações e artigos contribuíram para a compreensão da realidade


desta ocupação, quando e como ela aconteceu e, trouxeram dados sobre os primeiros
moradores e suas impressões. Problematizaram a respeito do meio ambiente, as
questões da urbanização da cidade, propriedade da terra e tão logo serviram de estofo
para a pesquisa que essa dissertação pretende engendrar: a história da escola.

A primeira dissertação é de Ghilardi (2012) que trata sobre a questão da


urbanização e como os pobres vão fazendo uso do espaço da cidade, ele toma o caso
da ocupação do Parque Oziel para refletir sobre essas questões, nos traz o panorama
das políticas habitacionais, da legislação e dos movimentos sociais mais recentes da
história de Campinas.
16

Ghilardi (2012) afirma que a questão urbana e habitacional da cidade de


Campinas são fatores que compõe o cenário para a ocupação do Parque Oziel. Ele
faz a análise sobre o direito à moradia e as lutas para conquistá-la, mostra que esta
ocupação antagoniza com os projetos políticos anteriores de reforma urbana da
cidade, em especial, pelas práticas anteriores, ao depender de financiamentos
públicos, como são os casos da COHAB – Companhia Metropolitana de Habitação de
São Paulo, para formação dos bairros. Uma de suas justificativas para aproximação
com essa ocupação mais especificamente é a existência de uma grande área vazia,
próxima ao centro da cidade e também pela estrutura que circunda a área de
ocupação, levando em consideração questões habitacionais e urbanas:

Os três bairros que conformam a ocupação do Parque Oziel, Jardim Monte


Cristo e Gleba B chamam a atenção, na paisagem de Campinas, daqueles
que chegam à cidade de carro ou de ônibus. Trata-se de um grande setor de
habitações precárias- se considerado o entorno imediato- bem próximo ao
centro da cidade, cerca de quinze minutos de deslocamento por transporte
público, e localizado no entroncamento de duas importantes rodovias de
estado: Santos Dumont e Anhanguera. (GHILARDI, 2012, p. 21).

E continua:

(...) impressiona pela certa rapidez com que se processou, em um período de


um pouco mais de quinze anos. Existem diversas ocupações e loteamentos
irregulares na periferia de Campinas- dentre os mais de duzentos núcleos de
assentamento precários mapeados pela municipalidade- que possuem mais
tempo de formação sem contar, no entanto, com o mesmo nível de melhorias
urbanas. (GHILARDI, 2012, p.22).

Para Ghilardi (2012) a ocupação do bairro Parque Oziel nos leva a pensar
sobre o processo histórico de formação das periferias urbanas, e cita os autores
Kowarick e Brandt (1976) para tratar a questão:

Em estudo final da década de 1970, Kowarick e Brandt (1976) apontaram


para a seguinte característica da urbanização brasileira: os espaços vazios
que se formam nas cidades brasileiras em busca da valorização imobiliária e
apropriação dos benefícios dos investimentos públicos em infra-estrutura.
Conforme os autores descrevem esse processo, o novo loteamento nunca
era feito em continuidade imediata ao anterior, já provido de serviços
públicos. (...) entre o novo loteamento e o último já equipado, deixava-se uma
área de terra vazia, sem lotear. Completado o novo loteamento, a linha de
ônibus que o serviria seria, necessariamente, um prolongamento a partir do
último centro equipado. Quando estendida, a linha de ônibus passava pela
área na loteada, trazendo-lhe imediata valorização. O mesmo ocorria com os
demais serviços públicos. Desta forma, transferia-se para o valor da terra, de
modo direto e geralmente antecipado, a benfeitoria pública. (apud GHILARDI,
2012, p.22)

Assim sendo, Ghilardi (2012) contribui para pensarmos nas questões que
envolvem as ocupações urbanas recentes, e mais especificamente a ocupação do
17

bairro Parque Oziel, tais como: conflitos de interesses, disputas políticas e


aproveitamento do aparato público em beneficio privado, questões essas que
permeiam a história da criação de bairros, como por exemplo, a especulação
imobiliária e falta de políticas habitacionais.

Na dissertação de mestrado de Silva (2009), o autor descreveu sua


aproximação com o bairro Parque Oziel, tomando por seu objeto de pesquisa o
trabalho junto aos professores da EMEF Oziel no laboratório de informática, já que ele
era dono de uma escola de informática. Assim, fez um paralelo sobre a apropriação
do espaço de viver (habitação) e a apropriação do espaço virtual.

O primeiro encontro de Silva (2009) com a Escola Municipal de Ensino


Fundamental Oziel Alves Pereira aconteceu quando ele se ofereceu para guiar dois
estudantes alemães da Universidade de Siegen que desenvolveriam um “projeto de
pesquisa sobre a diversidade sociocultural da ocupação que compreendia o Parque
Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B” (SILVA, 2007, p.27).

Silva (2007) descreve que realizava as reuniões com os dois estudantes no


laboratório de informática da escola e neste local vislumbrou um projeto junto com os
professores:

Tínhamos como quartel general a ‘EMEF Oziel Alves Pereira’ e, em uma das
reuniões, que aconteciam no laboratório de informática, percebi que este era
pouco usado devido à falta de domínio da maioria dos professores na
utilização dos computadores lá instalados como instrumento pedagógico e
resolvi ministrar um curso aos interessados. (SILVA, 2009, p 26-27).

O projeto tornou-se inviável já que o laboratório de informática era utilizado


para outros fins. Mesmo assim o autor conta que as reuniões com os estudantes
alemães continuaram e nesse momento a escola era o lugar desses encontros, assim
descritos:

(...) a escola era o centro de nossas idas ao Oziel, sempre nos encontrávamos
e discutíamos educação. Falávamos sobre a escola, sobre políticas públicas
e as vicissitudes de se ensinar para uma comunidade fruto de uma ocupação
(SILVA, 2009, p. 29).

Segue descrevendo uma parceria que a EMEF Oziel Alves Pereira


estabeleceu com uma escola em Santiago, Chile, Escuela Cardenal de Krakovia, com
características estruturais parecidas com a do Oziel. Alguns professores foram à
18

escola, porém o autor não dá maiores detalhes sobre esta viagem, e diz que: “a
viagem gerou outro projeto que não é pertinente a esta pesquisa” (Silva, 2009, p. 29).

O autor ainda destaca que participou do projeto GERES1, que tinha como
objetivo a aplicação de testes de matemática e leitura, mapeando os mesmos alunos
desde a 1ª até a 4ª série, estes testes levavam em conta fatores sócio- familiares e
escolares no início da aprendizagem do Ensino Fundamental, Silva (2009) destaca
que a EMEF Oziel Alves Pereira na época do projeto tinha 11 primeiras séries, com
400 alunos. Destacou que além dos alunos, professores, diretores e pais estiveram
envolvidos na pesquisa.

Silva (2009) diz:

Como um dos Supervisores de aplicação destes testes, eu tinha intenção de


utilizar os resultados relacionados à EMEF Oziel Alves Pereira, para entender
um pouco melhor a escola da comunidade estudada em minha pesquisa de
mestrado. Muito embora esses resultados não tenham se convertido
diretamente em dados objetivos de analise deste trabalho, contribuíram para
a compreensão geral do contexto em que ele se deu. (SILVA, 2009, p.31).

Conviver com os estudantes alemães e participar do projeto GERES fez


com que Silva (2009) quisesse saber como o uso da tecnologia poderia contribuir para
a constituição de identidade da comunidade do bairro Parque Oziel. A partir daí ele
usa, entre outros caminhos metodológicos, a entrevista com pessoas que participaram
direta e indiretamente da ocupação física para falar sobre a ocupação cibernética.

(...) passaríamos então a provocar os moradores do Oziel, Monte Cristo e


Gleba B para experimentarem a conquista de outro espaço: esta região
abstrata invisível que permite a circulação de informações na forma de
imagens, sons, textos entrecruzados, denominada de ciberespaço. (SILVA,
2009, p.33)

A dissertação de Silva (2009) faz apontamentos que também são


encontrados em Menegaço (2005), que corroboram para a tessitura da historiografia
da EMEF Oziel Alves Pereira que usaremos como fonte para essa pesquisa.

Entre as melhorias realizadas na então ocupação/ bairro Parque Oziel


apontadas por Silva (2009) encontramos:

A escola municipal foi uma conquista já em 1997, como extensão de outra de


um bairro próximo, o Jardim das Bandeiras II, mas funcionava em
containeres- e, por isso, era chamada de “escola de lata”. Os containeres

1
GERES é um projeto de pesquisa que focaliza a aprendizagem no início do Ensino Fundamental, levando em conta fatores
escolares e sócio familiares que incidem sobre o desempenho escolar, além de outras dimensões, como a autoestima e a
motivação, que podem afetar o desenvolvimento dos alunos.
19

foram instalados próximos ao local ainda hoje funciona a escola de alvenaria,


sendo que nos primeiros dias da ocupação este espaço já estava reservado
para este fim. (SILVA, 2009, p.40)

Observamos que a ocupação ocorrida em meados de 1997 é tratada com


interesse pelo mundo acadêmico, que contribui para o aprofundamento de discussões
referentes ao espaço urbano e a maneira como a cidade absorve ou dificulta a
instalação social desse grupo. São evidentes as razões pelas quais a referida
ocupação é pesquisada, já que esta guarda algumas particularidades, como sua
proporção, o tempo relativamente curto em que o estado começou a realizar e
implantar suas políticas públicas em comparação a bairros mais antigos da cidade,
entre outras; logo consideramos que a abordagem que traremos para essa pesquisa
é bastante relevante, será mais um ponto na construção da história do bairro e da
cidade.

Por fim a dissertação tentará através da história de criação e construção da


escola, propriamente dita, colocar em perspectiva as lutas travadas, as tensões, as
permanências, a oficialização, e a ampliação da escola. A partir daí observarmos se
há nessa trajetória traços que corroboram para a construção de identidade, se
poderemos tomá-la como referência concreta de legitimidade da luta por um lugar de
pertencimento de um dado grupo de pessoas.
20

1.1 A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

O interesse pela pesquisa começou quando cheguei à cidade de


Campinas para lecionar no Ensino Fundamental da rede pública, precisamente na
escola do bairro Oziel no ano de 2009. Seria professora do 5º ano (antiga 4ª série).
Essa história começa antes mesmo da minha chegada à escola, durante as
atribuições de aulas. Percebi que a escola não era escolhida por demais professores
em processo de atribuição de aulas, eu mesma fui designada para lá depois de pedir
informações se a escola ficava próxima ao centro da cidade. Enfim, como não
conhecia absolutamente nada de Campinas, pedi essa informação para a pessoa que
atribuía às aulas já que ficaria hospedada no centro.

O começo dos trabalhos naquela unidade escolar foi caótico, nos primeiros
dias as aulas foram suspensas por falta d’água, só era possível organizar um
planejamento mínimo. Juntamente com as demais colegas de trabalho tentávamos
conhecer os alunos e suas especificidades e dimensionar quão grande era o desafio
pedagógico. Com o apoio da escola, da Orientadora e Coordenadora Pedagógica foi
organizado um Grupo de Trabalho para discutir, estudar e propor ações pedagógicas.
Interessei-me particularmente em conhecer a história do bairro e da escola, para que
pudesse elaborar melhor as aulas de História, e concomitantemente começar a
produzir uma memória daquela comunidade.

No diálogo com professores que estavam há mais tempo na escola e com


a Coordenadora Pedagógica, procurava compreender as representações que se
teciam sobre aquela comunidade escolar, em especial as com os alunos, uma vez que
ouvia, vez por outra, manifestações em tom pejorativo sobre eles. Expressões como
“Eles (moradores/crianças) estão acostumados a ganhar tudo de graça, não querem
fazer nada, não querem fazer força para estudar”, e mesmo falas como “Não suporto
essa pobreza, essa sujeira” outras vezes ouvia-se “São um bando de marginais,
ladrões de terra privada” e “Essa é a maior invasão da América Latina” ou ainda “Não
suporto ver aquele retrato do Oziel”. Todas essas informações me fizeram refletir
sobre os estigmas sociais criados a partir da história e formação do bairro e de sua
comunidade.
21

A impressão era quase que se criara outra história, que não a vivida pelos
moradores que lutaram para que a ocupação acontecesse, uma versão do que
realmente havia acontecido e, repetidas tantas vezes, com ênfase nos ingredientes
de violência, desobediência civil, na qual os moradores eram vistos como invasores e
atuantes em um processo que recebia a pecha de ilegal. Tudo isso ressoava
fortemente em mim, primeiro como professora, porque estava em busca de uma
identidade para a escola que acabara de ingressar, e também queria encontrar,
naquele espaço escolar, canais que legitimassem socialmente as ações dos
moradores, que reconhecessem e valorizassem a trajetória da comunidade, da
construção da escola e de uma participação política. Outro fator advém do interesse
de conhecer mais sobre a cidade e história de Campinas.

Nessa perspectiva comecei a fazer os primeiros movimentos para ouvir


outras vozes, tentar compreender, construir uma história, diferente daquela narrada
pela comunidade escolar, que por vezes, era tão estigmatizada, e permitir que outros
também pudessem fazê-lo ou fossem instigados a isso.

Ainda no ano de 2011, no plano pedagógico para o 5º ano, enfatizava-se o


estudo das memórias individuais e coletivas da comunidade, tendo em vista os
estudantes e outros sujeitos que estariam ligados de alguma forma com a construção
histórica da comunidade em questão.

Dessa forma, os alunos participaram de atividades interdisciplinares dentro


deste projeto, dentre as quais algumas atividades foram registradas em vídeo, assim
tínhamos: o estudo do meio no bairro Oziel, entrevista com sujeitos que participaram
da ocupação, pesquisas em livros que faziam referência a esta memória, escrita de
relatórios, e por fim, os depoimentos com as impressões que os próprios alunos
tiveram sobre este estudo2. Essas atividades estimularam a busca por uma forma mais
sistemática de compreensão da história daquela comunidade. Dentro do exercício
crítico e reflexivo sobre o trabalho docente e que se desdobra para o compromisso de
pesquisa, trago Freire (1996), que escreveu:

2
Vídeo intitulado “Histórias fantásticas que devemos contar às crianças” foi apresentado no 18º Congresso de Leitura do
Brasil, no período de 16 a 20 de fevereiro de 2012, na Unicamp. O vídeo é um registro dos trabalhos realizados pelos alunos e
que teve como recorte a história do bairro Parque Oziel e algumas informações sobre a escola homônima.
22

A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento


dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a
prática docente espontânea ou quase espontânea, desarmada,
indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito,
a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade
epistemológica do sujeito. Este não é o saber que a rigorosidade do pensar
certo procura. (FREIRE, 1996, p. 38)

E continua:

Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco,


porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,
constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para
conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.
(FREIRE, 1996, p. 29)

Neste exercício crítico constatei que havia elementos que poderiam ser
mais bem organizados. Que poderia existir uma história a ser contada, compilada e
ser recontada. Para se construir uma imagem do passado, era preciso limpar o
terreno, era preciso passar por certas desconstruções conceituais, parar de idealizar
ou generalizar sobre determinada experiência, podemos percorrer um caminho sério
para tentar encontrar uma dentre muitas possibilidades interpretativas da verdade.

Considerando o que Gagnebin (2006) diz: “O conceito de verdade não se


esgota nos procedimentos de adequação e verificação” (p. 42). E, continuando no
diálogo com Paul Ricoeur:

Preconizar um conceito de referência – de verdade – que dê conta do


“enraizamento e da pertença (appartenance) que precedem a relação de um
sujeito a objetos” é uma atitude radicalmente diferente do relativismo
complacente, apático, dito pós-moderno, que de fato, nada mais é que a
imagem invertida e sem brilho de seu contrário, o positivismo dogmático.
(GAGNEBIN, 2006, p.43).

No início, parecia necessário contar a história dos moradores do bairro


Parque Oziel, para tentar superar o discurso arbitrário que se ouvia por inúmeras
vezes. Arbitrário porque a maioria destes discursos eram feitos a partir do senso
comum, de dados não confirmados e fragmentados, de opiniões reducionistas e
ligadas a uma visão de mundo, que não levavam em conta as discrepâncias sociais.
O discurso arbitrário que generaliza como mau e errado tudo que vai à contramão da
ordem social estabelecida, desconsidera as contradições, as mazelas e por
desconsiderá-las então nega e discrimina tudo o que destoa do seu conteúdo.
23

Para pensar sobre esse discurso arbitrário que classifica pessoas como de
“bem” e as “não de bem”, Chalhoub (1996) descreve um período do Brasil Império e
a formação dos cortiços mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro. O autor
expõe o que isso significou para a população mais pobre nos termos de urbanização.

Visando compreender um pouco melhor a dinâmica entre pessoas que


ocupam espaços urbanos e a ação dos agentes do Estado, que muitas vezes atuam
de forma a reprimir a ação desses que ocupam, e tendo como desdobramentos para
a construção de um pensamento que se arrasta através dos anos como sendo correta,
tomamos como exemplo o cortiço conhecido como Cabeça de Porco, que foi
desocupado pela intimação da Intendência Municipal, pois depois da desocupação o
local seria demolido:

A intimação não fora obedecida e o prefeito Barata Ribeiro prometia dar cabo
do cortiço à força. Às sete horas e trinta minutos da noite, uma tropa do
primeiro batalhão da Infantaria, comandada pelo tenente Santiago, invadiu a
estalagem, proibindo o ingresso e a saída de qualquer pessoa. Piquetes da
cavalaria policial se posicionaram nas ruas transversais à Barão de São Félix,
e outro grupo de policiais subiu o morro que havia nos fundos da estalagem,
fechando o cerco pela retaguarda. (CHALHOUB, 1996, p. 15 e16)

Diante de tamanho aparato repressivo, não há nota que fale sobre a


possível resistência dos moradores do cortiço, mas vale lembrar, o autor está
centrando sua narrativa, nessa parte do livro, justamente ao processo de violência que
é lembrado naquele caso. Tal repressão tinha por justificativa, de parte das
autoridades da época, que difundiam (e provavelmente acreditavam) que os cortiços
eram antros de desordeiros.

O autor diz que o jornal “A Gazeta”, publicou que homens e mulheres


tentaram solicitar às autoridades que pudessem permanecer por mais um dia no
cortiço, a fim de retirar suas coisas. Seus pedidos não foram atendidos e, quase todos
os moradores perderam tudo, ficando seus poucos pertences sob escombros. A data
da operação foi o dia 26 de janeiro de 1893.

A cena descrita anteriormente não difere muito do que vemos até hoje em
comunidades que estão em áreas de ocupação, espaços esses que não estão
regularizadas e sofrem ordens de despejo e desocupação mediante força policial, na
ocupação do bairro Parque Oziel não foi diferente, por diversas vezes houve pedido
24

de reintegração de posse o que acarretaria o despejo das famílias, como relatou um


dos líderes da ocupação José da Mata (2011):

A primeira vez que teve uma liminar de despejo, nós fomos no Fórum
conversar com o juiz. E o juiz deu uma decisão contrária à gente e falou: “
não, tem que despejar as famílias”. E agora, o que que a gente faz, o que que
a gente faz? E a gente pensou, vamos fazer uma marcha para a cidade.

O que Chalhoub (1996) segue descrevendo é a repercussão na


impressa e o que significou a destruição do mais famoso cortiço do século XIX. As
metáforas usadas para designar o cortiço e o então prefeito, Barata Ribeiro, descrito
como um herói dos “novos tempos”, que limpou a cidade do Rio de Janeiro, são
construturas com imagens fortes e significativas para a população carioca da época.
Não há menção para onde foram tantas pessoas, desalojadas do dia para a noite,
sem nenhuma alternativa, e mais, sem condições financeiras para começar nova vida.
O que prevaleceu foi a eliminação do indesejado, seja lá de que forma se deu.

Neste ponto Chalhoub (1996) chama-nos atenção para o que ele considera
como o mito de origem para tamanha violência com os habitantes da cidade, e mais
ainda sobre como agir diante da diversidade dos sujeitos inseridos na dinâmica
urbana.

Ele destaca dois pontos para lidar com a diversidade urbana. Ele escreve:

O primeiro é a construção da noção de que classes populares e classes


perigosas_ para usar a terminologia do século XIX_ são duas expressões que
denotam, que descrevem basicamente a mesma realidade. O segundo
refere-se ao surgimento da ideia de que uma cidade pode ser apenas
“administrada”, isto é, gerida de acordo com critérios unicamente técnicos e
científicos (...). (CHALHOUB, 1996, p. 19 e 20.)

