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A EMANCIPAÇÃO INSUFICIENTE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E O


RISCO PATRIMONIAL AO NOVO EMANCIPADO NA SOCIEDADE DE
CONSUMO

THE INSUFFICIENT EMANCIPATION OF PERSON WITH DISABILITIES


AND ECONOMIC RISK TO THE NEW EMANCIPATED IN CONSUMER
SOCIETY

FERNANDO RODRIGUES MARTINS


Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC/SP
Diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – Brasilcon
Professor de Direito Civil da Universidade Federal de Uberlândia
Professor de pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia
Coordenador do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito da UFU
Promotor de Justiça em Minas Gerais

PALAVRAS-CHAVE: Direitos do consumidor; teoria da


incapacidade; emancipação; proteção insuficiente; riscos.

KEYWORDS: Consumer rights; theory of inability; emancipation;


insufficient protection; risks.
2

RESUMO: A modificação na teoria da incapacidade pelo advento


do Estatuto da Pessoa com Deficiência tem o risco de conferir
consequências negativas ao patrimônio dos novos emancipados.

ABSTRACT: The change in the theory of inability by the advent of


the Statute Person with Disabilities has the risk of giving negative
consequences to the economy of the new emancipated.

SUMÁRIO: 1. Noções propedêuticas do novo enfoque legislativo


da teoria da incapacidade: em busca de uma emancipação
sustentável 2. O plano da capacidade conforme o CC/2002 e o
mérito da dimensão patrimonial 3. O arrimo valorativo da recente
orientação: da emancipação individual à hermenêutica
emancipatória 4. As modificações realizadas pelo EPD no plano
da capacidade. Nova dicotomia: deficiência severa e deficiência
simples 5. Diagnóstico jurídico: emancipando
inconsequentemente 5.1 A incapacidade extinta, a
vulnerabilidade eventual, a hipervulnerabilidade desperdiçada: a
criação do hipersujeito de direitos 5.2 O desprezo à ancoragem
como referência e a capacidade na sociedade incivilizada 5.3 A
incidência em proibição de insuficiência 6. O risco patrimonial ao
novo emancipado na sociedade de consumo 7. Considerações
finais: a interpretação dialógica inclusiva (pro homine) como
contributo integrativo e corretivo 8. Referências bibliográficas

1. Noções propedêuticas do novo enfoque legislativo da teoria da incapacidade: em busca


de uma emancipação sustentável

O advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei federal nº 13.146/2015) enquanto


reflete relevante escopo teleológico (ratio legis) de promoção de pessoas com déficits
3

funcionais, apresenta igualmente insuficiências na proteção dos sujeitos que visa colocar em
ampla tutela, tornando imprescindível o exercício de ponderações do ponto de vista
hermenêutico (ratio juris)1. Transparece, neste sentido, que o legislador infraconstitucional ao
regular tratado internacional internalizado no sistema jurídico pátrio, Convenção dos Direitos
da Pessoa com Deficiência2, acabou incidindo em ‘proteção insuficiente’3 – especialmente das
pessoas com transtorno mental – emancipando-as sem os devidos cuidados.
Cumpre advertir a par disso que a insatisfatória aptidão prescritiva do mencionado corpo
disciplinador está alocada restritivamente nos dispositivos atinentes às revisões procedidas no
instituto da capacidade civil e que trouxeram perplexidade à comunidade jurídica pelo ‘risco de
retrocesso’ concreto e imediato ao titular de direitos, desprovido da plenitude de sentidos e
funcionalidade. Os demais tópicos ordenatórios, especialmente aqueles com metodologia
prospectiva (rubricas derivativas do direito responsivo)4, respeitantes à inclusão sempre
necessária da pessoa com deficiência, se apresentam hígidos e correspectivos à dignidade
humana e demais princípios constitucionais e internacionais de direitos humanos (igualdade,
liberdade, justiça e paz).
Se vozes jurídicas alardeiam criticamente contra o uso imoderado de ideologias pessoais
do aplicador da lei em face da abertura sistêmica do direito (quer pelos princípios; quer pelas
cláusulas gerais e conceitos indeterminados) considerando a insegurança jurídica5 e o
consequente prejuízo6, o EPD é exemplo atual, forte e tranquilo de que a ausência de segurança

1 NEVES, A. Castanheira. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993,
p. 189.
2 Assinada em Nova York em 2007.
3 Ver por todos SILVA, Jorge Pereira. Deveres do Estado de proteção de direitos fundamentais. Lisboa:
Universidade Católica Editora, 2015, p. 29. O autor enuncia ao abordar a liberdade de conformação dos direitos
fundamentais pelo legislador adverte: “Essa liberdade de conformação tem como principal limite o princípio da
proporcionalidade, na sua dupla vertente de proibição de defeito – ou protecção insuficiente – e de proibição de
excesso – ou restrição injustificada”.
4 NONET, Philippe e SELZNICK, Philip. Direito e sociedade: a transição ao sistema jurídico responsivo.
Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 129.
5 TRINDADE, André Karam. O protagonismo judicial sob a perspectiva da literatura. In: Os modelos de juiz:
ensaios de direito e literatura. Lenio Luiz Streck e André Karam Trindade. São Paulo: Atlas, 2014, p. 4. Refletindo
sobre a jurisdição constitucional e o papel fundamental desempenhado pelo juiz neste modelo: “Ao contrário do
modelo jacobino – para o qual o direito reduzia-se à lei, enquanto a democracia consistia na submissão à vontade
da maioria –, o paradigma do Estado Constitucional submete o exame de validade das normas jurídicas aos juízes
e tribunais, em face da produção de um direito ilegítimo verificada durante os regimes totalitários. Nesse contexto,
portanto, em que a jurisdição constitucional torna-se uma peça fundamental da engrenagem do Estado
Constitucional, é que os olhares se voltam para a figura do juiz. Entretanto, salvo algumas exceções, poucos ainda
são os estudos e protagonismo judicial e seus reflexos em terrae brasilis”.
6 GADAMER, Hans. Verdade y método: fundamentos de una hermenêutica filosófica. Salamanca: 1991, p.
335/337.Com maestria: “En si mismo ‘prejuicio’ quiere decir un juicio que se forma antes da covalidación
definitiva de todos los momentos que son objetivamente determinantes. Para el que participa en el proceso judicial
4

jurídica é constatável não apenas quando do exercício da judicatura ou no átimo da adjudicação


dispositiva, senão também no instante de formação da lei e respectivo processo legislativo.
Não restam dúvidas de que a procedimentalização de leis requer consciência, cautela e
atenção por parte do legislador, todavia a ação regulatória que tem por desiderato assegurar
posições jurídicas advindas das organizações internacionais de direitos humanos é exigente de
cuidado redobrado (diga-se, metaforicamente, de precisão cirúrgico-jurídica) sob pena de – ao
refrear conquista da comunidade humanitária global – enfraquecer o núcleo-jurídico incindível
de qualificação da pessoa: a dignidade.
Em outras palavras, a fundamentação (base pré-legislativa) do EPD não apresenta aporia:
há sustentação correta, humanitária, discursiva, inclusiva e democrática. O que causa assombro
é rigorosamente a justificação (tratamento legislativo) do estatuto, isto porque as garantias
outorgadas, no que respeita a capacidade, são desproporcionais, tímidas, omissivas à natural (e
necessária) tutela que a pessoa com deficiência deve contar.
As constatações mundiviventes respeitantes ao multiculturalismo7, pluralismo8 e
diversidade9, típicas da aldeia global pós-moderna, concretamente flexibilizaram a soberania e
o monopólio do Estado no protagonismo legislativo. Propiciaram, ademais, a expansão de
direitos10 não apenas no aspecto quantitativo, mas, sobretudo qualitativo11. Esse volume de
‘novos’ direitos (direitos emancipatórios, direitos de gênero, direitos sociais, direitos
igualitários, direitos pré-concebidos transversal e internacionalmente etc.) conduzem o dever
do Estado em adequar o respectivo ordenamento jurídico interno. Desta forma, o Estado ao
ratificar internamente tratados sobre direitos humanos consente em limitar o competente poder,
beneficiando bem superior que é o respeito à dignidade inerente a toda pessoa humana12.

un prejuicio de este tipo representa evidentemente una reducción de sus posibilidades. Por eso en francés
‘préjudice’, igual que ‘praejudicium’, significa también simplemente perjuicio, desvantaja, daño”.
7 SANTOS, Boaventura de Sousa. Ver une conception multiculturelle des droits de l'homme. Droit et Société,
n. 35, 1997.
8 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira
Mendes. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1997.
9 HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Trad. George Sperber e Paulo Astor
Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.
10 Ver, por todos, três referências essenciais: BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 11. ed. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992; SILVA, José Afonso da. Fundamentos constitucionais da proteção
do meio ambiente. Doutrinas essenciais de direito ambiental. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 281.
DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de direitos humanos: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
11 LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade pós-moralista: o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos
tempos democráticos. Trad. Armando Braio Ara. Barueri: Manole, 2005.
12 ALCALÁ, Humberto Nogueira. El diálogo interjurisdiccional y control de convencionalidad entre
tribunales nacionales y Corte Interamericana de Derechos Humanos em Chile. In: Direitos humanos e
5

Tenha-se, contudo, que a assunção do ‘novo’ deve se dar de forma possível e real,
evitando-se a banalização de direito transnacionalmente reconhecido, preservando-o do mero
modismo ou do minimalismo. Internaliza-se a experiência comunicativa global buscando a
concreta atuação do direito humano mediante os efeitos úteis (effet utile) dele esperados, bem
como coordenando-o ao contexto de valores, normas e realidades existentes internamente. Ao
incapaz a emancipação deve decorrer de forma protetiva, sem espaços para a maior exposição
aos riscos e prejuízos conhecidos na sociedade de consumo. Enfim, inova-se com
responsabilidade13, cercando-se de coerência e com proteção suficiente ao interesse jurídico
do titular.
Neste sentido, observe-se que o artigo 114 da Lei federal nº 13.146/2015 revogando os
incisos I, II e III do art. 3º do Código Civil acabou por limitar os lindes da incapacidade absoluta,
fixando-a exclusivamente em critério etário rígido somente aos menores de dezesseis (16) anos.
Ainda, o mesmo dispositivo cuidou em modificar o art. 4º também do Código Civil, que trata
da incapacidade relativa, projetando um dispositivo de encerramento (inc. III) às situações de
déficit psíquico ou intelectual mais grave. Portanto, as anteriores hipóteses atinentes ao grau de
discernimento cognoscitivo da pessoa não mais dão sequência ao reconhecimento da plena
incapacidade, no máximo propiciam a curatela (EPD, art. 84) do titular de direitos.
Na medida em que o EPD concedeu simetria a todos os tipos de deficiência, reorientando-
os como déficit funcional (mental, intelectual, físico e sensorial)14 e, ademais disso, revogou
disposições relevantes e sólidas aptas à proteção dos sujeitos com deficiência cognoscitiva no
plano dos fatos jurídicos, permitiu grave tensão entre as bases axiológicas que subjazem a
Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a imprescindível regulação escorreita dos
deveres de proteção por parte do Estado no plano da capacidade.
Evidente que a regulação insuficiente do dever de proteção do Estado deixando de
promover com segurança a pessoa com deficiência, lança-a num ambiente melindroso e
temerário especialmente considerando os tempos atuais. Vale dizer, as ofertas, os modos de

fundamentais na América do Sul. Ingo Wolfgang Sarlet, Eduardo Biacchi Gomes e Carlos Luiz Strapazzon
(organizadores). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 15
13 PUCCINELLI JÚNIOR, André. A omissão legislativa inconstitucional e a responsabilidade do legislador.
São Paulo: Saraiva, 2007, p. 125. Diz o autor, com apoio em Jorge Miranda explica: “o dever constitucional de
legislar tanto pode não ser satisfeito como o pode ser de modo integral ou parcial. O cumprimento parcial e o
não-cumprimento do dever constitucional de legislar caracterizam, respectivamente, a inconstitucionalidade por
omissão parcial (relativa) e a total (absoluta) ”.
14 Art. 2o. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
6

contratação, a quantidade de publicidades, a qualidade dos produtos e serviços em circulação,


as facilidades oportunizadas, a banalização do crédito irresponsável e voraz, a balcanização do
espaço-mundo a partir da lex mercatoria afora demais situações propiciadas no mercado de
consumo emolduram não apenas o exercício da livre iniciativa e da liberdade de contratar, mas
também – e em viés empiricamente constatável – riscos e perigos potencialmente capazes de
lesar a pessoa do consumidor como também atacar seu patrimônio15.
Obviamente, se essa vulnerabilidade é cotidianamente palpável como leque de eventuais
prejuízos aos consumidores civilmente situados na faixa da capacidade plena, com mais
acentuada precaução e prudência deve ser presumida às pessoas consumidoras com grau
deficitário de cognoscibilidade. Portanto, os efeitos da emancipação, sem os cuidados
necessários, à pessoa com deficiência podem ser desastrosos, contrariamente ao escopo do
tratado de direito humano correspectivo.

2. O plano da incapacidade conforme o CC/2002 e o mérito da dimensão patrimonial

Segundo já assente na dogmática16, diferentemente da capacidade de gozo, a capacidade


de fato (ou de ‘agir’) impõe-se como medida da personalidade, porquanto opera na esfera do
preenchimento de requisitos essenciais mínimos ao exercício diretamente de direitos e deveres
pelo titular. A pessoa desprovida de capacidade de fato, logo, será incapaz, os negócios jurídicos
eventualmente celebrados serão inválidos e, via de consequência, desprovidos de eficácia17.

