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EDITORIAL
O
rompimento da barragem de Fundão, no WEB
subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km de
Mariana-MG, ocorrido no dia 5 de novembro
de 2015, foi considerado a maior tragédia
revistabicicleta.com.br
ambiental da história brasileira. Controlada digital.revistabicicleta.com.br
pela Samarco, a barragem de rejeitos de mineração
devastou cidades, vitimou pessoas, danificou fauna
e flora, dizimou a vida no Rio Doce. Logicamente, o
desastre atingiu também as vias de passagem na
região, inclusive alguns trechos do Caminho dos revista.bicicleta
Diamantes. Dois anos depois, Antonio Olinto e Rafaela
Asprino voltaram à região para atualizar o seu guia
Estrada Real Caminho dos Diamantes. Acompanhe,
na matéria de capa, os motivos para seguir pelo
revistabicicleta
trajeto alternativo sugerido pela dupla cicloturista.
Veja também a sugestão de roteiro internacional pela
Eslovênia, uma abordagem sobre as bicicletas tandem,
a inspiradora história de superação de Mônica Furtado,
as incríveis bicimáquinas do guatemalteco Carlos revibicicleta
Marroquín. Boa leitura.
Viva Bicicleta!
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Rafaela Asprino
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política e religiosamente neutra. Correspondente na Europa Fábio Zander
Editor Executivo Therbio Felipe M. Cezar
Os ícones utilizados nesta edição foram fornecidos por flaticon.com Revisão R. O. Petris
Depto. de Arte / Web Alex C. Serafini
Depto. de Assinaturas Adriano dos Santos
004 REVISTA BICICLETA Editor E. B. Petris
SUMÁRIO
DIGITAL 05 MAIO - JUNHO 2017
66
20 BICICLETA TANDEM
SINCRONIA A DOIS
24 A ESTRADA REAL
Dois anos depois da tragédia
causada pela Samarco
36 BICICLETA ELÉTRICA
E A TENDÊNCIA CYCLE CHIC
Um incentivo ao público feminino
38 EXPEDIÇÃO
LJUBLJANA DUBROVNIK
AS BICIMÁQUINAS DE
24
46
CARLOS MARROQUIN
54 TOUR DE FRANCE
EM ALTO ESTILO
Ou como nasceram os gregários
58 ORIGEM E EVOLUÇÃO
DOS CAPACETES
66 EXPEDIÇÃO GUATEMALA
De cabana em cabana
78 PEDALANDO NA
ROLIÚDE DO NORDESTE
86 O LADO ROSA DA FORÇA
92 É SEMPRE TEMPO
78
DE RECOMEÇAR
Uma história de recuperação
baseada no apoio do amor.
PELOTÃO
APLICATIVO DE
TRIPLICOU TRANSPORTE DE
O número de food bikes nas ruas
de Belo Horizonte de 2014 pra cá.
PASSAGEIROS EM
No 1º Encontro de food bikes de
BH, realizado em 2014, eram 13
BIKES TANDEM
negócios presentes. É LANÇADO EM
SÃO PAULO
227% A partir do segundo semestre de 2017,
Foi o aumento do fluxo de ciclistas o paulistano terá à disposição o Bikxi,
depois da implantação da aplicativo que permite agendar viagens de
ciclofaixa da Rua da Consolação, bicicleta tandem por algumas das principais
em São Paulo. Segundo dados do avenidas de São Paulo. O projeto é do
Cebrap, em 2015 eram 243 viagens/ economista Danilo Lamy. Segundo Danilo,
dia; em 2017 o número subiu para serão 11 bicicletas rodando pelas ciclovias
795 viagens/dia. da Faria Lima e Paulista. O custo será entre
o transporte público e o táxi. Um ciclista
experiente pilota a bicicleta à frente, e o
passageiro vai atrás, com a possibilidade de
641 ajudar a pedalar ou não, já que o pedivela
do passageiro é com roda livre. As bikes
Ciclistas ficaram feridos e 53
possuem auxílio elétrico, “porta-luvas” para
morreram nas rodovias estaduais e
piloto e passageiro, um bagageiro atrás,
federais de Santa Catarina em 2015
luzes, retrovisor, sistema de marcha no
e 2016, segundo reportagem do
cubo de 7 velocidades Shimano Nexus e
Diário Catarinense. É uma média de acabamentos em couro. Saiba mais no site
um ciclista ferido a cada 27 horas. do aplicativo: bikxi.com.br
US$ 1.200
Ou cerca de R$ 3.700 é o subsídio
que Oslo, capital da Noruega,
decidiu disponibilizar aos seus
© REPRODUÇÃO
PROJETO PARA
INCENTIVO À
BICICLETA CONECTA
BRUSQUE E ALEMANHA
Por meio do projeto Pedalar pelo Município, que incentiva o uso do transporte sustentável e redução
de CO², a cidade catarinense de Brusque participará competindo com a cidade alemã de Karlsruhe,
entre os dias 17 de junho a 7 de julho. Durante 21 dias, todas as atividades relacionadas ao uso da
bicicleta serão cadastradas no site www.stradtradeln.de/kommunen, onde será contabilizado qual
cidade pedalou mais.
ENTREGAS DA UBEREATS
SERÃO REALIZADAS EM
BICICLETA
O UberEats, aplicativo da Uber para entrega de comida que chegou
ao Brasil para concorrer com o iFood, anunciou que seus pedidos
poderão ser entregues também por ciclistas. O interessado
em prestar o serviço precisa ser maior de 18 anos e preencher
um cadastro no app. Não há nenhum requisito com relação à
bicicleta. O valor pago ao ciclista varia de acordo com a distância
e tempo percorridos. O app promete sincronizar a hora em que o
pedido está pronto para sair do restaurante, com a hora em que
o entregador chegará para pegar a comida. A partir do momento
da coleta do pedido, o usuário acompanha todo o trajeto do
entregador pelo smartphone.
© DIVULGAÇÃO
© DIVULGAÇÃO
FUORIPISTA
A ERGOMÉTRICA QUE É
UM VERDADEIRO OBJETO
DE DECORAÇÃO
Em comemoração ao 20º ano da conceituadíssima feira
de móveis e decoração SaloneSatellite, em Milão, o estúdio
italiano Adriano Design criou a Fuoripista, uma bicicleta
ergométrica conceito que une funcionalidade e beleza.
Essa globalização, porém, não significa exatamente popularidade no país de origem do atleta.
No Giro d’Italia 2016, por exemplo, a organização anunciou que o evento foi televisionado
para mais de 100 países. Mas a maior audiência ainda está concentrada nos países com
mais tradição no ciclismo, como Bélgica, Holanda e França. Ou seja, a conclusão é que o
pelotão está mais internacional, mas o ciclismo não necessariamente pode ser considerado
um esporte popular no mundo inteiro – ainda!
VELÓDROMO
OLÍMPICO É
REINAUGURADO
© HUDSON MALTA
Cerca de 3 mil pessoas marcaram presença neste final de
semana no Campeonato Estadual de Pista 2017. A competição
reinaugurou o Velódromo Olímpico da Barra da Tijuca e contou
com a presença de grandes nomes do ciclismo como Gideoni
Monteiro, Francisco Chamorro, Lauro Chamam, Sumaya Ali dos
Santos e Kassio Freitas. Além de contar pontos para o ranking
nacional, a competição também pontua no ranking estadual de
Pista.
