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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Escola de Serviço Social

Programa de Pós-Graduação - DOUTORADO

DEFESA DE PROJETO DE TESE

MST em tempos de crise: potencialidades perdidas e integração à


ordem do capital

Doutoranda: Ana Elisa Cruz Corrêa

Orientador: Prof. Marildo Menegat

Rio de Janeiro / Novembro de 2014

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“O que foi feito, amigo,
De tudo que a gente sonhou
O que foi feito da vida,
O que foi feito do amor

Quisera encontrar aquele verso menino


Que escrevi há tantos anos atrás
Falo assim sem saudade,
Falo assim por saber
Se muito vale o já feito,
Mais vale o que será

E o que foi feito é preciso


Conhecer para melhor prosseguir
Falo assim sem tristeza,
Falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos
Que nós iremos crescer
Outros outubros virão
Outras manhãs, plenas de sol e de luz
(...)
Quando o descanso era luta pelo pão
E aventura sem par
Quando o cansaço era rio
E rio qualquer dava pé
E a cabeça rolava num gira-girar de amor
E até mesmo a fé não era cega nem nada
Era só nuvem no céu e raiz

Hoje essa vida só cabe


Na palma da minha paixão
Devera nunca se acabe,
Abelha fazendo o seu mel

No canto que criei,


Nem vá dormir como pedra e esquecer
O que foi feito de nós”

(Trechos de “O que foi feito devera” de Milton Nascimento)

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1 - Introdução

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) passou por acentuadas
transformações nas últimas duas décadas chegando, ao fim dos anos 2000, no que interpretamos
como uma crise programática e organizativa. Há uma notável distância qualitativa entre os objetivos
e características fundantes desse movimento, que marcaram as décadas de 1980 e 1990, e o que se
tornaram nos anos posteriores à chegada de Lula ao planalto em 2003.
Após uma década do PT no poder executivo, acumula-se uma produção crítica razoável sobre
as intencionalidades político-ideológicas do PT e do petismo1. Análises relevantes também se
produziram em relação ao que se convencionou chamar de novo sindicalismo cutista2 e suas práticas
contemporâneas. Porém, há uma reduzida elaboração crítica sobre a relação histórica e a maior
aproximação contemporânea entre o PT e o maior movimento social da América Latina, o MST.
Seria ingenuidade supor que o MST passaria incólume à crise da esquerda brasileira, por isso é no
mínimo curioso esse limite concreto da elaboração de uma crítica aberta ao movimento, sendo que
poucos negariam que o MST foi uma grande força social de massas sustentadora do PT e do petismo
desde suas origens.
As transformações do MST tem inquietado aqueles que, “por dentro” ou “por fora” da
organização, apostaram no seu potencial anti-sistêmico: que acreditaram e lutaram para que a prática
política desse organismo da classe trabalhadora fosse norteada pela crítica social radical. Embora as
pretensões revolucionárias sejam sinceras em muitos de seus militantes e simpatizantes que ainda
buscam realizar essa empreitada, não há dúvidas sobre as origens reformistas do MST. O movimento
sempre foi, e segue sendo, afinal de contas, um movimento de luta pela REFORMA agrária.
Contudo, durante certo período de nossa história foi possível defender que, no Brasil, um movimento
por reforma poderia não ser um mero movimento por reforma.
Defendendo a tese de que conquistas parciais dentro do Capitalismo levam necessariamente a
“consequências socializadoras de importância estratégica” para a luta contra o Capitalismo,
Florestan Fernandes (2005) afirmou que a luta por reformas em um país de burguesia “frágil e
dependente” como o Brasil, ao se deparar com um Estado impermeável a qualquer benesse de caráter
estrutural às classes subalternas, poderia levar a processos radicalizados. Essa herança miserável da
sociabilidade capitalista no Brasil qualificaria, assim, a luta por reforma agrária como uma luta
dotada de potencial explosivo, na medida em que sua própria demanda limitada, restrita e defensiva
por terra, já seria por si só inalcançável nos limites da ordem burguesa no Brasil.

1 Sobre a crítica do PT ver: Iasi (2006), Singer (2012), Arcary (2011), Garcia (2011), entre outros.
2 Uma importante obra crítica ao sindicalismo da CUT e suas transformações é a de Tumolo (2002).
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O potencial anti-sistêmico do MST estaria condensado, sinteticamente, em sua principal
forma de luta, a ocupação de terras. Esta, marcada pelo embate frontal com o Estado e o capital no
campo, produziu experiências radicalizadas, que fizeram do MST um dos maiores e mais
importantes movimentos das últimas décadas. Ao longo dos anos 2000, observamos o progressivo
abandono da que, até então, era a principal tática do MST na luta por reforma agrária, a ocupação de
terras e a constituição de acampamentos. Esta prática tem sido progressivamente substituída pelo
enfoque no desenvolvimento econômico e social dos assentamentos já existentes via convênios e
parcerias com o governo, e mesmo com parcelas do empresariado rural3. Como veremos mais
adiante, há uma redução drástica das ocupações de terra, o que ocorre simultaneamente ao
estabelecimento de parcerias com órgãos públicos e privados focadas na produção e distribuição de
alimentos. Há, portanto, uma inversão de prioridades entre o acampamento (ocupação) e o
assentamento (produção). Essas mudanças foram expressas no Programa Agrário do VI Congresso
Nacional do MST de fevereiro de 2014 em afirmações de que seria necessário abandonar a bandeira
da Reforma Agrária Clássica e se instituir um novo tipo de reivindicação, que foi denominada
Reforma Agrária Popular. Ainda que afirmem aí a necessidade de se continuar a realizar ocupações
de terra, o foco principal da organização passou a ser a produção agroecológica e cooperativada
como forma de viabilização dos assentamentos.
Partimos, nessa pesquisa, da reflexão crítica apresentada na que ficou conhecida como Carta
dos 51. Trata-se de um documento que a nosso ver pode ser considerado um marco importante de
abertura à crítica a esses novos rumos do MST, quebrando um silêncio macabro que parecia pairar
sobre a esquerda brasileira. Essa Carta expõe os motivos da saída de 51 militantes do MST e suas
organizações correlatas, MTD, Consulta Popular e Via Campesina. Sinteticamente o documento
expressa a problemática em seu momento político e anuncia algumas questões que pretendemos
aprofundar:

É preciso considerar que vem se conformando uma ampla aliança política, consolidando um
consenso que envolve as principais centrais sindicais e partidos políticos, MST, MTD, Via
Campesina, Consulta Popular, em torno de um projeto de desenvolvimento para o Brasil,
subordinado às linhas políticas do Governo, conformando assim uma esquerda pró-capital.
(CARTA DE SAÍDA DE NOSSAS ORGANIZAÇÕES)4

3 O MST estabeleceu nos últimos anos algumas parcerias com grandes empresas multinacionais, inclusive do setor do
agronegócio. Sobre essas parcerias ver principalmente o artigo: MST S/A do Coletivo Passa Palavra, disponível em
www.passapalavra.info
4 Disponível em: http://passapalavra.info/2011/11/48866
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Ressaltamos que essa reflexão e o processo político, tanto anterior quanto posterior à saída
desses militantes de suas organizações, é um marco para o desenvolvimento dessa pesquisa.
Contudo, os rumos que ela vem tomando e nos quais se desenvolverá são de total autoria e
responsabilidade nossa, não implicando as posições e opiniões destes militantes.
É inegável que o MST contribuiu direta ou indiretamente para o que melhor se produziu
como alternativa às organizações tradicionais de esquerda (partidos e sindicatos), principalmente
com relação à experiência organizativa e à prática política em defesa dos trabalhadores. É prática
corriqueira que as maiores organizações de esquerda latino-americanas projetem no MST a imagem
de um movimento radical e organizador exímio das massas em luta por Reforma Agrária. Vale
ressaltar também que a atuação do MST se estendeu para além do meio rural, se consolidando como
experiência exemplar de um grande movimento social de massas. Sua influência está presente em
organizações populares rurais e urbanas as mais diversas, e mesmo em práticas de partidos políticos
e sindicatos combativos.
Condições adversas permeiam o contexto social e político vivenciado pelas esquerdas de
todo o mundo, devido, pensamos, a dois elementos centrais. Primeiramente podemos apontar a crise
dos projetos modernizadores, incluídas aí as experiências do socialismo real e da modernização
conservadora na periferia. Em segundo lugar temos de modo simultâneo e correlato o processo de
consolidação da crise estrutural do capital e a consequente resposta ensaiada pelo sistema em prol
da tentativa de manutenção da acumulação de capital, a implementação do arcabouço neoliberal.
Esse quadro geral aterrorizante para as organizações de esquerda, senão para a humanidade, tornaram
quase um pecado a elaboração da crítica aberta a uma organização que prestou contribuições
inestimáveis às lutas sociais em um passado recente. O sentimento de desrespeito herético que
acomete militantes e pesquisadores sobre o tema tem se tornado uma sombra fantasmagórica que
nada contribui para além da mera reprodução de um passado que se encontra hoje em franca
decadência.
O que ocorreu com o MST não difere muito da trajetória de outros movimentos populares e
partidos de esquerda em todo mundo que, durante o século XX, se colocaram em algum momento de
sua trajetória contra a ordem social capitalista passando, nos anos 2000, ao amoldamento e mesmo à
apologia a essa mesma ordem.
Deparamos constantemente com o questionamento em relação a essa suposta radicalidade
histórica do MST. Não seria este um movimento geneticamente reformista, o que estaria mais do que
expresso em sua principal bandeira de luta, a Reforma Agrária? Não seria, portanto, “pedir demais” à
organização que esta não se amolde à ordem do capital ao realizar, ainda que parcialmente, sua
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demanda econômica?
A dinâmica histórica entre reforma e revolução na esquerda brasileira apresenta
delineamentos muito mais complexos e contraditórios do que a leitura de que o MST sempre foi e
sempre será reformista. Desde suas origens havia no movimento e nas formulações teóricas da
esquerda brasileira uma compreensão articulada da relação reforma/revolução: a reforma seria um
momento de acúmulo de forças para potencialmente se reverter em processo revolucionário. Isto está
bem amarrado no Programa Democrático e Popular (PDP), que exporemos mais adiante nesse
projeto de pesquisa. Ao articular-se a esse projeto estratégico (diga-se de passagem capitaneado pelo
PT), as formas de luta do MST foram marcadas por duros enfrentamentos com setores do capital e do
Estado, fruto de seu principal método de luta, a ocupação de terras. A enorme repressão contra
movimento e a necessidade de se desenvolver um radicalismo que ia além da luta reformista teve
como uma de suas expressões mais marcantes a incursão do MST nas periferias urbanas do estado de
São Paulo em fins da década de 1990, o que acabou por dar origem ao MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto). Compreendemos esse processo, articulado ao posterior projeto das
Comunas da Terra, como um dos momentos dessa radicalidade. Esta é, contudo, uma trajetória
interrompida, uma “potencialidade perdida” que foi derrotada como projeto no interior do próprio
MST, o qual hoje reforça sua re-limitação ao espaço rural e à figura mítica do camponês. Este é um
momento essencial da pesquisa: resgatar essa memória histórica como experiências de
radicalidade sui generis que tem muito a ensinar, ainda que morta e sepultada pela contingência
histórica.
Consideramos que é justamente devido à concretude desse passado histórico recente do
MST, marcado por uma radicalidade que potencialmente ultrapassava os limites do direito burguês
típicos de uma luta por reformas, que este movimento cristalizou-se como uma forma fetichizada de
luta social no imaginário da esquerda.
Nesta pesquisa nosso objetivo não é promover qualquer forma de denuncismo ou “caça” aos
responsáveis pelo processo que essa organização tem expressado, mas compreender as
determinações estruturais de uma totalidade em movimento dentro de um processo histórico
decorrido nas últimas três décadas. Poderíamos também aplicar ao MST essas afirmações de
Menegat:

Dito em outros termos, é muito simplificador pensar que o PT e a CUT se tornaram estes
esteios de uma ordem social horrorosa apenas por motivações morais. Só existiria traição de
uma causa onde as condições para a sua realização continuassem operando. Nas primeiras
eleições diretas para presidente da república, em 1989, tanto a intenção de reatar o fio da
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meada com o pré-1964, como o programa de distribuição de riqueza ficaram expostos em
suas limitações. O leitor lembrará facilmente que o colapso do leste europeu, que era uma
das experiências que inspiravam este programa, não foi produzido por um embargo
econômico e tampouco por uma invasão militar. Ele desmoronou em seus fundamentos. A
classe trabalhadora brasileira, por seu turno, já não tinha força, unidade e condições objetivas
no início dos 1990 para dar outra direção ao espírito do tempo. (MENEGAT, 2013a: 15)

É justamente esse exercício de compreensão das bases do capitalismo e da ordem social e


política que pode nos auxiliar a desvendar o que ocorreu com o MST.
Furtar-se à crítica e à busca por suas raízes mais profundas é permanecer em um imobilismo
reprodutivo que apenas reforça a ordem que necessitamos radicalmente superar. É por
reconhecermos a importância histórica crucial do MST para as lutas dos setores oprimidos e
explorados pela ordem do capital, e por nutrirmos um enorme respeito à luta dos que participaram
dessa construção histórica, que pretendemos identificar o processo social no qual tem se
transformado como organização: a adesão do MST a um projeto de desenvolvimento nacional para o
campo promovido pelo governo petista e alianças com setores do capital. Consideramos, entretanto,
que essa é a expressão contemporânea de um processo anterior em que esse movimento social está
inserido, marcado pela crise estrutural do capital, acompanhada pela crise do socialismo real, e
também a crise das alternativas críticas a esse sistema. Podemos, assim, indicar muito sucintamente o
nosso objeto de pesquisa como: o MST em tempos de crise.
Pensamos esse processo de pesquisa como um sério desafio, sinteticamente elaborado nessa
reflexão de Robert Kurz (1995):

Nunca na história da modernização – nos últimos duzentos, trezentos anos – deu-se a


situação de uma crise social mundial que erigisse um tal potencial de devastação ecológica e
alcançasse tanta destruição e abandono cultural, até a tendência na direção de uma nova
barbárie. (...) E o estranho e paradoxal é que ao mesmo tempo, nestes últimos trezentos anos,
a crítica social nunca esteve tão fortemente desarmada como hoje.

2 – Problematização do objeto e justificativa

O MST e a crise estrutural


Uma questão fundamental da qual partimos: como teria ocorrido essa contenção progressiva
de organizações sociais potencialmente anti-sistêmicas?

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Consideramos insuficiente afirmar que haveria um desvio moral das lideranças ou um
imobilismo das bases. Porém, grande parte das teses críticas mantem-se no âmbito explicativo da
cooptação. Neste sentido, podemos também questionar sobre o tipo de cooptação da qual se estaria
tratando. Seria esta uma cooptação de lideranças, isto é, uma “traição das direções”? Seria uma
cooptação da base organizada (ou mesmo desorganizada) através dos programas assistenciais como o
Bolsa Família? Seria uma cooptação dos métodos de luta, expressa no abandono da radicalização
marcada pelas ocupações, piquetes e grandes marchas e sua substituição por processos de negociação
sem pressão social de massa? Seria a cooptação do programa das organizações, antes ofensivos,
explicitando a transformação socialista como objetivo estratégico e que agora se conforma às
reformas defensivas dentro da ordem capitalista? Teria ocorrido um rebaixamento do programa, ou
seu abandono? Ou seria, por fim, uma cooptação através do financiamento estatal, sem o qual as
organizações deixariam de existir materialmente?
Ainda que se complexifique a resposta da cooptação, se vislumbrarmos a relação do PT com
as diversas organizações que compuseram sua história de lutas e agora mantêm uma estreita relação
com os governos petistas, teríamos que generalizar a “tese da cooptação” para uma enorme gama de
movimentos e instituições que atuam em setores muito distintos, partindo do sindical passando pelas
lutas por moradia, chegando a movimentos contra as opressões, como o movimento negro e o
feminista. Além, é claro, de sermos obrigados a incluir diversos outros movimentos de vários países
latino-americanos. Será que a tese da cooptação conseguiria explicar todos esses distintos casos?
As teses da cooptação em geral julgam e condenam indivíduos e agrupamentos políticos no
interior das organizações, mas pouco nos auxiliam a compreender esse processo de “domesticação
das lutas” que ocorreu não somente no Brasil, mas também em grande parte da América Latina.
Parece-nos que esse processo é parte de um todo determinado, uma determinação estrutural
proveniente das condições objetivas econômicas, políticas e ideológicas de um período específico do
sistema do capital. Ainda assim, não podemos ignorar a importância das disputas e dos processos
políticos permeados por avaliações de dirigentes e agrupamentos no interior das organizações sobre a
correlação de forças e a pressão exercida pelas bases sociais em luta. Estas avaliações
fundamentaram decisões cruciais que levaram a certo rumo das organizações da esquerda em geral.
A somatória desta trajetória das organizações políticas em seus embates internos e disputas
encarniçadas definiram as transformações de um projeto político, ou mesmo, o projeto que se
abandonou e ao qual se aderiu.
Partimos da leitura de que o MST surgiu e se desenvolveu em um contexto de crise estrutural,
crise esta que abarca tanto o âmbito econômico e as precárias formas de sociabilidade em que
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estamos inseridos, como as manifestações políticas hegemônicas e mesmo contra-hegemônicas das
últimas décadas. A maior parte das análises contemporâneas sobre o MST o situam como um
movimento que lutou contra a desigualdade social no campo e, já na década de 1990, como uma
forma de resistência ao neoliberalismo. Consideramos, contudo, que esses elementos são expressão
da necessidade dos setores do capital, acompanhados pelo arcabouço institucional e coercitivo dos
Estados Nacionais, de dar resposta à crise de produção de valor que se agrava a partir de fins da
década de 1970. Vejamos em linhas gerais o que seria essa crise estrutural e como o MST se insere
nesse processo.
Alguns autores identificam na década de 1970 um marco da expressão dos limites objetivos
do capital em manter sua incessante necessidade de expansão e acumulação como tentativa de
contra-tendência à inexorável lei da queda da taxa de lucro. Segundo Harvey (2004), essa
necessidade do capital de dar vazão ao sentido fundamental de sua existência, a produção incessante
e sempre crescente de valor, esbarrou historicamente na produção de crises de superacumulação. Nas
palavras do autor:

Essas crises são tipicamente registradas como excedentes de capital (em termos de
mercadoria, moeda e capacidade produtiva) e excedentes de força de trabalho lado a lado,
sem que haja aparentemente uma maneira de conjugá-los lucrativamente a fim de realizar
tarefas socialmente úteis. (HARVEY, 2004: 78)

Devido à necessidade de evitar essa tendência à desvalorização, o capital haveria buscado ao


longo do século XX a expansão geográfica e a reorganização socioespacial como forma de absorver
esses excedentes. O autor ressalta o papel do Estado para garantir essa empreitada, via monopólio do
uso da força e de arcabouços institucionais que contivessem e regulassem a luta de classes, bem
como através do papel de árbitro entre os interesses diversos das frações do capital. Esse processo
seria permeado de instabilidade e fluidez devido às enormes contradições entre o poder territorial do
Estado e o dinamismo dos fluxos de capital, sem mencionar as catástrofes sociais nos países
vulneráveis da antiga periferia do sistema com suas populações também vulneráveis.
Esse processo seria marcado pelas revoluções tecnológicas que promoveram o enorme
aumento de produtividade e conformaram ainda neste século uma “sociedade da abundância”.
Porém, nas últimas décadas o sistema estaria face a face com seus limites estruturais que parecem ser
progressivamente agravados. A revolução tecno-científica da década de 1970 e os limites de
exploração da mais valia absoluta nos países periféricos teriam promovido uma das expressões
fundamentais desse processo: a expulsão permanente e galopante da força de trabalho do
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processo produtivo. A análises de Marx (2011) deixaram claro que a força de trabalho é a única
fonte real de valor, sendo este definido como tempo de trabalho socialmente produzido e cristalizado
na forma mercadoria. No entanto, o sistema capitalista demonstra ser caracterizado por uma
autocontradição, pois a tendência ao aumento da composição orgânica do capital significa que
justamente o único elemento capaz de garantir o funcionamento do sistema, a valorização incessante
de valor, ou seja, o trabalho, passou a ser tendencialmente expulso de seu centro, sendo
funcionalmente anulado enquanto trabalho produtor de valor capitalisticamente explorável.
O que se convencionou denominar reestruturação produtiva, isto é, a lean production,
marcada pela robotização e pela microeletrônica, teria promovido uma eliminação de etapas do
processo produtivo. Na busca do capital para sua própria sobrevivência, o sistema passa a criar seus
próprios limites intransponíveis. A consequência desse processo é uma enorme crise social e
ecológica, que István Mészáros denominou de falha sociometabólica do capital e que para ele se
expressa essencialmente na sua tendência destrutiva, marcada por um caráter insuperável e, portanto,
estrutural. No capítulo 5, da obra Para Além do Capital, Mészáros (2011) indica quatro momentos de
expressão dessa crise estrutural intransponível: a contradição entre o Estado nacional e as empresas
transnacionais, impossibilitando qualquer garantia de interesses nacionais ou sociais via intervenção
estatal; a catástrofe ecológica como consequência da produção destrutiva; a impossibilidade de
integração das mulheres e do estabelecimento de uma igualdade “substantiva” e não meramente
formal; e o desemprego estrutural decorrente da expulsão da força de trabalho do processo produtivo.
Em relação a esse último elemento o autor afirma a inevitabilidade de mesmo a ciência tradicional
reconhecer o desemprego como um fenômeno estrutural: “Sob tais circunstâncias, quando uma
porção cada vez maior do trabalho vivo se torna força de trabalho supérflua do ponto de vista do
capital, a ‘ciência econômica’ apologética subitamente descobre que a destituição do trabalho é um
problema estrutural, e começa a falar de desemprego estrutural.” (MÉSZÁROS, 2011) Ainda que
possamos afirmar que o capitalismo tenha sido sempre um sistema intrinsecamente destrutivo, não
podemos descartar sua faceta “potencialmente” civilizatória. O caráter estrutural da crise é
justamente o apontamento do esgotamento de qualquer forma de desenvolvimento e progresso
que possua um caráter civilizador. O elemento mais trabalhado pelos autores em questão é o
quarto elemento apontado por Mészáros, o desemprego estrutural, já que este é justamente o
momento destrutivo da força de trabalho.
Retomaremos o tema do desemprego estrutural em uma das hipóteses interpretativas do MST,
elaborada por Marildo Menegat, que identifica nesse processo a gênese da base social que comporia
a organização. Mas arriscamos a ainda aqui inferir alguns apontamentos sobre a relação entre esse
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processo mundial tão complexo, a crise estrutural, e o surgimento e consolidação de um movimento
de luta pela terra no Brasil.
Compreendemos que a busca das instâncias do capital por saídas à crise estrutural produziu
contradições sociais graves, que acabaram por criar a necessidade de respostas organizativas a esse
processo. O MST seria uma dessas tentativas de resposta à ordem social destrutiva.
A nosso ver a fase neoliberal seria um conjunto de mecanismos econômicos e políticos que
buscam garantir o investimento de capital para produção de valor. David Harvey desenvolve
elementos que complexificam a leitura do momento neoliberal para além de um processo de
financeirização e, portanto, ficcionalização do valor, relacionando-o com medidas concretas de
produção de valor, o que denominou “acumulação por espoliação”. Esta seria uma “acumulação
primitiva em processo”, que sempre estaria presente na história da civilização capitalista, mas que, a
partir da década de 1970, teria se tornado sua tônica, como tentativa de saída da crise. Poderíamos
explicá-la como um processo de despossessão contínuo via: privatizações de serviços públicos e
indústrias nacionais; pilhagem, privatização e destruição de recursos naturais; mercantilização de
formas culturais e históricas; biopirataria e pilhagem de recursos genéticos; etc. Segundo Harvey
(2004:124): “O que a acumulação por espoliação faz é liberar um conjunto de ativos (incluindo força
de trabalho) a custo muito baixo (e, em alguns casos, zero). O capital sobreacumulado pode apossar-
se desses ativos e dar-lhes imediatamente um uso lucrativo.” E, a essa liberação de ativos, se
conectariam o capital financeiro e as instituições de crédito com o apoio crucial dos poderes de
Estado.
Aqui podemos situar o caso do campo brasileiro. A terra como bem natural espoliado teve um
papel central desde o período de “desenvolvimento” nacional marcado pela modernização
conservadora do campo. Esta levou à expulsão de enormes massas de trabalhadores rurais nas
décadas de 1970 e 1980 até os dias atuais, em que observamos uma economia rural altamente
industrializada e mecanizada, o chamado agrobusiness, que se sustenta pela exportação de
commodities e suas bolhas especulativas.
A modernização conservadora, que teve seu auge na segunda metade da década de 1970,
conformou um novo padrão de desenvolvimento rural, que promoveu mudanças significativas na
estrutura econômica do país. Foi marcada pela urbanização, pelo aumento do comércio exterior
agrícola, pela mudança na base técnica da produção rural e pela consolidação de um sistema de
crédito nacional rural (SCNR) (DELGADO, 1985). É a busca interminável do capital por espaços de
produção de valor que promoveu, ao longo dessa década, o desenvolvimento e consolidação dos
“complexos agroindustriais” (CAIs). Estes seriam cadeias produtivas completamente integradas, que
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incluem a maquinaria e os insumos produzidos para a realização da produção agrícola propriamente
dita, bem como toda a estrutura de beneficiamento e escoamento da produção. Os CAIs são a marca
de uma mudança na base técnica da produção agrícola, que passa a depender cada vez menos dos
insumos naturais, devido à relativa autonomia produzida pelos bens de produção industriais.

