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1Este texto foi inicialmente apresentado na Universidade Católica de Angola. Gostaria de agradecer
o Convite do Professor Precioso Domingos e os comentários do Professor Nelson Pestana.
2 O presente texto acomoda, igualmente, algumas observações e comentários decorrentes da
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Por sua vez, a maioria qualificada estabelece que o candidato deve
obter mais de 50% dos votos, assim, o candidato D ainda não tem, neste caso,
as condições de ser eleito. Tornando-se, assim, necessário realizar uma
segunda volta, onde apenas concorrem os dois candidatos mais votados. Este
era o sistema eleitoral angolano para as eleições presidenciais até à alteração
da Constituição em 2010.
1ª Sistema Eleitoral Maioritário Qualificado /a duas voltas
Listas de Percentagem de votos Elegibilidade do
candidatos candidato
Lista A 30% Eleito
Lista B 14% Excluído
Lista C 16% Excluído
Lista D 40% Eleito
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voltas, a exclusão observada dos votos é de apenas 40% dos votos, sendo o
candidato escolhido com 60% dos votos validos.
Este facto acabou por motivar um conjunto de críticas, veiculadas, por
exemplo, pelo filósofo, John Stuart Mill, e pelo advogado, Thomas Hare, ambos
ingleses. John Stuart Mill criticava o facto de o sistema de maioria eleitoral
simples provocar objectivamente uma exclusão política da minoria derrotada,
anulando, por conseguinte, qualquer influência política na tomada de decisões
sobre a vida política. Isto acabava por contrariar, no entender de John Stuart
Mill (1998:38), o princípio de igualdade basilar no funcionamento de um
regime democrático. Assim, Mill apresentava como solução a adopção do
sistema eleitoral proporcional, designadamente o modelo desenvolvido por
Thomas Hare.
No entanto, segundo Cruz (1998:9-10), o movimento em favor do
sistema proporcional acabou por ter maior impacto apenas em países
pequenos, a braços com problemas de minorias, ou atravessados por fortes
clivagens étnicas, religiosas ou linguísticas (nomeadamente a Dinamarca, em
1855, a Suíça, em 1891, e a Bélgica, em 1899). Contudo, mais tarde, este
sistema eleitoral ganhou popularidade e notoriedade, sendo mesmo adoptado
nos países europeus, africanos e americanos (excepto os EUA). Convém
salientar que este sistema apresenta uma elevada variação, de acordo com
Hermens (1998:63), já foram inventado mais de trezentos. Podemos, assim,
agrupar os proporcionais entre o sistema de voto único transferível3 e o de
listas4 (aberta5, fechada6 e flexível7).
Como acabamos de evidenciar o primeiro nível de discussão acerca da
opção por um determinado sistema eleitoral centra-se, ainda hoje, no seu nível
de exclusão ou inclusão política. Por outras palavras, no nível de relação entre
o sistema eleitoral e a representação política numa determinada realidade.
Esperamos, desta forma, esclarecer, na fase de desenvolvimento do texto, qual
é o grau de exclusão do sistema eleitoral angolano. Numa perspectiva teórica,
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um sistema proporcional exclui menos que um sistema maioritário, mas a
realidade tem fornecido alguns elementos em sentido contrário. Observamos,
por exemplo, que o sistema proporcional moçambicano funciona, claramente,
como um sistema bipartidário, onde apenas dois partidos reúnem condições
para atingir o poder. Isto ocorre porque nos acordos de Roma de 1992, por
iniciativa da RENAMO, foi estabelecido a cláusula barreira de 5% (ver,
precisamente, o efeito dessa cláusula barreira no estudo de Luís Brito, 2010).
O segundo nível de debate acerca dos sistemas eleitorais centrou-se
na questão da estabilidade governamental, depois da expansão do sistema
eleitoral proporcional nos países europeus a seguir à Primeira Guerra Mundial,
onde os governos dependiam exclusivamente da confiança política do
parlamento (Cruz, 1998:11). Por exemplo, Ferdinand Hermens (1998) chega
ao ponto de responsabilizar directamente o sistema proporcional pelo colapso
da República de Weimar e pela ascensão de Hitler ao poder na Alemanha.