BICICLETA TANDEM
SINCRONIA A DOIS
Objeto de curiosidade de muitos. Por onde ela passa,
todos ficam de olho. Muitos dizem que não passa de duas
bicicletas que foram emendadas. Mas se observarmos mais
a fundo ficará fácil perceber que existe muita engenharia
por trás da construção de uma bike dessas.
© CANNONDALE / DIVULGAÇÃO
Texto Carlos Menezes
A
s grandes marcas
internacionais apresentam
modelos com componentes
de ponta. A maioria das
bikes do Brasil são fabricadas por seus
próprios usuários. Algumas marcas
chegam a se arriscar em modelos
básicos. Atualmente, uma boa opção
nacional é a brasileira Gillot (www.gillot.
com.br), que fabrica excelentes bikes
tandem customizadas. Para quem está
de fora, pedalar uma tandem pode A BICICLETA SOCIÁVEL
parecer algo engraçado, diferente ou
chamativo, mas para quem já controlou Mediante essa dificuldade, chegamos
uma bicicleta assim sabe que a a confeccionar nossa própria tandem,
sensação é muito boa e exige extrema de uma maneira artesanal e caseira.
sintonia entre os usuários. O jogo de Retirando o lado “lúdico” da construção
corpo e a sincronia nas pedaladas do próprio quadro e da montagem da
precisam estar afiados. A confiança própria bicicleta, não recomendo fazer
de quem vai atrás do piloto deve ser isso, pois, por mais redondo que fique
completa, afinal, todo o comando de freio o resultado, o projeto de engenharia é
e direção não estão sob seu controle. comprometido.
Em contrapartida, para o piloto, saber
dessa responsabilidade se transforma Essa mesma bike foi sorteada durante
© ARQUIVO PESSOAL
em um peso a mais durante a pedalada. um Passeio Ciclístico, e depois de alguns
Mas o importante é que juntos podem meses o ganhador nos confessou que
percorrer longas distâncias somando
seus esforços. Casais ao pedalar juntos
podem reforçar seus laços.
A ESTRADA
REAL DOIS
ANOS DEPOIS
DA TRAGÉDIA
CAUSADA PELA
SAMARCO
Em maio de 2017 voltamos à região de Mariana para verificar
a situação no trecho do Caminho dos Diamantes atingido pelo
rompimento da barragem da Samarco. Infelizmente, a estrada
ainda está bloqueada. Mapeamos um trajeto alternativo para
atualizar o Guia Estrada Real Caminho dos Diamantes, e
elencamos a seguir uma série de informações oportunas ao
cicloturista que deseja pedalar pela região.
2012 2017
ANTES DEPOIS
Último ponto onde é possível chegar no trajeto entre Camargos e Bento Rodrigues
Sim, é perigoso... É muito mais perigoso Vamos às razões históricas deste novo
que ficar em casa vendo televisão... circuito: observando a data e o traçado
do mapa abaixo, é fácil notar que havia
Quando tomamos o protagonismo do um caminho direto entre Ouro Preto e
filme de nossas vidas assumimos vários Catas Altas, passando por Antonio Pe-
riscos, o risco está muito conectado à
própria aventura, sendo ele aparente ou
não. Entretanto, podemos afirmar que a
MG-129 não é mais perigosa que outras
tantas estradas que um cicloturista terá
que passar em sua vida de viagens e trei-
nos. Afinal, infelizmente, em nosso país,
o trânsito mata mais que vários conflitos
armados ocorridos pelo mundo afora, e
nem por isso as pessoas deixam de ir
ao trabalho ou até a cidade ao lado com
seus veículos.
reira. Se imaginarmos como era feito o a região das minas sofreu períodos de
deslocamento a norte em 1700 (época fome e, entre 1700 e 1701, o bandeiran-
do ouro), percebemos que o roteiro direto te português Antonio Pereira chegou à
(Ouro Preto-Antonio Pereira-Catas Altas) região com o intuito de produzir víveres
era mais lógico, pois os primeiros explo- para as áreas mineradoras. Assim como
radores faziam o caminho a pé (cavalos em outras cidades, esta operação se
e burros foram animais trazidos pelos mostrou muito lucrativa de forma que,
europeus), em linha reta, preferencial- por volta de 1716, uma grande igreja
mente pelo alto dos morros, onde a mata matriz já estava erguida. Em 1830 um
é menos densa. Em qualquer ponto da incêndio destruiu todo o madeiramento
estrada que tenha uma vista da mata da igreja, mas deixou exposto até os dias
nativa do vale do Rio Doce, um cicloturis- de hoje a magnitude de sua fachada,
ta pode imaginar como deveria ser difícil alicerces e paredes: uma atração rara
se deslocar por essa densa floresta, isso para a região das minas, cuja grandeza
sem falar nas dificuldades de orientação faz lembrar os Sete Povos das Missões,
e defesa. O caminho passando por Ma- no Rio Grande do Sul. Como jamais foi
riana e Bento Rodrigues tornou-se tradi- restaurada, a população local passou a
cional na época dos Diamantes, quando utilizar a área interna como cemitério,
o poder político de Mariana já era forte aumentando ainda mais a originalidade
e os vales já estavam desmatados. Para deste atrativo.
um cicloturista, acreditamos que valha a
pena dar a volta e passar por Mariana. Acreditamos que só por este monumento
já valeria a pena a parada, mas a cidade
Conforme comentado no corpo do guia, ainda possui outras atrações como a
30 REVISTA BICICLETA
Gruta de Nossa Senhora da Lapa e um acesso às minas da Samarco, ou seja, foi
garimpo de Topázio Imperial ainda em o poder econômico que ditou a priorida-
atividade. Esta tonalidade de topázio é de na construção do asfalto.
única no mundo.
A MG-129 está a oeste do caminho inter-
Seguindo a norte de Antonio Pereira o ditado, como consequência o cicloturista
movimento de veículos diminui, mas au-
poderá ver melhor e mais de perto as
menta um pouco o volume de caminhões
belas formações da Serra do Caraça. No
a serviço das mineradoras, afinal, Ma-
riana e Catas Altas tem pouca relação, caminho o cicloturista passará também
ambas comercializam diretamente com ao lado das minas e verá o trabalho dos
a capital utilizando outras rodovias. Não caminhões gigantes, movendo cerca de
é à toa que a MG-129 foi asfaltada antes 345 toneladas de terra e minério de uma
da histórica Estrada Real, é ela que faz o só vez.
Atualização gratuita do Guia Estrada
Real Caminho dos Diamantes
goo.gl/vqnLXK
© MICROGEN / DEPOSITPHOTOS
36 REVISTA BICICLETA
BICICLETA ELÉTRICA
E A TENDÊNCIA CYCLE CHIC
UM INCENTIVO AO
PÚBLICO FEMININO
Texto Anderson Ricardo Schörner
O
conceito Cycle Chic tem estrategicamente disfarçadas.
ganhado força nos centros
urbanos brasileiros. E uma O público da bicicleta elétrica compartilha
inovação da indústria ciclística de alguns ideais dos ciclistas Cycle Chic.
muito bem-vinda neste cenário é a O principal objetivo para ambos é utilizar
bicicleta elétrica, tanto por sua praticidade a bicicleta como um meio de transporte
quanto pela promoção da cultura da e, para tanto, não se preocupam com a
bicicleta no país. Interessante observar utilização de acessórios de performance
que a união da bicicleta elétrica com e roupas aerodinâmicas. O vestuário
a tendência Cycle Chic pode ser um é informal, casual, o mesmo que seria
incentivo para o público feminino utilizar utilizado se o percurso fosse realizado de
cada vez mais a bicicleta em seus carro ou a pé.
deslocamentos cotidianos.