15 LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 133. Empresta a seguinte
abordagem fenomenológica: “La es creada por la publicidade, el marketing, los atractivos como el sorteo, la
conexión entre bienes de distinta naturaleza, la creación de situaciones jurídicas de cautividad. El consumidor,
en muchos casos, no compra porque necessita ni es la necesidad la que crea la oferta; es a la inversa, la oferta
crea la necesidad. Se compra porque se vio uma buena publicidade, porque se desea un status particular que va
associado el producto, porque se ganó un sorteo, porque se está en una situación cautiva que obliga a comprar;
se pagam precios porque no hay otras opciones, se adquieren accesorios porque están aderidos inevitablemente
al bien que se desea”.
16 GONÇALVES, Luiz da Cunha. Princípios de direito civil luso-brasileiro. São Paulo: Max Limonad, 1951,
p. 69. Ensina: “Todo homem tem capacidade jurídica, mas alguns não podem exercê-la e dizem-se incapazes, por
exemplo, o menor é pessoa, mas não capaz. Estas duas situações costumam ser designadas por capacidade de
gozo e capacidade de exercício, mas, para evitar confusões, é preferível distinguir-se entre personalidade e
capacidade”.
17 LÔBO, Paulo Luiz Neto. Direito civil: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 110. Adverte: “A capacidade
de exercício é também denominada na doutrina capacidade de fato, capacidade de agir ou capacidade negocial,
isto é, capacidade da pessoa agir com eficácia jurídica, em especial a capacidade de produzir, mediante negócios
jurídicos, efeitos jurídicos para si e para outros”.
7

A incapacidade, pois, está ligada à impossibilidade jurídica18 e à ausência da necessária


compreensão por determinada pessoa dos atos da vida civil19. Falta-lhe aptidão para atuar
pessoal e autonomamente20.
Por isso, o Código Civil estabeleceu exceção à regra geral (que é a da capacidade de
exercício das pessoas) e assim o fez como forma de proteção daqueles que não possuem
condições mínimas de proteção do patrimônio, desprovidos que são do discernimento quanto
aos efeitos jurídicos que lhes possam acarretar determinado negócio ou situação jurídica. Nessa
esteira, atrelado ao fundamento da dignidade da pessoa humana seria incorreto no plano da
interpretação estender as hipóteses legais de incapacidade para além do sistema jurídico, isto
porque como a incapacidade representa limitação a exercício de direito é da boa hermenêutica
que o sentido da lei seja, quanto à extensão, restrito21, o que não impede a utilização de
cláusulas gerais como normas de reenvio a padrões de eticidade e socialidade para julgamento
do caso concreto22.
O sistema inicialmente adotado pelo Código Civil em 2002 desdobra a incapacidade
considerando: a maturidade (aspecto cronológico); o transtorno mental (enfermidade,
deficiência e desenvolvimento mental incompleto, congênito ou adquirido); a impossibilidade
de manifestação volitiva (causa incapacitante transitória ou permanente); a dependência
química (ebriedade ou toxicomania); a compulsividade auto lesiva econômica (prodigalidade).
Seguindo-se, via de regra, os modelos de incapacidade absoluta (CC, 3º) ou relativa (CC, 4º).
Mais especificamente ao art. 3º do CCB/02, coube tratar da incapacidade absoluta,
fixando-a aos menores de dezesseis anos (inc. I); aos enfermos e deficientes mentais
desprovidos do discernimento necessário (inc. II); e, às pessoas, mesmo que momentaneamente,
impossibilitadas de manifestar vontade (inc. III). Ao passo que o art. 4º desse diploma privado
versa sobre a incapacidade relativa considerando os maiores de dezesseis e menores de dezoito
anos (inc. I); os dependentes químicos e deficientes mentais com discernimento reduzido (inc.
II); os excepcionais sem desenvolvimento mental completo (inc. III); e os pródigos (IV).

18 LOTUFO, Renan. Código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 18.
19 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 62.
20 MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria geral do direito civil. 4ª ed. António Pinto Monteiro e Paulo Mota
Pinto (atual.). Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 195.
21 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 201.
22 FREITAS GOMES, Luiz Roldão. Norma jurídico, interpretação e aplicação: aspectos atuais. Doutrinas
essenciais de direito civil. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1.315.
8

Aos incapazes pelo critério cronológico naturalmente decorre como instituto de proteção
a representação ou assistência pelos pais (CC, art. 1.690) ou a tutela (CC, 1.728), enquanto aos
demais sujeitos reais de direito, passíveis de reconhecimento de incapacidade, a curatela,
mediante interdição é o arrimo designado juridicamente (CC, 1.767).
O regime do CC/02 demonstrou-se cogente quanto à proteção patrimonial dos
absolutamente incapazes, basta verificar as seguintes projeções: ausência de curso da prescrição
ou decadência (CC, 198, I e 208); vedação de alienação ou gravame com ônus real de bens de
raiz pelos pais (CC, 1.691); partilha obrigatoriamente judicial na abertura de sucessão (CC,
2.015); possibilidade de restituição de valor pago a título de dívida de jogo (CC, art. 814);
nulidade dos negócios jurídicos realizados sem a devida representação (CC, art. 166, inc. I).
Quanto à incapacidade relativa, o Código Civil atribuiu certa liberdade assistida,
garantindo relevância à vontade do titular de direitos e eficácia perante terceiros se confirmada
por outra pessoa (assistente ou curador, conforme o caso). Considerando que o grau de
compreensão e discernimento é maior no relativamente incapaz, o sistema jurídico reage
suprindo-lhe a deficiência parcial. Por isso, proteção mais flexível: a incapacidade parcial pode
levar o negócio ou ato jurídico à anulação (CC, 171, inc. I) desde que desprovido da assistência
do responsável (CC, 1.634, inc. V), cabendo ação processual desconstitutiva de relação jurídica,
com eficácia ex nunc (produção de efeitos a partir do decreto judicial) permanecendo os demais
atos negociais anteriores.
Diga-se que, a despeito dos atos praticados pelos relativamente incapazes serem
inquinados à anulação, isso não significa que haja privação plena ao tráfego jurídico por eles
empreendido, tanto que a ratificação posterior levada a efeito pelas partes confirma o negócio
anteriormente celebrado, salvo direito de terceiro (CC, 172)23. Aliás, há pontuais permissões
aos relativamente incapazes para agir sem assistência, como no caso do mandato (CC, 666) e
na possibilidade do testemunho (CC, 228).
Cinge-se, por fim, relembrar que para ambas as tipologias (absoluta e relativa) o Código
Civil ainda considerou a subsidiariedade e excepcionalidade da responsabilidade civil do
incapaz (CC, art. 928), desde que os responsáveis (CC, art. 932) não tenham condições de
satisfação da vítima do dano24.

23 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 68.
24 CALIXTO, Marcelo Junqueira. A culpa na responsabilidade civil: estrutura e função. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 55. Pondera: “Provada sua incapacidade, não há que se falar em responsabilidade subjetiva a
partir de uma certa idade, pois que sua incapacidade funda-se na impossibilidade de entender o caráter ilícito do
fato e determinar-se de acordo com este entendimento”.
9

E se há crítica dirigida quanto ao Código Civil na disciplina da incapacidade, tenha-a


mais contundente em excertos doutrinários específicos25 que anotam como suporte os efeitos
‘desumanos’ da interdição e curatela, as quais objetivando acudir questões patrimoniais do
sujeito real, acabam indiferentes ao âmbito existencial da pessoa26. E por óbvio tal avaliação
vai de encontro ao EPD que simplesmente revogou a incapacidade absoluta e reorientou a
incapacidade relativa, como curatela.
Longe de polemizar e sendo propositivo em contribuir, parece que a atenção dedicada
pelo Código Civil foi justamente referente às deficiências cognitivas (maturidade e sanidade)
do titular de direitos, porquanto os efeitos derivados de negócios (ou fatos) jurídicos podem ser
devastadores não apenas ao patrimônio, mas em ‘ricochet’ aos interesses extrapatrimoniais do
incapaz. Há na crítica acima vazio de conteúdo contraposto pela lógica reversa implícita:
mesmo que se conviva em realidade jurídica vocacionada aos valores existenciais, a
patrimonialidade tem importância fundamental na promoção da pessoa humana27, ainda mais
aos grupos sociais vulneráveis28 e sua relação com a noção de piso vital mínimo (CCB, art.
548; 928, parágrafo único, Lei 8.009/90)29.
Portanto, não se pode dizer com segurança que a teoria da incapacidade como está
disciplinada no Código Civil açambarca o livre desenvolvimento da personalidade,
concretizando-se tão somente no cariz patrimonial (liberalista), porquanto a importância do
acervo de bens e direitos na promoção da pessoa é vista a olhos nus como condição
emancipatória do titular de direitos (social).

25 CARNACCHIONI, Daniel Eduardo. Curso de direito civil: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010;
FERRAZ, Carolina Valença; LEITE, Glauber Salomão. Capacidade civil: fixação de novos paradigmas para a
construção de um regime jurídico voltado à tutela da dignidade humana. In: EHRHARDT JR., Marcos. Os
10 anos do Código Civil: evolução e perspectivas. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.42.
26 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 9ª ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2011, p. 325. Dizem os autores: “É que se destaca uma disparidade injustificável, um verdadeiro
despautério jurídico. Afastar um sujeito da titularidade de seus direitos, obstando-lhe a prática de quaisquer atos
da vida civil e dos próprios direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente, concedendo-lhe tutela tão
somente aos interesses patrimoniais, a ser efetivada por intermédio de terceiros (o representante legal), relegando
a um segundo plano os seus interesses existenciais”.
27 CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Para além das coisas. Breve ensaio sobre o direito, a pessoa e o patrimônio
mínimo. In: RAMOS, Carmem Lúcia Silveira et al (org.). Diálogos sobre o direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2002.
28 AÑON ROIG, María José. Grupos sociales vulnerables y derechos humanos: uma perspectiva desde el
derecho antidiscriminatorio. In: Historia de los derechos fundamentales. Tomo IV. Cultura de la paz y grupos
vulnerables (org. Gregorio Peces-Barba Martínez, Eusebio Fernández García, Rafael de Asís Roig, Francisco
Javier Ansuátegui Roig y Carlos R. Fernández Liesa). Libro II. Madrid: Dykinson. 2013, p. 609.
29 STJ, Súmula 364: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente
a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.
10

A título de exemplificação, basta ater-se ao registro destoante do pensamento hegeliano


quanto à moradia: “a propriedade constitui o espaço de liberdade da pessoa”30. Ou mesmo ao
atual conceito de bens sociais desenvolvido por Luigi Ferrajoli que externa a
jusfundamentabilidade das ‘coisas’ para a proteção da pessoa31.

3. O arrimo valorativo da recente orientação: da emancipação individual à hermenêutica


emancipatória

A Lei 13.146/15 (EPD) tem por escopo incluir e promover a pessoa com deficiência
(déficit funcional), conforme Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da qual o
Brasil é signatário. Referido documento internacional tem eficácia direta e imediata no sistema
jurídico pátrio nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal, Decreto legislativo nº
186/2008 e Decreto 6.949/09, quando passou a viger internamente, portanto, os direitos ali
tratados gozam status de direito fundamental formal32. A pessoa, mesmo com deficiência de
longa duração (física, mental, intelectual ou sensorial), tem direito a participar plena, efetiva e
ativamente da sociedade em igualdade de condições com os demais (EPD, art. 76).

30 Ver em SARLET, Ingo Wolfgang. Notas a respeito do direito fundamental à moradia na jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal. In: SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Direitos
fundamentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 687-721.
31 FERRAJOLI, Luigi. Por uma carta de bens fundamentais. Sequência, v. 60, p. 29-73, jul. 2010, UFSC,
Florianópolis, p. 56. Inovando quanto ao garantismo: “No mundo hodierno, como provam o desemprego endêmico
que aflige as nossas sociedades e as migrações em massa repelidas nas nossas fronteiras, rompeu-se
irremediavelmente a relação entre sobrevivência, trabalho, e iniciativa individual autônoma. Sobreviver,
portanto, é sempre menos um fato natural e sempre mais um fato social. Daí, na ausência de garantias sociais de
sobrevivência, as desigualdades crescentes nos países ricos e a miséria apavorante na qual vivem e morrem todo
ano milhões de seres humanos, não obstante o enorme aumento da riqueza produzida sobre o planeta. E, em
consequência, a mudança no alcance do “direito à vida” estabelecida pelo art. 3 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos: a vida encontra-se hoje ameaçada pela falta dos bens sociais – a água, o alimento e os
medicamentos essenciais – em medida incomparavelmente maior do que pela possibilidade da sua supressão
violenta por obra da criminalidade e até das guerras. Por isso, o clássico direito à vida, cuja tutela foi assumida
desde Thomas Hobbes como a razão de ser do direito e das instituições políticas não pode hoje deixar de incluir,
ao lado do direito de não ser morto, também o direito a sobreviver, e, portanto, a fruição dos bens necessários
para tal fim”.
32 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. In:
Doutrinas essenciais de direito constitucional. v. 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 1.499. Portanto,
permite controle de convencionalidade: “É bem sabido que a EC 45/2004, que acrescentou o § 3.º ao art. 5.º da
CF/1988, trouxe a possibilidade dos tratados internacionais de direitos humanos serem aprovados com um
quórum qualificado, a fim de passarem (desde que ratificados e em vigor no plano internacional) de um status
materialmente constitucional para a condição (formal) de tratados “equivalentes às emendas constitucionais”.
Tal acréscimo constitucional trouxe ao direito brasileiro um novo tipo de controle à produção normativa
doméstica, até hoje desconhecido entre nós: o controle de convencionalidade das leis”.
11

A percepção positiva quanto ao EPD decorre de análise histórica. A pessoa com


deficiência foi desagregada da sociedade, discriminada como ‘incapaz’33, tratada sem
dignidade (e, consequentemente, sem autonomia), sendo os portadores de transtornos mentais
submetidos a técnicas manicomiais degradantes34.
Justamente em razão do tratamento atentatório às respectivas dignidades, a partir dos anos
50 inicia-se movimento liderado especialmente por familiares na tentativa de melhor tratamento
jurídico-social às pessoas com deficiência mental mediante o fomento de associações com
escopo de proteção, promoção, difusão de conhecimento e conteúdo a esse nicho humanitário
até então esvaziado de inclusão35. Ademais, a busca de conexões supra estatais acabou
articulando novas diretrizes tutelares mediante instrumentos internacionais não obrigatórios
(soft law).
Neste prisma é possível constatar documentos não vinculativos de ordem internacional:
Programa de Ação Mundial para as pessoas com Incapacidade36; Diretrizes de Tallinn para o
Desenvolvimento dos Recursos Humanos na Esfera dos Impedidos37; Diretrizes para o
Estabelecimento e Desenvolvimento de Comitês Nacionais de Coordenação na Esfera da
Incapacidade ou Órgãos Análogos38; Princípios para Proteção dos enfermos Mentais e para o
Melhoramento da Saúde das Pessoas com Incapacidade39; e Normas Uniformes sobre a
Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Incapacidade40.
A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, editada em consenso pluriestatal
pela Organização das Nações Unidas em 2007, adotou as orientações dos citados documentos
internacionais, especialmente no que respeita a assunção do modelo social para reconhecimento
da incapacidade (barreiras) superando em parte o modelo médico (deficiência), bem como