Historicamente, a representação proporcional apresenta um grau mais
elevado de instabilidade política face à representação maioritária. Isto ocorre
em razão dos sistemas maioritários influenciarem uma situação de
bipartidarismo. Por seu turno, os sistemas de representação proporcional
conduzem a um sistema de partidos múltiplos, rígidos e independentes
(Duverger, 1998:116).
Actualmente, há mecanismos jurídicos e políticos suficientes para
reduzir a tradicional instabilidade governamental associada à representação
proporcional, por exemplo, a moção construtiva e a cláusula barreira. Contudo,
nenhum mecanismo jurídico ou político impede uma convulsão do próprio
sistema político, neste sentido, a diferença significativa no funcionamento dos
sistemas de governo de base parlamentar reside, sobretudo, na cultura política
dos partidos e das elites em estabelecerem acordos políticos. Este facto explica
a enorme estabilidade dos governos alemães, holandeses, dinamarqueses e
suecos, contrariamente aos governos italianos. Por exemplo, a Holanda,
Dinamarca, Suécia e Noruega apresentam uma elevada estabilidade
governamental, por sua vez, a Itália é um país altamente instável em termos
governamentais (Lanchester, 1998). Assim, o problema não está apenas na
relação entre o sistema de governo e o sistema eleitoral, mas, acima de tudo,
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na cultura política das elites políticas envolvidas na luta pelo poder. Esta
matéria não será analisada minuciosamente no texto, porque a questão das
condições de governabilidade nunca se pôs na realidade angolana, em virtude
de o sistema de governo ter funcionado quase sempre com a hegemonia de um
único partido.
O terceiro nível de debate sobre os sistemas eleitorais resulta da
influência dos sistemas eleitorais na vida política, nomeadamente o impacto
directo no sistema de partidos e na organização interna dos partidos. Por
exemplo, se de facto o sistema eleitoral angolano no seu funcionamento tem
suscitado um sistema de partidos rígidos e independentes, bem como a sua
capacidade de colher novas tendências políticas através da criação de novos
partidos políticos, de acordo com a perspectiva do Duverger (1998).
Igualmente, as proposições de Douglas W. Rae (1998), à semelhança de
Maurice Duverger, são de extrema importância no processo de compreensão
do funcionamento dos sistemas eleitorais, porque o autor analisa o impacto
das leis eleitorais sobre os sistemas de partidos. Por exemplo, a magnitude dos
distritos eleitorais e fórmulas eleitorais adoptadas acabam por ter um impacto
na distorção da representação política. Convém, assim, atender ao impacto das
leis eleitorais no sistema de representação em Angola.
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nacionalistas da Escócia, Gales e Irlanda do Norte obtêm regularmente uma
fracção muito reduzida do voto popular no Reino Unido, mas conquistam um
número quase proporcional em Westminster.
A única possibilidade de superar este constrangimento dos círculos
de magnitude reduzida é ter uma forte concentração social, isto explica, por
exemplo, que o quarto partido mais votados nas eleições de 2012,
precisamente o PRS com apenas 1,70%, tenha obtido um deputado no círculo
da Lunda Sul (CNE). Por seu turno, a CASA-CE (terceiro partido mais votado,
com 6 %) não tenha elegido nenhum deputado no círculo provincial (CNE).
Esta situação ocorre porque há uma forte concentração étnica na zona da
Lundas a favor do PRS, por isso este tipo de sistema eleitoral tende a funcionar,
mais tarde, como um forte incentivador ao surgimento de partidos étnicos que
concorrerão nos seus círculos naturais, enquanto nos outros círculos apenas
apresentaram os candidatos no estrito cumprimento da lei eleitoral.
A nosso ver, uma medida técnica e política de maior alcance a favor
dos partidos políticos mais pequenos é, sem dúvidas, o aumento de lugares
num determinado círculo, como é possível ser observado na tabela 3, onde
testamos uma ampliação da magnitude de círculo até 15 lugares. Esta medida
tem um benefício político e social visto ser mais inclusiva das diferentes
sensibilidades existentes, sem criar uma representação fictícia.
