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John Reed
Um jornalismo para compreender e emocionar-se
CECÍLIA TOLEDO (Brasil)
O PATRONO DESTE ARTIGO é John Reed. Ele foi escolhido porque agora se comemora
os 100 anos da Revolução Mexicana, que Reed cobriu como repórter,
montado em cima de um cavalo.
S
em lap-top, internet e gravador, Era dezembro de 1913 e o México co-
esse jovem jornalista norte-ameri- meçava a incendiar-se, com uma grande
cano, movido apenas por garra e revolta dos camponeses famintos exi-
entusiasmo pela revolução, produziu gindo a reforma agrária. Repórter sensí-
uma obra jornalística que até hoje é re- vel e comprometido com as causas dos
ferência para o estudo da Revolução Me- trabalhadores e povos de todo o mundo,
xicana de 1910, México Rebelde. John Reed não hesitou em cruzar a fron-
A continuidade foi a Rússia, porque teira e ingressar em território mexicano,
ele simplesmente não poderia perder um mesmo correndo todo tipo de risco. Des-
dos maiores acontecimentos do século: provido de qualquer recurso técnico, ele
a Revolução Russa. teve de apelar para todos os seus instin-
E foi testemunha ocular da história tos, sua aguda inteligência e, por que
com seus Dez Dias que Abalaram o não, a seus conhecimentos do mar-
Mundo, obra que vai muito além das xismo. Viu-se na contingência de botar
fronteiras do jornalismo. É um livro-re- em prática os cinco sentidos básicos de
portagem que não fala de tudo. Fala ape- No México, comendo poeira todo bom repórter: estar, ver, ouvir, com-
nas e tão-somente do essencial, do Nem bem conquistara o diploma de partilhar, pensar. Foi o suficiente para
crucial, dos dez dias da insurreição e da jornalista em Harvard, John Reed já es- que escrevesse um dos melhores livros-
tomada do poder pelos soviets. Alia o tava pisando solo mexicano onde faria reportagem da história do jornalismo
mais puro trabalho de reportagem com a sua primeira grande reportagem sobre a mundial. Os artigos enviados por Reed
mais bela narrativa lírica, mostrando que guerra civil que incendiava o país, nas para a Metropolitan Magazine fizeram
o jornalismo e a literatura são duas es- barbas dos Estados Unidos. Reed tinha sucesso, como relatos vivos, repletos de
tratégias lingüísticas que quando se en- apenas 26 anos, mas já com certa fama descrições precisas, dando ao leitor uma
contram produzem obras clássicas, de jornalista revolucionário por ter co- idéia completa do que foram aqueles
destinadas a ficar entre nós para sempre. berto, no início desse ano, a grande dias intensos, perigosos e decisivos que
Assim, a literatura salva o jornalismo de greve dos operários da seda em Paterson, ocorriam na fronteira com os Estados
morrer no dia seguinte, e lhe dá força Nova Jersey, dirigida pela IWW (Indus- Unidos.
poética. E o jornalismo empresta sua trial Workers of the World, organização
força política à literatura. sindical norte-americana fundada em O “making-of”
John Reed também escreveu sobre a 1905 e que deixou de existir nos anos 30, “Quando cheguei à fronteira, Villa aca-
Primeira Guerra Mundial (A Guerra dos depois que se tornou uma entidade bu- bara de conquistar Chihuahua e se pre-
Bálcãs), sem conseguir chegar ao front; rocrática). parava para avançar em direção a
mas como bom repórter, não perdeu a O livro México Rebelde foi publicado Torreón. Fui diretamente para Chihua-
viagem. pela primeira vez em 1914, nos Estados hua, onde tive a oportunidade de ir com
Desde Salônica, na Grécia, ele regis- Unidos, mas ficou esgotado durante mui- um mineiro americano até as montanhas
trou o clima que a guerra ia produzindo tos anos, e por isso é desconhecido da de Durango. Ao ouvir falar de um velho,
nas pessoas e nas cidades. grande maioria dos leitores. meio bandido, meio general, que viajava
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CULTURA
Dez Dias que Abalaram o Mundo texto, como se a vida fosse um amon-
Este livro é uma fatia de uma história toado de acontecimentos desconexos, e
intensa – historia que eu presenciei... não simplesmente um grande aconteci-
Nessa luta minhas simpatias não eram mento único e complexo, uma trama
neutras. Mas ao contar a história daque- cujos sentidos só podem ser esclarecidos
les grandes dias eu tentei enxergar os a partir do lugar que ocupam nessa
eventos com os olhos de um repórter cons- trama.
