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1
Fascículo
gestão
social 1
Airton Cardoso Cançado
Jeová Torres Silva Júnior
Anne Caroline Moura Guimarães Cançado
Copyright © 2017 by Fundação Demócrito Rocha
Síntese do Fascículo......................................................................... 22
Perfil dos Autores .................................................................................. 22
Referências Bibliográficas ................................................................... 23
OBJETIVOS
1. Lembrar o histórico e a evolução do campo da gestão social.
“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa.
Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”
Paulo Freire
gestão social 5
Kliksberg (“Pobreza: uma questão ina-
diável – Novas respostas a nível mun-
dial”, 1994) e Rico e Raichelis (“Gestão
Social, uma questão em debate”, 1999).
No Brasil a temática ganha outros
contornos e se amplia, inicialmente
pelos esforços do PEGS, como o texto
de Tenório (“Gestão social: uma pers-
pectiva conceitual”, 1998) que amplia
a discussão da Gestão Social para um
modo de gestão contrário à gestão es-
tratégica (ou gestão de empresas pri-
2.
vadas, com fins de lucro).
No início dos anos 2000, um gru-
po de pesquisadores se reúne em São
Paulo e propõe criar uma rede (Rede
de Pesquisadores em Gestão Social
– RGS) para realizar pesquisas sobre
Social
A Gestão Social no Brasil, enquanto
Social (ENAPEGS), em Juazeiro do Norte,
no estado do Ceará. Nesse encontro, a
rede é estabelecida de fato. A partir de
campo do conhecimento, surgiu em 2007, a rede se encontra anualmente no
meados dos anos 1990. A principal re- ENAPEGS e as pesquisas sobre Gestão
ferência é a criação do Programa de Social avançam, realizadas geralmen-
Estudos em Gestão Social da Escola te por meio de parcerias.
Brasileira de Administração Pública Em Minas Gerais, existe desde 2007
e de Empresas da Fundação Getúlio o Encontro Mineiro de Administração
Vargas (PEGS/EBAPE/FGV) em 1990, Pública, Economia Solidária e Gestão
coordenado desde sua criação pelo Social (EMAPEGS), que em 2015 rea-
professor Fernando Tenório. lizou sua quinta edição. Atualmente
O início da discussão da temática existem diversos periódicos, como
acontece em um contexto institucio- as Revistas Administração Pública e
nal, por meio do Banco Interamericano Gestão Social (APGS), Cadernos Gestão
de Desenvolvimento (BID), e tem Social (CGS), Nau Social e Revista
abrangência em toda a América Interdisciplinar de Gestão Social
Latina. Nesse contexto, a Gestão Social (RIGS), e cursos de Gestão Social espa-
é entendida como a Gestão de Políticas lhados pelo País, inclusive mestrados
Públicas Social. Exemplos dessa abor- profissionais na Universidade Federal
dagem podem ser encontrados nos da Bahia e no Centro Universitário
livros organizados por Bernardo UNA, em Belo Horizonte/MG.
gestão social 7
das Universidades Federais (Reuni), Campus Cariri da UFC adquire autono-
são aprovados dois cursos vincula- mia e se transforma na Universidade
dos a Escolas de Administração com Federal do Cariri (UFCA).
foco na Gestão Social: Graduação Recentemente, em 2013, outro
Tecnológica em Gestão Pública e Edital da Capes, em parceria com o
Social (Universidade Federal da Bahia Ministério da Integração Nacional,
– UFBA) e Administração Pública e denominado Pró-Integração, é lan-
Social (Universidade Federal do Rio çado. Outro projeto de pesquisa rela-
Grande do Sul – UFRGS). cionado à Gestão Social é aprovado
Ainda em 2009 o Departamento em parceria entre EBAPE/FGV, UFT e
de Administração e Contabilidade da UFRRJ. Posteriormente foram agre-
UFV inicia a publicação do periódi- gadas outras instituições nacionais:
co “Administração Pública e Gestão UFLA, UFSC (Universidade Federal de
Social – APGS”. Santa Catarina) e Unijuí (Universidade
Em 2010, a partir de discussões Regional do Noroeste do Estado do
realizadas pela RGS, é constituído o Rio Grande do Sul). Esse projeto tem
Observatório da Formação em Gestão especial importância, pois pretende
Social (OFGS), sediado na Escola de ampliar a discussão para outros paí-
Administração da UFBA. O OFGS é ses da América Latina, principalmente
um projeto coletivo da RGS realiza- Equador, Chile e Argentina.