O movimento de diversificação do capital e sua estratégia específica de integração de


capitais no campo persegue em última instância, a valorização dos capitais individuais em
busca das margens diferenciais de lucro por um lado e dos ganhos de fundador e outras
rendas especulativas oriundas da operação do mercado de terras, por outro. (DELGADO,
1985:13)

Podemos dizer que foi a nossa “revolução verde”, realizada por um “novo” bloco de
interesses no mundo rural, em relação às décadas anteriores, formado pela “integração de capitais”,
reunindo o grande capital industrial, os grandes e médios proprietários rurais e o Estado, sendo este
um importante captador de recursos financeiros internacionais.
Segundo Francisco de Oliveira (1989:118) o capital estrangeiro e o Estado seriam as duas
novas forças que mudam a qualidade desse processo. O capital estrangeiro viabilizaria a tecnologia
em processos, máquinas e equipamentos, o que teria potencializado a exploração do trabalho e a
acumulação via aumento da produtividade. Já o Estado promoveria o investimento no setor
produtivo, realizando certas tarefas da acumulação que seriam inviabilizadas na economia brasileira
pela contradição “burguesia nacional versus imperialismo”.
Nesse período vivenciaríamos transformações profundas na divisão social do trabalho entre
cidade e campo: o país estava se urbanizando e haveria um processo de criação de um proletariado
propriamente dito, além da formação de novas classes trabalhadores urbanas, em sua maioria
atuantes no setor dos serviços (portanto “não-operárias”), e uma transformação (ainda que com
menos força e intensidade) do campo. Seria formado um “quase-camponês”, um trabalhador rural
marcado por relações capitalistas, mas ainda habitando os meandros do latifúndio que
progressivamente se moderniza. Nas palavras de Oliveira (1989:118): “Neste tem-se um processo
menos marcado, menos visível e que, em certa forma e ainda por muito tempo, iria manter, como
manteve, uma larga indiferenciação social, em que coexistiam quase-camponeses e pequenos
produtores de mercadorias, coabitando no coração do latifúndio.”
À medida que esse processo se desenvolve e se intensifica, segundo José Graziano da Silva
(1981), a agricultura se tornaria cada vez mais um ramo particular da indústria e, a partir de
inovações mecânicas, químicas e biológicas, o capital passaria a superar cada vez mais as barreiras
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naturais antes “intransponíveis” e reproduzir a natureza “à sua imagem e semelhança”. Sintetiza o
autor:

Assim, se faltar chuva, irriga-se; se não houver solos suficientemente férteis, aduba-se; se
ocorrerem pragas e doenças, responde-se com defensivos químicos ou biológicos; e se
houver ameaças de inundação, estarão previstas formas de drenagem. A produção
agropecuária deixa, assim, de ser uma esperança ao sabor das forças da Natureza para se
converter numa certeza sob o comando do capital. (SILVA, 1981:44)

Dessa forma, a inicial separação entre cidade e campo, promovida pelo processo de
industrialização, seria cada vez mais convertida em um processo de reunificação, na medida em que
a técnica produtiva industrial passa a atuar amplamente no processo de produção rural e as relações
entre esses setores progressivamente desaparecem. Arriscamos identificar esse processo como a
terceira revolução técnico-científica do meio rural. Isso se expressaria bem a partir do próprio
funcionamento do Complexo Agroindustrial:

A separação da cidade/campo só se dá por inteiro quando a indústria se muda para a cidade;


a reunificação, quando o próprio campo se converte numa fábrica. Quando isto ocorre, a
agricultura, entendida como um ‘setor autônomo’, desaparece; ou melhor, converte-se num
ramo da própria indústria, para usar a expressão de Marx. De um lado ela recebe matérias-
primas de certas indústrias, como as de fertilizantes, defensivos, máquinas, sementes e
mudas selecionadas, isto é, ‘fabricadas’; de outro fornece insumos a outras indústrias, como
as de tecidos, de alimentos processados, de calçados, etc. (idem: 43)

Dessa forma, cada vez mais se torna fluída a fronteira entre o urbano e o rural. Isso se
expressaria devido à utilização no meio rural dos métodos de produção capitalistas altamente
elaborados tecnicamente e da integração entre indústria e agricultura através dos CAIs, mas também
devido à conformação de um mercado de trabalho que serviria tanto ao meio rural quanto ao urbano.
Nas palavras de Silva (1981:4): “Esse processo de industrialização na agricultura leva à formação de
um mercado de trabalho urbano-rural, ou seja, na formação de um exército industrial de reserva, do
qual se abastecerão os capitalistas da cidade e do campo, completando assim o processo de
reunificação destes setores.”
Dentro desse quadro, os pequenos produtores ou são associados de forma subordinada ao
CAI ou sumariamente rejeitados, o que se expressou inclusive em um acelerado ritmo de declínio do
emprego rural. A expulsão permanente das populações rurais, que se dirigiram às periferias dos
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centros urbanos em uma busca de sua reprodução social inviabilizada pelas necessidades do capital,
é um marco fundamental para pensarmos a constituição do MST e o sentido de sua luta por Reforma
Agrária. Podemos questionar a relação entre essa população espoliada e marcada pelo desemprego
estrutural e as bases sociais do MST, no sentido da relevância de pensarmos as consequências de
uma determinada composição social para os rumos do movimento. Somamos a esses
questionamentos a problemática do porque seria, na década de 1980, ainda possível reivindicar uma
Reforma Agrária caracterizada pela distribuição de terras, que na década de 2000 é substituída pela
demanda por políticas públicas de inserção dos assentamentos no mercado. Quais seriam as
transformações contemporâneas do capital no campo brasileiro e qual sua relação com a
transformação do MST?
Bernardo Mançano Fernandes, sintetiza essa trajetória na seguinte passagem:

Nas últimas quatro décadas, a questão agrária teve diferentes conjunturas. Na década de
1970, a intensificação da expansão das monoculturas e a ampliação da agroindústria,
acompanhada da quase extinção dos movimentos camponeses pela repressão da ditadura
militar, marcou uma das maiores crises da resistência do campesinato. Com a
redemocratização do país na década de 1980, ocorreu a consolidação do modelo
agroexportador e agroindustrial simultaneamente ao processo de territorialização da luta pela
terra, com o aumento das ocupações de terras e da luta pela reforma agrária.
Na década de 1990, ocorreu a multiplicação dos movimentos camponeses em luta pela terra,
ampliando a conflitualidade e a criação de assentamentos rurais, tendo o MST à frente desse
processo, como demonstraremos neste artigo. Nesta década, corporações nacionais e
transnacionais ampliam o modelo agroexportador em um amplo conjunto de sistemas que
passou a ser denominado de agronegócio. Esse conjunto reúne, de formas diferenciadas, os
sistemas agrícolas, pecuário, industrial, mercantil, financeiro, tecnológico, científico e
ideológico. (FERNANDES, 2008: 74-75)

A análise da consolidação do agronegócio e suas consequências para os movimentos sociais


do campo brasileiro é um ponto que ainda necessitamos desenvolver nessa pesquisa. Porém, está
claro que este complexo de corporações multinacionais tem se conformado aparentemente como o
principal obstáculo à luta dos trabalhadores rurais. Os altos níveis de produtividade, a ocupação da
maior parte das terras agricultáveis, a utilização de técnicas muito complexas de produção com
baixíssima utilização de mão de obra e a integração da agropecuária ao complexo agroindustrial
internacional via mercado de commodities criam um quadro que inviabiliza a realização de uma

14
reforma agrária que produziria a distribuição de terras e o fortalecimento da “agricultura familiar
camponesa”.
O peso do agronegócio na economia brasileira é muito significativo, o que é apontado por
Gomez & Barreira (2014:142) em referência ao artigo de Rodrigues (2013) publicado na Folha de S.
Paulo: “Os números apresentados por seus defensores apontam que, em 2012, o agronegócio foi
responsável por 23% do PIB e 37% dos empregos (considerando não apenas o trabalho no campo,
mas também a indústria e comércio ligados ao setor) gerados no Brasil.” Segundo os autores, os altos
níveis tecnológicos e a escala dos grandes exportadores de commodities não poderiam ser
reproduzidos fora do modelo das grandes propriedades. Contudo, apesar de ter sido o grande modelo
sustentador da economia brasileira, este setor geraria uma quantidade ínfima de empregos e dos
alimentos consumidos no país, estando estes ancorados ainda na pequena produção familiar.
Vale ressaltar também o caráter destrutivo dessa forma de exploração do campo,
característico dos tempos de crise estrutural, segundo Gomez (2010): a destruição das “próprias
condições ecológicas e materiais para a existência humana”. O autor chama a atenção sobre os
riscos desse domínio irrefreável da natureza em busca do lucro, que nos deixaria cada vez mais a
mercê da produção uma “sociedade pós-natural”, sob os auspícios da valorização do valor:

Para o capital e para o seu sistema tecnológico a natureza mesma se converteu num
problema. É visto como problemático tudo o que há nela de aleatório, de não planejado, de
não-racionalizado, de caótico e de imprevisível. (...) A supressão da natureza tem um claro
objetivo econômico: criar um monopólio das riquezas da Terra. Todos os bens – mesmo
aqueles que eram outrora fornecidos pela natureza – devem ser transformados em objeto de
comércio. No limite, ele quer se tornar o senhor absoluto sobre a vida e a morte de todas as
pessoas. (GOMEZ, 2010: 94)

Um exemplo levantado pelo autor está relacionado com as transformações biológicas já


mencionadas. No caso, a questão da engenharia genética, manipulada amplamente pelo
conglomerado agroindustrial Monsanto, como nos esclarece Gomez:

Que as referidas tecnologias não visam melhorar a vida das pessoas revela-se de forma muito
límpida em algumas das criações da biotecnologia capitalista. Um deles é fornecido pela
empresa Monsanto. Essa empresa criou plantas geneticamente desenvolvidas resistentes ao
seu próprio herbicida (Roundaup) apenas para fazer uma venda casada ao agricultor. Outro
exemplo ainda mais grave são as sementes Terminator: as sementes estéreis, incapazes de
germinar após a colheita. Assim, se o agricultor quiser plantar, ele terá de comprar

15
eternamente a semente produzida pelas corporações. Trata-se aqui de uma estratégia perversa
de destruir a produtividade inerente da natureza para conferir o monopólio dessa capacidade
ao capital. A introdução da tecnologia da engenharia genética mostra até aonde tem chegado
o processo de conversão dos potenciais produtivos em forças destrutivas: ele atinge agora até
mesmo a produção de alimentos. Muito do que se consome no planeta inteiro pode não ser
nada mais do que veneno. Talvez uma das maiores armas de destruição em massa jamais
criada pelos seres humanos. (idem:97)

Portanto, é necessário pensar qual a condição do trabalhador rural e do pequeno produtor em


meio a esse tipo de produção antes impensável, característica do capitalismo em tempos de crise
estrutural: utiliza pouquíssima mão de obra, é altamente tecnificada e produz um irreversível
rastro de destruição ambiental e humana.
Aqui apresentamos um primeiro ponto nodal em relação às determinações estruturais que
compõe a trajetória do MST: o desenvolvimento do capital no campo brasileiro em tempos de crise
estrutural. Até esse momento de nossa reflexão, identificamos outros dois elementos estruturantes
dessa trajetória: as transformações da composição social do movimento e as transformações no
âmbito da política, marcadas pela chegada do PT ao planalto.
Apresentamos a seguir, nas próximas duas subseções, um aprofundamento desses elementos
de ponto de chegada contemporâneo dessa trajetória histórica: o projeto neodesenvolvimentista do
Partido dos Trabalhadores e as formas como o MST tem concretamente participado desse projeto. O
objetivo dessas sessões é também apresentar de forma mais bem delineada quais seriam essas
transformações objetivas do MST.5

O MST e o neodesenvolvimentismo petista


Gradualmente se descortinou ao longo dos anos 2000, com a chegada dessa esquerda
histórica ao poder institucional, um penoso cenário em que os movimentos sociais e políticos
aderiram ao supostamente “novo” projeto de desenvolvimento nacional e, assim, garantiram a
continuidade de sua própria existência. Essa busca se expressa concretamente nas formas em que as
principais organizações da esquerda brasileira desses últimos trinta anos tem dialogado com esses
governos em busca de recursos econômicos, políticos e sociais. Consideramos fundamental
identificar como se deu e ainda está se dando esse processo no caso da relação entre o MST e o

5
Ressaltamos aqui que há uma determinação que pouco exploramos e que necessita ser melhor compreendida ao longo
da pesquisa: a crise do socialismo real. Este processo histórico é de enorme relevância para a história da esquerda e
compreendê-lo a fundo é essencial, pensando no que significou tanto em termos de crise do projeto revolucionário, o que
levou a diversas saídas reformistas, quanto em relação com a dinâmica também em crise do capitalismo mundial.

16
projeto de desenvolvimento nacional para o campo que se busca instaurar via governo federal petista.
Vejamos primeiramente alguns elementos históricos sobre a relação entre o MST, o PT e a
luta por reforma agrária.
O Partido dos Trabalhadores surgiu no início da década de 1980 como expressão autêntica
das lutas da classe trabalhadora estando intimamente relacionado à luta sindical que deu origem à
Central Única dos Trabalhadores (CUT) e à luta pela terra que originou o MST. Essas três
organizações emergiram e se consolidaram em torno de um projeto político elaborado nos marcos da
luta pelo fim do regime ditatorial e pela redemocratização do país. Portanto, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra possui uma história atrelada diretamente ao surgimento do Partido
dos Trabalhadores.
MST e PT em conjunto com outras forças sociais progressistas como a CUT e a CPT
(Comissão Pastoral da Terra) defenderam durante o Governo Sarney a elaboração do I Plano
Nacional de Reforma Agrária (I PNRA), que sofreu diversas limitações devido à disputa com as
forças conservadoras, e nunca foi de fato implementado como programa de governo. Gonçalves
(2006:185) afirma que: “Os assentamentos do primeiro período do PNRA foram implantados nas
áreas de extensão agrícola, de colonização ou, majoritariamente, nas áreas de tensões fundiárias
transformando-os, desde o seu nascedouro, em uma medida de atenuação de conflitos sociais.”
A relação entre PT, MST e CUT se estendeu ao longo das décadas e pode-se até mesmo
afirmar que “a história das organizações se confundem”. Silva (2012) identifica a composição da
foto de encerramento do 3° Encontro Nacional do MST realizado em Piracicaba em 1987 na qual a
bandeira do movimento está ladeada pelas bandeiras da CUT e do PT. Segundo Engelmann &
Duran (2012), a defesa da Reforma Agrária foi retomada pelo PT após a ditadura militar e perpassou
as campanhas presidenciais de 1989 a 2002. No programa eleitoral de 1989 a Reforma Agrária foi
considerada fundamental para eliminar a concentração da riqueza e promover o desenvolvimento da
agricultura e da economia.
Notamos que, ao longo da década de 1990, houve um relativo afastamento do MST em
relação ao PT. O partido, e mesmo sua correlata central sindical, a CUT, iniciaram um processo de
institucionalização que o MST vivenciou apenas uma década mais tarde. No caso do PT, isso se
expressou no foco na via eleitoral, já no caso do movimento sindical podemos observar esse processo
a partir da formação das câmaras setoriais tripartites. (TUMOLO, 2004) Diferentemente dessas
organizações, durante esse período, o MST vivenciou uma radicalização na luta pela terra devido, em
grande medida, à política conservadora e repressora dos governos FHC em relação aos conflitos
agrários. Este é um período muito importante de ser detidamente estudado: fins da década de 1990.
17
Especialmente nos anos de 1996 e 1997, além de sofrer com a coerção do governo FHC, o MST
enfrentou, em algumas regiões do Brasil, o esgotamento de sua base social estritamente camponesa.
Essas contradições geraram uma série de respostas, algumas delas extremamente radicalizadas,
dentro do MST.
A luta pela Reforma Agrária clássica, isto é, pela desapropriação e distribuição de terras, que
nesse momento se empreendia, estaria longe de se configurar como um projeto revolucionário ou
socialista para o campo. Essa bandeira histórica do MST propunha o parcelamento da terra e o fim
do latifúndio como meio de gerar justiça social enquanto possibilitaria um impulso ao
desenvolvimento do capitalismo nacional. A superação de formas arcaicas de produção, que
destravariam o sistema econômico do país, se daria através do parcelamento da terra e da
proliferação da pequena propriedade produtiva. Porém, dentro dos limites de uma proposta
reformista de desenvolvimento nacional, como veremos, surgiram possibilidades organizativas e
programáticas que apontavam para muito além deste projeto. As experiências que pretendemos
analisar estão situadas principalmente na segunda metade da década de 1990 e início dos anos 2000
no estado de São Paulo.
Nesse período, a ocupação/acampamento sofria com a repressão aberta do Estado e dos
latifundiários, o que promoveu um potencial explosivo, uma radicalidade que se colocou como
necessidade, ao se realizar um embate frontal com as forças do capital no campo. Muitos militantes
foram forjados a ferro e fogo no calor desses embates, e compuseram ao longo da história do
movimento o setor responsável pelas ocupações, a Frente de Massas. Esses embates estiveram
presentes em diversas regiões do estado de São Paulo, mas apresentaram uma forma mais conflituosa
e extremada na região do Pontal do Paranapanema6. A partir desse clima de enfrentamento
permanente, foi possível a produção de novas formas de sociabilidade nas ocupações de terra.
Nesse espaço isolado e relativamente distante das estruturas materiais (e problemas) urbanos, a
solidariedade e a busca de saídas coletivas para questões cotidianas eram cruciais para garantir a
sobrevivência dos acampados e o prosseguimento de sua luta. Esse processo em grande medida
possibilitou a formação crítica e radical de militantes que emergiram do seio da base acampada,
proporcionando processos únicos de formação política e conquista de autonomia, bem como a
experiência modelar de espaços de sociabilidade muito distintos dos modos de vida impostos pelo
sistema do capital.
Uma fração dessa militância, ao se deparar com a enorme repressão no meio rural e com a
necessidade da busca nas cidades de uma base social que aceitasse o retorno ao campo através da
6
Sobre a grilagem de terras e os conflitos desta resultantes nessa região ver: FELICIANO (2013).
18
luta pela terra, passou a defender o avanço das lutas do MST para o espaço urbano. Vale ressaltar
que temos a hipótese de que esses militantes seriam justamente aqueles que, filhos ou netos de
camponeses e assalariados rurais expulsos de suas regiões de origem, foram recrutados nas periferias
das grandes cidades. Seria, portanto, uma militância de origem urbana que possuiria certa
facilidade de reconhecer os dois sujeitos sociais em questão, o trabalhador rural sem terra e o
trabalhador urbano precarizado sobrevivendo nas periferias e favelas. Aqui está um embate que se
deu no interior do MST em torno de um dilema crucial: ou o MST se limitaria a organizar os
trabalhadores do campo por terra em uma luta estrita pela reforma agrária ou se proporia a uma luta
ampla, organizando os trabalhadores do campo e da cidade, com um objetivo estratégico de
transformação radical, talvez a própria revolução socialista. Esse processo se expressou
concretamente em algumas experiências: ocupações rurais de base social urbana como a Nova
Canudos em 19997, ocupações urbanas realizadas pelo movimento no fim da década de 1990
(Campinas8, Guarulhos, Osasco, Rio de Janeiro) que deram origem ao MTST9; as Comunas da
Terra10 (Ribeirão Preto, Campinas, Grande São Paulo, Vale do Paraíba) e a Comuna Urbana (Jandira
- Grande São Paulo). Esse “projeto urbano” do MST foi progressivamente abandonado pela
organização e se tornou, ao longo dos anos 2000, uma proposta derrotada em seu interior. Alguns
dos militantes que empreenderam essas experiências, até certo ponto com a conivência da direção
nacional, foram “enquadrados” às linhas “camponesas” do MST.
Também nesse período vale ressaltar que o afastamento do movimento, ainda que nunca
tenha havido um rompimento, da direção política do Partido dos Trabalhadores, possibilitou
elaborações no interior do MST que apontavam para além dos limites de um movimento social
pontual, que trava uma luta econômica e que tende a desaparecer na medida em que sua
reivindicação é atendida pelo Estado. Foi um processo de elaboração de linhas político-ideológicas,
que avançaria para além do tradicional dualismo presente na relação partidária-sindical entre
luta política e luta econômica. Soma-se aqui também uma reflexão sobre os limites da luta
institucional e de sua dependência do Estado burguês para realizar suas conquistas. A necessidade de
se tensionar as estruturas estatais, mas garantir uma permanente autonomia da organização
desembocaria no debate sobre a constituição de um poder paralelo, o “poder popular”. Essas
questões se expressaram no momento em que se iniciaram os debates internos ao movimento sobre a
criação de um instrumento político próprio do MST, a Consulta Popular. Nesse embate de ideias

7
Sobre a ocupação Nova Canudos ver: BUZETTO, 1999.
8
Sobre as ocupações urbanas em Campinas ver: CARVALHO, 2003.
9
Sobre as ocupações urbanas realizadas pelo MST e o surgimento do MTST ver: GOULART, 2011.
10
Sobre as Comunas da Terra ver: GOLDFARB, 2006.
19
aparentemente profícuas acabou se sobrepondo um grupo que impôs uma linha subserviente à
política petista e extremamente subordinada aos limites reformistas impostos pela direção nacional.
O momento de imposição dessa linha se expressaria a partir do lançamento do livro “A opção
brasileira” de Cesar Benjamin.
Aqui enumeramos, portanto, algumas das potencialidades perdidas do MST, isto é, algumas
possibilidades organizativas e programáticas que iriam além dos limites em que o MST se
conformou. Voltaremos a essa questão ao fim deste projeto, pois consideramos que é um campo que
necessita ser explorado nessa pesquisa. Por ora, sigamos o processo histórico de caracterização dos
rumos do MST.
Como vimos, apesar desta trajetória distinta durante a década de 1990, o MST nunca se opôs
oficial e diretamente à política de institucionalização petista ou cutista. Arriscamos apontar que o
principal motivo desta postura é identificado por Silva (2012), nos Cadernos de Formação do MST
de 1998, em que se mantém explicitamente a crença na eleição de Lula como meio para realizar a
Reforma Agrária. Neste texto, o movimento aponta que a desconcentração fundiária se realizaria
através de dois elementos combinados: um amplo movimento popular organizado e a ação do Estado
Democrático e Popular. Essa concepção ficou conhecida como a estratégia da “pinça”, em que as
transformações estruturais se dariam através da combinação entre esses dois braços, a luta
institucional e a luta de massas como forma de pressão social. (IASI, 2006) Nesse caso, o governo
federal petista cumpriria a primeira função, enquanto o MST realizaria a segunda.
Muitas são as mudanças entre o programa agrário de 1989 e o de 2002, o que se torna ainda
mais complexo no início do segundo mandato de Lula, em 2007. Contudo, a eleição de Lula e a
formulação do II Plano Nacional de Reforma Agrária estimularam, no início dos anos 2000, a noção
de que esse seria um governo em disputa, e que, portanto, não poderia ser tratado como inimigo.

A luta pela Reforma Agrária e as Tarefas do MST, apresentado no XII Encontro Nacional do
MST, realizado entre 19 a 24 de janeiro de 2004, em São Miguel do Iguaçu-PR, estava a
seguinte recomendação: Devemos ter o cuidado de não tratar o governo federal como se
fosse inimigo. Nossa avaliação é de que é um governo em disputa, que tem um compromisso
histórico com a reforma agrária e por tanto (sic) devemos pressioná-lo para que acelere a
reforma agrária. Nisso, o Plano Nacional de Reforma Agrária jogará um papel importante
para unificar o governo também. Isso significa que vamos criticá-lo quando erra, mas que
vamos apoiar em tudo o que fortalecer avanços para a reforma agrária (SILVA, 2012: 6)

20
O que contraditoriamente vemos nos anos subsequentes é o abandono do II PNRA, que tinha
como meta o assentamento de um milhão de famílias. Ariovaldo Umbelino, professor de geografia
da USP e um dos formuladores do II PNRA afirma no artigo, com o título “Lula dá adeus à Reforma
Agrária”, publicado no site do MST em dezembro de 2008:

Mas, a primeira e principal conclusão que se pode tirar do balanço do II PNRA, é apenas e
tão somente uma: o governo Lula do Partido dos Trabalhadores também não fez a reforma
agrária. Afinal esperava-se que Lula cumprisse sua histórica promessa de fazer a reforma
agrária, a pergunta então deve ser: porque também seu governo não faz a reforma agrária? E,
a resposta também é uma só: seu governo decidiu apoiar totalmente o agronegócio.

Esta denúncia de Umbelino foi reiteradamente manifesta por intelectuais, militantes e


apoiadores ligados ao MST. Essa situação foi marcada por aparentes contradições, pois o movimento
ao mesmo tempo em que critica o governo, mantem o apoio nas campanhas eleitorais e, estabelece
relações ainda mais estreitas, em diversos âmbitos do governo petista. Contudo, para
compreendermos essas questões é necessário compreender em qual quadro essas opções políticas
foram tomadas, isto é, quais as condições em curso para se realizar uma reforma agrária clássica e
qual a estrutura econômica em dinâmica transformação no campo brasileiro. Neste momento do texto
nos mantemos no âmbito da política e, portanto, ainda relativamente no campo das aparências, que
contém em si também importantes aspectos sobre as grandes contradições em questão.
As políticas agrárias dos governos Lula e Dilma se concentram em precários projetos de
produção/distribuição, somados a programas de assistência social para o campo. Estes seriam
realizados em detrimento de uma política ampliada de reforma agrária, isto é, foi praticamente
abandonada a possibilidade de realização de novos assentamentos e se conformou uma postura de
conivência ou impotência do INCRA face ao agronegócio. Ariovaldo Umbelino afirma
explicitamente: “Surge, assim, um novo tipo de lógica entre o governo do PT e os movimentos
sociais e sindicais: um finge que faz a reforma agrária, os outros fingem que acreditam.” Eliel
Machado (2009) afirma que a política agrária do governo Lula seria marcada pela redução de
assentamentos, o não alcance das metas do II PNRA e o benefício direto ao agronegócio, em especial
ao setor sucroalcooleiro. Essa constatação é também apontada por Engelmann & Duran (2012) ao
compararem os programas agrários de 1989 e 2002 :

Ao compararmos os dois Programas Agrários do PT percebemos algumas diferenças


estruturais. Enquanto em 1989, o objetivo central era enfrentar a concentração fundiária no

21
país, a partir da desapropriação de latifúndios e uma política estrutural de desenvolvimento
capitalista para o campo e a indústria. Passados 13 anos, em 2002, a reforma agrária passa a
categoria de plano de desenvolvimento rural de combate à pobreza, mediante a
desapropriação de latifúndios improdutivos ou áreas ilegais (griladas ou com trabalho
escravo). Nesse cenário, a proposta de reforma agrária do PT substitui a democratização
fundiária, de enfrentamento ao latifúndio, por um programa de criação de assentamentos,
restrito a áreas improdutivas ou ilegais e a reestruturação de assentamentos antigos.

