Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
RESUMO
Objetiva-se neste artigo abordar a relação do espaço público da Esplanada dos Ministérios em
Brasília / DF – planejado por Lúcio Costa e com composição arquitetônica de Oscar
Niemeyer – com a situação política brasileira atual: o processo de impeachment contra a
presidente Dilma Rousseff. Para a Análise do Discurso, o texto é um caractere linguístico-
histórico, e, neste artigo, buscou-se a análise na enunciação que se inscreve no campo da
arquitetura e urbanismo enquanto discurso, marcado por um lugar de dizer da história,
ideologia, e afetado, também, pelos aspectos sociais. Para um olhar metodológico acerca
dessa relação, a Análise do Discurso Francesa tem muito a colaborar sob a perspectiva de
literários como Maingueneau, ao escrever sobre interdiscurso e análise do discurso nas mídias
de comunicação, e acompanhado de literários de saberes acerca dos significados no espaço
urbano. Ao mesmo tempo em que o muro pode representar proteção, como visto nos períodos
antigos, e hoje, como defesa dos direitos individuais de protesto e manifestação; pode ser
entendido como um limitador, como imposição de margem máximo do alcance do
pensamento.
ABSTRACT
The objective of this article is address the relationship of public space the Esplanade of
Ministries in Brasilia / DF with the current Brazilian political situation: the process of
impeachment against President Dilma Rousseff. Brasilia was designed by Lúcio Costa and
has architectural composition of Oscar Niemeyer. For discourse analysis, the text is a
linguistic and historical character, and in this article, we sought to analyze the enunciation that
is inscribed in the field of architecture and urbanism as a discourse marked by a place to tell
the history, ideology, and affected also the social aspects. For a methodological view about
the relationship, the French Discourse Analysis has a lot to contribute, under the literary
perspective as Maingueneau, writing about interdiscourse and discourse analysis in the
communication media, and accompanied by knowledge of literary about the meanings in
space urban. While the wall may represent protection, as seen in ancient times, and today, as a
defense of individual rights of protest and demonstration; It can be understood as a limitation,
as the imposition of maximum margin of reach of thought.
Key words: Discourse analysis; Architecture; Impeachment wall; Lucio Costa; Oscar
Niemeyer.
1
Mestranda em Cognição e Linguagem pela UENF, MBA em Gerência de Cidades pela UNINTER, com
graduação em Arquitetura e Urbanismo pelo IFF.
2
Mestre em Engenharia Ambiental pelo IFF, com graduação em Arquitetura e Urbanismo pela mesma
instituição.
INTRODUÇÃO
Para um olhar metodológico acerca dessa relação, a Análise do Discurso Francesa tem
muito a colaborar, sob a perspectiva de literários como Maingueneau, ao escrever sobre
interdiscurso e análise do discurso nas mídias de propaganda, e acompanhado de literários de
saberes acerca dos significados no espaço urbano.
Para a Análise do Discurso, o texto é um caractere linguístico-histórico, e, neste artigo,
buscou-se a análise na enunciação que se inscreve no campo da arquitetura e urbanismo
enquanto discurso, marcado por um lugar de dizer da história, ideologia, e afetado, também,
pelos aspectos sociais.
Surgem, então, as muralhas com altura em torno de nove metros, feitos de pedras e
argila, que circundam as construções da alta sociedade nos diversos usos possíveis. Além
disso, elementos como as colunatas e a dominância horizontal das construções também são
associados à função de demarcar limites de acesso e privação. (CARVALHO, 1968)
Entre as residências não existe a construção de muros, mas as casas possuem paredes,
o que muda a característica de aldeia para cidade (Figura 4). Não há mais um caráter de
comunidade entre as funções familiares como visto no neolítico, podendo-se dizer que há uma
maior atenção a privacidade familiar, até mesmo diante dos pátios internos que se formam, de
modo que as atividades rotineiras, como higiene de vestes e alimentos, sejam realizadas
dentro das casas. (CARVALHO, 1968)
Figura 4: Planta de uma casa em Gizé. Ambientes - 1. entrada, 2. átrio, 3. dispensa, 4. sala,
5. vestíbulo, 6. quarto de dormir e 7. depósito. (BENEVOLO, 2009, p. 43)
Esse espírito de renovação chega ao Brasil e tem como entusiastas o urbanista Lúcio
Costa e o arquiteto Oscar Niemeyer. No título adiante serão apresentados os conceitos
modernistas, os profissionais supracitados e a construção de Brasília, de autoria deles.