33 A expressão ‘incapaz’ ganhava (e ainda ganha) preconceituosamente dimensões além dos limites do direito.
Enquanto juridicamente a incapacidade sempre revelou sentido protetivo especialmente pelo direito civil, no
âmbito social não solidário e egoístico a expressão incapaz desencadeia significados verdadeiramente torpes e
agressivos tais como ‘inútil’, ‘improdutivo’, ‘limítrofe’. Evidente que por esta perspectiva a releitura da expressão
‘incapaz’ é bem-vinda.
34 FOUCAULT, Michel. A história da loucura. São Paulo: Perspectiva, 1995.
35 É o caso da APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) como associação constituída por pais e
amigos dos excepcionais para prevenir e tratar e promover o bem-estar e desenvolvimento da pessoa com
deficiência. Constituída no Brasil em 1954, a partir da visita da norte-americana Beatrice Bemis, mãe de uma
criança portadora de síndrome de down.
36 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 03/12/1982.
37 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 15/03/1990.
38 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 16/12/1991.
39 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 17/12/1991.
40 Assembleia Geral das Nações Unidas, aprovado em 20/12/1993.
12

procedeu a continuidade da noção básica de correlação entre os obstáculos sociais (exclusão,


vulnerabilidade e limitação) e o exercício pleno de direitos. Notadamente, porém, a Convenção
é vinculativa41 – e não soft law como os documentos precedentes – operando efeitos e se
integrando ao direto interno.
Contudo, referida Convenção muito embora não signifique ruptura com os demais
documentos, também deles se distancia em termos propositivos, considerando: i) inclusão de
direitos específicos (valem como exemplo: direito à igualdade, acesso aos direitos humanos e
liberdades fundamentais, combate a estereótipos e preconceitos pelos Estados), sem abandono
da carga principiológica; ii) concretização da autonomia e independência da pessoa com
deficiência como ultrapassagem do anterior paradigma paternalista e assistencialista; iii) ampla
vedação à discriminação negativa e paralelamente adoção de discriminação positiva para
igualdade substancial; iv) reconhecimento no âmbito da diversidade humana da diversidade das
pessoas com deficiência, considerando os tipos de deficiências e tipos de condições sociais
(pobreza, gênero, idade) a que as pessoas em promoção estão inseridas42.
Mais especificamente quanto à igualdade, a Convenção (e, posteriormente, o EPD) é
dotada de estratégia bifronte: a evitabilidade da discriminação negativa de sujeitos reais de
direito com déficit funcional e a exigência de políticas afirmativas (discriminação positiva) para
inclusão do mesmo sujeito43. Discriminar negativamente é distinguir, restringir ou excluir, por
ação ou omissão, o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais.
A propósito, a Constituição Federal já exigia tratamento promocional à pessoa com
deficiência (CF, 7º, inc. XXXI; 23, inc. II; 24, XIV; 37, inc. VIII; 40, § 4º, inc. I; 201, § 1º; 203,
inc. IV e V; 208, inc. III; 227, § 1º, inc. II), o que autoriza compreender que a única

41 COURTIS, Christian. La Convención sobre los derechos de as personas com discapacidad ¿Ante um nuevo
paradigma de protección? In: Direitos humanos e fundamentais na América do Sul. Ingo Wolfgang Sarlet,
Eduardo Biacchi Gomes, Carlos Luiz Strapazzon (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 193.
42 COURTIS, Christian. La Convención sobre los derechos de as personas com discapacidad ¿Ante um nuevo
paradigma de protección? In: Direitos humanos e fundamentais na América do Sul. Ingo Wolfgang Sarlet,
Eduardo Biacchi Gomes, Carlos Luiz Strapazzon (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 197.
43 Basta observar a carga de direitos deferida à pessoa com deficiência: além de direitos fundamentais, direitos à
habilitação e reabilitação, direito à saúde, direito à educação, direito à moradia, direito ao trabalho, direito à
assistência social, direito à previdência, direito à cultura, ao esporte, cultura e lazer, direito ao transporte e
mobilidade. Entretanto, o art. 8º do EPB tem demonstração mais acentuada de política afirmativa: “Art. 8o É dever
do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação,
à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à
acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos
e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros
decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico”.
13

discriminação possível é a de natureza positiva, com vistas à igualação efetiva das


oportunidades44, até porque a não discriminação, por si só, não alcança o conteúdo da
igualdade substancial45.
A internalização de referido tratado de direitos humanos e a edição do EPD caracterizam-
se pela função promocional (dever-fazer)46 e valoração da pessoa com deficiência nas
incontáveis situações jurídicas. Três eixos valorativos são verificados: i) dar concretude à
autonomia e independência essenciais ao livre desenvolvimento da personalidade (e seus efeitos
na capacidade de exercício); ii) ultrapassar a ‘ficção jurídica’ (geral e abstrata) que por vezes
não consegue compatibilizar o domínio do ‘saber entender’ com o espaço do ‘saber querer’ 47
para proporcionar o ‘poder-saber’ e o ‘poder-querer’ do emancipado; iii) reajustar a ciência
jurídica como transformadora da pessoa e sociedade rumo à preparação geral e coletiva quanto
aos deveres especiais de atenção, de solidariedade e de respeito às pessoas com deficiência48.
Aqui ponto extremamente positivo do Estatuto da Pessoa com Deficiência, porquanto no
desiderato de emancipação das pessoas com déficit funcional, permitiu compreender
igualmente a respectiva emancipação da sociedade e do sistema jurídico com vistas justamente
ao reposicionamento destes dois últimos ambientes conforme objetivo primordial da
Constituição Federal (construção da sociedade livre justa e solidária; redução das

44 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Ações afirmativas, justiça e igualdade. In: Doutrinas essenciais de direito
constitucional. v. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 672. Com apoio em Luiza Cristina Fonseca
Frischeisen e Carmem Lúcia Antunes Rocha explica: “E somente ações políticas, aplicadas ou reguladas pelo
Estado, em suas diversas esferas da administração, podem garantir a efetividade da igualdade material,
corrigindo desigualdades. E é neste contexto que se situam as políticas públicas que estabelecem discriminações
positivas, as ações afirmativas. Nesse intento de concretização do princípio da igualdade substancial, a ação
afirmativa, verdadeiro modo de discriminação positiva ou reversa, apresenta-se como “o mais ousado e inovador
experimento constitucional concebido pelo Direito no século XX, como instrumento de promoção da igualdade e
de combate às mais diversas formas de discriminação. Nos termos do magistério de Carmem Lúcia Antunes
Rocha, “a ação afirmativa emergiu como a face construtiva e construtora do novo conteúdo a ser buscado no
princípio da igualdade jurídica”.
45 MELO, Mônica de. O princípio da igualdade à luz das ações afirmativas: o enfoque da discriminação
positiva. In: doutrinas essenciais de direitos humanos. v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1.378.
46 BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Trad. Daniela Beccaccia
Versiani. Barueri: Manole, 2007. p. 15.
47 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina
De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 163. Impressiona a argumentação do Professor italiano: “Sem entrar
na definição médica e estado patológico, se, isto é, se trata de doença ou insuficiência mental, deve-se observar
a variedade das possíveis hipóteses que dependem não apenas das diferentes origens – congênita ou adquirida –
mas, sobretudo, da diversidade de graduação e de qualidade da insuficiência mental [...] Não se pode nem mesmo
identificar tout court o insuficiente desenvolvimento intelectual com a incapacidade consistente na falta das
faculdades volitiva e intelectiva (incapacità naturale)”.
48 PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Trad. António Francisco de Sousa e António
Franco. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 113. Explicam: “Quando nos ocupamos e direitos fundamentais também nos
referimos a deveres fundamentais”. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Trad. Maria D. Alexandre e Mari
Alice Araripe de Sampaio Doria. 16ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014, p. 323.
14

desigualdades; promoção do bem de todos, sem preconceitos e quaisquer formas de


discriminação).
Em palavras outras: o antigo e temido ‘louco de todo o gênero’49 é um dos principais
protagonistas da hermenêutica que emancipa o direito50.

4. As modificações realizadas pelo EPD no plano da capacidade. Nova dicotomia:


deficiência severa e deficiência simples

Como os demais estatutos editados nas duas últimas décadas no Brasil (consumidor,
idoso, infância e juventude, cidades etc), o EPD tem metodologia diferenciada dos clássicos
códigos51: é provido de parte geral caracterizada de conceitos jurídicos, distribuição de direitos
fundamentais e básicos ao grupo que tutela, tendo em seguida tomo especial exclusivo à
autonomia, independência e capacidade da pessoa com deficiência, para nos títulos derradeiros
versar sobre proteção penal, administrativa e disposições finais e transitórias.
Trata-se de legislação de profunda tábua de justiça distributiva, como já observado
quando da análise do tratado de direitos humanos que lhe deu origem. Percebe-se que a
linguagem utilizada nos dispositivos é bastante específica e técnica, no entanto por vezes
concretizada por normas narrativas (mediante princípios e cláusulas gerais) que auxiliam na
compreensão do telos precípuo.
Importante conexão com os lindes do direito do consumidor, além da discussão afeta à
capacidade e vulnerabilidade, se tem na conceituação de ‘desenho universal’ (EPD, art. 112,
inciso X) que se soma à determinação cogente do CDC quanto à segurança na apresentação dos
produtos (CDC, art. 12, § 1º, inc. I), o que proporcionará novos estudos sobre a responsabilidade
pelo fato do produto ou serviço. Mas não só, trata-se de estatuto exigente de amplo diálogo
sistêmico (coessencialidade estrutural), especialmente junto aos outros microssistemas e

49 Outrora era a expressão contida no inciso II do art. 5º do Código Civil de 1916.


50 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos para o
contemporâneo direito civil brasileiro: elementos constitucionais para uma reflexão crítica. Revista Tribunal
Superior do Trabalho. v. 77. Brasília: TST, 2011, p. 187. Explica-a: “a partir de uma alavanca histórica e um
determinado estímulo filosófico, sustentar a constitucionalização prospectiva de uma hermenêutica emancipatória
do Direito Civil brasileiro”.
51 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Trad. Bruno Miragem.
Notas Cláudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 42. Indica: “De outro modo, no Código,
o modelo era dedutivo, gerando uma ciência demonstrativa, baseada em axiomas, os quais havia de fazer
evidentes no caso concreto. O sistema descodificado, por outro lado, baseia-se em uma ordem distinta,
cronológica e casuística, onde se encontram os enunciados gerais e abstratos”.
15

Constituição Federal52, a considerar as circunstâncias subjetivas e objetivas relacionadas à


pessoa com deficiência, os exemplos são fartos: (moradia, profissional de apoio escolar,
moradia, residência inclusiva etc.).
Tollitur quaestio, legislação que merece respeito dos atores e instituições jurídicas pela
natureza jusfundamental valorativa densa e propositiva. Converge em noção semelhante
decisão recente do Supremo Tribunal Federal53.
Entrementes, o EPD no plano da capacidade do sujeito tutelado, objeto do presente estudo
crítico, trouxe severas modificações exigentes de ampla análise, considerando especialmente a
necessidade de emancipação adequada à pessoa com deficiência.
A preservação econômica do incapaz, pela incidência da incapacidade no Código Civil
como averbado, tem por escopo evitar que os interesses patrimoniais da pessoa com deficiência
sejam aviltados, especialmente aqueles compreendidos como piso vital mínimo. Em suma: além
de garantir a segurança no tráfego jurídico, protege-se a extensão de sobrevivência do
incapaz54. Contudo, alguns percalços quanto às situações jurídicas subjetivas existenciais eram
vistos, como no caso do matrimônio (CC, art. 1.548) e adoção. Neste sentido, coube à
dogmática interpretar a teoria das incapacidades criticamente em perspectiva civil-
constitucional, valorando as questões existenciais contrariamente à denominada ‘morte civil’55
e diferenciando cognição de volição.

52 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, p. 209.
53BRASIL. STF. ADI 5357 – DF – Rel. Min. EDSON FACHIN. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA
PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO. “1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa
com Deficiência concretiza o princípio da igualdade como fundamento de uma sociedade democrática que respeita
a dignidade humana. 2. À luz da Convenção e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino
inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim
imperativo que se põe mediante regra explícita. 3. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso ético de
acolhimento e pluralidade democrática adotados pela Constituição ao exigir que não apenas as escolas públicas,
mas também as particulares deverão pautar sua atuação educacional a partir de todas as facetas e potencialidades
que o direito fundamental à educação possui e que são densificadas em seu Capítulo IV. 4. Medida cautelar
indeferida”.
54 Destaca-se aqui o tranquilo exemplo presente no parágrafo único do art. 928 do Código Civil: “A indenização
prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas
que dele dependem”.
55 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. Maria Cristina
De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 164. Diz o autor: “O estado pessoal patológico ainda que permanente
da pessoa, que não seja absoluto ou total, mas graduado e parcial, não se pode traduzir em uma série
estereotipada de limitações, de proibições e exclusões que no caso concreto, isto é, levando em consideração o
grau e qualidade do déficit psíquico, não se justificam e acabam por representar camisa-de-força totalmente
desproporcionais [...] A disciplina da interdição não pode ser traduzida em uma incapacidade legal absoluta, em
uma morte civil”.
16

O advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que modifica em parte o Código


Civil56, desloca as pessoas com déficit funcional ao plano da capacidade plena ou, em razões
justificáveis, à curatela (EPD, art. 84 e CC, art. 4º, inc. III). Gize-se há modificação
conteudística, já que nos âmbitos do direito da personalidade e direito das famílias a pessoa
com deficiência tem ampla e pioneira capacidade plena reconhecida para: casar-se e constituir
união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito de decidir sobre o
número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento
familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito
à família e à convivência familiar e comunitária (EPD, art. 6º).
Destaque temático de amplo empoderamento normativo à pessoa com deficiência,
densamente díspar do regime anterior e ainda com significativa alteração no Código Civil, é
verificado no instituto protetivo da curatela onde limites, potências e vontade do curatelado são
de trato essencial, inclusive inovando-se na modalidade de curatela compartilhada e
autocuratela57.
Contrariamente ao aspecto médico ou manicomial outrora havido na procedimentalização
da interdição, a avaliação de deficiência deve ser realizada em metodologia biopsicossocial, por
equipe multiprofissional e interdisciplinar, levando em consideração os impedimentos nas
funções e estrutura do corpo, fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no
desempenho das atividades e a restrição de participação (EPD, art. 2º, par. ún.).
Portanto, não é cabível apenas aferir a ‘incapacidade’ quanto atos da vida civil, mas a
funcionalidade em âmbito socioambiental. A alteração é considerável, pois revela a
incapacidade não a partir das variáveis biomédicas, senão através de modelo social existente,

56 São as seguintes alterações, respectivamente art. 3º e 4º do Código Civil: Art. 3o São absolutamente incapazes
de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos”. “Art. 4o São incapazes,
relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II -
os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem
exprimir sua vontade; IV - os pródigos. Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação
especial.
57 Art. 1.768. O processo que define os termos da curatela deve ser promovido: IV - pela própria pessoa. Art.
1.769. O Ministério Público somente promoverá o processo que define os termos da curatela: I - nos casos de
deficiência mental ou intelectual; III - se, existindo, forem menores ou incapazes as pessoas mencionadas no inciso
II. Art. 1.771. Antes de se pronunciar acerca dos termos da curatela, o juiz, que deverá ser assistido por equipe
multidisciplinar, entrevistará pessoalmente o interditando. Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as
potencialidades da pessoa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará
curador. Parágrafo único. Para a escolha do curador, o juiz levará em conta a vontade e as preferências do
interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às
circunstâncias da pessoa. Art. 1.775-A. Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá
estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa. Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso I do art. 1.767
receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado
o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio.
17

conforme as barreiras criadas pela sociedade e a necessidade de integração do titular de direitos


nela. Deste ponto de vista, pode-se dizer que a incapacidade não é atributo meramente
individual, senão resultado do conjunto complexo de condições criadas pelo ambiente
circundante, cuja resolução requer ação e responsabilização social.
Apropriado guia de apoio aos avaliadores está consubstanciado na Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF). Pode-se dizer que a CIF
“constitui-se como um novo paradigma dos conceitos de funcionalidade/incapacidade, mas
também relativamente aos conceitos de saúde/doença, qualidade de vida e bem-estar; onde se
enfatizam as aptidões sociais, as habilidades pessoais e a capacidade física de forma
multidirecional e dinâmica, onde todos os seus componentes interagem equitativamente entre
si”58.
A partir da entrada em vigor do EPD as hipóteses de transtorno mental (déficit psíquico
ou intelectual) foram retiradas do rol de incapacidade absoluta (CC, art. 3º) e apenas, em casos
específicos e comprovados satisfatoriamente de deficiência severa ou qualificada, podem dar
causa à curatela (EPD, art. 6º; art. 84). Caso contrário, o transtorno mental será simples do qual
não decorrerá incapacidade alguma. Do exposto, então, verificam-se dois níveis de deficiência:
a severa (exigente de curatela e com efeitos assemelhados à incapacidade relativa)59 e a simples
que dispensa instituto protetivo.
À revogação quase que completa do art. 3º do Código Civil somou-se alteração
igualmente significativa no dispositivo seguinte (CC, art. 4º). Destarte, com o advento do EPD
não faz sentido tratar como incapaz o titular de direito que, por deficiência mental, tenha
discernimento reduzido. Observe que a redação do inciso II do art. 4º teve suprimida a segunda
parte, permanecendo relativamente incapazes apenas os ébrios e toxicômanos habituais. Como
já assinalado, trata-se de medida compensatória de igualdade, rumo à superação do
assistencialismo.