Divisor A B C D
1 15000 (1º) 10000 (2º) 9000 (3º) 5000 (5º)
2 7500 (4º) 5000 (6º) 4500 (8º) 2500 (13)
3 5000 (7º) 3333 (10ª) 3000 (11) 1666
4 3750 (9ª) 2500(14) 2250 1250
5 3000 (12) 2000 1800 1000
6 2500(15) 1,666 1500 833
7 2142 1428 1285 714
8 1875 1250 1125 625
9 1666 1111 1000 555
10 1500 1000 900 500
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torna-se mais fácil de ser exemplificado neste contexto. Assim, utilizaremos os
resultados das eleições de 2012 para o efeito. Para ocorrer a distribuição no
círculo nacional começa-se por calcular, em primeiro lugar, o quociente
eleitoral (número de votos válidos/ número de assentos). Caso prático
(5.756.004/130= 44.276,93). Podemos, igualmente, transformar o limiar em
percentagens num simples cálculo, a saber: (44.
276,93*100/5.756.004=0,769% ou 1/130=0*100=0,7692%). Com esta
simples operação, podemos aferir quais são os partidos excluídos na
distribuição do resto, porque a lei angolana estabelece que os partidos abaixo
do quociente eleitoral são automaticamente excluídos na distribuição do resto
(Art. 27º, nº4, da Lei nº 36); em segundo lugar, estabelecer o quociente
partidário de cada partido (total de votos obtidos por cada partido/quociente
eleitoral), como podemos observar na tabela 4 abaixo:
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Depois da primeira ronda de distribuição, devemos recorrer à
segunda distribuição porque a lei estabelece 130 assentos e apenas foram
atribuídos 127. Afigura-se necessário fazer uma operação de subtracção
elementar (130 – 127 = 3) para apurar os deputados em falta. Para este
segundo cálculo deve ser considerado o princípio do resto mais alto (Art. 27º,
nº3, c, da Lei n.º 36). Assim, para sabermos qual é o resultado de cada partido
decidimos elaborar uma segunda que se encontra abaixo:
da média
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para outro partido. Assim, o deputado do MPLA recebeu mais 0,6% de votos,
por seu turno, o CASA-CE cerca de 0,195 e, por último, a FNLA alcançou 0,583.
Depois basta multiplicar estes valores pelo quociente eleitoral para termos
uma noção aproximada do nível de transferência no caso do MPLA foi de 26.
566 votos, CASA-CE de 8.634 votos, FNLA 25813,45019.
Por mero efeito da lei é vedado aos partidos pequenos a possibilidade
de concorrem numa segunda volta. Quanto aos seus efeitos, este sistema
afasta-se do sistema eleitoral proporcional, porque os sistemas proporcionais
surgiram no sentido de procurar a maior inclusão política possível e não a
exclusão das forças mais pequenas das decisões políticas em sede de
Assembleia. Tal como ilustrou, e bem, o Professor Nelson Pestana durante a
apresentação, o sistema proporcional procura consagrar a representação da
nação e não de uma parte da mesma. Ademais, observa-se uma
desproporcionalidade bastante elevada no caso angolano, porque o facto de
uma população de mais vinte e oito milhões (INE) apenas poder eleger o
menos dez de deputados que Portugal, que apenas tem cerca de onze milhões
e, por conseguinte, uma menor população eleitoral, acaba por situar o sistema
angolano fora dos rácios de representação adequada. Por isso torna-se
extremamente difícil aos partidos pequenos atingirem o limiar de
representação parlamentar.
Esta situação política acaba por tem um impacto directo no sistema de
partidos. Ou seja, influencia decisivamente a Assembleia Nacional a apresentar
cada vez menos partidos, acabando por centrar as decisões políticas nos
grandes partidos por causa da elevada desproporcionalidade causada pela
reduzida magnitude do círculo nacional, os efeitos das leis e o rácio do
parlamento. Por conseguinte, os pequenos partidos sentem-se atraídos a
formar coligações de forma a conseguirem obter o limiar de representação
suficiente para obterem um representante e, desta forma, ganharem espaço na
vida política nacional.
