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RESENHA

R. B. : FOUCAULT, Michel. Suplício. In_ Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis,


vozes 1999.

Encontrar para um crime o castigo que convém é encontrar a desvantagem


cuja ideia seja tal que torne definitivamente sem atração a ideia de um delito.
É uma arte das energias que se combatem, arte das imagens que se associam,
fabricação de ligações estáveis que desafiem o tempo. (FOUCAULT,1999:
87)
De maneira que se Eu traÍ meu país, sou preso; se matei meu pai, sou preso;
todos os delitos imagináveis são punidos da maneira mais uniforme. Tenho a
impressão de ver um médico que, para todas as doenças, tem o mesmo
remédio. (CHAMBROUD, apud FOUCAULT, 1999:99)

Como saber a verdade de um crime? Como provocar o seu praticante a confessá-lo?


Como é possível crer que tal confissão corresponda à Verdade do que é dito? Como garantir a
soberania do rei? É em torno destas, entre outras, questões que Foucault escreve a primeira
parte de Vigiar e Punir – nascimento da prisão; obra que, diga-se de passagem, lançou
definitivamente no Brasil este intelectual, como um dos principais pensadores do século XX.
A primeira pergunta que nos ocorrer é por que iniciar um livro que trata do nascimento
da instituição destinada a punir na sociedade contemporânea, com grotescas narrativas de
tortura de um período imediatamente anterior a este. Estaria Foucault mostrando-nos o quanto
a modernização dos costumes e a sofisticação dos hábitos nos tornou mais civilizados e
sensíveis que os sujeitos do século XVII? Que nossa moderna maneira de punir é melhor que
a da “idade clássica”, por conta de nosso horror ao sangue dos condenados e sua exposição
pública? Que tendo em vista as luzes da razão frente as trevas do obscurantismo, é possível
imaginar que as prisões do presente são instituições menos cruéis que as masmorras de outrora?
Estamos muito longe disso. Em sua história da prisão, Foucault nos coloca junto às
descrições de tortura para nos provocar a pensar quais as rupturas que estão em jogo e quais os
mecanismos que se propõem a produzir uma nova maneira de punir. Caso trate-se de algo novo
é necessário, portanto, entender do que ele se diferencia. Ora! Um Pesquisador das rupturas,
das emergências, das capilaridades, Foucault nos apresenta a força do soberano acontecendo na
materialidade do corpo do supliciado, do criminoso, do desviante. Para com isto nos provocar
a pensar os mecanismos de distinção e as estratégias de sujeição que estão em jogo, quando a
prisão emerge para fabricar um outro lugar para o criminoso, diferente do de inimigo do rei e
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violador de sua soberania. De todo modo, o que estava em jogo no suplício, por que ele era
necessário, quais as finalidades possíveis dele?
O suplício é um código jurídico baseado na provocação da dor, da purgação do corpo
através de uma “liturgia punitiva” marcante – que produz cicatrizes-, e infame –que ostenta a
punição sofrida; que objetiva demostrar a força soberana daquele que pune – o rei-, restituindo
a este “a soberania lesada” no instante em que o criminoso violou a lei. Enquanto isto, o suplício
oferece aos seus súditos o medo necessário à inclusão deles na cerimônia (como personagem
principal da soberania, que neste teatro pede que o rei puna) e, ao mesmo tempo, não se rebele.
Além disto, o suplício pretende produzir a verdade, fazê-la brilhar, através da lentidão de suas
“peripécias seguido da confissão do torturado; fazendo-o “arauto da própria condenação”
através da confissão pública, junto com um “passeio pelas ruas” com a exposição do corpo
marcado pela verdade do crime simbolizada pelo castigo sofrido e nos casos de pena de morte,
com mortes nos locais e formas semelhantes aos dos crimes.
Foucault afirma, portanto, que no fim do século XVIII e início do século XIX, o suplício
desaparece. Que nas ruas não se veem mais corpos açoitados as atravessando, com sua pele
marcada por ferros em brasa e chicotadas. Esta técnica que “correlacionava o tipo de ferimento
físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime”
(FOUCAULT, 199:31), perde seu lugar de espetáculo “que faz brilhar a verdade” através da
confissão do criminoso e da “publicação” em seu corpo da verdade do seu crime. O suplício dá
lugar a outro modo de pensar o crime, o criminoso e a verdade, que está associado à “supressão”
deste espetáculo e a “anulação da dor” (FOUCAULT, 199:15); nisto reside, por exemplo, a
emergência da guilhotina como uma ferramenta e junto dela uma representação da punição a
partir da ideia de castigar, mesmo que com a pena mais dura possível – a morte -, de uma
maneira mais rápida e menos dolorosa.
Nesse sentido dissocia-se a pena da ideia de dor física, com isto, se produzirá um
conjunto de técnicas que deixaram de pensar na dor que seria provocada ao corpo e sim ao
“coração, o intelecto, a vontade, as disposições” (FOUCAULT, 199:18), em suma, à alma; o
que estava em jogo não era mais a demonstração da intensidade da punição àqueles que
enfrentam e ofendem a soberania do rei, mas a transformação do comportamento do supliciado.
Deixava-se de perguntar necessariamente pelo crime e passava-se a perguntar pelo condenado:
o que nele mesmo, o teria provocado a praticar o crime? A hereditariedade? O meio ambiente,
o inconsciente ou a demência...?
Julgar deixava de ser, nesse sentido, um poder exercido exclusivamente pelos
magistrados. Os saberes necessários para entender o criminoso exigiam habilidades e
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investigações específicas que convocam o psiquiatra, o geografo, o biólogo... os cientistas de