58 FONTES, Ana Paula. Funcionalidade e incapacidade: conceptualização, estrutura e aplicabilidade da


Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Loures: Lusodidacta, 2014, p. 6.
59 Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade
de condições com as demais pessoas. § 1o Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela,
conforme a lei. § 2o É facultado à pessoa com deficiência a adoção de processo de tomada de decisão apoiada. §
3o A definição de curatela de pessoa com deficiência constitui medida protetiva extraordinária, proporcional às
necessidades e às circunstâncias de cada caso, e durará o menor tempo possível. § 4 o Os curadores são obrigados
a prestar, anualmente, contas de sua administração ao juiz, apresentando o balanço do respectivo ano. Art. 85. A
curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
18

Chama a atenção, todavia, o dispositivo previsto no inciso III do art. 4º do Código Civil,
verdadeira estratégia normativa aproveitada pelo EPD. A hipótese fática anteriormente referia-
se àquela pessoa sem formação mental completa, como no caso do surdo-mudo (deficiência
sensorial) desprovido de educação adequada ou daqueles nascidos com anomalias
congênitas60, exemplificados pelos portadores de síndrome de down. O EPD suprimiu a
referência normativa e na alteração reorientou o antigo inciso III do art. 3º do Código Civil para
o também inciso III do art. 4º com a seguinte redação: “aqueles que, por causa transitória ou
permanente, não puderem exprimir sua vontade”.
Parece que tal dispositivo reforça a generalização61 por norma de reenvio, isto porque a
pessoa com déficit psíquico ou intelectual, de natureza severa, estará na condição de sujeito
impossibilitado de manifestar a respectiva vontade o que abre espaço para inúmeras situações
funcionais, no entanto a iguala àquelas posições de outras pessoas que, por diversos motivos
(internação na UTI, estado de coma etc.), estejam impedidas em participar sua volição.
Portanto, a curatela dá-se mais ao nível da vontade do que cognição. Na vertente, será
igualmente o caso de nomeação de curador (CC, art. 1.767, inc. II)62.
Lado outro, ainda o EPD desprega-se da expressão ‘interdição’ carregada de formato
linguístico restritivo e limitador para adotar a curatela quando, e desde que, efetivamente
necessária (EPD, art. 84, §1 º). Portanto, a regra geral para as pessoas com déficit funcional é
justamente a capacidade plena, sendo a curatela medida extraordinária exigente da avaliação
biopsicossocial multidisciplinar a partir da verificação de deficiência qualificada e limitada aos
efeitos patrimoniais na relação de proteção.
Por derradeiro, adicional alteração proporcionada pelo EPD no Código Civil está
assentada no recém-inserido art. 1.783-A cujo escopo é criação de novo modelo protetivo: a
tomada de decisão apoiada, já verificado desde 2004 na legislação italiana63. Para esse instituto
de apoio, categorizado como processo, a pessoa com deficiência, desde que não seja
qualificada, pode eleger duas pessoas idôneas, com as quais tenha vínculo e gozem da inerente
confiança, para auxílio na tomada de decisões sobre atos da vida civil.

60 DINIZ, Maria Helena. Código civil anotado. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 69.
61 RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Código Civil. Rio de Janeiro, 2011, p. 184. Exemplifica que com a
mudança do CC/16 para o CC/02, preferiu-se a generalização: “O Código Civil de 2002 trata diferentemente a
matéria quanto ao Código de 1916. Reduziu a casuística quanto aos estados de incapacidade total, preferindo
englobar genericamente os portadores de deficiências mentais”.
62 LOTUFO, Renan. Código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 19.
63 GELSOMINA, Salito; PIERLUIGI, Matera. Amministrazione di sostegno, interdizione, inabilitazione.
Milano: Cedam, 2013.
19

O exemplo aqui poderia abarcar os cegos, surdos-mudos, enfim pessoas com capacidade
psíquica plena, mas com déficit físico ou sensorial, isto porque podem exprimir vontade64, o
que difere da eventualidade pressuposta na nova redação do art. 4º, inciso III que possibilita a
curatela pela ausência de volição.

5. Diagnóstico jurídico: emancipando inconsequentemente

Não há espaço para dúvidas de que a emancipação proporcionada pelo EPD,


aprioristicamente, deva ser material e formalmente acorde com as diretrizes
transconstitucionais e constitucionais fundantes e vigentes, bem como coordenada e
harmoniosa com outros microssistemas e elementos legislativos do ordenamento. É o que se
diz da pertinencialidade65 e conexidade66 entre as normas a partir dos critérios de ordenação
e unidade (ordem teleológica de princípios gerais do direito)67.
Porém a questão aí não se encerra. Ainda o aludido estatuto, a posteriori, muito mais
além do que se pressupõe quanto ao cumprimento dos deveres de ‘coerência’ e ‘unidade’ a que
todo dispositivo está adstrito – porque não basta haver liame racional entre normas – sobeja
outra imposição: ‘l’argomentazione orientata alle conseguenze’68. É que qualquer legislação
ou decisão cumpre legitimar-se pelos resultados de modo que haja ampla justificação e
razoabilidade entre os elementos jurídicos e as consequências deles projetadas socialmente.
O momento da entrada em vigor do EPD emancipando as pessoas com deficiência exigirá
do Poder Judiciário (e demais órgãos públicos – especialmente do Ministério Público – e entes

64 A vontade é elemento essencial para a tomada de decisão apoiada. Neste sentido o § 1º do novel art. 1.783-A
do Código Civil: “ Para formular pedido de tomada de decisão apoiada, a pessoa com deficiência e os apoiadores
devem apresentar termo em que constem os limites do apoio a ser oferecido e os compromissos dos apoiadores,
inclusive o prazo de vigência do acordo e o respeito à vontade, aos direitos e aos interesses da pessoa que devem
apoiar”.
65 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e determinação. São
Paulo: Atlas, 1996, p. 202.
66 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1989, p. 217
67 CANARIS Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. 2ª ed. Trad.
A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 18.
68 GIORDANO, Valeria. La justificazione discorsiva nel pensiero giuridico contemporaneo: Alexy, Aarnio
e MacCormick e il ‘codice della’ ragion pratica. In: Costituzione e ragionamento giuridico. Chiara Valenti (a
cura). Bologna: Libraria Universitaria Editrice Bologna, 2012, p. 53; MACCORMICK, Neil. Argumentação
jurídica e teoria do direito. Tradução de Waldéa Barcelos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. A despeito da base
utilitarista, os argumentos voltados às consequências podem auxiliar no controle de decisões judiciais e seus
efeitos.
20

privados) extrema cautela, haja vista que a ‘adjudicação’ total das disposições sobre a
capacidade, sem posicionamento crítico e em acordo a sociedade de consumo vivente,
importará em prejuízos que afetarão não somente o emancipado, mas especialmente seus
familiares e a partir disso a sociedade69.
A retirada da campânula normativa outrora fixada pelo Código Civil é conducente ao
seguinte diagnóstico jurídico: se não há como verificar a realização da hipótese dispositiva na
espécie, muito menos se expressará de forma concreta a consequência abstrata juridicamente
desejada70, pois o simples ‘apagar’ da incapacidade, sem a clara preservação dos efeitos dela
espargidos – e que poderiam ser mantidos adequadamente na nova legislação –, esvaneceu a
sustentação essencial na promoção e preservação da pessoa com deficiência.
Pode-se aqui desenvolver certa prognose referente a maior perigo e danosidade (ou ruína)
ao tutelado. É fato que o EPD comanda mudança de rumo da sociedade mediante a fixação de
deveres71 a favor das pessoas com deficiência. Entrementes, pressupor da sociedade as
considerações acerca da capacidade ou grau de cognoscibilidade para negócios ou contratações
diárias é antes de tudo proceder com maior desídia legislativa relativamente às pessoas com
déficit funcional de natureza mental ou psíquica. Evidente que cabe ao fornecedor amplos
cuidados e mesmo precaução (dever saber, CDC, caput do art. 10), ocorre que mesmo assim as
hipóteses protetivas decorreriam pós negócio ou dano consumado, o que fragilizaria a melhor
tutela que, sobretudo, tem base ex ante.
Corre ainda paralela a ameaça, dado o profundo recorte axiomático imposto no plano das
incapacidades, que o EPD, neste campo emancipatório, seja ignorado, tornando-se legislação

69 Novamente com apoio em Castanheira Neves, in NEVES, A. Castanheira. Metodologia jurídica: problemas
fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 198, retira-se o seguinte exemplo ao tratar da metódica quanto
ao resultado da decisão: “para além destes efeitos jurídicos, a decisão concreta é susceptível de produzir ou
desencadear consoante ela se oriente neste ou naquele sentido, segundo seu conteúdo for este ou aquele – assim
os efeitos patrimonialmente familiares de uma acção civil de condenação que atinja gravemente o réu, os efeitos
económicos da anulação de um contrato ou de uma deliberação social, os efeitos empresariais (econômicos e
relativamente aos trabalhadores) da declaração de dissolução ou falência de uma sociedade comercial, os efeitos
quanto à habitação do réu resultantes da decisão que dê procedência a uma acção de despejo”.
70 JHERING, R. von. L’esprit du droit romain. Trad. O. de Meulenaere. Tomo I. Bologna: Forni Editore. 1969,
p. 52. Belíssima expressão base de hermenêutica profunda: “Appliquer une règle de droit, c’est discerner et
exprimer concretement, ce qu’elle propose abstraitement. Or, cette opération peut présenter une facilite très
grande, tout aussi bien qu’elle peut être hérissée de difficultés. L’habilité et la rectitude du jugement (diagnostic
juridique) de celui qui doit appliquer la règle ont bien ici une grande influence, mais la dificulte ou la facilite
objective d’application d’une régle est determinée par la règle elle-même, selon que ses dispositions sont liées à
des criteriuns difficile ou faciles à reconnaître. Tout régle du droit attache à une hypothèse déterminéé (si quelu'un
a fait ceci ou cela), une conséquence déterminéé (dans ce cas, il arrivera ceci ou cela). Appliquer la règle, c'est
donc: 1º rechercher si l'hypothèse se réalise dans l'espèce concrète; et 2º exprimer d'une manière concrête, la
conséquence purement abstraite”.
71 CAPELO DE SOUSA, Rabindranath V. A. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra Editora,
1995, p. 175.
21

meramente simbólica72 e, a partir de então, amesquinhe o escopo magno de promoção do


sujeito que pretende destacar, diferenciar e melhorar a qualidade de vida.
Ante a esse breve introito propõe-se três variantes específicas que reclamam análise
crítica na emancipação da pessoa com deficiência.

5.1 A incapacidade extinta, a vulnerabilidade eventual, a hipervulnerabilidade


desperdiçada: a criação do hipersujeito de direitos

Não há dúvidas de que ao modificar profundamente os dispositivos atinentes à capacidade


no Código Civil com visos à igualdade substancial, concedendo autonomia e independência ao
titular de direitos, o EPD seguiu a lógica de evitar, sempre que possível, o paternalismo73 e o
assistencialismo74, retirando a pessoa com deficiência dos arredores da comiseração e
projetando-a em intensa potencialidade; emblemático, a propósito, o parágrafo segundo do art.
4º quando estabelece: “a pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios
decorrentes da ação afirmativa”.
Para crítica propositiva, que parte para identificar especificamente a causa que subjaz a
significativa alteração da teoria da incapacidade pelo EPD, é necessário compreender tanto
‘autonomia’ e ‘independência’ (do titular de direitos) como princípios basilares da Convenção
dos Direitos da Pessoa com Deficiência75, observados à luz do valor da dignidade humana. A
tanto, desde já advirta que autonomia e independência são princípios recíprocos, congêneres e
interativos que refletem diretamente na capacidade do sujeito de direitos.