E conclui que:

Essas duas crenças combinadas, têm contribuído muito, em nossa história,


para a inibição do exercício da cidadania, quando não para o genocídio
mesmo de cidadãos. (CHALHOUB, 1996, p. 20).

Chalhoub (1996) continua sua explanação de modo sucinto e objetivo em


seu livro Cidade Febril, o uso do termo “classes perigosas”, usado pela escritora
inglesa Mary Carpenter por volta de 1840, para designar um grupo social que estava
à margem da sociedade civil. Para ela o termo era usado para se referir as pessoas
que tinham passado pela prisão, ou se não, por pessoas que sustentavam a si mesmo,
e às vezes suas famílias, através de furtos e não do trabalho. Enfim, usada de forma
restrita e não generalizando a população pobre como perigosa.
25

No Brasil, porém, foi um conceito usado como um dos eixos de um


importante debate na Câmara dos Deputados, nos meses subsequentes a lei da
abolição da escravatura. O que estava realmente em pauta na ocasião era um projeto
de lei para a repressão da ociosidade. O autor diz que os parlamentares dessa época
liam muitos autores franceses, dentre eles M. A. Frégier, funcionário da polícia
francesa, que escreveu um livro baseado na análise de inquéritos e estatísticas
policias de 1840, a obra tratava das “classes perigosas da população nas grandes
cidades”.

O objetivo de Frégier era mostrar de forma detalhada todos os tipos de


malfeitores. Ele consegue até certo ponto realizar este objetivo, porém há um ponto
no seu trabalho que ele mais descreve amplamente a condição de vida dos pobres
parisienses de forma generalizada, e não consegue definir com precisão a fronteira
do que seriam “classes pobres” e “classes perigosas”.

É exatamente nessa imprecisão que nossos parlamentares buscam uma


fonte, para tratar do trabalho, da ociosidade e da criminalidade, que chamam de
salvação nacional. E citam M.A.Frégier para corroborar com a estratégia que estava
em curso, que era a de criminalizar a crescente população pobre que não encontrava
trabalho neste período no país3.

Ora, percebemos uma tendência a ser qualificado como bom cidadão


aquele que tem gosto pelo trabalho, se ele não está trabalhando, logo tem gosto pela
ociosidade, e se é ocioso então é classificado como perigoso/vicioso, aquele que
carrega o vício e, os vícios produzem os malfeitores, que são perigosos à sociedade.
Juntando uma ponta à outra temos que por definição os pobres são perigosos. Ou
pelo menos são perigosos em potencial.

Destaca-se a importância de todo este preâmbulo para dizer que nessa


dissertação o conceito de “classes perigosas” e mesmo “bairro perigoso” perpassaram
por muitos desses discursos. Não pretendo, contudo, desconsiderar atos de violência

3
As classes pobres e viciosas, diz um criminalista notável, sempre fora e hão de ser sempre a mais abundante
causa de todas as sortes de malfeitores: são elas que se designam mais propriamente sob o título de – classes
perigosas – pois quando o mesmo vício não é acompanhado pelo crime, só o fato de aliar a pobreza no mesmo
indivíduo constituiu um justo motivo de terror para a sociedade. O perigo social cresce e torna-se de mais a
mais ameaçador, à medida que o pobre deteriora a sua condição pelo vício e o que é pior, pela sua ociosidade
(CHALHOUB, 1996, p.21).
26

cotidiana vividos por ocupantes, por agentes da segurança pública e nem tampouco
por professores dentro de seu local de trabalho, a própria EMEF Oziel Alves Pereira.
Porém considero pertinente o que autor traz como a “naturalização” e a
“generalização” sobre o pobre ser perigoso, povoando o nosso imaginário social.

Quando Chalhoub (1996) alerta sobre importância dos cortiços durante a


transição do período escravocrata para o período pós-abolição, é importante salientar
que os cortiços eram vistos como lugar de negros refugiados, como lugar de
resistência e luta. E diz:

(...) é preciso mencionar um ou outro motivo para a truculência contra os


cortiços nesse contexto: tais habitações fora um importante cenário da luta
dos negros da Corte contra a escravidão nas últimas décadas do século XIX.
Em outras palavras, a decisão política de expulsar as classes populares das
áreas centrais da cidade podia estar associada a uma tentativa de
desarticulação da memória recente dos movimentos sociais. (CHALHOUB, p.
25 e 26).

Há nesse binômio cortiço e classes perigosas algo que ainda ressoa hoje.
Pobres que não tem trabalho e que ousam de alguma forma lutar contra o que está
posto em suas vidas, sendo vistos, muitas vezes, como perigosos e arruaceiros, e
seus lugares de morar, sejam eles ocupações regularizadas pelo Estado ou não, são
alvo de descrédito, já que não foram conquistados/comprados com o suor de seus
“trabalhos”, então, pelo senso comum pode vir a conclusão, por vezes reducionista,
que foram roubados. Mas a pergunta é: e quando não há trabalho para todos? E
quando uma parcela da nossa sociedade é relegada a tornar-se invisível? E ainda,
como superar a linha que diz qual o tipo de trabalho que cada um vai exercer?

Mesmo passado tanto tempo do fato descrito por Chalhoub no cortiço do


Rio de Janeiro, e de nossa atualidade, acredita-se, porém, que seja possível que este
fato, ainda que isoladamente mencionado, corrobore minimamente para
estabelecermos relações com o que ainda acontece nas periferias dos grandes
centros urbanos, para observamos os discursos, as ações de políticas habitacionais
ou a falta destas, que configuram ao pobre a pecha de ser perigoso.

Em grande medida, dentro da escola, e não só na EMEF Oziel, mas em


grande parte das escolas da periferia, é possível perceber essa tensão, na qual a
escola é o palco onde contracenam as pessoas conceituadas “de bem” e as ditas
“perigosas”.
27

A escola é o ponto de partida, mas não a finalidade última dessa


dissertação, observaremos e faremos considerações que pretendem contribuir para
reflexões que apontem se a escola possui algum potencial para dirimir as condições
discursivas de opressão e desqualificação dessa comunidade e, ainda mais, se a sua
configuração histórica, contribuiu para o fortalecimento dessa mesma comunidade.

Como se sabe, outros pesquisadores já ouviram e usaram como recurso


metodológico, entrevistas com moradores e sujeitos que participaram do movimento
social pela ocupação do bairro Oziel, sob diferentes recortes. Isto posto,
consideraremos que para esta dissertação faremos uso de uma pesquisa com fonte
documental, como atas de conselho de escola, jornais, livros ponto, diários oficiais da
Secretaria de Educação do Estado e do Município de Campinas.

Outro conceito importante na construção e elaboração para essa


dissertação será o uso do conceito de memória, haja vista que escrever sobre a
história de uma instituição escolar é antes de tudo revisitar um passado, passado esse
que vai tornando-se cada vez mais apagado e longínquo para quem não o viveu,
sendo assim, Bosi (2012), ajuda a elucidar a memória como uma construção social,
no qual o passado pode ser trazido como fonte e não somente como refúgio:

Porque o passado reconstruído não é um refúgio, mas uma fonte, um


manancial de razões para lutar. Então, a memória deixa de ter aqui um caráter
de restauração do passado e passa a ser a memória geradora do futuro:
memória social, memória histórica e coletiva. (BOSI apud BRUCK, 2012,
p.198).

Logo, pretende-se trilhar um caminho nesta pesquisa que se aproxime ao


que Gagnebin (2001), chama de narrador sucateiro, que:

(...) não tem por alvo recolher os grandes feitos. Deve muito mais apanhar
tudo aquilo que é deixado de lado como algo que não tem significação, algo
que parece não ter importância nem sentido, algo com que a história oficial
não saiba o que fazer. (GAGNEBIN, 2001, p.88).

Há, porém, que se dizer que não é função do historiador tão somente
recolher os cacos e fragmentos da história, há outra condição que a mesma autora
nos chama atenção, e que se considera dentro dessa perspectiva metodológica de
suma importância, de que não devemos perder de vista a ascese da atividade do
28

historiador, na qual este não escreve sobre aquilo que é narrado, mas abrem-se as
incompletudes dessa narrativa, assim trazendo o que Bosi (2012) diz:

“(...) a fala emotiva e fragmentada do nosso memorialista é portadora de


significações que nos aproxima da verdade. Nós temos que aprender a amar
esse discurso tateante, as suas pausas, as suas franjas, com fios perdidos
quase irreparáveis. Bem mais que um documento unilinear, a narrativa da
testemunha mostra a complexidade do real. Oferece uma via privilegiada para
compreender a articulação dos movimentos da história com a cotidianidade”.
(BOSI apud BRUK, 2012, p. 197).

Para corroborar na construção da história da instituição escolar em


questão, usaremos também como referência o conceito de memória sob o prisma de
Benjamin (1987), o qual aponta caminhos os quais nos levam para longe da pura
celebração de um passado não vivido, conceito que abarca um posicionamento de
distanciamento do historiador com o fato histórico, não somente porque este
supostamente não o viveu, mas porque é impossível escrever e remontar no presente
qualquer fato ocorrido. O que apresentamos no presente é uma apropriação do
passado, apenas uma parte da trama de um tecido irreal. Assim:

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo como ele de fato


foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no
momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do
passado como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico,
sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da
tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-
se às classes dominantes como seus instrumentos. (BENJAMIN, 1987,
P.224)

Assim podemos nos apropriar de outra maneira para falar sobre memória,
já que não precisamos contar como foi esse passado em todos os seus pormenores,
visto que isso seria impossível e realmente dispensável e enfadonho. Tão antes o
contrário, é olhar um instante ou fato passado, e tratá-lo no presente de forma
reflexiva. Para Benjamin (1987), o historiador tem compromisso com o agora, que
toma o passado e a memória como ponto de partida para pensar no seu presente.

Benjamin (1987) nos inspira a abandonar o jeito de ver a história de forma


linear, como se essa maneira de vê-la, pudesse realmente ser possível, corrobora
ainda nessa linha de pensamento Bosi (2012), que declara:

O passado não é uma sucessão de fatos ou camadas que se vai escavando.


A memória desconhece a ordem cronológica. Minha hipótese é que ela opera
com grande liberdade, recolhendo fatos memorados no espaço e no tempo,
não arbitrariamente- mas por que se relacionam através de índices de
significação comum. São constelações de eventos mais intensas quando
sobre elas incide o brilho de um significado coletivo. (BOSI, 2012, p. 198).
29

Mesmo escrevendo, ainda que de forma simplificada, é preciso recorrer


sempre a essa percepção, que entre dois pontos existem infinitas possibilidades. É
como pensar em números, dentro da reta numérica, escrever o número um e o dois é
possível e relativamente fácil, porém a situação muda se considerarmos todas as
dízimas, os números fracionários, decimais e os irracionais entre esses dois números,
teremos então infinitas possibilidades. Sendo assim, é impossível dentro de uma
perspectiva ‘benjaminiana’ falar de memória de um jeito pragmático, controlador,
estreito, explicativo e demarcando vencedores. Há assim muitas possibilidades dentro
do estudo da memória.

Outro conceito considerado relevante para a nossa escrita e reflexão, será


a tentativa de ‘escovar a história a contrapelo’, Benjamin (1987), visto que contar a
história que contempla a luta de classes pela posse da terra ainda que de forma
despretensiosa, é também contemplar as dores, as tensões, os embates pelos quais
passaram pessoas; contemplar tudo isso pode nos levar a questionar onde estamos
dentro da tessitura social. ‘Escovar a história a contrapelo’, ou melhor, escrever a
contrapelo a história da escola é tentar promover reflexão, quem sabe uma tentativa
de que essa possa ser contada e recontada quantas vezes for preciso, como uma
pequena chama de vela, ela possa perdurar, não como única, unânime e triunfante
luz de um farol, mas que ela não seja apagada, nem renegada e esquecida pelo sopro
do tempo.

A escolha por tentar escrever minimamente a história da escola a


contrapelo se faz com a intenção de fazer da escola, da sua materialidade uma fonte,
na qual esta possa ser um elemento corroborativo na história da própria comunidade,
da cidade de Campinas e sirva como apontamentos para posteriores reflexões sobre
a História da Educação.

Essa dissertação buscará apoio na pesquisa documental, em leis, decretos,


jornais da cidade, atas de conselhos da escola, artigos do MST, livros, dissertações e
fontes iconográficas. Abarcará o conceito de memória da escola do bairro Parque
Oziel com contrapontos e contrastes importantes, pois como escreve Bosi (2003, p.15)
“A história que se apoiar unicamente em documentos oficiais, não pode dar conta das
paixões individuais que se escondem atrás dos episódios”.
30

A justificativa para a realização da pesquisa em nível de mestrado fica a


cargo da importância de se ter registrado, ainda que tão despretensiosamente, uma
parte da história de uma entre tantas instituições de ensino público da cidade de
Campinas, a legitimidade que esta possa ter dado a um movimento social por
habitação e que tão logo essa dissertação possa servir de suporte para posteriores
reflexões e estudos acerca do assunto. A história da escola justifica-se ainda, no
âmbito da História da Educação, como elemento de percepção sobre como esta
instituição se legitima nos espaços sociais e como sua materialidade e sua
espacialidade relacionam-se à política cultural de nossa época. Como nos mostra
Martins (2015) tanto a poética do espaço quanto a materialidade da escola estão hoje
subsidiando estudos da história da educação por sua potencialidade para os estudos
sobre a cultura urbana.

O trabalho será assim apresentado: um primeiro capítulo tentando


recuperar, refazer a imagem de quem foi Oziel Alves Pereira, já que sua persona figura
de modo pouco ou quase nada representativo na escola. Sendo que ele dá nome ao
bairro e à escola, sua presença é incômoda e questionada como legítima para nomear
uma unidade escolar, realizando uma reflexão sobre como um sujeito pode ou não
servir a uma causa, legitimando-a através da sua militância, sua morte e sua
permanência como símbolo.

Num segundo capítulo mostrar os contornos e o contexto histórico ao qual


estavam inseridos à ocupação da área na qual foram construídos posteriormente três
bairros, a configuração da tessitura urbana e o que isso pode representar para uma
parcela da classe trabalhadora da cidade.

No terceiro capítulo a apresentação da escola, mais detidamente, sua


construção, sua localização, referenciada por documentos oficiais, como atas de
reuniões, livros ponto, decretos do diário oficial do município e do Estado, a
participação popular, as reivindicações para sua construção, os meandros pelos quais
teve que passar até a conclusão e entrega do prédio atual.

Por fim serão feitas algumas considerações finais, que tentarão mais do
que responder ou fechar questões que surgiram ao longo da pesquisa e da
dissertação, mas enunciar com maior clareza pontos de reflexão permeados no texto.
31

CAPÍTULO 1: OZIEL ALVES PEREIRA: O SUJEITO QUE DÁ NOME AO BAIRRO


E A ESCOLA.

“Somos muitos Severinos


iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.
Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.”
(João Cabral de Melo Neto)
32

Oziel é o nome do bairro e, Oziel Alves Pereira é o nome da escola que tem
sua trajetória narrada nessa dissertação. Nome bíblico, Oziel significa “fortaleza do
Senhor”, e em sua matriz hebraica, esse nome aparece em vários personagens do
antigo testamento. É também o nome de um jovem que foi um líder do MST, morto
em 17 de abril de 1996, em Eldorado dos Carajás, no estado brasileiro do Pará, em
um trecho conhecido como a curva do S, rodovia PA 150, num conflito com a Polícia
Militar do referido Estado.

Desde quando cheguei ao bairro Parque Oziel e a escola EMEF Oziel Alves
Pereira, não pude deixar passar despercebido a vontade de saber quem era essa
pessoa que se transformou em símbolo na ocupação urbana. Nas cidades, os nomes
de ruas, avenidas, escolas, praças, são indicados por motivos diversos. Pelo
reconhecimento ao trabalho prestado à sociedade, por simples nepotismo, por um
número sem fim de condições arbitrárias e, por vezes, parece que não obedece a
lógica nenhuma. Mas ali, naquela ocupação, o nome e o personagem histórico a que
se referia carregava uma carga simbólica forte e percebi mobilizar tantos sentimentos
contraditórios nas pessoas, que senti necessidade de saber mais sobre ele e o
imaginário que se criava em torno de sua existência e suas lutas.

É necessário explicar melhor: há, na escola uma representação imagética


da pessoa de Oziel Alves Pereira, que causava certo questionamento e
estranhamento por parte dos professores. Não sendo um personagem representante
da hegemonia vigente, pode-se dizer que a imagem de Oziel foge aos estereótipos da
maioria das pessoas que geralmente dão seus nomes a lugares públicos. Sua
representação é o oposto aos bons costumes, à ordem, a abnegação em sua condição
social e econômica. Representada em um desenho, seria mesmo a imagem de Oziel?
É uma imagem fidedigna? Abaixo a imagem que está na escola
33

Figura 1: Oziel Alves Pereira, que fica no corredor da área administrativa da escola.

Fonte: Elaborada pela autora. Novembro/2011

Não se sabe quem é o autor de tal produção, não há nem mesmo uma
assinatura no desenho. Mas, a figura é de um jovem rapaz, de traços fortes, bem
demarcados, que lembra um bom desenho em um retrato falado. Seu boné virado
para o lado mostra o cuidado em deixar seu rosto bem visível, ao mesmo tempo em
que lhe confere um ar quase infantil, despojado.

Porque há a inscrição “Viva o MST” nessa imagem, infere-se que sua


trajetória pessoal esteja vinculada a esse movimento, mas por que o escolheram, já
que o MST tem várias lideranças, não ficava claro e, não há, fora dessa imagem,
qualquer outra representação ou mesmo uma inscrição, que esclareça a homenagem.

Sua imagem, em um quadro simples, não possui uma legenda, mas sim
uma frase do educador Paulo Freire, mostrando a importância daquela representação
para adornar uma escola. Amplificando a curiosidade, a imagem e os dizeres me
levavam a perguntar como um nome vinculado a um fato ocorrido tão distante ganhava
status naquela região da cidade de Campinas?
34

Essas e outras pequenas especulações movimentam a curiosidade acerca


da história de uma pessoa, que faz parte do imaginário social do bairro, mas que na
escola torna-se uma figura lendária, e sobre o qual pairava o desconhecimento tanto
de sua luta como do indivíduo propriamente dito.

Considera-se importante levantar essas questões, pois elas servirão de


estofo para a construção da história do sujeito que empresta seu nome ao bairro e à
escola pesquisada.

Foi a partir da representação na imagem, sem referencial algum, que a


presente pesquisa se iniciou para encontrar os primeiros vestígios da vida do jovem
Oziel Alves Pereira.

Os primeiros registros encontrados foram pesquisados na internet, mais


precisamente na página oficial do MST4, em que foram encontrados alguns textos que
falavam sobre o dia da chacina, no qual ele foi morto; sobre os outros mortos e feridos,
a respeito do julgamento de policiais e possíveis mandantes, a propósito das
testemunhas, e sobre a memória dos sobreviventes depois de tantos anos passados.
Em muitos desses textos o nome de Oziel era encontrado. Sempre dentro de um
mesmo formato de escrita, a mesma descrição, jovem líder do MST morto brutalmente
em Eldorado dos Carajás. Tentei algumas vezes estabelecer contato com a direção
do MST por e-mail para encontrar mais registros sobre ele, mas não obtive retorno.

Entre tantas buscas foi encontrada uma poesia referindo-se a Oziel Alves
Pereira como Zumbi dos Palmares, o autor é Azuir Ferreira Tavares Filho professor e
morador de Campinas. Segue abaixo a poesia de 2009.

4
Informação retirada do site MST- www.mst.org.br
35

OZIEL ALVES PEREIRA

O ZUMBI DO PARÁ

17-04-1996

Salve Oziel Alves Pereira,

Salve Zumbi do Pará.

Salve a Raça Brasileira,

E a determinação do seu lutar.

Salve o ideal trabalhador,

E a necessidade de plantar a terra.

Salve o Oziel Agricultor,

Comandante e senhor da Guerra.

Salve o Zumbi destemido.

Heroico e ameaçador.

Sem medo e decidido.

Merece todo louvor.

Pelas massas consagrado.

Não se deixou acovardar.

Por Deus Abençoado.

Pra sempre vamos lembrar.

Salve Oziel Pereira.

Humilde mais lutador.

Salve a alma Guerreira,

O Homem pobre sem temor.


36

Traz a luz reveladora,

Enfrenta a repressão com pau.