uma maneira geral, para produzirem a verdade deste sujeito em seu desvio criminoso. Tal
movimento exige uma postura epistemológica de Foucault, enquanto pesquisador, que não
centra-se nos efeitos “repressivos” da punição, mas que considera a sua complexidade e
positividade; que pensa que o poder produz saber e que estas estão entrelaçados nas relações
que envolvem o crime, a delinquência, o ordenamento jurídico e as ciências.
Desse modo, sua posição o provoca a mover-se em direção às singularidades. De pensar
as associações entre as histórias das ciências e do direito penal nos imbricamentos que lhes são
próprios. Nessa perspectiva, os métodos punitivos não poderiam ser considerados como
simples consequências dos ordenamentos jurídicos, pois Foucault pensa estes próprios
imbricamentos nas suas relações com a epistemologia científica e as consequências desta para
“uma transformação na maneira como o próprio corpo é investido pelas relações de poder”
(FOUCAULT, 199:21), deixando de ser o objeto de expiação para ser um alvo de um sistema
de sujeição que o tornará ao mesmo tempo útil e submisso; produtivo e dócil.
Para produzir esta interpretação Foucault se vale de uma vasta pesquisa documental, a
qual ele usa ora como demonstração do que ele está tratando, geralmente do modo grotesco
como os suplícios aconteciam, ora como fundamento para que ele pense nas rotas de fuga que
as pessoas traçaram na sua relação com a soberania e o suplício. No entanto, mesmo que
acreditemos no argumento do autor, em momento algum há a demonstração de crítica
documental. Em momento algum o autor demonstra possíveis desconfianças em relação às
narrativas que leu e usa no texto. Retrato dos acontecimentos do passado, como “fotografias”
com seus olhos meduzantes, as narrativas usadas por Foucault aparecem como congelamentos
da vida do passado que o autor está apresentando ao seu leitor. Este último, se pego desavisado,
larga o livro imaginando que o suplício foi exatamente como os autores das cartas narraram,
desconsiderando as dimensões subjetivas e posicionadas que estão imbricadas nas produções
dos textos do passado que são usados como fonte.
Tal posicionamento permanece basicamente o mesmo ao longo da segunda parte do
trabalho – Punição. Nela há dois blocos de discussão, nos quais se pensa como dever-se-ia punir
alguém, de acordo com as singularidades do sujeito, do ato e das medidas necessárias para a
correção dele e provocação do medo nos demais, sem valer-se do suplício de seus horrores. O
segundo bloco trata de uma investigação sobre três modelos de punição distintos, que surgiram
no século XVIII, dos quais apenas a prisão se tornará hegemônica com relativa rapidez.
Como produzir uma maneira de punir distinta do suplício? Como castigar e, ao mesmo
tempo, respeitar a humanidade do condenado? Em primeiro lugar, há que se erigir barreiras, há
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que se definir limites às possibilidades de punição. Sob os raios do iluminismo, o poder de punir
legitimo passou a considerar “não o que ela [a fronteira] deve atingir para modifica-lo [o
condenado], mas o que ela deve deixar intacto para estar em condições de respeitá-lo”
(FOUCAULT, 1999: 64); portanto, era preciso melhorar o “mundo das punições”, o que
provocou diversos intelectuais a pensar esta reforma nos rumos da “suavidade” e de sua
geografia e economia dos castigos.
O primeiro alvo dos reformadores era o excesso de poder da justiça tradicional, pois a
mesma instituição prescrevia a pena e a executava, realizava o julgamento e a sentença, elabora
a lei e a cumpria. Segundo os reformadores era preciso separar as coisas, através de uma
“economia do poder de punir” limpando as jurisdições do excesso de crueldade, fraqueza, e
arbitrariedade das decisões.
Enquanto isto, emergiu uma segunda posição que objetivava regular e classificar os
diversos delitos. Por um lado, os reformadores se opunham ao superpoder do soberano e, por
outro, elas também se opunham à frouxidão com que eram tratados os crimes, muitas vezes
encobertos pela população pobre e pela burguesia. Era necessário, portanto, produzir uma
economia das punições que “homogeneizasse seu exercício”, que estabelecesse as diferenças
entre os delitos e punições que lhes fossem equivalentes, para que, com isto, se corrigisse tanto
a possibilidade do excesso, quanto da falta no estabelecimento da pena. Era preciso criar
critérios para governar as penas, de modo que elas cumprissem um duplo papel: Por um lado,
deveriam punir, substituindo a função da dor física provocada pelo suplício; por outro, ela
deveriam produzir uma representação da punição capaz de apresentar à população as