do por oito instituições parceiras: a Em 2014, no VIII ENAPEGS, foi lan-
Universidade Federal da Bahia (UFBA), çado o “Dicionário para a Formação
a Universidade Federal do Cariri em Gestão Social”, organizado pela
(UFCA), a Universidade do Estado de coordenadora do Observatório da
Santa Catarina (UDESC), a Pontifícia Formação em Gestão Social, profes-
Universidade Católica de São Paulo sora Rosana Boullosa. Esse dicionário
(PUC-SP), a Universidade de São Paulo conta com a participação expressiva
(EACH/USP), a Universidade Federal de membros da RGS e tem por objetivo
do Recôncavo da Bahia (UFRB), a mapear os principais conceitos iden-
Universidade Federal do Tocantins (UFT) tificados nos ENAPEGS realizados até
e a Pontifícia Universidade Católica de então. O dicionário tem uma versão
Minas Gerais (PUC-MG). Uma das pri- interativa on line8. Nesse ENAPEGS foi
meiras ações do OFGS é a criação da decidido que o evento seria bianual.
Revista Nau Social7 no mesmo ano. A re- Em 2017, durante a II Reunião da
vista é dedicada à formação em Gestão Rede de Pesquisadores em Gestão
Social e políticas públicas. Social realizada em Natal-RN, sob sob
Na Universidade Federal do a organização da Universidade Federal
Ceará – Campus Cariri (UFC-Cariri), do Rio Grande do Norte - UFRN. Dentre
em Juazeiro do Norte/CE, tem início outras discussões, foi tomada a de-
em 2011 o Curso de Bacharelado em cisão de criação de uma associação
Administração Pública com ênfase para apoiar a rede. Para o ano de 2018,
em Gestão Social. No projeto, o curso será realizado o X ENAPEGS, voltando
foi pensado com a nomenclatura de para Juazeiro do Norte-CE, onde ocor-
Gestão Pública e Gestão Social, porém, reu a primeira edição.
7. http://www.periodicos.adm.ufba.br/index.php/rs por motivos de registro, o nome preci- Dentre outras discussões, foi to-
8. Ver https://www.ufrb.edu.br/gestaopublica/ar-
quivo-de-noticias/130-dicionario-para-a-forma- sou ser modificado. No entanto, o con- mada a decisão de criação de uma as-
cao-em-gestao-social. teúdo do curso de manteve. Em 2013 o sociação para apoiar a rede.
2009 Criação do Curso de Graduação Administração Pública e Social Porto Alegre/RS EA/UFRGS
1º EMAPEGS Lavras/MG UFLA
Extinção da temática específica da Gestão Social Anpad Área de Administração
São Paulo/SP
(extinta em 2009) Pública da Anpad
Criação do Periódico Administração Pública e Gestão Social – APGS Lavras/MG UFV
gestão social 9
Quadro 1 - Síntese dos principais eventos
da evolução da Gestão Social no Brasil
Ano Evento Local Instituição Responsável
4º ENAPEGS Lavras/MG Ufla
2º EMAPEGS Viçosa/MG UFV
2010
Criação do Observatório da Formação em Gestão Social – OFGS Salvador/BA EA/UFBA
Criação da Revista Nau Social Salvador/BA OFGS /EA/UFBA
5º ENAPEGS Florianópolis/SC Udesc
3º EMAPEGS Lavras/MG UFLA
2011 Criação do Curso de Graduação em Administração Pública:
Juazeiro do Norte/CE UFCA
Gestão Pública e Social
Criação da revista Interdisciplinar em Gestão Social – RIGS Salvador/BA CIAGS/EA/UFBA
2012 6º ENAPEGS São Paulo/SP PUC-SP
7º ENAPEGS Belém/PA Unama
2013
4º EMAPEGS Viçosa/MG UFV
8º ENAPEGS Cachoeira/BA UFRB
2014
Lançamento do Dicionário para a Formação em Gestão Social Cachoeira/BA OFGS/EA/UFBA
5º EMAPEGS Lavras/MG UFLA
Volta da temática específica sobre Gestão Social na Anpad por
Área de Administração
2015 meio da criação do Tema “Interseções entre Gestão Pública e Belo Horizonte/MG
Pública da Anpad
Gestão Social”