72 NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007, p. 94. Na rica
pesquisa o autor indica a tipologia das legislações e constituições simbólicas. Para o caso do presente artigo
encontra-se semelhança entre com aquilo designado simbólico pela falta de concreção. Eis o autor: “do ponto de
vista jurídico a constitucionalização simbólica seja caraterizada negativamente pela ausência de concretização
normativa do texto constitucional”.
73 BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Princípios de ética biomédica. Trad. Luciana Pudenzi. São
Paulo: Loyola, 2002, p. 301. Explicam várias formas de paternalismo: i) o fraco, pelo qual o agente intervém para
proteger as pessoas contra suas próprias ações involuntárias; ii) o forte, pelo qual haverá intervenção do agente
sobre outro, mesmo que as escolhas sejam conhecidas, voluntariamente escolhidas e autônomas. Há ainda o
paternalismo justificado pelo qual a intervenção será correta em hipóteses consentidas.
74 COURTIS, Christian. La Convención sobre los derechos de as personas com discapacidad ¿Ante um nuevo
paradigma de protección? In: Direitos humanos e fundamentais na América do Sul. Ingo Wolfgang Sarlet,
Eduardo Biacchi Gomes, Carlos Luiz Strapazzon (org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 203.
Discorrendo sobre a grande maioria de legislações anteriores que tratavam de pessoas com deficiência explica:
“siguen un modelo asistencialista, paternalista, que vincula la discapacidad con problemas de salud y que ha
escatimado la imposición de obligaciones a agentes estatales y privados en matéria de accesibilidad, diseño
universal, inclusion social y vida independiente”.
75 “Os princípios da presente Convenção são: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual,
inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas”.
22

A autonomia tem núcleo interno focado na liberdade, concretizando o exercício


independente de direitos pela posse do estado de personalidade. Está a indicar que,
normatizando a si próprio76, pressupõe-se do indivíduo a capacidade de julgar, analisar,
criticar, verificar o certo e o errado77. Por sua vez, a independência confere a condição de
existência, validade ou capacidade de determinado ente sem exigir a ação de outro78.
Some-se a ambos os princípios, a abstração fecunda da dignidade da pessoa humana,
situada como valor insubstituível e aríete de limitação aos poderes públicos e privados, que
após a segunda grande guerra trouxe novo significado à cultura do Estado, inundando a filosofia
política e filosofia jurídica nos giros antropológico e biocêntrico. A doutrina alemã indica
justamente que a dignidade só se faz como ‘realidade no ordenamento quando assegura uma
esfera ao indivíduo que lhe permite atuar como ser independente e responsável de si mesmo’79.
Por conseguinte, no plano axiomático da Convenção, entre nós internalizada e positivada
pelo EPD, prepondera certa coerência na ruptura da teoria da incapacidade como assentado no
Código Civil, pois para a justa emancipação das pessoas com deficiência, a incapacidade na
modalidade até então figurante no sistema jurídico projetaria não apenas distorções conceituais,
mas normativas, impedindo a fluência necessária da autonomia e independência de todo

76 FERRI, Luigi. La autonomía privada. Trad. Luis Sancho Mendizábal, Granada: Ed. Comares, 2001, p. 36-
37. Se antes ‘autonomia da vontade’ por Kant, hoje ‘autonomia privada’. Adverte: “la autonomía privada no es
sólo la libertad o un aspecto de ésta; y ni siquiera es únicamente licitud o facultad, es decir, libertad que se mueve
en el ámbito del derecho, dentro de los limites fijados por éste. Esta última concepción representa un paso adelante
respecto a la idea de la autonomía como mera libertad, pero no pone en evidencia todavía la esencia del fenómeno
(tanto más que, aunque sea excepcionalmente, la actividad negocial podería salir de los confines de lo lícito aun
conservando plena validez). El negocio jurídico no es resultado del ejercicio de una facultad, es decir, de un obrar
lícito según el derecho o, mejor, no es solamente el resultado de éste, sino que es, el resultado del ejercicio de un
poder o de una potestad. Y la autonomía privada se identifica con este poder o potestad”.
77 ABBAGNANO, Nicola. Diccionario de filosofia. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1983, p 116. Com
apoio em Kant: “Término para designar la independencia de la voluntad de todo deseo u objeto de deseo, y su
capacidad de determinarse conforme a uma ley propia, que es la de la razón”.
78 O que não pressupõe a ausência de solidariedade e convivência. Neste sentido a arguta lembrança de Foucault
com apoio na sentença Vaticana 39: “Nem é amigo quem busca sempre a utilidade, nem quem nunca a associa à
amizade; pois o primeiro o benefício o tráfico do que se dá em troca, o outro rompe com a boa esperança para o
futuro”. In: FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. Trad. Márcio Alves da Fonseca e Salma annus
Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 175.
79 OEHLIN DE LOS REYS, Alberto. La dignidade de la persona: evolución histórico-filosófica, concepto,
recepción constitucional y relación com los valores y derechos fundamentales. Madrid: Editorial Dykinson,
2010, p. 253. Com apoio em NIPPERDEY, Hans Carl, Die Würde des Menschen, en la edición de NEUMANN,
Franz L. NIPPERDEY, Hans Carl / SCHEUNER, Ulrich, die Grundrechte. Handbuch der Theorie und Praxis der
Grundrechte. Vol. II. Duncker & Humbolt, Berlim, 1954.
23

almejada pelo específico tratado de direitos humanos com dedicação exclusiva à dignidade
pessoa com déficit funcional80.
Vale dizer em poucas palavras: O EPD detém a técnica jurídica de ultrapassagem da
pessoa com deficiência ‘estaticamente passiva’ (receptora de assistência) para a pessoa
‘funcionalmente ativa’ (formadora de pensamento e inserida nos rumos sociais).
Contudo se vê que ao EPD caberia ir além: buscar ampla sincronia com o documento
internacional de direitos humanos que é sua ‘raiz’ e demais fontes normativas, emancipando as
pessoas com deficiência mediante a preservação dos efeitos tutelares adequados e que não
importassem no rebaixamento (ou contradição) à capacidade conquistada. A manutenção de
efeitos ajustados, especialmente aqueles relacionados à prescrição e decadência,
responsabilidade civil, à tutela patrimonial originária das sucessões, à proteção contratual e
prevenção de práticas abusivas, seria medida equivalente e salutar. Trata-se de promover a
emancipação suficiente e não a mera emancipação.
Observe que a própria Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência ao emancipar
a pessoa com déficit funcional impõe para as tratativas patrimoniais limites aos usos do
mercado, vedando qualquer medida arbitrária que solape o acervo de bens do titular de direitos.
O item 5 do art. 12 é de clareza solar: “Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste artigo,
tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o
igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a
empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as
pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens”.
E neste ponto o EPD é falho e omisso, pois não traz as mesmas ‘salvaguardas’81, apenas
laconicamente dispõe que a curatela se refere às questões patrimoniais82, não fixando a ampla
proteção que a pessoa com deficiência está a merecer, nos termos da própria convenção, o que
poderia, inclusive, dar ensejo ao controle de convencionalidade.

80 A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência assim dispõe no art. 12, item 2: “Os Estados Partes
reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as
demais pessoas em todos os aspectos da vida”.
81 Observe que a própria Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência no mesmo, item 4, já adverte para
as ‘salvaguardas’ quanto à emancipação: “Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao
exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em
conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas
relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, a vontade e as preferências da pessoa, sejam
isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da
pessoa, apliquem-se pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade
ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que
tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa”.
82 Art. 85. A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.
24

Via de consequência, pode ser asseverado que a emancipação proporcionada pelo EPD
sem a preservação dos efeitos gerais protetivos derivados da incapacidade e desde que
adequados ao novo status de autossuficiente impõe ameaças incalculáveis às pessoas com
deficiência. Mas há algo a mais: a vulnerabilidade e (seu aprofundamento) a
hipervulnerabilidade.
Repise-se na diferença projetada dogmaticamente quando da vigência do CDC: enquanto
a incapacidade revela a ausência de condições indispensáveis ao exercício direto e pessoal de
direitos subjetivos na órbita civil, a vulnerabilidade move-se, não no entorno de requisitos para
fatos jurídicos, mas para a órbita de fragilidade da pessoa situada em ambiente negocial. Com
gênese nos tratados de direitos humanos, o princípio da vulnerabilidade (imbalances) decorre
de ‘presunção absoluta’ de lei (CDC, art. 4º, inc. I) de que há desequilíbrio significativo de
posições jurídicas entre o agente tutelado constitucionalmente (e exposto às mais diversas falhas
de mercado) e os fornecedores83.
Originalmente clássica porque decorrente de processos indutivo e dedutivo, a presunção
é técnica de construção do direito pela qual através de determinado fato conhecido,
caracterizado pela reiteração e consequência ordinária, formula-se regra genérica de natureza
indutiva (lógica fundada na experiência). Assentada a regra geral, que será a premissa maior
(verdade da experiência), aplica-se o fato embutido no caso concreto, premissa menor, sendo
que a conclusão assimilada será conhecida como presunção ou probabilidade, obtida
dedutivamente (subsunção)84.
Ocorre que a vulnerabilidade, como presunção no microssistema protetivo, é positivada
instrumentalmente por princípio (mandado de otimização)85 e não via regra, o que autoriza
juízo de ponderação, densidade axiológica, flexibilidade, plasticidade e diferenciação de
sujeitos para justiça distributiva, permitindo restrições (v.g., destinatário final e não
profissional) e ampliações (que não sejam contraditórias ao sistema; v.g., finalismo
aprofundado). Em outras palavras, presume-se por princípio (‘modelo’ argumentativo) e não
regra (‘modo’ dedutivo).

83 MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p.30.
84 LOPEZ, Teresa Ancona. A presunção no direito, especialmente no direito civil. In: Doutrinas essenciais de
direito civil. v. 5. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1.323.
85 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional democrático: para a relação entre
direitos do homem, direitos fundamentais, de democracia e jurisdição constitucional. In: Revista de Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 55.
25

Daí fica fácil ‘presumir’ que o consumidor é agente vulnerável no mercado, porque a
experiência humana traz a verdade obtida pela lógica jurídica de que a pessoa inserida neste
meio circundante e desprovida de tutela eficaz está facilmente exposta a circunstâncias
pesarosas, díspares e abusivas. Enfim, é sujeito de direitos constantemente sujeito a injustiças.
Por isso, a presunção da vulnerabilidade conduz substancialmente a igualitária aplicação do
Código de Defesa do Consumidor86.
Justamente aqui revela-se novo ponto nevrálgico e sensível de retrocesso. Por parte do
EPD, além da retirada sem cuidados da incapacidade, a condição de vulnerabilidade somente
advém de forma extraordinária, excepcional, invencível. Firme-se que o EPD no parágrafo
único do art. 10 atrelou o reconhecimento da vulnerabilidade apenas às situações de risco,
emergência ou calamidade pública87. Paradoxalmente, enquanto no CDC a vulnerabilidade é
presunção absoluta (inderrogável e erga omnes) alcançando toda pessoa física, considerando a
inerente posição desequilibrada no mercado, no EPD seriam as circunstâncias anormais,
atípicas e inusitadas que abriram espaço para a sua manifestação.
Duro golpe no direito privado de direitos humanos, pois se a presunção de vulnerabilidade
no CDC já é indicativa do risco, no EPD o legislador fez lógica inversa, exigindo a manifestação
da situação arriscada para a concretude do mencionado princípio, abandonando o caudaloso
instrumental da técnica presuntiva. E não só, ainda no EPD a vulnerabilidade restou atrelada
alternativamente à emergência ou calamidade pública, conceitos indeterminados de direito
público caracterizados pela singularidade e raridade. Em situações de normalidade, portanto, a
pessoa com deficiência não é vulnerável.
Em sequência remarque-se que a hipervulnerabilidade é normativamente (CDC, art. 39,
inc. IV)88 constatada naquelas circunstâncias fáticas respeitantes às pessoas
contingencialmente situadas em demais assimetrias, as quais se somam à qualidade de

86 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 66. Diz o
autor: “a noção de vulnerabilidade no direito associa-se à identificação de fraqueza ou de debilidade de um dos
sujeitos da relação jurídica em razão de determinadas condições ou qualidades que lhe são inerentes ou, ainda,
de uma posição de força que pode ser identificada no outro sujeito da relação jurídica [...] A opção do legislador
brasileiro foi pelo estabelecimento de uma presunção de vulnerabilidade do consumidor, de modo que todos os
consumidores sejam considerados vulneráveis, uma vez que a princípio não possuem o poder de direção da
relação de consumo, estando exposto às práticas comerciais dos fornecedores no mercado”.
87 Art. 10. Compete ao poder público garantir a dignidade da pessoa com deficiência ao longo de toda a
vida. Parágrafo único. Em situações de risco, emergência ou estado de calamidade pública, a pessoa com
deficiência será considerada vulnerável, devendo o poder público adotar medidas para sua proteção e segurança.
88 Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: “V - prevalecer-se
da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços”.
26

consumidor vulnerável. São condições humanas e sociais a ensejar desníveis potencialmente


acentuados, levando em consideração: linguagem (analfabetismo absoluto89 e analfabetismo
funcional90), idade (idoso91 e criança92), território (estrangeiros, imigrantes)93, saúde94
(enfermidade), medo95 (e o dolo de aproveitamento pela publicidade enganosa)96. E

89 COMPARATO, Fábio Konder. A proteção ao consumidor na Constituição brasileira de 1988. In: doutrinas
essenciais do direito do consumidor. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 66-75. Leciona com invulgar
acerto: “Por outro lado, não podemos nos esquecer de que a informação e a formação do consumidor – objetivos
fundamentais de toda política pública nesse setor, como se lê na Constituição espanhola – somente podem se
realizar com eficácia por via da comunicação escrita; dos rótulos ou invólucros de mercadorias, às bulas de
medicamentos e aos manuais de utilização de produtos perigosos. Ora, segundo dados oficiais, o
analfabetismo absoluto alcança 22,2% da população brasileira de mais de 15 anos; e o analfabetismo
funcional (a incapacidade de entendimento do texto lido) é, sem dúvida, muito maior”.
90 MARQUES, Cláudia Lima. Estudo sobre os analfabetos na sociedade de consumo. In: Revista de Direito
do Consumidor. v. 95. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 99-145.
91 MORELLO, Augusto Mario. Las edades de las personas en el cambiante mundo del derecho:
reconociminetos y espacios ganados por la niñez, la juventude, la mujer y el hombre adultos y la senectude.
Buenos Aires: Hammurabi, 2003, p. 105.
92 BERTONCELO, Káren Rick Danilevicz. Publicidade na vulnerabilidade agravada: como proteger as
crianças consumidoras? Revista de Direito do Consumidor. v. 90. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 69
- 90.
93 SÉGUIN, Elida. Minorias e grupos vulneráveis: uma abordagem jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.
12.
94 MAIA, Maurílio Casas. O paciente hipervulnerável e o princípio da confiança informada na relação
médica de consumo. In: Revista de Direito do Consumidor. v. 86. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p.
203-232.
95 MARTINS, Fernando Rodrigues. O Estado de perigo no código civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 21. A base
histórica do estado de perigo para o direito romano era o medo: “Tenha-se, contudo, que para Ulpiano quem se
aproveitava do estado de medo era considerado responsável pelo temor e, em conseqüência, o negócio ter-se-ia
como inválido (Digesto, L. IV, Tít. II, Lei VII, § 1º) e, portanto, entendida como procedente a máxima ‘quod metus
causa’. Daí veja-se, desde os primórdios, a importância dada ao comportamento de quem recebia a declaração,
porque, se demonstrado o aproveitamento consciente da desgraça sofrida pelo autor da declaração, o deslinde
do negócio reclamaria a invalidade”; BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.
96 BRASIL. REsp: 1329556 SP 2012/0124047-6. STJ. RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR.
AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROPAGANDA ENGANOSA. COGUMELO DO SOL. CURA DO CÂNCER.
ABUSO DE DIREITO. ART. 39, INCISO IV, DO CDC. HIPERVULNERABILIDADE. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL
COMPROVADO. 1. Cuida-se de ação por danos morais proposta por consumidor ludibriado por propaganda
enganosa, em ofensa a direito subjetivo do consumidor de obter informações claras e precisas acerca de produto
medicinal vendido pela recorrida e destinado à cura de doenças malignas, dentre outras funções. 2. O Código de
Defesa do Consumidor assegura que a oferta e apresentação de produtos ou serviços propiciem informações
corretas, claras, precisas e ostensivas a respeito de características, qualidades, garantia, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, além de vedar a publicidade enganosa e abusiva, que dispensa a
demonstração do elemento subjetivo (dolo ou culpa) para sua configuração. 3. A propaganda enganosa, como
atestado pelas instâncias ordinárias, tinha aptidão a induzir em erro o consumidor fragilizado, cuja conduta
subsume-se à hipótese de estado de perigo (art. 156 do Código Civil). 4. A vulnerabilidade informacional agravada
ou potencializada, denominada hipervulnerabilidade do consumidor, prevista no art. 39, IV, do CDC, deriva do
manifesto desequilíbrio entre as partes. 5. O dano moral prescinde de prova e a responsabilidade de seu causador
opera-se in re ipsa em virtude do desconforto, da aflição e dos transtornos suportados pelo consumidor. 6. Em
virtude das especificidades fáticas da demanda, afigura-se razoável a fixação da verba indenizatória por danos
morais no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). 7. Recurso especial provido”.
27

justamente pelo intenso e considerável desequilíbrio são vítimas comumente de posições


abusivas que atentam contra a inerente fragilidade (l’abus de faiblesse)97.
Modus in rebus: a compreensão da vulnerabilidade esporádica (ou eventual) somada à
inexistência de incapacidade conforme assentado pelo EPD, fragiliza o reconhecimento da
hipervulnerabilidade a ponto de desprezá-la como instituto, outrora, de essencial arrimo para a
promoção da igualdade da pessoa com deficiência98.
Via de consequência, pode-se chegar à seguinte conclusão: enquanto o absolutamente
capaz é vulnerável no mercado por força de presunção ‘juris et de jure’ prevista no CDC, a
pessoa com deficiência ou pessoa emancipada somente será vulnerável se comprovar risco,
emergência ou estado de calamidade, nos termos do parágrafo único do art. 10 do EPD, sendo
pelo mesmo dispositivo questionável a posição de hipervulnerabilidade, o que destoa do campo
da veracidade na sociedade de consumo.
Parece, pois, que a positivação do tratado exuberantemente empoderou a pessoa com
deficiência. O intuito correto e prudente da necessária emancipação deveria estar aliado às
ferramentas jurídicas que logicamente concedessem tutela, promoção e racionalidade.
E isso equivale a parcialmente concluir: se de um lado o EPD transformou a pessoa com
deficiência num ‘hipersujeito’ de direitos, ao ponto de guindá-la em igualdade ao mercado e ao
fornecedor (desprezando-se as salvaguardas), de outro, deu azo à crítica quanto à banalização
da conquista, pois a extensão interpretativa da capacidade acaba gerando situações
desarrazoadas, ilegítimas socialmente, à beira da injustiça corriqueira99.

