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LUGARES DE AFETO NADA EMPOEIRADOS: UMA DISCUSSÃO SOBRE


MEMÓRIA E IDENTIDADE DO IDOSO ASILADO, O REGISTRO COMO
PROMOÇÃO DE SAÚDE MENTAL
Daniele Borges Bezerra1
UFPel
danieleborgesbezerra@yahoo.com.br

Tatiana Bolivar Lebedeff2


UFPel
tblebedeff@gmail.com

A sociedade ocidental contemporânea apresenta um caráter excludente muito marcante


que pode ser interpretado a partir de diversos níveis de categorização e nivelamento de
seus integrantes. A velocidade com que o tempo e as ações se processam altera não apenas
a identidade da pessoa contemporânea como também determina outras formas de ação
no presente, outros fluxos de registro e usos da memória. Muito se tem falado de um
mnemotropismo contemporâneo, explicitado como um período de ansiedade com relação
ao futuro que ocasiona uma necessidade de armazenamento de memórias. Contudo, não se
percebe, principalmente na sociedade ocidental, uma valorização do saber e das memórias
do idoso, considerado como sujeito social improdutivo e de saber desatualizado. A
memória dos idosos asilados antes de ser incorporada numa função de compartilhamento,
de fonte de informações, assume uma função de alento pessoal, e rememoração de um
passado ainda presente. O trabalho pretende discutir a importância do registro da memória
do idoso asilado não apenas como fonte de informações para compreensão de identidades
e patrimônio dos grupos sociais, mas, também, como possibilidade de que o momento de
registro visual e sonoro, de coleta de dados, seja uma estratégia para promoção de saúde
mental.
Palavras-chave: Idosos – memória – saúde mental

Falar de memória é, antes de mais nada, falar em marcas, impressões, inscrições,


fixadas e justapostas no tempo. O homem desde os primórdios de seu desenvolvimento
intelectual buscou formas de fixação no tempo. E é com naturalidade que faz uso de uma
gama ilimitada de recursos simbólicos para sua expressão e inscrição no mundo através
da linguagem: escrita, falada, artística.
É neste caráter transmissor que a comunicação entre subjetividades faz circular

1  Artista Plástica, Fotógrafa, Especialista em Saúde mental Coletiva e Sanitarista pela Escola
de Saúde Pública (ESP/RS). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e
Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
2  Doutora em Psicologia do Desenvolvimento. Docente do Programa de Pós-Graduação em
Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
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as memórias e configura um sentido de filiação e pertencimento no compartilhamento de


memórias e identidades de grupos. É a partir de um processo permeado pela consciência
individual que a pessoa seleciona, descarta, atualiza, ou recalca lembranças que num
conjunto de experiências acumulativas constituem o indivíduo que vive e se percebe
como parte de uma história da qual ele também é um personagem.
É neste contexto conceitual de memória e identidade como parte de um conjunto
mais amplo e compartilhado que se situa a importância da escuta e do compartilhamento
entre idosos. A manutenção desta participação em sociedade é aspecto central em um
processo preventivo ao adoecimento.
Pensar o lugar do idoso na sociedade ocidental pressupõe a busca de indícios de
sua inserção em sociedade. E, parece inevitável falar do idoso sem deixar de pontuar a
associação de palavras de cunho pejorativo relacionadas como referência à identidade
na velhice, de modo naturalizado. A mais comum é a palavra: velho3, associada a algo
retrógrado, com validade vencida, que caducou, expirou, démodé, entre outros.
Percebe-se na sociedade ocidental contemporânea uma exagerada preocupação com
o presente e com o futuro e uma espécie de luto em relação ao passado, como um passado
perdido. Este modelo de sociedade é marcado pela velocidade e pela fragmentação do
tempo a partir de um ritmo industrial centrado na produção. A pessoa idosa encontra-se
a meio caminho entre passado e presente sem grandes projeções para o futuro e quando
desconectado da vida familiar e produtiva encontra uma inadequação em relação à
sociedade na qual está inserido.
É contraditório pensar que a sociedade contemporânea aprimore seus meios de
armazenamento e registros do passado e, contudo, ignore a pessoa idosa como potencial
arquivo vivo de memórias de um tempo ao qual não temos acesso. O tempo passado,
presente na memória de idosos e em seus saberes, é muito pouco acessado na prática.
Pode-se sugerir que o idoso, geralmente posto à margem da coletividade, experimente
uma sensação de deslocamento temporal, um estar fora do tempo, simbólico. Pois, por
estar a ele associada uma série de estigmas de improdutivo e incapaz sente, no seu futuro
que se tornou presente, uma desvalorização da sua história e da própria identidade.
O idoso mesmo quando possui família pode sentir-se deslocado do eixo familiar e ao
rememorar o passado perceber o presente com nostalgia. Tal fato ocorre pela sensação de
decadência decorrente da desvalorização atual, marcada por um encolhimento em relação
a sua prática social atual. Para Ecléa Bosi (2009, p. 83) “o velho é alguém que se retrai
de seu lugar social e este encolhimento é uma perda e um empobrecimento para todos”.
O termo “encolhimento”, utilizado por Bosi (idem), refere-se ao sentimento de perda de