Reunião da Rede Pesquisadores em Gestão Social Belo Horizonte/MG PUC-Minas
UFRGS e outras parcerias
2016 9º ENAPEGS Porto Alegre/RS
regionais
Reunião da Rede Pesquisadores em Gestão Social Natal/RN UFRN
Fundação Demócrito
Curso em Gestão Social (EaD) Fortaleza/CE
2017 Rocha
Salvador/BA EA/UFBA
Criação da Escola Livre em Gestão Social vinculado ao OFGS
Juazeiro do Norte/CE UFCA
2018 10º ENAPEGS (a ser realizado) Juazeiro do Norte/CE UFCA
Como se pode ver, existe todo um contexto his- 1. Como o poder público pode se aproximar da
tórico do campo de conhecimento da Gestão Social, academia em relação à Gestão Social?
que ainda está em desenvolvimento. Antes de ini-
ciar a próxima seção que trata conceitualmente da 2. No meu contexto, como posso fazer parte desse
Gestão Social, algumas questões para a reflexão. campo do conhecimento?
Gestão
Direta grupos por motivos de local para
ativa. Fala e é ouvido. Ideal
acontecer e tempo.
para pequenos grupos.
Social?
Antes da definição de Gestão Social,
Mais simples, pois aos
O participante, de certa forma, não
participa. Representar um grupo é
muito difícil pela possibilidade da
representantes eleitos é
é importante tratar de participa- Indireta diferença de opiniões. Isso pode
delegado o poder de decisão.
ção e seus desdobramentos para a levar o representante a representar
Ideal para grandes grupos
Gestão Social. o que ele “acha” que o grupo quer ou
representar a ele mesmo.
As pessoas se veem e se
Problemas de deslocamento,
conhecem pessoalmente,
3.1 Participação Presencial conhecendo a opinião e os
local e tempo podem inviabilizar
a presença, levando a não
argumentos dos demais. A
A Gestão Social é centrada na partici- participação.
chance de debate é maior.
pação; esse é um conceito importante Posso participar de onde As pessoas não se conhecem e
para a temática. Porém de que partici- estiver; para isso, as dificilmente terão “tempo” para
pação estamos falando? Apenas para Não
tecnologias de informação e ver a opinião dos outros. A chance
exemplificar, iremos apresentar tipos presencial
comunicação podem ajudar do debate diminui e pode se
extremos de participação, e é claro que (celular, por exemplo). transformar em meras “votações”.
sempre pode haver meio-termo. O ob-
As pessoas são impelidas a A participação aqui é vista como um
jetivo é introduzir o debate.
participar e, dependendo da dever, ou mesmo um problema na
Obrigatória
punição, a participação tende medida em que as pessoas não estão
Inicialmente pode-se pensar que
a ser maior. participando por vontade própria.
a participação Direta, Presencial e
Quem participa está A participação pode ser baixa, pois
Síncrona seja impossível para um Não
realmente querendo pode ficar em segundo plano (Free
número maior de pessoas. Porém, obrigatória
participar. Rider).
se considerarmos as Tecnologias da
As opiniões e decisões Pode ser difícil marcar um horário
Informação e Comunicação disponí-
acontecem durante o período que atenda a todas pessoas,
veis (e as que ainda virão), podemos Síncrona
da participação. Tem-se principalmente se a participação for
relativizar essa visão. Pelas vanta-
acesso instantâneo ao debate. não obrigatória.
gens e desvantagens observadas, a
questão da escalaridade, ou seja, o Até o fim do período, não se Por ser mais flexível, a participação
tamanho do grupo e do seu território Assíncrona tem acesso ao debate como pode ser maior, adequando-se aos
seja o ponto chave. Nesse sentido, te- um todo. horários de cada um.