desvantagens de praticar o crime, substituindo o papel das marcas no corpo, passeios pelas ruas
e o assassinato público de provocar o medo na população.
Nessa perspectiva, alguns princípios emergiram como fundamento para a elaboração
desta maneira de punir. Em primeiro lugar a necessidade de estabelecer uma pena tal que
demonstrasse a desvantagem superior à vantagem de cometer o delito. Em segundo lugar, o
investimento na representação da pena, de modo tal que não era mais a dor física que ela poderia
causar sua principal ameaça, mas a sua intensidade simbólica, mnemônica e sociocultural. Nisto
emerge um terceiro princípio, o de ampliar os efeitos laterais da pena, investindo mais na sua
representação que na sua efetivação. Quanto a este ponto Foucault cita Beccaria, ao comparar
a pena de morte à escravidão, para o qual a segunda é mais assustadora que a primeira para as
outras pessoas, pois criar a imagem de uma pena sem fim; enquanto que é menos cruel do ponto
de vista físico com o criminoso. Ela é “mínima para o que a sofre (e que reduzido a escravidão,
não poderá reincidir) e máxima para os que a imaginam” (FOUCAULT, 1999: 80).
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Em quarto lugar, era necessário produzir uma verdade inquestionável. Era preciso criar
um sistema tal que fosse capaz de produzir uma verdade justa, matemática, sólida, inteiramente
comprovada através de provas legais, da rejeição da tortura, a necessidade de demonstração do
fato, etc. que se valeria das ciências para produzir tal verdade. Enquanto isto, era também
preciso criar um código sólido para guiar o estabelecimento das penas, de modo que cada delito
correspondesse a uma pena respectiva, e, ao mesmo tempo, “impedir sua reincidência”,
considerando o criminoso “em sua natureza profunda, o grau presumível de sua maldade, a
qualidade intrínseca de sua vontade”.
Tais penas deveriam afastar-se da provocação da dor física e investir em uma tecnologia
de administração do corpo e da alma do criminoso, de um modo capaz de corrigir sua postura
e convencê-lo a não reincidir no crime. Era preciso, portanto, investir nos castigos incorpóreos
e produzir uma nova política do corpo; que deveria ser capaz de punir, transformar o sujeito
que é objeto da pena e, simultaneamente, transformar o criminoso em um inimigo de todos, fato
que sustentará a própria ideia de necessidade das instituições do ordenamento jurídico, da
punição e a polícia.
Punir tornou-se uma arte complexa, renovada com variantes e critérios. Ela deveria
abandonar o lugar de vingança exercida pelo rei, antigo lugar do suplício, e passar a ser o
resultado de um cálculo aparentemente objetivo, de fácil entendimento para o público no “teatro
dos castigos”; capaz de atingir o crime em seu núcleo causador. Se o crime causasse orgulho, a
pena respectiva seria feri-lo num grau maior que a causa.
Ainda na mesma perspectiva de mudança, dever-se-ia deslocar a punição da provocação
da dor, para o seu prolongamento no tempo, através de uma economia calculada de privações.
Não precisavam ser ostensivas, precisavam ser úteis no exercício de retribuir à sociedade o
crime causado. Nas palavras de Foucault, “ precisavam ser mais uma escola, que uma festa”
(FOUCAULT, 1999:92). Percebamos, portanto, que para estes reformadores torna-se
necessário produzir uma variedade de punições tão ampla quanto são as possibilidades de crime,
pois era preciso singularizar a pena “em sua duração, sua natureza, sua intensidade, na maneira
como se desenrola, o castigo dever ser ajustado ao caráter individual, e ao que este comporta
de perigo para os outros” (FOUCAULT, 1999:105). Neste sentido, os reformadores criticam a
“colonização da penalidade pela prisão”, uma vez que questionam sua capacidade de
corresponder como penalidade adequada a todos os crimes.
A prisão por sua vez emerge como uma alternativa que simplificava as variantes de
punição desejadas pelos reformadores. Além disso, ela se destinava a usar a privação da
liberdade como instrumento de punição que separa as pessoas em dois mundos, um dos
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prisioneiros e outro dos livres. No mundo dos prisioneiros haveria uma administração do tempo
tal que cada horário estaria estrito sob vigilância ininterrupta, de modo que:
O castigo e a correção que se deve operar são processos que se desenrolam
entre o prisioneiro e aqueles que o vigiam. Processos que impõem uma
transformação do indivíduo inteiro- de seu corpo e de seus hábitos pelo
trabalho cotidiano a que é obrigado, de seu espírito e sua vontade pelos
cuidados espirituais de que é objeto (FOUCAULT, 1999:103).