É a vida salvadora,

Sempre armado de ideal

Salve Oziel, és Brasil,

És Justiça, és Dignidade.

Dezessete anos tão varonil.

Esperança no Campo e na Cidade.

És força pra nossa união,

Pra Juventude és alento.

És Boa Vontade e comunhão.

És beleza todo momento.

Salve Oziel Alves Pereira

Para salvar a nação.

Tens a coragem primeira.

Estás em cada cidadão.

Redime a nossa gente,

Defende a todos explorados.

Ressurge Zumbi valente

Santo Guerreiro Encarnado.

Salve Zumbi nascedor.

Revive em seu povo.


37

Iluminado e cheio de amor.

Anuncia um Brasil Novo.

Vem resgatar a terra.

Vem escrever nossa História.

Comanda os Anjos de Guerra,

Traz a liberdade e glória.

É Hora de organizar.

Não conter mais a expressão.

Sabe incorporar no lutar.

É hora de Transformação.

Hora sagrada de consciência.

Hora sagrada pra unir.

Covarde vivo é indecência.

Cada um de nós é Zumbi.

Salve Oziel Alves Pereira

Salve o Zumbi do Pará

Alma amiga Brasileira.

Pra fazer nos irmanar

Por nossa terra e nossa gente.

Em Eucaristia dando a mão.

No Povo esta o Cristo presente

A nossa Felicidade por união


38

Ainda na página do MST foi encontrada uma escola que fica em Eldorado
dos Carajás- PA, homônima à escola que pesquiso. É uma escola municipal, que
também tem um site, mandei uma carta, sem resposta. Prosseguiram-se então
inúmeras tentativas de telefonemas, os quais foram todos infrutíferos. O próximo
passo foi encaminhar alguns e-mails, mas estes voltaram para a caixa de entrada de
meu correio eletrônico dizendo que seria impossível encaminhá-los. Depois dessas
tentativas frustradas, houve uma tentativa de aproximação com a Secretaria de
Educação do Pará, mas também não consegui contato, nem por telefone, nem por
correio eletrônico.

A pesquisa por notícias do massacre em Eldorado dos Carajás prosseguiu


e foi encontrado um artigo de Lucas Figueiredo, jornalista da Folha de São Paulo. O
artigo é de 20 de abril de 1996, sob o título: “Líder foi morto com tiro à queima roupa”,
na qual Lucas, correspondente do referido jornal, conta que foi até a cidade de
Curionópolis, Pará5. Lá, conversou com várias testemunhas da chacina e com
pessoas que viram o corpo de Oziel, já no Instituto Médico Legal, inclusive com o
deputado estadual, João Batista do Partido dos Trabalhadores, que era membro da
Comissão de Direitos Humanos local. Segundo este deputado, o caso do massacre
de Oziel teria sido o mais grave, pelo grau de violência empregado contra ele. Enfim,
o jornalista escreveu sobre os fatos nos momentos que se seguiram e relatou sobre
um possível líder morto de nome Oziel.

Essa reportagem levou-me a procurar por Lucas Figueiredo, e pela internet


constatei que ele atualmente é escritor de livros-reportagem e biográficos, pela
Companhia das Letras. Encontrei seu blog e seu contato de e-mail. Resolvi tentar
contatá-lo, ao que ele prontamente e tão generosamente respondeu. Mandou-me
mais alguns artigos e um ensaio que fora publicado no livro “Jornadas Literárias de
Passo Fundo” de 2001.

5
Curionópolis, Pará, é uma cidade a 753 Km de Belém, na região de Parauapebas. Seu nome, dado em 1981, homenageia a
Sebastião Rodrigues de Moura, o “Sebastião Curió”, um militar do exército, hoje reformado na condição de coronel, que
destacou-se pela perseguição e massacre de militantes da Guerrilha do Araguaia na década de 60 e 70. É município limítrofe
ao de eldorado de Carajás e, como se sabe, histórica região de conflito na luta pela terra e reforma agrária.
39

O ensaio intitulado: “O cheiro de um país”, começa descrevendo o velório


de um homem conhecido sob a alcunha de “o Irmão”, por outros como Antônio, em
que autor descreve:

Nunca tinha ido a um velório tão cheio e triste, apesar de ninguém ali
conhecer direito o Irmão. Esse fato, aliás, havia se transformado num dos
problemas do velório. Era preciso escrever alguma coisa na cruz branca de
madeira que ficaria à cabeceira da sepultura dele, mas escrever o quê, se
ninguém sabia o sobrenome ou a data de nascimento do Irmão.
(FIGUEIREDO, 2001,163)

O falecido e seu velório causaram comoção, por tudo o que aquele corpo
ali representava: a miséria, a falta de oportunidades de trabalho e estudo, descaso do
Estado com seus cidadãos, a negação do sujeito histórico, sem nome nem
sobrenome, sem certidão de nascimento.

Figueiredo (2001) seguiu descrevendo quando e como o Irmão e outros


sem-terra foram parar em Eldorado dos Carajás, descreve o cenário onde mais tarde
aconteceria uma das maiores tragédias de nossa história recente na luta pela reforma
agrária. Foi em 1995 que Irmão e cerca de mil famílias que estavam atrás de um
pedaço de chão se encontraram e, juntos, eles foram ocupar uma fazenda, chamada
Macaxeira.

Estimava-se que quatro mil pessoas acampavam nas matas dessa


fazenda, caminhando cerca de dez quilômetros para chegar à cidade mais próxima
que era Eldorado dos Carajás. O desespero da fome levava famílias a saquearem os
armazéns da cidade, a esconderem-se no mato, a portarem-se como animais
famintos.

No dia 17 de abril de 1996, Irmão e mais de mil sem-terra bloquearam a


rodovia PA-150, na altura do km 100, tentando pressionar o governo federal, sob a
presidência da república de Fernando Henrique Cardoso, membro do Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB), para desapropriar as terras da fazenda
Macaxeira. Os sem-terra entre eles, crianças, impediriam o trânsito e exigiam um
ônibus para que uma comissão fosse até Marabá para a negociação sobre a
desapropriação (mas também reivindicavam comida), para, posteriormente, saírem de
lá.
40

O que se seguiu foi à chegada de 150 militares, que cercaram Irmão e seus
companheiros. Os sem-terra não arredaram o pé e o massacre teve início. Foram
algumas poucas horas descritas por várias testemunhas como sendo de tremenda
barbárie, em que podia se ouvir claramente dos policias, ‘acabem com essa raça’.

Figueiredo (2001) diz que com exceção de Irmão, todos os outros dezoito
companheiros assassinados tinham seus nomes e sobrenomes conhecidos na região.

Eram eles:

Oziel Alves Pereira, 18 anos;

Raimundo Lopes Pereira, 20 anos;

José Ribamar, 22 anos;

Lourival da Costa Santana, 25 anos;

Robson Vitor Sobrinho, 25 anos;

Antônio Costa Dias, 27 anos;

Joaquim Pereira Veras, 32 anos;

Altamiro Ricardo da Silva, 42 anos;

Amâncio dos Santos Silva, 42 anos;

Graciano Olimpo de Souza, 46;

Leonardo Batista de Almeida, 46 anos;

Manoel Gomes de Souza, 49 anos;

Abílio Alves Rabelo, 57 anos;

Antônio Alves da Cruz, 59 anos;

José Alves de Silva, 65 anos;

João Rodrigues de Araújo, idade desconhecida;

João Carneiro, idade desconhecida;


41

Valdemar Ferreira da Silva, idade desconhecida.

Essa ordem é a que aparece no ensaio de Figueiredo, 2001, uma ordem


cronológica de idade, e nela, destaca-se Oziel como o mais jovem do massacre.

Os outros artigos enviados pelo referido jornalista, também tratavam da


morte de Oziel, do julgamento dos acusados, do tratamento que as testemunhas
recebiam. Do medo, de como as autoridades estavam se portando frente a um caso
que ganhou repercussão internacional à época.

Perguntei a ele se estivera com Oziel, se o vira mesmo que morto. Ele disse
que nunca esteve com Oziel, que tudo mais que sabia sobre ele vinha de pessoas que
conheceram a vítima. Acrescentou que os trabalhadores estavam num estado de
extrema pobreza, que muitos não possuíam documentos e dificilmente encontraria
uma fotografia dele. O jornalista mandou algumas reportagens que fiz depois do
massacre, nas quais ele tratava sobre o julgamento dos policiais, sobre a importância
das testemunhas nos depoimentos para a acusação dos executores e possíveis
mandantes. Dentro dessa perspectiva ele conversou com uma testemunha que dizia
ter visto Oziel ser espancado e morto a tiros posteriormente.

Para finalizar nossa conversa Figueiredo escreveu-me que achava


importante que alguém, depois de tanto tempo, passados quase vinte anos do
massacre, pudesse pesquisar sobre a vida do Oziel e não só falasse desse ‘cabra
marcado para morrer’, como se referiu ao jovem Oziel, mas que pudesse
minimamente construir uma história de sua trajetória, já que ela não se encerrava em
sua morte.

Assim, as reportagens de Figueiredo apontavam e reforçavam a ideia de


que Oziel fora mesmo, reconhecidamente, encarado como um líder dentro do
movimento e, sua história acabou por mostrar um jovem não apenas sacrificado, mas
também martirizado. Todavia, continuava ainda a procurar por evidências de sua vida,
uma vez que a imagem da escola repercutia no ambiente escolar.

Foi quando busquei como fonte o livro do jornalista Eric Nepomuceno, “O


Massacre: Eldorado dos Carajás: uma história de impunidade” (2007). O livro é um
belo trabalho de jornalismo investigativo, resultado de algumas viagens, trinta e duas
entrevistas, cerca de cinquenta e quatro horas de gravações, leitura de dois inquéritos
42

com cerca de vinte mil páginas, análises de documentos acadêmicos, ensaios e


materiais jornalísticos, conversas com políticos paraenses, tudo isso recheado com
fotografias do renomado Sebastião Salgado, que estivera no local do massacre e
registrou com toda sua identidade a dor, a desolação do povo sem-terra.

Nepomuceno viajou para o Pará em 2005, visitou acampamentos do MST,


passando por Parauapebas, Curionópolis e Eldorado dos Carajás. Uma parte da
história de Oziel é descrita assim Nepomuceno (2001):

Oziel Alves Pereira, 17 anos, um dos dirigentes do MST mais procurados


pelas milícias dos fazendeiros e pela própria Polícia Militar, que o considerava
um agitador perigoso, levou quatro tiros. Um atravessou sua cabeça, de trás
para diante. Outro acertou sua testa pelo lado direito. Essa bala saiu pelo lado
esquerdo da nuca. O terceiro foi no pescoço, de trás para frente, também pelo
lado esquerdo. O quarto e derradeiro foi disparado no lado direito de seu
peito. (NEPOMUCENO, 2001, p. 114-115)

Em um parágrafo o escritor-jornalista resume sua conclusão, de que tudo


o que aconteceu na tarde de uma quarta feira do ano de 1996 a poucos quilômetros
de Eldorado dos Carajás foi:

(...) uma das mais frias e emblemáticas matanças da história contemporânea


do país. Ninguém deveria sequer se atrever a usar a palavra como
“confronto”, “incidente” ou “choque” para descrever o que aconteceu na curva
do S” (...) “Aquilo foi uma carnificina brutal, um massacre que permanece
impune. Dezenove pessoas foram mortas, e estou convencido de que pelo
menos cinco delas foram alvos previamente escolhidos. (NEPOMUCENO,
2007,16)

Um desses alvos previamente escolhidos, como mais a frente ele deixa


claro com o relato de várias testemunhas, foi Oziel Alves Pereira.

O referido autor segue descrevendo que havia visto cenas de tamanha


barbárie tão somente quando cobriu a guerra civil em El Salvador, América Central,
entre os anos de 1979 e 1983, as cenas vistas por ele dos cadáveres, do massacre
através das fotos, mostravam corpos mutilados e cabeças destroçadas. Percebeu que
o que havia acontecido naquele lugar fora mais que a manutenção da ordem pública,
era a representação de uma fúria descontrolada, e mais que isso uma fúria a serviço
de interesses privados. “A inexistência, enfim, de uma linha clara que separa o que é
público do que é privado: recorre-se à força policial como quem recorre a uma milícia
particular. ” (NEPOMUCENO, 2007, p.18).

Ele descreve o cenário em pormenores, com detalhes de números que


como ele mesmo disse, não tinha a intenção apenas de fazer revelações drásticas,
43

mas de querer tentar “mais que do que revelar, quer recordar- soprar as brasas da
memória para impedir que se tornem cinzas mortas”. (NEPOMUCENO, 2007, p 19).

Ele cruza a geografia de um Estado e de um país inteiro com a geografia


de personagens mortos e sobreviventes. Ele cruza a história do país com as histórias
de vida, mostra o contexto em que cada sujeito está inserido. Trata de trazer à tona a
discussão sobre a origem da miséria, da vida nômade, do desenraizamento que
trabalhadores do campo vivem, trata da fronteira, da linha tênue que separa os
camponeses dos grandes latifundiários. E a tensão que existe entre esses dois fios
da mesma meada. Se por um lado os integrantes do MST querem a reforma agrária,
de outro os grileiros e latifundiários querem a manutenção de suas hegemonias e seus
status quo.

Traz a luz a discussão o que parece ser escamoteado das discussões, o


que parece não fazer parte dos livros de história. Faz questão de lançar mão de dados,
números, para que possamos construir melhor nossos discursos sobre a origem da
pobreza e possamos refutar os argumentos de quem ache isso natural e como coisa
dada.

Ele também escreve que alguns dirigentes do MST admitiram que não
tiveram a real dimensão da fúria que suas ações estariam submetidas posteriormente.

Conta com detalhes o percurso que o movimento do MST realizou até


chegar a Eldorado dos Carajás, na fazenda Macaxeira, suas reivindicações e os
desdobramentos dessa estratégia. Enfim, faz questão de deixar claro o estado do
Pará como o maior em número de mortes de trabalhadores rurais, segundo dados da
Pastoral da Terra.

O autor cita ainda que a Organização Internacional do Trabalho (OIT)


aponta que há no país um regime de escravidão e, que no Pará esses números são
alarmantes, já que a mão de obra barata vinda basicamente dos estados paupérrimos
do Maranhão e do Piauí ajudam a crescer esses números. Os trabalhadores em
regime de escravidão concentram-se nas grandes propriedades de terra. Muitos que
conseguem escapar desse regime acabam sendo mortos pelos fazendeiros e
justiceiros. Outros tantos que conseguem escapar da armadilha encontram no
44

Movimento dos Sem Terra a chance de conseguirem seu pedaço de chão, seu
sustento e de suas famílias.

Como escreve Nepomuceno (2001):

Nessa atmosfera em que a lei mais eficaz é a de quem tem armas, é mais
fácil entender que haja pessoas vagando pelo interior do Brasil - ativistas,
líderes de movimentos de reivindicação- transformados em mortos
ambulantes. Seus nomes estão em listas de condenados conhecidos por
todos (NEPOMUCENO, 2007, p.37).

Não foi diferente com Oziel Alves Pereira. Seu nome estava na lista dos
que precisavam ser mortos, liquidado. No dia do confronto, segundo esta fonte, Oziel
estava encima de um carro de som, pedindo que ninguém arredasse o pé dali. No
discurso inflamado proferiu ofensas aos policiais militares. Lançava um grito que dizia
“M –S –T” e os companheiros respondiam “a luta é para valer”.

O jornalista diz que o Instituto Médico Legal de Curionópolis, apontou


vestígios de pólvora nas mãos de Oziel, porém nenhuma testemunha do caso disse
que o viu portando arma de fogo no episódio.

Uma testemunha, Maria Abadia Barbosa disse que mesmo estando


estendida no chão pode ver quando um primeiro policial, que ela identifica como alto
e moreno, arrastou Oziel pelos cabelos de dentro de uma casa e um segundo policial
espancou-o junto com o colega. Depois ouviu o tiro que o matou.

Relatos apresentados abaixo foram obtidos por Lucas Figueiredo e


publicados num artigo do jornal a Folha de São Paulo de vinte de abril de 1996, com
o título “Líder foi morto à queima roupa”, que confirmam as versões até aqui
apresentadas.

Duas testemunhas confirmaram a versão sobre a morte de Oziel. Uma foi


a jornalista Marisa Romão, repórter na época da TV Liberal. Ela contou que se
escondeu com Oziel e mais ou menos cinquenta pessoas dentro de um barraco para
se protegerem dos tiros. Então ela saiu gritando que ali só havia mulheres e crianças
e que não atirassem. Os policiais atenderam ao pedido da jornalista e levaram-na
junto com o cinegrafista para dentro do ônibus, e que após ser levada para o interior
do veículo, foi impedida de ver o que acontecia lá fora.
45

Outra testemunha, Francisca da Costa Ribeiro, disse que os policiais


bateram em Oziel e o chamavam de vagabundo e diziam para ele gritar: ‘viva o
movimento sem-terra’, e depois atiraram em sua cabeça.

Oziel foi enterrado em Parauapebas em 20 de abril de 1996, “numa


cerimônia de demolidora emoção” como escreveu Nepomuceno. Essas pequenas
informações de sua morte traziam também sombras do que fora sua vida.

Uma imagem do livro de Nepomuceno que chamou minha atenção foi a


fotografia de uma mulher chorando, com a legenda: ‘mãe de Oziel Alves Pereira, um
dos líderes camponeses assassinados, sendo confortada durante a cerimônia fúnebre
em Parauapebas no dia 20 de abril’. Segue a imagem:

Figura 2: Mãe de Oziel. Fonte: SALGADO,1996.

A partir dessa fonte iconográfica tentou-se encontrar mediante pesquisa na


internet também uma imagem/fotografia de Oziel Alves Pereira e assim confirmar ou
refutar a imagem que havia na escola. Posteriormente foi encontrado um artigo de
46

Maria Gorete Souza, no qual havia uma fotografia dele com o título: “À indignação do
menino irreverente” de 2010. O artigo estava na página eletrônica do MST. A autora
é Coordenadora Pedagógica da Escola Nacional Florestan Fernandes e doutoranda
pela Universidad Nacional de Córdoba.

A fotografia encontrada mostra um jovem sorridente e que lembra muito os


traços do desenho que representa Oziel na escola. Para podermos pensar melhor
sobre a representação que aparece na escola em Campinas destaco a fotografia que
ilustra o artigo de Souza (2010).

Figura 3: Oziel Alves Pereira. Fonte: SOUZA, 2010.

A existência dessa fotografia é considerada um ganho sobre a


representação dele na escola e, no imaginário dos que frequentam o ambiente escolar
e/ou para os moradores do bairro, já que ele passa de uma mera personagem a
alguém que existiu, uma vez que as fotografias, como se sabe, possuem a aura de
comprovação da existência do objeto fotografado. A questão é, portanto, simbólica,
mas a apresentação dela permite associar a sua presença física a uma história
associada à luta por direitos sociais, pela qual muitos moradores do bairro passaram
também. A fotografia, tal como aparece na obra de Souza (2010), confere a Oziel uma
existência real, atribuindo-lhe, nessa existência, outra forma de legitimidade social,
considerando os dados sobre sua juventude e sua participação no movimento.
47

No referido artigo sobre Oziel, Souza (2010) escreve sobre o privilégio que
foi ter convivido com ele. Ela escreveu: “Com o vigor da sua juventude e o ânimo dos
seus ideais, era ele quem gritava, alto e bom som: ‘lutamos porque somos militantes
desta vida!’”

E continua dizendo que a vida dele foi ceifada pela brutalidade da


sociedade que ele mesmo queria ver modificada, no qual ela destaca uma frase tirada
de uma carta escrita por Oziel: “eu descobri que o fundamental na vida é lutar por um
mundo melhor, eu descobri que o fundamental é conscientizar o povo” (SOUSA,
2010).

Relata que a família de Oziel migrou de um lugar ao outro até encontrar no


MST a possibilidade de conquistar um pedaço de terra, um chão para plantar, construir
uma casa e uma vida sem tantos desenraizamentos.

O conceito que trago de desenraizamento está em consenso com o que


escreve Bosi (2003), reportando-se a Simone Weil, quando esta última diz:

O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida


da alma humana e uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma
raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma
coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos
pressentimentos do futuro. (WEIL, apud BOSI, 2003, p. 175).

Bosi (2003) acredita que enraizamento deve ser visto como direito
fundamental de todo ser humano, e que se isso lhe é negado há consequências
graves, como por exemplo, uma condição desagregadora da memória.