mos de entender a relação entre esca- FONTE: ELABORADO PELOS AUTORES, 2017.
laridade e gestão social.
gestão social 11
Começa-se com uma pergunta. A Nessa perspectiva, a Gestão Social se (2008b), a sociedade deve ser a prota-
Gestão Social está confinada à gestão apresenta como uma possibilidade gonista da relação. Não há Estado sem
de curto espectro territorial, em es- concreta de controle social. Controle sociedade, sendo ele, inclusive, uma
cala local. Ou seria possível pensar a social aqui entendido como o contro- criação dela. A sociedade escolheu se
Gestão Social como possibilidade para le do Estado pela sociedade, tanto em organizar dessa forma e a própria so-
a gestão de espaços maiores como um termos de planejamento quanto de ciedade escolhe quem vai lhe repre-
estado ou um país de grandes dimen- execução e avaliação. sentar no Estado. Assim, a participação
sões como o Brasil? não pode ser concedida, ela deve ser
Neste sentido, aproximou-se Portanto, quando se fala em local, “uma prerrogativa”. Segundo Carrion
o conceito de Gestão Social do de não está se circunscrevendo o con- (2007), o Estado, além de criar espaços
Governança Territorial, quando ficou ceito à rua, ao bairro ou mesmo à para a participação, deve criar condi-
claro o problema pouco discutido da es- cidade. O universo de análise é mais ções objetivas para que ela se efetive.
calaridade na Gestão Social. Segundo amplo e abstrato, podendo estar re- Esses talvez sejam os maiores desafios
Cançado, Tavares e Dallabrida (2013, lacionado a várias escalas de poder, para uma Gestão Pública mais próxima
p.11, grifos do original) governança ter- consideradas isoladamente ou em da sociedade. Por um lado, o “eleito” se
ritorial pode ser definida como conjunto, em um ou mais territórios acha no direito (“legitimado” pelas ur-
(FISCHER, 2002, p.13). nas) de “comandar” ou “deliberar”, pois
[...] um processo de planejamento foi escolhido pelo povo para isso. Por
e gestão de dinâmicas territoriais, O local pode ser considerado como outro lado, a participação vai além da
priorizando uma ótica inovadora, lócus (espaço) privilegiado para a “urna eletrônica”, a eleição não pode
partilhada, colaborativa e relações Gestão Social, não apenas no âmbito ser considerada o fim da participação;
não hierárquicas, em associação geográfico, mas, fundamentalmen- é uma parte do processo. Esse é um
entre Estado, entidades sindicais, te, pelas particularidades culturais e dos entraves da Participação Indireta
associações empresariais, centros identitárias de cada comunidade. “(...) (ou representativa).
universitários e de investigação, a gestão social tem por foco a mudan- Pode-se partir daí para avançar
municípios e representações da so- ça da morfologia do social em uma nessa discussão no sentido de tentar
ciedade civil, fundamentado num perspectiva de desenvolvimento local entender qual participação se requer
papel insubstituível do Estado, integrado” (CARRION, 2007, p.159). na Gestão Social ou, mais especifi-
numa concepção qualificada de de- Complementando, a Cidadania camente, que tipo de participação
mocracia e num maior protagonis- Deliberativa9, na perspectiva haber- se está discutindo. Se essa partici-
mo da sociedade civil, objetivando masiana, é o processo pelo qual se pação se estende à representação,
acordar uma visão compartilhada desenvolve a Gestão Social. Neste como na democracia representativa
para o futuro e desenvolvimento sentido, boa parte dos trabalhos aca- atualmente experimentada, poderia
dos territórios. dêmicos sobre Gestão Social classifica se pensar em uma Gestão Social via
a participação como um processo cen- representação, o que tornaria possí-
Nesse texto, que aproxima os con- tral na Gestão Social, de forma que se vel uma amplitude muito maior em
ceitos pelos adjetivos (territorial e so- pode considerar que este seja um dos termos de escalaridade. Porém a re-
cial), o principal avanço é a diferença únicos consensos sobre o conceito, ou presentação apresenta problemas
na relação com o Estado. Na gover- seja, pode-se afirmar que, se não hou- diversos em sua operacionalização,
nança territorial, o Estado tem um pa- ver participação, não há Gestão Social. vinculados à efetividade da repre-
pel central, porém, na Gestão Social, o Para que isso aconteça, atenta-se sentação, para os quais já existe uma
Estado é relevante e bem-vindo, porém para a importância da mudança ne- vasta literatura. Esse ponto não será
pode haver Gestão Social para além do cessária na relação entre sociedade aprofundado aqui, pois não é central
Estado e, se necessário, à revelia dele. e Estado. Conforme sustenta Tenório para o entendimento da proposta.