Lúcio Costa, em seu livro Arquitetura, de 1980, dedica um capítulo sobre seu projeto
para Brasília, que denomina como “Memória Descritiva”.
O urbanista (1980, p. 50) inicia seus escritos desculpando-se junto a Novacap pela
“apresentação sumária do partido aqui sugerido para a nova Capital”, e diz mais: “não
pretendia competir e, na verdade, não concorro – apenas me desvencilho de uma solução
possível, que não foi procurada mas surgiu, por assim dizer, já pronta”.
Em parágrafo seguinte, Costa se apresenta como maquisard3 do urbanismo, que
pretenderia prosseguir apenas como consultor. Explica ainda se amparar num “raciocínio
simplório”, que se aceito, se revelará intensamente pensado e resolvido; se não, a exclusão
seria mais fácil, sem perda de tempo para candidato e jurados.
Em prosseguimento, apresenta 23 definições sobre o partido projetual. No ponto
primeiro explica que o desenho urbano “nasceu de gesto primário de quem assinala um lugar
ou dele toma posse; dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz.”
(COSTA, 1980, p. 52)
Do ponto segundo ao oitavo, tratam de fatores relativos ao tráfego e cruzamentos,
aspectos técnicos de topografia, orientação solar, setores residenciais e demais usos.
No nono ponto, alerta para a integração existente de modo ordenado entre as mais
diversas circulações, destacando os edifícios destinados aos poderes fundamentais do Estado,
e nomeando sugestivamente de Praça dos Três Poderes, como hoje o é. Cita ainda, (1980, p.
54), que ao longo dessa esplanada, um “extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e a
desfiles”.
Do décimo ao décimo terceiro ponto, Lucio Costa apresenta os setores de diversão e
esportivo, além Praça Municipal. Nos pontos décimo quarto e décimo quinto, afirma ter
percorrido o dito eixo monumental, com a “fluência do espaço e unidade do traçado (...),
organismo plasticamente autônomo na escala do homem e permite o diálogo monumental
localizado”. (COSTA, 1980, p. 56)
Entre os pontos dezesseis e vinte e dois, trata da ocupação residencial e a criação das
superquadras, a distribuição sócio espacial da população, a numeração e referências de ruas.
No vigésimo terceiro e último ponto do urbanista, reafirma o princípio do seu desenho,
sendo de fácil compreensão, caracterizado pela simplicidade e clareza do risco original, sem
abdicar da variedade possível nas partes, conforme sua função:
3
Como explicam Schlee e Donato (2007), trata-se de “vocábulo empregado para definir aquele que durante a II
Guerra Mundial, clandestinamente, participou do maquis, ou seja, participou da luta contra a ocupação alemã na
França. A expressão maquisard vem de maquis, matagal – vegetação arbustiva densa onde se refugiavam os
fugitivos da justiça na Córsega. Por extensão, também foram chamados de maquis os grupos de resistência a
diferentes regimes totalitários, como o do franquismo na Espanha”.
É assim que, sendo monumental, é também cômoda, eficiente, acolhedora e
íntima. É ao mesmo tempo derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e
funcional. (...). BRASÍLIA: capital aérea e rodoviária; cidade-parque. Sonho
arquissecular do Patriarca. (COSTA, 1980, p. 59-60)
Wisnik (2011, p. 12) afirma que “em 1956, Kubitschek resolve reeditar a parceria com
Niemeyer iniciada na Pampulha, agora em escala mais ambiciosa, criando Brasília, a nova
capital do país”.