97 SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de


consumo. São Paulo: Atlas, 2014, p. 222.
98 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. 1050152-85.2014.8.26.0053. APELAÇÃO. MANDADO DE
SEGURANÇA. Pessoa com deficiência. Isenção de IPVA sobre veículo a ser adquirido em nome de pessoa com
deficiência, mas dirigido por terceiro em seu favor. Possibilidade. Direito de mobilidade pessoal garantido pela
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU, que possui status de emenda
constitucional após aprovação pelo art. 5º, § 3º, da CR. Impetrante que é pessoa hipervulnerável, merecendo
proteção e tratamento prioritários pelo Estado. Isenção que deve ser interpretada à luz dos princípios
constitucionais de proteção e inclusão da pessoa com deficiência. Necessidade de observação da isonomia entre
diferentes categorias de pessoa com deficiência. Precedentes do STJ e deste Tribunal de Justiça. Sentença que
denegou a segurança reformada. Apelação provida”.
99DUQUE, Marcelo Schenk. Curso de direitos humanos: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014, p. 101. Toma-se por analogia a passagem quanto à banalização dos direitos fundamentais: “Por outro, a
concessão demasiada de toda e qualquer liberdade de atuação, com base em uma interpretação por demais
extensiva dos direitos fundamentais, pode gerar colisões entre direitos opostos de tal monta, a ponto que
dificilmente se obtenham resultados satisfatórios com a finalidade de harmonização de pretensões opostas”.
28

5.2 O desprezo à ancoragem como referência e a emancipação na sociedade incivilizada

Não tenha dúvidas do magno e prudente telos do EPD na emancipação da pessoa com
déficit funcional (inclusive aqueles de natureza mental e intelectual), mas como acima averbado
faltaram maiores cuidados especialmente com a proteção patrimonial desse destacado sujeito
de direitos, porquanto a concessão da capacidade nos moldes postos superestima as potências
do emancipado para interagir no ambiente mercadológico, sem o necessário assentamento das
contracautelas normativas. Afora as próprias interações extrapatrimoniais que igualmente
podem arruinar a pessoa com deficiência.
Tomando por base dois grandes institutos de direito privado, a concedida emancipação
perde totalmente a significação jurídica e se torna a verdadeira bancarrota da pessoa com
deficiência. Os institutos são o contrato e a responsabilidade civil. Exploremos cada um,
respectivamente.
A análise do novo perfil da capacidade na formatação, execução e extinção do vínculo
contratual enseja pesquisa em diversos matizes: estrutura, função, conexão e coligação,
hermenêutica (em especial a pertinente abordagem existencial100 que bem calha à espécie),
bem como teoria geral. Para não perder a metodologia da pesquisa, opta-se apenas pela inserção
de breve consideração quanto ao princípio do consensualismo, portanto um dos pilares da teoria
geral do contrato.
Dentre os princípios em enformam101 e informam o contrato observa-se aquele
designado como consensualismo ou mais conhecido como liberdade de formas. A base histórica
é logo firmada na codificação civil francesa como manifesto normativo que retira quaisquer

100 FERREIRA, Keila Pacheco; MARTINS, Fernando Rodrigues. Contratos existenciais e intangibilidade da
pessoa humana na órbita privada homenagem ao pensamento vivo e imortal de Antônio Junqueira de
Azevedo. In: Revista de direito do consumidor. v. 79. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 265-308. Naquela
oportunidade escrevemos: “Na classificação aqui perscrutada, os contratos existenciais no que respeitam
produtos ou serviços destacam-se por conter em plano subjetivo predisponente
geralmente desumanizado (empresa, operadora, concessionária, empregador e fornecedor habitual) e
aderente pessoa natural. Ainda, o objeto contratual tem salto qualitativo, porquanto a obrigação de fazer
(execução do fato pelo predisponente) ou de dar (entrega da coisa) muito embora tenha valor econômico, será de
todo exigível em casos de preservação da vida do vulnerável, integralidade do usuário ou preservação do mínimo
existencial. Ressalte-se, em suma, a essencialidade da prestação: o cunho patrimonial da prestação (quantitativo)
enseja espaço à intangibilidade da pessoa”.
101 LUCCA, Newton de. Prefácio. In: MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a
proteção do consumidor: um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004, p. 15. Diz o alentado professor: “Quando me utilizo da expressão [princípios
informadores], no entanto, o faço com a letra ‘e’, pois entendo que os princípios – concebidos, sem embargo dos
diferentes matizes existentes, em seu sentido filosófico, como proposições diretoras de uma ciência às quais todo
o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado – não dão informação de algo, antes dão forma,
isto é, enformam no sentido de moldarem ou mesmo de construírem uma fôrma”.
29

obstáculos para a celebração de contrato (enquanto relação jurídica bilateral de natureza


patrimonial). Neste ponto, o direito francês despregou-se do direito romano, considerando ser
esse último caracterizado por amplo formalismo na celebração dos pactos102.
Dessarte, a exigência de forma na elaboração dos contratos seria naquela ideologia
manifestação acintosa contra vontade, dogma absoluto para a burguesia com plena ascensão ao
poder103 e que não queria entraves para a circulação de riquezas e, muito menos, a intervenção
estatal.
Ocorre que a ampla liberdade sem limites é por demais campo fértil para desequilíbrios
nas posições jurídicas, tanto que diversos microssistemas partem a exigir modelos formais no
âmbito das relações jurídicas justamente no intuito de conferir maior proteção ao vulnerável,
igualando-os substancialmente. É o caso, v.g., do termo de garantia contratual que, conforme
parágrafo único do art. 50 do CDC, deve ser formulado e preenchido pelo fornecedor de
maneira adequada, inclusive com o manual de instrução, instalação e uso do produto.
O EPD ao conceder a capacidade plena descurou-se desta excelente alternativa protetiva
ensejando a possibilidade clara da pessoa com deficiência contratar sem os anteparos tutelares
sempre necessários, mesmo porque a vulnerabilidade na mencionada lei – como se viu – é
apenas eventual. Deveria o EPD trazer em seu bojo normativo parâmetros essenciais para
observação da forma nas relações contratuais (ou negociais patrimoniais) de acordo com o caso
concreto, permitindo a exigência do relevante princípio toda vez que houvesse ‘razão
suficiente’104.
À guisa de observação seria de todo prudente que o EPD positivasse novas modalidades
de consentimento esclarecido, de maior obrigatoriedade quanto às informações (com finalidade
de ampla cognição dos termos contratuais) e que, inclusive, estabelecesse perspectivas

102 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996,
p. 118.
103 GHESTIN, Jacques. Traité de droit civil: les obligations: le contrat. Paris: LGDJ, 1980, v. 1, p. 23. Ensina:
“Le dogme de l’autonomie impose également la liberté contractuelle quant à la forme. Selon le príncipe du
consensualisme, qui en serait derivé, aucune forme n’est exigée pour la validité du contrat. La volonté ne serait
plus souveraine si son efficacité était subordonnée à un quelconque formalisme. Les exigences de forme qui
subsistent dans le Code Civil, notamment pour les donations, sont tenues pour les survivances aberrantes d’un
passe révolu”.
104 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 451. Indica o Professor italiano: “Tal análise pressupõe a individuação da ‘razão
suficiente’ da prescrição da forma. Diversificação e variabilidade das formas encontram a própria justificação
em perfis diversos da atividade: a) nas próprias legitimação, capacidade e qualificação do sujeito (seja ou não
empresário, menor ou interditado, pessoa física ou pessoa jurídica, ente privado ou público); b) na função
negocial (causa donandi, mortis causa); c) no objeto (bens imóveis ou móveis, créditos ou coisas móveis diversas
de créditos, coisas materiais ou energias laborativas)”.
30

adequadas de cláusulas abusivas a considerar o direito fundamental e a funcionalidade,


inerentes à pessoa com deficiência. Deveria ainda incrementar e aumentar as funções do
Ministério Público para desempenho de fiscalização promocional da pessoa com deficiência
neste sentido.
De igual sorte a responsabilidade civil. A emancipação sem maiores cuidados
proporcionada pelo EPD tem caráter pedagógico negativo, pois a concessão da capacidade
plena à pessoa com deficiência dá ensejo que responda diretamente pelos danos que causar,
sem que a indenização continue no tipo subsidiário, conforme assentado outrora na conjunção
entre os artigos 932 e 928 do CC/02, inclusive com necessário arrimo ao patrimônio mínimo
na modalidade do parágrafo único do último dispositivo.
O legislador no EPD abdicou-se em diferenciar a capacidade negocial da capacidade
delitual, implicando em verdadeiro retrocesso ao tutelado, porque além de permitir que
responda pelo ilícito mediante avaliação da ausência do devido cuidado e previsão (culpa),
ainda abre espaço para a dilapidação patrimonial. É como já inscreveu a doutrina outrora: feriu-
se o direito subjetivo do incapaz à inimputabilidade105.
Nos institutos acima demonstrados vê-se com tranquilidade o equívoco na internalização
da Convenção, promovendo-se em demasia a capacidade da pessoa com deficiência e ao mesmo
tempo aumentando a exposição à danosidade e à fragilidade em ambiente já consideravelmente
pernicioso aos ‘capazes’ de outrora. Dito de outra forma, no processo legislativo do EPD era
necessário quanto aos princípios de ‘autonomia’ e ‘independência’ cuidar das consequências e
especialmente prevenir que o mercado ainda tirasse proveito desse nicho caudaloso de direitos
fundamentais.
Desde a sedimentação da sociedade pós-industrial a questão que se põe é justamente a
individualização, ‘o estar só’, a despersonalização, o consumismo, a agressividade do capital
financeiro e a insolência do mercado desterritorializado. A pessoa com deficiência emancipada
é agora reinserida autonomamente neste nicho sem contracautelas. O EPD teria contribuição
humanística ainda melhor quanto às questões contratuais e patrimoniais – que lançam a pessoa
com deficiência diretamente no mercado – se preocupasse em não só emancipar, mas também

105 MELLO, Marcos Bernardes de Mello. Achegas para uma teoria das capacidades em direito. In: Revista
de direito privado. v. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 9-34. Esclarece com firmeza: “Procedendo-se
a uma análise das várias capacidades encontráveis no mundo jurídico, constata-se que há um dado em comum a
todas elas: a titularidade de qualquer uma implica uma situação jurídica unissubjetiva que, em geral, se
caracteriza como direito subjetivo. A capacidade de obrigar-se por atos ilícitos e a capacidade delitual,
consubstanciam situações jurídicas unissubjetivas que não são direitos subjetivos, embora haja direito subjetivo
do incapaz (= inimputável) de assim ser considerado, portanto, direito subjetivo à inimputabilidade”.
31

‘evitar’ os prejuízos das sociedades incivilizadas106 revisitando o conceito de capacidade, não


o anulando simplesmente.
Por isso a inovação proporcionada pelo EPD é parcialmente pertinente, porquanto
deveria, para evoluir na imensidão valorativa que a pessoa com deficiência tem direito, não se
desprender dos ‘pontos jurídicos fixos’ que servem como âncora para a necessária proteção,
arrimo e fundamento de qualquer inclusão social (dentre ela, a mercadológica).
Vale a tanto, a lembrança experiente da adequada teoria do direito: “não cabe pensar em
amarrar, em fixar, em combater a inovação e a desordem necessária, criadora e inovadora.
Ao contrário, trata-se de estabelecer alguns pontos fixos, que permitem a inovação e a
autonomia individual, mas não a perda de sentido. Trata-se de navegar, mas conservando o
mar, o céu e as estrelas que nos guiam. Os valores e bens coletivos são essas estrelas que guiam
o navegante”107.
Observe-se que situação aproximada já ocorrera no sítio jurídico consumerista. Na
Europa, narra a doutrina108, que após a instalação dos direitos do consumidor mediante a
inauguração de acervo principiológico (‘acquis consommateur’, próprio da fase pré-
intervencionista estatal) houve reação por parte da escola de análise econômica do direito na
ampla tentativa de livrar o mercado das inserções legais que sucumbiam a ‘eficiência’, contando
com o apoio das críticas políticas existentes em face do Estado do estar-social, o que fragilizou
a fase intervencionista do direito do consumidor. Na atual etapa, pós-intervencionista, o direito
do consumidor seguiu resistindo às tentativas de desregulamentação, justamente considerando

106 SENNETT, Richard. O declínio do homem público. Trad. Lygia Araújo Watanabe. Rio de Janeiro: 2014, p.
447: Para o aproveitamento paralelo da sociedade intimista impulsionada pela mídia e pelo mercado: “O
verdadeiro problema dos planejamentos urbanos hoje não está em ‘o que fazer’, mas em ‘o que evitar’.
107 LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Trad. Bruno Miragem.
Notas Cláudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 311.
108 REICH, Norbert. Algumas proposições para a filosofia da proteção do consumidor. In: Doutrinas
essenciais do direito do consumidor. v. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 307-340. Abordando as fases
do direito do consumidor na Europa explica a resistência das leis consumeristas às tentativas de
desregulamentação, mantendo um acervo consumerista essencial à proteção das pessoas. Observe: “A crítica sobre
o regulamento referente à eficiência, falhas de regulamentação e ‘Direito Privado Especial’ (Sonderprivatrecht),
teve conseqüências, o que não acarretou, porém, a extinção do Direito do Consumidor. Isto mostra que este direito
foi criado para resolver problemas econômicos e sociais, que realmente existem. Não se trata de uma simples
intrusão ineficiente do Estado e do Direito na economia. É correto, portanto, estabelecer um certo ‘acquis
consommateur’ que pode, talvez, não justificar inteiramente os direitos retoricamente usados no ponto máximo
de proteção do consumidor, mas que, por outro lado, irá resistir ao seu impacto de desregulamentação. A análise
que será desenvolvida a seguir deverá insistir em certos aspectos positivos e negativos da filosofia da proteção
do consumidor, que deveria ser tida como parte deste ‘acquis consommateur’. O resultado parece ser, em todos
os países industrializados, o surgimento de uma racionalidade mista do Direito do Consumidor (procurando as
segundas melhores soluções). Definindo-se a política do consumidor como algo complexo, nós podemos distinguir
entre quatro aspectos diferentes relativos aos tipos de combinação regulatória, que serão analisados a seguir (v.
também Harland, 1988, pp. 25-35) ”.
32

os pontos fixos e essenciais deste corpo jurídico: direito à informação, responsabilidade pelo
produto, proteção contratual, contratos à distância.