Pontualmente, a bicicleta elétrica pode
A evolução das e-bikes é perceptível contribuir para a confiança das mulheres.
não só na tecnologia empregada, mas Elas tendem a se sentir mais receosas
também no desenvolvimento de designs no momento de encarar uma distância
mais elaborados. Esse cuidado com a grande ou com maior grau de dificuldade,
estética da bicicleta tem conquistado com subidas ou trânsito mais intenso.
o público Cycle Chic, especialmente as Neste momento, poder contar com o
mulheres. As estruturas grandes, pesadas auxílio elétrico pode ser determinante
e meio desajustadas visualmente dão para que ela continue no pedal. E se for de
lugar a modelos com acabamento mais uma maneira elegante, como toda mulher
caprichado, baterias mais pequenas e preza, melhor! ␣
EXPEDIÇÃO
LJUBLJANA
DUBROVNIK
Em outubro de 2015, concluí a Expedição Ljubljana – Dubrovnik, uma travessia de
bicicleta desde a capital da Eslovênia até a “pérola do Adriático”, na Croácia. A ideia
surgiu da necessidade, como proprietário da Larbtur Viagens e Turismo, em adquirir
conhecimento sobre o destino turístico do Mar Adriático, aliado ao desafio esporti-
vo de uma cicloviagem de mais de 500 km. Além disso, não seria nada mal conhe-
cer pessoalmente o escritório do nosso parceiro comercial Happy Tours Slovenia.
A
pós reunião com meus ami- mais antigo castelo da Eslovênia - no
gos e parceiros Rok Bulc, topo de um penhasco íngreme com vista
Nando Cabral e Aleksandra para o lago. À noite, fiz um passeio ao
Jezersek, fui conhecer a redor da cidade velha de Ljubljana.
bela e simpática cidade
de Bled. A cidade fica na costa do lindo Na manhã seguinte me encontrei com
Lago Bled, onde há uma ilha no meio e Rok no hotel. Era hora de iniciar a aven-
um impressionante castelo medieval – o tura. Fomos a um posto de gasolina para
38 REVISTA BICICLETA
Bled, seu lindo lago e seu impressionante castelo
medieval – o mais antigo da Eslovênia.
© FESUS / 123RF.COM
A caverna de Postojna, a
mais conhecida do mundo.
© NIGHTMAN1965 / 123RF.COM
40 REVISTA BICICLETA
MAS COM MENOS DE 6 KM RODADOS MINHA
RODA TRASEIRA FUROU E, APÓS TROCAR
A CÂMERA, QUEBRAMOS A VÁLVULA
AO BOMBEAR O PNEU COM EXCESSO DE
VONTADE. "POIS É... ISSO VAI SER UMA
AVENTURA E TANTO", PENSEI.
porada já havia acabado. Minha primeira que planejam visitar a Croácia, Sibenik é
parada foi na cidade de Pag, que vi pela uma cidade que merece uma visita. Além
primeira vez do topo de uma colina. O da Catedral, a fortaleza de Saint Micha-
centro de Pag oferece um ambiente agra- el e o Parque Nacional Krka são outras
dável para almoçar e tomar uns drinks excelentes atrações. Nesta fase, foram
apreciando a bela vista do Mar Adriático. 72 km de distância e 445 m de elevação
Mas eu ainda tinha um longo caminho acumulada.
para chegar a meu destino, então enchi
minha garrafa d’água e segui em frente. Acordei animado para a próxima fase;
Parei para almoçar a menos de 6 km de eu estava ansioso para chegar a Trogir.
Zadar. Eu estava faminto e exausto. Ro- Havia muitas subidas, mas a estrada
dei um total de 80,9 km com uma altime- estava vazia e o tempo estava bom. Meu
tria acumulada de 896 m. amigo Rok estava certo, Trogir é uma
joia. Da próxima vez vou passar uns dias
No dia seguinte o tempo estava péssi- lá para apreciar essa extraordinária cida-
mo. Deixei Zadar sob chuva forte. Parei de medieval com calma. Almocei uma
com apenas 5 km rodados e me abriguei macarronada com frutos do mar acom-
numa pequena construção tipo borra- panhado por um excelente vinho branco
cheiro de beira de estrada, onde dentro croata! Depois do almoço peguei a es-
só havia um cachorro. Pensei se não trada novamente. Próxima parada: Split.
seria melhor voltar e pegar um ônibus... A chegada foi um tanto confusa com
Finalmente parei para almoçar em Pi- trânsito intenso e muitos caminhões. Fi-
rovac, cerca de 50 km de Zadar, onde nalmente cheguei ao espetacular Palácio
conheci um casal da Bélgica que estava de Diocleciano (datado do fim do século
em uma cicloviagem com duração de um III / início do século IV) completando
ano. Quando eu vi o volume de bagagem um total de 78 km e 757 m de altimetria.
deles prometi a mim mesmo que não Bem... Depois de uma longa viagem, tive
reclamaria mais da minha. Chegamos a tempo suficiente para algumas cervejas
Sibenik juntos, o tempo estava muito me- antes de entrar no ferry para Stari Grad
lhor do que de manhã. Fiquei impressio- (Ilha de Hvar).
nado com a beleza da Catedral de Saint
James, nomeada Patrimônio Mundial da Após cinco dias consecutivos de pe-
Humanidade pela UNESCO. Para aqueles dal, eu não via a hora de tirar um dia de
Dubrovnik, a pérola
do Adriático.
descanso para recuperar minha muscu- Quem leva
latura. Não poderia ter escolhido melhor LARBTUR
lugar: Hvar Town. A cidade é acolhedora, www.larbtur.com
as praias são lindas, opções variadas de
passeios de barco e de bicicleta, visual
espetacular da Fortaleza de Hvar... exatamente o que eu estava precisando!
Foram 49 km de distância e 1.099 m de
Dia seguinte era hora de encarar o que
altimetria.
tudo indicava ser a etapa mais difícil.
Eu iria atravessar toda a Ilha de Hvar, Finalmente chegara o último estágio! Eu
percorrendo 80 km pelas montanhas estava completamente animado e moti-
(apesar de ser uma ilha, foram 1.808
vado para concluir minha solitária aven-
m de altimetria) desde Hvar Town até
tura. Mas estava com medo! O tempo ha-
Sucuraj, onde iria atravessar de ferry de
via virado novamente. Não chovia muito,
volta para o continente e pegar um trans-
mas o vento estava muito forte. Bem que
porte até Neum (a única cidade costeira
o motorista que me levou de Sucuraj para
da Bósnia-Herzegovina). A ideia inicial
era atravessar de Hvar para Kórcula, mas Neum me avisou: “cuidado na estrada no
tive que me adaptar à situação, pois não sábado, pois a previsão é de tempesta-
havia mais ferry devido ao término da de”. Pensei: “Ah não! Não posso desistir
alta temporada (somente catamarãs, que agora. Falta pouco... menos de 40 km”.
não permitem o transporte de bicicleta). Na verdade faltavam 36,8 km e 1.060 m
Sem sombra de dúvidas foi o estágio elevação acumulada. Respirei fundo e
mais difícil. Mas também foi o trajeto pus o pé na estrada. Fortes rajadas de
mais legal. A ilha é linda, com diversas vento contra e de lado, a depender das
baías de água azul turquesa, e a estrada curvas da estrada, me faziam segurar o
após Stari Grad estava vazia. Passei pela guidão com muita força para não perder
região das vinícolas com seus vinhedos, o controle da bike. Tinha que manter
olivais e campos de lavanda. também o controle mental, não adianta-
va ficar ansioso querendo chegar logo.
