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A nova forma de desigualdade

Dois séculos e meio se passaram desde que Rousseau escreveu o seu célebre discurso, mas ainda padecemos das
mesmas e repugnantes mazelas: contrastes sociais, explorações do humano, devastação ambiental, guerras e
destruições
9 de maio de 2017
Por Alexandre Quaresma* | Fotos: Shutterstock | Adaptação web Caroline Svitras

Quando, em 1754, a academia francesa de Dijon propôs a


pergunta/problema “qual é a origem da desigualdade entre os homens, e
se ela foi autorizada pela lei natural”, Rousseau deixa Paris e vai se
refugiar nas florestas de Saint-Germain em busca de reflexão. A natureza
campestre não era mais vista como a vilã de tempos de outrora, onde os
seres humanos dos primeiros tempos da história se digladiavam com os
demais animais e feras existentes, sendo agora uma aliada, onde
Rousseau buscaria inspiração para escrever o seu célebre Discurso
Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens.

Ele sabia que os seres humanos eram mais temíveis do que o mundo natural que o cercava. Entre o Bom Selvagem,
idealizado pelo filósofo, e os avanços, desenvolvimentos e progressos, designados por ele de “promiscuidades” da
Paris moderna e fervilhante do século XVIII, havia um enorme fosso, onde, acreditava Rousseau, estaria a origem
dessa desigualdade flagrante que já afligia a humanidade. Nascia o Iluminismo, ou Era das Luzes, que pretendia
substituir o tempo considerado pelos iluministas sombrio e terrível, de ignorância bestial e mítica, para dar lugar a
uma nova época, luminosa, de conhecimentos e esclarecimento.

Rousseau, em seu discurso, responsabiliza justamente quem formula a pergunta, ou seja, o próprio e
progressivo conhecimento humano, que se acumula desde tempos imemoriais — representado, naquele ato,
pela Academia de Ciências de Dijon, pelo Estado, e por todas as demais derivações comportamentais, sociais,
institucionais e culturais que ocorrem com esse ser indeterminado (como afirma Sloterdijk), que se destaca na
cadeia natural e que se organiza sagaz e gregariamente para a sobrevivência.

O ser humano, em seus primórdios, domina o fogo e lasca a pedra para fazer as primeiras ferramentas e armas, e tais
eventos têm impacto realmente dramático nas culturas primitivas humanas. Assim começa nossa grande aventura
tecnológica, que se arrasta até os dias atuais, até a pós-modernidade, com suas avassaladoras bionanotecnociências.

Agravamento progressivo
Entre 1754 e 2012, dois dois séculos e meio se passaram, mas ainda padecemos das mesmas e
repugnantes mazelas: contrastes sociais, explorações do humano pelo próprio humano, devastação
ambiental, guerras e destruições. Mas, nós arguimos, e se agora a nossa pergunta/problema atual fosse a seguinte:
“Quais podem ser a origem e os fundamentos da nova desigualdade entre os seres humanos? Elas estariam
autorizadas pelas leis naturais?” A resposta, por mais incrível que possa parecer, ainda seria a mesma que o
filósofo Jean-Jaques Rousseau apresentou à academia de Dijon há 250 anos. No primeiro parágrafo de seu
segundo discurso (2005:203) ele afirma:

“O primeiro que, tendo cercado um terreno, atreveu-se a dizer Isto é meu, e encontrou pessoas simples o suficiente
para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, quantas
misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso,
houvesse gritado aos seus semelhantes: ‘Evitai ouvir esse impostor. Estareis perdidos se esquecerdes que os frutos
são de todos e que a terra não é de ninguém!’”
Quem custeia toda essa megainfraestrutura de altíssima sofisticação que envolve as bionanotecnociências são
os senhores da guerra, com os EUA disparados na frente, seguidos de longe por outros países desenvolvidos

Pois bem, eu grito aos meus semelhantes em alto e bom tom que: “O patenteamento do genoma humano é obra
espúria levada a cabo por detratores de sua própria humanidade, auxiliados e amparados por cientistas
inescrupulosos e empresários gananciosos!” E afirmo: “Lembremo-nos, irmãos humanos, enquanto ainda há tempo,
que a vida pertence a todos os seres viventes e não pode ser propriedade exclusiva de ninguém em particular!” Então
surge a seguinte pergunta: será que as primeiras patentes da vida humana, concedidas aos pedaços e fragmentos, não
seriam justamente obra de impostores fincando suas estacas afiadas nesses novos e promissores campos da ciência e
da tecnologia relacionados à vida? Será que, analogamente, não estaríamos em situação semelhante à do filósofo
Rousseau, que antevia, mesmo que solitariamente, desde sua perspectiva temporal iluminista, um futuro (no
mínimo) sombrio para a humanidade?