gestão social 13
3.2 O que é Gestão Social? mais recente tentativa de delimitar o
Aproximação teórica e “campo” da Gestão Social.
agenda de pesquisa A abordagem adotada aqui se-
gue a linha de Tenório (1998; 2008a;
Essa foi, provavelmente, a primeira 2008b, 2012), desenvolvida em
pergunta que foi feita quando você Cançado (2011; 2013a) e Cançado,
viu este fascículo. É interessante rela- Pereira e Tenório (2013; 2015) e par-
tar que alguns pesquisadores preferem te do princípio que a Gestão Social
não definir Gestão Social para não li- pode ser representada pelas ca-
mitar suas possibilidades de desenvol- tegorias teóricas: Interesse Bem
vimento, como se o conceito “enges- Compreendido, Esfera Pública e
sasse” as práticas e teorias em Gestão Emancipação; organizadas pela
Social. A posição aqui é diferente. dialética negativa adorniana, con-
Dessa forma, faremos uma “escolha forme Figura 1. É importante deixar
teórica” para a definição de Gestão claro que, segundo Cançado, Pereira
Social; existem outras perspectivas12. e Tenório (2015), as categorias teó-
Essa, porém, é baseada em trabalhos ricas também são tipos ideiais we-
anteriores e ainda em curso dos au- berianos. Outra consideração dos
tores do fascículo. Não quer dizer que autores é a necessidade de revisão e
seja a melhor nem a pior, mas de certa discussão dessa aproximação teóri-
forma é a mais objetiva. Nesse sentido, ca. Eles a consideram como “escrita
também mais fácil de ser contestada, a lápis”, ou seja, passível de revisão e
colocada à prova e, portanto, modifi- de discussão.
cada. Acredita-se que esse é o caminho O Interesse Bem Compreendido
para o desenvolvimento teórico e prá- (IBC)14 de Tocqueville (1998) foi apre-
tico da Gestão Social. sentado ao descrever a sociedade nor-
12. Nesse sentido, veja Fischer (2002), França Inicialmente apresenta-se uma te-americana no século XIX. O autor
Filho (2003), Boullosa e Schommer (2008; 2009) e definição baseada nas caracterís- parte do contraste entre aristocracia
Boullosa (2009) e Araújo (2012). Essas perspecti-
ticas da Gestão Social, que pode ser (marcada pela desigualdade natural
vas não são exatamente contrárias às apresenta-
das aqui; apresentam também características de definida como “[...] a tomada de de- e a hierarquia) e democracia (marca-
complementariedade. cisão coletiva, sem coerção, basea- da pela igualdade, sem hierarquia). O
13. Esta aproximação teórica está em sua segun-
da na inteligibilidade da linguagem, IBC só pode acontecer em um contexto
da versão; a primeira está em Cançado, Pereira e
Tenório (2013). na dialogicidade e entendimento es- democrático (JASMIN, 2005). Ainda se-
14. A exposição sobre Interesse Bem Compreendido clarecido como processo, na trans- gundo Jasmin (2005, p. 51) a “[...] par-
será mais longa que as demais, pois os outros con-
ceitos já possuem uma ampla literatura e são mais
parência como pressuposto e na ticipação na esfera pública [é] o que
bem definidos. emancipação enquanto fim último” define a natureza política do governo
15. Para complementar o entendimento dessa pro- (CANÇADO, 2011, p.99). democrático e não o conteúdo popular
posta, sugere-se a leitura de Cançado, Pereira e
Tenório (2015). O objetivo aqui é apresentar em linhas
Pode-se notar que as caracterís- de suas medidas ou as ‘formas exterio-
gerais a proposta. Outros temas que podem ajudar ticas apresentadas têm como pon- res’ de suas instituições”.