Com a conclusão do estágio anterior,
Paciência! Mesmo nas descidas eu não
entrei na reta final de minha expedição
conseguia ganhar muita velocidade,
turística. Saí de Neum com tempo bom
e segui para Ston para visitar a famosa pois o vento me segurava. E assim fui,
muralha da cidade. Posteriormente segui lutando contra os fantasmas dentro da
para Slano onde faria o último pernoi- minha cabeça e contra o “Yugo” (o forte
te antes de seguir para Dubrovnik. Ao vento sudeste) até a fantástica cidade de
chegar à pequena cidade, estava no alto Dubrovnik, “a Pérola do Adriático”! Foram
da colina procurando a pousada quando 549 km com altimetria acumulada de
um habitante, percebendo que eu estava 8.063 m em nove dias, sendo oito dias
perdido, me ofereceu ajuda e um copo pedalados e um day off, para concluir
de vinho de sua produção local. Era com sucesso a expedição. ␣
“EU VI NA
TECNOLOGIA
MOVIDA
A PEDAL
UM FUTURO
MELHOR”.
46 REVISTA BICICLETA
AS
BICIMÁQUINAS
DE CARLOS
Texto
Anderson Ricardo Schörner
Fotos David Branigan
Colaboração Sarah Claudette
MARROQUIN
C
arlos nasceu de uma família e 1996. Com o pai recebendo ameaças
agrícola de San Andrés Itzapa, de morte, a família Marroquin fugiu
em janeiro de 1974. Único filho para a costa do Pacífico e lá viveu na
homem, e mais novo de cinco, clandestinidade até o fim da guerra.
recaíram sobre seus ombros grandes
responsabilidades, desde cedo. “Meus A volta para San Andrés Itzapa se
deu só depois que os acordos de paz
pais trabalhavam na costa do Pacífico,
foram assinados. Ele diz: “junto com
no comércio de café e frutas, e só
os sobreviventes da guerra, lutamos
passavam os fins de semana em casa.
para recomeçar, recuperar nossas
Eu e minhas irmãs trabalhávamos nas terras e nossa casa. Em pouco tempo, a
terras da família, no cultivo de hortaliças comunidade internacional se sensibilizou
e criação de animais”, relembra Carlos. com a situação do nosso país, e
uma enxurrada de agências de ajuda
A vida em família foi desestabilizada,
internacional e ONGs se espalharam por
como a de muitos guatemaltecos, pelo toda a Guatemala”.
fantasma da Guerra Civil da Guatemala,
conflito armado que ocorreu entre 1960 Foi justamente o trabalho de uma dessas
48 REVISTA BICICLETA
BICIMÁQUINA É
UMA MÁQUINA
MOVIDA
A PEDAL,
CONSTRUÍDA
A PARTIR DA
ESTRUTURA DE
UMA BICICLETA
INUTILIZADA
Carlos, “essas máquinas permitem que manivela pelo pedal. Carlos relata: “uma
os agricultores diminuam o tempo de dessas bicibombas foi instalada em uma
processamento em algumas tarefas, e escola rural no norte de Cruz Quiché.
possam se dedicar a outros afazeres e Um sistema de tubos ligados à bomba
aumentar suas receitas. Bicimáquinas fornece água para os vasos sanitários e
são um meio termo entre o artesanal para as pias da escola”.
e o industrial, oferecendo uma solução
Outra bicimáquina bastante popular é
livre de emissões e eficiente para tarefas
a debulhadora de milhos. Muito prática
árduas, sem tirar o elemento humano
para a produção na agricultura familiar,
da equação”. Ele mesmo corta, solda, esta máquina economiza muitos dias
desenha, monta e transforma uma de trabalho manual durante a colheita.
bicicleta velha em uma máquina. A bici-moinho, uma “usina” que mói
qualquer tipo de grão ou comida, é
A bicibomba para usar em poços, por
base para a debulhadora de milhos, de
exemplo, pode recolher de 5 a 10 litros
forma que a família que quiser as duas
de água por minuto em um poço com até
máquinas pode comprar uma unidade,
30 metros de profundidade, reduzindo
com peças intercambiáveis.
significativamente o tempo e o trabalho
envolvido na coleta de água para o O bici-liquidificador alcança uma
uso diário. O conceito é simplesmente velocidade de 6.400 rotações por
adaptar o sistema para substituir a minuto no processamento de alimentos.
50 REVISTA BICICLETA
Segundo Carlos, “esta máquina cria o produto bruto.
oportunidades econômicas para as
famílias e está sendo usado para Com uma visão incrível e capacidade
de sonhar grande – e realizar -, Carlos
a produção de produtos que vão
é uma inspiração para todos nós em
desde bebidas frescas até shampoos
termos de solidariedade e criatividade.
orgânicos”. O mesmo ocorre com a
Além disso, soube se utilizar de uma
bicimáquina que remove a casca dos
máquina realmente incrível e que melhor
grãos de café. “A potência dela é de
aproveita a energia humana, a bicicleta,
quatro sacas por hora. Esta ajuda à para servir a uma causa tão merecedora
produção permite que os agricultores como a ajuda às famílias rurais pobres
produzam seu próprio café e obtenham da Guatemala. Uma máquina que,
melhores retornos sobre seus cultivos”, mesmo velha e abandonada, pode
diz. Outros exemplos são a máquina de renascer com uma nova forma, para
ralar coco ou a descascadora de nozes, cumprir o mesmo objetivo: oferecer
que permitem ao agricultor vender o liberdade e uma nova realidade ao seu
produto final com um lucro maior do que usuário.
HISTÓRIAS DA BICICLETA
© FOTOGRAAF ONBEKEND
54 REVISTA BICICLETA
TOUR DE FRANCE
EM ALTO ESTILO
ou como nasceram os gregários
Texto Eduardo Sens dos Santos
H
avia uma época em que novidade: “vocês vão correr comigo o
qualquer um com dinheiro Tour de France deste ano”. Ele, o barão,
e tempo - e pernas e todos os funcionários sabiam que não
suficientemente fortes - podia se tratava só de um passeio, mas sim de
entrar no pelotão do Tour de France. E uma corrida duríssima, com 4.488 km
naquele tempo aparentemente coisas divididos em apenas 14 etapas, algumas
muito estranhas aconteciam. Uma com até 350 km. Tempos gloriosos. Em
destas histórias é a do barão Henri 2014 o Tour teve “só” 3.663 km, com 21
Pépin de Gontaud, um ávido e riquíssimo etapas. A função deles seria a de fazer
ciclista francês que só queria aproveitar companhia ao rico patrão, qualquer
da melhor forma possível os dias que que fosse o ritmo dele, além, é claro, de
passaria no selim. servirem como mecânicos, carregadores
de peso e tudo mais que um serviçal
Naquela primavera de 1907, o barão
daquela época tinha por obrigação fazer.
de Gontaud chamou alguns de seus
funcionários do castelo que habitava na Os domestiques (serviçais em francês)
periferia de Toulouse e lhes informou a Jean Dargassies e Henri Gauban ficaram
56 REVISTA BICICLETA
em seu castelo.