Por outro lado, o facto de o eleitorado começar a sentir que votar num
pequeno partido significa fraca ou nenhuma possibilidade de eleger um
representar acaba por ter um efeito desmotivador junto do eleitorado. Assim,
estamos perante uma situação contrária ao objectivo dos sistemas de
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representação proporcional que consiste em, precisamente, dar espaço aos
partidos políticos para participarem na vida política e não existir uma exclusão
política.
Por último, iremos mostrar o efeito do duplo círculo no processo de
representação política angolana. Assim, decidimos apenas ampliar a
magnitude do círculo nacional de 130 para 220 deputados, mas vamos manter
as mesmas percentagens de votação de todos que os partidos alcançaram nas
eleições de 2012, de forma a ser mais evidente o efeito do cruzamento dos dois
círculos. Os resultados estão patentes na tabela abaixo:
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Elaborada esta tabela, cabe-nos estabelecer uma comparação entre a
nossa distribuição e a da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), onde vamos notar
claramente o efeito do círculo reduzido, na tabela abaixo:
Tabela
Partidos Distribuição CNE Diferença
de Círculo
Único e 220
MPLA 158 175 - 17
UNITA 41 32 +9
CASA-SE 13 8 +5
PRS 4 3 +3
FNLA 3 2 +1
Nova 1 0 +1
Democracia
União
Eleitoral
Total 220 220 -2
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o caso angolano essa diferença é de 34,17 deputados, tal como ocorreu nas
eleições de 2012. Assim, o efeito do duplo círculo é o de reduzir o peso eleitoral
dos grandes círculos na representação política e elevar o dos círculos mais
pequenos, porque tecnicamente são atribuídos cerca de 5 deputados ao Bengo
quando efectivamente deveria apenas ter dois deputados. Assim, pode ocorrer
o caso de um partido ganhar as eleições sem ter a maioria dos votos, bastaria
para o efeito alcançar a maioria dos representantes dos círculos mais
pequenos.
Observamos, por isso, que o efeito do duplo círculo serve para criar
uma clara situação de representação fictícia dos círculos mais pequenos e
reduzir, por sua vez, o peso eleitoral dos círculos maiores em termos de
população eleitoral. Acabando por atribuir um peso menor ao eleitor de
Luanda, de 0,036% (1/27,48%), e um peso maior ao eleitor do Bengo, de
0,83% (1/1,2%)). Este facto distorce, obviamente, o princípio da igualdade
entre os cidadãos angolanos, consagrando maior peso na representação
política a uma população eleitoral mais reduzida do que a uma maior
percentagem populacional.
Esta situação supra descrita acabou por merecer um esclarecimento
por parte do Professor Nelson Pestana durante a apresentação, tendo
explicado que o duplo círculo foi consagrado na medida do tempo, sendo uma
forma de agradar a UNITA, que sempre defendeu apenas um círculo nacional
e não o sistema de duplo círculo. De facto, nas eleições de 1992 instituiu-se o
primado da representação geográfica do território angolano em detrimento da
representação populacional dos angolanos. Isto significa que o peso de cada
unidade administrativa é mais importante que o peso da população efectiva
numa determinada circunscrição. Este modelo de representação tende a
favorecer um partido com forte penetração e expansão territorial, como é o
caso, precisamente, do MPLA.