na compreensão da proposta são a Teoria da Ação to central a participação em sentido O IBC parte da premissa que o bem-
Comunicativa e a Racionalidade Substantiva. Para a
Teoria da Ação Comunicativa, ver Habermas (2012a;
amplo, conforme discutido anterior- -estar coletivo é pré-condição para
2012b); para a Racionalidade Substantiva, ver mente. A partir dessas característi- o bem-estar individual; dessa forma,
Ramos (1981). Serva (1997) faz a junção das teorias cas, Cançado, Pereira e Tenório (2015) ao defender os interesses coletivos,
sobre a denominação de Ação Racional Substantiva,
utilizada por Cançado (2011) na definição das cate- apresentam uma aproximação teó- em última instância, o indivíduo está
gorias teóricas para a Gestão Social. rica13 para a Gestão Social. Essa é a defendendo seus próprios interesses.
Esfera Pública
Interesse Bem
Dialética Negativa Emancipação
Compreendido
gestão social 15
Transparência em relação às in- importante papel, pois possibilita uma
formações com três características forte interação entre Interesse Bem
básicas: veracidade (informações ver- Compreendido e Emancipação, de for-
dadeiras), temporalidade (as informa- ma que um avanço em uma das cate-
ções devem estar disponíveis antes gorias teóricas pode contribuir para
da tomada de decisão) e qualidade (as o avanço na outra (por isso, a seta de
informações devem estar em um for- duplo sentido). Assim, as categorias se
mato no qual as pessoas consigam en- reforçam à medida que acontecem na
tender). A dialogidade se refere ao diá- Esfera Pública com as características
logo, ou seja, fala-se, mas escuta-se apresentadas. Da mesma forma, caso
também. Por fim, a intersubjetividade uma das categorias seja insuficiente,
se refere a uma linguagem comum que isso também afeta a outra. A Gestão
permita a qualidade da informação. Social se (re)constrói a cada nova inte-
Por exemplo, termos técnicos estra- ração entre os participantes e a cada
nhos ao público devem ser “traduzi- chegada de novos integrantes (partici-
dos” sem perda do conteúdo. Dessa pação periférica legítima).
forma, a transparência, a dialogicida- Esse processo é extremamente
de e a intersubjetividade são conceitos importante, pois apresenta a dinâ-
intrinsecamente complementares. mica de funcionamento da aproxi-
Como a Figura 1 sugere, a Esfera mação teórica. Da mesma forma que
Pública é o ponto de confluência entre um espaço pode se desenvolver como
o desenvolvimento do Interesse Bem Gestão Social, ele pode também perder
Compreendido e da Emancipação. É as suas características a partir da des-
o espaço do debate e da participação construção de alguma das categorias
no qual se constrói o entendimento teóricas. Outro desdobramento é que
acerca do bem comum. Importante não se pode dizer que em determinado
ressaltar que esse bem comum não espaço “acontece” ou “existe” Gestão
sai de um grupo de especialistas, mas Social. É mais apropriado falar em in-
da população como um todo de for- tensidade, desenvolvimento ou retro-
ma que se pode dizer que o que se en- cesso da Gestão Social em uma deter-
tende por bem comum não está dado minada Esfera Pública.
anteriormente, mas “surge” no pro- Surge, então, uma questão de
cesso de discussão. ordem prática. Como entender a in-
Por fim, realizando a interação tensidade da Gestão Social em de-
16. Existem diversas pesquisas na Universidade entre as categorias teóricas, está a terminado espaço ou determinada
Federal do Tocantins no Programa de Pós- dialética negativa de Adorno (2009), organização? Em Cançado, Pereira e
Graduação em Desenvolvimento Regional – PPGR/
UFT (mestrado e doutorado acadêmicos) e no
que pode ser apresentada como a Tenório (2015) é sistematizada uma
Mestrado Profissional em Gestão de Políticas tese e a antítese, sem pretensão de proposta, baseada em Villela (2012)
Públicas – GESPOL/UFT, utilizando essas catego- síntese, ou, como prefere o autor, sem para identificação da Gestão Social
rias para identificar a Gestão Social em organi-
zações, especialmente em Conselhos Gestores de “falsas sínteses”. A dialética negati- em organizações baseada nos crité-
Políticas Públicas. va adorniana nesse contexto tem um rios de Cidadania Deliberativa16.