Gerenciar o corpo e a alma, dar-lhes ritmos e hábitos novos, eis o sentido da prisão para
o preso – uma ortopedia. Mas como dentre estas três possibilidades de punir, o suplício, a
punição singular e a prisão, esta última se estabeleceu de modo hegemônico tão rapidamente?
Como sufocou as demais maneiras e colonizou os modos de punir? Como converteu-se na
melhor tecnologia da punição? Estas são as principais questões através das quais Foucault
conclui esta parte do livro; instigando o seu leitor a continuar a leitura na parte que se segue –
a disciplina.
Essa parte trata de uma das principais inovações de Michel Foucault - A análise do poder
disciplinar. Múltiplo, minúsculo, intensivo e incansável; este modo de organização dos corpos
aparece-nos, conforme a argumentação de Foucault, como um vírus, capaz de entrar nas mais
variadas instituições e transformá-las por dentro. No entanto, diferente do cavalo de Tróia, por
exemplo, sua intenção não é a destruição deste espaço, mas a sua potencialização com vistas à
produção de corpos mais úteis.
A disciplina tem uma origem múltipla, rizomática, na qual diversos processos difusos
se encontraram, se justapuseram, se (em)pilharam, se torceram e se transformaram num modo
de pensar o corpo e o sujeito, tendo em vista seus detalhes, sua individualidade e a ampliação
de sua produtividade. Tendo em vista esta “origem” rizomática, não nos cabe falar em um
interesse econômico fundante, tal como se pensava de um modo geral, quando o próprio
Foucault escreveu o texto, devido a hegemonia do marxismo como modelo de pensamento; mas
em suturas e bricolagens que enlaçam diversos interesses.
Antes de servir ao interesse econômico de tornar o sujeito mais produtivo, rentável, a
disciplina está associada a um desenvolvimento tecnológico – a invenção do fúsil, que exigiu
um soldado mais rápido, eficaz no nível individual, capaz de fugir e organizável em massas
planejáveis conforme as estratégias de cada batalha devido a maior precisão desta arma, nas
mãos do inimigo. Apenas depois da emergência desta necessidade, é que a rentabilidade de um
soldado que recebe formação, que aprende a manejar esta arma, por exemplo, se tornou uma
questão; tendo em vista os investimentos feitos neste sujeito.
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Nessa perspectiva, o homem do mosquete tornou-se lento demais e facilmente


