Palavras do coração, dirigidas aos formandos de Ciências da Religião (turma 2009-2013)
José Antonio Mangoni - Paraninfo
Permita-me quebrar o ritual prescrito para este solene momento.
Quero saudar primeiramente os pais e mães – dos formandos e dos demais presentes, mesmo que aqui não estejam presentes, e aos que aqui são pais e mães. Por que começo por eles? Porque gerar a vida é o maior mistério que nos envolve... e de tão fantástico, dele nos esquecemos. A biologia que o diga o quão grande é o milagre da vida! Quando vossos filhos nasceram, o que esperaram deles? E antes de nascerem, o que esperavam da vida tão pequena gerada no ventre, fruto de um encontro de amor? Aliás, já havia dado como ‘tema de casa’ – não sei se todos cumpriraram – de perguntar aos pais como eles se conheceram? Quais foram os encontros ou desencontros ou reencontros que possibilitou que hoje vocês formandos e cada um de nós aqui estivesse? Refletir sobre isso já é desafio para toda a vida: acaso, destino, plano de Deus? Fazemos uma opção, mas não temos certeza. Apenas cremos que a opção que fazemos é a que dá mais sentido à vida. Mas o que é a vida? Quebrado o protocolo, volto a ele, saudando à Magnífica Reitora e mãe Prof. Marília, à querida Prof. Lurdinha, também mãe e coordenadora do Curso, e em nome destas grandes mulheres saúdo todos os demais presentes à mesa, bem como a todos que colocaram seu tijolo para que esse momento se tornasse realidade: equipe de coordenação, assessoria pedagógica e apoio administrativo, docentes, servidores, técnicos, colegas... 2
E com carinho e com o coração cheio de alegria saúdo aos formandos,
motivo maior de nosso encontro. Obrigado pelo convite de ser vosso paraninfo... aquele que está ao lado do noivo e da noiva, como reza a etimologia da palavra Alguém já me dizia: não vá dizer apenas “Só sei que nada sei” – frase atribuída a Sócrates. Se o fizesse, estaria tudo dito. Mas essa é verdade: depois de 9 anos no curso, estou plenamente convencido que “nada sei”, e como já repeti outras vezes, quem chega ao final do curso com essa certeza, em minha modesta opinião, acertou o caminho. Uma epígrafe de um TCC deste ano dizia: Nós começamos confusos, e terminamos confusos num nível mais elevado.
Como também tenho afirmado e reafirmado: tenho muito receio de quem
muitas certezas sobre Deus, sobre o absoluto, pois é das certezas que nascem as intolerâncias. Vivemos imersos nas perguntas, e como diz o judeu Flávio Rotman:
Não é fácil viver eternamente sob um ponto de
interrogação. Mas quem diz que a pergunta essencial pode ter resposta? A essência do homem é ser uma pergunta e a essência da pergunta é não ter resposta.
Paulo já dizia: “Ouça tudo e fique com o que é bom”. Sábias
palavras, mas também não sei o que é bom ou o que é ruim... lembram da parábola do Taoísmo? Há um grande filósofo ou cientista da Religião, que já direi o nome, que canta os seguintes versos:
Vai! E grita ao mundo que você está certo,
Você aprendeu tudo enquanto estava mudo. Agora é necessário gritar e cantar Rock E demonstrar o teorema da vida e os macetes do xadrez 3
Você tem as respostas das perguntas
Resolveu as equações que não sabia E já não tem mais nada o que fazer a não ser Verdades e verdades Mais verdades e verdades para me dizer, a declarar!...
Tudo o que tinha que ser chorado já foi chorado
Você já cumpriu os doze trabalhos Reescreveu livros dos séculos passados Assinou duplicatas, inventou baralhos... Passeou de dia e dormiu de noite Consertou vitrolas para ouvir música Sabe trechos da Bíblia de cor Sabe receitas mágicas de amor...
Conhece em Marte um amigo antigo lavrador
Que te ensinou a ter do bom e do melhor Mas o que você não sabe por inteiro É como ganhar dinheiro, mas isso é fácil E você não vai parar.
Você não tem perguntas prá fazer
Porque só tem verdades prá dizer, a declarar!
Sabem o nome deste cientista da Religião? É Raul Seixas, em
Loteria de Babilônia. E Raul Seixa tem razão: que tristeza só ter verdades! Que tristeza já ter chegado, não há mais nada a fazer a não ser acostumar-se. Não, não fomos feitos para isso. Por isso existem os poetas:
Talvez Deus mantenha alguns poetas à disposição para que o
falar sobre ele preserve a sacra irredutibilidade que sacerdotes e teólogos deixaram escapar de suas mãos. (Kurt Marti) 4
Sacerdotes e místicos, em todas as religiões, nunca andaram de mãos dadas:
os místicos afirmavam: não chegamos ainda. E os sacerdotes, acostumados às respostas e às verdades que nada mais dizem, tudo fizeram para calá-los, pois sua voz era terrivelmente incômoda, pois os místicos denunciavam que o mistério, que Deus, havia sido domesticado. Se alguém termina o Curso e pensa que está apto a ensinar verdades – como é próprio de algumas religiões institucionais – acho bom permanecer mais um tempinho. Mas de coração acredito que vocês que aqui chegaram tem consciência de que o tesouro que carregam é precioso, mas está em vasos de argila (precioso, mas frágil), eu creio que fizeram um bom caminho. Cuidado: não é a Ciência da Religião que vos torna proprietários da experiência religiosa; ela estará sempre além, exigindo ser interpretada e reinterpretada, mas nunca completamente alcançada. Mais uma vez, usamos os poetas: Carlos Drummond de Andrade, em Verdade, revela:
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade, porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil. E os meios perfis não coincidiam. Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta. Chegaram ao lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos. 5
Era dividida em metades
diferentes uma da outra. Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. Nenhuma das duas era totalmente bela. E carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Crer, imaginar, inventar é o trabalho do ser humano mais árduo e
mais eficaz. Ele é fruto de sua curiosidade, imaginação, desejo... alguns chamam de religiosidade. E como diz Camus: o ser humano recusa a ser o que é. Ele quer mais, quer ser mais, mas quando coloca toda sua energia no que é impermanente – como dizia Sidarta Gautama – sofre muito, pois confunde ser com ter, com fama, riqueza, poder. Ou como proclama o Islamismo: O homem apega-se ao transitório e negligencia o eterno. O que é o permanente? É o não chegado, é o caminho contínuo, é mais e mais; o caminhar é o caminho. Pois, como dizia Raul de Xangô: Morrer não é nada. Não viver é que é medonho. Tenham um coração extremamente apaixonado pelo ser humano, pelas suas buscas, pelas suas crises, pelas suas respostas. Incentivem a caminhar, a não parar, incentivem a buscar. As crianças e adolescentes esperam isso de vocês: não apenas ensinem, mas façam juntos o caminho. Pois uma coisa é saber o caminho; outro bem diferente é trilhá-lo. Sejam profissionais, sérios, mas atentos; falem muito, mas também exercitem a arte da escutatória (como dizia Leonardo Boff e Rubem Alves), pois há tantos cursos de oratória e nenhum sobre escutatória! E como diz o espanhol Miguel de Unamuno: 6
Recusem o eterno “não sabemos”, e sempre procurem galgar ao
inacessível... E eu continuaria, e assim concluo: sejam eternos aprendizes e apaixonados pelo mistério.