A grande questão que permeou a breve vida de Oziel era: porque uns
poucos têm muito e outros tantos com nada, ou quase nada? Ele queria mais que
entender, queria a superação desse estado de coisas. Queria pertencer a um lugar,
enraizar-se.

Para enfrentar as dificuldades esse jovem irreverente, contestador e que


estava sempre em debates e enfrentamentos calorosos queria terminar o Ensino
Médio e fazer curso de formação política do MST. Era apaixonado pela história de
Zumbi dos Palmares e se identificava com a sua história de luta contra as injustiças,
daí possamos fazer relação com a poesia apresentada anteriormente, na qual (Filho,
2009) estabelece um paralelo entre o jovem Oziel e Zumbi dos Palmares.
48

Souza (2010) termina o artigo respondendo a uma pergunta sobre quem foi
Oziel e sobre o legado de sua curta existência.

Que legado nos deixa sua história de vida? Certamente, e em primeiro lugar,
o seu amor pela vida, o seu respeito pela família, o seu carinho pelas
crianças, a sua ternura de menino corajoso e irreverente, a sua solidariedade,
a sua intransigência na luta contra as injustiças, quaisquer que fossem. E
acima de tudo, o seu desejo de uma vida feliz e justa para todos nós.
(SOUSA, 2010).

Prossegui na busca por pontos que aumentassem esse conto e a menção


no artigo de que Oziel queria estudar, fez como que eu começasse a buscar um pouco
mais sobre sua vida através do viés da escolaridade.

Encontrou-se então um artigo do jornal a Folha de São Paulo de 22 de abril


de 1996, com o título: “Líder morto aos 17 anos estudou e foi ator”, de Fábio Zanini
com colaboração de Irineu Machado.

Nesse artigo encontrei um pouco mais de detalhes sobre a vida de Oziel.


Ele teria nascido no Mato Grosso, tinha três irmãs e dois irmãos. Chegou à
Parauapebas, PA no ano de 1983. Havia cursado até a quarta série do ensino
fundamental.

Já no movimento dos sem-terra foi enviado ao assentamento de Vila


Diamante, em Vitória do Mearim, no Estado do Maranhão, nesse assentamento fez
um curso supletivo e conseguiu o certificado de conclusão do que hoje chamamos de
ensino fundamental.

Ao retornar ao Pará alcançou posição de destaque no movimento e passou


a participar de reuniões em que eram definidas as estratégias do MST e o calendário
das ocupações.

No final de 1995 participou de uma peça teatral feita pelo acampamento em


homenagem aos 300 anos da morte de Zumbi, ele protagonizou o personagem título
e começou a ser chamado assim pelos companheiros.

Outra fonte a qual recorri para ter mais elementos que compusessem a
trajetória de Oziel foi o depoimento do ex-líder da ocupação do bairro Parque Oziel,
José da Mata, concedido aos alunos do 5º ano da EMEF Oziel Alves Pereira, que
posteriormente transformou-se no documentário “Histórias fantásticas que devemos
49

contar às crianças” (2011), produzido e editado por mim e pela Coordenadora


Pedagógica Sônia de Oliveira. No depoimento ele relata que o nome escolhido para o
bairro foi de um líder do MST. E diz:

O bairro de vocês tem o nome de uma pessoa que lutava por reforma agrária
no Pará. Então a gente colocou nos bairros o nome de pessoas que lutaram,
em algum momento da vida participaram de lutas, e a maioria deles, boa parte
morreram lutando (JOSÉ da MATA, 2011).

Vale ressaltar aqui que esse depoimento foi exclusivo para os alunos que
estavam realizando o projeto e foi proposto, portanto, como uma atividade
pedagógica. Posteriormente o vídeo foi exibido para os professores da escola numa
reunião de final do ano letivo, pois cada professor foi convidado a mostrar uma parte
do trabalho realizado naquele ano letivo. Considerando a significância das atividades
para a comunidade, decidi por escolher esse vídeo como parte do trabalho realizado.
A reação dos colegas não foi de grande receptividade, mas ainda assim, alguns
propuseram ampliar o projeto e a dinâmica dele para a escola inteira. Mas o registro
mais significativo é o incômodo que a luta pelas residências, em processo de
ocupação urbana, causa na comunidade docente.

Segue abaixo imagem de um momento do depoimento de José da Mata.

Figura 4: Sala de informática da Emef Oziel. José da Mata está à direita na fotografia, com as pernas
cruzadas. Fonte: ZINCLAR, 2011.

Pensando em como olhamos para o que acontece com o outro e como isso
nos afeta, trago Bosi (2003) que nos aponta: “Quando um acontecimento político mexe
50

com a cabeça de um determinado grupo social, a memória de cada um de seus


membros é afetada pela interpretação que a ideologia dominante dá desse
acontecimento” (BOSI, 2003, p.21-22).

A afirmação acima pode nos trazer inúmeras reflexões, a primeira que


podemos apontar é de que somos inexoravelmente formados por memórias que são
individuais e ao mesmo tempo coletivas. A segunda é que a memória dita coletiva,
que é moldada na ideologia hegemônica muitas vezes se sobrepõe à memória
individual, sendo assim o sujeito que vive e testemunha um acontecimento pode ser
suprimido, renegado e esquecido, dando à memória coletiva o papel de explicar e
legitimar uma ação, uma classe, um fato.

Assim, a memória individual e cotidiana é permeada de tal forma pela


memória do que é público, que reafirma o que deve ser contado. O que era para conter
menor relevância ganha contornos de permanência e reafirmação de classe, e o
contrário também é verdadeiro, o que possa macular a imagem de um grupo, classe
ou ação podem ser suplantados e esquecidos para que enfim se construa uma
ideologia.

Oziel pode aparecer como herói, como mártir, como ícone ou poderemos
observar uma insignificância de sua persona frente àquela escola. Os documentos
encontrados sobre ele são poucos e quase todos se referem à tragédia e ao massacre.
Sua historicidade está intimamente vinculada à sua morte, e percebemos que o
próprio MST passou a atribuir a ele um sentido de liderança que não conseguiremos
demonstrar na dissertação. Todavia, é importante refletirmos sobre sua construção
como representante da “vida Severina” como aparece na poesia do início deste
capitulo.

No site do MST, encontramos a notícia que, desde 1997, no mês de abril,


ocorrem jornadas para lembrar o massacre. Constituído pelo Acampamento
Pedagógico da Juventude Camponesa “Oziel Alves Pereira”, há atividades culturais e
formativas para participantes do acampamento.

A possível história de Oziel nos traz grandes reflexões. É possível que


muitos na escola não a conheçam, é possível que alguns possam continuar a negá-la
como uma homenagem válida ou adequada à educação de jovens e crianças, mas
51

ocorre que lá está e movimenta questões relativas à identidade daquele bairro e


daquela população que frequenta a escola.

O certo é que a imagem de Oziel associada à juventude passou a ser uma


estratégia discursiva interessante para o movimento e o torna cada vez mais uma
liderança política.

A partir daí faz-se necessária ainda que minimamente pensar sobre a


construção de uma espécie de mito que o jovem Oziel possa representar para o MST
e para outros movimentos sociais que lutam por posse de terra e o direito à moradia.
Para tanto dialogaremos com Bezerra (2009), que dentro de um artigo sobre a
produção de mitos na política nos servirá de suporte teórico para tentar
compreendermos Oziel como representante de uma classe.

Bezerra (2009) fala sobre a relação do mito e seu contexto histórico:

A relação intrínseca entre o mito e o contexto histórico em que este surge e


atua, é igualmente importante analisar os fenômenos e fatos atuais da
sociedade contemporânea palco desta atuação (...). Eis que se configura um
cenário específico, propício ao surgimento e performance de figuras e
discursos mitologizados na forma que conhecemos por espetáculo.
Personagens que podem emergir de diferentes classes e diversas
configurações de ideologias, propostas e discursos. (BEZERRA, 2009, p.12)

Por certo podemos dizer que a morte do jovem líder do movimento social e
popular do MST, e consequentemente seu nome e sua imagem, são assim
apropriadas de certa forma pelo movimento a fim de começar uma representatividade
e legitimidade que corroboram para formação de sua ideologia. Oziel enquanto vivo é
liderança, mas morto se torna mártir e ganha contornos de uma espécie de mito, já
que as condições de sua morte servem para legitimar a luta pela terra, tanto é assim
que seu nome está em nomes de bairros, escolas e de ruas de assentamentos ou
ocupações em várias partes do país.

A autora traz em seu artigo autores que tratam do tema origem dos mitos
nas sociedades arcaicas e autores que falam sobre a criação dos mitos na
contemporaneidade, e usa esses conceitos para olhar para a criação de mitos
políticos. O certo é que o mito nas sociedades arcaicas (Eliade apud Bezerra, 2009)
era criado como fonte de explicação frente aos fenômenos humanos. Pensando sobre
este prisma, a origem de uma possível mitologização do sujeito Oziel contribui
52

sobremaneira para explicar, promover e manter a ideia da luta, principalmente jovem,


por reforma agrária e pelo direito à moradia.

Quando pensamos não só na origem do mito, mas na criação de um mito


político, que tem um discurso definido por sua intenção, na qual Bezerra (2009)
aponta:

Pensar o discurso político atual a partir desta perspectiva permite perceber


como fontes importantes de analises, artifícios diversos como discursos,
gestos, fotografias, vídeos, dentre outros artefatos materiais que fomentam a
elaboração de discursos e possibilita perceber como estes elementos podem
ser manuseados a partir de uma intenção específica. (BEZERRA, 2009, p.18)

E ainda:

(...) tais características biográficas pertence ao domínio do imaginário


mitológico e que quanto maior é o tempo de existência do mito mais estes
traços tendem a ser reforçados ao mesmo tempo em que reforça sua
permanência no imaginário coletivo (BEZERRA, 2009, p.19).

Logo, somos levados a pensar como um sujeito que estava no interior do


país, em condições de precariedade, já que precisava lutar até por comida, que
estudou pouquíssimo, que era muito jovem, que não tinha tantas fotografias
disponíveis publicamente conseguiu ganhar tamanha representatividade?

Digo isso fazendo conjecturas e aproximações, não tenho pretensão de


criticar Oziel mitologizado, mas de questionar como sua persona figura como tal, pelo
menos seu nome resiste ao tempo, ainda que sem tantos elementos constitutivos para
tal.

Quando o nome de Oziel passa ser usado repetidas vezes, a partir do


episódio de sua morte, é como se não houvesse um tempo que nos separasse dele,
a simples menção de seu nome faz com que nos tornemos contemporâneos, “o que
deixa a ideia de irrupção do tempo histórico” (BEZERRA, 2009, p.15).

No caso do bairro e da escola em Campinas sua imagem e


representatividade podem ser ainda muito fortes para seus moradores e comunidade
escolar, porém observa-se que essa mesma imagem se liquefaz para quem não
conhece sua história e para quem não tem a mínima identificação com a questão da
reforma agrária e déficit habitacional no país. Um mito contemporâneo não
necessariamente é universal, mas serve a um determinado grupo e interesse.
53

Assim, podemos dizer que se torna impossível desvincular o nome de Oziel


do MST, ou mesmo de qualquer luta por terra, rural ou urbana, já que ele apresenta
características que atende as necessidades de um determinado grupo, como aponta
Bezerra, 2009:

Personagens e figuras políticas que apresentam as características capazes


de atender as “necessidades” e resolver os impasses de uma cidade ou de
uma nação. E se o mito político é “chamado” ou tem o seu espaço garantido
por períodos de crise ou circunstancias adversas, então o personagem herói
aparece revestido exatamente dos elementos capazes de suprir os anseios
tanto concretos como imaginários de seus seguidores. (...) questão relevante
o fato de que estes encontrem seu “impulso motriz” justamente no interior de
grupos minoritários, oprimidos que não se identificam com o sistema ou a
representação vigente. São aqueles que se sentem ameaçados ou
esquecidos que alimentam e dão força a figura do herói (BEZERRA, 2009,
p.25).

Isto posto podemos pensar até que ponto Oziel ainda é representativo para
os moradores do bairro e para os estudantes, por outro lado essa perspectiva nos dá
pistas para entender melhor outros sujeitos que não se sentem representados por ele,
logo dão a ele o lugar da insignificância.

Enfim, olhar para a trajetória de Oziel Alves Pereira nos ajuda a


compreender como são construídos representantes de ideologias opostas e como os
grupos fazem a apropriação ou não de líder/mito político.
54

CAPÍTULO 2: BREVE HISTÓRICO DO BAIRRO PARQUE OZIEL NA CIDADE DE


CAMPINAS: A LUTA DO MOVIMENTO SOCIAL PELA POSSE DA TERRA.

“A ocupação é uma coisa bonita, embora seja de barraco de madeira. Porque


o bonito não está só nos barracos, o bonito está nas pessoas dispostas a lutar;
a beleza de ver as pessoas dispostas a fazer luta para mudar sua realidade. É
uma beleza que não é todo mundo que enxerga. ”

(José da Mata, 2011)

Nesse capítulo trataremos brevemente da ocupação urbana ocorrida na


cidade de Campinas no ano de 1997. Serão apresentados alguns acontecimentos, de
certo não uma história aprofundada, mas suficiente para o entendimento necessário
do contexto no qual a escola foi construída, baseados em uma revisão bibliográfica
sobre o tema. Com isso, queremos apresentar elementos que destaquem parte das
dificuldades de legitimação social que o grupo de moradores e, por consequência, os
estudantes da escola, enfrentam em relação à cidade de Campinas. Como a
ocupação não é o objeto direto da dissertação, optamos por produzir uma narrativa
sintética sobre ela, mas que sistematiza um conjunto de referências bibliográficas
sobre a ocupação e as lutas sociais nela engendrada.

Antes se faz necessário diferenciar a característica dos movimentos


sociais. O Movimento dos Sem Terra (MST) surgiu em meados de 1985, quando 1500
famílias no município de Sarandi, Rio Grande do Sul, ocuparam a Fazenda Annoni
com 9500 hectares.
Segue imagem que referenda a informação acima.

Figura 5: Marcha dos trabalhadores na fazenda Annoni. Fonte: MST, 1985.


55

O MST começa um pouco antes, ainda nos tempos da ditatura, formado


pela população camponesa, que enfrenta a escassez de trabalho, uma vez que não
possui terras, dependendo assim, de grandes latifúndios e se vendo obrigada a migrar
para os grandes centros urbanos. As reuniões, que eram clandestinas, aconteciam
para que as pessoas pudessem se organizar e ocupar terras improdutivas, que
aguardavam a desapropriação feita pelo governo federal.

Grosso modo, o MST se reserva a trabalhar a formação política da


comunidade, principalmente rural, a organizar e realizar a luta pela terra destinada à
produção agrícola, para que o produtor rural possa gerenciar sua produção e garantir
sua subsistência. Segundo Laureano (2009), é evidente que há muito mais coisas
engendradas em todo esse processo, visto que o MST contribui desde sua origem na
construção de um paradigma de vida diferente ao imposto pela lógica de um mercado
capitalista. O movimento, por exemplo, é contra o agronegócio, por motivos que
extrapolam a questão econômica, mas que perpassa a qualidade de vida, qualidade
essa que pode ser medida através do que comemos, de onde vem o que comemos,
o modo como estabelecemos as relações entre produção e consumo. Martins (1997)
diz que o MST dá certo “não só porque quer terra, mas também, porque tem um modo
de vida como bandeira. Uma mística de como é viver, de como o ser humano deve
ser”, p.114.

O MST, segundo Martins (1997), ajudou, ou melhor, forçou a realização da


reforma agrária no Brasil, questão que como cita o próprio autor, é um dos dilemas na
questão estrutural do país que não estabeleceu políticas agrárias em favor da
agricultura familiar:

Na verdade, o Movimento dos Sem Terra é, ao mesmo tempo, um grande


movimento de modernização no campo. Ele é o mais consequente
movimento de modernização e ressocialização das populações do campo
que já se houve na história do Brasil. (...) você pode tirar o sujeito da mais
absoluta falta de destino, da mais absoluta miséria e transformá-lo num
sujeito que vive num estado de bem-estar social. É possível fazer isso, e sem
retroceder. (MARTINS, 1997, p.112-113).

Martins (1997) cita uma entrevista concedida por Fernando Henrique


Cardoso, a uma emissora de televisão, quando ainda não era presidente na qual ele
disse que se a distribuição de terra acontecesse sem critérios seria possível criar ainda
mais pobreza. E o autor afirma:
56

Dá, sim, para resolver o problema da pobreza dessas populações se elas


estiverem envolvidas na espécie de mística própria dos movimentos sociais,
ou do seu próprio movimento social, no sentido de que elas também querem
dar o salto para a frente. Ninguém gosta da miséria, ninguém gosta de passar
fome, ninguém gosta de viver como bicho. Imaginar que essas populações
amam a miséria é até mesmo uma injustiça absolutamente incrível, sobretudo
daqueles que entendem que a opção pelo pobre é o mesmo que opção pela
pobreza (MARTINS, 1997, p.113).

A partir da afirmação de Martins (1997), podemos também realizar um


paralelo com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, movimento criado a partir de
1997, considerado uma extensão do MST. Foi esse movimento que ajudou a organizar
a ocupação das áreas do Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B, hoje nomeada
de Vila Taubaté.

Na própria definição do movimento:

Iniciamos nossa trajetória de luta contra a especulação imobiliária e o estado


que a protege. Todos sabem que as grandes cidades brasileiras, cada vez
mais ricas, escondem nas periferias a enorme pobreza daqueles que as
constroem.

Nosso objetivo é combater a máquina de produção de miséria nos centros


urbanos, formar militantes e acumular forças no sentido de construir uma
nova sociedade. A ocupação de terra, trabalho de organização popular, é a
principal forma de ação do movimento. Quando ocupamos um latifúndio
urbano ocioso, provamos que não é natural nascer, viver e morrer pobre e
oprimido. Não aceitamos a espoliação que muitos chamam de sina.

Ao montar barracos de lona num terreno vazio e organizar os trabalhadores


para lutar, cortamos a cerca imaginária que protege a concentração de
riqueza e de terra nas mãos de poucos. E em alto e bom som gritamos:
chegou a nossa hora. Criar poder popular! www.mtst.org

Do ponto de vista histórico é importante afirmar, conforme já foi dito,


amparada pelo arcabouço teórico dos autores Chalhoub (1996) e Ghilardi (2012), que
existe um lugar para os pobres, um lugar afastado, uma conformação de
precariedade, afastada, e por que não dizer, escondida dos olhos de quem se julga
sujeito de bem, trabalhador.

A afirmação de Martins (1997), porém, é muito pertinente para o caso da


ocupação do Parque Oziel, visto que “ninguém gosta de miséria”, nem quem vê muito
menos quem vive nela. Isto posto, pensemos na condição geográfica na qual está
configurada a ocupação em questão. Ela fica localizada numa região considerada de
grande valor para a especulação imobiliária, fica muito próxima ao centro da cidade
de Campinas circundada por rodovias que dão acesso a São Paulo, região
metropolitana de Campinas e cidades do interior do Estado (Ghilardi, 2012). Há um
57

resort reconhecido nacionalmente, The Royal Palm Plaza e o shopping Campinas


Shopping, com saída nas rodovias Anhanguera e Santos Dumont. Enfim, uma área
de grande visibilidade, não há como não ver a pobreza emergindo e mais,
permanecendo.

É bem verdade que não é de hoje que bairros populares ficam entremeados
entre os bairros de classe média e alta, porém se as áreas são consideradas nobres
ou de alto valor imobiliário o poder do Estado garante que estas áreas sejam revertidas
à especulação imobiliária. Ghilardi (2012).

Considera-se importante trazer a essa discussão os conceitos que


permeiam a questão da criação do bairro, tais como ocupação, invasão e exclusão
social, uma vez que permeiam o senso comum e pairam na história do bairro,
ressoando também, dentro da escola. Almeida (2006) aponta-nos a paradoxal relação
jurídica, a qual está inserida a ideia de direito à propriedade e ao mesmo tempo ao da
moradia. Ambos garantidos pela Constituição. Na mesma perspectiva Laureano
(2009) também trata sobre o que ela considera como um direito que vai se constituindo
no país no que tange à propriedade.

Juridicamente, o direito à propriedade é um direito real oponível erga omnes.