5.3 A incidência em proibição de insuficiência

Pode-se arriscar que o EPD nas circunstâncias postas acima, emancipando fragilmente,
incidiu em insuficiência quanto aos deveres de proteção. Ditos deveres obrigam o Estado a
legislar correta e adequadamente, ademais de exigir dos outros órgãos (administração e
Judiciário) atuação autônoma no sentido de dar concretude aos direitos fundamentais109.
Se, como visto, a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que na base
configura tratado sobre direito humano, é recebida com status de Emenda Constitucional, os
direitos nela assentados, deveras, são material e formalmente de natureza fundamental. E nesse
exato ponto cumpre ao legislador orientar-se por eixo de equilíbrio e coordenação: tratando de
regular o novo direito fundamental sem restrições (a não ser aquelas próprias da teoria geral
dos direitos fundamentais)110, e, ao mesmo tempo, equivalentemente estabelecer mecanismos
de ampla proteção.
Tendo por base a dignidade da pessoa humana, os deveres de proteção111 ganham
proeminência entre os fundamentos e estruturas das relações jusfundamentais triangulares. Ao

109 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela
Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 88. Disserta: “Considera-se, com isso, que o Estado está
obrigado, nomeadamente através da mediação do legislador ordinária, mas também, em caso de omissão deste,
através de actuação autónoma do poder judicial e da Administração, a uma actuação normativa, judicial ou
fáctica tendente a garantir os bens e as actividades protegidas de direitos fundamentais também contra agressões
não estatais, ou seja, contra intervenções de terceiros (particulares e entidades públicas estrangeiras, logo,
terceiros na relação primária de direito fundamental que esse establece entre o cidadão e Estado) ou contra
contingências naturais ou riscos sociais”.
110Cumpre advertir que geralmente as restrições seguem modelo judicial, aqui aplicando-se a questão da
ponderação nas colisões entre direitos fundamentais mediante princípios (ALEXY, Robert. Teoría de los
derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 2002 e DWORKIN, Ronald. Levando
os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 1999); ou modelo normativo quando a própria Constituição Federal
traz a restrição ou quando a leis que regulamentam os direitos fundamentais são cotejadas do ponto de vista do
controle de constitucionalidade ou mesmo de convencionalidade (DIMOULIS, Dimitri e MARTINS, Leonardo.
Teoria geral dos direitos fundamentais. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009; DUQUE,
Marcelo Schenk. Curso de direitos humanos: teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014;
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. In:
Doutrinas essenciais de direito constitucional. v. 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015).
111 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão
constitucional do Estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2009, p. 61. Observa: “por outras
palavras, a instituição ou não de deveres fundamentais repousa, em larguíssima medida, na soberania do estado
enquanto comunidade organizada, soberania que não pode, todavia, fazer tábua rasa da dignidade humana, ou
seja, da ideia da pessoa humana como princípio e fim da sociedade e do estado, ideia esta que assim rejeita
claramente a concepção de Ch. Gusy que dissolve os deveres fundamentais na soberania do estado”.
33

apresentar pesquisa sobre tais relações fundamentais, Jorge Pereira da Silva expressa a
existência de concepção trípode pela qual as posições são ocupadas por um agressor (potencial
ou efetivo), pelo lesado (também potencial ou efetivo) e por um terceiro encarregado da tarefa
de coordenar os direitos fundamentais. E arremata:

“Tanto o agressor como o lesado têm natureza jurídica privada,


surgindo nesta relação como titulares de um ou mais direitos fundamentais,
que consoante os casos são exercidos ou são objecto de compreensão. Pela
actuação das suas diferentes funções, o Estado protege a posição
jusfundamental do lesado, ao mesmo tempo que procede à restrição dos
direitos contrapostos do agressor. A protecção faz-se à custa da restrição; a
restrição faz-se à medida da proteção”112.

Ora, a observação atenta ao EPD no plano da capacidade desnuda que a emancipação,


mediante concessão de autonomia e independência à pessoa com deficiência, deixou neste
mesmo plano de apresentar restrições (salvaguardas) para os fornecedores e sequer esboçou
deveres de proteção essenciais e preventivos aos eventuais efeitos patrimoniais negativos que
possam ocorrer na órbita da pessoa emancipada. Por isso, quando o art. 85 do referido estatuto
permite a curatela apenas em questões patrimoniais, nos moldes da incapacidade relativa do
CC/02, demonstra que optou por proteção insuficiente – inviabilizou institutos que poderia
regular adequadamente ao escopo da norma, como prescrição e decadência, proteção contratual,
responsabilidade civil etc. – abrindo a guarda ao questionamento via controle de
constitucionalidade e convencionalidade.
Vale dizer, o Estado Democrático de Direito exige que a proteção seja equilibrada,
equivalente, na potência do direito fundamental tutelado. Há verdadeira proibição de que essa
proteção seja deficiente (Untermassverbot)113, posto assim permanecendo violará os
patamares mínimos do direito fundamental específico a que legislador está vinculado.
A questão ainda acrescenta grande retrocesso114 ao desprezar o princípio da máxima

112 SILVA, Jorge Pereira. Deveres do Estado de proteção de direitos fundamentais. Lisboa: Universidade
Católica Editora, 2015, p. 149.
113 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 4.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 36
114 SARLET, Ingo Wolfgang; FENTERSEIFER, Tiago. Breves considerações sobre os deveres de proteção e
a garantia da proibição do retrocesso em matéria ambiental. In: Doutrinas essenciais de direito ambiental. v.
1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 863-904. Em análise às normas de direito ambiental editadas após a
Constituição Federal de 1988 e as respectivas perdas de conteúdo valorativo jusfundamental advertem: “Em linhas
gerais, é possível afirmar que a humanidade caminha na perspectiva de ampliação da salvaguarda da dignidade
da pessoa humana, conformando a ideia de um "patrimônio existencial" consolidado ao longo do seu percurso
34

proteção do consumidor115 na medida em que abandona a presunção de vulnerabilidade da


pessoa com deficiência (a não ser extraordinariamente) e não proporciona as contracautelas
para diversas atividades no mercado, tendo por corolário a permissibilidade inaceitável de
assimetria entre emancipado e fornecedor.
Cinge-se que mencionada assimetria e desequilíbrio são ainda mais reais e com ampla
visibilidade no dia-a-dia (deveras, empiricamente indicadores de risco) já que derivados dos
tempos pós-modernos onde há constante distanciamento e fragmentação no eixo entre o
desenvolvimento tecnológico de ponta e a incapacidade de acompanhamento e compreensão
pela cognição individual116, quer da pessoa plenamente capaz quer da pessoa emancipada.

6. O risco patrimonial ao novo emancipado na sociedade de consumo

As pontuais abordagens críticas realizadas – insista-se – longe do viés desumano,


preconceituoso e discriminador à pessoa com deficiência têm por escopo contribuir na
compatível aplicação do EPD, mediante amplo diálogo com as demais fontes existentes em
nosso sistema, tonificando ainda mais a necessária promoção. Da maneira como está, a partir
da inserção emancipatória sem cuidados protetivos consequencialistas, resta intensificada
sobremaneira a fragilidade patrimonial do emancipado, especialmente quando observado no
âmbito da sociedade de consumo.
Em dias atuais fatos comuns na sociedade indicam fragilidades em demasia a todos os
setores e grupos de indivíduos (mesmo que ‘capazes’). Valem os exemplos da chamada
‘democratização do crédito’ e os efeitos nefastos aos grupos de hipervulneráveis117 diante das

histórico-civilizatório, para aquém do qual não se deve retroceder. Em termos gerais, essa é a ideia
consubstanciada na assim designada garantia (princípio) constitucional da proibição de retrocesso”.
115 AMARAL JÚNIOR, Alberto do; VIEIRA, Luciane Klein. As recentes alterações no direito brasileiro sobre
arrependimento nas relações de consumo estabelecidas por meios eletrônicos: legislação atual e norma
projetada. In Revista de direito do consumidor. v. 90. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 215-242.
116 TOFLER, Alvin. A terceira onda. João Távora (trad.). 28ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.
117 BRASIL. TJRS. Recurso Cível: 71003923018 RS, Relator: Lucas Maltez Kachny. CONTRATOS DE
EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. REFINANCIMENTO POR TELEFONE. AUSÊNCIA DE
INFORMAÇÕES SOBRE A CONTRATAÇÃO. VULNERABILIDADE DA AUTORA - IDOSA. RETORNO
AO STATUS QUO ANTE. SITUAÇÃO PREJUDICIAL À CONSUMIDORA. DANOS MORAIS
CONFIGURADOS. A par da documentação constante nos autos, não se tem dúvida de que a contratação dos
novos empréstimos consignados ocorreu por meio de contato telefônico, assim como presente a ocorrência de
falha no dever de informação ao consumidor quanto às condições dos novos contratos. Nessa linha, as partes
devem retornar ao status quo ante e, causando a situação transtornos à autora, os danos sofridos devem ser
indenizados. A quantia de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) mostra-se satisfatória para reparar os danos
causados e atender ao caráter punitivo a fim de impedir o réu de cometer novos ilícitos, seja com a autora ou com
outros clientes. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
35

conhecidas práticas abusivas de desconto em folha de estipêndio sem sequer a prova de


existência da relação jurídica contratual118.
A tensão entre mercado e direitos são variadas e multiformes, citem-se: concessão de
créditos consignados e direitos dos idosos119; publicidades dirigidas às crianças e prevenção e
tratamento ao superendividamento das famílias120; abusos das construtoras e incorporadoras e

118 BRASIL. STF - ARE: 864971 CE - CEARÁ 0003376-02.2011.8.06.0087. Relator: Min. LUIZ FUX
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO CIVIL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO
CONSIGNADO. CUSTAS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PEDIDO DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA
FORMULADO POR PESSOA JURÍDICA EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DE
PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS Nº 282 E Nº 356 DO STF. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO
CONTRADITÓRIO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL REJEITADA PELO PLENÁRIO VIRTUAL
DO STF NO ARE 748.371-RG. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 93, IX, DA CF/88. INOCORRÊNCIA.
REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA EM FACE DE OUTROS FUNDAMENTOS QUE OBSTAM A
ADMISSÃO DO APELO EXTREMO. AGRAVO DESPROVIDO. Decisão: Trata-se de agravo nos próprios
autos, interposto por BANCO CRUZEIRO DO SUL S/A EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL, com o objetivo
de ver reformada a decisão que inadmitiu seu recurso extraordinário, manejado com arrimo na alínea a do
permissivo constitucional, contra acórdão assim ementado, verbis: CDC. Juizado Especial. Empréstimo. Não
apresentação do Contrato. Presunção de Fraude. Cancelamento do Contrato. Devolução simples dos valores
indevidamente descontados. Dano Moral. Provimento parcial do Recurso. - Considerando a aplicação do princípio
da vulnerabilidade do consumidor (CDC, art. 4º, I) caberia ao banco comprovar, extreme de dúvidas, que as partes
pactuaram livremente suas vontades. Entretanto, não apresentando o banco recorrente cópia do contrato vergastado
com assinatura da recorrida, se conclui pela não celebração válida da avença e que eventual contrato ensejador de
descontos no benefício previdenciário da parte recorrida é objeto de fraude. - As instituições bancárias respondem
objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros como, por exemplo, abertura
de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto
tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. - Mostra-se
como consectário lógico do reconhecimento de que o contrato vergastado é objeto de fraude, o cancelamento da
avença, posto que para a mesma não houve a exteriorização da vontade (elemento volitivo) da promovente. - O
desconto, pela instituição financeira, de valores em benefício previdenciário a título de empréstimo consignado,
em razão de fraude contratual, gera a obrigação de indenizar os danos morais causados, consistentes na situação
aflitiva pela qual passou a correntista pessoa idosa que necessita para se manter dos valores que lhe foram
descontados. - O colendo STJ, na Reclamação nº 4.892/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, 2ª sessão, julgado em
27/04/2011, DJE 11/05/2011, com a finalidade de adequar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos
Juizados Especiais estaduais à súmula ou jurisprudência dominante do STJ, de modo a evitar a manutenção de
decisões conflitantes a respeito da interpretação da legislação infraconstitucional no âmbito do Judiciário, entendeu
que a repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor,
necessita da demonstração da má-fé do credor. - Descontos indevidos no benefício previdenciário de pessoa idosa,
que tem a aposentadoria como fonte de renda ultrapassa em muito o mero aborrecimento, configurando o dano
moral. O valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) não merece qualquer reparo. - Fixo ex officio os juros e a correção
monetária da indenização. Recurso inominado conhecido e parcialmente provido. Honorários incabíveis em razão
do parcial provimento do recurso. Não foram opostos embargos de declaração. Nas razões do apelo extremo, alega
violação aos artigos 3º, I, 5º, LIV, e 93, IX, da Constituição Federal. O recurso extraordinário teve o seu seguimento
negado por incidir o óbice das Súmulas nº 282 e nº 356 do STF. Nesse sentido, AI 791.292-QO-RG, Rel. Min.
Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 13/8/2010. Ex positis, DESPROVEJO o agravo, com fundamento no
artigo 21, § 1º, do RISTF.
119 MARQUES, Cláudia Lima. Mulheres, idosos e o superendividamento dos consumidores: cinco anos de
dados empíricos do projeto-piloto em Porto Alegre. In: Revista de Direito do Consumidor. v. 100. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p. 393-423.
120 MIRAGEM, Bruno; LIMA, Clarissa Costa de. Patrimônio, contrato e a proteção constitucional da família:
estudo sobre as repercussões do superendividamento nas relações familiares. In: Revista de direito do
Consumidor. v. 90. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 91-115. Boa demonstração na seguinte assertiva: “As
crianças e adolescentes de hoje estão muito mais expostos aos meios de comunicação de massa com apelo
mercadológico de incentivo ao consumo de produtos e serviços (roupas, alimentos, brinquedos, entre outros). Sob
influência agressiva da mídia tradicional e eletrônica, os filhos interferem na decisão de consumo de seus pais,
36

políticas públicas habitacionais121; surpresas decorrentes do comércio eletrônico e a inerente


necessidade de proteção do usuário da rede mundial de computadores quanto ao objetivamente
declarado e veiculado (proteção da confiança e teoria da aparência)122. Sem prejuízo de
inúmeros outros desequilíbrios e injustiças, o que não é sinônimo do bom direito.
Na constatação de que o mercado é ambiente caracterizado por complexas operações,
infinitos negócios jurídicos (especialmente atípicos), redes contratuais, rapidez nas transações,
prestações de serviços perigosas e desprovidas de (clara, verdadeira e proporcional)
informação, produtos inadequados desacompanhados das exigências mínimas de segurança,
publicidades agressivas, persuasivas e reiteradas, a possibilidade de rebaixamento da qualidade
de vida da pessoa é uma constante: quer considerando a incolumidade existencial, quer a
incolumidade econômica.
Neste ponto, o EPD não poderia deixar o sujeito por ele tutelado sem os fundamentos
essenciais para a necessária promoção, mesmo que dentre eles estivesse o patrimônio (o tão
criticado ‘ter’ e os efeitos dele decorrentes)123, isto porque o rompimento de paradigma só
deve ser compreendido como satisfatório quando a clivagem é para sublimação da pessoa e não
para o contrário: aviltamento. Não é à toa que a doutrina, vencendo o antigo dualismo da
responsabilidade civil, firmou posicionamento sobre a proteção não apenas existencial, mas
identicamente patrimonial do consumidor124.