Este partido, na condição de detentor poder, acabou, igualmente, por
estabelecer uma competição política geográfica contra os demais partidos. De
facto, tem sido através dos mecanismos legais que o partido no poder cria
maiores barreiras a uma competição política justa e equilibrada. Por exemplo,
estabelece uma competição em termos eleitorais nos dezanove círculos
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eleitorais (dezoito províncias e um círculo nacional), quando está ciente que é
o único partido com capacidade financeira e material de competir. Não
permitindo os demais partidos políticos de selecionarem os seus círculos
preferidos. Instituiu-se mesmo uma regra única de extinguir os partidos
quando estes não atingem 0,5% dos votos num acto eleitoral (Art. 33º, nº 4, i,
da Lei nº 22). Estes constrangimentos legais acabarão conduzir à redução da
pluralidade política nacional, restando apenas os grandes partidos como
estruturas representativas dos angolanos. No entanto, tem ficado patente que
os sistemas partidários mais rígidos e inflexíveis na representação de novos
grupos ou de novas dinâmicas sociais acabam por instituir uma situação de
desmotivação do eleitorado ou radicalização da vida política, dando mesmo a
origem a um partido anti-sistema ou uma radicalização da vida social.
Devemos ainda realçar que o sistema eleitoral de lista fechada e rígida
acaba por forçar os dirigentes partidários porque este modelo visa uma
representação de órgãos colectivos, nomeadamente os partidos e coligações
eleitorais, por isso não está estruturado para avaliar ou legitimar um órgão de
cariz individual (Hermens, 1998; Lanchester, 1998). Assim sendo, torna-se
técnica e politicamente impossível dizer-se que há uma eleição presidencial
dentro do sistema eleitoral angolano. Porque uma eleição estabelece, acima
tudo, a relação directa entre os soberanos e os representantes da soberania,
dando, desta forma, a legitimidade formal aos representantes dos soberanos.
Observando-se, por isso, um processo de delegação temporária dos soberanos
aos seus representantes, isto institui o chamado contrato social, que é a base
filosófica da legitimidade política. Em termos políticos, estamos perante uma
eleição directa quando uma eleição decorre para a composição de um órgão e,
para este efeito, torna-se necessário um manifesto ou programa que anuncia
as intenções políticas aos eleitores, tendo estes a possibilidade de exercer uma
escolha política.
Este procedimento permite igualmente três actos políticos de extrema
relevância para os eleitores, a saber: o de accountability (prestação de contas
do poder público), responsiveness (responsabilizar) e avaliação posterior.
Assim, um acto eleitoral não se resume a um mero acto de votar, mas num
processo que permite a ocorrência de vários princípios que fortalecem uma
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democracia porque é criado um vínculo entre os soberanos e seus
representantes. Assim, os angolanos apenas votam no programa dos partidos
e não nos seus candidatos, de forma que se torna impossível um candidato
assumir essa legitimidade para si quando não tem um programa próprio. Pois,
não está em causa a clarificação dos nomes, como afirma, e bem, André
Meneses, mas está, sim, em causa os três princípios fundamentais no acto
eleitoral como ilustramos supra.
Mesmo partindo da ideia que há uma eleição dos candidatos à
presidência e vice-presidência, ainda assim, o sistema de eleição do presidente
e do vice-presidente mantém-se sui generis, porque, como esclareceu o
Professor Nelson Pestana, o presidente é eleito através de uma mera maioria
simples, contrariamente ao sistema eleitoral anterior onde havia uma
necessidade de uma maioria qualificada (50% e mais um). No entanto, este foi
concebido, à luz da constituição de 2010, como híper ou super presidente ou,
ainda, presidencialismo extremo (Pestana, 2011) nos seus poderes formais, ao
ponto de ter a faculdade legal prerrogativa de derrubar a Assembleia através
do seu acto de auto-demissão, provocando, consequentemente, o fim da
legislatura (Alexandrino, 2013:21; Art. 128.º da CRA). Este mecanismo
designado como a “bomba atómica” (dissolução da assembleia) surge
disfarçado dentro de um quadro de sistema de governo presidencial. Foi, por
isso, que o cientista político André Meneses descreveu o nosso sistema de
governo como uma rare specie política, onde o entendimento sobre o modus
operandi está muito distante dos modelos ideais e mesmo fora da
compreensão tradicional das formas clássicas de governo presidenciais.