3  Para Ecléa Bosi, que utiliza o termo velho como categoria social, no seu livro: Memória e
Sociedade: lembranças de velhos: “a velhice, que é fator natural como a cor da pele, é tomada
preconceituosamente pelo outro”. (BOSI, 2009, p. 79).
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participação em sociedade vivenciado pelo idoso que, ao contrário do que acontece em


outras civilizações que não a ocidental, não é percebido como difusor, ou nos termos da
autora, guardião, de saberes sociais que caracterizam tesouros culturais.
Por outro lado, a experiência de idosos asilados, com perda de vínculo familiar,
evidencia ainda mais o aspecto de inutilidade, muitas vezes por eles incorporado. A
sensação de abandono em paralelo a de isolamento social potencializa no idoso uma
sensação de finitude antecipada. Neste sentido, o ato de compartilhamento4 a partir de
narrativas de histórias anestesiadas pelo tempo e pela vida institucionalizada, pode ser
benéfico e positivo, desde que se perceba na narrativa do idoso, uma ação cultural que
implica em uma humanização do presente. Registrar tais memórias em diálogo com o
presente é uma maneira de compreender a própria cultura e as identidades nela submersas.
Por outro lado, é a própria carência de escuta e este esquecimento velado proposto pelas
instituições a favor de um presente minimamente confortável, que salientam no idoso
asilado, o sentimento de esvaziamento ou encolhimento que antecipam a morte, tornando-a
vivamente presente.
Ecléa Bosi (idem) vê no idoso a função social própria de rememorar, sua imaginação
faz longos voos em direção ao passado e com maturidade seleciona aspectos que considere
importantes no presente. A rememoração é espontânea e natural, no entanto, muitas vezes
se volta a espaços estéreis onde a escuta é negativa:
Mas, o ancião não sonha quando rememora: desempenha uma
função para a qual está maduro, a religiosa função de unir o
começo ao fim, de tranquilizar as águas revoltas do presente
alargando suas margens: [...] Ele, nas tribos antigas, tem um lugar
de honra como guardião do tesouro espiritual da comunidade, a
tradição. (BOSI, 2009 p. 82)
Ao afirmar que o idoso não sonha, a autora exprime uma relação entre a maturidade
do idoso e sua função como difusor de experiências, e pressupõe que com o idoso a
projeção para o futuro se dê, a partir de outros, os mais jovens, a qual se vincula a ideia
de sonho e, não do seu próprio futuro. Embora se estabeleça uma diferenciação entre
a faculdade da memória e imaginação, a fins de validação das pesquisas em memória
social, sabe-se que os mecanismos de ação do cérebro, no exercício de rememoração
estão vinculados a um ato de imaginação. Com isso, nenhuma memória é reflexo fiel da
experiência rememorada, mas uma referência que se altera com o tempo à medida que se