Trocando em miúdos, é um direito que ocorre entre um sujeito, aquele que é
o titular do domínio, em face de todos os outros integrantes daquela
sociedade, que devem respeitar esse direito. Entretanto, para este sujeito
dono é exigido o cumprimento da função social. Essa é a condição sine qua
non para que todos os demais, não proprietários, respeitem o seu direito de
propriedade. Descumprindo a função social, perde o proprietário o critério
objetivo inerente à propriedade que é o direito de posse. Portanto, um imóvel
que não cumpre a função social está vazio. Ninguém tem a sua posse, como
consequência lógica não pode o Poder Judiciário, baseado somente no
registro, dar as garantias da ação possessória. A propriedade, aspecto
subjetivo, somente garante ao detentor do título de domínio, o direito à
indenização, nos termos do Art. 5º, XXIV da Constituição. Portanto, errado
falar que houve invasão do imóvel pelos atuais ocupantes. Quem é o invasor
é aquele que se diz proprietário sem legitimidade (LAUREANO, 2009).

Logo, todo cidadão tem direito à propriedade, desde que esta esteja
cumprindo sua função social. Levando-se em consideração que a ocupação da área
que hoje é o bairro Parque Oziel teve início numa grande área desocupada e que,
como aponta Ghilardi (2012), esperava-se que a especulação imobiliária vislumbrasse
maior rentabilidade e, ao mesmo tempo, ganhasse privilégios da máquina pública,
abrindo ruas, tivesse contornos urbanos que chamasse a atenção de possíveis
58

compradores para os lotes, temos aí uma configuração favorável para o grupo que
realizava o movimento em questão. Estes reivindicavam o direito à moradia, numa
terra que supostamente não cumpria sua função social, já que estava vazia,
configurando assim o que é chamado de ocupação de terra, não invasão.

Para desmistificar o conceito de exclusão social dialogaremos, mais uma


vez, com Martins (1997), que diz:

(...) rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem


vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o
conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu
inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força
reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Essas reações, porque não se
trata estritamente de exclusão, não se dão fora dos sistemas econômicos e
dos sistemas de poder. (...). As reações não ocorrem de fora para dentro; elas
ocorrem no interior da realidade problemática, “dentro” da realidade que
produziu os problemas que as causam (MARTINS, 1997, p.14).

Assim, nessa dissertação trabalharemos com o conceito de ocupação de


terra, visto que acreditamos que se uma terra/ propriedade não cumpre sua função
social (Laureano, 2009), pode então vir a ser ocupada para salvaguardar o direito
fundamental a todo ser humano de ter uma moradia. Esse mesmo ser humano não
será visto como excluído socialmente, pois como aponta Martins (1997), se assim
pensarmos negaremos o sentido dialético do termo, ninguém pode ser considerado
excluído da sociedade capitalista, pois ora lutamos contra, ora contribuímos com ela,
vivemos como o próprio autor fala, de modo socialmente “indecente”.

Martins (1997) ainda fala que exclusão pode ser percebida apenas como a
privação na qual cada um ou todos podem ter num dado momento, como:

(...) privação de emprego, privação de meios para participar do mercado de


consumo, privação de bem-estar, privação de direitos, privação de liberdade,
privação de esperança. É isso, em termos concretos, o que vulgarmente
chamamos de pobreza. É preciso, pois, estar atento ao fato de que mudando
o nome de pobreza para exclusão, podemos estar escamoteando o fato de
que a pobreza hoje, mais do que mudar de nome, mudou de forma, de âmbito
e de consequências.

O autor ainda faz uma observação de que atualmente a distinção entre


pobres e ricos é constantemente redefinida, pois a pobreza no “mundo moderno, é
relativa”.

Assim sendo, consideramos que havia uma configuração de pessoas


privadas de moradia em Campinas no final da década de 90, que se organizaram,
59

lutaram e ocuparam uma área que não cumpria uma função social e ao mesmo tempo
estava a serviço da grande especulação imobiliária na cidade, e mais, essas pessoas
como aponta Martins (1997) deixaram de esperar, “tornaram-se com razão,
impacientes”.

No que concerne sobre o ponto de vista da ocupação, foram encontrados


artigos, dissertações e relatos de moradores e líderes da ocupação que descrevem
como foi o seu começo. Num artigo publicado no XVIII Congresso Nacional do
CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, Souza
(2009) relata:

Em 1997, a cidade de Campinas se viu tomada por uma ocupação às


margens da Rodovia Santos Dumont, durante o governo do Prefeito
Francisco Amaral que, como promessa de campanha para ser eleito, chegou
a afirmar que desenvolveria na área o denominado projeto Cingapura, então
adotado na Capital do Estado, que se apresenta como núcleo habitacional
para pessoas de baixa renda e como uma alternativa de superação do
processo de favelização. Esta ocupação, iniciada nos primeiros dias do mês
de fevereiro de 1997, é considerada, na atualidade, a maior da América Latina
e integra os bairros ora denominados Parque Oziel e Jardim Monte Cristo
(SOUZA, 2009, p.2819).

Algumas dessas fontes consultadas, afirmam que esses moradores não


estavam organizados em algum movimento social e tampouco tinham intenção de
liderar uma ocupação de proporções tão grandes, mas reconhecia-se que as
condições de crescimento da ocupação estavam explicitadas na cidade, uma vez que
se faz alusão à favelização da zona urbana.

No mesmo ano o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), se


organizava para fazer a Marcha pela Reforma Urbana em São Paulo. Houve uma
confluência de fatores que levaram esta ocupação a ser considerada na atualidade
como a maior da América Latina.

Esta megaocupação teve seu início após a enchente do denominado Córrego


Taubaté, que desabrigou uma série de favelados na região, que se uniram
com outros invasores do bairro São Bernardo, da cidade de Campinas, e que
foram obrigados a desocupar uma área anteriormente invadida no local. Um
mês após o início da ocupação, numa assembleia entre os moradores para
decidir sobre a infraestrutura do local e sobre o cadastramento das famílias
ocupantes, 2820 os assentados decidiram denominar a área de “Parque
Oziel”, em homenagem a um rapaz de 19 anos, assassinado durante o
conflito dos sem-terra com a Polícia Militar, na cidade de Eldorado dos
Carajás, no Estado do Pará, ocorrido em abril de 1996 (SOUZA, 2009, p.2819
e 2820).
60

Em Menegaço (2005), encontramos então a seguinte descrição do começo


do bairro Parque Oziel:

O início oficial da ocupação do Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B


foi no dia oito de fevereiro de 1997. Antes da ocupação houve uma primeira
movimentação organizada através de um acampamento, de dezembro de
1996, para reconhecimento do terreno cujos proprietários estavam em débito
com o fisco há muitos anos. A ocupação se iniciou por pessoas que não
tinham emprego, não tinham onde morar e não tinham como pagar o aluguel
(MENEGAÇO et al., 2005, p.09)

Tanto Souza (2009) quanto Menegaço et al. (2005), descrevem que a


ocupação decorreu de um conjunto de fatores, incluindo o fato de já haver moradores
naquele espaço, mas reconhecem que o MTST assumiu a liderança posteriormente,
assim a luta passou a ser para regularizar a área e urbanizá-la, na condição de bairro.

Para melhor compreendermos, segue abaixo uma imagem que mostra a


área .

Figura 6: área da ocupação na região sul de Campinas, entre a rodovia Santos Dumont (a esquerda), e Anhanguera

(acima) Fonte: Google Earth

Como é possível perceber pela imagem acima, trata-se de um vasto


território ocupado, hoje, densamente povoado nas imediações da Rodovia Santos
Dumont.
61

Menegaço et al. (2005), aponta como um dos líderes do movimento social


do MTST, Gentil Ribeiro, conhecido como Paraíba6. Diz-se ainda que a ideia original
não era ocupar todas as áreas mencionadas anteriormente, apenas o que hoje é o
parque Oziel, já que na área do Jardim Monte Cristo havia “pequenos proprietários
legítimos, o que tornaria a ocupação mais difícil. Porém, devido ao número de pessoas
que chegavam, foi necessário ocupara também esse local” (Menegaço, 2005). E por
fim a Gleba B. Temos, portanto, na vasta região assinalada no mapa, três bairros
distintos, que se formaram em um prazo de 20 anos, com suas histórias conectadas.
Contam com aproximadamente 3000 famílias e 30.000 pessoas.

Nessa mesma direção, a dissertação de Ghilardi (2012), traz o depoimento


de uma liderança do movimento do MTST no qual afirma:

A ocupação começou com 800 famílias, e, de repente, a coisa se adensou e


chegou a 12 mil famílias. Consideramos esse assentamento como uma
primeira experiência para refletir sobrea metodologia de trabalho, mas não
significa que nós a organizamos. Ela aconteceria de qualquer maneira, assim
como acontecem várias ocupações espontâneas, várias favelas vão se
adensando, vão crescendo (GHILARDI, 2012, p.34).

No que tange aos possíveis proprietários da área ocupada, encontrou-se


um artigo de Souza (2009), doutor em direito, publicado nos anais do XVIII Congresso
Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, que levanta
alguns dados em cartório sobre esses proprietários e ações destes contra as
lideranças do movimento. Outro dado relevante é a questão da desapropriação feita
pela prefeitura para que estes lotes fossem declarados como áreas de utilidade
pública com o objetivo de regularizar a ocupação e transformá-la em assentamento.
Descreve também que a área ocupada foi de 2,2 milhões de m², onde originalmente
teria sido a antiga Fazenda Taubaté. Na data da publicação do referido artigo, relata-
se que 90% da área pertenciam aos advogados Armando Ladeira e Arari Pinto de
Oliveira, e o restante dividida entre pequenos proprietários.

Os referidos donos da terra entraram com uma liminar de reintegração de


posse contra alguns líderes do movimento social, a qual segundo Souza (2009) é

6
Gentil Ribeiro, ou Paraíba, foi a primeira liderança reconhecida no Parque Oziel, arregimentando 2 ou 3 mil
pessoas para ocupar a área. Conta-se que ele foi um dos que defendeu o nome de Oziel, devido ao Massacre
de Eldorado de Carajás que havia recém ocorrido. Foi assassinado em 1998.
62

concedida em 26/09/97 mediante acompanhamento do Serviço Social de Campinas e


da Polícia Militar.

Souza (2009), porém diz que boa parte da área em questão:

(...) acabou sendo declarada de utilidade pública pelo prefeito municipal


Francisco Amaral, através do Decreto-municipal n. 13.090 de 01/04/99, com
o objetivo de criação e melhorias de centros de população, seu
abastecimento regular de meios de subsistência e execução de planos de
urbanização, loteamento de terras edificadas ou não, para a sua melhor
utilização econômica. (SOUZA, 2009, p. 2823)

Concomitantemente ainda houve outros pedidos de reintegração de posse,


mas Souza (2009) descreve que a Polícia Militar não conseguiu a época saber com
exatidão quais áreas deveriam ser desocupadas por falta de infraestrutura, sendo
assim houve uma confluência de fatores que possibilitaram que tal configuração
permanecesse sem grandes alterações desde então.

Ghilardi (2012) diz que:

(...) juridicamente, a pressão sobre o poder público levou a decretação da


área como interesse social, de modo a promover sua desapropriação pelo
poder público e posterior comercialização às famílias ocupantes. A partir de
2001, a Prefeitura realizou uma análise topográfica do terreno e passou a
providenciar a instalação de infraestrutura na região. Em 2004, foi
promulgado o Decreto nº 14.918 que estabelece a área do complexo como
de interesse social para fins de desapropriação (GHILARDI, 2012, p.44).

A partir desse apontamento outros decretos e leis que vão de 1999 a 2011
foram encontrados na Biblioteca Jurídica de Campinas e tratam especificamente
sobre a desapropriação de áreas de propriedade privada a fim de regularizar essas
mesmas áreas por questão fundiária, isto quer dizer, o poder público entendeu que
era preciso regularizar a questão da ocupação e isso foi sendo realizado durante o
período mencionado acima.

É evidente perceber que as condições desta ocupação eram precárias no


início. Repleta de barracos de lona, sem nenhum saneamento básico, energia elétrica,
água potável, sem atendimento médico e sem escola. Este era o horizonte de quem
fazia parte daqueles primeiros momentos da ocupação do bairro Oziel.

Tal situação estimulou a população deste lugar a perceber que não


necessitavam apenas de moradia, mas de condições de sobrevivência dignas. A
63

busca pela dignidade viabilizou manifestações frente à realidade vivida por aquele
grupo desassistido e carente. Passeatas e fechamento de rodovias passaram a ser
as ferramentas utilizadas, objetivando reivindicar as melhorias necessárias para
aquele lugar. As reivindicações eram muitas: abastecimento de água, coleta de lixo,
asfalto, posto de saúde, rede de esgoto, energia elétrica, passarela e claro uma
escola.

Segue imagem da passeata pelos bairros: Parque Oziel, Monte Cristo,


numa das muitas reivindicações.

Figura 7: Passeata dentro do bairro Parque Oziel. Fonte: Zinclar, 1998 .

A ocupação cresceu e os moradores no transcorrer de alguns anos


puderam ter a regularização da posse do que seria seu pedaço de terra, seu novo
“enraizamento”. As imagens a seguir são de alguns lugares do Parque Oziel.
64

Figura 8: Vista parcial do bairro Parque Oziel. Fonte: elaborada pela autora, 2011.

Figura 9: Vista parcial do bairro Parque Oziel. Fonte: elaborada pela autora, 2011.
65

Figura 10: Vista dos fundos da EMEF Oziel Alves Pereira. Fonte: elaborada pela autora, 2011.

Figura 11: Vista parcial do bairro Parque Oziel. Fonte: elaborada pela autora, 2009.
66

Figura 12: Vista parcial do Centro de Saúde do Parque Oziel. Fonte: elaborada pela autora, 2009.

Figura 13: Moradora do Jardim Monte Cristo. Fonte: elaborada pela autora, 2009.
67

Figura 14: Vista parcial da Praça do Parque Oziel. Fonte: elaborada pela autora, 2009.

Figura 15: Vista parcial do Córrego Taubaté. Fonte: elaborada pela autora, 2009.

Atualmente a ocupação ainda tem muito que avançar em melhorias nos


espaços públicos e coletivos, como pavimentação de todas as ruas, saneamento
básico, tratamento do córrego Taubaté que passa pelos três bairros. Ainda assim em
comparação a bairros mais antigos de Campinas (Ghilardi, 2012), esses bairros, o
68

Parque Oziel, Monte Cristo e Vila Taubaté, tem iluminação pública, coleta de lixo,
escola, postos de saúde, casas de alvenaria e comércios em relativa expansão.

Diante do exposto e considerando o que Martins (1997) diz sobre viver


numa sociedade de contradições, acreditamos que a ocupação urbana ocorrida na
cidade de Campinas em meados de 1997, possa servir como um dos inúmeros
exemplos sobre para que serve um movimento social, pois se o sujeito privado e
destituído de seu lugar de pertença entenda-se lugar de pertença como a cultura, a
língua, o dialeto, os costumes; não tentar subverter a lógica da pobreza, então a esse
sujeito não resta quase nada, resta a “miséria profundamente desumanizadora, que
não politiza, nem anima a possibilidade da revolução social”, p.73.

No entanto, se ao contrário disso, esse sujeito encontra um movimento


social capaz de formá-lo, politizá-lo, dar a ele meios de reivindicar o que é seu por
direito, então esse mesmo movimento é capaz de gerar um fato novo, que é levar o
Estado a avançar politicamente, aqui especificamente no que concerne a posse da
terra. Para Martins (1997), o MST foi um agente de modernização da política brasileira,
já que pautava a questão agrária de modo a não esperar que o Estado fizesse a
reforma. No caso das ocupações urbanas também entendemos que os movimentos
sociais também ajudaram a mudar um paradigma na questão habitacional.

É evidente que depois que o movimento social atinge seus objetivos ele
deixa de ser movimento e tende a tornar-se uma estrutura. Como aponta Martins
(1997):

Os movimentos sociais existem enquanto existe uma causa não resolvida. Se


o problema se resolve, acaba o movimento. Se ele não se resolve, a
tendência é a de que o movimento se institucionalize, se transforme numa
organização (MARTINS, 1997, p.115).

Diferente do que Chalhoub (1996) descreveu sobre os acontecimentos e


desdobramentos no cortiço Cabeça de Porco no Rio de Janeiro no final do século XIX,
a população do Parque Oziel se organizou cada vez mais contra os atos de
reintegração de posse, e dessa forma, foram sendo considerados perigosos, não pela
sua existência, mas pela sua resistência.

Para contribuir com a visão de que a ocupação reivindicava mais que o


lugar de morar Carvalho (2003), num artigo publicado nos anais do X Encontro
Nacional da Anpur (Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento
69

Urbano e Regional), sob o título de Ocupação Ilegal em Terra Urbana: O Caso de


Campinas, no qual ele diz:

(...) a ocupação de terras urbanas podia aparecer no discurso e no imaginário


do poder público como o lugar da “não-cidade” ou dos “não-campineiros”,
contudo, foi justamente essa “não cidade” que os moradores do Parque Oziel
negaram em seu processo de luta, pois as ocupações urbanas, à medida que
questionam concretamente essa lógica da urbanização, ampliam o sentido
das reivindicações de água, luz, transporte, educação e saúde e ultrapassam
o limite da luta por moradia redimensionando-a na perspectiva da conquista
ao direito de participação no fazer-se da cidade sob a ótica dos setores
populares ( CARVALHO, 2003,p.6).

Tão logo as pessoas ocuparam o terreno, assim também as crianças e


adolescentes foram sendo matriculados em escolas da região. Logo, o povo queria
mais do que o espaço de morar, queria o espaço de viver, e tal qual nos aponta
Carvalho (2003) as reivindicações ultrapassavam a fronteira de um pedaço de terra,
as pessoas que lutavam e resistiam dentro de todo esse processo colaboravam para
uma nova configuração urbana, já que a área ocupada tinha grande visibilidade e
impunha de certo modo uma discussão por parte do poder público, por exemplo, o
que fazer com tanta gente. Assim o movimento que reivindicava casa reivindicava ao
mesmo tempo toda a infraestrutura para a construção de uma vida digna, uma
agenda política foi sendo construída nesse período, a questão primária do déficit
habitacional ancorava outras questões de fundo, como outros diretos previstos,
como a saúde e a educação.

Assim, a escola desse determinado bairro, com todas as suas


idiossincrasias, é o lugar que também passa por reivindicação, construção e por
uma ocupação.
70

CAPÍTULO 3: EMEF OZIEL ALVES PEREIRA: O PERCURSO DE CRIAÇÃO,


CONSTRUÇÃO E OCUPAÇÃO DA ESCOLA.

“Fisicamente habitamos um espaço, mas sentimentalmente somos habitados


por uma memória”.

(José Saramago)

A escola foi uma das muitas reivindicações dos moradores, mas foi também
uma peça estratégica para a manutenção e o efetivo estabelecimento do bairro, como
nos mostra Menegaço et al. (2005):

(...) a escola teve importância fundamental no assentamento e se tornou


protegida pelos moradores. (MENEGAÇO et al., 2005, p.14 e 15).

Os moradores da referida ocupação e seus líderes usaram de todos os


meios de resistência e luta o quanto podiam, fizeram uso das instituições para além
dos seus fins primordiais, como templos e escola para atrair a opinião pública a seu
favor. Levaram em conta também o panorama político em questão, segundo nos
esclarece Ghilardi (2012):

(...) as práticas governamentais de gestão do problema habitacional, num


momento de crise aguda acabam promovendo a ocupação de terras urbanas,
sejam públicas ou privadas, seja de forma explicita ou não, mas
essencialmente à margem da legalidade urbanística, enquanto solução
emergencial para a gestão da pobreza em Campinas. (GHILARDI, 2012,
p.37)

A construção da escola naquele bairro seria, e certamente foi, um dos


elementos fundamentais para a organização do bairro, tendo em vista que seus custos
seriam arcados pelo erário público e sua provável demolição estaria fora de cogitação.
Por esse motivo intensificavam-se as ações reivindicando um edifício escolar na
região.

A materialidade da escola e porque não dizer a arquitetura, sua peculiar


condição física é fonte para a pesquisa da História da Educação, do ponto de vista em
que esta arquitetura nos permite observar a intencionalidade, seu propósito de
criação, a quem ela serviria, o que e quem ela representaria diante da tessitura
urbana, (Frago; Escolano,1998) constituem um aporte para a construção da memória
coletiva.
71

A escola que trataremos na dissertação passou por momentos de


condições físicas e administrativos distintas, logo se considera importante observar
todo o percurso pelo qual a escola passou até chegar ao seu prédio atual, mesmo
porque assim como aponta Argan (1998), “(...) na cidade, todos os edifícios, sem
exclusão de nenhum, são representativos e, com frequência representam as más
formações, as contradições, as vergonhas da comunidade”. Assim, a escola do bairro
parque Oziel, ou melhor, sua materialidade, servirá de suporte para olharmos as
condições históricas na qual ela surgiu e se configurou.