executável, era preciso pensar uma nova forma de organizar o conjunto dos corpos no espaço,
uma nova maneira de guiar o comportamento deste soldado, um novo conjunto de habilidades
técnicas para o domínio desta ferramenta nova. Não se necessitava mais de um Aquilles, mas
de um soldado obediente que ocupa um lugar e tempo especifico dentro do conjunto da tropa.
É claro que as habilidades individuais são necessárias e a disciplina surgirá para ampliá-las,
esquadrinha-las e planejar a melhor utilização delas; mas a questão fundamental é como
gerenciar cada sujeito, ampliando suas capacidades e, ao mesmo tempo, administrar o conjunto
da tropa tendo em vista a estratégia necessária para cada ocasião da batalha.
Em primeiro lugar o sujeito. “O soldado tornou-se algo que se fabrica”, seu corpo
tornou-se objeto e alvo do poder, através da manipulação de suas partes, de seu desenho e de
seu comportamento. Estava em jogo uma retórica corporal da honra – manter a cabeça alta, o
peito estufado, o ventre contraído, manejar os objetos rapidamente etc. Havia um conjunto de
habilidades necessárias a este soldado: ser ágil e ao mesmo tempo forte, ser forte e ao mesmo
tempo técnico, ser técnico e ao mesmo tempo obediente, ser obediente e ao mesmo tempo
produtivo. Apenas mais tarde é que este conjunto de necessidades que emergiram em torno de
uma mudança na tecnologia da guerra, receberam um investimento de outros campos, quando
se perceberá que é possível usar os mesmos procedimentos em outros corpos.
Mas por que isto é possível? O que está em jogo é a produção do par docilidade-
utilidade: corpo analisável e manipulável. Corpo calculado e produzido, obediente e
“bombado”. Como isto acontece? Eis a arte do detalhe. O lugar do poder disciplinar é o das
minunciosidades, as vezes intimas, de aparência inocente, no esquadrinhamento do corpo no
nível do de-talhe, do talhar não mais com as ferramentas do suplicio, mas no recorte
infinitesimal do tempo e das ações do sujeito tendo em vista cada talho do seu corpo.
O homem moderno nasceu do de-talhe, do esmiuçamento, da fragmentação cartesiana
que esperava através da análise das pequenas partes conhecer melhor o todo do sujeito e do
mundo. Mal percebia Descartes que quando jogamos um vaso no chão, para melhor perceber
suas partes e as reunimos de volta, com o conhecimento adquirido, o produto das peças coladas
já não é mais o mesmo visto antes, mas um novo objeto rachado em seu centro e suas margens.
Vaso aberto pelas tecnologias do poder e do saber, o sujeito da modernidade é esquadrinhado
para que se torne produtivo, útil e obediente.
“Não se trata de cuidar do corpo, mas de trabalha-lo detalhadamente; de exercer sobre
uma coerção sem folga” (FOUCALT, 1999:109); eis, portanto, o “segredo” da disciplina. Ela
exige a cerca, o estabelecimento de limites físicos que gritam ao enclausurado sua condição,
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que arranham seu corpo com suas paredes, que rasgam suas vontades com seus tijolos. Mais do
que prender, é preciso dividir e distribuir os corpos no espaço de um modo que eles sejam
identificáveis em sua individualidade e ao mesmo tempo utilizáveis em seu todo, de modo tal
que cada um tenha uma posição na fila, por exemplo.
O espaço não deveria servir apenas para conter o sujeito, ele deveria ser útil. Ele deveria
ser uma heterotopia da produtividade que materializaria uma forma capaz de docilizar o corpo,
garantir a vigilância e ampliar sua produtividade tendo em vista cada objetivo possível. Educar
na escola, curar no hospital e no hospício, reformar na prisão, produzir na fábrica. Espaços tão
diferentes e, simultaneamente, tornados tão semelhantes devido a apropriação da mesma
tecnologia de controle dos corpos.
Nesses espaços está em jogo o controle da atividade através da fragmentação do tempo,
de modo a torná-lo tanto quantificável e semelhante à eternidade (heterotopia de um tempo tão