Essa situação levaria inicialmente a uma pressão do MST com aumento das ocupações em
42% em 2003, mas que seria seguida de uma caída drástica em 2005 pelo temor de que a pressão
social desgastasse o governo Lula, e Alckmin vencesse as eleições de 2006. (GONÇALVES,
2006:188)
Como poderíamos explicar, portanto, o imobilismo e a agoniante submissão deste que ainda é
considerado o maior e mais significativo movimento social da América Latina ao governo petista que
após uma década no poder não realiza a principal bandeira do movimento, a reforma agrária?
Podemos identificar com alguma facilidade a relação partidária-eleitoral entre MST e PT que
nos saltaria aos olhos como explicação aparente. Em todas as eleições presidenciais e mesmo
municipais até hoje realizadas o MST manifestou seu apoio ao PT, apesar de ter enfrentado críticas
externas e internas que atestavam a necessidade do movimento ter autonomia em relação ao governo
e aos partidos políticos. Podemos citar o apoio às duas eleições de Lula, bem como o apoio à Dilma
nas últimas eleições presidenciais expresso por João Pedro Stédile, dirigente nacional do MST, em
entrevista ao Jornal Brasil de Fato11. Além disso, há indicações de que muitos militantes do MST se
candidataram esse ano através dessa nova corrente petista às eleições, como Silva (2012) afirma em
nota em seu artigo: “Estima-se que alguns militantes do MST irão se candidatar a prefeito por esta
corrente do PT que já conta com o Valmir Assunção, deputado federal e assentado na Bahia.”
Além disso, pudemos observar a relação do MST com o processo de cisão da “Articulação de
Esquerda”, corrente petista da qual participavam alguns dirigentes nacionais do movimento. Esta
cisão levou à fundação de uma nova corrente interna ao PT, a Esquerda Popular e Socialista. O fato
curioso é que essa corrente foi inaugurada na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), principal
centro de formação do MST, localizada em Guararema/SP12. Por fim, citamos a carta de

11 José Serra é derrota para trabalhadores - entrevista de João Pedro Stédile para o Brasil de Fato. Acessado em
05/09/2012:http://www.brasildefato.com.br/node/3333.Ver Stedile: Dilma permitirá avançarmos mais em conquistas
sociais, notícia de 17/08/2010: http://www.vermelho.org.br/noticia.phpid_secao=1&id_noticia=135240
12 “Esquerda Popular e Socialista é a nova tendência nacional do PT - Nova corrente do PT foi fundada em congresso,
neste final de semana, na Escola Florestan Fernandes do MST, em Guararema.” Notícia de 6/12/2011 disponível no
site do PT- SP, acessado em 30/05/2012: http://www.pt-sp.org.br/noticia/p/?id=7816.
22
solidariedade do MST a José Genuíno e José Dirceu devido à sua condenação pelos crimes do
mensalão, comparando esse julgamento à criminalização das lutas sociais13.
Consideramos, no entanto, que essa é apenas mais uma forma de se atestar os fatos e não de
explicá-los ou problematizá-los. Para compreendermos como o MST se relaciona com essa política
governamental, é necessário que combinemos o progressivo abandono da principal forma de luta
histórica do movimento - a ocupação de terras - com os dados que apontam para a consolidação de
uma relação estreita com políticas de desenvolvimento nacional para o campo. Estas estão marcadas
pela consolidação de assentamentos com programas de financiamento à produção e distribuição de
alimentos e através da realização de novos assentamentos, o que, em ambos os casos, tem se dado
com possíveis colaborações de setores da burguesia aliada ao governo, e mesmo através de parcerias
com empresas do agronegócio.
Vale uma reflexão sobre o momento político que vivenciamos na América Latina no início os
anos 2000, que acabou por impulsionar nos anos subsequentes a elaboração dos projetos
neodesenvolvimentistas. Esse elemento político que constrange estruturalmente o MST para novos
rumos é parte de um processo político no mínimo latino-americano.
A década de 2000 foi marcada por manifestações auto-declaradas de resistência social ao
neoliberalismo na América Latina. Observamos diversas formas de sublevação popular e um rechaço
via eleições a candidatos que se apresentaram explicitamente como neoliberais. Assim emergiram os
governos “progressistas” eleitos democraticamente ao longo desta década na maior parte dos países
latino-americanos. Esses governos foram considerados por muitos intelectuais e militantes como uma
“guinada à esquerda”, e até mesmo como uma “onda vermelha” que recobria o continente. Essa
“onda” seria uma novidade no cenário político da América Latina, pois pela primeira vez na história,
forças políticas formadas historicamente no seio das esquerdas, dos movimentos indígena, popular e
sindical, participariam simultaneamente de coalizões de governo em um conjunto significativo de
países. Com alto nível de otimismo, conformou-se um clima consensual na esquerda progressista de
que estes governos seriam a resposta ao neoliberalismo e a expressão social de uma “vontade de
mudança”. Integrantes da esquerda, acadêmica e militante, indicaram que esta mudança estaria já em
curso a partir da simples eleição desses candidatos.
Nos últimos anos emergiram leituras críticas à atuação destes governos e consideravelmente
frustradas em relação às otimistas expectativas do início dos anos 2000. Progressivamente
observamos um maior ceticismo quanto à esperada descontinuidade da política econômica em

13 “Aos camaradas José Dirceu e José Genuíno” da Pagina do MST, 22/11/2013. Disponível em:
http://www.mst.org.br/node/15477
23
relação aos governos direitistas da década de 1990, somada a uma política social compensatória
precária promovida pelos supostos “governos do povo”.
Dentre os que se mantêm otimistas observamos a marca do discurso em defesa da “política do
possível”, isto é, a realização de políticas “alcançáveis” e “realizáveis” via ação pública estatal em
detrimento dos pilares históricos da esquerda revolucionária e mesmo de princípios fundamentais da
socialdemocracia radical que marcaram as lutas pela redemocratização. Esta política “responsável”
foi e ainda é apresentada por intelectuais da “esquerda moderada”, além de algumas figuras
orgânicas dos governos “progressistas”, que passaram a se definir como implementadores de um
“novo” tipo de projeto socioeconômico: o projeto neodesenvolvimentista ou novo
14
desenvolvimentista . Este combinaria o desenvolvimento econômico com uma política social
assistencialista universal que levaria, através da intervenção do Estado na economia e na “questão
social”, ao desenvolvimento do capital industrial produtivo e a uma melhoria substancial dos padrões
de vida dos trabalhadores. (CASTELO, 2011: 194) Este projeto se fundaria em uma retomada da
política econômica desenvolvimentista promulgada nos países latinoamericanos antes das ditaduras
militares e da “onda neoliberal”. Segundo Prado e Meireles:

Atualmente, esse quadro de "volta ao passado" dos ideais nacional-desenvolvimentistas se


revela tanto no plano da política como na academia. Após a ofensiva neoliberal, que varreu a
América Latina na década de 1990, e a posterior onda de contestação popular iniciada com o
século XXI, que levou ao poder governos considerados na época em um sentido amplo de
centro-esquerda, a ideia de desenvolvimento renasceu das cinzas, tanto nos discursos
políticos como nos meios acadêmicos, dando espaço a uma nova variação do
desenvolvimentismo. Passada a onda neoliberal e a ressaca promovida pela contestação
popular, a maré atual é o novo-desenvolvimentismo. (PRADO&MEIRELES, 2012: 184)

No Brasil, a “nova onda progressista” foi marcada pelos dois mandatos do Governo Lula que
se apresentaram como uma resposta às políticas neoliberais, isto é, governos que se propuseram
estabelecer uma política diferenciada dos governos anteriores. A diferença residiria em beneficiar-se
o capital industrial em detrimento do financeiro, ampliando projetos sociais e buscando a melhoria
das condições de vida do “povo brasileiro”. Segundo Fiori, a mudança do governo petista em relação
aos governos neoliberais se expressaria no segundo mandato do governo Lula no lema do
“desenvolvimentismo com inclusão social”:

14 A expressão neodesenvolvimentismo ou novo-desenvolvimentismo se difundiu e passou a ser discutida amplamente


nos espaços acadêmico e político a partir de debate iniciado por Bresser-Pereira, e se consolidou com a obra de Sicsu
et Al (Orgs.), 2005.
24
(…) suas primeiras medidas e propostas são muito claras: seu objetivo estratégico não é
construir o socialismo, é “destravar o capitalismo” brasileiro, para que ele alcance altas
taxas de crescimento capazes de criar empregos e aumentar os salários de forma sustentada,
fortalecendo a capacidade fiscal de investimento e proteção social do Estado brasileiro. Com
esse objetivo, o governo Lula está retomando o velho projeto desenvolvimentista que
remonta à década de 1930 e que só foi interrompido nos anos 90. Mas, ao mesmo tempo, está
querendo criar uma vontade política por meio de uma grande coalizão social e econômica,
que reúna as várias vertentes do desenvolvimentismo brasileiro, conservadoras e
progressistas, que estiveram separadas durante a ditadura militar. (FIORI, 2007:58)

Segundo Vera Cepêda (2012), no novo desenvolvimentismo o Estado teria função de articular
desenvolvimento econômico e desenvolvimento social, no sentido da redistribuição de renda e da
busca pela equidade social, combinando políticas de crescimento com políticas de distribuição. A
centralidade distributiva seria o principal diferencial do novo desenvolvimentismo em relação ao
desenvolvimentismo da década de 1970 e seria realizada nos governos Lula e Dilma por programas
como os PAC’s I e II (Programa de Aceleração do Crescimento), o ProUni ( Programa Universidade
para Todos), programas de combate à pobreza como o Bolsa Família e o aumento real do salário
mínimo. (BRESSER-PEREIRA, 2011)
Nossa reflexão se direciona aqui para a articulação deste projeto com os movimentos sociais
populares que se mantiveram com alto nível de combatividade até a chegada dessa esquerda histórica
ao poder. Nesse sentido, Boito Jr. (2012) nos fornece elementos sobre o que considera a única via
possível para a política da esquerda hoje: a íntima relação entre o neodesenvolvimentismo e os
movimentos populares. Afirma que o governo petista articularia uma Frente Neodesenvolvimentista
reunindo setores da burguesia interna vinculados ao capital industrial produtivo, representados
principalmente pela FIESP, setores sindicais como a CUT e a Força Sindical, e movimentos sociais
populares, em especial o MST. Ainda que o autor considere que existam divergências internas na
composição dessa frente e uma série de contradições que colocariam os movimentos popular e
sindical em uma condição de desvantagem perante os setores burgueses, para Boito Jr. esses três
polos, em momentos críticos, se uniriam formando uma blindagem em torno do governo petista com
o objetivo de garantir sua continuidade e viabilidade, opondo-se a um setor conservador e direitista
defensor das políticas neoliberais e amparado pelo capital financeiro internacional.

25
Foi assim em 2002 na eleição presidencial de Lula da Silva; em 2005, na crise política que
ficou conhecida como “Crise do Mensalão” e chegou a ameaçar a continuidade do governo
Lula; em 2006, na reeleição de Lula da Silva para a presidência da República, e novamente
em 2010 na campanha eleitoral vitoriosa de Dilma Rousseff. Em todos os momentos críticos
citados, a sobrevivência dos governos neodesenvolvimentistas esteve ameaçada e, em todos
eles, importantes associações patronais, centrais sindicais, movimentos camponeses,
movimentos populares por moradia bem como o eleitorado pobre e desorganizado apoiaram,
com manifestações dos mais variados tipos ou simplesmente com o seu voto, os governos e
as candidaturas Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ao agirem assim, tais forças sociais, mesmo
que movidas por interesses distintos, evidenciaram fazer parte de um mesmo campo político.
(BOITO JR, 2012)

Apesar de questionarmos a existência de uma burguesia interna produtiva que entre em


conflito aberto com setores de uma burguesia financeira caracteristicamente estrangeira, a tese de
Boito Jr. nos fornece elementos no que tange ao quadro de composição entre setores populares e
setores burgueses via mediação do governo petista. Esse panorama de composição de classes, como
veremos adiante, se recoloca em vários momentos como no caso das parcerias estabelecidas entre
setores burgueses e MST via intermediação estatal. Nesses casos, as forças sociais e seu potencial de
revolta são neutralizados ao se embrenharem na ilusão da possibilidade de uma recuperação do
crescimento que levaria o Brasil ao ranking do primeiro mundo, possibilitando a transferência direta
de renda através da generalização de programas de assistência social.
Esta leitura está fundada na crença de que caminhamos em uma estrada linear rumo ao
desenvolvimento e que nosso sucesso como nação nessa empreitada dependeria em grande medida
da capacidade de gestão dos governantes. Aqui está contida a ideia de que os BRICS seriam as novas
potências emergentes das periferias do sistema, a promessa de que nos realizaríamos como o “País
do Futuro”. Temos, portanto, a adesão a um projeto político que passa a se apresentar como
alternativa aos falidos projetos anteriores. Esse processo gera um constrangimento político, em que o
MST é colocado no “canto do ringue”, como afirmou um de seus dirigentes nacionais em entrevista
recente. Sua principal bandeira histórica torna-se inviável devido a uma série de fatores históricos
que estão para além de seu controle como organização, ao mesmo tempo em que se apresenta um
projeto governamental da esquerda progressista em que seria possível realizar parte de suas
demandas, nesse caso, voltada aos assentamentos. Conforma-se aí uma determinação política que
devemos compreender em sua totalidade, sem simplesmente acusar os dirigentes do MST de terem
abandonado sua bandeira de luta fundadora, a reforma agrária, ou mesmo sua principal tática de luta,
a ocupação de terras. Soma-se a isso a crença histórica da esquerda brasileira em projetos de

26
desenvolvimento nacional.
Paulo Arantes (2004) no artigo “Fratura Brasileira do Mundo” parte da constatação desse
imaginário contrapondo-o ao que identifica nas últimas décadas como um processo mundial de
formação de “periferias” nas grandes cidades do centro do capitalismo mundial, enquanto se
desenvolvem importantes elementos do capitalismo desenvolvido nos “antigos” países periféricos.
Ocorreria então um desaburguesamento da classe média e uma reproletarização da antiga classe
operária industrial, “enterrando o mito embourgeoisement das camadas trabalhadoras no capitalismo
organizado ao longo do pós-guerra” (ARANTES, 2004:33)
Teríamos mundialmente - nas grandes cidades dos antigos centros e periferias do capital-
sociedades partidas em dois: “em que uma aflita maioria está espremida entre uma underclass sem
esperanças e uma classe superior que recusa quaisquer obrigações cívicas.” (idem) Com o
encolhimento das camadas intermediárias, teríamos esse fosso social entre uma enorme força de
trabalho degradada e descartada e operadores hipervalorizados, o que marcaria a formação de um
novo dualismo, uma nova espiral de subdesenvolvimento: a segunda periferização do mundo.
Mediante esse quadro, os governos das periferias passariam a “exportar” modelos de gestão de uma
sociedade cindida com altos níveis de segregação social. Esses modelos, mais facilmente
reproduzidos por sociedades fraturadas de nascença, seriam marcados por uma violência brutal em
políticas de “tolerância zero” mescladas com os empreendimentos da “cidade-empresa”, em um jogo
dinâmico de linha tênue entre o legal e o ilegal:

Num país de dualização originária, o próprio Presidente da República pode anunciar


impunemente que muitos milhões de seus compatriotas de baixa ou nula empregabilidade
serão devidamente rifados pela reengenharia social em curso, sendo além do mais saudado
pelo distinto público pela audácia da isenção sociológica com que lida com os fatos da vida
nacional. (ARANTES, 2004:49)

Os processos barbáricos de desagregação social convivendo lado a lado com polos


avançadíssimos do capital passariam a compor a tônica de nossa época. Assim, o Brasil se realizaria
de fato como o “país do futuro”, pois seríamos a vanguarda na gestão de uma crise generalizada e
irreversível das formas de sociabilidade que nos restam. Essa seria a tal tendência à “brasilianização
do mundo” e o Partido dos Trabalhadores, com seu projeto de conciliação e contenção das lutas
sociais, seria exímio gestor da barbárie em curso. Aqui não podemos deixar de mencionar a função
dos movimentos sociais históricos, que de exímios organizadores das massas passam a exímios
controladores das massas.
27
As consequências são dramáticas tanto para as históricas quanto para as jovens organizações
que lutaram e lutam pelos direitos sociais e políticos. Sampaio Jr. (2011) é certeiro ao afirmar que
“nenhuma organização passou incólume pelo desastre. Todas sofreram traumáticos processos de
fragmentação e divisão e muitas tiveram sua própria sobrevivência posta em questão”. Pinassi (2009)
corrobora essa posição ao afirmar que o governo Lula seria notável por combinar o PAC aos
programas sociais, agradando “a Deus e ao diabo”, e criando uma ilusão de mudanças ao mesmo
tempo em que promove a manutenção de uma enorme desigualdade social. O “lulismo” ao se
conformar em um novo gestor do capital com alta capacidade de controle das forças sociais seria
responsável por, ao mesmo tempo, criar e amenizar as mazelas da classe trabalhadora.

O lulismo atende democraticamente às necessidades do capital em sua crise estrutural e,


democraticamente, desmonta cada uma das conquistas históricas da classe trabalhadora. Suas
políticas sociais têm caráter efêmero e assistencialista aos desempregados que ele ajuda a
criar. No comando do Estado, o lulismo é o vetor político da vez a oferecer tanto os alicerces
propícios à criação das carências formadoras de seu próprio público quanto os placebos
requeridos para sua reprodução. (PINASSI, 2009: 07)

Chegamos à característica desses novos governos que pretendemos compreender via análise
das confluências em torno do projeto neodesenvolvimentista: sua capacidade de contenção das
lutas sociais e de suas principais formas organizativas.
A chegada desta “esquerda progressista” ao controle político nacional alterou perversamente
a dinâmica da relação Estado/movimentos sociais, que passou a ser marcada por uma política de
controle administrado da luta de classes. As lutas radicalizadas e abertamente antigovernistas e
antiburguesas, marcadas por grandes marchas, greves e ocupações das décadas de 1980 e 1990, aos
poucos tem sido substituídas por negociações e acordos tácitos no interior dos aparelhos estatais,
pela inserção de militantes como funcionários de órgãos públicos e como assessores políticos da
esquerda progressista, bem como pela constituição de projetos sociais de políticas públicas
compensatórias e intermitentes que se viabilizam via parcerias entre Estado, movimentos e iniciativa
privada. Ao se propor a participar de um projeto de administração social, ainda que com o verniz
neodesenvolvimentista, o MST passa a se colocar no lugar de gestor da tragédia social contra a qual
lutou durante décadas. Nesse sentido, não é uma simples perda de combatividade ou recusa à crítica,
mas uma adesão consciente à política conservadora de associação direta ou indireta da pequena
produção rural com o grande capital no campo, bem como articulações com governo e capital
financeiro visando linhas de crédito e acordos de compra e venda da produção dos assentamentos,
28
que passam então a estar centrados na mesma lógica do lucro capitalista que um dia o movimento
combateu, muito embora a justificação de todo o processo venha devidamente embaladas na
agradável ideologia autocomplacente da produção agroecológica.
Porém, como vimos na sessão anterior, há um processo estrutural em curso, que
colocou em cheque a continuidade das principais organizações da antiga esquerda socialista dos anos
1970 e 1980. Esse cenário foi marcado internacionalmente pela crise do socialismo real e pela
expansão e consolidação de setores do capital via política econômica neoliberal como resposta à
crise estrutural. Politicamente, o estágio atual do sistema econômico político no Brasil, e mesmo na
América Latina, aparece em um quadro marcado por uma alternância entre coerção e consenso, que
parece ter sido bem sucedida para a repressão e controle dos projetos críticos radicalizados. Vejamos
mais de perto como e porque o MST tem se articulado ao projeto neodesenvolvimentista proposto
pelo governo do PT. Apresentamos por fim alguns dados e elementos concretos que expressam o
entrelaçamento das três determinações estruturais que apontamos anteriormente como influência
fundamental nos rumos do movimento: as transformações na base social, a conjuntura política e a
dinâmica do capital no campo.

As transformações do MST: da ocupação à conciliação


Ainda que consideremos que as teses da cooptação, em especial a da “traição das direções”,
tenham pouca força explicativa quanto às transformações do MST, não podemos ignorar que existem
opções políticas que foram e ainda são tomadas pela direção hegemônica do movimento, bem como
existiram projetos derrotados no interior da organização. O cerne da questão está no fato de que os
sujeitos refletem e agem segundo opções políticas que são estrutural e historicamente determinadas.
São, portanto, opções limitadas por determinações históricas, que podem ou não se desenrolar de
acordo com a vontade dos sujeitos em questão.
Por conseguinte, pretendemos ir mais à fundo do que a simples constatação feita até o
momento de que o movimento teria abandonado a luta por reforma agrária e se contentado com um
processo de institucionalização e integração ao sistema. Afinal, sob quais condições estruturais e
históricas essa direção e suas disputas internas se deram?
Levantamos, assim, alguns elementos que comporiam o quadro geral da problemática
histórica que necessitamos enfrentar. Arriscamos apresentar questões de grande complexidade, que
aqui aparecem apenas como uma pontuação de elementos gerais que a serem ainda profundamente
investigados.

29
A determinação histórica mais aparente no caso do MST está no âmbito da política: a
chegada do Partido dos Trabalhadores ao governo federal em 2003 e a constituição do projeto
neodesenvolvimentista. Como descrevemos anteriormente, esse processo foi também construído por
setores do MST, assim como o debate sobre a reforma agrária esteve presente nos programas
políticos do partido. A estratégia em curso, a luta por reformas que geraria um acúmulo de forças - o
programa democrático popular - bem como a tática da pinça - combinação entre o braço da pressão
popular e o braço da ação institucional -, estavam articulados em torno da histórica aliança MST/PT.
Com a chegada de Lula ao planalto em 2003, se consolidou a crença no interior do MST de que este
seria um governo em disputa e não um governo inimigo.
Como vimos, essa situação levaria inicialmente a uma pressão do MST com aumento das
ocupações em 42% em 2003, mas que seria seguida de uma caída drástica em 2005, uma tendência
que permanece nos anos subsequentes. A campanha pela reeleição de Lula que se inicia ainda em
2005 foi crucial para a paralisação das ocupações de terra, bem como o progressivo abandono de
outras ações radicalizadas como a ocupação de prédios públicos. Foi o início de um longo processo
de negociação que desembocou na paralisação da reforma agrária como constituição de novos
assentamentos, e na instituição de políticas públicas e parcerias focadas na produção agrícola dos
assentamentos já existentes. Constatamos que os governos Lula teriam criado apenas a metade dos
assentamentos realizados nos dois mandatos de FHC. E os números do governo Dilma são pífios
mesmo quando comparados aos dos governos Lula.
Arriscamos afirmar que essa conjuntura política, a chegada e permanência do PT no planalto
federal, é o impulso que faltava para que o movimento se acomodasse à ordem capitalista. Porém, o
MST já vinha sendo pressionado por dois elementos da realidade objetiva difíceis de serem
contornados. Assim, chegamos à determinação estrutural que vai um pouco mais a fundo do que a
explicação via rumos do PT e de sua relação com o movimento: as transformações da base social
do MST.
Ocorre uma mudança significativa no caráter do movimento quando sua base passa de
majoritariamente acampada para majoritariamente assentada. Devido ao alto grau de radicalidade do
MST durante a década de 1990, o governo FHC se viu obrigado a realizar vários assentamentos,
ainda que na tentativa de atenuar os conflitos no campo sem nunca implementar uma política
permanente de reforma agrária. Com a chegada de Lula ao planalto a tática de ocupação de terras é
abandonada e o governo petista se torna impassível quanto à realização de novos assentamentos.
consideramos importante pensar a relação entre a queda do número de novos assentamentos e a
redução das ocupações de terra.
30
Em 2012 foram registradas 253 ocupações, enquanto em 1999, houve 856 ocupações 15. Em
2010 esse número é de apenas 184 ocupações. Segundo os dados da Ouvidoria Agrária Nacional o
número de ocupação de terras em 2013 seria o mais baixo dos últimos dez anos16. Em entrevista à
Rede Brasil Atual, Eduardo Girardi, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de
Presidente Prudente- SP e um dos pesquisadores que produziram o Relatório Data Luta 2012, afirma
que:

O baixo número de ocupações reflete no baixo número de novos assentamentos construídos


no país em 2012: apenas 117. De acordo com o Relatório Dataluta, o auge da destinação de
terras para a reforma agrária ocorreu em 2005, com 879 novos assentamentos. “Podemos
afirmar que a partir de então tem havido um decréscimo constante no número”, explica
Girardi. “O Estado faz assentamento mediante pressão dos movimentos sociais.”

Em entrevista concedida ao jornal Estado de São Paulo, João Pedro Stédile afirma que nos
oito anos de governo Lula havia 200 mil famílias acampadas no país, sendo que esse número, em
2011, teria sido reduzido a 80 mil, sendo apenas 60 mil do MST. Já o número de assentados
pertencentes ao MST, em distintas entrevistas com dirigentes do movimento, variaria em 2013 entre
300 mil e 400 mil famílias.
Temos, portanto, uma redução considerável do número de famílias acampadas, enquanto que,
ao longo das décadas de 1990 e 2000 se ampliou consideravelmente o número de famílias
assentadas, mesmo com a paralisação da reforma agrária pelo governo petista após o ano de 2005. Os
motivos para essa redução também é foco de divergências entre os dirigentes. Alguns afirmam que o
principal motivo para a redução das ocupações seria a desmobilização promovida pelo Bolsa Família
e pelo aumento do emprego formal17, enquanto outros dão ênfase no fato de a redução de acampados
ser consequência da política agrária austera dos governos petistas18.