continua>>
gestão social 17
continuação>>
Pluralismo: multiplicidade Participação de diferentes atores: atuação de associações, Tomada de Decisão Coletiva,
de atores (poder público, movimentos e organizações, bem como cidadãos não sem coerção; Transparência e
mercado e sociedade organizados, envolvidos no processo deliberativo. Inteligibilidade; Entendimento
civil) que, a partir de seus
diferentes pontos de vista,
estão envolvidos no processo Perfil dos atores: características dos atores em relação
Tomada de Decisão coletiva,
de tomada de decisão nas às suas experiências em processos democráticos de
sem coerção
políticas públicas. participação.
gestão social 19
educação bancária, o educador é o O primeiro é alcançar o “máximo de
“dono do conhecimento” e apenas re- consciência possível”, ou a consciência
passa “verdades absolutas” aos edu- crítica; e o segundo é a distorção numa
candos (FREIRE, 1987; 1996; 2001). forma que Freire classifica como “irra-
Cabe ressaltar que o nível de cional” ou “fanática”.
consciência não tem ligação direta O segundo caminho é o da socie-
com a educação formal, na medida dade de massa, no qual os indivíduos
em que grande parte desta educação são controlados pelos meios de co-
acontece (ainda hoje) nos moldes da municação de massa, e a tecnologia
educação bancária. é a nova divindade. Em tal situação,
Porém, quando o indivíduo percebe o comportamento das pessoas “[...] é
que pode ler a realidade de outra ma- quase automatizado, os indivíduos ‘se
neira, e o faz, é tomado por um estado perdem’ porque não têm de ‘arriscar-
de inquietude, que é o sinal de entrada -se’” (FREIRE, 2001, p.98).
no nível de consciência transitivo-in- Quando a consciência transitivo-
gênua, em que “[...] a capacidade de -ingênua não consegue ser superada
captação se amplia e, não apenas o que e os indivíduos, mesmo que não o per-
não era antes percebido passa a ser, cebam, passam a fazer parte da socie-
mas também muito do que era entendi- dade de massa, toda aquela situação
do de certa forma o é agora de maneira descrita anteriormente, ou seja, a de
diferente” (FREIRE, 2001, p.88). busca de culpados para os problemas
No nível de consciência transiti- configuram uma situação na qual as
vo-ingênuo, segundo Freire (2001), as pessoas podem ser manipuladas mais
pessoas, na sua ânsia de fazer algo, facilmente, pois, se existem vilões (os
normalmente encontram culpados culpados pela situação), existem tam-
para seus problemas: políticos, pa- bém os heróis que podem mudar a si-
trões, familiares, ou até mesmo vilões tuação. Esse pode ser um dos motivos
internacionais. Nesse contexto, mes- que levam uma liderança carismática
mo com a capacidade de percepção com discurso objetivo de mudança a
ampliada, a pessoa se sente incapaz ser aclamado por parcelas da popula-
de alterar sua realidade, apesar de ção, que acreditam que um líder deve
saber que é possível; por isso, dele- agir só (salvador da pátria), pois a de-
ga sua incapacidade presumida às mocracia é muito lenta e o desejo por
ações dos agentes externos já cita- resultados rápidos é mais latente.