ciente, interessado em mostrar a verdade, A narrativa de Reed, então, é capaz de
disse Reed. revelar a construtivismo da história para
Na sua curta vida de escritor, poeta, seus leitores, por meio de cenas, de diá-
jornalista e teatrólogo, John Reed apren- logos convincentes, de novos pontos de
deu que as estórias da história podem as- vista e detalhes sobre os indivíduos e os
sumir o poder de modelar leitores e grupos sociais. Com isso ele aguçou seu
eventos. Ele também compreendeu que senso crítico e construiu uma visão de
as estórias estão sempre moldadas dentro mundo que cedo o colocou entre um dos
de uma longa história de luta econômica maiores repórteres de seu tempo, e ao
e política que a Humanidade vem percor- mesmo tempo, um dos mais perseguidos
rendo. E que não é possível a neutrali- pelo establishment.
dade num relato jornalístico que pretende Tudo conferiu aos Dez Dias status de
incidir sobre os acontecimentos. obra de referência sobre a Revolução
Como repórter de um país que surgiu Russa, com a chancela do próprio Lenin
para oprimir os demais povos, Reed per- que, depois de ler o livro com muita
Capa da publicação em inglês,
cebeu que ali se vivia uma grande luta, de seu livro sobre a Revolução Russa. atenção, o recomendou aos trabalhado-
e era impossível manter-se neutro. Ele res do mundo todo como forma de com-
descobriu que o lado que os homens as- a narrativa tem de construir a vida dos preender a necessidade da revolução. “O
sumem na vida, diante dos conflitos, e o homens. Então ele ficou atento ao signi- livro de John Reed sem dúvida ajudará
porquê de suas escolhas, é o que de mais ficado histórico e percebeu como as con- a esclarecer essa questão, que é o pro-
belo existe no caráter de alguém, e esses venções jornalísticas de seu tempo eram blema fundamental do movimento uni-
conflitos, essa decisão, suas contradições pouco documentadas e pouco aptas a versal dos trabalhadores”, disse Lenin no
–porque essas escolhas nunca são fá- enfrentar o desafio de cobrir e evidenciar Prefácio que escreveu para o livro.
ceis– é a matéria-prima que conforma o a injustiça econômica e os conflitos ar-
perfil e a consciência dos homens. Essa mados.
1
é a fonte da beleza, na qual o jornalista E isso lhe deu um senso da textura das John Reed, Eu Vi um Mundo Novo Nascer, p.
39. São Paulo: Editora Boitempo, 2001.
tem de ir beber todos os dias antes de histórias, que vai na contramão do jorna- 2
Op. Cit., p. 40
sentar-se para escrever uma reportagem. lismo comercial e seu texto superficial, 3
John Reed & the Writing of Revolution, p.94,
Como escritor, descobriu o poder que feito de momentos arrancados do con- Ohio University Press, 2002.
REED REBELDE
J ohn Reed nasceu nos Estados Unidos, em 1887. Filho de família tradicional e
acomodada, esforçou-se por ser justamente o oposto: nem tradicional, nem aco-
modado. E lançou-se à grande aventura do jornalismo de guerra.
Disposto a enfrentar todas as situações, o jovem repórter tinha como ninguém um
aguçado faro jornalístico. Ele sabia desvendar por trás dos fatos aqueles que tinham
vindo para abalar o mundo. A Revolução Mexicana abalou tanto o México que seus
tremores atingiram os Estados Unidos, que jogaram todo o seu peso e influência
para derrotar os exércitos de Emiliano Zapata e Pancho Vila. A Primeira Guerra
abalou o mundo inteiro e impôs uma nova ordem política mundial desde 1918. E
a Revolução Russa abalou o sistema capitalista mundial.
Se John Reed não tivesse contraído tifo na Rússia em 1920, doença que o matou
tão precocemente, com toda certeza sua obra jornalística não teria se restringido a
esses três grandes acontecimentos mundiais. Hoje teríamos livros-reportagem de
fôlego, com uma narrativa lírica como Reed sabia fazer, sobre outros grandes acon-
tecimentos, como a Guerra Civil Espanhola, de 1936 e a Segunda Guerra Mundial,
de 1938. Teríamos relatos memoráveis e verdadeiros dessas guerras, do papel dos
trabalhadores e dos povos nesses combates, com o toque brilhante de Reed, que
levou para sua narrativa jornalística a compreensão política dos conflitos, a descri-
John Reed com sua esposa, a jornalista
ção poética, o construtivismo de uma narração intensa e visceral, como foram in-
e escritora Louise Bryant. tensos e viscerais os conflitos que ele cobriu.
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