minúsculo que não passa), do horário em ciclos de repetição, do estabelecimento de ritmos, da
articulação entre o gesto, a parte e o todo do corpo tendo em vista o melhor aproveitamento do
corpo e de sua relação com os objetos. Neste sentido, a disciplina fabrica 4 tipos de
individualidade: a orgânica – tendo em vista a atividade desenvolvida, a genética –
administração do tempo, a celular – tendo em vista o esquadrinhamento do espaço e a
combinatória – tendo em vista a composição de forças em jogo.
Para realizar este trabalho Foucault elege três pilares a partir dos quais o poder
disciplinar acontece: A vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. A primeira
pressupõe um jogo de olhares. Ela implica num conjunto de técnicas que tornam os corpos
visíveis no seu interior, para que assim, tanto os níveis mais baixos quanto os mais altos estejam
sobre constante visibilidade. Uma maquinaria que impede os desvios, que adestra os corpos à
ideia de que estão sendo vistos, que quadricula os movimentos ao nível individual. Um poder
que, diferente do suplício, é menos corporal; o que não quer dizer que seja menos físico.
Em segundo lugar, a sanção normalizadora ocupa lugar fundamental. Ela localiza cada
desvio e calcula penalidades minúsculas para cada ato. Ela transforma cada sujeito em alguém
que pune e é punível das mais variadas formas, pois o que está em jogo é tornar sensível a cada
sujeito, a infração cometida em relação a um conjunto de regras a cumprir, para com isto reduzir
os desvios e também normalizar as boas condutas, através de gratificações igualmente
minuciosas.
O terceiro mecanismo é o ritual do exame. Trata-se de uma técnica delicada que implica
na transmissão do saber, a medição do aprendizado e o próprio ritual de legitimidade da relação
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de poder. Ele exige o registro dos acontecimentos, o cálculo dos corpos fazendo de cada
indivíduo um caso para a análise, classificação e extração do máximo das forças.
A partir dessas três técnicas surgiu a questão de onde realizar tais tarefas? Como seria
possível produzir tal heterotopia? Como tornar física uma arquitetura capaz de servir da maneira
mais econômica possível à vigilância-disciplina, à conversão dos sujeitos em dóceis e úteis? É
nesta empreitada que Bentham desenhará o Pan-ótico, o olho de Sauron em busca do desvio
corruptor do anel; o pesadelo introjetado de estar sendo visto; o próprio olho voltado contra si
a regular as condutas.
O panóptico é um espaço que pode ser prisional, fabril, hospitalar ou escolar, que, em
forma de anel separa os sujeitos em quartos com vistas para uma torre no centro; nesta um
guarda vigia a todos sem ser visto. O que está em jogo é que com poucos vigilantes, através
desta arquitetura, é possível uma vigilância ininterrupta, porque produz uma representação da
visibilidade constante, leve e incisiva, fina e cirúrgica na extração dos maus comportamentos.
Conforme Foucault a disciplina espalhou-se como modelo de organização ao longo do
século XVIII e é nesta perspectiva que a prisão se tornará o principal modelo de punição a partir
de então. Corpos vigiados, uteis, esquadrinhados e analisados constantemente se tornaram o
coro da modernidade e sua necessidade de luzes e de racionalidade. Mas será que o poder
disciplinar consegue se impor sem burlas? Como ele se diferencia da relação de força, se ele
parece impor ao corpo uma maquinaria de ações, um sem número de tecnologias, que parecem
não permitir brechas à resistência? Como seria possível olhar dentro do olho que tudo vê e
enxergar em seu interior uma rota de fuga?
A prisão tal como a conhecemos tem praticamente a mesma cara a pelo menos 150 anos.
Mas a ausência de mudança não se dá pela possível eficácia na readaptação dos presos à