15 Dados do Relatório DataLuta, disponíveis em: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2013/12/pleno-emprego-


e-assistencia-social-desmobilizaram-luta-pela-terra-no-brasil-2900.html
16 Dados publicados em artigo Esvaziado por ações do governo, MST chega aos 30 anos, publicado no Jornal Estado de
São Paulo, em 20/01/2014. Disponível em:http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,esvaziado-por-acoes-do-
governo-mst-chega-aos-30-anos-imp-,1120548
17 Essa posição pode ser vista nas entrevistas dos dirigentes nacionais ao Jornal Estado de Sao Paulo, João Pedro Stedile
em Stedile admite que bolsa família ajudou a reduzir acampamentos, de 07/04/2011, disponível em:
http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,stedile-admite-que-bolsa-familia-ajudou-a-reduzir-
acampamentos,703058; e Gilmar Mauro em Com o tema dos agrotóxicos MST quer voltar a atrair a atenção do
Brasil, de 27/03/2011, disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,com-o-tema-dos-agrotoxicos-mst-
quer-voltar-a-atrair-a-atencao-do-brasil,698060
18 Essa posição pode ser vista em entrevista de José Batista de Oliveira ao IG em 17/04/2011, Coordenador do MST: O
Bolsa Família contribui com o movimento, disponível em:
31
Para além dessa polêmica em torno da causa da redução da base acampada, temos como fato
uma mudança das condições materiais objetivas e, portanto, das necessidades da base social que
compõe o MST. É inegável que os assentamentos sofrem de inúmeras precariedades estruturais e
tem, assim, uma ampla pauta de demandas que representam elementos significativos das condições
de vida dos assentados. E isso ganha inevitavelmente força interna na organização devido às
necessidades essenciais da base, enquanto que a ocupação para conquista de novas terras é cada vez
mais relegada a segundo plano. Estas opções políticas não são portanto fruto da decisão de uma
direção descolada de sua base social, pelo contrário, são uma resposta coerente com as necessidades
dessa base.
Podemos questionar, ainda assim, qual seria o papel de uma direção política no sentido de
dialogar com as necessidades de sua base social, porém também de dialogar e formar esta base
direcionando essas necessidades a um projeto estratégico. Por ora, apenas pontuamos que as
mudanças na base social nos parecem cumprir um importante papel nas transformações desse
movimento social.
O segundo elemento estrutural que vem pressionando a direção política do MST ao longo das
décadas de 1990 e 2000 que já pontuamos anteriormente está no âmbito econômico: as mudanças
da estrutura do capital no campo19. Vivemos um contexto de generalização do agronegócio que
passa a subordinar por diversos mecanismos a agricultura familiar/camponesa e um enrijecimento da
política pública em relação à distribuição de terras, mesmo em relação às públicas e/ou improdutivas.
Os pequenos produtores se vêem irremediavelmente subordinados às grandes multinacionais, seja
para venda de sua produção, seja para a compra de insumos agrícolas20. A essa condição subordinada
somamos um sério problema quanto à manutenção da bandeira da “reforma agrária clássica”. Como
lutar pela distribuição de terras improdutivas quando a maior parte das terras cultiváveis estaria
sendo utilizada produtivamente e com alto grau tecnológico pelos gigantes do agronegócio?
Além disso, há a problemática de uma imprecisão crescente na identificação da fronteira entre
o campo e a cidade, o rural e o urbano, a produção agrícola e a produção industrial. A produção
agrícola se caracteriza hoje, em especial na região sudeste, por um altíssimo grau tecnológico de
mecanização e está enredada em uma ampla cadeia produtiva que perpassa espacialmente o campo e

http://poderonline.ig.com.br/index.php/2011/04/17/coordenador-do-mst-o-bolsa-familia-contribui-com-o-movimento/
19 Esse tópico é ainda algo a ser explorado e que podemos constatar com mais consistência a partir das análises do
avanço do agronegócio da região sudeste. Este é portanto um tema que pode ser questionado quanto às condições do
campo específicas de outras regiões do país.
20 Sobre a subordinação do pequeno produtor às grandes empresas do agronegócio ver: FARIAS, Luiz Felipe.
Agronegócio e luta de classes: Diferentes formas de subordinação do trabalho ao capital no complexo citrícola
paulista. Dissertação de Mestrado, Campinas, 2012.
32
a cidade de forma ininterrupta e fluída. Essa característica também se expressa na base social que
compõe o MST atualmente. Nas últimas décadas muitas das famílias que aderiram ao movimento
foram recrutadas nas periferias dos grandes centros urbanos, sendo que muitas nunca tiveram contato
direto com o meio rural. Em muitos casos as gerações de seus pais e avós seriam provenientes diretos
do campo, mas toda sua vida teria se constituído nas periferias urbanas.
A expansão e consolidação do agronegócio nos anos 1990 dificultou portanto a manutenção
da bandeira da reforma agrária clássica, hoje considerada derrotada pelo próprio MST. Assim, a
saída encontrada pela organização é a constituição de uma nova bandeira, a reforma agrária popular.
Ainda que afirmemos a necessidade de se continuar a realizar ocupações de terra, o foco principal
desta bandeira passou a ser a produção agroecológica e cooperativada como forma de viabilização
dos assentamentos. Nas palavras de João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do MST em entrevista
à Repórter Brasil:

No capitalismo brasileiro, não há espaço para reforma agrária clássica e não podemos
cair no idealismo de dizer que por nossa vontade vai ter. Se a sociedade está dizendo que o
agronegócio resolve as demandas principais da agricultura e a esquerda não tem força
suficiente para impor um novo modelo, precisamos manter uma luta tática pela reforma
agrária, um modelo que estamos chamando de reforma agrária popular. O que é essa luta
tática? É acumularmos força suficiente para ir arrancando do governo conquistas que possam
garantir a organização de um território com produção agroecológica, agroindústria e um
conjunto de medidas na área de educação e de saúde que sejam referências para a sociedade.
(…) Antes você tinha a possibilidade de o capitalismo distribuir terra, hoje não tem mais.
Nós não vamos viver no Brasil uma situação de assentar 100 mil famílias por ano, 200 mil
famílias por ano.
Isso se foi?
Pela vontade do estado e da classe dominante, esse ciclo se encerrou. Vamos ter que impor a
derrota pela produção agroecológica, produzindo comida boa de qualidade. E isso passa a ser
uma prioridade tão importante quanto conquistar latifúndio 21.

A mudança da base social somada às transformações do avanço do capital no campo são


as hipóteses que levantamos como determinações objetivas que levaram o movimento à adesão
a esse projeto nacional de desenvolvimento. É a partir dessas condições que cai drasticamente o
número de novas ocupações e acampamentos, ao mesmo tempo em que a estrutura do movimento

21 MST 30 anos: ‘Estamos no canto do ringue’, entrevista de João Paulo Rodrigues ao Reporter Brasil, 11/02/2014.
Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2014/02/mst-30-anos-estamos-no-canto-do-ringue/
33
parece se voltar para a política de créditos, parcerias e administração de cooperativas. É consolidada
a crença na possibilidade de inclusão através desses mecanismos das famílias assentadas ainda não
incluídas no mercado. A crítica ao sistema parece ter se transformado em uma irremediável luta por
inclusão social e econômica.
Maria Orlanda Pinassi (2009) atesta que esse processo teria sido vivenciado, e ainda o é em
grande medida, pelo movimento, que cada vez mais busca estabelecer uma relação com essa política
governamental petista de desenvolvimento nacional. Pinassi (2009) indica que o governo teria
comprometido a autonomia do movimento e este teria progressivamente abandonado uma postura
incisiva e combativa via ocupações de terra para se voltar à conquista e ampliação de programas de
consolidação dos assentamentos concretizados em créditos para produção e formação de
cooperativas.

Uma das estratégias usadas nos parece particularmente problemática. E ela se refere,
primeiro, aos laços que historicamente o PT estabeleceu com os movimentos sociais de
massas, entre os quais se destaca o MST. E, de como, uma vez no poder, esses laços se
convertem, positivamente, em benefícios concretos ao movimento, o que tem possibilitado,
através da abertura de linhas de crédito e estímulo à formação de cooperativas, por exemplo,
condições de competitividade no mercado para os assentamentos já consolidados. Esses
benefícios selam um comprometimento político que nos parece um ônus excessivamente
grande para a necessária autonomia às estratégias de luta que o movimento deve preservar de
qualquer maneira. (PINASSI, 2009: 08)

No artigo “MST adere a estratégias capitalistas” publicado no portal online do IG em outubro


de 201322 são levantados, em tom elogioso, dados impressionantes sobre as cooperativas do MST.
Produções como suco de uva integral, leite e derivados e arroz orgânico embalado a vácuo levam à
cifra de 100 milhões por ano faturados por sete cooperativas do movimento sem terra. Segundo o
subtítulo da matéria: “um negócio e tanto para quem imagina que da ‘roça’ dos sem-terra só sai
conflito.” Segundo essa fonte, esse faturamento poderia classificar o MST como uma empresa de
médio para grande porte segundo critérios do BNDES.
Podemos questionar a legitimidade de um artigo como esse, produzido por um órgão da
grande mídia burguesa. Porém, o curioso é justamente vermos a possibilidade de se enaltecer o MST

22 Ver: Com agricultura familiar, MST adere a estratégias capitalistas, por Vasconcelos Quadros, IG São Paulo,
14/10/2013. Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-10-14/com-agricultura-familiar-mst-adere-a-
estrategias-capitalistas.html

34
hoje através das lentes de um capitalista empreendedor, o que se expressa no tom elogioso da
matéria. Aí se atesta que o MST seria hoje o líder na destinação de alimentos para merenda escolar
após o sancionamento da lei que define que 30% desses alimentos devem provir da agricultura
familiar. O artigo chama atenção para os 10 milhões de hectares de terra e mais de 400 mil famílias
pertencentes ao movimento, que teria uma produção com qualidade de “fazer inveja” aos grandes
produtores rurais.
Além disso, aqui se apresenta uma nova estratégia para a questão agrária, que se encaixa
perfeitamente na nova concepção de “reforma agrária popular”, difundida pelo movimento em seu
último congresso realizado no início de 2014. Uma síntese objetiva é elaborada pelo jornalista ao
identificar um coordenador da cooperativa como um “com terra” e agora “empreendedor rural”,
afirmando que “o MST está acoplando à sua estrutura de esquerdista os métodos e estratégias do
capitalismo de mercado” e esta seria sua nova trincheira na luta contra seu arqui-inimigo, o
agronegócio.

Essas parcerias, segundo o militante [Altamir Bastos - MST/RS], permitem aos assentados
traçar metas de produção em escala e, seguindo estratégia de mercado, conquistar no longo
prazo quase o monopólio dos alimentos orgânicos, um mercado tratado com certo desdém
pelo agronegócio, mas um ponto de afirmação para o MST.

Para garantir a distribuição dessa produção, o artigo cita um contrato com a prefeitura de São
Paulo que destinaria alimentos como arroz orgânico, arroz parabolizado e feijão. Esse fato é parte de
um panorama mais amplo de programas assistenciais do governo federal destinados à garantia da
distribuição da produção dos assentamentos. Somado a um estreitamento das relações com o INCRA
através inclusive da entrada de alguns militantes como funcionários do órgão federal, foram
implementados programas durante os governos Lula para a comercialização da produção dos
assentamentos como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), vinculado ao Fome Zero, que se
tornou a principal política de comercialização da agricultura familiar e o Programa Nacional de
Alimentação Escolar. (SILVA, 2012)
Ainda que, na matéria do IG, o representante do MST ressalte a necessidade de se produzir
alimentos saudáveis, com qualidade e que se oponha aos transgênicos do agronegócio, não se
dispensa a necessidade de se fortalecer os convênios com as prefeituras para que se viabilize
futuramente a entrada no mercado tradicional.

35
O crescimento nesse segmento, segundo o militante, daria ao MST musculatura para, mais à
frente, com os pés no chão, entrar num embate com o agronegócio pelas prateleiras dos
grandes supermercados depois de uma frustrada tentativa de parceria com o Grupo Pão de
Açúcar. Eles nos espremeram por todos os lados. Cobram até o espaço em que o produto é
colocado na prateleira, queixa-se Altamir. No ano passado o MST colocou nas lojas do Pão
de Açúcar da região Centro-Oeste arroz orgânico, mas o negócio está se mostrando
inviável. Embora chegue aos supermercados do grupo em Brasília a R$ 3,20 o quilo e seja
vendido ao dobro ao consumidor, a cooperativa gaúcha tinha de arcar com todos os
encargos e, assim mesmo, o produto ficava escondido, dificultando a estratégia de
marketing do MST, de se apresentar a classe média com um produto saudável e
barato.[grifo nosso]

Dentre as ações governamentais para o (novo) desenvolvimento do capitalismo no campo,


este artigo traz aquela que representa um marco na relação entre movimento social e governo: as
parcerias com grandes empresas mediadas pelo governo federal. Aqui vemos o consórcio com o
Grupo Pão de Açúcar de comercialização de arroz orgânico23 realizado durante o Rio + 20, uma
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável realizada de 13 a 22 de junho de
2012, na cidade do Rio de Janeiro. Esta conferência foi amplamente criticada pelo MST durante a
Cúpula dos Povos24, evento realizado simultaneamente à Rio + 20 no qual o movimento questionou a
“Revolução Verde” e o empreendedorismo sustentável das grandes empresas transnacionais.
No artigo “MST S/A” se atesta a contradição da atuação do MST nesses eventos. Na Cúpula
dos Povos o movimento criticou as corporações, atestando o grande fracasso da Rio + 20 onde teriam
ocorrido retrocessos, segundo o MST, “agora materializados na proposta de economia verde, na
maquiagem verde do capital, que pretende mercantilizar a vida.25” Porém, simultaneamente à
participação na Cúpula dos Povos, lideranças do MST foram à cúpula oficial da Rio + 20 e
participaram do painel “Segurança e Soberania Alimentar”. Nesse encontro, em conjunto com

23 Ver: Rio+20: Pão de Açúcar irá vender arroz sem agrotóxico do MST , UOL Notícias, Cotidiano, 20/06/2012.
Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/06/20/rio20-pao-de-acucar-ira-vender-arroz-sem-
agrotoxico-do-mst/
24 “A Cúpula dos Povos foi um evento paralelo à Rio+20, organizado por entidades da sociedade civil e movimentos
sociais de vários países. O evento aconteceu entre os dias 15 e 23 de junho no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro,
com o objetivo de discutir as causas da crise socioambiental, apresentar soluções práticas e fortalecer movimentos sociais
do Brasil e do mundo.” Definição encontrada no site do Rio + 20. Disponível em:
http://www.rio20.gov.br/clientes/rio20/rio20/sobre_a_rio_mais_20/o-que-e-cupula-dos-povos.html

25 Documento oficial final da Via Campesina na Cúpula dos Povos. Disponível em:
http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes-2/noticias-2/53-cupula-dos-povos/1141-a-via-campesina-na-
rio20-os-povos-disseram-nao-a-economia-verde
36
representantes do governo e diretores de uma multinacional, anunciou-se uma parceria entre o MST
e o Grupo Pão de Açúcar.

Essa transação comercial — em que a principal rede varejista [retalhista] do país comprou 15
toneladas de arroz orgânico da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita, do
Rio Grande do Sul — foi anunciada como a maior já realizada entre o Movimento e um
mercado, sendo intermediada e tendo o apoio do programa Brasil Sem Miséria, do governo
federal. E, a crer na declaração do diretor de relações institucionais do grupo, Paulo
Pompilio, a intenção é que as negociações se ampliem, pois envolvem a preocupação com a
questão ambiental e social, claro, valorizando a “produção de alimentos sem agrotóxicos ou
defensivos”.
Milton Formazieri, da coordenação nacional do MST, justificou a transação dizendo: “Parece
contraditório, mas sentimos a necessidade de expor e divulgar mais sobre o movimento para
a classe média, mostrar que nossa produção é social e ambientalmente sustentável” (PASSA
PALAVRA, 2013, grifo nosso)26

Outro convênio significativo, também carregado das contradições que permearam a parceria
com o Grupo Pão de Açúcar, foi o estabelecido com a Fíbria, empresa recém-criada através de
financiamento do BNDES e que surge da fusão entre a Aracruz Celulose e a Votorantim, duas
gigantes internacionais da produção e exportação de celulose no mercado mundial. Esse convênio,
intermediado pelo governo federal, o governo estadual petista da Bahia e com participação da
ESALQ/USP, garantiu uma área de dez mil hectares, antes propriedade da empresa, para um projeto
de assentamento de mil e duzentas famílias e de criação de uma escola agroecológica florestal.
Segundo os porta-vozes da Fíbria: “Queremos ensinar aos jovens do MST como usar ciência e
educação para desarmar um antagonismo desnecessário, adiantou Penido.27” E em matéria no jornal
Valor Econômico foram expressas as seguintes posições:

Muda-se a relação entre capital e trabalho, analisa Paulo Kageyama, pesquisador da


ESALQ, da Universidade de São Paulo. (…) É um marco no convívio do agronegócio com a
agricultura familiar, afirma José Penido, presidente do conselho de administração da
empresa. A questão, diz ele, é de consciência, mas também de sobrevivência do negócio. A
estratégia é superar antagonismos e encarar os problemas historicamente agudos no Sul da

26 “MST S.A.” (2ª Parte). Por Passa Palavra, 10/04/2013. Disponível em: http://passapalavra.info/2013/04/75271
27 Ideologia, engajamento e métricas são receita de empresas-referência em sustentabilidade, notícia de
02/12/2011. Disponível no site: http://www.amcham.com.br/regionais/amcham-sao-paulo/noticias/2011/ideologia-
engajamento-e-metricas-sao-os-ingredientes-de-sustentabilidade-da-natura-fibria-e-du-pont. Acesso em: 02/12/2011

37
Bahia, ressalta o executivo. Ao seu lado, Márcio Matos, da direção nacional do MST,
garante: Chegamos a um novo paradigma de negociação sobre passivos, diálogo que surgiu
a partir de relações conflituosas e se repetirá junto às demais empresas do setor.28 (grifo
nosso)

Vale lembrarmos que em oito de março de 2006, duas mil mulheres ligadas à Via Campesina
e ao MST realizaram uma ação de denúncia em uma área da empresa Aracruz Celulose, que hoje se
tornou Fíbria. A ação de 2006 ocorreu em um centro de pesquisa da Aracruz sobre o manejo do
eucalipto, no município de Barra do Ribeiro, no Rio Grande do Sul. Tal ação pretendia denunciar o
impacto do cultivo extensivo de monoculturas de eucalipto que, ao formar o conhecido “deserto
verde”, destruiria a biodiversidade, deterioraria o solo, secaria os rios e geraria poluição e
contaminação através das fábricas de celulose. Essa ação foi publicamente apoiada pela direção do
MST no período em questão como uma forma de luta legítima contra o agronegócio, e foi
considerada pela esquerda radical um marco nas formas de luta até então empreendidas contra esse
setor. Cinco anos depois, em 2011, temos essa parceria firmada entre MST e a herdeira da Aracruz, a
Fíbria. Nada em uma mão, nada na outra, e por intermédio dos governos petistas, em um quase passe
de mágicas, o inimigo se torna em parceiro.
Estes não são casos isolados e o fato de não ser uma prática generalizada não retira o peso de
seu significado e a possibilidade de seu alcance futuro. Impossível negar o impacto de um relato
amistoso sobre o clima de comemoração na parceria com a Fíbria expresso pelo correspondente do
jornal Valor Econômico:

Foi um acontecimento histórico. O aroma da galinhada exalava na recepção aos convidados


no Assentamento Jaci Rocha, município do Prado (BA), quando chegaram as lideranças dos
dois lados em questão: o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e a Fíbria,
produtora de celulose e papel que detém quase 170 mil hectares no Extremo-Sul da Bahia.
Não faz muito tempo, encontros do gênero só aconteciam nos corredores dos tribunais para a
solução litigiosa de conflitos. Desta vez, o motivo era de festa: a inauguração de uma escola
agroflorestal para jovens de assentamentos da região e outras partes do Brasil, destinada a
fomentar práticas sustentáveis e uma nova cultura no campo.29

28 Alianças inéditas, notícia do Valor Online publicado em 23/07/2012. Está disponível em:
http://www.valor.com.br/empresas/2760226/aliancas-ineditas (acessada em 30/08/2012)
A parceria também foi noticiada no site da Fíbria e está disponível em:
http://fibriamkt.tauvirtual.com.br/2012/0725.htm (acessada em 30/08/2012)
29 Ver: Alianças Inéditas, Jornal Valor Econômico, 23/07/2012. Disponível em:
http://www.valor.com.br/empresas/2760226/aliancas-ineditas#ixzz21RzT8b42
38
Atestamos assim uma alteração dos marcos das disputas em torno da questão agrária. As lutas
pelo parcelamento de terras que marcaram a história do MST são progressivamente substituídas por
formas negociadas que buscam viabilizar a manutenção dos trabalhadores assentados no campo. Para
viabilizar, portanto, o desenvolvimento do capitalismo no campo com a inclusão das cooperativas no
mercado capitalista através de programas públicos de incentivo à produção e distribuição e de
parcerias com grandes corporações aprovadas através da mediação estatal. Essa guinada em direção
ao enquadramento à ordem se justifica pela necessidade de se lutar por uma “boa causa” nos limites
da realidade contemporânea: a sobrevivência dos assentamentos rurais em um projeto de
desenvolvimento rural que beneficiaria toda a sociedade brasileira. Nessa toada, em entrevista à
Repórter Brasil, João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do MST, é objetivo ao afirmar que:

Os pobres têm que ter escala. Nós temos que mostrar, nessa nova perspectiva que chamamos
de reforma agrária popular, que nós podemos ter escala com qualidade e produzindo. E como
se faz isso? Na prática. Hoje o MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.
Podemos ser os maiores produtores de feijão orgânico30.

Claro que, se olharmos para quem sempre viveu com quase nada e sobrevive a duras penas
nos assentamentos rurais conquistados pelas lutas do MST, uma nova possibilidade de se produzir e
melhorar as condições de vida dessa população parece louvável. Contudo, é impossível esquecermos
que a conquista da terra se deu à custa de muita luta gerando uma organização antes nunca vista e
uma militância radicalizada que, em um certo período histórico, apontou para a necessidade de se
superar os limites reformistas do próprio movimento, inserindo-se na dinâmica da luta
revolucionária. Como podemos defender abertamente que assentamentos que são fruto dessa luta
garantam sua dignidade via parcerias com o agronegócio ou grandes corporações de distribuição de
alimento? E, mesmo no caso da postura de combate ao agronegócio que o movimento nos tem
apresentado, como podemos defender que uma bandeira histórica como a reforma agrária se
transforme em uma disputa comercial via inserção de produtos agroecológicos nas prateleiras dos
supermercados?
A viabilização da agricultura familiar através desse modelo, isto é, a consolidação da reforma
agrária popular, seria, a bem da verdade, a possibilidade de uma inserção subordinada ao processo de
consolidação e modernização do capital no campo.

30 MST 30 anos: ‘Estamos no canto do ringue’, entrevista de João Paulo Rodrigues ao Reporter Brasil, 11/02/2014.
Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2014/02/mst-30-anos-estamos-no-canto-do-ringue/
39
3 - Hipóteses

No sentido de avançar nessa análise, levantamos três hipóteses interpretativas do MST,


pensando quais suas contribuições e seus possíveis limites para a compreensão das mudanças desse
movimento. Não pretendemos escolher uma dentre essas hipóteses, mas refletir sobre os elementos
que cada uma delas levanta, de forma a complexificar nossas questões. Compreender o processo em
sua totalidade é uma árdua tarefa que aqui se encontra apenas em seus passos iniciais. Portanto,
pretendemos nada mais que um exercício analítico de apresentação e reflexão crítica sobre três
interpretações importantes que foram elaboradas sobre o MST.
Primeiramente apresentamos a análise elaborada pelas concepções hegemônicas produzidas
no âmbito do próprio movimento expressas no texto de João Pedro Stédile e Bernardo Mançano,
Brava Gente e em documentos recentemente lançados a público pela Direção Nacional da
organização.
Na segunda parte está a análise do que consideramos ser o ponto mais avançado do que se
produziu no campo da esquerda tradicional marcada pela ortodoxia marxista. Esta análise está
expressa principalmente na obra de Mauro Iasi, Metamorfoses da Consciência de Classe e em
espaços de estudos coletivos31. Aqui está presente uma elaboração sobre a totalidade social que
englobou as três principais organizações de esquerda no Brasil nas últimas décadas, o PT, a CUT e o
MST. Ainda que não exista um texto específico sobre o MST em que possamos sustentar essa leitura,
essa interpretação parte da noção de que o PT seria o polo mais desenvolvido de um processo
histórico em que estão imersos de forma subordinada, CUT e MST. Todavia, ainda que correndo o
risco de cometer impropriedades, buscaremos situar o MST nessa concepção mais geral sobre a luta
de classes no Brasil nas últimas décadas.
Por fim, identificamos uma terceira linha analítica que também busca compreender o MST
dentro de um processo social total que acomete a estrutura capitalista mundial. Essa análise,
considerada parte de uma linha marxista heterodoxa, é elaborada por Marildo Menegat e expressa em
artigos diversos com os quais trabalhamos no decorrer do texto.
Esse balanço analítico visa trazer a tona os limites e potencialidades das três linhas
interpretativas, considerando que, ainda que concordemos mais ou menos com uma ou outra
interpretação, todas elas levantam elementos muito ricos da realidade que pretendemos compreender.

31
Esses estudos coletivos foram realizados entre 2010 e 2013 com cerca de vinte militantes do MST que saíram dessa
organização e que pretendiam compreender e elaborar de maneira aprofundada sua experiência militante e a crítica
que os levaram para fora do movimento. Participei dos últimos dois anos desse estudo, não como intelectual ou
pesquisadora, mas por compartilhar pessoalmente parte dessa trajetória de militância.
40
HIPÓTESE 1 – O MST por ele mesmo: continuidades e descontinuidades na composição de
um projeto de desenvolvimento nacional

Apresentamos aqui de maneira sucinta uma visão do MST por ele mesmo via reflexão de um
de seus principais dirigentes nacionais, João Pedro Stédile e de um intelectual ligado organicamente
ao movimento, Bernardo Mançano. O principal texto de referência é uma entrevista de Stédile a
Mançano publicada no livro Brava Gente. Chamamos a atenção para as diferentes posturas e
concepções entre aquelas do período anterior à chegada de Lula ao governo federal, expressas nos
textos de fins de 1990 e aquelas que conformaram a aproximação com o Estado e com a
institucionalidade. Com relação às semelhanças, atentamos para as continuidades de elementos do
projeto estratégico em que o MST se forjou, questão que foi trabalhada por Mauro Iasi e será exposta
na segunda parte deste trabalho. A leitura que Stédile faz da organização, tanto nos anos 1990 quanto
nos anos 2000, nos fornece importantes elementos para pensarmos suas transformações
contemporâneas. Mesmo que não necessariamente concordemos com as análises realizadas por esse
dirigente ou com as decisões políticas tomadas mediante determinada conjuntura, é irrefutável que
sua avaliação nos traz elementos de grande relevância para compreendermos como o movimento se
conformou em cada momento histórico de que tratamos.
Ressaltamos que a visão retratada nesta sessão é a concepção hegemônica, isto é, que possui
maior força interna à organização e que a dirige. Isso não exclui, é claro, o fato de muitas dessas
concepções terem estado e ainda estarem em disputa no interior da organização. A identificação e
melhor compreensão de algumas dessas divergências internas é ainda um desafio para essa pesquisa.
Há um campo crítico de atuação e de leitura da organização que atuou por décadas no movimento.
Essa leitura será explorada na pesquisa a partir de algumas entrevistas que pretendemos realizar com
esses militantes do campo contra-hegemônico em relação à direção nacional. Por ora nos limitamos
aqui a apresentar uma análise geral dessa concepção dirigente como um primeiro passo dos nossos
estudos sobre o tema. Primeiramente apresentamos uma visão da composição social do MST, sua
forma organizativa, seus métodos de luta e seu projeto estratégico inseridos em uma análise da
conjuntura nacional a partir da entrevista de Stédile. Em um segundo momento, focamos nas
posturas do MST pós-eleição de Lula refletindo sobre as continuidades e descontinuidades em
relação às concepções da década anterior.
Segundo Stédile o surgimento do MST se dá a partir de três elementos fundamentais. O
primeiro seria de caráter econômico, pois a modernização conservadora do campo brasileiro durante
a ditadura militar teria provocado uma expulsão da população rural, o que colocaria a necessidade
41
desse setor lutar pela terra. O segundo elemento seria ideológico posto pela atuação da igreja católica
e da teologia da libertação, que estariam concretizados no papel da Comissão Pastoral da Terra
(CPT) como polo organizador e aglutinador da população rural dispersa. E o terceiro motivo seria
conjuntural, pois a luta contra a ditadura militar e pela democratização teria produzido um contexto
de mobilização de toda a sociedade, o que teria ajudado a impulsionar a formação do movimento.