Ainda na perspectiva de usar como fonte a construção da escola, a


edificação é um documento histórico não escrito, e pertencente à cultura, Thompson
(1995), corrobora no sentido de que “(...) cultura é o padrão de significados
incorporados nas formas simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e
objetos significativos de vários tipos (...)” (p. 176), assim o prédio seria uma forma
simbólica que deve ser estudada em relação aos processos históricos e sociais, a
intencionalidade de seu uso, quais as convenções e padrões segue, as ideias que
representa, isso quer dizer, o que esta forma simbólica representa para essa
comunidade, o que eles querem, o que projetam nela e onde pretendem chegar
fazendo uso dela.

A EMEF Oziel Alves Pereira ocupa atualmente, uma quadra do bairro


homônimo e sua entrada situa-se na Rua Fauze Selhe, s/n, que é paralela à Rodovia
Santos Dumont. Atende em média 1200 alunos. Funciona nos períodos matutino,
vespertino e noturno. Contou com quatro períodos até o ano de 2011. O atual prédio
tem dois pavimentos; no térreo funciona a cozinha, o refeitório, a administração,
depósito, sala de professores, sala de informática, sala de Educação Especial, sala
de Educação Física, secretaria, banheiros, duas salas de aula, sendo que uma delas
foi feita no ano de 2014, uma quadra descoberta e um pátio. No piso superior ficam
quinze salas de aula e a biblioteca. O acesso ao segundo pavimento acontece por
escadas. Há um lugar reservado para a colocação de um elevador que é tampado
provisoriamente desde a inauguração da escola. O prédio foi construído com recursos
do governo estadual, há classes com aulas noturnas que são administradas e
custeadas pelo Estado de São Paulo. O restante pertence à administração pública de
Campinas. Há funcionários de segurança, limpeza e cozinha, que são contratados por
empresas do setor terceirizado.
72

A seguir algumas imagens do edifício da escola atual:

Figura 16: Fachada principal da EMEF Oziel Alves Pereira. Fonte: Oliveira, 2011.

Figura 17: Vista da entrada lateral pela Rua Fauze Selhe, s/nº. Fonte: Fonte elaborada pela autora, 2013.
73

Figura 18: Vista do corredor lateral. Fonte: elaborada pela autora. Novembro/2013.

Figura 19: Vista parcial do refeitório da EMEF Oziel Alves Pereira. Fonte: elaborada pela autora, 2011.
74

Figura 20: Vista parcial da quadra poliesportiva da EMEF Oziel Alves Pereira. Fonte: elaborada pela autora, 2011.

A descrição e as imagens acima se referem à escola que vemos e


frequentamos atualmente e, comparativamente a outros edifícios escolares da própria
cidade, este se mostra organizado, conservado, estruturado e amplo. Todavia, nem
sempre foi assim, pois a EMEF Oziel Alves Pereira teve origem em contêineres em
outro terreno, com funcionamento precário por alguns anos.

Penso que é pertinente estabelecer uma relação com “as arquiteturas” que
a unidade teve durante sua trajetória histórica, pois ela foi ganhando visibilidade e
“estrutura” conforme a ocupação do bairro também os ganhava. O espaço físico para
ser humanizado requer estabelecimento de relação, de proteção aos de que dele
fazem uso, requer o sentimento de pertencimento a ele. Tanto as casas quanto a
escola eram locais que estavam sendo construídos pela comunidade, e funcionavam
como lugar de pertencimento no mundo. Para nos ajudar a compreender essa
discussão sobre a importância do espaço escolar compreendido como pertencimento,
recorremos a Antonio Viñao-Frago (1995), que nos esclarece:

El espacio físico es, para el ser humano, espacio apropriado – território- y


espacio dispuesto y habitado- lugar. Em este sentido, el espacio es una
construcción social y el espacio escolar una de las modalidades de su
conversión en territorio y lugar. De ahí que el espacio no sea jamás neutro
sino signo, símbolo y huella de la condición y relaciones de quienes ló habitan.
El espacio dice y comunica; por tanto, educa (VIÑAO FRAGO,1995, p.69).
75

Os espaços físicos apropriados, dispostos, habitados e carregados de


sentidos, são lugares que educam; logo o que podemos dizer de salas de aula que
funcionavam em contêineres? Ou de uma escola pré-moldada, ou da incerteza de
espaço físico apropriado? Compartilho a ideia de Viñao Frago (1995), quanto à escola
como lugar de pertencimento e que suas materialidades educam nossas
sensibilidades e contribuem como fontes históricas, as quais marcam um contexto
social, político e histórico, demostram intencionalidades, os diferentes usos e
apropriações pelas quais pode passar um prédio escolar, assim merecem um ponto
de destaque nesse trabalho.

Silva (2009) pesquisou a ocupação, primeiro do ponto de vista territorial,


realizou entrevistas com moradores na qual queria refletir sobre a ocupação do
ciberespaço, como ele mesmo define. O autor faz levantamento sobre espaços que a
comunidade construiu para ter aulas de informática e futebol, fazendo algumas
referências à escola e descreve assim a importância dela para essa comunidade:

(...) eles também achavam importante além de se apropriar do território,


apropriar-se do conhecimento, como dizia o Paraíba, que apesar de ter sido
quase um anti-herói, tido muitas vezes como severo, duro truculento até, mas
necessário à época, dava fundamental importância para a implantação da
escola dentro da ocupação, não apenas por questões táticas e estéticas- pois
dizia que não é interessante para nenhum governo aparecer na mídia
destruindo escolas e igrejas, mas pelas ideias de que um povo que quer
manter seu teto tem que saber ler e escrever tem que se apropriar do
conhecimento (SILVA, 2009, p.93.).

Fica claro que a escola ocupa uma posição estratégica nessa ocupação, a
luta que empreenderam pela viabilização e construção do prédio fizeram com que ela
fosse mais que só escola, assumindo também o papel de um marco político que
legitimasse a existência do bairro. A escola era o lugar de pertencimento, de busca de
realização de um sonho para a maioria dos moradores, a possibilidade de um futuro
diferente para a nova geração com maior nível de escolarização. Assim, mais um elo
que contribuiria para amarrar o direito de estar naquele lugar, pois se o poder público
vai instituindo equipamentos públicos ao invés de ordens de despejo, isso significa
que um direito está sendo consolidado.

Repassar essa espacialidade e poder dar visibilidade a ela, bem como às


discussões sobre a estruturação e a implantação da escola no bairro certamente
requer, além de uma leitura das imagens, uma leitura inicial dos documentos do
arquivo escolar e documentos oficiais, emitidos por Secretaria de Educação e
76

decretos legislativos. Neste capitulo, empreenderei, além de uma leitura contextual da


luta pela edificação escolar como construção de uma realidade material para
educação das crianças do bairro, uma revisão do passo a passo que foi a
consolidação da escola, os conflitos que nele foram engendrados sobre sua finalidade
pedagógica e, ademais, algumas manifestações conflitivas sobre seu processo de
implantação.

Começo essa incursão por uma alusão encontrada em Menegaço (2005),


cujo quadro descreve de modo sucinto uma possível cronologia da escola do Parque
Oziel. Segue quadro mencionado:

“1997- construção de uma “escola de madeira” feita pelos próprios moradores,


que se encarregaram até pelas “aulas” sem contribuição do poder público”.
Manifestação para reivindicar uma escola para o bairro
.
1998- Segunda escola, chamada de “contêineres”. Esta escola foi adaptada e
organizada pela prefeitura

2001- cerca de 3000 pessoas fecham a Rodovia Santos Dumont para


reivindicar nova escola.

2003- início da construção da pré-moldada, em substituição à segunda escola.

2004- passeata até São Paulo com 10 mil moradores, para reivindicar uma
escola para o bairro.

05 de março (sem o ano) entrega do prédio definitivo pelo governo estadual,


com parceria da prefeitura de Campinas.

Menegaço et al. (2005), trazem a informação que em 1997 foi construída


pelos moradores uma escola de forma precária e rudimentar, que eles chamaram de
“Escola Madeirinha”. E os moradores foram os primeiros professores que trabalharam
como voluntários. Porém não foi encontrado nenhum outro registro sobre a provável
escola de madeira, a ideia mais plausível a ser considerada é que as crianças e
77

adolescentes da então recente ocupação frequentavam escolas de ensino


fundamental em bairros vizinhos, que na época eram em sua maioria estaduais.

Em 1998, por força das reivindicações populares e de diversas


negociações, foi organizado um terreno com contêineres onde funcionaria a primeira
escola do bairro Parque Oziel, estava ligada à EMEF General Humberto de Souza
Melo, que estava localizada no bairro das Bandeiras, vizinho a ocupação, como segue
imagem:

Figura 21: Mapa parcial da região do Parque Oziel e Jardim das Bandeiras. Fonte:

http://www.Google.com.br/mapas/place/escola, 2015.

Não foi possível responder qual critério usado pela Secretaria de Educação
de Campinas para a escolha da referida escola servir de apoio e coadministrar, a
escola do Parque Oziel. O mapa acima mostra atualmente qual a distância entre as
duas escolas, sendo possível realizar o percurso de diferentes maneiras num tempo
relativamente curto.

As evidências que comprovam o vínculo entre essas escolas foram


encontradas em prestações de contas e livros ponto da época, já que a escola
78

“Contêineres Parque Oziel”, não tinha CNPJ, mas sim usava o número da EMEF
General Humberto de Souza Melo. A vinculação entre as escolas através de um único
CNPJ só foi desfeita depois de maio de 2005, conforme mostra o anexo1.

Ponto interessante de se observar é o antagonismo nos nomes das duas


escolas, já que uma leva o nome de um general dos tempos da ditadura militar
brasileira (1964-1985), e a outra do jovem trabalhador rural, Oziel Alves Pereira.
Nomes que representam lados opostos da mesma moeda, conforme nos diz Martins
(1997). Ambas, escolas públicas da mesma cidade, que atendem porções pobres da
população, mas que mostram nesse pequeno detalhe, o lugar que sempre foi tomado
por figuras que representavam a classe hegemônica, figuras que não eram muitas
vezes representativas da comunidade onde estavam as escolas. Oziel é assim um
marco, não isolado, mas um marco representativo de um movimento social que luta
pela terra, que luta pelo lugar de pertencimento.

A escola dos “Contêineres Parque Oziel” funcionou na quadra 10, s/nº, no


próprio bairro Parque Oziel, não sendo possível encontrar um mapa referente a essa
localidade. A única comprovação do endereço foi encontrada com a primeira
prestação de contas da Associação de Pais e Mestres de fevereiro de 1999. Conforme
segue o documento a seguir.
79

Figura
22: Balancete mensal dos Contêineres Parque Oziel. Fonte: elaborada pela autora, 2016.

Outro indício da vinculação da escola do Parque Oziel com a EMEF


Humberto de Souza Melo é uma prestação de conta em que aparecem os dois nomes
na mesma nota, em 1998. Nota essa que também corrobora para o começo da escola
“Contêineres Parque Oziel” no mesmo ano, visto que não foi encontrada nada com
data anterior a esta.
80

Figura

23: Balancete mensal Humberto Souza Melo. Fotografia tirada pela autora, 2016.

No arquivo escolar da EMEF Oziel Alves Pereira há ainda um Livro Ponto


de Docentes, datado de fevereiro de 2000, no qual constava o carimbo da EMEF
General Humberto de Souza Melo e que registrava a condição dos professores
lecionando na modalidade de substitutos na unidade do Parque Oziel. Do ponto de
vista administrativo, temos então que a escola General Humberto de Souza Melo
81

parecia possuir classes adjuntas, mas ocorre que essa condição não era de interesse
da comunidade do bairro. Em outro Livro Ponto de Docentes, datado de 2001
encontrei outro carimbo, ainda com o mesmo nome da referida escola, com o detalhe
“Contêineres do Parque Oziel”, que confirma a vinculação das classes àquela outra
instituição. Temos, portanto, a situação dos professores como substitutos de uma
escola, em classes anexas, mas estas localizavam-se em outro bairro. A leitura deste
livro permitiu perceber que professores aparecem citados em planos de ação da
EMEF Humberto Souza Melo, por seus planos de ensino, a fim de justificar a compra
de material por uma única unidade escolar, conforme demonstra o documento Anexo
2 nesta dissertação. Assim, os Contêineres Parque Oziel não configuravam uma
unidade escolar ainda, embora fossem viabilizadores precários para uma prática
educativa para crianças do bairro.

Outra fonte documental encontrada apresenta um estudo prévio da


Secretaria Municipal de Educação de Campinas, do Departamento de Pesquisa e
Planejamento para o ano de 1999, que apontava uma média de 39 alunos por sala,
da primeira à antiga quarta série, demonstrando os três períodos em que funcionaria
e denominando as turmas. Neste encontra-se a projeção de EMEF Humberto Souza
Melo no qual aparece também todas as especificações com o detalhe sobre o número
de salas e lê-se “6 cont. no Pq Oziel”, referindo-se, certamente, às 6 estruturas
metálicas que funcionariam como salas de aula na ocupação urbana. Assim, confirma-
se a configuração daquelas à condição de classes adjuntas (Anexo 3)

A primeira coisa que constatamos é que existia de fato um espaço


pedagógico, associado a uma unidade escolar pré-existente tanto fisicamente quanto
administrativamente no sistema educativo. Mas a escola ainda não era autônoma e
tampouco condizia com uma efetiva legitimidade para os bairros emergentes na área
urbana ocupada. Então, existia na prática educativa, mas não existia como aparato
público estruturante do bairro, visto que tanto a municipalidade quanto o Estado ainda
não haviam feito nenhuma resolução, portaria, decreto ou lei que a criasse como
escola regular e, tampouco, haviam chegado a acordos sobre as responsabilidades
sobre sua edificação. Existia como uma extensão da EMEF General Humberto de
Souza Melo, num terreno dentro da ocupação, com seis contêineres e com o nome
de “Contêineres Parque Oziel”.
82

Algumas fotografias nos ajudam a compreender melhor o espaço físico nos


quais os alunos, professores, diretores e cozinheiras atuavam no período em que a
escola funcionava em contêineres a partir de 1998.

Figura 24: Alunos ao lado dos contêineres. Fonte: acervo da escola, 1998.

Figura 25: Alunos esperando para fazer uma apresentação teatral nos contêineres do Parque Oziel. Fonte: acervo
da escola, 1998.
83

Figura: 26 Vista parcial dos contêineres, alunos fazendo uma refeição. Fonte: acervo da escola, 1998.

Figura 27: Vista parcial dos contêineres. Alunos. Fonte: acervo da escola,1999.
84

Figura 28: Sala de aula dos contêineres. Fonte: acervo da escola, 1999.

Figura 29: Apresentação teatral nos contêineres. Fonte: acervo da escola, 2000.
85

É evidente que as condições de trabalho e atendimento eram muito


precárias nesses contêineres e a comunidade mais uma vez pressionou o governo
estadual para que se construísse um prédio para a escola, pois conforme relata o texto
do Projeto Político Pedagógico da EMEF Oziel Alves Pereira de 2005:

Em 2001, com a posse do ex-prefeito Antonio da Costa Santos, foi feita uma
doação de um terreno que estava destinado a abrigar uma praça dentro da
ocupação, para que o Estado construísse a escola de ensino fundamental.
Em fevereiro de 2002 a secretária de Educação Corinta Geraldi vendo que o
Estado não cumprira sua promessa de entregar já para o início do ano letivo
uma escola pré-moldada, se recusou a deixar alunos e professores voltarem
para os contêineres, considerados ambientes insalubres. Depois de muitas
negociações a Educação conseguiu que o prédio de propriedade do ex-
governador Orestes Quércia, próximo à ocupação fosse adaptado para
funcionar como escola. Os alunos iniciaram o ano letivo com um estudo do
meio e no dia 11 de março, foram para o prédio cedido e lá permaneceram
durante todo o primeiro semestre (Projeto Político Pedagógico. 2005).

O lugar de funcionamento da escola provisória (o prédio do ex-governador


Orestes Quércia) não está explicitado neste relato, mas como podemos perceber nele,
a Secretária de Educação, Professora Corinta Geraldi assumia publicamente e
politicamente, a preocupação com as garantias para tal unidade escolar.

Juntando-se aos fatos acima citados segundo a Lei Municipal de número


11.298 de 27 de junho de 2002, publicada no diário oficial do município de Campinas
no dia 28 de junho de 2002, que “(...) desincorpora da classe de bens públicos de uso
comum do povo, transfere para a de bens dominicais e autoriza a doação de áreas ao
governo do Estado de São Paulo para a construção da escola”, explicita que o
Quarteirão n. 9.866 do Cadastro Municipal, de propriedade da municipalidade, estava
sendo doado para o Governo do Estado de São Paulo para que este se
responsabilizasse pela construção do prédio da escola. A referida lei passa um bem
de uso comum para um bem dominical o que significa dizer que depois disso o
patrimônio pode ser doado, pois em primeira instância isso não aconteceria, já que
bem de uso comum é indisponível. Logo, para ser doado o terreno não poderia ser de
uso comum, mas um bem dominical.

Na lei segue a descrição que o donatário ficaria obrigado a utilizar a área


para a finalidade prevista na lei, e se no prazo de cinco anos não fosse concretizada
a obra, a área seria revertida para o município.

Corroborando esta linha de ações, a Ata de reunião convocada pela


Associação de Moradores do Parque Oziel de 05/06/2002 que consta:
86

Aos cinco dias do mês de junho de dois mil e dois realizou-se junto à
comunidade, reunião convocada pela Associação de Moradores do Pq. Oziel
e Gleba B. Senhor Xavier iniciou a reunião fazendo alguns esclarecimentos
quanto aos motivos da convocação: mudança da escola para o prédio
provisório, diz ser inconveniente os alunos continuarem no endereço atual
pela distância, pelas rodovias próximas, pela necessidade de transporte de
circulares para chegar até a escola. (Ata Associação de Moradores do Parque
Oziel. 2002).

E continua com a fala da vice-diretora da escola:

(...). No início do ano letivo deixamos de ter 10 dias de aula devido a mudança
de prédio, e hoje, devido a esta reunião deixamos mais um dia de aula. (Ata
Associação de Moradores do Parque Oziel. 2002).

E na finalização da reunião:

Finalizada a reunião neste ponto deixando em aberto o fato de descobrir


realmente qual foi o acordo da SME com o proprietário deste prédio e com a
construção do prédio provisório. Canário finalizou dizendo para “brigarem”
pela manutenção desta e do prédio novo, sendo duas escolas nesta região e
mais um para o ensino médio. Caberia então fazer o mapa de abrangência
para conhecer a divisão dos alunos. Aidê citou o orçamento participativo para
aquisição do prédio do Quércia. Xavier pediu para que as mães que
concordarem com o novo prédio a partir de julho independente de ser do
município ou do Estado. Canário: conquistar este prédio é muito importante,
mas precisam ter consciência que uma vez fora deste prédio não adianta luta
pela aquisição. É necessário montar o conselho de Escola para lutarem e
discutirem tudo. (Ata Associação de Moradores do Parque Oziel. 2002).

Assim temos citado no Projeto Político Pedagógico de 2005, juntamente


com a Lei Municipal 11. 298/02 e a Ata da Reunião, que o funcionamento da escola
deveria ocorrer num prédio próprio, dispensando os contêineres, e a proposta de
construção de mais de uma unidade escolar, visando as demais etapas da
escolarização das crianças e jovens do bairro emergente. Descortina-se ainda uma
conflitiva relação pela edificação do prédio, pois desconfia-se dos acordos realizados
para aquisição do terreno e também para a cessão do prédio provisório entre
moradores, municipalidade e governo estadual.

Assim como aponta Magalhães (1998) podemos dizer que a história de


uma dada escola é feita pela sua materialidade, sua representação e a sua
apropriação. No caso da EMEF Oziel Alves Pereira, sua materialidade vai passando
de contêineres, a estrutura pré-moldada até a conclusão do prédio de alvenaria. Ela
representou para a comunidade como apontou Silva (2009) um lugar de apropriação
do saber, um lugar que corroborava para o enraizamento e pertencimento dos filhos
87

dos moradores e levariam esses a distanciar se cada vez mais da pobreza. Ao mesmo
tempo em que representava para o poder público um lugar de disputa, poderes estes
que marcavam presença perante a comunidade, tanto municipalidade quanto o poder
estadual podiam ser vistos colaborando para a efetivação da escola no bairro.