4  O estatuto do idoso através da lei Nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, demonstra a notoriedade


da função de compartilhamento no idoso e a importância do cumprimento destas recomendações
como incremento para a memória e a identidade culturais: Art. 3º. IV – viabilização de formas
alternativas de participação, ocupação e convívio dos idosos com as demais gerações; Art. 21º
- § 2º- os idosos participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para transmissão
de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da memória e das
identidades culturais.
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rememora. É neste percurso temporal que se altera também a identidade do sujeito das
lembranças. Perceber o idoso enquanto categoria social faz necessária uma imersão nas
origens desta categorização para gerar novas formas de percepção de sua função no tecido
social.
A sociedade ocidental contemporânea apresenta um caráter excludente muito
marcante que pode ser interpretado a partir de diversos níveis de categorização e
nivelamento de seus integrantes. A velocidade com que o tempo e as ações se processam
altera não apenas a identidade da pessoa contemporânea, como também, determina outras
formas de ação no presente, outros fluxos de registro e usos da memória, bem como novas
categorias para pessoas do presente e pessoas do passado, ainda no presente.
Os velhos, pode-se dizer formam hoje uma das categorias de sujeitos
contemporâneos, tais como os jovens, os adultos e as crianças. A busca da longevidade,
destacam Marques e Pachane (2010), sempre foi uma preocupação dos homens,
intimamente ligada à capacidade física e relacionada à condição de produtividade social.
Os autores chamam a atenção de que a crescente melhoria nas condições de vida ao
longo do tempo contribuiu para a ampliação do número de idosos na sociedade moderna.
Entretanto, paradoxalmente em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que se busca a
longevidade, nega-se a velhice.
A sociedade determina, de acordo com Marques e Pachane (2010), o lugar e o
papel do idoso. O critério de idade não é o único usado pela sociedade, mas reúne em si
justificativas para a desvalorização e não emancipação dos idosos.
Paula (2009) ressalta que estamos numa sociedade em que os mais velhos não são
ouvidos, não são vistos e, por consequência, não são respeitados. Ser velho, de acordo
com a autora, é estar à margem e, infelizmente, o idoso em nossa sociedade ainda não é
visto como fonte de sabedoria.
Não se percebe na sociedade contemporânea, portanto, uma valorização do sujeito
idoso, do saber do idoso, mas antes, o conhecimento do idoso é interpretado como um
conhecimento desatualizado, produto de um sujeito social improdutivo; a memória antes
de ser incorporada numa função de compartilhamento, assume a partir de lembranças,
imagens evocativas, objetos e locais de memória, uma função de alento ou atestado de
existência no presente. Conforme, Mazzuchi Ferreira apud Tedesco (2001, p. 37) os
vestígios memoriais seja através de objetos, fotografias ou locais habitados no passado,
são importantes porque funcionam “como armas contra a desconfiguração social dos
velhos”; talvez como forma de resistência à desfiguração social, como negação ao lugar
de desvio e tentativa de preservação numa moldura imagética do tempo áureo, contrária
ao que lhes é atribuído no presente da velhice.
Muito se tem falado de um mnemotropismo contemporâneo, onde autores afirmam
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estar-se vivendo um período de ansiedade com relação ao futuro que ocasiona uma
necessidade de armazenamento de memórias. A velocidade de produção e de consumo
característicos da cultura contemporânea faz com que a sociedade assuma contornos
efêmeros, quase solúveis. Propõe-se, aqui discutir a memória do idoso, enquanto fonte
rica de dados para o patrimônio social, pelo viés da saúde mental.
A Organização Mundial de Saúde entende a saúde como “um estado de bem-estar
físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou dor”. Nesta definição, a
“saúde mental” é entendida como um aspecto vinculado ao bem-estar, à qualidade de
vida, à capacidade de exercer plenamente sua condição de pessoa e de se relacionar com
os outros. Ao defini-la nesta perspectiva positiva, a OMS propõe a saúde mental para além
da dicotomia saúde x doença expressa apenas a partir de sintomas. A definição revela o
caráter biopsicossocial da pessoa para pensar a sua saúde como um bem estar integrado.
Acredita-se que a rememoração seja um ato constante na vida do idoso que, em
momentos de ócio, transcorre longos períodos de imersão no passado. Antes de ser um ato
nostálgico por natureza, propõe-se a escuta das histórias de idosos, carentes de vínculos
familiares e sociais, como um ato terapêutico em si, além de uma contribuição para a
memória social a qual acrescentam com sua visão de mundo.
Para Candau (2011; pp.118), “Transmitir uma memória e fazer viver, assim, uma
identidade não consiste, portanto, em apenas legar algo, e sim uma maneira de estar
no mundo.” Ou seja, tanto a transmissão de saberes, quanto a experiência registrada na
memória a partir de memórias cumulativas são constitutivos da identidade da pessoa e
sem tais memórias ou sem o ato de compartilhamento não haveria identidade. Segundo
Candau (2011, pp. 59) “A perda de memória é, portanto, uma perda de identidade”.
As pesquisas sobre memória de idosos, no campo da memória, identidade e
patrimônio, tem, a grosso modo, apresentado dois perfis de idosos:
a) Um idoso desiludido, deprimido, esquecido, sem função social, esperando a morte,
muito presente nos textos de Eclea Bosi (2009).
b) Um idoso ativo, que frequenta Grupos de Terceira Idade, trabalha, é arrimo de
família com os ganhos da aposentadoria, assume a função de cuidar dos netos,
guardião da tradição. Para este idoso temos como exemplo os Nonos de João Carlos
Tedesco (2001).
Pode-se, então, ao analisar os trabalhos com memória de idosos encontrar duas
grandes categorias de memória:
a) Uma Memória encerrada- A memória do já vivido visto como uma marca de
finitude associada a idéia de que não há mais o que viver, encerramento dos ciclos e
encerramento da função de compartilhamento social. O idoso se recolhe da participação
social.
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b) Uma Memória aberta- da qual emerge a necessidade de transmitir e garantir a