convivência social; conforme Foucault, ela dá-se exatamente pelo seu avesso. Mas como teria
se tornado possível tal engenho? Como seria possível que o elixir contra a infração se tornasse
o solo fértil para o cultivo da delinquência? Com quais adubos e ancinhos se capina a
“bandidagem”? Seria transgênica esta semente, que faz do infrator ocasional o delinquente para
toda a vida? Além disso, quem são os investidores que compram este produto? Quem os
consome e principalmente quem mais lucra com eles? Qual o efeito que o consumo desta
semente indigesta causa na população?
Para percorrer os veios cavados por estas perguntas, faz necessário olhar de perto a
prisão com seus mecanismos e consequências. Em primeiro lugar ela atinge a liberdade. O bem
sagrado da modernidade, que uma vez tomado converte-se na punição. Eis, portanto, a ideia:
não machuqueis o corpo com ferros em brasa, mas arranques da alma o movimento e a vontade
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através de um controle minucioso do corpo e do tempo. Faças do tempo moeda de troca pelo
comportamento adequado. Mas como realizar isto? A prisão deve ser um aparelho disciplinar
exaustivo.
A disciplina é uma arte das pequenas coisas. Com ela o encarceramento torna-se uma
tecnologia guiada por princípios. A Correção – transformar o comportamento; A Classificação
– isolar os sujeitos por idade, gravidade penal do ato e as técnicas de correção necessárias; A
Modulação das penas – penalizar mais branda ou gravemente de acordo com o nível de
reeducação; Educar – trabalho obrigatório para corrigir o mau hábito e semear o gosto pela
labuta.
Tais princípios mesclam três lugares distintos: A cela – lugar monástico da solidão e do
cultivo da ruminação, dos demônios da consciência, abafando os complôs e revoltas, que se
possam formar, através do isolamento; A oficina – lugar de aprendizagem de um ofício, de um
trabalho, mas também de um ordenamento e adaptação do corpo à técnicas específicas; e o
hospital – lugar da diagnosticação, classificação, registro e cálculo dos males e remédios tendo
em vista a produção de um saber clínico sobre os condenados, para banir as doenças morais,
mantidos sob olhar permanente e registrado em cada ação.
A prisão mistura estes lugares e os atravessa com a disciplina, os sutura com o
gerenciamento dos corpos, os cozinha com o caldo da administração do tempo. Tratam-se de
técnicas do comportamento, engenharias de conduta, ortopedia das sensibilidades. Nesse
sentido, a prisão excede a privação da liberdade, ela é um instrumento de modulação da pena
que pretende transformar os indivíduos para que “se possa exercer sobre eles, com o máximo
de intensidade, um poder que não pode ser abalado por nenhuma outra influência; a solidão é a
condição primeira da submissão total” (FOUCAULT,199:200).
Projeto elaborado e executado, a prisão começou a causar barulho ao seu redor. Longe
das condições ideias que habitavam as cabeças dos reformadores, a prisão estava situada no
espaço, atravessando lugares sociais e culturais. Neste sentido, como a prisão poderia tornar-se
um instrumento de coerção do qual as pessoas deveriam querer fugir, se ao redor de seus muros
as condições de vida poderiam ser piores que as de dentro? É nessa perspectiva que se passou
a pensar, no início do século XIX, que o operário vive pior que o preso. Ora, “os ladrões
vivendo em prisões bem aquecidas e bem abrigados executam os trabalhos de chapelaria e de
marcenaria”, enquanto o chapeleiro reduzido ao desemprego tem que ir ao “abatedouro humano
fabricar alvaiade a 2 francos por dia” (FOUCAULT,199:202-203).
Como poderia o proletário se sentir em melhores condições que o preso? Havia a
necessidade de criar uma oposição entre o operário e o infrator. Uma distinção que se vale do
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trabalho como mecanismo de produção da identidade através da diferença e da transformação