Era uma conjuntura de crise econômica, de grandes transformações na agricultura, o que já


falei antes. Essa crise e essas transformações abriram brechas para a luta pela terra e para o
crescimento dos movimentos de massas urbanos que lutavam pela democratização do país. O
governo foi ficando acuado. Como passara 20 anos reprimindo, não tinha mais como
reprimir. (STEDILE&MANÇANO, 2000:65)

A questão da “conjuntura” é um elemento a que Stédile recorre constantemente para justificar


os rumos do movimento. Justifica o surgimento do movimento na luta pela democracia, o recuo do
movimento na ofensiva da direita no governo Collor, a ofensiva do movimento devido ao isolamento
produzido por FHC e, por fim, a necessidade de composição no governo petista do projeto
neodesenvolvimentista devido ao descenso da luta de classes, a falta de opções de ação política e a
necessidade de disputa com uma direita fortalecida devido aos dois mandatos de governo neoliberal
de FCH. A “conjuntura”, portanto, muito e pouco nos explica. Descrever o contexto histórico de
cada período via posições políticas tomadas por cada governo é um elemento relevante, porém
insuficiente para explicar e mesmo justificar os rumos da organização. Supomos que existem
explicações mais gerais, de características que se desenrolam no decorrer de décadas, que expressam
condições e mudanças estruturais e que estão no âmbito da totalidade social. A análise de conjuntura,
recurso muito utilizado no movimento internamente em seus espaços de reflexão e avaliação sobre
seus rumos, acaba por se tornar aqui uma carta coringa que se tira da manga para explicar toda e
qualquer ação política tomada pelo movimento. Este é um primeiro limite que apontamos da leitura
agora apresentada.
Quanto à base social que compõe o movimento desde seu nascedouro, Stédile a identifica
como intrinsecamente composta por camponeses que desejavam permanecer em suas terras, sendo
estes arrendatários, parceiros ou pequenos proprietários que se sentiam ameaçados pela
modernização do campo e consolidação do latifúndio capitalista. Esse camponês teria se formado no
Brasil no momento posterior à escravidão com a imigração europeia. Ao ser questionado por
Mançano sobre a ausência do termo camponês no nome do movimento, Stédile afirma que esse não

42
seria um termo popular, em que a população do campo se reconheceria: “Essa é uma expressão mais
elitizada, acadêmica, embora mais bonita” (STEDILE&MANÇANO, 2000: 48) Além disso, a opção
do termo trabalhador teria como objetivo resgatar o caráter de classe dos que lutam pela terra, em
oposição à outra classe, a burguesia.
Nesse ponto abre-se um espaço de reflexão sobre a participação de outros setores sociais no
MST, como técnicos, professores, intelectuais e militantes urbanos. Stédile afirma que sempre houve
a abertura à participação de diversos setores, o que se expressaria em uma brincadeira interna à
organização em que se classificava dois tipos de dirigentes, os mãos grossas, trabalhadores do campo
e os mãos finas, trabalhadores urbanos e intelectuais. Apesar de afirmar que sempre houve uma boa
convivência entre esses setores, ressalta que o MST deveria ser construído essencialmente pelos
trabalhadores do campo, o que garantiria que o movimento não se desfigurasse enquanto
“movimento camponês”.
Em nenhum momento Stédile menciona a participação de trabalhadores rurais assalariados ou
de trabalhadores urbanos no movimento. Também aqui aparece uma importante discussão que
pretendemos explorar futuramente: as consequências políticas e organizativas da identificação da
base do movimento como estritamente camponesa, a despeito das profundas transformações na
estrutura social do campo brasileiro, em decorrência dos processos de modernização. Ao manter-se
dogmaticamente nessa concepção o suposto “classismo” do movimento encontra um limite, pois se
opta por pensar a organização da classe de forma fragmentada, furtando-se supostamente de
organizar os trabalhadores da cidade e criando um certo asco ao meio urbano. Curioso indicar que, a
despeito dessa posição da direção nacional do MST, em fins da década de 1990 alguns militantes do
movimento realizaram incursões urbanas, principalmente no estado de São Paulo. Essas experiências
deram origem a movimentos como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e o MTD
(Movimento dos Trabalhadores Desempregados). Contudo, a tentativa de se desenvolver um braço
urbano dentro do próprio MST foi rechaçada pela direção nacional. Intuímos que aí estariam
expressos dois projetos distintos de organização social que estiveram em disputa no interior da
organização e que devemos explorar na pesquisa. Essa problemática da composição social do
movimento é uma questão complexa que retomaremos mais adiante a partir da leitura de Marildo
Menegat.
Para o movimento se consolidar ao longo das últimas décadas é inevitável que se estabeleça
uma política de alianças, temática que sempre levou a grandes polêmicas. Quanto a esse tema,
segundo Stédile, haveria uma relação estreita do MST com a CPT, o PT e o movimento sindical.
Contudo, no momento de seu surgimento o MST teria conseguido estabelecer uma autonomia
43
perante essas organizações. No caso do PT, reconhece que seus militantes e sua estrutura
organizativa estiveram muito presentes na fundação do movimento, compartilhando inclusive a
mesma concepção de reforma agrária, contudo essa proximidade natural nunca teria feito com que
houvesse perda de autonomia do movimento, nunca se deixou “misturar as bolas”. Neste ponto
identificamos uma contradição radical em relação à aproximação estreita do MST com os governos
petistas especialmente no período posterior a eleição de Lula em 2003 que, contudo, ainda não era
uma tendência explícita em 1999, momento em que essa entrevista é concedida. Trabalhamos esta
relação nas seções anteriores, contudo, é interessante refletir sobre a diferença do discurso de Stédile
da independência do MST em relação aos partidos, e em especial o PT, e sua postura, já aqui tão
amplamente documentada de declaração total de apoio aos governos petistas, em especial nos
períodos eleitorais.
Na entrevista em questão, Stédile faz questão de caracterizar esse movimento independente
como uma organização de “novo” tipo. Ressalta por diversas vezes que o MST não seria um partido
político, ainda que sua organização ultrapassasse os limites de um movimento social passageiro por
conter um conteúdo político que o diferenciaria como organização. “Queremos ser organizados com
características populares, sindicais e políticas de outro tipo. Não somos uma organização partidária,
nem queremos ser, nem devemos ser.” (idem:38) Assim, o MST não seria um partido mas
conseguiria ir para além da luta econômica por terra, tendo como meta lutas de conteúdo político: a
reforma agrária e a mudança social. Esse último ponto estaria vinculado à conjuntura política de
surgimento do MST, “porque vivíamos o clima das lutas pela democratização do país” unindo-se a
esta questão uma crítica à presença das multinacionais no campo configurando um caráter anti-
imperialista e nacionalista a partir do lema de que “a terra deveria ser para o brasileiro”.
O MST teria sido capaz de criar uma prática política com princípios organizativos específicos
que o diferenciariam de outros movimentos sociais efêmeros que, ao chegar às suas conquistas
imediatas, tenderiam a desaparecer. Esses princípios seriam: a direção coletiva, isto é, um colegiado
dirigente que impediria a cooptação de um “presidente”; a divisão de tarefas que permitiria o
crescimento da organização na medida que traria pra dentro de si as aptidões pessoais; a disciplina
necessária para o respeito às decisões das instâncias dirigentes; o combate ao voluntarismo em uma
postura de “deixa que eu chuto”; o estudo e a formação de quadros; a luta de massas e a vinculação
permanente com a base sendo que parte da direção nacional deveria viver em assentamentos.

Em minha opinião esses princípios não tem natureza partidária. Têm natureza de organização
social. Talvez aí sim coubesse uma polêmica: até que ponto o MST deixou de ser apenas um
44
movimento social de massas para ser também uma organização social e política. No fundo,
queremos ser mais que uma organização social que dê sustentação e que alcance nosso
objetivo futuro. Se essa organização social é simplesmente interpretada como sinônimo de
partido político, aí ocorre um reducionismo. Não acredito que seja essa a intenção do
professor.” [referência à afirmação de José de Souza Martins de que o MST seria o ‘maior
partido camponês da América Latina’.] (ibidem:44)

É necessário que ressaltemos aqui a grande novidade histórica que representa a experiência
do MST em termos organizativos. Ao mesmo tempo em que rompe com diversos limites das formas
tradicionais, os sindicatos e partidos, busca apresentar uma forma mais total de organização,
agregando elementos da luta política e da luta econômica. Contudo, a grande contribuição histórica
se encontra limitada por uma política programática que engloba toda a esquerda das últimas décadas.
Aqui encontramos a Reforma Agrária como bandeira que geraria um acúmulo de forças em um
momento da conjuntura em que o socialismo não estaria na ordem do dia. Assim, a pressão de
massas combinada com a ação na institucionalidade, papel exercido principalmente pelo PT, na luta
por reformas estruturais viabilizariam transformações em um futuro de longo prazo. Esse é o
programa democrático e popular defendido pelo PT e que com algumas pequenas mudanças, também
está presente na estratégia do MST. Essa imbricação é trabalhada por Mauro Iasi e será apresentada
na sessão seguinte. Vale ressaltar aqui que talvez a experiência urbana, que pretendemos explorar na
pesquisa, poderia ser um momento superior nessa proposta estratégica, no sentido de buscar ir além
dos limites da reforma agrária como principal reivindicação.
Em relação aos princípios organizativos é dedicada especial atenção na entrevista para o
“princípio da luta de massas”, como sendo a principal novidade organizativa do MST. Este princípio
evitaria a cooptação de quadros e garantiria a radicalidade das lutas e suas conquistas com
independência da institucionalidade estatal. Aqui temos argumentos de Stedile que poderiam ser
utilizados hoje contra o próprio Stédile, ao notarmos a flagrante queda no número de ocupações e
acampamentos ao longo dos anos 2000, conforme apresentamos na sessão anterior. Vejamos sua
leitura das ocupações no fim da década de 1990:

Outro princípio: a nossa luta pela terra e pela reforma agrária – já havíamos descoberto por
nós mesmos – só avançará se houver luta de massas. Se nos contentarmos com uma
organização de fachada, sem poder de mobilização, ou se ficarmos de conchavos com o
governou esperando pelos nossos direitos, só porque eles estão escritos na lei, não
conquistaremos absolutamente nada. O direito assegurado na lei não garante nenhuma
conquista para o povo. Ele só é atendido quando há pressão popular. Assim, a cooptação é a
45
primeira arma que a burguesia utiliza contra a organização dos trabalhadores. Só depois ela
utiliza a repressão. Ela procura neutralizar nossa força com a cooptação, entregando-nos
algumas migalhas ou paparicando líderes vaidosos, personalistas ou ideologicamente fracos.
O povo só conseguirá obter conquistas se fizer luta de massas. É isso que altera a correlação
de forças políticas na sociedade. Senão o próprio status quo já resolvia o problema existente.
Um problema social só se resolve com luta social. Ele está inserido na luta de uma classe
contra outra.” (STEDILE&MANÇANO, 2000: 43)

Segundo o dirigente, o MST seria uma organização de massas dentro de um movimento de


massas. E o setor responsável pelas ocupações e acampamentos, a frente de massas, seria por onde
tudo começaria, seria a “porta de entrada da base”. Segundo Stédile a ocupação seria fundamental, a
“essência do movimento”, “a principal forma de pressão que os camponeses têm para fazer avançar a
reforma agrária”. Seria uma forma de luta contundente que levaria ao posicionamento da sociedade,
de modo que não teria mais como se escamotear o problema social, além de criar um sentimento de
solidariedade, comunidade e aliança entre os acampados.

No entanto, acho que a principal mudança é que os trabalhadores sem-terra já assimilaram e


compreenderam que a ocupação é a forma mais eficaz, tanto é que cada vez mais aumenta o
número a cada ano. E por outro lado a sociedade também compreendeu que diante da
ineficácia das leis, da intolerância do governo, da truculência dos latifundiários, os sem-terra
não tem outro caminho, a não ser pressionar com suas próprias forças para que se aplique a
lei de reforma agrária. Nisso se aplica o ensinamento de um jurista amigo nosso: Só a luta
faz a Lei. (idem:118)

A essa contradição no discurso de Stédile - a defesa incondicional da “ocupação” que se


reverteu no posterior abandono como forma de luta - podemos somar a temática da crítica à luta
institucional. Stédile ressalta o limite da luta institucional e o esforço permanente do movimento em
adotar uma postura crítica em relação a propostas de adesão aos governos, mantendo-se uma
radicalidade objetiva com enfoque na luta de massas como instrumento de pressão social
imprescindível. Podemos observar esse posicionamento dos dirigentes do MST em uma das
primeiras reuniões no processo de constituição do movimento, o I Encontro Nacional que ocorreu em
Cascavel – PR em 1984 descrita por Stédile: “‘Esse negócio de assembleia, de abaixo-assinado para
o governo, de audiência, isso não resolve’, era o que pensávamos. Poderia até ser um aprendizado
pedagógico para as massas, mas se não houvesse luta de massas a reforma agrária não avançaria.”
Essa postura se manteria anos mais tarde em episódios como o I Congresso Nacional em que se

46
manteve um certo ceticismo em relação à constituição da Nova República a partir do governo
Tancredo/ Sarney. Devido a essa concepção crítica emerge a bandeira “Ocupação é a única solução”:

O pessoal de esquerda vinha dizer para a gente: ‘Vocês se acalmem que agora vai sair a
reforma agrária’. E crescia em nós a convicção de que a reforma agrária só iria avançar se
houvesse ocupação, luta de massas. Sabíamos que, mesmo com o novo governo, civil agora,
não dava para ficar esperando pela boa vontade das autoridades. O povo deveria pressionar.
Essa era nossa garantia. Daí surgiu a bandeira de luta “Ocupação é a única solução”.
Esse foi o grande acerto. O movimento teria acabado se aderisse à Nova República naquele
Congresso. O MST era fraco, estava apenas no seu início. Se a gente se juntasse com uma
força maior e reformista, a organização tinha acabado. A maioria dos superintendentes do
INCRA era do PCdoB e do PCB. Tínhamos que lutar contra eles, infelizmente.” (ibidem: 51-
52)

O momento subsequente a esse período seria marcado por uma onda de ocupações: “As
massas entenderam que não poderiam ficar esperando o governo e que havia espaço democrático,
mas que só ocuparia esse espaço quem conseguisse se mobilizar e lutar.” (ibidem:52-53) Os
momento de maiores conquistas seriam os períodos com maior quantidade de ocupações, fins de
1980 e fins de 1990.
Dentro desse mesmo tema há também uma contradição interna ao discurso de Stédile. Ainda
que afirme a necessidade da luta de massas contundente e radical e a crítica a relações estreitas com a
institucionalidade estatal, apresenta as disputas eleitorais como algo que afetava diretamente a
organização que afinal lutava pela realização de uma reforma agrária através do Estado.
Afirma que “para mudar a sociedade tem que mudar o Estado” e esta mudança só ocorreria
com consciência política e social que criasse um projeto político dos trabalhadores através da luta.
Além disso, afirma: “A imprensa mente ao dizer que pretendemos substituir o Estado. Pelo contrário:
as instituições públicas da sociedade tem que fazer a reforma agrária e nisso o Estado é o agente
principal.” (STEDILE&MANÇANO, 2000: 121) E a principal alteração da conjuntura de ascenso do
movimento seria a derrota de Lula para Collor nas eleições de 1989. O V Encontro Nacional do
MST, realizado neste mesmo ano em Nova Veneza, Sumaré- SP, teria sido marcado por um clima de
agitação devido a esperança presente na "vontade política de eleger o Lula, ajudar a mudar o Brasil.”
Stédile afirma que o movimento nesse período seria muito fraco e estaria ainda em fase de
constituição, e compara a derrota de Lula à condição de um adolescente que perde o pai e não tem
maturidade suficiente para compreender a situação em que se encontra. Nesse momento, há a
frustração da expectativa de que seria possível realizar uma reforma agrária rápida. A vitória de
47
Collor seria vista como uma derrota política sem precedentes, não apenas pela derrota de Lula, mas
pelo enorme período de repressão que recairia sobre o MST nos anos subsequentes.
Esse período é seguido pelos dois mandatos de FHC, quando o MST empreendeu uma luta
contra o neoliberalismo. Segundo Stédile, FHC negaria a existência de um problema agrário na
sociedade brasileira e, assim, o latifúndio não seria empecilho para o desenvolvimento, tornando
desnecessária a reforma agrária. Teria promovido uma subordinação da nação ao capitalismo
internacional e a entrega da economia ao capital financeiro e aos produtos importados, enquanto a
agricultura e o meio rural teriam sido marginalizados. A política de isolamento promovida por FHC
teria obrigado o movimento a radicalizar: “Se não houver conflito, não há assentamento.” Se
estabelece a noção de que para conquistar a reforma agrária é necessário mudar o modelo econômico
neoliberal. E toda a sociedade deveria abraçar a luta, o que levou ao lema “A reforma agrária é uma
luta de todos”. Interessante notar que essa leitura que o MST elabora do neoliberalismo afirma-o
como uma face “mais” perversa do capitalismo. Assim, compreendemos a contraposição que será
feita desse período em relação aos anos Lula, caracterizado pelo projeto neodesenvolvimentista, ao
qual o MST busca adesão.
Os anos de luta antineoliberal, de grande radicalismo mediante a intransigência dos governos
FHC, foram marcados por uma onda de ocupações em 1996 que desembocou na marcha para
Brasília em 1997. Este teria sido um “grande ato político contra o neoliberalismo do governo FHC”.
Segundo Stédile não havia intenção de negociar com FHC, mas reunir forças de toda a sociedade
contra a política neoliberal. Menciona também o governo FHC como um típico governo burguês que
busca derrotar o movimento através de três grandes táticas: cooptação, divisão e repressão.
Refletimos aqui sobre quais seriam as posições hoje do governo Lula. Será que o Estado sob
comando petista não utilizaria as mesmas ferramentas, e até com mais eficiência, para controlar a
luta social? Ainda que possam haver avaliações críticas no MST também quanto ao governo petista,
a aversão ao governo neoliberal do PSDB tem ainda arregimentado grandes parcelas do movimento
em defesa do Partido dos Trabalhadores, sendo que este, apesar de limitado, seria a opção “menos
pior” para os movimentos sociais.
Até o momento apresentamos alguns limites e contradições do discurso de Stédile em relação
ao processo de desenvolvimento da organização ao longo das últimas três décadas. Por último
pretendemos apresentar alguns fundamentos que justificam a adesão contemporânea do MST a um
projeto de desenvolvimento nacional.
Segundo Stédile, o programa agrário do MST estaria fundado em uma crítica à esquerda e à
direita. A esquerda acreditaria que coletivismo resolve tudo ou que se deve ficar esperando pelo
48
socialismo, já a direita defenderia que o camponês deve resolver seus problemas por si só,
integrando-se ao mercado e se tornando um pequeno capitalista. A organização proposta pelo MST,
segundo o dirigente, buscaria através do credito governamental e da produção cooperada produzir
uma certa autonomia do grande capital ao mesmo tempo em que garante a inserção no mercado
através de uma divisão do trabalho e dos lucros diferenciada.
Entre 1986 e 1990 o debate esteve em torno dos programas de crédito rural (PROCERA) a
partir da tese de que além de democratizar a terra seria necessário “democratizar o capital”, isto é,
fornecer crédito subsidiado aos assentados. Já na década de 1990 se consolidou o debate em torno da
cooperação e foram criadas algumas instituições e estruturas para que se desenvolvessem projetos
nos assentamentos: criação da Confederação Nacional de Cooperativas, a CONCRAB; criação do
Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA) e formação de cursos técnicos para assentados em
institutos do movimento sobre cooperação agrícola, os TACs.

Só a cooperação agrícola vai fazer com que possamos desenvolver melhor a produção,
introduzir a divisão do trabalho, permitir o acesso ao credito e às novas tecnologias, permitir
e manter uma aglutinação social maior nos assentamentos, criar condições ou facilidades
para trazer energia elétrica, água encanada, colocar a escola perto do local de moradia.
(idem:100)

Nessa análise a agroindústria seria a forma mais avançada de cooperação, pois permitiria que
os assentados não fossem explorados pelas multinacionais, agregassem valor e vendessem o produto
mais barato, com acesso ao mercado de massas das cidades. Assim, as cooperativas teriam uma
“missão social”, o que iria muito além de uma mera inserção no mercado capitalista tradicional:
produzir para a população que dá apoio à luta e não para a classe média. Curioso vermos que o
processo justamente oposto se desenvolveu nos anos subsequentes. Um exemplo concreto é já citado
o convênio do MST com o Grupo Pão de Açúcar para a venda de arroz orgânico32, sendo esta uma
rede de distribuição que está muito distante dos consumidores provenientes das classes populares.
Essa ampliação da política de alianças, já indicada no lema “A reforma agrária é uma luta de todos”,
chegou ao seu ápice durante o governo petista quando, em fins dos anos 2000, foram estabelecidas
alianças com setores do agronegócio com mediação dos governos petistas federal e estaduais. Um
desses convênios é o também já citado caso da Fíbria que, com o governo estadual petista e a

32
Rio+20:Pão de Açúcar irá vender arroz sem agrotóxico do MST , UOL Notícias, 20/06/2012. Disponível em:
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2012/06/20/rio20-pao-de-acucar-ira-vender-arroz-sem-agrotoxico-do-mst
49
ESALQ/USP, garantiu no sul da Bahia uma área de dez mil hectares, antes propriedade da empresa,
para o assentamento de mil e duzentas famílias do MST e a criação de uma escola agroecológica
florestal.
Voltando à questão das cooperativas, outro diferencial da forma cooperada agroindustrial
seria a divisão do “valor agregado”. Stédile afirma que a divisão do trabalho seria assimilada do
capitalismo, mas isso se daria sem objetivos capitalistas. A divisão do trabalho teria sido parte da
evolução “natural” das forças produtivas e poderia ser usada para o bem e para o mal. No caso das
cooperativas, a divisão do trabalho não teria o objetivo de explorar as pessoas como no capitalismo.

Estamos provando que é possível implantar a divisão do trabalho como uma forma de
desenvolvimento das forças produtivas, em que essa divisão esteja a serviço do bem-estar de
todos. Isso é importante em termos de avanço do conhecimento e de transferência desse
acúmulo, de superação. (STEDILE&MANÇANO, 2000:112)

Stédile propõe portanto a utilização de uma forma capitalista de divisão do trabalho que
viabilize a entrada no mercado capitalista mas que seja, devido à sua “missão social”, uma forma de
combate ao próprio capitalismo por não promover a exploração do trabalho e criar uma nova forma
de desenvolvimento da sociedade brasileira. Uma nova forma de produção e distribuição fundada na
organização cooperada do trabalho, na produção sustentável (sem agrotóxicos) e com baixo custo
possibilitaria um “modelo de desenvolvimento diferente do neoliberalismo”.

Uma outra frente recém-ensaiada e que não depende só de nós, é justamente começar a tratar
o processo de desenvolvimento do meio rural como uma alternativa à cidade, como uma
alternativa ao desenvolvimento geral da sociedade. Vamos novamente contra o que estão
dizendo as forças imperialistas. Os países desenvolvidos pregam que o meio rural já deu o
que tinha que dar. Temos que provar que, para resolver o problema dos pobres na América
Latina e no Terceiro Mundo, só se levarmos o desenvolvimento para o meio rural.
(idem:124-125)

Aqui o Estado teria um papel fundamental de impulsionador e viabilizador desse projeto de


desenvolvimento. Stédile cita caso da região de Cantagalo no Paraná, afirmando que, caso os
candidatos do PT tivessem ganhado as prefeituras locais, o movimento teria ganho impulso ao seu
projeto de desenvolvimento rural. Pelo fato de terem perdido as eleições o projeto teria ficado
atravancado.
50
O desenvolvimento no campo e o antiimperialismo marcam uma postura de fins da década de
1990 que resultou na tentativa de composição do MST com o projeto petista para o Brasil, do qual a
base assentada seria protagonista e beneficiária, o projeto neodesenvolvimentista. Como vimos
anteriormente, o neodesenvolvimentismo e sua correlata frente neodesenvolvimentista passou a ser
defendido publicamente por alguns dos principais dirigentes do MST, João Pedro Stédile e João
Paulo Rodrigues.
Não sabemos, todavia, se de fato tem se realizado a conformação desta frente, mas temos
clareza da aproximação do MST com os governos Lula/Dilma e da tentativa de desenvolvimento dos
assentamentos como principal objetivo do movimento na últimas décadas. Já a radicalidade das
ocupações passou a segundo plano, como uma herança histórica em que o movimento sustenta sua
fama esquerdista e crítica. Stédile, ainda em sua entrevista de fins dos anos 1990, afirmou que não se
deve esperar pelo socialismo, mas apenas se guiar por ideais socialistas, de forma a se realizar o que
é de fato possível. Em consonância com essa afirmação a mudança social empreendida pelo MST
nos parece cada vez mais confinada à ilusão da possibilidade de uma melhor distribuição de renda e
a um processo de contenção e humanização do capitalismo. Os limites estruturais em que esbarra
essa contradição serão expostos na terceira parte deste texto a partir das ideias de Menegat.