O Projeto Político Pedagógico de 2005 aponta ainda que a escola pré-


moldada foi entregue em 14 de agosto de 2002 e os alunos voltaram a estudar no
bairro. Pode-se perceber que a organização da comunidade e os acordos políticos
foram articulados, surtiram o efeito esperado pelos moradores para que seus filhos
estivessem na escola do bairro.

No ano de 2003 é possível notar que os poderes públicos, municipal e


estadual, disputavam entre si a administração da escola e tentavam regularizar a
situação perante atos normativos. No dia 09 de março desse ano o Dirigente da
Região Oeste da Secretaria de Estado da Educação, Ademir Schiavo, participou de
uma reunião com a então Secretária da Educação de Campinas, Corinta Grisolia
Geraldi. O primeiro informa a Secretária que a escola será estadual, que o nome será
EE Oziel Alves Pereira, conforme aponta o Projeto Político Pedagógico de 2005 da
escola.

Foi encontrado um Oficio PMC/CEB nº 43/03 de 27 de março de 2003 da


Secretária Municipal de Educação, professora Corinta Grisolia Geraldi para a
Coordenadoria de Educação Básica solicitando a abertura da Escola Municipal de
Ensino Fundamental do Parque Oziel, situada a Rua Fauze Selhe, s/nº, a fim de
regularizar o funcionamento da unidade escolar. Nota-se que o endereço é o mesmo
da atual escola, ainda que o nome não seja “Oziel Alves Pereira”, como consta no
anexo 4, isso demostra que tanto a escola pré-moldada quanto a de alvenaria sempre
estiveram no mesmo endereço.

Aqui vale mais uma vez usar fontes imagéticas para demostrar que a
arquitetura da escola se amplia, mesmo sendo pré-moldada, as salas de aulas são
mais amplas, há um pátio coberto que serve também como refeitório, e em uma das
imagens é possível ver a escola de alvenaria sendo construída ao fundo, como aponta
Frago; Escolano (1998, p.75) “O espaço não é neutro. Sempre educa”.
88

Figura 30: Sala de aula na estrutura pré-moldada. Fonte: acervo da escola, 2003.

Figura 31: Vista parcial do pátio na estrutura pré-moldada. Fonte: acervo da escola, 2003.
89

Figura 32: Vista parcial do refeitório. Fonte: acervo da escola, 2003.

Figura 33: Vista parcial do refeitório. Fonte: acervo da escola, 2003.


90

Figura

34: Vista parcial das salas de aula na estrutura pré-moldada. Fonte: acervo da escola, 2003

Figura 35: Vista parcial da estrutura pré-moldada e ao fundo prédio de alvenaria da atual Emef OZIEL Alves Pereira.
Fonte: acervo da escola, 2004.
91

A escola em estrutura pré-moldada era vista pela comunidade como


precarizada, visto que, ainda que guiados pelo senso comum sabiam que a escola era
como símbolo, que podia representar a realidade a qual estavam inseridos. Era
preciso que a escola passasse para um tipo de construção que representasse a
permanência, que mostrasse que moradores do Parque Oziel estavam querendo
pertencer ao mundo da cultura escolar, tal qual conheciam outras tantas instituições,
a escola era vista, mesmo que sem saber como forma simbólica, que podia ser
produzida e transmitida. Thompson (1995); Frago; Escolano (1998).

Logo podemos observar que durante o ano de 2003 foram realizados outros
encaminhamentos para a regularização da escola do Parque Oziel, entre eles destaco
o Ofício PMC nº 999/03 de 12 de novembro, a Secretária de Educação de Campinas
Corinta Grisolia Geraldi solicitando a autorização para o funcionamento da EMEF do
Parque Oziel, com data retroativa a 01 de janeiro de 2003, considerando a deliberação
do Conselho Estadual de Educação nº 01/99, no qual encaminha documentos, informa
o endereço e sinaliza que a escola receberá o nome “EMEF Oziel Alves Pereira”, que
foi escolhido pela comunidade, como apresentado no anexo 5.

Em 4 de dezembro de 2003 uma comissão de supervisores de ensino da


Diretoria de Ensino da Região de Campinas Oeste, diante de um histórico e análise
dos autos do processo número 1064/0043/2003, mostram-se favoráveis ao
funcionamento da Escola Municipal de Ensino Fundamental com os cursos de Ensino
Fundamental de 1ª a 8ª séries regulares e Ensino Fundamental de 5ª a 8ª séries na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos, disposto no anexo 6. E, em 05 de
dezembro do mesmo ano, o Dirigente Regional De Ensino lança a portaria que
autoriza o funcionamento da escola EMEF Oziel Alves Pereira, como data retroativa
a 1º de janeiro de 2003. No dia seguinte é publicada no Diário Oficial do Estado esta
portaria, conforme anexo 7.

Assim a escola fica autorizada a funcionar independente da Humberto


Souza Melo, porém as tensões e disputas referentes à construção do prédio de
alvenaria e manutenção deste continuaram, e é possível perceber claramente através
de atas de reuniões de conselhos, com a presença de membros da comunidade,
professores e representantes do poder público do município de Campinas e do
Estado.
92

Constatamos que há uma efervescência em torno da instituição escolar do


bairro, eram questões diferentes que permeavam sua formação desde o início, uma
questão referia-se ao espaço propriamente dita, outra era a qual poder público ela
pertenceria.

O ano de 2004 começou com o Conselho de Escola da EMEF Oziel Alves


Pereira protocolando junto a Secretaria de Educação de Campinas, no dia 25 de
março, uma solicitação de esclarecimento quanto à situação do prédio novo:

Com um prédio recém-construído pelo Governo do Estado, em terreno do


município, destinado a abrigar a EMEF “OZIEL ALVES PEREIRA”, e, em vista
da proximidade de entrega do prédio para a Prefeitura, fomos surpreendidos
com a possibilidade de o mesmo, Governo do Estado, estar instalando no
mesmo prédio salas de Ensino Médio. Estas salas estariam funcionando
durante todo o período de aulas, colocando juntos alunos de ensino
fundamental e Ensino Médio, caracterizando uma grande contradição uma
vez que o próprio Estado fez a separação por faixas etárias visando
preservara integridade e o espaço que cabe a cada um, vimos, portanto,
solicitar a esta Secretaria que esclareça a veracidade destas informações.
(Ata do Conselho de escola, 2004)

No dia subsequente a Coordenadoria de Educação Básica, solicita junto à


EMEF Oziel Alves Pereira um levantamento a ser entregue até o dia 02 de abril de
2003, sobre a demanda de 1ª a 8ª séries para saber das reais necessidades da
comunidade como consta no anexo 8.

E em 30 de março o Dirigente da Região Leste da Secretaria de Estado da


Educação, Ademir Schiavo compareceu mais uma vez ao gabinete da Secretária de
Educação Corinta Grisolia Geraldi para dizer que continuava uma negociação com
Governo do Estado para a ocupação do prédio. E que a proposta seria que tivessem
8 salas no prédio onde funcionaria o Ensino Médio. A Secretaria perguntou se haveria
a possibilidade do Estado então ficar com a estrutura pré-moldada, assim, Ademir
Schiavo respondeu que teria que encaminhar essa proposta a instâncias superiores.
Dessa forma, a Secretária propôs ao Dirigente que participasse de uma reunião com
a comunidade e com os professores para que discutissem as alternativas para a
solução do impasse, visto que, enquanto isso, os alunos não poderiam ocupar o prédio
novo, segundo dados levantados no Projeto Político Pedagógico de 2005.

O termo ocupar aparece citado em vários lugares, ora nas atas das
reuniões do Conselho de Escola, ora em correspondências entre os representantes
dos poderes públicos.
93

Em 02 de abril a então Prefeita Izalene Tiene envia um Ofício de seu


Gabinete para o Governador Geraldo Alckmin, a qual segue cópia no anexo 9, que
trata especificamente sobre a utilização total do prédio da escola pela Prefeitura, para
atender a demanda da comunidade.

Em 03 de abril acontece uma assembleia extraordinária contando com a


presença de moradores do Parque Oziel, Jardim Monte Cristo e Gleba B, direção e
vice direção da escola, professores, Conselho de Escola, e da Secretária de Educação
Corinta Grisolia Geraldi, e com representantes da comunidade, os senhores Canário
e Chico. O tema central da assembleia foi relatar sobre as providências tomadas pela
Prefeitura a fim de conseguir manter um diálogo com o governador Geraldo Alckmin,
para dessa forma, sanar o impasse quanto ao uso do prédio: quem irá administrar, se
o ensino será municipal ou estadual, ou ainda se a prefeitura fica responsável pelo
ensino fundamental e a o Estado pelo Ensino Médio; se este último ficará responsável
pelo Ensino Médio e em que local funcionará.

Há uma peculiaridade nesta reunião, pois o representante da comunidade,


o senhor Canário, comentou sobre uma possível candidatura a vereador nas próximas
eleições. A Secretária sugere que sejam feitas ações conjuntas para que o governo
se sensibilize e tome as providências cabíveis, sugere então, a formação de uma
comissão para tratar especificamente sobre o prédio novo. Uma das sugestões vindas
da comunidade, uma alternativa para aquela situação, é que se faça uma
manifestação “fechando” as Rodovias Santos Dumont e Anhanguera.

É possível observar que o assunto referente ao prédio novo abre uma


agenda política, e se torna palco para que agentes político-partidários comecem a
ganhar certa investidura. O interessante é também perceber que as lideranças dos
bairros emergentes, tinham claro que deveria tratar-se de duas escolas e não uma.
Que deveriam ter ali estruturado toda a capacidade material para cumprir as metas da
educação básica acessível às crianças e jovens (ensino fundamental e ensino médio)
e que o próprio Estado, na figura dos seus representantes governamentais e
administrativos, propunham precarizar (ao menos temporariamente) tal atendimento.

Em abril de 2004, o que se encontra registrado é uma Ata da reunião de


Conselho de Escola Extraordinária, nas dependências da EMEF Oziel Alves Pereira,
com a presença de várias autoridades, como a Supervisora Silvia, Coordenadora do
94

NAED Sul, Renata Ferramola, Diretora da escola, Cristina, Vice-Diretora Ana Marta,
Coordenadora Pedagógica Aide Silva, o corpo docente e discente e a comunidade.
Ao final dessa reunião foram contados por volta de 170 (cento e setenta) assinaturas.
O teor da ata da reunião demonstrou várias vezes a disputa pelo espaço da escola.
Destaque para a fala da Secretária:

A senhora secretária em seu discurso fala sobre a mudança da escola nova,


que foi em parceria entre o Estado e a Prefeitura, fala sobre o nome escolhido
que é Oziel Alves Pereira, fala sobre a proposta que o Estado tem a nos dizer,
que há duas propostas em andamento e que a assembleia é quem irá decidir,
pois a assembleia é soberana. A escola nova é fruto da mobilização que o
povo lutou, devido a consequência que foi a morte de algumas pessoas por
acidente. Todas as crianças do Oziel deverão passar para esta escola,
mesmo quem está estudando em outra escola. Hoje temos quatro períodos
nesta escola no total de quarenta e uma turmas, noventa e três adultos
inscritos no EJA que voltarão a estudar. Não há como ocupar todo espaço no
momento, mas a comunidade é quem irá decidir as propostas apresentadas
(Ata do conselho de escola, 2004, p.21-22).

A proposta do Estado era ceder para o município à escola no período diurno


e administrar a escola no período noturno com o supletivo a partir de junho de 2004.

O Dirigente Regional Ademir Schiavo dizia que a escola nasceu da Diretoria


de Ensino do Estado de São Paulo, nessa fala poderíamos identificar, de alguma
forma, o desejo do dirigente regional marcar sua legitimidade em administrar também
o espaço escolar.

Assim, tanto o Município quanto o Estado, querem garantir sua


representatividade no novo bairro, fazendo disso a disputa por visibilizar os aparelhos
institucionais. Tal reunião, para além da disputa por gestão, mostra a disputa pela
legitimidade no bairro. Cada poder executivo procurava explicitar à população que se
fazia presente ali. Mas, a questão parece ser simples para aquela comunidade:
desejava ocupar o prédio novo, desejavam que as crianças e adolescentes pudessem
estudar o mais perto possível de suas casas, sem ter que atravessar a passarela sobre
a rodovia ou mesmo precisar, para a sua locomoção até a escola, do transporte
público.

Os professores, que nesse momento, já são todos efetivos com as


horas/aulas, isto é, jornada de trabalho estruturada na EMEF Oziel Alves Pereira,
também tentam marcar posição, lutando por seu local de trabalho, destaque para a
fala do professor Jessé:
95

Fala sobre a discussão em sala de aula sobre o ensino médio, fala sobre a
importância do ensino ser municipal, devido ao projeto pedagógico. A escola
do Parque Oziel, escola nova deve ser apenas o Ensino Fundamental e
aonde estamos passa a ser o Ensino Médio até que o Estado construa uma
nova escola para o ensino médio, portanto prédio novo só fundamental, este
prédio onde estamos seria o Ensino Médio. (Ata do conselho de escola, 2004,
p.22-23).

A ata segue com pronunciamentos de uma das lideranças do bairro e do


Dirigente Regional:

Proposta do Jairson dos Anjos (Canário), nós vamos inaugurar a escola com
todos que ajudaram a construir a escola, essa escola, o supletivo (E.M.) não
daria para começar, pois na metade do ano os alunos do nível IV deverão
fazer o Ensino Médio. A demanda de salas de aula entre Estado e município,
se vai sobrar ou faltar, querendo conciliar todo o corpo que pertence ao
Estado e ao município. Tirar uma comissão para que se vote em uma
proposta que atenda à comunidade, visando posteriormente a construção de
uma nova escola. Fala do professor Schiavo: que as duas oitavas continuarão
o Ensino Médio em agosto, não se quer dividir e sim acrescentar, por hora o
Estado ocupara quatro salas, dois primeiros anos, um segundo e um terceiro
colegial, não há divisão sim soma (Ata do conselho de escola, 2004, p.23-
24).

E segue a fala do professor Jessé:

Prof. Jessé diz que toda a escola deverá ser passada (toda) para o município
e que haja a proposta de uma nova escola a ser construída para o Ensino
Médio, pois a decisão é do governador e não do Dirigente Regional (Ata do
conselho de escola, 2004, p 24).

Percebe-se que há uma preocupação quanto à demanda de atendimentos


a estudantes pela escola, já que tanto a Secretária de Educação de Campinas, Corinta
Grisolia, professores da rede municipal e, representantes da comunidade do Parque
Oziel apontam que há um número considerável de alunos e se preocupam que haja
apenas um prédio para abrigar tanto ensino fundamental quanto o Ensino Médio.
Havia ainda a preocupação em se realizar o quanto antes a inauguração do prédio de
alvenaria, como algo que marcasse o início dito oficial da escola, seu funcionamento
e ainda garantisse o fim de qualquer futura disputa entre os poderes públicos
municipais e estaduais pela escola.

Na reunião que estamos relatando a Secretária encaminha para votação


as propostas apresentadas e demonstra desejo que a inauguração seja marcada
ainda no mês de abril daquele ano. Pede, em nome da democracia, que a proposta
seja votada. Um aluno faz um adendo, que o prédio seja da Prefeitura e do Estado.
Aide, Coordenadora Pedagógica defende que não haverá sala ociosa no prédio novo,
logo não poderão abrigar o Ensino Médio, sua proposta se assemelha ao do professor
96

Jessé. Então Schiavo diz que o Estado só não construiu uma escola antes no bairro,
porque não tinha um terreno ficando dependente da doação do município.
97

As propostas que estiveram em votação foram:

1. Que a escola cedesse oito salas para o Ensino Médio;

2. Que o Ensino Médio funcionasse na estrutura dos pré-moldados;

3. Que a estrutura pré-moldada fosse colocada ao lado do prédio novo e ali


funcionasse o Ensino Médio;

A assembleia votou e a terceira proposta foi eleita.

Houve ainda uma reunião no dia 20 de abril de 2004, na tentativa de


encaminhar a solicitação para a utilização do prédio novo; não houve mudanças da
proposta da reunião anterior, e percebe-se que naquele momento a comunidade
escolar ainda não ocupava o novo prédio, pois a inauguração não havia ocorrido.

No dia 22 de abril de 2004, houve uma reunião nas dependências da


Diretoria Regional Oeste da Educação Estadual, com a presença de Ademir Schiavo,
Deputada Célia Leão, representantes da comissão da comunidade, representantes
dos professores e dos alunos da EMEF Oziel Alves Pereira. Para, mais uma vez, tratar
sobre como se daria a ocupação do prédio novo. Ora o terreno havia sido doado pela
prefeitura para o Estado, este constrói a escola, o prédio, a arquitetura, padronizada
pelo Estado, este último também havia oficializado com uma portaria o funcionamento
da escola com data retroativa a 1º de janeiro de 2003, porém com a sigla EMEF, que
denomina escola municipal de Ensino Fundamental.

Nota-se que há um grande interesse político na escola, ela representa que


o poder público referenda, apoia e participa, mais que isso, legítima a luta, a criação
e permanência dos moradores no bairro, os dois poderes querem assim participar da
criação da escola, salvaguardando suas imagens perante a população.

A ata da reunião dá detalhes que se considera relevante para a percepção


do quanto o tema mobiliza agentes políticos, servidores públicos e a comunidade do
bairro:

Schiavo voltou a dizer sobre provável entrega do prédio amanhã, 23/04,


colocou que anteriormente foi acertado a ocupação do prédio pela EMEF,
sendo 3 primeiros períodos ocupados pelo município e o noturno pelo Estado.
Disse que outra possibilidade é o Estado a partir de julho ocupar toda a escola
inclusive o ensino fundamental, mas que em nenhum momento seria
98

transferido para o município o prédio (Ata reunião na Diretoria Regional Oeste


da Educação Estadual, 2004, p.27).

E segue a ata:

Dep. Célia expôs que tem outra agenda para breve e que gostaria de terminar
a reunião antes da necessidade de sair. Passou também a posição do Sr.
Chalitta: “Não será alterada a atual situação da escola, ou seja, todos os que
serão, digo, são atendidos, continuarão, mas que há a necessidade da
implantação do ensino médio, pelo menos quatro salas” pediu para que
entrem em um acordo quanto a isto (Ata reunião na Diretoria Regional Oeste
da Educação Estadual, 2004, p.27-28).

E ainda:

Sr.ª Carmem falou que a escola funciona há sete anos sempre buscando a
melhora para o aluno e que no início teria sido acordado que a prefeitura
cederia o terreno, o Estado construiria e a escola voltaria ao Município, falou
também que há a autorização para o funcionamento da escola como
municipal. Dep. Célia disse que não havia este acordo de transferência da
escola para o município. Prof. Schiavo expôs que a autorização de
funcionamento não significa transferência de propriedade. Disse que existe
um termo de intenção de doação do terreno ao Estado. Jessé neste momento
recordou sobre a reunião passada e expôs a proposta que então foi votada
pela comunidade. Falou sobre deixar a escola toda para a municipalidade e
deixar os módulos para provisoriamente ser ocupado pelo ensino médio.
Falou ainda da discussão feita pela manhã na escola para que ocupemos o
prédio fisicamente, desde que com uma autorização, e que se compromete a
levar a atual proposta para a comunidade votar sobre a mesma. Dep. Célia
expôs que a discussão não é político partidária, mas sim de necessidade,
pois é sobre educação. (...) Eduardo assessor do Dep. Tiãozinho falou sobre
a luta da comunidade e a importância desta reunião, que a existência de
serviços públicos dentro da mesma, ajuda na luta pela regularização da área,
e que a inauguração da escola será importante, mas que poderia ter sido
acertado sem precisar chegar ao impasse em que está, nas discussões
“calorosas” (Ata reunião na Diretoria Regional Oeste da Educação Estadual,
2004, p.28-29)

Mais uma vez Martins (1997) nos ajuda a refletir sobre o que ele chama de
a ‘presença insidiosa’ de pessoas que querem estar nos lugares em que podem ser
notados, mesmo que em suas agendas tenha outros compromissos, as pessoas
querem estar presentes, não para resolverem situações, mas para serem notadas,
para marcarem sua presença.