do infrator em delinquente. Este último estaria amarrado a seus delitos por teias complexas, por
doenças morais, por maus hábitos. O que o caracterizaria era menos o seu ato infracional, que
sua vida infame.
Mas como se produz um delinquente? A formação do jovem delinquente se inicia em
sua primeira condenação, reside aqui a maquinaria que faz da prisão e da delinquência irmãs
siamesas. Outro da sociedade, o delinquente se torna alvo fácil de uma teia que recorrentemente
o agarra. Este é o caso de um dos presos estudados:

como, saído da prisão e com determinação de residência, não consegue


recuperar seu oficio de dourador, sendo recusado em toda parte por sua
qualidade de presidiário; a polícia recusa-lhe o direito de procurar trabalho em
outro lugar; ele se viu preso a Rouen e fadado a morrer de fome miséria como
efeito dessa vigilância opressiva. (...) tínhamos que viver e a má ideia de
roubar nos voltou (FOUCAULT, 199:223

Por um lado, ao aplicar a disciplina, a prisão reproduz os mecanismos disciplinares da


sociedade; por outro lado, ela causa na sociedade um efeito disciplinador, uma vez que se torna
um monstro que a assombra todos os dias aqueles que não estão nela, com o medo de adentrá-
la. Uma vez nela, parece muito difícil abandoná-la, mesmo que se tenha deixado seus muros.
Como um cão que persegue o próprio rabo, a prisão parece não funcionar no sentido de remediar
o mal para o qual foi criada; ela própria parece ter se tornado também uma moléstia.
Desse modo, “a criminalidade não nasce nas margens e por efeitos sucessivos, mas
graças a inserções cada vez mais rigorosas, debaixo de vigilâncias cada vez mais insistentes,
por uma acumulação de coerções disciplinares”. Nesta perspectiva, provoca-nos Foucault: “Há
um século e meio que a prisão vem sendo dada como seu próprio remédio; a reativação das
técnicas penitenciárias como a única maneira de reparar seus fracasso permanente; a realização
do projeto corretivo como o único método para superar a impossibilidade de torna-lo realidade”
(FOUCAULT,199:249 passim 225). Então seria por incapacidade que não se fabrica outro
mecanismo? Será que ninguém enxerga outra engenharia possível? Talvez esta relação com a
delinquência acabe servindo a objetivos próprios.
O arquipélago penitenciário serve mais para gerir a delinquência do que para evitá-la ou
reformá-la. Ele serve mais para dar um lugar às ilegalidades puníveis, dando-lhes visibilidade,
e com isto escamoteando outras ilegalidades mais intensas praticadas por sujeitos mais
poderosos. O que se escuta da boca de Marcelo Rezende ou Zé Claudio, senão um cultivo do
ódio a este estrangeiro vizinho? O que se pretende com os pedidos de “corta pra mim” ou com
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o sugestivo e quase erótico cassetete, senão fabricar uma delinquência que aparece como muito
familiar – já que é repetida à exaustão - numa uma perpetua ameaça para a vida cotidiana, mas
extremamente longínqua por sua origem? Afinal o delinquente nunca é dito como próximo do
dito cidadão de bem.
Ao fabricar o delinquente a prisão cria uma classe inimiga e visível, controlada e
rebelde, enquanto isto, as malhas do poder se espalham normalizando os comportamentos e
tornando possíveis outros roubos mais ladinos, a “delinquência de cima”, que sob a camada da
legalidade causa a miséria generalizada. Um exemplo velho? A mais-valia, roubada
diariamente. Além disso, a associação prisão-justiça garante a sobrevivência de mecanismos de
circulação de maneiras ilegais de comércio como o tráfico, que garante aos ricos seu consumo
ilícito e responsabiliza os delinquentes pelas consequências deste comércio. Eis uma das
cumplicidades que o crime estabelece com o poder.
Além disto, há o efeito prisão - produzido pela a tecnologia carcerária. Ela produz uma
normalização, mas antes disto, ela mesmo precisou ser normalizada, para dar conta de um lado
do punitivo e do outro do anormal. Ela torna natural e legitimo o poder de punir ou, pelo menos,
baixa o limite da tolerância à penalidade. Através da humanização ela mantém a disciplina e
fabrica a legalidade. Ela torna aceitável a punição e, as vezes, intolerável que ela não aconteça.
Com isto, ela foi o andaime através do qual foi possível produzir o poder normalizador.
Desse modo, a prisão funciona como um dispositivo que incide sobre a sociedade a
normalização dos hábitos e sensibilidades. Ela fabrica o sujeito normal e o anormal, para com
isto fazer deste último o inimigo público da sociedade e o bode expiatório de todas as
contravenções. Quanto mais frágil este sujeito, mais fácil deverá ser sua reintegração? Ledo
engano, maior será sua sujeição às engrenagens da delinquência-prisão. É o que nos provoca
Foucault, ao dar espessura histórica às práticas disciplinares e a esta instituição que insiste em
nos acompanhar em cada esquina, jornal, câmera, trago. Em cada via e em cada desvio.

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