HIPÓTESE 2 – A luta de classes e o programa estratégico


Nesta sessão apresentamos os principais elementos da elaboração mais rica que identificamos
até o momento dentre as reflexões elaboradas pela esquerda marxista ortodoxa sobre o que teria
ocorrido com as principais organizações da classe trabalhadora no Brasil nas últimas décadas. Essa
concepção é elaborada e expressa principalmente por Mauro Iasi em As metamorfoses da
consciência de classe, obra em que analisa as transformações que ocorreram com o Partido dos
Trabalhadores desde seu surgimento até a chegada de Lula ao governo federal em 2003. Esse texto
pode ser complementado por artigos posteriores produzidos por Iasi e pelas reflexões elaboradas em
espaços de formação política que se fundamentaram em sua análise33.
Pretendemos aqui ser o mais fiel possível a essas análises considerando que nos defrontamos
com certa dificuldade, pois o MST não é analisado diretamente nos textos estudados. Contudo, é
explicitado por diversas vezes pelos autores que a análise do MST e da CUT deveriam ser guiadas

33
Grande parte das reflexões apresentadas nessa sessão foram elaboradas em espaços de formação em um processo de
discussão coletiva com militantes que saíram do MST. Buscamos aqui, ainda que essa seja uma árdua tarefa, ser o
mais fiel possível às discussões elaboradas coletivamente nesses espaços de estudo e reflexão. Porém ressaltamos que
as ideias aqui apresentadas são fruto de compreensão e interpretação minha, e por isso assumo portanto a inteira
responsabilidade por elas.
51
pela análise do polo mais avançado e que seria a direção desse processo político, o Partido dos
Trabalhadores. Assim, identificamos primeiramente como essa linha analisa o processo geral em que
se insere a crise do PT como organização combativa e radical para, em seguida, situar o MST nesse
espectro da luta política e social.
Aqui temos a leitura de que a esquerda em geral estaria inserida em um processo de ciclos
históricos, semelhantes a períodos intermitentes de crise e retomada da produção e reprodução do
capital. Essas “crises cíclicas” guiariam a esquerda mundial em um processo contínuo de elaboração,
consolidação e esgotamento dos projetos estratégicos que permeiam a luta de classes. Essa expressão
política da dinâmica geral do sistema seria o principal objeto dessa análise.
Retomando a problemática que buscamos responder temos: por que uma organização forjada
pela classe trabalhadora com o objetivo de se opor à ordem capitalista acabaria por se amoldar aos
limites dessa ordem que antes se propunha superar?
Essa questão é desenvolvida por essa linha interpretativa a partir do marco de análise do
programa estratégico que teria guiado a organização mais avançada construída a partir dos embates
no âmbito da luta de classes no Brasil. Nas palavras de Iasi (2006:359), “A nosso ver, a experiência
do PT é um excelente exemplo do movimento de constituição de uma classe contra a ordem do
capital que acaba por se amoldar aos limites dessa ordem que queria superar.” Nesse sentido, o PT é
visto como uma expressão autêntica das lutas da classe trabalhadora e em seu surgimento possuiria
um componente radical e crítico que iria se perder ao longo das décadas seguintes. O PT seria “um
partido de composição operária que pretendia unificar o conjunto dos assalariados em torno de um
programa radical de reformas democráticas com um objetivo socialista.” Porém, como explicar as
transformações tão gigantescas pelas quais teria passado esse partido originalmente “classista e
anticapitalista”?
O caminho utilizado para essa explicação seria, como dissemos, guiado pela análise da
estratégia política que permeou esse partido e as principais organizações da classe trabalhadora ao
longo das últimas três décadas, o Programa Democrático Popular (PDP). Este seria a marca do
último ciclo histórico vivenciado pela esquerda brasileira.
O grande primeiro ciclo teria se iniciado na década de 1930 e se fechado com o Golpe Militar
em circunstâncias trágicas para as lutas sociais nas décadas de 1960 e 1970. Esse ciclo teria sido
marcado pelo Programa Democrático Nacional (PDN) elaborado pelo Partido Comunista Brasileiro
(PCB). A crise de projeto seria seguida pela elaboração, com fortes marcas de continuidade em
relação ao processo anterior, do projeto que aqui iremos apresentar. O PDP começa a ser elaborado
na década de 1980 e estaria agora frente a sua crise que se iniciaria nos anos 2000. Estaríamos,
52
portanto, vivenciando nesse momento a crise do projeto estratégico democrático e popular e o vazio
histórico que precederia o forjar de um processo de destruição e reconstrução das organizações da
esquerda e sua estratégia política. O MST se situaria aqui como a última grande figura desse velho
ciclo já em franca decadência.
Vale ressaltar que essa crise programática não seria fruto da não realização do programa. Pelo
contrário, a crise é expressão do fato de que este se completou, porém, ao se materializar mediante
condições concretas e históricas determinadas, passou a fortalecer a ordem que, no momento de sua
formulação, pretendia questionar.
Essa concepção representa um salto de qualidade em relação a análises que identificam o
fundamento da crise da esquerda em erros pontuais, em problemas de gestão e implementação do
programa e mesmo em desvios morais de seus militantes e dirigentes. Como já mencionamos Muitas
organizações, na tentativa de romper ou tensionar o projeto petista, se limitam a denunciar a
“traição” do programa pelas direções, o “rebaixamento” do programa devido às dificuldades em sua
implementação ou ao “abandono” desse programa. Nesse meandro se situam as teses da cooptação
das organizações pelo Estado burguês ou por setores burgueses ou pequeno burgueses que de forma
maquiavélica e manipuladora passariam a controlar as organizações e suas direções. Como
consequência, no caso dessas interpretações, a saída dessa crise se limita à retomada do programa e
sua implementação de modo mais “correto” e “eficiente”.
Temos aqui uma visão mais elaborada do problema, pois o que teria ocorrido seriam
transformações concretas da realidade e formas de atuação dentro do âmbito de um programa
estratégico que, ao ser implementado, se transformaria no seu oposto, naquilo que pretendia superar.
A explicação para essa virada estaria posta a partir de um processo histórico no âmbito das disputas
políticas determinadas por condições da conjuntura das lutas sociais locais e mundiais. Esse
programa guiaria hoje toda forma de organização e luta política, sendo esta tanto aliada quanto
crítica ao petismo. Nesse sentido, a superação da crise da esquerda não estaria limitada a uma melhor
implementação dessa estratégia falida, mas se daria apenas através de um processo de autocrítica que
buscasse a superação total desse programa e forjasse, em meio às lutas que emergiriam no ciclo que
estaria por vir, de uma nova estratégia que visasse a superação do capital.
Esse seria um momento de reflexão, de debates, de estudos, em que as organizações que se
propõem à crítica radicalizassem sua reflexão, ao mesmo tempo em que se mantivessem em algumas
trincheiras fundamentais das lutas dos trabalhadores. Assim, na crise que se seguiria poderíamos
elaborar e implementar uma nova estratégia que de fato levasse ao socialismo e à superação do
sistema do capital.
53
Uma das principais contribuições dessa concepção é a análise detalhada do Programa
Democrático e Popular, munindo nossa reflexão de importantes elementos históricos expressos no
campo político que desembocariam nos limites hoje vivenciados pelo MST. Portanto, apresentamos a
seguir alguns desses elementos e as reflexões acerca da mudança que sofreram ao serem
concretizados pelo governo petista.
O PDP teria surgido em contexto de fins da ditadura militar, de emergência das greves de
1979 no ABC e com a crise do comunismo na conjuntura internacional. Os sujeitos que compõem a
direção desse ciclo histórico nascente seriam os marxistas sobreviventes da ditadura militar, os novos
sindicalistas e os representantes da teologia da libertação. Quando surge na década de 1980, o PDP
teria como principais características o anticapitalismo, o classismo (“partido dos assalariados sem
patrões”) e a luta pela democracia plena. Assim, “(...) o partido só formula aquilo que o movimento
real da classe já realizou.” (IASI, 2006:388)
Nesse sentido, nas concepções do PDP, um governo dos trabalhadores criaria as condições de
médio e longo prazo para a constituição de uma democracia real que levasse ao fim da exploração e
da opressão via controle econômico e político da classe trabalhadora. Assim, temos a constituição de
um partido de massas organizado em dois braços: o da pressão social de massas e o braço
institucional. O primeiro deveria ser o braço mais forte expresso nas lutas sindical (CUT) e popular
(MST). Já o segundo seria a atuação através do Estado principalmente via disputas eleitorais, e
deveria ser subordinado à luta social. Essa relação de dupla atuação viabilizaria gradualmente as
condições para a instituição do socialismo.
A leitura hegemônica na esquerda nesse momento afirmava que no Brasil naquele momento
não haveria uma correlação de forças favorável para se travar uma luta direta pelo socialismo via
tomada insurrecional do poder. Para criar essas condições a entrada institucional no Estado seria
necessária para promover um “acúmulo de forças” gradual, sendo essa a única forma de se alterar a
correlação de forças à longo prazo. Além disso, um país de capitalismo dependente não conseguiria
sustentar-se economicamente de forma autônoma, sendo assim necessário combinar uma economia
planificada com uma economia de mercado. Não haveria, portanto, as condições subjetivas para a
transformação social, pois a classe trabalhadora não estaria consciente da necessidade de superação
do capitalismo e implementação do socialismo. Tampouco haveria condições objetivas, pois o
capitalismo dependente brasileiro não conseguiria se sustentar de forma autônoma em relação aos
países do capitalismo central. Nossa burguesia dependente não teria força suficiente para realizar as
reformas necessárias para superação da nossa condição subordinada. Assim, o operariado deveria se

54
constituir e fortalecer como classe para que realizasse, independentemente da burguesia, o que se
convencionou denominar “tarefas em atraso”.

A democracia como meio e como fim da meta socialista só pode ter o significado de um
projeto da ‘maioria’ da sociedade, fruto da ‘vontade’ e da ‘consciência’ desta maioria.
Portanto, o projeto proletário socialista depende, primeiro, que esta classe se torne
majoritária, o que só é possível com o amplo desenvolvimento do capitalismo, depois por um
trabalho político e organizativo que leve até esta classe a necessidade do socialismo. Como
já foi apontado, uma vez que essa classe se expressa contraditoriamente como uma classe na
sociedade civil, sem que seja uma classe da sociedade civil, a resolução se dá no caráter
progressivo da passagem para o socialismo, de forma que a ‘ordem capitalista’ se transforma
em ‘ordem socialista’ não pela negação revolucionária da sociedade civil, mas de sua
‘generalização’, elevando, e o termo não é acidental, o proletariado à condição de ‘cidadão’.
(idem: 469)

Assim se justificaria o “acúmulo de forças” via reformas sociais e o desenvolvimento da


estrutura produtiva via economia de mercado e planificação. Ambos os passos se realizariam apenas
via atuação direta do Estado, que deveria ser controlado pelo Partido dos Trabalhadores.
As consequências da consolidação desse projeto nas duas décadas posteriores, 1990 e 2000,
teriam sido catastróficas para a luta dos explorados e oprimidos. Esse processo teria sido
condicionado em grande medida pela sobredeterminação da viabilidade eleitoral apresentada pelo PT
e seus candidatos em relação à via das lutas sociais. Em 1989, os positivos resultados eleitorais
teriam acelerado no partido a emergência de disputas em torno do programa. A consequência seria
uma ampliação progressiva da política de alianças resultando na incorporação, em um primeiro
momento, de setores da pequena burguesia, seguida nos anos posteriores por alianças explícitas com
setores empresariais.
O programa econômico passaria a ser dominado cada vez mais por um ideário
desenvolvimentista que focava na questão da ampliação dos mercados e da capacidade produtiva
nacional. Cada vez mais se fortaleceria a noção de que o programa deveria se enquadrar nos limites
do possível, do realizável. Assim, a superação das desigualdades regionais se conformaria em uma
política de inclusão social via programas assistenciais; a superação do Estado coercitivo se limitaria à
consolidação da democracia representativa; a superação do imperialismo se conformaria em uma
inserção não subordinada no mercado internacional; e as reformas, incluindo a reforma agrária,

55
permaneceriam ainda por um bom tempo como bandeiras do partido para serem por fim abandonadas
com a chegada de Lula ao poder em 2003.
Portanto, o que observaríamos seria um amoldamento da consciência da classe para ações
táticas cada vez mais distanciadas do objetivo socialista estratégico. Nas palavras de Iasi (2006:499),
esse projeto de conciliação de classes teria como eixo central: “promover um crescimento com
distribuição de renda baseado em um mercado interno de massas fortemente induzido pelo Estado.
Isso geraria as condições políticas capazes de unificar o bloco popular contra os interesses
conservadores representados pelos monopólios, o capital financeiro e os latifundiários.”
O PDP seria uma “transição para a transição”, isto é, um processo de transição capitalista que
criaria condições para a transição socialista. Segundo Iasi, esta concepção estaria fundada nas
análises de Florestan Fernandes, maior expoente teórico sustentador do democrático popular, que
afirmaria a necessidade de uma “revolução dentro da ordem que só se completaria contra e fora da
ordem”.

Uma vez que a ordem burguesa é impermeável às pressões dos setores radicalizados da
burguesia e às demandas das camadas populares e, assim como para Caio Prado, ainda que
por outros motivos, Florestan também acredita que uma revolução socialista seria naquele
momento impossível, a apresentação das demandas democráticas não realizadas pela
burguesia e que coincidissem com os interesses dos trabalhadores, levaria a um impasse cuja
solução apontaria para a ruptura socialista.
É nesta equação que nascerá a famosa formulação de Fernandes sobre a necessária
combinação de uma “revolução dentro da ordem” com uma “revolução fora da ordem” . Ora
esta é, por assim dizer, a alma da formulação democrática popular. (idem:499 )

O etapismo presente no PDP seria uma recriação caricatural do PDN, sendo que, o mais forte
diferencial entre os programas, a recusa de realizar uma aliança com setores burgueses, acabaria por
ser abandonado devido à predominância da via eleitoral na década de 1990.
Teríamos na década de 1980 uma mudança progressiva na correlação de forças devido às
crises econômica e política do governo Sarney, que produziram um sentimento de esperança de
vitória para as eleições presidenciais subsequentes. Aí estaria a condição conjuntural que produziu a
necessidade de ampliação da política de alianças e da progressiva diminuição da radicalidade
programática. A expressão mais nítida dessa transformação seria o abandono do objetivo socialista,
substituído pela defesa da democracia radical, o que posteriormente se expressaria na substituição do

56
anticapitalismo pelo antineoliberalismo. Assim, cada vez mais se delinearia a máxima de que para o
PT o socialismo seria a “radicalização da democracia”. Expressões públicas da crise do ciclo
democrático popular seriam a escolha de José Alencar para vice de Lula nas eleições de 2002 e o
lançamento da Carta ao Povo Brasileiro em que Lula interpela diretamente o empresariado nacional.
Vale citar aqui um trecho significativo deste documento:

A crescente adesão à nossa candidatura assume cada vez mais o caráter de um movimento
em defesa do Brasil, de nossos direitos e anseios fundamentais enquanto nação independente.
Lideranças populares, intelectuais, artistas e religiosos dos mais variados matizes ideológicos
declaram espontaneamente seu apoio a um projeto de mudança do Brasil. Prefeitos e
parlamentares de partidos não coligados com o PT anunciam seu apoio. Parcelas
significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto. Trata-se de uma vasta
coalizão, em muitos aspectos suprapartidária, que busca abrir novos horizontes para o país.
(...) O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual modelo,
reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia para o
outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país. Será necessária uma lúcida e
criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se
desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo
não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será
implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação
nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato
social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. (SILVA, 2002)

Assim, o Programa Democrático e Popular não teria sido traído, abandonado ou rebaixado,
mas sim realizado segundo as condições concretas possíveis, conforme as condições presentes na
realidade e na situação em que se encontrava a luta de classes.
Nesse sentido, a grande contribuição desta análise é proporcionar uma elaborada
compreensão das escolhas organizativas, que se estabeleceram conforme o limite de um contexto
nacional e internacional das disputas entre as classes sociais antagônicas. Duas consequências
concretas perversas dessas escolhas seriam a ampliação da participação de setores pequeno
burgueses nas instâncias de direção do partido e o agigantamento da via institucional marcada pelo
caráter primordial que tomou a disputa eleitoral e a realização de reformas via Estado burguês.

57
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra34 pode ser inserido nesse processo pois
toda a sua atuação nas últimas décadas teria sido guiada por esse projeto estratégico. Nesse sentido,
sua combatividade característica das décadas iniciais também entraria em crise na medida em que
seu projeto norteador se amoldava aos limites da ordem capitalista. A bandeira da Reforma Agrária
como forma de parcelamento da terra é reafirmada nos setores hegemônicos do MST a partir da
“perspectiva camponesa”, carregada de uma negação permanente em mobilizar o proletariado rural.
O movimento se limitaria à crítica do capitalismo como forma de monopólio do agronegócio no
campo, garantindo a defesa da pequena propriedade e da livre iniciativa. Mesmo a aliança operário-
camponesa seria aqui pensada a partir do operário como mero consumidor dos produtos produzidos
pelo camponês, e não a partir de uma aliança de classes que buscaria superar o sistema de opressão e
exploração. O desfecho desse processo seria a expressão de uma posição ambígua, pois ao mesmo
tempo em que o movimento se opõe a certos setores do capital, integra-se a esse sistema via
mercado.
Essa defesa do desenvolvimento capitalista do campo fundado na pequena propriedade e na
livre iniciativa se expressaria na bandeira da “Reforma Agrária Popular”, que deveria estabelecer
limites à selvageria do capital promovendo sua humanização. O controle humano e a produção justa
seriam organizados via cooperativas de trabalho de produção e distribuição de alimentos. A grande
bandeira desse processo, que diferenciaria a produção tradicional capitalista da produção do MST
seria as “técnicas agroecológicas”. Estas garantiriam a saúde humana e a preservação da natureza
principalmente devido a não utilização de agrotóxicos na produção de alimentos.35
Á medida em que a base acampada do movimento se estabelece como base assentada haveria
uma alteração de sua base material. Estabelecidos e desmobilizados, os assentados lutariam
fundamentalmente por créditos e programas governamentais que viabilizariam a produção e
circulação de mercadorias. Essa regressão na consciência política seria consequência da conformação
de uma pequena burguesia proprietária, fruto da objetividade da luta parcelaria pela terra.
Aqui encontramos o limite da composição de classe, sendo esta pequeno-burguesa, também
identificado como componente essencial para se compreender as transformações da direção do PT. A

34 As ideias aqui apresentadas em relação ao MST foram expostas e debatidas em um espaço coletivo de estudos com
um grupo de militantes do MST-SP que optaram por sair dessa organização em fins de 2011 e início de 2012. Os estudos
foram realizados ao longo dos anos de 2012 e 2013 com o objetivo de aprofundar e elaborar as críticas que sustentaram a
razão da saída desses militantes. Essas críticas foram em partes expressas na Carta dos 51 que pode ser encontrada em:
http://passapalavra.info/2011/11/48866.
35
Sobre este tema a maior produção propagandística desta técnica produtiva foi produzida pelo cineasta Silvio Tendler
em conjunto com o MST. Os filmes O veneno está na mesa (2011) e O Veneno está na Mesa 2 (2014) estão
disponíveis no www.youtube.com
58
pequena burguesia, classe oscilante entre os setores dominantes e subalternos, se posicionaria ora
como crítica do sistema dominante ora como integrante deste. No caso do MST isso se manifestaria
na crítica ao grande capital do campo, o agronegócio, aliada à defesa da pequena propriedade e à
tentativa de integração ao mercado. No caso do PT e seu projeto estratégico, o socialismo seria
apenas um “verniz” aparente, submetido à luta pelas garantias democráticas que perpetuam o sistema
de propriedade e exploração ao mesmo tempo em que se viabilizam as necessidades materiais desta
base social.

A necessidade de conformar um bloco que inclui ‘setores proprietários’, ainda que vivam do
seu trabalho, nos leva a indispensabilidade de encontrar no projeto histórico fixado um lugar
para eles, daí a afirmação de formas mistas de propriedade entre as quais ainda sobrevivam
formas de propriedade privada. (idem: 411)

O projeto de conciliação de classes em que iria se conformar o PT seria especialmente


importante para o setor pequeno burguês, pois o acirramento da luta de classes apenas colocaria em
risco sua posição intermediária aumentando a instabilidade política e econômica. Assim a origem
operária do PT seria sobreposta pela direção pequeno burguesa e o caráter pequeno burguês, de
alguma forma sempre presente no MST, se tornaria hegemônico e consolidado nas instâncias
diretivas desse movimento popular.
Outro elemento importante, segundo a análise em questão, seria o papel da institucionalidade
estatal burguesa na deformação dessas organizações anteriormente combativas. No caso do PT esse
fenômeno está explícito devido à ocupação generalizada de cargos federais, estatais e municipais
pelos membros do partido. Já no caso do MST, para além da entrada de militantes em órgãos do
governo após a chegada de Lula ao governo federal, estaria clara a dependência do movimento em
relação ao aparato estatal via financiamentos e programas de assistência para produção e
comercialização.

A construção de um poder popular e o acúmulo de forças, caso queiramos manter o conceito


de hegemonia de Gramsci, implicariam portanto, não na disputa do Estado burguês, ainda
que em certas situações a luta possa chegar ao interior de suas trincheiras, mas
fundamentalmente criar uma ordem institucional e política contrária à burguesia, em luta
contra ela e que se organiza para substituí-la. (...) Fica mais que evidente [na teoria de
Gramsci] que não se trata de ‘disputar’ o Estado burguês, mas de substituí-lo por outro. As
organizações criadas pela ação do proletariado em sua luta contra o capital devem se

59
preparar para serem ‘órgãos do poder proletário que substitui o capitalismo em todas as suas
funções’. (ibidem: 487-489)

Uma característica marcante das posições hegemônicas do MST seria uma aversão à
organização do trabalhador operário das cidades. A entrada nas cidades promovida por alguns setores
do MST em fins da década de 1990 teria sido limitada a uma tentativa de “recampesinação”, de
retorno dos antigos camponeses amontoados e pauperizados nas periferias dos centros urbanos ao
meio rural. Por fim, a concepção que aqui apresentamos defende que a única saída combativa viável
para o momento histórico que vivemos, seria o retorno à classe operária sendo este o principal setor
que lutaria diretamente contra o capital. Mesmo com as transformações ocorridas com a estrutura de
classes nas últimas décadas, os operários de chão de fábrica estariam posicionados no interior do
processo produtivo possuindo, portanto uma potencialidade de organização e mobilização muito
superior aos setores populares rurais ou urbanos.
O PT e o MST, há milhas de ter como tarefa central a organização do proletariado fabril,
estariam agora conformados em um projeto de desenvolvimento capitalista, tendo se transformado
em seus contrários.

A mesma classe trabalhadora que entre o final da década de 1970 e boa parte dos anos 1990
equilibrou a correlação de forças e impôs patamares de resistência à acumulação de capitais,
garantiu direitos e os inscreveu na ordem constitucional consagrada em 1988, parece assistir
passiva ao desmonte destas garantias e direitos, emprestando, ainda que de forma não ativa,
seu respaldo à atual forma de acumulação que se implantou no início do século XXI. A
mesma classe que resistiu ao desmonte do Estado e das Políticas Públicas, alia-se aos seus
antigos adversários para desarmar a classe trabalhadora diante da disputa do fundo público
agora colocado a serviço da acumulação privada, em nome de um mito revivido: o
desenvolvimento. (IASI, 2012:2)

E por fim, uma parte trágica dessa condição é que essas organizações passariam a atuar como
instrumentos da contenção da luta de classes, que tentariam harmonizar as divergências entre as
classes sociais fundamentais, promovendo um “apassivamento” da classe trabalhadora conformando
uma “democracia de cooptação”.

A base da democracia de cooptação é a focalização das ações sociais visando amenizar a


pobreza absoluta ao mesmo tempo que oferece condições para o crescimento econômico e,
portanto da acumulação privada, aumentando a pobreza relativa.
60
A democracia de cooptação, genialmente antecipada por Florestan, mas por ele descartada
como possibilidade, não veio da autoreforma da autocracia, mas, inesperadamente, do
desenvolvimento da estratégia democrática popular madura que desloca para o governo um
setor que emerge da classe trabalhadora e dela se afasta para negociar em seu nome o pacto
que acaba por resolver os problemas de hegemonia que faltava à consolidação do poder
burguês no Brasil. Querendo evitar os equívocos de um socialismo sem democracia, o PT
acaba por implementar o pesadelo de uma burocracia sem socialismo.(idem: 29)

Assim, segundo essa concepção, a grande tarefa para os intelectuais e militantes nos
próximos anos seria realizar a crítica radical dessas organizações e se posicionar em algumas das
poucas trincheiras combativas da luta de classes que ainda sobreviveriam e que se propõem a um
processo permanente de autocrítica.
Até o momento apresentamos as ideias centrais dessa concepção e como ela traz os elementos
históricos e concretos das principais organizações da esquerda contemporânea. Essa análise nos
fornece importantes reflexões sobre a conformação atual do PT e mesmo do MST ao projeto
nacional “neodesenvolvimentista” e à política de conciliação de classes e contenção das lutas.
Contudo, é necessário indicarmos os limites dessa reflexão e as discordâncias que temos em relação
à análise em questão.
Consideramos que um estudo focado nas dinâmicas da organização política e sua direção
corre o risco de negligenciar importantes elementos da estrutura econômica e social que
conformaram essas ações. Para uma análise da totalidade é necessário pensarmos essa dinâmica
complexa entre relação e base, entre organização política e estrutura econômica.
Ao tematizar o movimento da consciência e seu desdobrar contraditório ao longo da história
do PT, Mauro Iasi acaba por hiperacentuar os aspectos políticos e ideológicos do processo, relegando
aos determinantes materiais o lugar de determinação "de fundo", que fundamenta o processo, sem
determiná-lo mais intimamente. A nosso ver, esses fundamentos materiais não apenas sustentam o
processo da consciência das direções, mas muito mais que isso, delimitam estreitamente o leque de
possibilidades da própria consciência dos indivíduos envolvidos no processo. Por isso, mas também
para além disso, limita o campo de possibilidades da prática política da classe organizada, que nada
pode fazer contra determinantes materiais tão poderosos. Por mais que a consciência política da
classe atinja patamares elevados a análise de Iasi encontra limites, portanto, nos próprios limites da
ação política no mundo do capital.
Podemos até questionar a pertinência desse dualismo entre elementos estruturais e
superestruturais, isto é entre a política/ideologia e a economia. Uma análise da totalidade, que

61
acreditamos que seja a mais rica possível, parte de elementos fragmentados de uma realidade social
complexa, mas que busca captar todas as relações que aí se apresentam e sua relação dinâmica.
Devido a esse recorte analítico perigoso, de alguma maneira essa analise recai nos limites que
pretende criticar. A análise do projeto estratégico busca ir além das análises que culpabilizam as
direções políticas como incapazes ou moralmente desviadas. Contudo, não há uma explicação
contundente do porque determinado projeto político se torna hegemônico nesse específico contexto
histórico. Seriam apenas escolhas políticas das direções? Se sim, nesse caso, a crítica não se limitaria
aos rumos políticos conscientes que essas direções tomaram, sendo elas proletárias, camponesas ou
pequeno burguesas?
A conjuntura nacional e internacional aparece aqui apenas como subsídio para justificar uma
análise dos rumos políticos tomados conscientemente, e não por incapacidade ou má fé, por essas
direções, compostas por indivíduos de determinadas classes. Porém, se a base social que sustentou
essas organizações permanece sob uma condição socioeconômica precária, que leva à radicalidade,
porque não se revoltaram contra essas direções progressivamente amoldadas à ordem do capital?
Levantamos aqui o fato de que não há também uma análise aprofundada das transformações da
estrutura de classes ocorridas no Brasil e em todo mundo nas últimas décadas. Essas direções, de
alguma maneira, conseguiram exprimir as necessidades de suas bases e garantir a viabilidade de seu
projeto estratégico. Relegar isso apenas a uma conformação da consciência imposta pela prática
política dessas mesmas direções nos parece pouco convincente. Afinal, qual o papel das bases sociais
nesse processo de apassivamento e acomodação à ordem? Por que elas responderam tão
passivamente à elaboração e implantação de um projeto de conciliação de classes?
Por fim, consideramos que essa linha analítica potencialmente limita-se a um certo
“fetichismo” dos programas políticos e das disputas internas que os definiram. Isso ocorreria devido
à analise centrar-se nesse processo por si só, apenas subsidiando-o com as conjunturais e cíclicas
transformações do capitalismo e da estrutura social. Estas seriam apresentadas como mero pano de
fundo, isto é, apenas como uma justificativa desse processo de acomodamento à ordem. Essa análise
se fundamenta de maneira abstrata na noção das crises cíclicas e da reestruturação produtiva,
desenvolvendo de forma hipertrofiada o aspecto político, enquanto o aspecto econômico aparece
apenas como seu subsídio explicativo.
Essas questões nos remetem à terceira linha de análise, que apresentamos a seguir, e que
parece nos fornecer importantes reflexões sobre a totalidade social a partir de uma leitura do
momento atual em que se encontra capitalismo e a estrutura de classes no Brasil.