Oscar Niemeyer reafirma essa declaração:
Segundo Schlee & Donato (2007, p. 4), “o resultado foi oficialmente divulgado em 16
de março de 1957. (...). Niemeyer e Lucio Costa passaram a trabalhar no Rio de Janeiro. (...).
Em agosto de 1958, Oscar Niemeyer mudou-se para Brasília”.
Sobre trabalhar com Lucio Costa, Niemeyer se manifesta:
A criação dos edifícios de Brasília se deu quando Niemeyer já estava em uma fase
mais madura, aos 50 anos, tendo declarado que:
O Congresso Nacional (Figura 12), edificação de foco neste trabalho pelas decisões
políticas e legislativas tomadas em seu interior, sempre foi marco essencial no plano
urbanístico de Lucio Costa para Brasília, no qual a composição em torre, embasamento e
cúpula também atuava como elemento de transição entre a Esplanada dos Ministérios e a
Praça dos Três Poderes. (COSTA, 1980, p. 54)
Figura 12: Congresso Nacional e Poderes Executico e Judiciário. (NIEMEYER, 2006, p. 47)
Nas colocações de Wisnik (2011, p. 9), “a importância da obra de Niemeyer, (...), está
muito ligada ao seu alto grau de liberdade e imaginação, qualidades que permitiram o seu
destaque em meio às restrições formais subjacentes ao funcionalismo moderno na Europa”.
Figura 13: Desenho de Niemeyer para Congresso Nacional. (NIEMEYER, 2006, p. 44)
A concepção de Brasília como nova capital do país trouxe consigo os ideais de uma
nova oportunidade para a sociedade e para as urbanidades existentes, a oportunidade de
pensar uma cidade onde as vozes fossem ouvidas bem no centro de decisões, propícia ao
diálogo.
O partido arquitetônico corresponde ao cotidiano? Niemeyer (2006, p. 35) se
manifesta: “com a mudança da Capital, Brasília mudou muito, (...) perdendo aquela
solidariedade humana que antes o distinguia, que nos dava a impressão de viver num mundo
diferente, no mundo novo e justo que sempre desejamos”.
Souza (2010, p. 155) explica: “as sociedades humanas possuem contradições e
conflitos (...). É também nas cidades onde se concentram tais contradições e conflitos”.
3. ERGUE-SE UM MURO: SIMBOLISMO DISCURSIVO DA ARQUITETURA E
POLÍTICA NACIONAL
Esclarecido o processo do surgimento e uso dos muros pelo mundo afora, desde o
período Neolítico e apresentado os partidos dos projetos de urbanismo e arquitetura da cidade
de Brasília no Distrito Federal, cabe agora incluir a interdisciplinaridade nesse trabalho.
A Análise do Discurso Francesa, como pincelado na Introdução, revela e estuda os
enunciados contidos no texto urbano, sígnico e não-sígnico; e recapitula cenário e sugere o
presente fazendo parte dessa análise.
Como explica Ferrara (1981, p. 185), “o dialogismo contextual é a exploração de usos
que se alimentam de usos. É repertório novo feito de repertórios perdidos, logo, uso é
intersecção entre passado-presente e vice-versa”.
O discurso a ser analisado aqui é a construção do muro, feitos em chapa de aço e
erguido por presidiários, segundo medidas do Governo do Distrito Federal e mantido entre os
dias 10 a 17 de abril de 2016, para a votação do processo de impeachment junto a Câmara dos
Deputados (Figura 14).
Segundo a autora, a prática sócio espacial, onde estão impregnados conceitos sociais,
culturais e históricos dentro e sobre o espaço da cidade, é capaz de demonstrar contradições
ao real percebido. Ou seja: onde se vê um muro que dá lugar a quem é contra ou pró-governo,
que permite a multiplicidade de pensamentos, na verdade, não o é, tão simplesmente.
Segundo Maingueneau (1997, p. 34), o discurso vai além da função sintática das
palavras. Para o autor, o discurso “não é delimitado à maneira de um terreno, nem é
desmontado como uma máquina. Constitui-se em signo de alguma coisa, para alguém, em um
contexto de signos e de experiências”.