Dizer que o sistema de governo instituído na constituição é apenas sui
generis ou de rare specie política acaba por ser uma tentativa de reduzir um
objectivo político ao seu carácter teleológico. Este sistema de governo, como
objecto político concreto e real, objectivou conceder primazia à vontade do
titular do executivo face à dos demais poderes institucionalizados. Ficando
para segundo plano as necessidades formais de um sistema democrático real,
por exemplo, de obtenção de uma legitimidade própria do titular do poder
executivo porque este não é eleito directa ou indirectamente, acabando por
ganhar uma legitimidade através da maioria dos votos do seu partido no
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círculo nacional apenas. No entanto, a este é reconhecido o direito de, em
última instância, agir em sentido contrário à vontade de uma maioria
parlamentar estabelecida, derrubando-a caso esteja a actuar como
contrapoder ou contra os interesses do executivo. Consequentemente, fez-se
do humor do presidente o garante da estabilidade institucional, porque esta
está assegurada enquanto o titular do executivo estiver satisfeito com o rumo
do país. Por isso, o Professor Nelson Pestana afirmou que a Constituição de
2010 foi um fato à medida do freguês.
Conclusão
O sistema eleitoral angolano acaba por apresentar um grau elevado de
exclusão dos pequenos partidos no processo de representação, concentrando
esta tarefa política nos grandes partidos. Isto sucede principalmente por efeito
das leis eleitorais no que toca à redistribuição do resto no círculo nacional,
onde a lei acaba por vedar aos partidos que não obtiveram nenhum
representante a possibilidade de lutarem por um deputado. Esta situação
coloca em causa um dos princípios fundamentais da representação
proporcional que é o da inclusão política e social. Assim, o nosso sistema por
efeito da lei funciona como um sistema de transferência de votos, mas isto não
devia ocorrer porque os sistemas de lista fechada não são propensos a fazerem
transferência de votos. Devia, por isso, ser revista a lei de forma a evitar este
tipo de ocorrência a favor dos partidos mais fortes. Mesmo no nosso caso
observa-se uma ocorrência dessa natureza, por isso a lei deve procurar uma
melhor concertação técnica e no caso de ocorrer um empate, então este deve
ser em benefício dos pequenos partidos e dos menos votados, de forma a criar
um espaço de maior inclusão política dos partidos pequenos.
A exclusão observa-se, por outro lado, no sistema eleitoral por causa
da magnitude reduzida dos círculos provinciais, com isto, um partido deve
atingir 20% dos votos válidos para ser beneficiado. Assim, o terceiro partido
mais votado com cerca de 6% dos totais não alcançou nenhum deputado. A
explicação deste facto não é apenas restrita ao sistema eleitoral angolano, mas
ao funcionamento do sistema partidário angolano que se encontra mais virado
para os partidos de base étnica ou regional do que para os partidos nacionais,
porque os círculos provinciais, principalmente os pequenos, acabam por
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motivar a uma situação de concentração de votos e não de dispersão social no
todo nacional. No entanto, esta situação não ocorre na nossa realidade porque
os partidos não estão a atender ao modus operandi do sistema eleitoral. Outro
aspecto contrário à proporcionalidade é o número de assentos no nosso
parlamento. De facto este factor também afecta a nossa proporcionalidade
eleitoral, quando um país de mais de vinte e oito milhões apenas elege 220
deputados torna o rácio dos mais baixos do mundo. Assim, devia ser repensado
o rácio do nosso parlamento.
Ficou ainda demonstrado que o efeito do duplo círculo serve para
criar uma representação fictícia dos círculos mais pequenos e reduzir o peso
dos círculos maiores em termos de população eleitoral, atribuindo, por
conseguinte, um peso menor ao eleitor de Luanda de 0,036% e um peso maior
ao eleitor do Bengo de 0,83%. Este distorce o princípio da igualdade entre os
cidadãos angolanos.
Por último, realço o facto de o sistema de lista permitir a eleição de
dois órgãos individuais, embora não esteja preocupado em reforçar os
princípios de legitimidade política de tais órgãos que podem actuar
contrariamente à vontade da representação nacional presente na Assembleia
Nacional, instituindo-se um mecanismo de instabilidade política.
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