Revestimento
externo em couro que
rendeu um bom estilo a alguns
desses capacetes. Perto de 1900.
58 REVISTA BICICLETA
I
nglaterra, 1935. As motocicletas andando de bicicleta, os quais
já tinham uma certa ele não tinha visto devido à uma
popularização, e estavam em depressão na estrada. Lawrence
amplo uso por exércitos. Um dos tentou desviar deles, mas perdeu
usuários das barulhentas era o controle da motocicleta e foi
Thomas Edward Lawrence, um oficial arremessado por cima do guidão.
inglês que ficou famoso por seus Como estava sem capacete,
relatos detalhados e realistas sobre Lawrence sofreu graves lesões na
a guerra no Oriente Médio, na qual cabeça, que o deixaram em coma.
ele foi uma peça chave como líder
Hugh Cairns era neurocirurgião na
dos árabes rumo à independência.
equipe de médicos que cuidou de
“Lawrence da Arábia”, como
Lawrence. Após seis dias em coma,
ficou conhecido, era um homem
Lawrence faleceu. O Dr. Cairns ficou
virtuoso, com uma ávida busca pelo
indignado com a grande perda. A
conhecimento. Era inclusive, um partir disso, ele começou um estudo,
cicloturista! Viajou pela França com denominado “Perda desnecessária
sua bicicleta nos anos de 1906 até de vidas por pilotos de motocicleta
1908. devido a ferimentos na cabeça”.
Depois, Lawrence desenvolveu uma O exército inglês deu pleno apoio
paixão especial pelas motocicletas. ao estudo do Dr. Cairns e logo
Até que no dia 13 de maio de 1935, equipou todos os seus soldados
enquanto Lawrence pilotava sua motociclistas com capacetes. Mais
Brough Superior SS1000 de volta tarde, o governo inglês determinou
O oficial para casa em Clouds Hill, Inglaterra, como obrigatório o uso do capacete
inglês
se deparou com dois garotos para os motociclistas. O modelo
Thomas
Edward foi copiado por muitos países ao
Lawrence. redor do mundo em pouco tempo.
Ainda assim, nem todos os países
seguem a rigor essa lei. No Estados
Unidos, por exemplo, as leis mudam
de estado para estado, e alguns
preferem não privar a liberdade de
quem quer andar sem capacete, o
que pode ser visto em vários filmes
provenientes da terra do tio Sam.
NO CICLISMO
A primeira fase estava completa:
mostrar que proteger a cabeça
é muito importante. Mas ainda
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EDIÇÃO DIGITAL 05 MAIO - JUNHO 2017 59
CAPACETES, não haviam capacetes próprios para
ELMOS E ciclismo. Isso não quer dizer que nunca
ETIMOLOGIA tenham pensado nisso. Nos primórdios
da bicicleta, muitos ciclistas tentaram
A palavra capacete é espanhola. fazer seus capacetes, ainda mais os
Significa “peça de proteção para a que usavam bicicletas altas como os
cabeça”. Em catalão, a expressão é velocípedes. A maioria não funcionou.
cabasset. Essas expressões derivam
do latim capaceum, que era a deno- Com o aumento do número de ruas
minação de uma cesta usada para pavimentadas, de ciclistas e da
colher frutas. Já a cesta ganhou o velocidade que essas ruas permitiam
nome devido as expressões capãx que os ciclistas atingissem, aumentou
e capãcis, que significam algo que também o número de acidentes com
pode segurar coisas, e de capere, bicicletas, cujos casos fatais em grande
que significa conter, apanhar.
maioria envolviam ferimentos na
Já a expressão em inglês, helmet, dá cabeça.
a entender um diminutivo da palavra
Já nos anos 1880 surgiram capacetes
helm, que é traduzida como elmo.
Os elmos eram capacetes de guerra feitos principalmente de cortiça, o
da idade média usados por várias melhor material disponível para isso na
nações, principalmente europeias. época. Alguns tinham revestimento em
A palavra helm é inglesa (para os couro.
saxões, frísios e antigos alto-alemães
a palavra também é helm), mas tem Perto de 1900, os capacetes se
origem na língua proto-germânica, tornaram muito bem ventilados: eram
que é a língua ancestral de todas as basicamente, uma faixa de couro ao
línguas germânicas modernas, como redor da cabeça, com uma faixa de
o inglês, alemão, holandês, dinamar- lã por cima. Depois mais tiras foram
quês, norueguês e outras. adicionadas por cima da cabeça, com
revestimento externo em couro, o que
Nesta língua primitiva da qual existem
poucas inscrições sobreviventes rendeu um bom estilo a alguns desses
(nenhum texto completo dela sobre- capacetes. Até o começo dos anos
viveu) a expressão que deu origem 70 esses capacetes eram utilizados
ao elmo é helmaz, que significa “co- e chamados de “redes de cabelo”
bertura protetiva”. Indo ainda mais (hairnets). Segundo os ciclistas que
fundo, na língua que deu origem à os utilizavam, eles não eram muito
língua proto-germânica, a língua eficientes contra impactos. Mas eles
proto-indo-europeia possuía as ex- evitavam que você perdesse sua orelha
pressões kelmo-s (cobrir, esconder) ao cair e deslizar sobre o asfalto.
e kel- (esconder, proteger) que pelo
visto deram origem à expressão em Cientes da necessidade de proteção,
proto-germânico.
clubes de pedal testaram capacetes de
hockey e montanhismo, mas eles tinham
vários problemas, como peso, tamanho,
60 REVISTA BICICLETA
obstrução da visão e falta de ventilação. infantis, por achar que capacetes adultos
obrigatoriamente deveriam ter um casco
Então foi dado um passo muito rígido.
importante: em 1974, a Bell Capacetes
introduziu o Bell Biker, o primeiro Aproveitando a deixa, em 1986 um
capacete desenhado e fabricado para designer chamado Jim Gentes desenhou
ciclismo. Ele utilizava EPS – Poliestireno um capacete de ciclismo com algumas
Expandido - como material de absorção entradas para ventilação e sem casco,
de impacto e tinha entradas de ventilação formando o desenho Giro Sport para
cônicas. Logo depois, a Mountain comercializar o conceito. Por ser leve, o
Safety Research lançou seu capacete de capacete se tornou uma febre, e a Giro
ciclismo também, que seguia a linha dos começou a vender grandes quantidades,
capacetes de montanhismo, utilizando mesmo com o preço elevado do produto.
EPS. Testes posteriores apontaram que
esses dois capacetes, junto com outro Mas a febre dos capacetes de EPS
conhecido como Bailen Bike Bucket, um logo revelou falhas catastróficas dos
capacete de tamanho único, eram os equipamentos no primeiro impacto, já
mais eficientes disponíveis para ciclismo que o EPS tende a se despedaçar caso
na época. não haja algo que o mantenha no lugar.
Por causa disso surgiram capacetes de
EVOLUÇÃO EPS com capas, como redes de Nylon ou
em Lycra.
Os testes e a fabricação dos capacetes
exigiram mais uma coisa: não havia No começo dos anos 90, foi dado mais
padrões para fabricação de capacetes! um passo com o retorno dos cascos.