Sentimo-nos impotentes diante das dinâmicas de desenvolvimento das tecnociências de hoje, que se dão,
paradoxalmente, além de nosso controle objetivo e intencional, gerando hipertelia. Poderemos nós, pós-modernos,
senão retroceder diante das bionanotecnociências, ao menos ser capazes de gerenciá-las de maneira a não causarem
risco e dano a nós mesmos? Os iniciados no assunto afirmam que não – e eu aqui devo concordar pesarosamente
com eles –, pois não há um controle social efetivo dos desenvolvimentos e avanços tecnológicos. Mas perguntamos:
quem custeia toda essa megainfraestrutura de altíssima sofisticação? A resposta é: os senhores da guerra – com
os EUA disparados na frente, seguidos por União Europeia, Japão, Reino Unido e demais países desenvolvidos.

A participação do Brasil, num quadro comparativo com esses países mais ricos, seria semelhante a fragmentos
residuais diante de um enorme e monumental bloco sólido. Envolvida diretamente com esses dinâmicos processos
de desenvolvimento de novíssimas tecnologias está também a iniciativa privada, ou seja, a grande maioria do
empresariado global e do capital volátil internacional.

Ademais, mesmo que partamos da premissa assertiva, e presumivelmente correta, de que as ciências não são nem
poderiam ser neutras, uma vez que florescem à sombra e à custa do capital internacional, teremos ainda conflitos
de ordem complexa, relativos ao choque de interesses entre seus meios e seus fins, como está em Horkheimer
(1975:163): “A gênese social dos problemas, as situações reais, nas quais a ciência é empregada e os fins
perseguidos em sua aplicação, são por ela mesma consideradas exteriores.”

Depois de tantas digressões críticas, poderíamos voltar à nossa questão principal: “Quais podem ser a origem e os
fundamentos da nova desigualdade entre os seres humanos? Elas estão autorizadas pelas leis naturais?” Quanto a
isso, a história nos mostra claramente que as primeiras desigualdades foram se agravando e se multiplicando.

Quais seriam os limites para cercear essa espécie de


raciocínio mercantilista no que tange, por exemplo, às
células tronco e à genômica, se vendemos nosso tempo em
empregos, e fazemos isso em troca de salários e
remunerações?

Se, quando vendemos nosso tempo em empregos, nós o


fazemos em troca de salários e remunerações, quais seriam os
limites para cercear essa espécie de raciocínio mercantilista no
que tange, por exemplo, às células-tronco e à genômica? Por
que não seria certo valorizar um candidato à vaga de analista
de sistemas de uma empresa segundo sua ficha médica, que contém informações sobre sua longevidade, possíveis
tendências para certas doenças, enfim, informações relativas à saúde desse candidato ou futuro contratado? Qual
seria o empecilho moral concreto a considerar, uma vez que a vida pode ser patenteada e comercializada livremente?
O próprio regime de empregos vigente em nossa cultura remete mais a uma realidade exploratória (quase
escravagista) do que a uma remuneração justa por produtividade.

No mais, como civilização predominantemente tecnológica, temos – nesse singular momentum – um verdadeiro
sem-fim de possibilidades que se abrem diante de nós devido à conjunção e à convergência bionanotecnocientífica.
Esta, invariavelmente, encontra-se a serviço do controle exploratório e dos mesmos atores imperialistas de outrora.
Todo esse poder, somado à incapacidade crítica das sociedades que, de maneira geral, consideram boas as ciências e
as tecnologias, benéficas às culturas que as fomentam, geram um ambiente promíscuo de permissividade científica
ilimitada, possibilitando, assim, que abusos ou desvios acabem por acontecer. A tecnociência não é necessariamente
boa nem má; todavia, é fácil perceber que ela serve a qualquer senhor que a fomente, aqui ou alhures, sendo
especialmente vulnerável ao poder do capital e do mercado.