continuidade do já vivido, experenciado. Rememoração como o estabelecimento
de uma intenção para o futuro (vínculo com o futuro) para alargar as margens do
presente.
Foi possível encontrar, na bibliografia da área, diversos trabalhos que investigam
a memória de idosos pelo viés de uma proposta que promova saúde mental, indicando as
possibilidades do que seria uma “Memória Aberta”, como explicitado acima. Ao contrário
de encerrar a discussão numa leitura do social que vitimizaria o idoso na sociedade
contemporânea, busca-se, situar o idoso como potencial transmissor de memórias que
compõem e enaltecem a identidade de seu grupo social. Para que tal função seja efetiva
é necessária a compreensão do idoso como ser cultural, em posição privilegiada no
compartilhamento de memórias, numa função que parece inerente à fase de vida na qual
se situa.
Para Tedesco (2001) a reconstituição da memória é fundamental pelo fato de que
a sociedade da informação, da técnica e da racionalidade econômico-consumista faz o
tempo passar mais rápido e, com isso, os significados dos objetos são esquecidos mais
rapidamente. A memória do idoso, tão pouco valorizada, em nossa sociedade tem, portanto,
função imprescindível na compreensão de quem somos e de como fomos forjados e de
nossas materialidades e subjetividades.
Tedesco (idem) afirma, ainda, que a socialização ocorrida cotidianamente, a partir
da comunicação, e a narração como forma artesanal de comunicação, atualizam a memória
e possibilitam uma representação da vida das pessoas, ou seja, geram novas imagens a
partir do presente.
Da mesma forma Le Goff (2010), citando Pierre Janet, enfatiza o comportamento
narrativo como ato mnemônico fundamental caracterizado, sobretudo pela sua função
social, pois:
(...) se trata  de comunicação a outrem de uma informação, na
ausência do acontecimento ou do objeto que constitui o seu
motivo. Aqui intervém a linguagem, ela própria produto da
sociedade (pg. 421).