Em 1984, o comitê norte-americano Dessa vez eles foram fabricados em PET
ANSI adotou a ANSI Z80.4, o primeiro e outros plásticos. O casco ajudava a
padrão para capacetes funcional dos manter o EPS no lugar com o impacto,
EUA. Na metade da década de 1980, os além de fazê-lo escorregar sobre o
capacetes se caracterizaram por forros asfalto ou pavimentos. Em pouco tempo
de EPS com cascos rígidos em ABS ou esse método substituiu os outros, como
policarbonato. os fabricados apenas em EPS com
capas e os capacetes de casco rígido. O
O próximo grande passo no conceito casco de PET era produzido separado do
dos capacetes ocorreu quando a Bell
lançou um capacete infantil, chamado
“L’il Bell Shell”, que não possuía casco
e era fabricado inteiramente em EPS, NÃO HAVIA
rendendo alto nível de proteção. Ele era
baseado em um capacete produzido PADRÕES PARA
por pediatras para proteger a cabeça
de crianças após cirurgias. No entanto,
FABRICAÇÃO DE
a Bell limitou a ideia aos capacetes CAPACETES!
EDIÇÃO DIGITAL 05 MAIO - JUNHO 2017 61
EPS e depois colado. arredondados voltaram (ufa).
Outra inovação veio ainda na década de Um dos últimos estilos que entrou
90, por moldar a espuma no casco. O para o hall dos capacetes de ciclismo
casco é colocado dentro do molde antes, foi o capacete derivado do skate,
e então a espuma preenche o molde. aqui chamado de coquinho. Não só
Como esse processo usa temperaturas um acessório para proteção, esses
elevadas, o PET não se qualificava mais capacetes inauguraram um campo para
para ser o material do casco. Outros arte e estilo.
materiais mais resistentes, como o
policarbonato, assumiram a vaga. Os MATERIAIS
avanços também permitiram capacetes
mais finos. O principal material usado nos
capacetes ainda é o EPS. ‘Ainda’ porque
No final da década de 90, houve uma ele é o principal material desde a década
onda de capacetes com designs pouco de 1950 em outras modalidades. Quando
práticos, que estendiam a traseira do usados outros materiais, continuam
capacete, criavam elevações e curvas, sendo em grande maioria espumas
em busca de estilo – estilo esse que deformáveis.
custava o peso, o equilíbrio e a discrição
do capacete. Mas com a virada do No final da década de 1980 surgiu o
milênio os capacetes mais normais e EPP – Polipropileno Expandido, uma
© JAKE ORNESS / SPECIALIZED DIVULGAÇÃO
62 REVISTA BICICLETA
espuma muito parecida com o EPS, porém
um pouco mais elástica, muito usada na
indústria automotiva. Apesar de chegarem a
ser fabricados e comercializados, os capacetes
em EPP não decolaram devido a algumas
características indesejáveis.
EXPEDIÇÃO
GUATEMALA
DE CABANA EM
CABANA
A lenda do mountain biking extremo, Hans Rey, e seu
amigo e biker trial, Tom Oehler, exploraram as terras
altas da Guatemala, na América Central, e foram ver de
perto o projeto Wheels 4 Life, iniciativa apadrinhada por
Hans que oferece bicicletas gratuitamente a pessoas
em situação de pobreza no país.
66 REVISTA BICICLETA
EDIÇÃO DIGITAL 05 MAIO - JUNHO 2017 67
K
evin, um jovem de 18 anos, escolar, troféus de futebol, e seu bem
mora na esquina de uma rua mais precioso: a amada bicicleta.
empoeirada na periferia de
Antigua, Guatemala. Dois É graças a esta bicicleta que ele pode
anos atrás, ele recebeu uma ir à escola muito mais rápido e ser
bicicleta Wheels 4 Life de sua escola, a mais pontual, e sua família não precisa
Escuela Proyecto La Esperanza. Lá está mais pagar todo dia o 1 quetzal (cerca
em andamento um excelente programa de R$ 0,50) da passagem de ônibus.
educacional que atende pessoas Kevin está prestes a começar um
extremamente atingidas pela pobreza na curso universitário para completar sua
área da antiga capital guatemalteca. educação e trilhar um futuro mais digno.
Sua paixão é o futebol, mas para chegar
Ele salta na carroceria da nossa pick-up em casa ele anda de bicicleta por uma
e nos guia até sua humilde casa, onde colina íngreme com facilidade e cruza
vive com a mãe, em um edifício de tijolo estradas lidando com vacas e trânsito,
primitivo com uma porta de metal e sem como um mensageiro de bicicleta de
água encanada. A sala é pequena, e ao Nova Iorque.
lado de sua cama ele armazena seus
poucos pertences: roupas, material Foi assim minha chegada na Guatemala.
68 REVISTA BICICLETA
EDIÇÃO DIGITAL 05 MAIO - JUNHO 2017 69
Há alguns meses, o fotógrafo austríaco Oldtown Outfitters. Ele sugeriu uma
Stefan Voitl perguntou se eu gostaria de expedição remota “cabana a cabana”
me juntar a ele e ao também austríaco nas montanhas com altitude de 10 mil
piloto de trial, Tom Oehler, em uma pés (3 mil metros).
aventura de bicicleta, ao mesmo tempo
Durante os primeiros dias, fomos
em que visitaríamos o projeto Wheels
nos ambientando com passeios nas
4 Life. A ideia era montar uma coleção estradas de paralelepípedo da pitoresca
de fotografias da expedição para expor cidade colonial de Antigua, cercada
e vender; o dinheiro arrecadado seria por vários vulcões ativos. E quando
direcionado para algum projeto da digo ativos, quero dizer fumegantes e
Wheels 4 Life. expelindo lava. Passeamos pelo primeiro
parque de bicicleta da Guatemala,
A EXPEDIÇÃO o El Zur. Depois, transportados por
um caminhão durante 45 minutos,
Nós nos encontramos na Cidade chegamos na metade do caminho
da Guatemala, onde conhecemos o até o Volcan de Agua para abraçar
operador de turismo local, Matt, da um Downhill de 20 km através da
70 REVISTA BICICLETA
"SEM
ELETRICIDADE OU
FOGO, ESTÁVAMOS
CONTANDO
APENAS COM
OS COBERTORES
FORNECIDOS NAS
CABANAS."
Na primavera de 2015,
Stefan Voitl exibiu suas
fotografias em uma
exposição em Viena, durante
o Argus Bike Festival.
Interessado em visitar a
Guatemala?
Entre em contato com
Oldtown Outfitters:
adventureguatemala.com
72 REVISTA BICICLETA
exuberante floresta nublada e com começamos a nossa subida para fora
um terreno de solo vulcânico solto e do vale congelado para alcançar os
empoeirado. primeiros raios de sol.