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HIPÓTESE 3 – A crise estrutural do capital e a crise da luta de classes
A análise de Marildo Menegat centra-se justamente na questão que acima levantamos como
essencial para compreender a crise das organizações da esquerda brasileira: as transformações
estruturais do sistema do capital que afetariam diretamente a estrutura de classes e a configuração
das organizações. Portanto, no caso dessa análise, o enfoque está na conjuntura política e
socioeconômica em seu desenrolar histórico, o que seria capaz de nos fornecer os elementos
explicativos que determinam/limitam a atuação de indivíduos e organizações políticas em um
específico período da história humana.
A tese central parte da ideia de que estaríamos vivendo desde fins da década de 1970 uma
crise estrutural do sistema capitalista. Esta crise seria total e envolveria não apenas a economia de
extração de valor, mas também a estrutura jurídico-política estatal e as organizações da esquerda
mundial. Seria um quadro de degeneração da totalidade social, na qual as últimas investidas do
capital para garantir a extração de mais valor teriam apenas intensificado um processo simultâneo e
fortemente enredado na totalidade social: a crise do capital, a crise do Estado, a crise da esquerda e a
crise da luta de classes.
A fase do capitalismo que se inicia em fins de 1970 seria justamente o auge, a maturidade
desse sistema. Notamos nesse momento que foi possível transformar praticamente tudo em
mercadoria, com enorme capacidade de manipulação e domínio total da natureza, consolidando-se a
vitória do trabalho morto (máquina como capital acumulado) sobre o trabalho vivo (força de
trabalho). Contudo, Menegat (2012) afirma que “seu progresso não passa de formas ideológicas de
um impressionante retrocesso”, pois aqui estariam também as marcas das catástrofes sociais, da
miséria e da violência dos centros urbanos superpovoados, da destruição irreversível de bens naturais
absolutamente necessários para a vida humana, do “domínio da morte sobre a vida” (da máquina
sobre o trabalhador).
A crise estrutural estaria marcada pela impossibilidade de recriação de formas de expansão,
sejam estas voltadas “para dentro” (inovação tecnológica e produtiva), ou “para fora” (criação de
novos mercados de consumo). É a partir daí que podemos observar o avanço do “pesadelo” que
impede o “desenvolvimento” capitalista como forma crescente de valorização do valor. Esse filme de
terror para o capital, e mesmo para a humanidade, passa a ter seus permanentes e dinâmicos
elementos movendo-se pelo globo sem cessar: as constantes crises financeiras, o déficit comercial e
o endividamento externo de países tanto da periferia como do centro do capitalismo.
Esse quadro seria consequência do momento em que o capital se defrontaria com os limites
da acumulação. O início desse processo seria a terceira revolução tecno-científica do segundo pós-
63
guerra e se generalizaria nas décadas de 1970 e 1980. Seu ponto alto seria a microeletrônica, o nafta
e a energia nuclear. Devido à concorrência, o capital necessitaria constantemente revolucionar suas
forças produtivas e esse processo de renovação permanente teria levado à substituição do sistema
fordista por um sistema de produção flexível, que expulsaria crescentemente a força de trabalho do
espaço de produção de valor.
Essas transformações seriam acompanhadas de um rearranjo sociopolítico, o desmonte do
Estado de bem-estar social. Os recursos estatais necessitariam cada vez mais ser absorvidas
destrutivamente pelo capital ao se deparar com uma incapacidade crônica de manutenção das suas
taxas de lucro, condição necessária para sua existência como sistema.
Ressaltamos que, segundo Menegat, a principal transformação concreta desse período seria a
alteração da composição orgânica do capital pois, ocorreria um aumento significativo, e antes nunca
observado, do capital constante (maquinaria) e uma redução proporcional do capital variável (força
de trabalho). Esse seria um limite intransponível do capital porque representaria a perda da única
substância viva geradora de valor, o trabalho. “O trabalho vivo se tornou um resíduo fantasmagórico
ante uma massa gigantesca de trabalho morto presente no aparato técnico resultante dessas
revoluções.” (MENEGAT, 2013:88) Este seria um limite intransponível à lógica social determinada
pela acumulação de capital, considerando que se identificaria uma unidade contraditória entre capital
e trabalho já que, sem o trabalho, o capital “morre de inanição”. Ao mesmo tempo, o sistema
competitivo o leva a revolucionar permanentemente as forças produtivas buscando poupar trabalho.
Esse processo seria um fenômeno histórico já vivenciado em menor grau em outros períodos
da história. Nesses casos, sempre que houve um desenvolvimento tecno-científico significativo a
consequência teria sido o aumento do desemprego. Contudo, esses trabalhadores passavam a ser
reabsorvidos pelo mercado em um momento posterior de crescimento e expansão por novas fábricas
que produziam novos produtos para o consumo. Contudo, após a terceira revolução tecno-científica o
que observamos seria uma incapacidade crônica do capitalismo de promover uma nova onda de
expansão.
Máquinas não criam valor, apenas o transferem. Este é o drama de um processo de inovação e
tecnificação que teria se tornado absolutamente irreversível para o sistema produtivo capitalista. A
expulsão progressiva e crescente do trabalho vivo seria a expressão concreta dos limites da
acumulação, acompanhada pelos limites históricos da expansão. A necessidade permanente de
ampliação dos lucros via extração de mais-valia em um contexto de progressiva mecanização levaria
à tentativa de expansão do capital em todo o planeta ao longo dos últimos séculos. A lei do valor
justificaria uma “explosão permanente de barreiras à acumulação”. Na periferia do capital este
64
drama sempre teria se manifestado como “catástrofes anunciadas”, desde a devastadora pilhagem e
exploração promovida nos séculos XVI e XVII que serviram como forma de acumulação primitiva
aos países centrais até a superexploração da força de trabalho que se reproduz até os dias atuais.
Contudo, nas últimas décadas o que vimos teria sido o encerramento das expansões coloniais
e semicoloniais, ainda que permaneça uma relação assimétrica de dominação entre centro e periferia.
Haveria uma nova condição que não poderia mais ser explicada via “tese do desenvolvimento
desigual e combinado”. Os países periféricos e suas burguesias, ainda que se mantenham sob
desvantagem competitiva em relação aos países centrais, teriam completado suas formas específicas
de desenvolvimento capitalista, ainda que nunca rompam com uma condição de relativa dependência
dos países capitalistas centrais. O que teríamos, portanto, é um desenvolvimento pleno das relações
sociais burguesas em países que passaram por processos muito distintos em relação ao capitalismo
central. Seriam portadores de “particularidades inerentes a uma formação social realizada nessas
condições históricas”.

A expansão e o domínio de novos mercados coloniais e semicoloniais, das outrora chamadas


sociedades ‘atrasadas’ ou em desenvolvimento, estão encerrados. Isto não quer dizer, é certo,
que não exista uma relação assimétrica e de dominação violenta entre centro e periferia.
Apenas indica que os fabulosos ganhos econômicos que eram realizados com o
desenvolvimento desigual e combinado, isto é, com a exploração de regiões atrasadas, pré-
capitalistas, não fazem mais parte da dinâmica da concorrência mundial. Não é por existirem
relações sociais pré-capitalistas que estes ganhos se realizam, mas pela própria dinâmica
competitiva do mercado. Tal dinâmica é regulada pelas relações capitalistas. (MENEGAT,
2012:30)

Assim, os países periféricos se inserem na lógica da produção destrutiva, que seria


característica do período da crise estrutural, na medida em que a superexploração do trabalho e a
produção de commodities, marcada pela ampla destruição da natureza e a poluição irreversível da
indústria pesada, se constituem nas suas vantagens relativas em relação aos países centrais,
considerando as baixas condições de competição tecnológica das periferias. Assim, vale a pena
pontuar aqui uma importante contribuição dessa leitura para crítica das teses que defendem uma
possibilidade de sustentação de um novo tipo de desenvolvimento capitalista na periferia. Segundo
Menegat, qualquer forma de modernização progressista dentro da ordem do capital seria
completamente inviável. As possibilidades de desenvolvimento do capital que observamos no

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contexto de expansão posterior à crise de 1920 não seriam mais possíveis na atual conjuntura,
principalmente nos países considerados “atrasados”.

O séquito de perversões e patologias da sociedade brasileira não é, como crê certo


pensamento sociológico vulgar, determinado pela falta de capitalismo, ou por desvios de
uma classe dominante de cultura católica, demasiado inapta à ética do trabalho, mas a
configuração plena deste tipo de sociedade como resultado da história de um país
retardatário, recheada de atrocidades cruéis contra as camadas populares, a começar contra
os índios e negros na colonização, e se perpetuando contra os seus descendentes e os
imigrantes pobres, e que, ao mesmo tempo, por causa e em decorrência dessas atrocidades,
nunca passou por mudanças estruturais revolucionárias protagonizadas por estas camadas
sociais. (idem:32)

Atingidos pela crise iniciada em fins dos anos 1970 nos países centrais, os países periféricos
vivenciariam na década seguinte a interrupção de seu processo de modernização. Nesse momento se
completaria um ciclo autoritário e antipopular de desenvolvimento antes impulsionado pela
substituição de importações.
Haveria, em nível mundial, uma superacumulação de capital tão grande que seria inviável sua
inversão em novas indústrias devido à cada vez mais baixa rentabilidade dos investimentos
produtivos. Como saída temporária tivemos o processo de monopolização e oligopolização,
permitindo a certos setores a manipulação livre dos preços. Contudo, como vimos, estaria esgotada a
saída da expansão para novos mercados. A inovação de produtos não teria sido suficiente para
promover uma nova onda expansiva garantindo pleno emprego e estabilidade como no período do
pós-guerra. A expansão do setor de serviços, ainda que consideremos novas formas de extração de
mais-valor, também teria se mostrado insuficiente, isto é, seria um espaço anêmico quanto à
produção de valor. E, por fim, a especulação financeira seria nada mais nada menos que uma “fuga
para frente” desembocando o sistema econômico mundial na explosão das bolhas especulativas e nas
crises financeiras de 2001 e 2008.
Assim, os anos 1990 seriam marcados por uma busca desesperada pela valorização do valor,
o que se manifestou no que conhecemos por “ajustes neoliberais”. A crise do modelo de substituição
de importações na periferia seria seguida por abertura à livre concorrência em uma “lenta e segura
(des) estruturação da sociedade em direção à barbárie.” (MENEGAT, 2012:33) Este momento seria
marcado pela desindustrialização (redução de 32% em 1986 para 20% em 2002 da participação da
indústria no PIB), desestatização (35% do PIB seria composto pelas transnacionais) e a
66
desnacionalização da propriedade industrial e financeira privadas. Esses fatores marcariam uma
intensificação do caráter dependente e submisso aos centros econômicos do mundo.
Logo após a ditadura teria se consolidado a aparência de que teríamos conquistado direitos
através do processo de democratização. Porém, todos os “direitos sociais devem ter uma base
material que os sustentem” e, nesse período, essa condição seria já inexistente. As conquistas sociais
do centro do capital no pós-guerra estavam amparadas em um contexto de longas ondas expansivas
que possibilitaram pressões sociais com grande força política. No Brasil de fins dos anos 1980, a
liberdade sindical e o direito de greve possibilitariam as disputas políticas e eleitorais que teria
contribuído para recompor a legitimidade da lei do valor. Porém, o neoliberalismo seria o contra-
ataque do capitalismo central a essas conquistas políticas e sociais, promovendo uma “inversão do
círculo virtuoso de conquistas e bem-estar”.
Assim, no Brasil, teria se formado um estado democrático de direito “fraco por definição”,
marcado por uma crise aguda e planetária e que tem, portanto, pouquíssima capacidade de intervir no
sentido de melhorar as condições de socialização das riquezas produzidas. Nas palavras de Menegat,
“sem lucros ascendentes e crescimento prolongado (sustentado), a tensão distributiva é inviável no
capitalismo.”
Partindo desse quadro teríamos duas consequências inevitáveis, identificadas por Menegat,
para a estrutura de classes: 1) a redução da classe operária e a integração objetiva e subjetiva ao
sistema de seus setores remanescentes devido à mecanização e tecnificação da indústria em um
quadro de impossibilidade permanente de retomada da expansão e acumulação; e 2) a enorme
ampliação de uma massa excedente da população permanentemente excluída do processo produtivo.
Consideramos que a primeira questão, referente à redução e integração do proletariado fabril, é
permeada de grandes polêmicas. Levantamos aqui apenas algumas.
Essa leitura está fundada na ideia de que a estrutura do capital, e seu sistema de
funcionamento passaria, a expulsar trabalho vivo e consolidaria formas de alienação e integração do
trabalhador produtor de valor. Somam-se a isso as derrotas históricas da esquerda ao longo de todo o
século XX, o que apontaria para uma aparente vitória do sistema do capital, expressa por Fukuyama
na difundida tese do “fim da historia”. O que estaríamos observando seria a consolidação de uma
progressiva “funcionalidade” das classes trabalhadoras despolitizadas devido ao estreitamento do
horizonte das lutas pelo socialismo em uma sociedade alienante em todos os aspectos da vida
humana. A coisificação do homem no reino das mercadorias sem qualquer via de resistência
significativa levaria a um processo de integração sem precedentes, de forma que, ainda que
permaneça alguma contradição entre capital e trabalho, esta se apresentaria cada vez mais passível de
67
conciliação e harmonização. Dessa forma, o proletariado, com um contingente cada vez mais
reduzido, sofreria a redução de seu peso social e sua força política, sendo que suas manifestações de
confronto com a ordem se restringiriam à luta econômica, buscando sua inserção na dinâmica da
concorrência na sociedade burguesa e “confinando o patamar das aspirações em luta na esfera do
valor do trabalho enquanto mercadoria.” (MENEGAT, 2012:45) Esse processo generalizado estaria
fundado, como vimos, nas transformações promovidas na estrutura produtiva e sua forma de
organização a partir de fins de 1970:

Contudo, a terceira revolução tecno-científica modifica muito este esquema de organização


da produção, ao alterar o lugar da força de trabalho no processo produtivo. O trabalhador
coletivo da grande indústria, que acompanhou a Primeira e a Segunda Revolução Industrial,
se formava e tinha a sua força a partir da necessidade do uso ainda relativamente direto da
força de trabalho na produção. O trabalho humano em grande quantidade, no sentido de força
física gasta no processo, assim como de intelecto empenhado nas tarefas, continuava muito
importante. Sem ele, o maquinário da indústria não passava de peças desconjuntadas de um
quebra-cabeça. Quem ligava um ponto ao outro era uma massa de trabalhadores organizada
para isso. Com a microeletrônica etc. a força de trabalho começou a ser deslocada para a
margem do processo produtivo. O trabalhador da revolução tecno-científica, o operário de
jaleco branco - que substituiu o operário de macacão azul - é muito mais um supervisor do
processo automatizado do que uma força de trabalho direta. (idem: 39-40)

Segundo o autor, alguns elementos concretos acabariam por dificultar a possibilidade de


saltos essenciais dessas lutas, de modo que as reivindicações econômicas se demonstrariam
incapazes de se tornarem lutas políticas nesse momento histórico. Um elemento que nos ajudaria a
compreender essa limitação seria o alto nível de formação técnica do trabalhador que, somado à
ameaça do desemprego estrutural, aumentaria consideravelmente a concorrência no interior da classe
trabalhadora. Haveria também uma enorme dificuldade de pensar o controle operário de uma
produção “flexível”, cada vez mais fragmentada e internacionalizada. E, por fim, haveria uma brutal
alienação do trabalhador com uma divisão ampliada da técnica e a generalização de especialistas.
Essas condições levariam a um processo de aburguesamento e domesticação da classe proletária, e
dificilmente poderíamos certificar se isto seria apenas conjuntural ou, de fato, um fenômeno
estrutural.

É difícil saber se esta situação da classe trabalhadora clássica, que ainda possui vínculos
formais com os empregadores, é uma situação conjuntural, determinada por uma transição
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entre um período de ganhos materiais consistentes dentro da ordem burguesa, para um
período imediatamente posterior de derrotas e apertos, em que a reação ainda não pôde ser
esboçada, mas que talvez venha a ocorrer; ou se esta é uma situação estrutural, determinada
mais exatamente pela incorporação desta classe ao sistema, depois de ter sido devidamente
domesticada e aburguesada, por anos a fio de adesão a hábitos de consumo sem os quais não
consegue imaginar a sua existência; isto combinado a uma visão da política e do Estado em
que a idéia de outra forma de vida social, isto é, o socialismo, perdeu para ela qualquer
substância e interesse. (ibidem: 38)

Aqui está o dilema sobre quem seria o “sujeito” da revolução que, no marxismo tradicional,
sempre foi identificado como o proletariado fabril. Menegat parte da noção de que a classe
trabalhadora é constituinte e constituída no processo histórico, de modo que qualquer análise que
parta de dogmas ou categorias pré-definidas seria apenas uma repetição de formas que não
necessariamente correspondem à realidade concreta, a qual se encontra em movimento permanente.
Assim, o fato de a luta operária organizada em sindicatos e partidos não ter sido capaz de
realizar sua potencialidade histórica identificada por Marx no século XIX teria como consequência
um processo de “integração do proletariado à ordem”. Marx teria identificado essa tendência ao
alertar para o risco de aristocratização do proletariado inglês, resultante de sua incapacidade de se
opor radicalmente à ordem na medida em que conquistou melhoras significativas em suas condições
de vida, em uma realidade crescentemente alienante. “Em outros termos, a relativa melhora do bem-
estar dentro da sociedade burguesa levava o proletariado a aprofundar sua aceitação fatalista de leis
gerais do sujeito automático, tomando-as como naturais e eternas.” (MENEGAT, 2012: 68)
A história do século XX seria a história desta tensão interna à existência e reprodução da
classe operária, o que teria resultado, infelizmente, em seu processo de integração à ordem burguesa.
As periferias do capital, hoje já formadas como sociedades industriais, ainda que tardias,
desembocariam neste mesmo processo e perderiam “a força de afirmar sua potencialidade negadora
do capital”.
É por fim, a partir dessas concepções que Menegat busca a chave explicativa do que teria
ocorrido com as grandes organizações sindicais e partidárias da esquerda no Brasil. A derrota do
Programa Democrático Nacional, do Partido Comunista Brasileiro, após o golpe civil militar, seria
seguida pela constituição do Partido dos Trabalhadores e a elaboração de uma nova estratégia.
Contudo, essa teria se deparado, logo após as grandes greves de 1979, com a reestruturação
produtiva, a redução dos postos de trabalho fabril e a queda do crescimento econômico.

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Nesse contexto, poderíamos identificar as causas fundamentais do Partido dos Trabalhadores
ter iniciado um processo sem volta de conciliação e amoldamento à ordem do capital. Frente à
impossibilidade de transformações revolucionárias devido às mudanças estruturais do capitalismo,
marcadas pela crise estrutural e a decomposição da classe operária, a burocracia do PT teria se
transformado em uma “máquina eleitoral distante da organização social de massas”. O programa
petista acabaria regredindo à retomada do “desenvolvimentismo”, tão criticado na estratégia do PCB,
e algo irrealizável dentro da atual condição da sociedade capitalista, imersa em crises econômicas,
políticas e sociais. Segundo Menegat, aí estaria o “ocaso da esquerda”. Nas palavras do autor:

Cabe ainda um rápido comentário sobre os retrocessos programáticos do PT. O programa


regrediu a um desenvolvimentismo que apenas pode ser compreendido como uma peça de
museu, uma avis rara do idealismo. Em plena época de desenvolvimento predatório e sem
empregos, o partido que representa os trabalhadores se converteu ao desenvolvimentismo,
numa versão deste que nada mais tem do seu momento heróico de uma construção nacional-
popular, como em parte tinha no tempo do PCB. E fez isso para ser uma alternativa confiável
de governo quando o Estado entra na sua mais grave crise de legitimidade na história recente
do país. Uma seqüência tão cuidada de farsas não merece ser seguida, faz parte do relicário
da falsidade de consciência que caracteriza a ideologia em tempos de barbárie. A esquerda
política vive o seu ocaso, e ele não é apenas um problema moral. Ela ficou cega justamente
quando o capitalismo deixou de ser civilizatório. De certo modo, este é o maior dos
paradoxos. (MENEGAT, 2012:43)

A análise de Menegat busca relacionar a crise do PT não apenas com os rumos tomados por
sua direção em momentos de crise do sistema capitalista, no centro e na periferia, mas dá
centralidade à hipótese de transformações estruturais na base social proletária que sustentou a
formação do partido: “Tudo indica que o que agoniza com o PT é a formação do trabalhador coletivo
no Brasil.”
Assim, chegamos à relação entre crise do capital, crise do Estado e crise das organizações de
esquerda e da luta de classes. Portanto, o grande desafio da esquerda seria, primeiramente, ter a
clareza e a coragem de notar essas transformações de um sujeito que não pode ser tomado como um
sujeito da história, mas sim como um sujeito na história, isto é, a partir de um processo concreto de
formação e transformação, que independe das cartilhas e desejos dos intelectuais e militantes
revolucionários.

70
Apresentamos agora a segunda transformação, indicada por Menegat, em relação à estrutura
de classes desde o início da crise: o desemprego estrutural e a composição de um “novo sujeito social
em tempos de barbárie”. O processo de modernização em um quadro de crescimento econômico
anêmico levaria à formação de um exército industrial de reserva gigantesco e estrutural. “Ele é o
encontro do exército de reserva ‘natural’ de um país periférico com as consequências das novas
tecnologias produtivas – nelas incluídas as contratendências de novas camadas de superexploração.”
(MENEGAT, 2012:34)
A superpopulação relativa como população de reserva teria, até a década de 1970, uma
funcionalidade ao capital. Esta função se expressava principalmente na garantia do baixo preço da
mão de obra ao conter as reivindicações sindicais, o que seria possível devido ao temor imobilizante
do desemprego, bem como na manutenção da disponibilidade de mão de obra no mercado. Contudo,
nesse caso, a superpopulação seria relativa porque poderia ser reincorporada ao mercado de trabalho,
em um momento histórico em que ainda existia a possibilidade de expansão dos mercados. Aqui
vemos o capital produzindo e se utilizando de determinada população, de força de trabalho, como
bem almeja e necessita, como “poder estranho” aos indivíduos que, mesmo tendo sido por eles
criado, os governa. “Neste sentido, é o capital, como uma forma de relações sociais alienadas, que
constitui a população que lhe é necessária para seus fins de valorização do valor.” (MENEGAT,
2013:89) Com a crise estrutural, devido ao aumento exponencial do trabalho morto em relação ao
trabalho vivo, de modo que nenhuma forma de expansão é passível de ser retomada ou iniciada, essa
superpopulação se tornaria absoluta, isto é, seria um contingente permanentemente excluído dos
postos de trabalho formais e nunca absorvido como mão de obra útil à produção de valor.
Na periferia do capitalismo, o fenômeno da superpopulação absoluta, ou desemprego
estrutural, se somaria à superexploração do trabalho característica da industrialização nessas regiões.
Ainda que esta população já estivesse presente durante a ditadura militar, os investimentos na
industrialização e em obras de infraestrutura teriam amenizado seu impacto na estrutura social
através de um “controle instável”. A industrialização tardia teria ocorrido sem a realização da
reforma agrária e já se utilizando, desde seu princípio, de técnicas avançadas que poupariam o
trabalho humano. Esse processo teria ficado conhecido como a “modernização conservadora”.
Assim, poderíamos identificar a criação de um contingente de cerca de 40 milhões de
trabalhadores “descartáveis” em relação à sua utilidade para o sistema do capital e que iriam se
concentrar cada vez mais nas periferias das grandes cidades. “A bem da verdade, essas massas
humanas excedentes acima do ‘normal’, agora já sem a perspectiva de iludir seu estado, são o

71
sintoma de uma sociedade sem rumo que desmorona ao mesmo tempo em que se mantém.” (idem,
2013:95)
No caso dessas massas excluídas permanentemente, em um contexto de impossibilidade de
reformar e desenvolver o sistema capitalista periférico devido à crise econômica e sociopolítica, as
antigas formas de luta apresentam uma total incapacidade em dar uma resposta satisfatória a um
enorme contingente que necessita se mobilizar para garantir sua sobrevivência. A luta de “direito
contra direito” abarcaria somente aqueles que estão incluídos no mercado de trabalho em um
contexto em que o processo redistributivo seria completamente inviável.

Este estágio do capitalismo, em que ele se depara com limites intransponíveis cujos sintomas
podem ser observados pela mudança estrutural da população excedente, que deixa de ser
relativa para se tornar absoluta, não comporta mais formas de resistência universais voltadas
apenas à distribuição da riqueza produzida. A chave da “luta de direito contra direito”
abarcava todos que estavam ligados ao mercado de trabalho, diretamente ou à espera – que
em geral, excetuando as crises, não era longa nem desesperadora. Hoje, o contingente que
mais cresce são as massas, que não terão nenhuma perspectiva de serem absorvidas por um
posto de trabalho decente. A situação para elas é o fim da linha. Elas precisam lutar para
sobreviver, e isto somente pode ser possível em uma rebelião contra boa parte das forças
produtivas do capital e seu modo de produção. (MENEGAT, 2013: 96-97)

Seriam duas as consequências da existência de um grande contingente de excluídos e


miseráveis. A resposta imediata de um Estado incapaz de solucionar as questões sociais em um
quadro de impossibilidade de reformas seria a política da “tolerância zero”, marcada pela violência
extrema. Entre 1979 e 2003, 550 mil pessoas foram mortas por causas externas excetuando-se
acidentes e doenças. Esses índices de mortandade são comparáveis aos de uma guerra civil, sendo
que metade das vítimas são negros e há uma imensa maioria de jovens. Segundo Menegat, esse seria
um aberto genocídio do setor da sociedade que teria uma maior potencialidade hoje de promover
uma transformação social radical. Esse setor estaria insatisfeito, deprimido e teria grande acesso à
informação devido à popularização dos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que não
consegue ser incorporado ao mercado de trabalho formal. Nesse sentido, como potencial de mudança
social, a periferia e a favela substituiriam a fábrica. “A cidade, neste sentido, ocupa o lugar de
território da organização do sujeito coletivo que em outro momento coube à fábrica.” (MENEGAT,
2012:51) Na periferia dos grandes centros urbanos, as relações de solidariedade e cooperação entre
vizinhos passa a ser necessária à sobrevivência, enquanto que nas camadas médias e nos setores

72
incorporados da classe trabalhadora, os operários fabris, se fortaleceria um espírito individualista.
Aqui estaria o gérmen da segunda consequência do surgimento desse amplo contingente de excluídos
permanentes: sua organização nos movimentos sociais urbanos e rurais.
Os movimentos sociais na América Latina combinariam elementos das lutas tradicionais que
os antecederam com novas formas territoriais de organização e luta. Alguns exemplos desses
movimentos seriam os movimentos de desempregados da Argentina conhecidos como “piqueteiros”,
a junta de vizinhos de El Alto na Bolívia nomeada Federación de Juntas Vecinales (FEJUVE), o
movimento zapatista camponês no México (EZLN), e um dos mais importantes movimentos do
continente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Brasil.
Em todos esses casos, o que veríamos é uma resposta à crise estrutural e uma organização a
partir do território de uma massa de indivíduos que não possuiriam qualquer funcionalidade ao
sistema. É aqui que situamos o surgimento do MST, objeto de análise final deste texto. Segundo
Menegat (2012:75):

Portanto, ao imenso exército industrial de reserva característico de um país capitalista


periférico, foram acrescentadas, nos anos 1990, novas massas de desempregados que são o
resultado do alto nível de desenvolvimento das forças produtivas. Às massas desempregadas
devido ao atraso – um produto ‘natural’ do desenvolvimento desigual e combinado –
somaram-se as massas desempregadas pelo pleno desenvolvimento do capitalismo. É neste
sentido que o MST é uma fronteira da sociedade, ele reúne em suas fileiras os náufragos de
ontem e os de hoje que, partindo de suas condições de subsistência, encontram-se no mesmo
território.