Ao mesmo tempo em que o muro pode representar proteção, como visto nos períodos
antigos, e hoje, como defesa dos direitos individuais de protesto e manifestação; pode ser
entendido como um limitador, como imposição de margem máximo do alcance do
pensamento.
Uma crítica não pode ir além do muro, porque do outro lado está a crítica do outro.
Essas críticas não devem se relacionar? O debate não permitiria o desenvolvimento de ideias
coletivamente construídas? As diferenças de pensamento não podem se entrelaçar?
A linguagem, o dizer, os enunciados do arquiteto e urbanista de proporcionar um
espaço para o povo, voltado para as reuniões de públicos como planejado por Lucio Costa
para o gramado da Esplanada, não possuem seu sentido verdadeiramente acontecendo, como
Carlos (2007) cita ao se referir as contradições da prática.
Na ótica de Pêcheux (2002), o acontecimento é entendido como o “ponto de encontro
entre uma atualidade e uma memória” em uma dada conjuntura. Assim, quando o muro de
chapa metálica, construído por presidiários nesse ano, se vincula por memória aos muros
construídos ao longo da história, podem ser para proteger o que é privado (pensamento de
cada brasileiro) ou para limitar um espaço (seu pensamento não pode passar de certo ponto).
O que definirá seu sentido é o destinatário dessa informação sígnica, desse enunciado,
que nesse caso é visual e de cunho político. Como Maingueneau (2013, p. 22) afirma: “todo
ato de enunciação é fundamentalmente assimétrico: a pessoa que interpreta o enunciado
reconstrói seu sentido a partir de indicações presentes no enunciado produzido, mas nada
garante que o que ela reconstrói coincida com as representações do enunciador”.
ASPECTOS CONCLUSIVOS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Lara Moreira. A construção de Brasília: uma contradição entre utopia e realidade. In:
Revista de História da Arte e Arquitetura. Campinas: Programa de Pós-Graduação do Departamento
de História, 2005. Disponível em: <https://cpdoc.fgv.br/sites/
default/files/brasilia/arquivos/LaraALVES-AconstrucaodeBrasilia.pdf>. Acesso em 16 ago. 2016.
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Tradução de Ana Goldberger. São Paulo:
Perspectiva, 2008. 398 p.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo:
LABUR Edições, 2007. 123 p.
CARVALHO, Benjamin. Arquitetura no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos,
1968. 223 p.
CORNELSEN, Elcio Loureiro. O espaço da interdição interditado pela nostalgia e pelo riso: o
Muro de Berlim e a "Alameda do Sol". Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 15, p. 82-97,
2007. Disponível em: <http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/
1387/1485>. Acesso em 16 ago. 2016.
COSTA, Lucio. Arquitetura. Rio de Janeiro: Bloch, 1980. 64 p.
FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. A estratégia dos signos. São Paulo: Perspectiva, 1981. 192 p.
CZAJKOWSKI, Jorge (org). Guia da arquitetura eclética no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro
de Arquitetura e Urbanismo, 2000. 216 p.
MELLO JUNIOR, Donato. A Casa dos Contos de Ouro Preto. Disponível em:
<https://coisasdaarquitetura.wordpress.com/2010/08/09/a-casa-dos-contos-de-ouro-preto/>. Acesso em
27 out. 2016.
NIEMEYER, O. ; WISNIK, G. Oscar Niemeyer. São Paulo: Folha de S. Paulo, 2011. 80p., il.
(algumas color.); 26cm. – (Coleção Folha grandes arquitetos; v. 3)
SCHLEE, Andrey R; DONATO, Lila. A Praça do maquis. In: Anais do 7° Seminário Docomomo
Brasil. Porto Alegre, 2007. Disponível em: <http://www.docomomo.org.br/
seminario%207%20pdfs/001.pdf>. Acesso em 15 out. 2016.
SOUZA, Marcelo L. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. 190 p.
TRANJAN, Tiago. Demonstração e interpretação. Volume 34. São Paulo: Editora Martins Fontes,
2015. 68 p.