Perspectivas e horizontes
Vejamos, a propósito de nossa crítica às tecnologias, o pensamento do matemático Ernest Gabor (parceiro de
laboratório de Einstein) e do filósofo Friedrich Nietzsche, e a convergência transdisciplinar de ambos na crítica das
tecnoculturas atuais, no que chamamos hoje de pós-humano. A postulação teórica conhecida como Lei de
Gabor diz: “Tudo que puder ser feito, será necessariamente feito”. Já Nietzsche (1974:231), ponderando e
confirmando tal teoria, indiretamente, afirma o seguinte: “… temos diante de nós uma terra ainda inexplorada, cujos
limites ninguém mediu ainda, um além de todas as terras e rincões do ideal conhecidos até agora, um mundo tão
abundante em coisas belas, estranhas, problemáticas, terríveis e divinas; assim, como poderíamos nos saciar? Como
poderíamos, depois de ver tais paisagens, e com uma sede de posse, ficar fora de nós – aí, que doravante nada mais
tal voracidade na consciência e na ciência, contentar-nos com o homem do presente? (…) o ideal de um espírito que
joga ingenuamente, isto é, sem querer e por transbordante plenitude e potencialidade, com tudo o que até agora se
chamou sagrado, bom, intocável, divino; para que o povo encontre legitimamente em sua medida de valor, já
significaria perigo, declínio, rebaixamento ou, no mínimo, descanso, cegueira, esquecimento temporário de si; o
ideal de um bem-estar e bem-querer humano-sobre-humano”.
Hibridação ciborgue
Por trás desses fenômenos sociotécnicos complexos há uma guerra. Uma guerra travada por conhecimentos e
técnicas cada vez maiores, mais sofisticadas, que permitam a seus detentores – nada mais, nada menos – reinventar a
matéria, a vida e a própria espécie humana, e ainda ganhar muitíssimo dinheiro com isso. E, as impropriedades não
param por aí: podemos criar também novas formas de vida e patentear essas criações, pois desde a última década
podem ser livremente patenteadas partes, e até sequências inteiras, de nosso DNA. Como está em Garrafa e
Berlinguer (1996:61): “Esse procedimento de fincar bandeira em nosso território interno, para exigir-lhe a posse,
tem muitas semelhanças com o direito de propriedade que os conquistadores reclamavam sobre as terras e povos
descobertos e colonizados nos séculos passados. Naquele tempo, em nome do rei da Espanha ou da rainha da
Inglaterra, ou dessa ou daquela religião. Hoje, em nome da ciência, mas sempre por sede de lucros”.

A clonagem humana é outro assunto polêmico, que provoca dilemas éticos profundos. Criar clones humanos para
fins de exploração e utilização de suas partes vitais é outra vertente repugnante que surge no horizonte da
humanidade que se sente dona de superpoderes com o advento das bionanotecnociências.

Diante de tudo isso, os doutores em bioética Garrafa e Berlinguer (1996:138) não têm dúvidas – é nós concordamos
com eles – ao afirmar que: “A minha, a tua, a autonomia de todos é lesada pela declaração de propriedade
apresentada por um só indivíduo pertencente a nossa mesma espécie”. Rousseau (2005:241), nas páginas finais de
seu discurso, repleto de uma atualidade desconcertante, faz referência a fatos do passado que se aplicam com
perfeição à nossa analogia crítica da conjuntura atual (e concordamos com ele): “… a alma e as paixões humanas,
alterando-se insensivelmente, mudam, por assim dizer, de natureza; porque nossas necessidades e nossos prazeres
mudam de objeto com o passar do tempo; porque, esvaindo-se gradualmente o homem natural, a sociedade já não
oferece aos olhos do sábio senão uma reunião de homens artificiais e de paixões fictícias que são obra de todas essas
novas relações e não têm nenhum fundamento real na natureza”.

Num último suspiro reflexivo, poderíamos arriscar uma derradeira pergunta: será este o legado que queremos deixar
para as futuras gerações? É assim que queremos ser lembrados por nossos descendentes e herdeiros? Como os
mercenários genéticos do século XXI? Como os piratas biológicos da Pós-modernidade? Será que seremos os
cândidos da vez, como diria Voltaire, ou as “… pessoas simples o suficiente para acreditar…”, nas palavras do
próprio Rousseau (2005:203), que tais atrocidades possam ser aceitáveis, cultural, política, moral e socialmente? Ou
seja, que se possa livremente patentear o genoma humano e comercializá-lo ao sabor do mercado?

Uso de drogas no espaço público


Referindo-se às primeiras estacas, que serviram para cercar os primeiros terrenos privados da história humana –
dando início à propriedade da terra e, por conseguinte, às desigualdades entre os seres humanos –, Rousseau afirma
“Quantos crimes, guerras, assassínios, quantas misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano [ou seja,
quanto horror e quantas ações indignas e deletérias poderiam ter sido evitados se] aquele[s] que, arrancando as
estacas ou enchendo o fosso [ou seja, proibindo a prática e embargando as técnicas], houvesse[m] gritado aos seus
semelhantes: ‘Evitai ouvir esse impostor! Estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos [que os nossos
genes são nossos] e que a terra [o DNA humano] não é de ninguém!’ [em especial ou em particular]”.

Nem poderia ser, pois tudo isso não faz o menor sentido, a não ser para os que pretendem explorar o DNA
comercialmente.

*Alexandre Quaresma é escritor, ensaísta, pesquisador de tecnologias e consequências socioambientais. Autor dos
livros Nanocaos e a Responsabilidade Global e Nanotecnologias: Zênite ou Nadir? É membro ativista da
RENANOSOMA (Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente) e vinculado à FDB.

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