dos. A consciência transitivo-ingênua Quando se consegue superar o nível
é “[...] tão dominada quanto a anterior de consciência transitivo-ingênuo por
[consciência semi-intransitiva], mas meio de práxis, chegamos à consciência
indiscutivelmente mais alerta com crítica, definida como o nível de cons-
relação à razão de ser de sua própria ciência no qual oprimidos18 constróem
ambiguidade”. (FREIRE, 2001, p.88), uma classe para si. A práxis pode ser en-
18. Paulo Freire utiliza a expressão “oprimidos” lembrando que a transição só se efe- tendida como a percepção e o entendi-
como referência aos trabalhadores, que, mes- tiva pela via educativa ampla. mento dos resultados das ações do ser
mo transitando entre os níveis de consciência,
ainda precisam resistir à opressão das classes Porém a consciência transitivo- humano por ele mesmo. Todas as ações
dominantes. -ingênua pode seguir dois caminhos. trazem resultados (mesmo a decisão de
gestão social 21
Síntese do Perfil dos
Fascículo Autores
Foi apresentada inicialmente nesse Airton Cardoso Cançado professor efetivo do Centro de Ciências
texto a evolução histórica da Gestão Realizando Estágio Pós-doutoral na HEC Sociais Aplicadas da Universidade
Social. Essa apresentação tem a im- Montreal/Canadá (2017/2018). Doutor em Federal do Cariri (UFCA), do Mestrado
portância de se contextualizar de onde Administração pela UFLA (2011), Mestre Multidisciplinar em Desenvolvimento
veio e por onde passou o campo de co- em Administração pela UFBA (2004) e Gestão Social (PDGS/UFBA) e profes-
nhecimento da Gestão Social. e graduado em Administração com sor colaborador do Programa de Pós-
Em seguida, apresentou-se a dis- Habilitação em Adm. de Cooperativas Graduação em Administração (PPGA/
cussão sobre o conceito de participa- pela UFV (2003). Realizou Estágio Pós- UECE), além de pesquisador do Centro
ção, a partir de uma tipologia para in- doutoral em Administração pela EBAPE/ Interdisciplinar de Desenvolvimento
troduzir o debate sobre a Gestão Social. FGV (2013). Atualmente é professor e Gestão Social - CIAGS/UFBA e do
No tópico seguinte são apresentadas do Programa de Pós-graduação em Laboratório Interdisciplinar de Estudos
as Categorias Teóricas que integram Desenvolvimento Regional, do Mestrado em Gestão Social - LIEGS/UFCA.
a Gestão Social: Emancipação, IBC, Profissional em Gestão de Políticas
Esfera Pública e Dialética Negativa. Públicas e do Curso de Administração da Anne Caroline Moura
Com as Categorias apresentadas, foi UFT. Participa da Rede de Pesquisadores Guimarães Cançado
discutida a integração entre elas e em Gestão Social - RGS e do Observatório Mestranda em Desenvolvimento
a aproximação teórica para Gestão Brasileiro do Cooperativismo. Regional pela Universidade Federal do
Social, utilizada nesse texto. Tocantins (UFT), especialista em Gestão
Ainda na mesma seção são apre- Jeová Torres Silva Júnior de Cooperativas pela Universidade
sentados os Critérios de Análise para Graduação em Administração (2001) Católica de Salvador (UCSAL), gradua-
Cidadania Deliberativa e a proposta pela Universidade Estadual do Ceará da em Pedagogia pela Universidade
de uma Agenda de Pesquisa para a (UECE), Mestrado (2004) e Doutorado em Federal do Tocantins (UFT) e em Turismo
Gestão Social. Administração (2016) pela Universidade pelo Centro Universitário da Bahia. Tem
Ao fim são apresentados os níveis Federal da Bahia (UFBA). Realizou es- experiência em Projetos de Extensão
de consciência de Paulo Freire: semi- tágio doutoral no exterior (2014), no em Cooperativismo e Associativismo.
-intransitiva, transitivo-ingênua e crí- Conservatoire National des Arts et Métiers Atuação em programas pedagógicos no
tica. Esses níveis são mediados pela (CNAM, Paris, França). Entre 2006 e 2013 Colégio Marista de Palmas-TO. Realizou
Educação Dialógica e pela práxis no seu foi professor efetivo na Universidade diversos processos de formação em
desenvolvimento. Essa abordagem é Federal do Ceará (UFC). Atualmente, é Cooperativismo e Associativismo.
uma proposta de efetivação do fomen-
to é Emancipação e, por consequência
do IBC (via dialética negativa), contri-
buindo para evolução da Gestão Social.
Espera-se que o fascículo possa
colaborar com o trabalho de tornar
a sociedade mais próxima da Gestão
Pública e vice-versa.
gestão social 23
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