A situação da EMEF Oziel Alves Pereira se arrastava por meses, entre


reuniões, assembleias, ofícios, cartas e memorandos; o impasse pode ser visto mais
do que uma questão meramente burocrática, técnica ou oficial. Era uma questão de
vontade política, a mesma que doara o terreno e construíra a escola. O impasse
localizava-se agora em quem ocuparia a escola.
99

A ideia de parecer um favor e não a garantia de um direito, e assim, na ata


da reunião, Canário aponta que a escola era uma reivindicação desde 1997, e que “a
municipalidade trabalhou junto”, desde o começo dos contêineres. Tal manifestação
significa que a comunidade tomaria partido em favor de um dos lados dos poderes
executivos, no caso da municipalidade.

Dessa forma, a ata da referida reunião segue mostrando que o Estado não
abria mão de ter quatro salas no prédio novo, para que funcionasse o Ensino Médio,
pois como alegado, se fossem menos de quatro salas, segundo Ademir Schiavo, a lei
não permitiria que houvesse uma direção. O assessor continuou dizendo que o mais
importante era a ocupação do prédio novo. Já o professor Jessé seguiu defendendo
que se levasse a ideia para a comunidade, a fim de fazer uma nova votação da
proposta. Assim, com a aderência da maioria, define-se pelo agendamento de uma
nova reunião com a presença da comissão e da Secretária de Educação, professora
Corinta Grisolia Geraldi.

A reunião seguinte ocorreu no dia 23 de abril de 2004, nas dependências


do prédio novo da escola, e a pauta foi a “mudança da escola municipal e a instalação
da escola estadual”, contando com a presença de deputados, Dirigente da Regional
Oeste, Secretária de Educação, Diretora da escola, representantes do NAED Sul,
representantes dos professores e alunos, além de representantes da comunidade.

A reunião se desdobrou em esforços para encontrar uma data para a


possível inauguração do prédio novo e antes para a mudança/ocupação do prédio
pelas turmas que já funcionavam na estrutura pré-moldada. Schiavo esclareceu que
no dia 27 de abril de 2004 o engenheiro responsável pela obra iria até a escola para
liberar tão logo fosse aprovada também pelo. A Secretária então diz que “no espaço
do Parque Oziel existe a pretensão de se plantar as sementes do ensino médio, por
parte do Estado, e do ensino infantil, pelo município”, esta segue questionando sobre
a propriedade da escola, pois havia entendido que esta seria municipal.

Houve um registro da fala do professor Jessé quando este questionou qual


seria a prioridade caso existisse demanda para ambas as escolas, já que seria isso
que estavam compactuando, duas escolas dentro de um mesmo prédio, não houve
resposta para esse questionamento nessa ata. O mesmo professor continuou pedindo
100

que fosse votado em assembleia a proposta de se ter a configuração de duas escolas


dentro de um único prédio, ou se queriam uma municipal ou a estadual.

O que se percebe claramente é que de um lado um grupo defendia que a


escola fosse ocupada de qualquer maneira, que os tramites legais fossem feitos
posteriormente, e que não importava se a escola seria estadual ou municipal, já outro
grupo, defendia que alunos e professores só poderiam ocupar o prédio novo se o e
Ensino Médio oferecido pelo Estado tivesse quatro salas pelo menos no período
noturno. E um terceiro grupo que queria que o prédio novo fosse cedido à
municipalidade, já que o que foi oferecido desde 1998 na escola do Parque Oziel havia
sido o Ensino Fundamental pela Prefeitura.

O registro feito na ata do dia 23 de abril de 2004, encerrou-se sem que


houvesse acordo pelas partes, chegando a uma possível data para a ocupação do
prédio novo. Ainda foi aprovado que se levaria à assembleia, a possiblidade do
funcionamento do Ensino Médio no período noturno.

Dentre os vários documentos que foram consultados, um deles, o Decreto


SEESP nº 48713/04 de 14 de junho de 2004, efetivamente dispõe sobre a criação da
Escola Estadual do Parque Oziel, e afirmando que a Secretaria da Educação tomaria
as providencias para o funcionamento da unidade escolar (anexo 10). Temos então,
que após muitas reuniões e efetivamente muitas discussões, a escola estadual foi
criada e formalizada pelo governo Estadual.

Em reunião do dia 18 de junho de 2004, logo após a publicação do Decreto


SEESP nº 48713/04, ficou acertado a abertura de quatro salas no prédio novo, para o
Ensino Médio. E mais uma vez foi registrado a fala do Sr. Jairson dos Anjos, o Canário,
“ocupar todo o prédio e deixar quatro salas para o Estado, ocupar todas as salas de
aula no Fundamental e que se construa outra escola para o Estado” (Ata de conselho,
2004, p. 34).

Os registros da ata da reunião de conselho realizada nas dependências da


EMEF Oziel Pereira Alves, no dia 23 de junho de 2004, foram encontrados
posicionamentos que demonstravam a preocupação com o número de alunos para o
próximo ano, no caso, o ano de 2005, e como seriam organizadas e dispostas as
101

turmas no prédio novo. E também sobre a efetivação de novos professores, já que a


escola carecia de um quadro efetivo completo.

Professores e a Secretária de Educação, Professora Corinta Grisolia


Geraldi, tinham a preocupação em relação ao espaço do prédio novo, e tratavam com
o dirigente Ademar Schiavo, que era preciso calcular com seriedade, pois seria
provável que nos próximos anos o Ensino Médio tivesse que ocupar mais do que
quatro salas e teriam que resolver um problema que apenas havia sido adiado. Com
o número de alunos cadastrados, professores e Secretária demonstravam que já se
fazia necessário a construção de outro prédio, que atenderia prioritariamente o Ensino
Médio no bairro.

Prof. Jessé lembrou que anteriormente a comunidade votou na manutenção


do Ensino Fundamental e não implantação só E.M., colocou sua participação
no conselho a disposição caso esta proposta seja acertada sem votação da
comunidade. Prof. Schiavo disse que já está em fase de aprovação a
construção do prédio novo no bairro, devendo apenas a transferência de
terreno, já que a atual construção foi pedida para o Jd. Icaraí (Ata do conselho
de escola, 2004, p.36-37).

Faz-se necessário registrar que a escola mencionada neste trecho por


Ademar Schiavo foi realmente construída, não no Parque Oziel, mas no Jardim Icaraí,
bairro próximo ao Parque Oziel.

E continua:

Prof. Jessé voltou a falar lembrando da criação da escola de ensino médio


através de decreto este mês (leia escola de ensino estadual) Corinta neste
momento registrou seu protesto quanto a criação da mesma. Jessé terminou
falando da importância da assembleia. Corinta disse que não devemos fazer
política pois as crianças não merecem isso e que em momento algum fazia
parte do acordo a criação da escola estadual. Disse que a escola deveria
funcionar vinculada a outra e não como escola independente (...) Prof.
Schiavo disse que São Paulo decidiu a criação da escola e que foi criada
apenas para que possa ter um responsável ou um vice que cuide das 4 salas
da escola estadual (Ata do conselho de escola, 2004, p.37).

Há o registro da Secretária da Educação, dizendo que não havia no Decreto


SEESP nº 48713/04, que dispunha sobre a criação da Escola Estadual do Parque
Oziel, um endereço, portanto a escola nova do Estado precisava de um endereço.

Assim, a reunião do dia 23 de junho de 2004 foi finalizada com a proposta


de que o Estado assinasse um termo de convênio para que passasse o prédio para o
município de Campinas e este assume o compromisso de garantir o Ensino
Fundamental.
102

Em 12 de agosto de 2004, o setor de Segurança do Trabalho manda um


relatório para a Secretária de Educação, Corinta Grisolia Geraldi, sobre uma inspeção
realizada na EMEF Oziel Alves Pereira, conforme anexo11, e que dentre os itens
inspecionados descreve a desativação dos contêineres, como “antes usados como
sala de aula”.

Como não foi encontrado o registro sobre a data de inauguração do prédio


da escola, realizada com a presença de representantes do poder público, nem
tampouco, o registro na escola sobre o dia em que aconteceu a mudança da estrutura
pré-moldada para o prédio novo, acredita-se que ocorreu, também, uma ocupação do
local, agora pelo espaço de estudar, e que provavelmente se deu entre o final do mês
de junho de 2004 e o começo de agosto do mesmo ano.

Em 19 de agosto de 2004, a Lei nº12042 dispõe sobre a denominação da


Escola Municipal do Parque Oziel, como Escola Municipal de Ensino Fundamental
“Oziel Alves Pereira”, informação que consta no Anexo 12.

O último registro encontrado referente à propriedade do prédio foi o Decreto


Estadual nº 55434, de 12 de fevereiro de 2010, conforme consta no anexo 13, dispõe
sobre a permissão de uso do prédio que aloca a EMEF Oziel Alves Pereira, “ a título
precário e gratuito e por prazo indeterminado, em favor do Município de Campinas”,
publicado em 13 de fevereiro de 2010, no Diário Oficial do Estado de São Paulo,
informação que consta no anexo 14.

Abaixo imagens de épocas distintas, que nos ajudam a vislumbrar as


mudanças durante esses mais de 17 anos, desde a ocupação, no tocante aos espaços
físicos e pedagógicos da escola.

Figura 36: Sala de aula/contêiner. EMEF Oziel Alves Pereira. Fonte: Abigail Araújo dos Reis Bueno, 2003; e
103

Figura 37: Sala de aula EMEF Oziel Alves Pereira. Fonte: elaborada pela autora, 2013.

Imagem 38 Imagem 39

Figura 38, Interior da sala de aula/ contêiner. EMEF Oziel Alves Pereira. Fonte: Abigail Araújo dos Reis Bueno; e
2003.

Figura 39: Interior da sala de aula EMEF Oziel Alves Pereira, Fonte: elabora pela autora, 2013.

As datas dos atos normativos, como leis, resoluções, portarias e decretos,


nem sempre correspondem às datas das atas de assembleias de moradores
encontradas na escola, e que tinham em suas pautas a mudança dos contêineres para
o prédio atual da escola. Há, contudo, clareza de que não são os atos normativos que
fazem a realidade, mas é esta última que exige das regulamentações ser traduzida,
adequada ou transformada. Advém dessa disparidade entre as datas, observar o
movimento pela ocupação da escola, também como um acontecimento perpassado
por tensões e contradições.

A trajetória histórica dessa escola é marcadamente realizada com várias


transições. De terreno, de tipo de construção, de gestão. Enfim, uma escola que
precisou atender rapidamente aos anseios e as reivindicações da comunidade. Para
tentar traduzir esse sentimento de transição, de não acabado, em que observamos
um emaranhado de construções, umas em contraste com as outras, trarei uma
imagem que mostra a precariedade e ao mesmo tempo a arquitetura que marca a
presença do Estado.
104

Figura 40: Contêineres e o prédio atual EMEF Oziel Alves Pereira, ao fundo. Fonte: Abigail Araújo dos Reis Bueno,
2003

A escola tal qual o bairro tem sua particularidade e, sua história não pode
ser reconstruída de forma linear, dependendo de uma cronologia de avanços para sua
implantação e implementação.

Quando voltamos a Menegaço et al (2005) e, olhamos para o quadro


apresentado pela autora, e os dados apresentados por essa dissertação, não
encontramos registros oficiais, e tão pouco na EMEF Oziel, que comprovem a
existência da escola de madeira.

Foram encontrados indícios, datados do ano de 1998, que confirmam a real


existência da chamada “escola de contêineres”.

No ano de 2003 a autora aponta a construção da escola numa estrutura


pré-moldada, o que também pode ser confirmado.

No entanto há uma data de 05 de março, porém sem o ano, que relata


sobre a inauguração do prédio atual da escola. Pelos registros apontados, fragmentos
de datas, podemos supor que professores e alunos ocuparam o prédio novo da escola
entre junho e agosto de 2004; e a possível data de 05 de março apontada por
Menegaço (2005), deva ter acontecido no ano de 2005. Isso é, porém, uma
especulação, já que não foi encontrado, como dito anteriormente, nenhuma notícia ou
registro de tais eventos, nem da data da ocupação efetiva do prédio novo e também
da inauguração oficial.
105

Dentre os vários avanços e recuos, a escola foi edificada e passou a ser


estadual e municipal; seu prédio ainda é do Estado, com uma concessão para
municipalidade, sendo que no período noturno, funciona o Ensino Médio. Dessa
forma, há duas escolas dentro de um mesmo prédio.

Para seguir o raciocínio do que representa a materialidade na trajetória


histórica da escola podemos pensar sobre o que Viñao-Frago (1995) escreve:

El espacio escolar no es, pues, um “contenedor” ni um escenario, sino “uma


espécie de discurso que instituye em su materialidade um sistema de valores
(...), unos marcos para el aprendizaje sensorial y motorico y toda uma
semiologia que cubre diferentes símbolos estéticos, culturales y aún
ideológicos” (Escolano, 1993, p.97-120) Es, em suma, como la cultura scolar,
de la que forma parte, “uma forma silenciosa de enseñanza” (Mesmin, 1967,
p. 62-55). Cualquier cambio em su disposición, como lugar, o território,
modifica su naturaliza cultural y educativa. (ESCOLANO (1993) e MESMIN
(1967) apud Viñao Frago, 1995, p.69)

Refletir sobre o que Viñao Frago (1995) escreveu a respeito da condição


física da escola como sendo uma materialidade que ensina, e, se esta é modificada,
então, a natureza educativa e cultural também se modificam, logo somos motivados a
pensar a história material da escola do Parque Oziel, pois também educa para além
do que a ideia de escola traz, ensina a querer crescer, ensina que é possível a
convivência, que é possível coexistir, a encontrar um modo de vida possível.
106

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao escolher trazer a trajetória da EMEF Oziel Alves Pereira, trouxemos


elementos capazes de configurar melhor essa história dentro da história da cidade de
Campinas, que pudessem ser abertos canais de diálogo e reflexão frente à questão
da luta por direitos fundamentais: como casa, escola e saúde.

Prerrogativas para o que se acredita como uma vida cidadã, na qual o


sujeito pode fazer parte de uma coletividade, possa sentir-se enraizado outra vez:

O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e desconhecida da


alma humana e uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz
por sua participação real, ativa e natural na existência de uma coletividade
que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do
futuro (BOSI, 2003 p.175).

Alguém que tenha sua capacidade de “enraizamento” perdida fica, então,


sujeito a perder sua cultura, e como nos aponta Bosi (2003). Se a migração e o
trabalho operário são desenraizantes, o desemprego é um desenraizante de segundo
grau, logo, se além de sair de sua terra natal o sujeito experiência o desemprego, este
perde sua capacidade de ‘projetar um futuro’ a ele cabe assistir suas próprias forças
minando, sem esperança de mudança, ou então, engendrar uma configuração de
resistência, se aliando aos seus companheiros e compreendendo que é preciso
realizar uma resistência agora política, que mude sua participação e encontre um novo
modo de enraizar-se outra vez.

Logo, todos que estiveram na ocupação da área do Parque Oziel, e


posteriormente estiveram na reivindicação da escola, participaram das assembleias,
reuniões de conselhos, realizaram passeatas e manifestações, podem ser
consideradas pessoas que lutavam pelo seu enraizamento e pelo de suas famílias.

Assim sendo, a escola, o sujeito que nomeia o bairro e o movimento social,


corroboraram para colocar o impasse da distribuição de terra como uma questão
política e não meramente social.

Foram modernizadores, de modo que, do ponto de vista de Martins (1997)


os movimentos sociais, principalmente pela reforma agrária, forçaram a elite desse
país a realizar ainda que minimamente uma mudança no padrão de resolução do
impasse sobre a distribuição de terra. Tomemos a ocupação urbana como um braço
107

desse movimento, e podemos dizer que se não houve grandes mudanças nas
relações estabelecidas politicamente para resolver os impasses, a trajetória pela
construção, pela ocupação da escola do Parque Oziel pode representar o possível
que poderia ser feito para aquela ocasião.

E segundo Martins (1997):

Mas Lefebvre ensina que nem tudo é capturável pelo poder. Por isso para
ele, a concepção da revolução social não se confunde com golpe de Estado,
mas é a revolução no modo de viver, no modo de pensar, naquilo que pode
nos tornar mais humanos, nos humanizar, no sentido de ser libertos de
carências e misérias. (...). É no residual que está a fonte da liberdade, do
socialismo, de uma outra vida, de uma vida nova. (...). Entendo que a utopia
hoje se põe nesse plano. A utopia é o possível (MARTINS, 1997, p.126).

A escola deixa de ser então tão somente o lugar de ensino/aprendizagem,


pedagógico, mas o lugar que fisicamente educa os sentidos (VIÑAO FRAGO, 1995),
que mostra que uma parcela de pessoas foram sujeitos que ousaram criar uma
realidade nova, que subverteram a ordem. A escola é símbolo da conquista coletiva,
ela mostra em seu percurso a metamorfose a que foi obrigada a passar, do contêiner
até seu prédio atual.

Ainda sobre a materialidade da escola podemos reiterar que ela é um tipo


de fonte que ajuda a olhar o processo histórico e interrogar o presente, contribui de
modo contundente para que possamos construir memória coletiva, para a comunidade
e para a cidade.

Considera-se importante lembrar que a questão sobre os estigmas sociais


os quais foram mencionados no princípio da dissertação, ainda que sejam verdadeiros
na maioria das vezes é fruto do desconhecimento das lutas e que não são
consideradas por sujeitos fora dela. Mas também é possível afirmar através de
apontamentos encontrados em atas, ou mesmo no Projeto Político Pedagógico da
EMEF Oziel Alves Pereira que muitos professores que atuavam na escola no seu
início e durante a transição entre seus múltiplos espaços marcaram posição favorável
à permanência e manutenção da escola no bairro.

A reflexão considerada relevante é pensar que o movimento reivindicatório


por direitos sociais fundamentais a condição humana é em sua gênese mais
revolucionária do que o capital tende a ser dentro de nossa sociedade.
108

Ao fim dessa dissertação as considerações possíveis são de que no olhar


com maior rigor para configuração histórica da EMEF Oziel Alves Pereira, ela
apresenta elementos que corroboram para atenuar as condições discursivas de
opressão e desqualificação perante a comunidade do Parque Oziel, pois a
reivindicação trouxe elementos emancipatórios e que contribuíram para a politização
de membros da comunidade do bairro e também da cidade de Campinas, permitiu que
houvesse uma nova agenda política e por fim uma ação coletiva conciliatória que
estava perto do possível.

Sobretudo a dissertação pode mostrar que a instituição escolar, do ponto


de vista material é uma fonte na História da Educação, que mais que contar a trajetória
linear da construção, ela se encarrega de apontar a importância da representatividade,
da apropriação e dessa materialidade na construção de sentidos e que contribui para
mostrar os dispositivos de organização do espaço escolar e os dispositivos da
normatização dessa instituição.

Observar a escola e sua materialidade como fonte é abrir um arcabouço


para olhar o lugar em que ela, a escola, está configurada na nossa sociedade, sua
função social, a responsabilidade do Estado perante a educação de crianças e jovens.
Souza (1998)

Enfim, a dissertação tentou trazer elementos que permitissem a reflexão


sobre a relação entre a materialidade, a política e a História da Educação, já que esses
apontamentos e essa relação servem de suporte para compreendermos melhor a
realidade, por exemplo, da educação pública brasileira, como ela foi se configurando
e como foi a sua apropriação pelos diferentes sujeitos que nela atuam.
109

FONTES E REFERÊNCIAS

1.2 DOCUMENTOS CONSULTADOS

Atas de reuniões de conselho de escola da EMEF Oziel Alves Pereira de 05/06/2002,


03/04/2004, 07/04/2004, 23/04/2004, 18/06/2004, 23/06/2004, 31/08/2004.

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14/06/2004.Determina a criação da Escola Estadual do Parque Oziel. Disponível em:
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Desincorpora da classe de bens públicos de uso comum do povo, transfere para a de
bens dominicais e autoriza a doação de áreas ao governo do Estado de São Paulo
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http://www.overmundo.com.br/banco/oziel-alves-pereira-o-zumbi-do-para

Acesso em: 20/04/2014

1.3 PERIÓDICOS

CAMPINAS. Alunos de Oziel e Monte Cristo iniciam aulas em novo prédio.


Diário Oficial. Campinas, 12/03/2002. Nº 7894, ano XXXIII.
110

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Trajetórias dos envolvidos são parecidas”. Folha de São Paulo, São Paulo,

22/04/1996. Disponível em

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08/09/2014.

1.4 SITES CONSULTADOS

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www.mst.org

www.campinas.sp.gov.br
111

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ANEXOS
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