contribuindo para o aumento das despesas familiares. Nas gerações mais antigas não havia a mesma pressão
para o consumo e os pais faziam suas escolhas sem interferência da prole, por acreditar que sabiam o que era
melhor para seus filhos. Observamos facilmente que os filhos, desde tenra idade, ganharam “voz” e liberdade de
participação nas decisões de consumo das famílias. Muitos pais acreditam que seus filhos, com acesso à
tecnologia e internet, sabem mais que eles ou tem maior acesso à informação sobre os produtos e marcas
disponíveis no mercado. Interessante pesquisa sobre a “comercialização da infância”, desenvolvida nos Estados
Unidos por Juliet B. Schor estimou, por meio de entrevista com determinada indústria, que 67% das compras de
automóveis foram influenciadas pelos filhos. No que tange à compra de alimentos, 100% dos pais entrevistados
admitiram que seus filhos, com 2 a 5 anos de idade, tinham grande influência na compra de alimentos, 80% dos
pais admitiram influencia na compra de vídeos e livros e 50% para a compra de roupas, produtos de saúde, beleza
e escolha de restaurantes. Nas crianças de maior faixa etária, entre 6 e 7 anos de idade, apurou-se que 30%
escolhe suas guloseimas e itens de alimentação, 15% escolhe seus brinquedos e jogos, 33% decide sobre o fast
food. Criança maiores, com 6 a 12 anos de idade, gastaram mais de duas horas e meia por semana fazendo
compras no ano de 1997, sendo vistas frequentemente em lojas de doces e utilidades no shopping center com seus
pais”.
121 PASQUALOTTO, Adalberto. Cláusulas abusivas em contratos habitacionais. In: Doutrinas essenciais de
direito do consumidor. v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 1.149-1.164.
122 MARTINS, Guilherme Magalhães. Confiança e aparência nos contratos de consumo via Internet. In:
Revista de Direito do Consumidor. v. 64. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 43-70.
123 FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. A dignidade da pessoa humana no direito
contemporâneo: uma contribuição à crítica da raiz dogmática do neopositivismo constitucionalista. Revista
Trimestral de Direito Civil, vol. 35, p. 101-119, Rio de Janeiro, jul.-set. 2008.
124 BENJAMIN, Antônio Herman V. Manual de direito do consumidor. Antônio Herman V. Benjamin, Cláudia
Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa. 3ª ed. São Paulo: Revista os Tribunais, 2010, p. 134. Ensina: “Como
reflexo do desmembramento em duas esferas, com que idealizamos o direito do consumidor, a teoria da qualidade
37

Prejuízos serão demasiados e possíveis quando, por exemplo, da criação no nicho do


mercado financeiro de créditos ‘especiais’ aos novos emancipados com aproveitamento da
inerente dificuldade cognoscitiva na compreensão de direitos e deveres. Celebrados os
contratos de execução continuada, vinculados à conta corrente ou folha de pagamento da pessoa
com deficiência, as instituições financeiras dificilmente darão conta das informações essenciais
quanto ao entabulado (CDC, art. 46): prazo de vigência, cobrança de acessórios (juros, correção
e tarifas), desconto em pagamento antecipado, margem consignável, comprometimento da
renda do núcleo familiar.
Igual lesão decorrerá nos contratos de prestação de serviços de saúde, especialmente
quando a linguagem extremamente técnica possibilitará subterfúgios em reiteradas negativas
pelas operadoras ao sabor de que a pessoa com deficiência, contratante direta, fora esclarecida
durante ‘entrevista qualificada’, das doenças prévias que dariam ensejo à cobertura parcial
temporária. Enquanto pagas as parcelas mensalmente, a operadora não cumpre a tarefa
contratual albergada por cláusula contratual nula de plena direito (CDC, art. 51, inc. I),
repassando o risco (que é próprio da natureza contratual) ao agente economicamente mais fraco.
O esforço no contrato será protagonizado apenas pelo emancipado a favor da pessoa jurídica.
De forma semelhante, as operações de compra e venda estabelecidas no mercado em geral
será cenário de injustiças econômicas. Neste ambiente, a capacidade plena inerente à pessoa
com deficiência ensejará amplo repasse de riscos por parte do fornecedor, deixando de proceder
às informações necessárias quanto ao preço, conteúdo, custo, qualidade e segurança dos
produtos (CDC, art. 31). Neste ponto, causando potencial desvantagem patrimonial ao
emancipado.
Não há dúvidas, pois, da ampla possibilidade da esfera patrimonial do novo emancipado
ser mitigada, caso não se interprete e aplique, mediante critérios racionais, razoáveis e
proporcionais, a capacidade que se fez conquistada.

7. Considerações finais: a interpretação dialógica inclusiva (pro homine) como


contributo integrativo e corretivo

Apontadas as sutilezas e imperfeições do EPD, no que respeita a insuficiência de proteção

– nos termos da formulação que propomos – composta por dois aspectos distintos: a proteção do patrimônio do
consumidor (com tratamento dos vícios de qualidade por inadequação) e a proteção da saúde do consumidor
(com o tratamento dos vícios de qualidade por insegurança). Logo, a teoria da qualidade tem um pé na órbita da
tutela da incolumidade físico-psíquica do consumidor e outro na tutela de sua incolumidade econômica”.
38

da pessoa com deficiência conforme a inerente emancipação, ainda assim se pode dizer
superável a necessidade de postular remédios constitucionais para decreto de invalidade parcial
do estatuto (de todo indesejável, considerando o dever de convivência pacífica125 entre as
disposições legislativas e, especialmente, o titular de direito envolvido).
Mesmo o legislador na consecução do EPD não prevendo o dever de proteção à altura da
Convenção, fonte positiva de novo direito fundamental, podem efetivamente os demais órgãos
fazê-lo. Há que viver-se em plenitude o novo paradigma que salta da competência do legislador
para a interpretação da sociedade. Enquanto os modernos validavam o trabalho intelectual na
metáfora do legislador (afirmações racionais e autoritárias que fixavam escolhas), a sociedade
contemporânea tem por estratégia a metáfora do intérprete que traduz as tradições no interior
do sistema, ‘facilitando a comunicação entre participantes autônomos’126.
Assim, é tranquilamente possível ao Poder Judiciário suprir a falha protetiva em busca de
extirpar aquela insuficiência, até porque “a relação do juiz com os direitos fundamentais deve
ser vista de maneira particular quando são considerados os direitos fundamentais processuais,
especialmente o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Quando um juiz tutela um
direito fundamental material, suprindo a omissão do legislador, o direito fundamental tem
eficácia horizontal mediada pela jurisdição”127.
Para a hipótese em questão, excelentes modelos hermenêuticos podem ser seguidos,
possibilitando harmonia entre o núcleo de cada proposta interpretativa, todas chamadas a
guindar e promover a pessoa com deficiência. Pensem-se nos tipos argumentativo128,

125 SUPHANOR, Nathalie. L’influence du Droit de la Consummation sur le système juridique. Paris: LGDJ,
2000.
126 BAUMAN, Zygmunt. Legisladores e intérpretes: sobre modernidade, pós-modernidade e intelectuais.
Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: 2010, p. 19-20.
127 MARINONI, Luiz Guilherme. Controle da insuficiência da tutela normativa. In: Direitos fundamentais e
jurisdição constitucional. Clèmerson Merlin Clève e Alexandre Freire (coordenadores). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 710.
128 PULIDO, Carlos Bernal. O direito dos direitos: escritos sobre a aplicação dos direitos fundamentais.
Trad. Thomas da Rosa de Bustamante. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 60. Explica: “Pode-se dizer que a
racionalidade, a razoabilidade e o princípio da proporcionalidade são critérios para a valoração correta dos
argumentos interpretativos das disposições legislativas e constitucionais e neste sentido são critérios para a
fundamentação correta das decisões tomadas no controle de constitucionalidade”.
39

concretizador129, participativo130 e tópico131. Evidente que nenhum supera o outro e todos


devem contribuir para o melhor resultado.
Busca-se, contudo, a considerar que a matéria versada pelo EPD tem a dimensão
substantiva extremamente ligada aos direitos humanos das pessoas com deficiência, dar
primazia a interpretação inclusiva132 ‘pro homine’, própria aos desideratos humanitários133,
acompanhada do modelo dialógico134.
O amálgama hermenêutico permitirá a leitura do EPD de forma mais consentânea aos
direitos humanos, protegendo tanto os interesses patrimoniais como as situações existenciais
enquanto pressupostos do livre desenvolvimento da personalidade e promoção da pessoa com
deficiência. Para tanto, ferramenta útil percebe-se com clareza na positivação do art. 755 do
CPC vigente a partir de 2016 que determina ao juiz a conferência dos ‘limites’ da curatela,
segundo o estado e desenvolvimento ‘mental’135 do emancipado. Tal dispositivo, sem

129 MULLER, Friedrich. Metodologia do direito constitucional. Trad. Peter Naumann. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2010, p. 53. Com ampla ligação do direito com a sociedade, mesmo quando da norma já posta. Em dois
excertos se percebe a concretude. Vejamos o primeiro, quanto à Constituição: “A tarefa da práxis do direito
constitucional é a concretização da Constituição por meio da instituição configuradora de normas jurídicas e da
atualização de normas jurídicas no Poder Legislativo, na administração e no governo; ela é a concretização da
constituição que primacialmente controla, mas simultaneamente aperfeiçoa o direito na jurisprudência, dentro os
espaços normativos”.
130 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:
contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes.
Porto Alegre: Safe, 2002, p. 13. Porquanto: “nos processos de interpretação da Constituição estão envolvidos
todos os órgãos estatais, todos os poderes públicos, todos os cidadãos e grupos”.
131 PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 149. Convence: “O estudo do direito não deve ser feito por setores pré-constituídos,
mas por problemas, com especial atenção às exigências de vez em vez emergentes como, por exemplo, a habitação,
a saúde, a privacidade etc. Os problemas concernentes às relações civilísticas devem ser enfocados de modo a
recuperar valores publicísticos para o direito privado e os valores privados para o direito público”.
132 Há várias possibilidades para a interpretação inclusiva, todas no sentido agregar pessoas, normas e fatos
jurídicos. Com apoio em GARGARELLA, Roberto. Derecho y grupos desaventajados. Barcelona: Gedisa, 1999,
p. 17, colhe-se: “existen grupos cuyas ‘voces’ resultan sistematicamente ausentes de la discusión pública (es decir,
muchos grupos de inmigrantes); grupos que siempre aparecen alineados dentro de minorias muy reducidas (es
decir, ciertos grupos de aborígenes); grupos sobre los cuales se ciernen persistentes amenazas que, por alguna
razón, el poder judicial se resiste a renonecer (es decir, más pobres)”.
133 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito internacional e direito interno: sua interpretação na
proteção dos direitos humanos. Instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. São Paulo: Centro
de Estudos da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, 1996, p. 34. Ensina: “no presente domínio de proteção
a primazia é da norma mais favorável às vítimas, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno.
Este e aquele interagem em benefício dos seres protegidos. É a solução expressamente consagrada em diversos
tratados de direitos humanos, da maior relevância por suas implicações práticas”.
134 MARQUES, Cláudia Lima e MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O consumidor-depositário infiel, os
tratados de direitos humanos e o necessário diálogo das fontes nacionais e internacionais: a primazia da
norma mais favorável ao consumidor. In: Revista de Direito do Consumidor. v. 70. São Paulo: Revista dos
tribunais, 2009.
135 Art. 755. Na sentença que decretar a interdição, o juiz: I - nomeará curador, que poderá ser o requerente da
interdição, e fixará os limites da curatela, segundo o estado e o desenvolvimento mental do interdito;
40

ufanismo, promove a justiça conforme o caso concreto, na medida da necessidade cognoscitiva


do titular de direitos e supre omissão do EPD que para o instituto da curatela não elenca a
observação intelectiva e psíquica (desenvolvimento mental) do emancipado como critério de
prudência judicial136.
Essa observação acena que, para o fato específico, possa haver sentença concedendo
curatela ao emancipado em moldes seguros a partir da dualidade de regimes promocionais
(patrimonial e existencial) em ampla coordenação, os quais convergem para a emancipação
satisfatória da pessoa com deficiência.
De um lado, em termos de proteção econômica ao emancipado, buscando estabelecer: i)
limites para contratação; ii) divisas para a responsabilidade civil; iii) marco para a proteção do
acervo patrimonial; iv) analogamente, prescrição e decadência tomando por base a ordem
pública inerente aos direitos humanos137. E de outro lado, ofertando concretude e ampliação
aos interesses existenciais, quer sejam sexuais, familiares, personalíssimos do titular de direitos.
Neste ponto situa-se a complementariedade entre fontes, visto que as falhas
emancipatórias do EPD podem ser supridas tanto pelos dispositivos do Código de Defesa do
Consumidor como pelo instituto protetivo da interdição do CPC que está porvir, todos
iluminados e racionalizados conforme a interpretação mais favorável aos direitos humanos.

136 Art. 1.772. O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela, circunscritos às
restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador.
137 Aqui duas boas referências que podem ser utilizadas: tanto os crimes lesa humanidade como os direitos da
personalidade, tendo base nos direitos humanos, são imprescritíveis. Portanto, a considerar que o fundamento da
Convenção Internacional e do EPD também se assenta nos direitos humanos, é possível na sentença que determinar
a curatela estabelecer o impedimento do transcurso do prazo prescricional e decadencial, diante do caso concreto.
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