Pode-se sentar para ouvir uma infinidade de histórias, se houver tempo no presente
veloz em que se vive e, gerar saúde mental individual e social. Da mesma forma que as
políticas públicas voltadas para a saúde se ocupam desta, na qualidade de direito universal
amplo, possam ser recriados e exercidos verdadeiramente, os instrumentos de proteção
que compreendem a cultura de um grupo, também como reflexo de saúde social.
Uma breve revisão bibliográfica sobre pesquisas que investigaram memória em
idosos, tanto institucionalizados enquanto residentes como os que participam de atividades
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em ONGs, pode evidenciar o grande potencial que a rememoração de lembranças, a


ativação de memórias podem ter para a saúde mental dos idosos.
Cabral, Amaral e Brandão (2009) desenvolveram um trabalho de Oficina de
Memórias Autobiográficas com idosos. Entre 2003 e 2004 o trabaho foi realizado no
Município de São Paulo, sendo implementado também, posteriormente, nos Municípios
de Embu das Artes e Barueri.
O objetivo do trabalho, segundo as autoras, foi o de “ressaltar a importância da
memória autobiográfica como vetor de integração dos atores da cidade com suas raízes e
a preservação do patrimônio humano”. Além disso, as oficinas possibilitavam a reflexão
sobre a trajetória de vida e o resgate da memória social das cidades pelo olhar de cada
indivíduo. Como resultados das oficinas as pesquisadoras enfatizaram o resgate da
dignidade e autoestima dos narradores, promovendo uma melhoria da sua qualidade de
vida e a sensação de inclusão nas cidades. Nesse sentido, puderam constatar um processo
de re-encontro e reapropriação da cidade por parte deste grupo de habitantes.
De maneira similar ao trabalho exposto acima, Sanches-Justo e Vasconcelos
(2010) também desenvolveram oficinas de fotografia com idosos. O objetivo geral da
pesquisa, segundo os autores, era “investigar os sentidos produzidos pelo ato fotográfico
na relação do idoso com o tempo e com a memória, dando maior ênfase às possibilidades
da fotografia enquanto prospecção do futuro”.
Nessas oficinas, que além de busca de memória tinham um caráter prospectivo,
eram discutidas temáticas que levantassem questões sobre a história de vida, a memória,
os desejos, sonhos e o planejamento do futuro. Para os autores, as pesquisas com memória
de idosos, além de valorizarem o idoso como detentor de experiência e conhecimento
devem, também, proporcionar ao idoso “impulsionar à percepção de si e da própria
história como um percurso que não se finda aqui e agora, mas que continua no futuro”.
Filizola e Von Simson (2011) desenvolveram em uma entidade que atende pessoas
de Terceira Idade, em Campinas, oficinas de fotografias com idosas com o objetivo de
propiciar atividades diferentes daquelas cotidianamente desenvolvidas pelas mulheres,
em suas vidas de donas de casa. A fotografia foi percebida como uma mistura de registro
documental e de arte, o que para as idosas participantes era praticamente desconhecido,
dado sua origem social e seu grupo etário. Ao final das oficinas foi realizada uma exposição
das imagens que contribuiu para a recuperação de trajetórias pessoais. Para as autoras foi
possível reconstruir “situações e vivências, que não haviam sido relatadas pela história
oficial, delineando histórias diversas na cidade e na própria Vila Castelo Branco, como
também, legitimando a função social dos velhos, entendida como o ato de rememorar”.
As relações entre gênero, velhice e fotografia foram discutidas por Da Costa e
Choma (2012) a partir da de entrevistas de história oral com utilização de fotografias como
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recurso ativador da memória. Os autores consideram relevante, a partir do espaço social