A modernização conservadora geraria um enorme contingente de trabalhadores rurais que, na


segunda metade da década de 1980, seriam expulsos do campo. E a estes se somariam as massas já
expulsas nas décadas anteriores que estão buscando a duras penas sua sobrevivência na periferia das
grandes cidades. Os anos 1990 representariam a intensificação da barbárie social produzida por esse
sistema. A partir disso explicaríamos o surgimento do MST em 1986 e sua consolidação na década
posterior. Dessa maneira, se conformaria uma forma de rebelião popular com características novas
em relação às organizações da esquerda tradicional:

Não reivindicam melhores salários, mas acesso aos meios elementares de produção de sua
subsistência. Arregimentados na periferia dos centros urbanos, portanto, há muito distantes
da lida com a terra, esta estratégia de luta se apresenta como uma ação desesperada ante o
73
que não se encontra mais na cidade: empregos e perspectiva de vida suportável.
(MENEGAT, 2013: 98)

Essa nova forma organizativa se fundamentaria em uma democracia direta em que todos
participam e todos decidem. Isto se daria pela necessidade de auto-organização em uma vida coletiva
autônoma, característica das periferias urbanas e presente principalmente nos acampamentos rurais e
urbanos. A necessidade crua de sobrevivência colocaria a “necessidade vital de se organizar novas
formas de sociabilidade”.
Essa seria uma forma ativa de reação ao processo de dissolução social em curso. Um agir que
se diferenciaria da submersão na barbárie, uma resistência à dissolução desta forma social que
permanece amparada pelo braço penal do Estado e em políticas públicas de assistência, isto é, por
formas de gestão, violentas e pacíficas, da miséria social. Contudo, Menegat também alerta para os
riscos dos movimentos sociais serem sugados pelos calendários eleitorais, limitando a luta por
direitos “pactuados pelas instâncias do Estado”. Nesse caso, passariam a ter uma funcionalidade na
estrutura social, realizando a mediação entre essas massas desprovidas e a política de assistência
estatal, perdendo, assim, sua potencialidade como experiência de novos valores de sociabilidade.
Um segundo desafio ao MST seria compreender a metamorfose que o constituiu. Em sua
origem não estaria apenas a expulsão do camponês, mas a dissolução irreversível das fronteiras entre
o rural e o urbano, o que se expressaria concretamente na articulação entre agricultura e indústria.
Consequentemente, agir em todos os espaços sociais, no campo e na cidade, seria questão de “vida
ou morte”. Entretanto, esta não parece ser a intenção de uma direção hegemônica que insistiria em
reafirmar a composição camponesa e rural de sua organização, como vimos anteriormente.
Na visão de Menegat sobre as organizações da esquerda contemporânea seria impossível,
dentro dessas condições estruturais e conjunturais, a conformação de um “governo de esquerda”. O
PT se converteria à ordem “de corpo e alma”, morrendo como organização da classe trabalhadora
sem nunca ensaiar a realização das reformas estruturais. Nesse sentido, o partido como instrumento
revolucionário não teria sido capaz de realizar uma “socialização da política que fosse além dos
limites do Estado como instância inexorável de dominação de classe. Isso não apenas pelos
bloqueios óbvios que as correlações de força e a lei impunham, mas também pela incapacidade de
combinar a superação dessa sociedade, na ação cotidiana, com práticas e instrumentos que
questionassem a sua estrutura.” (MENEGAT, 2012:56) A força da burguesia teria também imposto
uma “camisa de forças” à luta social que, em um segundo momento, acabaria sucumbindo a esses
limites. O que teria permeado a história da esquerda no século XX seria a tensão entre a luta social

74
como forma de pressão parlamentar e a luta social como criadora de poder popular, isto é, uma nova
forma de sociabilidade que confrontasse a lógica dessa sociedade no seu todo. Os movimentos
sociais seriam a marca dessa segunda tentativa. E, ainda que corressem riscos de incorporação ao
sistema, seriam a única forma de mobilização dos enormes contingentes populacionais massacrados
violentamente pelo Estado autoritário.

É este quadro de fim de linha que enseja a necessidade vital de se organizar novas formas de
sociabilidade. Elas não são derivadas de uma tomada de consciência, ao estilo de um clarão
produzido em meio a um embate ideológico, mas da necessidade crua da sobrevivência que
bate à porta de amplos contingentes de famílias das classes populares ao mesmo tempo. Agir
dentro dos marcos aqui descritos é uma das possibilidades postas. Outra, é o lento submergir
na barbárie, que corresponde a uma dissolução passiva desta forma social. Esta modalidade
passiva de dissolução é amparada no braço penal do Estado e em políticas públicas de
assistência. (MENEGAT, 2013: 100)

Acreditamos que está clara a grande contribuição do autor para a compreensão dos
determinantes estruturais da totalidade social que levaram às transformações nas principais
organizações da esquerda brasileira. Nesse sentido, essa concepção teórica representa um avanço em
relação à segunda linha interpretativa, que se limita à uma análise política focada nos rumos da
organização e às escolhas programáticas de suas direções. Contudo, pensamos ser necessário
apresentar algumas questões suscitadas pela reflexão de Menegat que podem indicar possíveis
caminhos de estudo e pesquisa que ampliariam a compreensão dos nexos históricos que
compreendem as mudanças na trajetória do nosso objeto de estudo, o MST.
Ainda que o autor afirme que o condicionamento estrutural da classe operária tradicional
possa ser algo conjuntural ou estrutural, salvo engano suas análises todas apontam de forma geral
para a definição de que essa redução numérica e integração concreta do proletariado seria algo
estrutural e irreversível. Consideramos muito importante a manutenção desse argumento para essa
linha analítica, por isso, achamos relevante levantar algumas respostas da concepção marxista
ortodoxa da sociologia do trabalho com a qual o autor trava habilmente um embate frontal de ideias.
O primeiro contra-argumento seria de que não teria ocorrido essa redução tão generalizada do
operariado fabril e que este estaria pulverizado e fragmentado em empresas terceirizadas e
quarteirizadas, característica típica do processo de reestruturação produtiva e precarização do
trabalho, condição que dificultaria enormemente sua contabilização. O segundo contra-argumento
direciona-se à afirmação de Menegat de que teria ocorrido uma desindustrialização devido à redução
75
da participação do setor industrial no PIB. Ora, a redução da participação poderia ser medida de
forma relativa e não apenas absoluta, de modo que a redução da participação fabril pode ser
consequência do crescimento exacerbado de algum outro setor e não necessariamente uma regressão
do parque industrial. Por fim, o que pensamos ser o contra-argumento mais relevante situa-se no
âmbito da força de mobilização política: ainda que observemos um processo acelerado de integração
do setor industrial, seria problemático afirmar de forma contundente que esta condição é permanente.
Devido ao acelerado processo de retirada de direitos nos setores industriais, o que temos observado é
uma redução dos salários e benefícios e uma possível precarização cada vez mais acentuada do
trabalho fabril. Caso essa tendência se confirme, é possível que esses setores “acomodados” sintam a
necessidade de se movimentar e se organizar, à revelia do nível de amoldamento de suas
burocratizadas e aristocratizadas direções.
Esse último argumento seria o mais importante, no sentido de que é necessário pensar o
sujeito em movimento, base de que o autor parte para sustentar sua análise. Além do surgimento de
“novos sujeitos”, poderíamos ter transformações que alterassem a condição dos “velhos sujeitos” da
luta social. Aqui buscamos evitar qualquer espécie de determinismo estrutural, que elimine a
possibilidade de ação e transformação dos sujeitos, ressaltando a incerteza dos processos futuros, o
que leva à necessidade de se considerar como conjuntural essa integração do operariado fabril.
Partindo dessa discussão da integração de setores da classe trabalhadora ao sistema do capital
levantamos uma reflexão acerca da base social do MST. Partindo dessa constatação de Menegat, nos
perguntamos se, de alguma forma, ao analisar o MST não nos depararíamos com um processo
similar. O que observamos na década de 2000 foi uma ampliação relativa muito grande da base
assentada em relação à base acampada do movimento. Esses assentados passaram a ter a garantia da
terra e suas disputas se limitaram à busca por recursos públicos via programas assistenciais que
garantam a produção e a distribuição de alimentos. Porém, devido ao fato de que grande parte dos
assentamentos não viabiliza a subsistência desses assentados, que necessitam buscar formas
complementares de renda, ao serem assentados passariam a disputar por sua integração completa ao
mercado capitalista. Será que poderíamos explicar as transformações nos rumos políticos e
programáticos da direção nacional do MST apontando, tal qual ocorreu no movimento sindical, para
uma relativa integração de sua base social? Será que os movimentos sociais, quando são vitoriosos e
garantem suas conquistas, não acabariam por promover uma relativa integração ao capitalismo
dessas massas antes afuncionais e permanentemente excluídas? Em caso afirmativo, poderíamos
eventualmente questionar tanto a possibilidade do movimento social se apresentar como uma forma
organizativa superior e potencialmente transformadora devido à base que a compõe, bem como
76
questionar a possibilidade dos assentamentos se apresentarem como novas formas de sociabilidade,
marcadas pela solidariedade e pela vida comunitária. As “massas afuncionais” teriam lutado por sua
integração e não pela mudança radical do sistema social. E, ao se integrarem, ainda que muito
parcamente nos assentamentos que são em sua maioria precarizados, toda a potencialidade cotidiana
de produção de novas formas de vida, também seria negada.
Outra questão que desejamos levantar seria em relação à possível potencialidade dos
movimentos sociais como nova forma política em relação às organizações tradicionais, os sindicatos
e partidos. Menegat afirmou em determinado momento que as reivindicações salariais e por
condições de trabalho estariam limitadas à luta econômica e seriam incapazes de dar o “salto
qualitativo” para a luta política. Contudo, as reivindicações dos movimentos sociais, que no caso do
MST são essencialmente terra e crédito, se dirigem ao Estado e, ainda que mais facilmente se
conformem em uma bandeira política, não atingem diretamente a produção de valor. Além disso, as
bandeiras podem ser limitadoras da própria organização constituindo-se em uma camisa de forças
como disputa de políticas públicas e sociais, sem nunca tocar em questões estruturais do sistema
capitalista. Assim, qual seria, portanto, o ganho reivindicativo, organizativo e ideológico ao
reivindicar ganhos, ambos econômicos, ao Estado, ao invés de reivindicar diretamente ao capital?
Afinal, o risco de cooptação e enquadramento à institucionalidade burguesa, identificado por
Menegat, não seria tão grande para os movimentos sociais quanto para o movimento sindical,
considerando a necessidade de interlocução com o Estado? O que observamos hoje no estreitamento
da relação do MST com o governo petista, e mesmo na relação entre movimentos sociais e governos
progressistas em vários países latino americanos, não seria a concretização desse risco permanente?
Por último, gostaríamos de levantar um questionamento sobre a relação entre forma
organizativa e conteúdo programático. Partimos da ideia de que esses dois elementos estariam em
constante movimento e mútua determinação dentro de uma organização. Ao diferenciar as formas
organizativas, tradicionais e novas, os sindicatos e partidos dos movimentos sociais, não estaríamos
de alguma maneira promovendo uma separação exacerbada entre forma e conteúdo? Concretamente,
ao identificar as potencialidades organizativas inovadoras do MST que se manifestam principalmente
na criação de espaços que permitissem formas de sociabilidade que confrontariam a lógica do
sistema capitalista não acabaríamos por relegar a um plano muito distante o fato de que esse
movimento social se constituiu sob o mesmo projeto estratégico que as organizações tradicionais, o
PT e a CUT e estão imersos nos mesmos limites estruturais? Essa talvez seja uma armadilha que
possa ser superada ao desenvolvermos o processo histórico de formação e transformação do MST.
Levantamos a hipótese de que ainda que essa organização tenha surgido em íntima conexão com
77
essas organizações e seu projeto estratégico, em especial com o Partido dos Trabalhadores, no
decorrer da década de 1990 o movimento teria conquistado certa autonomia em relação ao partido.
Essa teria se manifestado na conformação de projetos em disputa no interior do MST. Contudo, os
projetos críticos ao alinhamento petista parecem ter sido derrotados no interior da organização no
período posterior à eleição de Lula à presidência da república em 2002, o que é expresso de maneira
sistematizada na Carta de saída dos 51 militantes, já citada anteriormente.
Assim, o que observaríamos nos anos 2000 seria um processo de tentativa de conformação da
direção do MST ao inviável projeto petista de desenvolvimento. Ao buscar fortalecer os
assentamentos via integração ao mercado e à produção de uma “nova classe média” no campo, a
“forma acampamento” e as ocupações de terra, que são condições de sua existência, se reduziram
infinitamente. Assim, questionamos se essa novidade organizativa, que potencialmente poderia ser
transmitida a novas organizações e formas de luta, não estaria fadada a uma condição temporal
limitada. Todas as reivindicações parecem estar condicionadas a uma forma integradora e, portanto,
ainda que sejam inovadoras em sua forma organizativa e seus métodos de luta, acabariam por
sucumbir a forma social em decadência na medida em que alcançam conquistas, ainda que muito
reduzidas e insuficientes perante o enorme quadro de necessidades. Este seria o grande feito petista.
A capacidade de controle e contenção das lutas sociais via migalhas que “aparecem” como banquetes
em uma situação de miserabilidade extrema, combinada com uma política de violência e opressão
social.
Correndo o risco de incorrermos em uma visão por demasiado pessimista, recordamos aqui de
uma passagem de Paulo Arantes que carrega o peso dos limites não só das organizações tradicionais,
mas que seriam do próprio ethos que acompanharia os movimentos sociais que realizam, ainda que
parcialmente, suas reivindicações:

Seria o caso de acrescentar, sem mais comentários por ora, que nós também aprendemos na
observação dos altos e baixos da galáxia movimentista brasileira – mas não só ela – que a
praga da burocratização dos movimentos, ou seu entrincheiramento, como preferiria dizer
Holston, não é uma patologia evitável, mas um desdobramento de seu próprio êxito na
condução do social. (ARANTES, 2014:381)

_________________

Tanto as análises da direção hegemônica do MST quanto as de Iasi e Menegat, ainda que
distintas em pontos fundamentais, podem nos ajudar a pensar as contradições que buscamos

78
desvendar. A direção nacional do MST nos fornece elementos históricos e contemporâneos que nos
ajudam a mapear melhor as mudanças que ocorreram com o movimento. Iasi nos fornece uma
análise do PT, enriquecendo os aspectos políticos para pensarmos o programa estratégico e sua
relação com o MST. E Menegat apresenta uma complexa análise das transformações estruturais do
capitalismo brasileiro e das mudanças na estrutura de classes, o que nos instiga a pensar como estes
elementos estabelecem limites estruturais às formulações teóricas e práticas do movimento. As três
linhas de interpretação do MST levantam elementos para uma análise da totalidade social em
perspectiva histórico-concreta, tarefa que pretendemos, dentro de nossos próprios limites, ainda
realizar.

4 - Metodologia e Fontes

Partindo dessa apresentação geral de nosso objeto de estudos – as transformações históricas e


recentes do MST – chegamos à pergunta: Como se desenvolveu a relação entre a crise da sociedade
brasileira e a crise do MST?
Pensamos que esta é a questão geral que precisa ser desenvolvida e elencamos agora alguns
dos pontos que merecem uma maior dedicação no próximo período de pesquisa. Precisamos
aprofundar a questão da crise estrutural, em especial como esta se apresentou na realidade brasileira
e mais especificamente no meio rural, bem como pensar qual a relação deste momento com os
movimentos sociais. Também é necessário ampliar a reflexão sobre as determinações das mudanças
na base social do MST e de sua trajetória política em relação com o PT.
Consideramos, contudo, que para aprofundar a compreensão sobre as transformações do MST
seria importante estabelecermos alguns objetivos que permeiam tanto a compreensão da crise desse
movimento social, quanto um levantamento mínimo das potencialidades de crítica radical que foram
abortadas na história do MST. Identificamos até agora dois momentos marcados por impasses
históricos no interior do movimento, o ano de 1996 e o ano de 2008. Em 1996 temos o início das
incursões urbanas que partem da militância do MST, principalmente no estado de São Paulo em um
contexto de grande repressão do Estado e de crise da base social estritamente camponesa, o que
levava à necessidade de se fazer trabalho de base nos grandes centros urbanos para arregimentar
lutadores que desejassem retornar ao campo. Esse é, portanto, um momento permeado de incontáveis
contradições para o MST e distintas respostas foram dadas pelos militantes da organização.

79
Já em 2008, temos o agravamento da crise interna mediante o abandono da reforma agrária
clássica, o abandono do projeto urbano e a defesa de uma reforma agrária agroecológica de mercado,
que nos anos seguintes foi denominada “reforma agrária popular”. Essa crise culminou na saída dos
51 militantes em 2011, sendo que vale ressaltar que muitos destes participaram das incursões urbanas
do MST de fins dos anos 1990. Há, portanto, uma relação entre os projetos em disputas em fins dos
anos 1990 e de fins dos anos 2000.
Devido ao processo histórico e aos embates internos ao movimento, essas experiências
críticas e suas possibilidades históricas foram abortadas ao serem subordinadas a outras linhas táticas
e estratégicas que se impuseram e se consolidaram como direção hegemônica do MST.
Pretendemos desenvolver a reflexão sobre essa trajetória, investigando como se comportaram
o setor hegemônico e o setor crítico dentro do MST, tendo sido este último fortemente marcado pelas
consequências de sua “trajetória interrompida”. Aqui temos uma história “não oficial” do MST que
acreditamos que é importante que seja conhecida. Esses elementos nos fornecem uma base maior
para pensar esse processo de mutação contraditória da organização.
Em uma reflexão de Schwarz sobre o filme “Cabra marcado para morrer”, em que o cineasta
reencontra os sujeitos da luta pela terra em Pernambuco trinta anos depois, o autor levanta elementos
que nos remetem à condição histórica dos lutadores que participaram do MST em seu momento de
maior radicalidade e que acabaram por sair da organização em 2011:

Nada mais comovente do que reatar um fio rompido, completar um projeto truncado, reaver
uma identidade perdida. (...) Acontece que os fiéis, quando se reencontram depois da
provação, não são os mesmos que os do começo. Isso constitui um testemunho histórico.
Sob as aparências do reencontro o que existe são os enigmas de uma situação nova, e os da
antiga, que pedem reconsideração. (SCHWARZ, 1987: 72)

Em termos metodológicos, grande parte dessa pesquisa deverá contar com uma incursão
bibliográfica teórica para aprofundamento dos seguintes temas: a crise estrutural do capital, no
mundo e no Brasil; um estudo das teorias sobre os “novos movimentos sociais” no Brasil; o
desenvolvimento do capital no campo brasileiro e a consolidação do agronegócio; e a trajetória do
PT – do programa democrático popular ao projeto neodesenvolvimentista.
Quanto às questões que necessitamos investigar sobre o MST, deveremos mesclar estudos
bibliográficos com notícias e entrevistas de jornais e revistas sobre o movimento, bem como as
publicações na página oficial da organização.

80
Já no caso das “trajetórias interrompidas” da organização será necessária a realização de
entrevistas, em especial com os militantes que participaram dessa incursão urbana e que já deixaram
a organização. Considero que as entrevistas são um momento central dessa pesquisa. Creio que
possibilitarão dar voz a um processo histórico encoberto, e mesmo propositadamente escondido pela
objetividade institucional. O objetivo é contar através delas uma história não oficial do MST que tem
como potencial trazer as raízes das contradições atuais do movimento, mas também as suas
possibilidades não realizadas. Apesar de estarem em grande medida “perdidas”, por terem sido
derrotadas no processo histórico, essas possibilidades levaram a incontáveis experiências de luta, à
formação de uma militância combativa e ainda sobrevivente, bem como a constituição do principal
movimento social latino-americano. Com as entrevistas esperamos trazer vida pulsante a esse
trabalho, evitando, ao menos um pouco, o discurso acadêmico árido e positivo que promove a
“redução da complexa realidade da pesquisa em um monólogo que busca ser a voz da razão”.
(McCLEARY, 2011)
O objetivo é compartilhar coletivamente um conhecimento que, até o momento, circula entre
poucos militantes, em conversas e histórias do cotidiano. Assim, talvez possamos contribuir um
pouco para que talvez deixem de ser as possibilidades “perdidas” nas memórias desses militantes e
em suas rodas de conversa, para se tornarem parte de uma consciência coletiva de nossa história.
Levantamos as seguintes questões a serem exploradas nas entrevistas: a potencialidade da
“forma” acampamento e as consequências de seu possível abandono ao MST; os porquês da ida às
cidades, os projetos em disputa e suas consequências para a organização; as diferentes formas de
aproximação do urbano - a recampenisação, a luta por moradia nas periferias urbanas e as comunas
da terra; a forma organizativa e a construção do poder popular.
Aqui inserimos as entrevistas principais que pretendemos realizar.
O primeiro foco seriam os militantes que saíram do MST por terem sido derrotados em suas
propostas e passarem a discordar frontalmente dos rumos da organização. Esses militantes
vivenciaram as experiências do setor crítico da Frente de Massas, força propulsora das ocupações de
terra, e da luta urbana de fins de 1990 e início dos anos 2000. Podem, portanto, cada um a partir de
sua experiência no MST, dar relatos que componham um panorama histórico dos dois momentos da
pesquisa, a crítica e a potencialidade “perdida”. São estes alguns dos que assinaram a Carta dos 51
militantes que saíram do movimento: Paulinho Albuquerque (Americana), Zé da Mata (Americana),
Soraia Soriano (São Paulo), Tatiana Oliveira (Campinas), João Nélio (Campinas), Marcia Merisse
(Campinas), Valdirzão (Vale do Paraíba). A estes podemos somar alguns militantes que permanecem
no MST e que também vivenciaram esses processos como Zé Batista (Itapeva), Celio Romualdo
81
(Grande São Paulo), Zelito (Pontal do Paranapanema), Kelly Mafort (Ribeirão Preto) e Edvar
Lavratti (Ribeirão Preto).
O segundo grupo de entrevistas seria dos militantes que vivenciaram o processo de avanço da
luta urbana no MST. Dentre esses militantes temos: aqueles que saíram do MST - Rosildo (Iperó) e
Lucia (Iperó), os que hoje mantêm alguma relação com o MTST como Jota (Guarulhos), Zezito
(MTST- SP), João e Aninha (Guarulhos). Além de militantes do Fórum Socialista (corrente da
esquerda do PT) e da ASS (antiga corrente da CUT pela base) que participaram ativamente como
aliados nesse processo político de construção do MTST como: Eliezer (Dirigente do Sindicato dos
Metalúrgicos de Campinas), Juruna (ex-dirigente do Sind. Metal. Campinas), Durval de Carvalho
(ex-dirigente do Sind. Metal de Campinas e militante do PT) e Tiaozinho (PT).
Ambos os grupos seriam entrevistados a partir do método da história oral, pois acreditamos
que as histórias de vida trariam um rico material para pensarmos a origem social desses militantes e
toda a sua trajetória de luta política como parte integrante de uma caracterização que foge dos
moldes oficiais do MST em São Paulo. Como já afirmamos, o objetivo central é a constituição, a
partir das entrevistas de história oral, de novos documentos baseados em experiências vividas por
pessoas que escapam da documentação e da história oficial do MST. Segundo Lang (2011) haveria
uma história oral militante que se proporia a “democratizar a própria história” trazendo a tona
elementos que teriam sido eliminados pela historiografia oficial. Essa definição cai como uma luva
para o que pretendemos realizar com essas entrevistas.
Também Lang propõe uma técnica de entrevista que consideramos útil para esse caso: o
relato de vida. Esta seria uma forma menos ampla e livre que a história de vida. Nesta, o
entrevistado fala livremente sobre sua história sem qualquer intervenção do entrevistador. No relato
de vida o narrador conta sua história, porém é solicitado pelo entrevistador a abordar determinados
aspectos ou fases de sua vida. Pretendemos evitar, porém, uma grande intervenção do entrevistador
de modo que este apenas provoque o entrevistado a falar mais profundamente sobre algum aspecto
de sua trajetória ou de algum momento histórico relevante como uma ocupação, uma marcha, um
momento de disputa interna, etc. Realizaremos mais de um relato, isto é, entrevistaremos diferentes
pessoas sobre o mesmo tema. Nesse caso, partimos também da proposta de Lang de fazer perguntas
similares que possibilitem a comparação das várias visões em relação ao mesmo evento.

82
5 - Objetivos

Poderíamos por fim, sintetizar nossos objetivos de pesquisa no seguinte:

- Investigar, através da realização de entrevistas, a crise que se iniciou no fim da década de 1990,
levou à experiência urbana indo muito além dos limites da reforma agrária, e que pode ser
considerada uma “potencialidade perdida” importante de ser resgatada. Para além de compreender os
limites que o movimento sem terra vem enfrentando, é essencial que resgatemos essa trajetória
combativa interrompida que permanece viva na memória de militantes.

- Desenvolver a concepção de crise estrutural, identificando como esta tem se expressado na


realidade brasileira. Com isso, temos o objetivo de aprofundar a compreensão do papel do
desenvolvimento do capital no campo brasileiro nos anos 1990 e 2000, focando em questões como: a
terceira revolução tecno-científica no campo e suas consequências para o trabalhador rural; as
transformações da relação entre campo e cidade; a função do capital no campo para a economia
brasileira; e as transformações da base social do MST.

- Relacionar o estudo do surgimento e consolidação do MST com as teorias sobre novos movimentos
sociais no Brasil, refletindo sobre as condições das organizações da esquerda, buscando pensar qual
o contexto em que o movimento surgiu, como se consolidou e o que traria de novo em relação às
formas organizativas que o precederam.

- Ampliar a reflexão sobre o projeto político em que o MST foi forjado, o Programa Democrático e
Popular, e sobre o projeto de desenvolvimento do capital no campo que o movimento passou a
compor através da mediação do governo petista, o projeto neodesenvolvimentista. Aqui temos
algumas perguntas implícitas: Quais as possíveis continuidades e descontinuidades entre estes
projetos? O que significa pensarmos um projeto de “desenvolvimento” para o Brasil hoje? Qual o
papel dessas organizações populares para a administração política da barbárie em tempos de crise?

- Traçar em linhas gerais o que seria uma “economia política” do MST, isto é, compreender quais os
rumos que vem tomando e como o próprio movimento se coloca como organização dentro desse
“novo” projeto de Reforma Agrária, a reforma agrária popular, e sua relação com os setores estatais e
da iniciativa privada.

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6 – Cronograma

Ingresso no doutorado: março de 2013.

Atividades Semestres

2015/1 2015/2 2016/1 2016/2

Leitura da bibliografia pertinente X X X X

Realização de entrevistas X

Transcrição/análise das entrevistas X

Redação de texto para qualificação X X

Exame de qualificação X

Redação da tese X X

Impressão e defesa da tese X

7 - Bibliografia

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