Alguns dias mais tarde, depois de Este foi um grande dia. A maior parte
cinco horas de carro pela zona rural, do percurso que realizamos nunca
chegamos perto de Todos Santos, na havia sido feita em bicicleta e em vários
base da Cordilheira Cuchumantanes / trajetos não havia nenhum tipo de
Highlands. O objetivo era percorrer o rastro. Até a pequena aldeia de Chortiz
caminho através de Laguna Magdalena tivemos que atravessar vários vales e
e Chortiz até a cidade de Acul Quiche. cordilheiras, sempre a uma altitude de
Durante três dias, dormimos em cerca de três mil metros. Nosso ponto
cabanas simples e fomos alimentados mais alto estava em 3.200 metros.
por famílias locais. As trilhas, quando Curiosamente, neste local ainda há
tínhamos uma, eram técnicas e lentas. árvores que crescem nesta altitude e,
Muitas vezes tivemos que empurrar felizmente, o ar não pareceu tão fino
a bicicleta e caminhar em pequenas quanto nos Alpes.
picadas. Entre fazendas distantes e
dispersas e errantes pastores ao longo Por causa das fotos, filmagens, só
do caminho, raramente estávamos chegamos ao nosso destino depois
sozinhos, mas sempre longe da do pôr-do-sol. Além disso, a natureza
civilização. técnica da trilha nos atrasou, mesmo
sendo o Tom muito habilidoso e, com
Quando chegamos ao pequeno povoado facilidade, fluindo em sua linha através
de Laguna Magdalena, os moradores dos rock gardens. Quando chegamos
ficaram bastante surpresos aos nos ver na cabana, duas mochileiras do Reino
descendo a encosta áspera com nossas Unido e seu guia já haviam arrebatado
MTBs. A aldeia foi nomeada assim por a maioria das camas. Tivemos que
causa da bela lagoa e cachoeira que há nos dispersar com alguns colchões e
perto da cabana onde estávamos. cobertores no chão. Uma ducha estava
fora de questão, e a água para consumo
Assim que o sol se punha, eu colocava tinha que ser filtrada. Uma família local
cada peça de roupa que tinha. Sem nos convidou para sua casa, com piso
eletricidade ou fogo, estávamos de terra e uma fogueira no meio da sala
contando apenas com os cobertores onde as mulheres preparavam uma
fornecidos nas cabanas. Depois de uma refeição saborosa: caldo de galinha,
partida divertida de dados e um frasco macarrão, batatas e ovos; o mesmo
de aguardente local, fomos para a cama seria servido no café da manhã do dia
antes das nove. Quando acordamos, seguinte.
as estrelas ainda eram visíveis no céu
escuro e o chão estava congelado; No dia seguinte, a última etapa da
não querendo perder muito tempo, nossa viagem começou com a longa
74 REVISTA BICICLETA
EDIÇÃO DIGITAL 05 MAIO - JUNHO 2017 75
"EU TAMBÉM
ESTAVA FELIZ
POR VER O NOSSO
PROJETO, INICIADO
HÁ TRÊS ANOS,
GERANDO FRUTOS."
76 REVISTA BICICLETA
descida para a Hacienda San Antonio,
uma fazenda de queijo. A trilha me
fez lembrar do caminho das tropas
militares nos Alpes Italianos durante a
Segunda Guerra Mundial. Encontramos
alguns pastores e cavalos de carga que
transportam suprimentos para as terras
altas. Um dos cavalos se assustou Confira o vídeo da aventura de Hans
com as rodas de rolamento e caiu no Rey e Tom Oehler pela Guatemala.
matagal. Tivemos que ajudar a remover revistabicicleta.com.br/rb/cf6
Texto e Fotos
Paulo de Tarso
PEDALANDO NA
ROLIÚDE DO
NORDESTE
78 REVISTA BICICLETA
L
ocalizada numa das mais se- todos os destinos turísticos, como o já
cas regiões do Brasil, a cidade famoso Lajedo de Pai Mateus, a própria
de Cabaceiras é hoje a coque- cidade de Cabeceiras é um destino cheio
luche do turismo rural na Para- de atrativos. A arquitetura do século pas-
íba. Trata-se de um município sado nos faz voltar no tempo com suas
tranquilo, com cinco mil moradores, onde casas de cores alegres.
todo o mundo tem um pouco de artista e
algo a dizer por meio da força criativa. O cenário é tão original que a cidade já
O CENÁRIO É TÃO
ORIGINAL QUE A CIDADE
JÁ FOI ESCOLHIDA
PARA SEDIAR PELO
MENOS 30 PRODUÇÕES
CINEMATOGRÁFICAS
80 REVISTA BICICLETA
ONDE É MELHOR ÉPOCA
Na Região Nordeste, entre o Rio Grande do De abril a julho, até o sertão permanece
Norte (ao Norte), Pernambuco (ao sul) e boa parte do tempo com o céu carran-
Ceará (a oeste), próximo à cidade de Cam- cudo, mesmo que não caia uma gota de
pina Grande (PB). água. O resto do ano, como é de lei no
Nordeste, é sol seguro.
COMO CHEGAR
DICAS
João Pessoa recebe voos das principais
capitais brasileiras e é o ponto de partida Pedalar no sertão sob um sol escaldan-
obrigatório para uma viagem para a Pa- te não é fácil. O ideal é acordar bem
raíba. A outra opção é pegar um voo até cedo, às seis horas da manhã e sair
Campina Grande. De carro ou de ônibus, para pedalar enquanto o sol está fraco.
chega-se a todas as regiões do estado. A
BR-230, que vai do Ceará, é a principal via Se for de avião a melhor opção é viajar
de acesso ao interior passando por Cam- sempre pela TAM, é a companhia que
pina Grande. De lá saem diversas estradas cuida melhor das bicicletas, além disso,
estaduais rumo ao sertão. é permitido levar a bicicleta montada.
foi escolhida para sediar pelo menos racterísticas diferentes de outras regiões
30 produções cinematográficas, sendo do Nordeste: em vez da planície comum
que a mais conhecida é o filme O Auto nesse tipo de bioma, há montes, áreas de
da Compadecida. Por ser um “estúdio lajedo e muitas rochas. Um imenso mar
a céu aberto”, a cidade foi batizada de de granito se destaca na paisagem, com
Roliúde Nordestina, identificação que dezenas de blocos que há milhares de
foi colocada bem na entrada da cidade
anos serviu de habitat para os índios que
em um morro, quase como na famosa
deixaram suas marcas.
Hollywood americana... A Igreja Matriz
é um dos lugares destacados no filme Você também vai estar em contato direto
e merece uma visita. É em Cabaceiras, com a encantadora cultura poética e ro-
também, que se realiza a Festa do Bode mântica desse povo hospitaleiro, humil-
Rei, um evento que atrai centenas de visi-
de, trabalhador e incomensuravelmente
tantes e coloca a cidade definitivamente
rico na preservação de seus costumes,
no circuito nacional.
tudo isso de bicicleta! Mas é importante
Coisa de cinema é pedalar por lá, no ser- sair para pedalar bem cedo, pois a região
tão, em meio a singletracks, estradinhas tem o menor índice pluviométrico do
espetaculares onde a caatinga tem ca- Brasil e é muito quente. ␣
82 REVISTA BICICLETA
MULHER
O LADO
ROSA DA
FORÇA
Sabe aquele ciclista raçudo, determinado, que desafia constantemente
o seu limite? Ele está presente em todas as corridas da região, belisca
um pódio aqui e ali, é a celebridade nas reuniões de família, quando en-
tusiasticamente fala sobre a quilometragem pedalada no último final de
semana ou aquela subida incrível onde venceu a última prova. Pois é, ele
possivelmente conta com uma grande aliada, que embora não esteja
nos holofotes, é tão determinada quanto abnegada, e não mede esfor-
ços para dar o suporte necessário ao seu companheiro!