da velhice na contemporaneidade, “que mulheres e homens, ao narrarem suas histórias
de vida, trazem à voz expressões do imaginário, do processo histórico vivenciado, de
suas relações individuais com a memória coletiva, apropriações e identificações”. Como
resultados os autores consideraram a atividade “um espaço aberto para diversificar
memórias[...] Mais do que fechar questões, pensamos abrir para a reflexão sobre
significados da rememoração para a pessoa idosa”.
Os trabalhos acima citados foram realizados com idosos que frequentavam
grupos de Terceira Idade em Organizações não Governamentais. Já Reis e Amaral (2012)
realizaram oficinas com idosos institucionalizados em residências de longa permanência
utilizando-se da memória auto-biográfica para o resgate da história afetiva positiva. As
Oficinas funcionaram tendo como eixo textos previamente selecionados pelas mediadoras,
por meio dos quais se procurou estimular a evocação de lembranças significativas. Os
idosos participantes foram convidados a escreverem suas memórias em um caderno de
memórias, nos quais foram trabalhados a atenção, a expressão oral e a escrita. Neste
processo, as autoras salientam que memória, inteligência e raciocínio estão interligados
estimulando os canais de comunicação e as vias neurais.
Como resultado, ao final das oficinas, cada residente e a Instituição ficaram
com os cadernos de memórias onde estão contempladas suas lembranças e as de seus
colegas. Os cadernos são um registro que pode ser compartilhado com as famílias de cada
participante, e suas histórias permanecem como um legado para seus descendentes. Além
disso, foi observado, pela área da saúde, uma diminuição de casos de depressão entre os
participantes e o estreitamento de laços afetivos.
O que os trabalhos aqui apresentados apresentam em comum é o papel de
protagonismo do idoso em todas as pesquisas. Além dos objetivos de pesquisa serem
alcançados, tais como a discussão do gênero como em Da Costa e Choma; a compreensão
da urbanização de novos espaços, como em Cabral, Amaral e Brandão, entre outros, os
trabalhos demonstram que há uma participação ativa, os idosos assumem o papel de
protagonistas, valorizando identidades. Para Tedesco (2004; p.21) pesquisar memórias de
idosos possibilita “torná-los agentes e sujeitos de vividos, permitindo que pudessem se
presentificar pelo passado por intenções transtemporais”.
A Lei No 10.741, de 1º de Outubro de 2003, que estabelece o estatuto do idoso,
destaca que os idosos participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para
transmissão de conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação
da memória e da identidade culturais e, para tanto, salienta, o poder público deve viabilizar
e formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais
gerações. As pesquisas que investigam a memória de idosos pelo viés da saúde mental,
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como as citadas neste trabalho, podem muito bem dar conta desta demanda legal.
Para Bosi (2009) a função do idoso poderia ser comparada a de guardião do
tesouro espiritual da comunidade, porta voz da tradição, pois através da memória dos
velhos pode-se ter contato com uma riqueza e uma diversidade que não se conhece. Esse
contato possibilita, nas palavras da autora, a humanização do presente. Por outro lado, a
impossibilidade desse contato provoca uma sensação de perda e morte, de empobrecimento
para todos, pois o velho deixa de contribuir, para a comunidade, com o que é inerente à
sua faixa etária: os dados das experiências, memórias, conhecimentos, vivências, dores e
acertos, enfim, toda uma vida a ser contada e compartilhada.
Nesse sentido, é pertinente salientar o que Tedesco (2004; p.36) relata sobre as
pesquisas com idosos:
Sentir e contar histórias em comum significa dar possibilidade
de criação e fortalecimento comunitário. Os idosos por nós
entrevistados determinam um tempo de pertencimento, que não
é o de “hoje”, tempo esse de criação e participação ativa no seio
comunitário, de identificação de um sentimento de um agir regido
pela profunda autodeterminação de si.

A imagem “socialmente aceita” é a padronizada como reflexo de uma geração


jovem, produtiva e muito especializada na cura do corpo evitando os sinais do tempo. A
imagem do velho, conforme dito antes, assume de imediato pejorativos relacionados a um
desvio do socialmente produtivo. A iminência da morte à finitude que assusta e tende a ser
afastada dos olhos de todos.
Ao negar a velhice, a sociedade contemporânea acaba por negar, muitas memórias,
identidades, conhecimentos, entre outros elementos, que forjaram o que somos hoje. A
memória dos velhos explicita Bosi (2009), pode ser trabalhada como um mediador entre
a nossa geração e as testemunhas do passado. A autora ressalta, ainda, que esta memória
é um intermediário informal da cultura, diferenciando dos mediadores formalizados
constituídos pelas instituições, que seriam as Escolas, Igreja, Partidos Políticos, entre
outros.
Conforme Bosi (2004), ao abordar o ato narrativo entre pessoas idosas: “O sujeito
se sente crescer junto com a expressão desta intuição. Psiquicamente e até somaticamente
se sente rejuvenescido” A autora contrapõe a experiência narrativa que revigora o conteúdo
de suas vivências à letargia do presente, própria ao esquecimento. Com relação a isso,
importa o registro identitário manifesto nas inscrições do tempo e na cristalização de
memórias compartilhadas, ou não. Bosi (idem) reinterpreta o cone da memória proposto
por Bergson (1896) sobre o ponto de vista da experiência no tempo mediada pelo corpo, e
da memória enquanto conservação que o espírito faz de si mesmo. Ou seja, preservar viva
a memória corresponde à preservação da própria identidade. Candau (2011, pg. 61) cita
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Santo Agostinho para falar do nascimento da consciência de si próprio no indivíduo que


toma consciência de suas memórias estendendo a experiência para além das sensações:
“é aí que me encontro comigo mesmo” Candau (idem), afirma ainda, que é na duração ou
na repetição que surge uma consciência de si.
Ao pensar o ato de rememoração promovido pela narrativa considera-se a
percepção de Bergson (op. cit), acerca de memória, tempo e imaginação:

Imaginar não é lembrar-se. Uma lembrança, à medida que


se atualiza provavelmente tende a viver numa imagem, (...) e
a imagem pura e simples só me levará de volta ao passado se
eu realmente tiver ido buscá-lo no passado, seguindo assim o
progresso continuo que a trouxe da obscuridade para a luz. (Grifo
do autor) (BERGSON, 1896, apud RICOUER, 2010, pg. 68).

Portanto, o trabalho aqui apresentado é fruto de um gesto a favor da rememoração.


Pretende-se, a partir de evocativos da memória, estabelecer um contato permeado pela
narrativa e pela reflexão do participante da pesquisa em um processo de re/vigor/ação
da identidade e do lugar do idoso em sociedade. Acredita-se que é na evocação de um
tempo pretérito prazeroso, eleito, que se suspende simbolicamente o tempo presente
numa tentativa de preservação de si próprio. Assim, o tempo vivido é o tempo passado
das lembranças, tempo de uma época boa que se mantém viva no ato de relembrar.
As memórias de idosos podem ser comparadas a pequenas caixas de estampa
antiga, com publicidades de época, enfeitadas com fitas em petit pois, cheiro de papel
amarelado e armazenadas com cuidado, em lugares de afeto nada empoeirados. Pois,
revisitadas no presente como muita intensidade estes relicários de tempos idos são não
apenas uma forma de resistência ao presente, simbolicamente nulo, mas também uma
esperança de futuro que burla a ideia de morte anunciada pelo envelhecimento Uma morte
que se dá em vida quando do aniquilamento da identidade do sujeito envelhecido por
uma sociedade altamente mecanicista, quantitativa e materialista que configura a cultura
contemporânea do descartável.
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Referências

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