86 REVISTA BICICLETA
M
uitas vezes abordamos os A mesma situação experimenta Bruna
benefícios e a diversão que Friedrich, de Caxias do Sul/RS. “Descobri
é pedalar. Falamos sobre a o mundo mágico da bike há 15 anos,
adrenalina de uma trilha, a quando conheci meu marido, Jander
sensação de liberdade de um pedal na Flores, e desde então encontrei muitas
estrada, a emoção de uma competição. gurias que vivenciam o ciclismo da
É realmente uma sensação indescritível, mesma forma: com algumas pedaladas,
mas... Bem, haverá suor, lama, roupa mas principalmente apoiando os nossos
suja, aquela hora que a fome bate, ou parceiros ciclistas, pois aprendemos que
até um momento de desânimo quando a não há como competir com as bikes,
performance não está sendo alcançada então, as temos como aliadas”.
satisfatoriamente.
Assim como Bruna e Joana, muitas
É aí que surge, meio que anonimamente, mulheres se tornam a melhor amiga
o “lado rosa da força”: a namorada ou da bicicleta, pois pedalar torna o seu
esposa. Elas se sacrificam para oferecer companheiro uma pessoa mais feliz. Por
o conforto e o apoio necessário ao isso elas afirmam: namorar um ciclista
companheiro. Elas fazem a roda girar mudou a sua vida por completo.
sem subir na bicicleta. Lavar a roupa,
fazer o suporte durante a competição, “Todos os dias”, diz Joana, “meu
oferecer aquela palavra de incentivo namorado precisa treinar, ou seja, ele
quando o desconforto bate, ou ter que fica em torno de 2 h concentrado na
lidar com o aborrecimento de um dia bike, nem o celular atende. Além disso,
sem pedal são tarefas aparentemente ele fica mais umas horas por semana
simples, mas que fazem toda a diferença fazendo a manutenção das bicicletas.
a favor dos ciclistas. É líquido no pneu, cabo de freio que
precisa lubrificar, câmara furada e por
Joana Gasparotto Kuhn, de Dom Pedrito/ aí vai... Eu até ajudo, segurando a bike
RS, conheceu o universo da bicicleta ou alcançando as chaves e a graxa,
quando começou a namorar com o mas na maioria das vezes ele está tão
atleta Marcelo Bendlin Leon “Rato”, estressado que precisa fazer isso logo
atual Campeão Gaúcho Elite de MTB para treinar depois, que fica num humor
e Marathon 2016, e Vice-Campeão impossível. E o gênio dele quando chove
Brasileiro Sub-30 de MTB 2016. “Sou e não pode sair pra pedalar? Quem
apaixonada por bicicleta há uns três
anos”, diz ela, “e é incrível como a
bicicleta mexe com as pessoas. Por
© JOANA GASPAROTTO KUHN E BRUNA FRIEDRICH
88 REVISTA BICICLETA
parecidas e que se encontram para
apoiar seus atletas, celebrar a amizade,
compartilhar conhecimento, conhecer QUANDO ELE VOLTA PARA
lugares diferentes e dar muitas risadas”. CASA DE UM TREINO, ELE
PARECE MAIS SERENO, EM
Às vezes, elas sentem como se PAZ CONSIGO MESMO.”
estivessem depois das bicicletas na
escala de prioridades. O dinheirinho que
sobra, por exemplo, vai para a coroa ou como alcançou o pelotão escapado
nova ou para a corrente, mas nada com tanto vento, com um sorriso de
substitui o sentimento de parceria entre felicidade, não tem preço. Por um sorriso
o casal, segundo Joana: “eu não bebo assim, de orelha a orelha, vale qualquer
nada se ele não beber. Aí, mesmo numa esforço. Às vezes fico com ciúmes
janta apenas com as amigas, o garçom
pergunta o que você vai beber, e é tão
automático dizer ‘suco de laranja’ ou
‘água com gás’. Eu mudei muito por ele.
Tenho me alimentado melhor, tenho
optado por dietas menos calóricas, e
exercitado o corpo. São escolhas que
fiz, porque ver o rosto dele ao final de
uma prova, conversando com os amigos
sobre como passou pelo Rock Garden,
É SEMPRE
TEMPO DE
RECOMEÇAR
A história de uma atleta que experimentou a pior
queda que qualquer ciclista pode ter em sua traje-
tória: a queda da vitalidade. Uma história de recu-
peração baseada no apoio do amor.
92 REVISTA BICICLETA
© JOANA GASPAROTTO KUHN E BRUNA FRIEDRICH
94 REVISTA BICICLETA
Monica em
sua primeira
pedalada, 2010
98 REVISTA BICICLETA
sobre vontade de viver, de reagir, de nova oportunidade de vida.
mudar a história e me tornar uma pessoa
agradecida às condições oferecidas para As próximas aventuras do casal serão
trilharmos os nossos caminhos. a “Volta do Brigadeiro” em três dias e o
trecho de Diamantina a Ouro Preto, da
Hoje vejo Mônica falando quase Estrada Real, em cinco dias.
normalmente, com apenas alguns lapsos
de palavras que insistimos, como auxílio, Mônica nos deixa a seguinte mensagem:
em completar e terminar sua fala. Para “não existe o fim. Chegamos a etapas
ela é bom, pois vai lembrando de como da nossa vida que achamos não ter
empregá-las. Tive a oportunidade de caminho para seguir. Chegamos a
jogar com Mônica jogos lúdicos, que pensar que não sabemos o que fazer,
normalmente são jogados por crianças, ficamos sem chão. Mas isso pode ser
mas que para ela voltou a ser inédito e apenas o início de uma nova etapa.
saudável para sua recuperação. Pude Cheguei a dizer para o Everson que
compartilhar momentos nos quais se eu não conseguisse enxergar
ficamos conversando sobre todo esse normalmente, devíamos comprar uma
susto que o casal passou, principalmente Tandem, mas eu sabia que eu queria
ela. voltar a pedalar. Eu acreditei que poderia
viver tudo novamente e lutei por toda
Para coroar, uma boa pedalada, conforme essa mudança dentro de mim, quando
prometido. Fui planejando e conversando nem mesmo meu corpo me obedecia.
com Everson sobre quais as condições Mas a nossa mente pode mudar tudo.
do pedal, até que ele disse: “pode ser Quando meu cabelo começou a cair, não
casca que ela vai dar conta”. E assim imaginava mais que seria o fim, apenas
foi: percorremos 68 km, mais de 1.470 achava que seria transitório. Quando
m de altimetria acumulada em Garmin, as palavras me faltavam, deixei de ficar
passando por uma descida técnica na ansiosa e comecei a ouvir a forma como
trilha do Feixo, uma subida técnica pela as pessoas completavam a frase, e para
trilha de pedras na Serra da Cruz, uma mim, estava ótimo da forma que elas
parada para almoço em Tuiutinga e uma falavam. Nunca mais me desesperei. Eu
subida pela Serra do Galba, até passar tinha fé que tudo ficaria normalizado. A
novamente por Dores da Vitória e retornar família foi a chave para que tudo ficasse
ao Sítio Ventania. Fui acompanhado ajustado, pois eles também acreditavam
de Amélia Demarque, que também na minha recuperação e auxiliavam
tem mutação semelhante à da Monica, nesses processos. Se eu tiver que falar
formatando dois casais pelas estradas com alguém sobre o que eu passei, o
de terra, trocando informações sobre que eu quero que as pessoas saibam é
esse assunto. que sempre existirá um caminho para
seguirmos, e devemos ter forças para
É realmente emocionante ver toda essa correr atrás daquilo que temos como
transformação de perto, com tanta foco. E o maior meio pra conseguir toda
vontade de viver e de agradecer essa essa reversão foi a fé em Deus”. ␣