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Mas não basta isso para que haja o sentimento de culpa. O sofrimento auto-infligido não é
propriamente a culpa. O sentimento de culpa tem uma relação estreita com a divindade –
talvez seja preciso marcar, com a produção da divindade. A divindade é menos uma entidade
que um tipo de relação com o antepassado, pautado pela dívida (Schuld). A dívida que não faz
outra coisa que fazer os antepassados crescerem, agigantarem-se, em sua força sobre o
presente. A meu ver, o medo, ao mesmo passo, origina-se aí e concebe esse tipo de relação.
Primeiro é preciso fazer uma distinção que previna a aproximação entre a dívida material e a
dívida existencial. A primeira é opcional. A última é obrigatória. Então o que se faz preciso
incluir para explicar a gênese da culpa é a servidão voluntária. “Culpa só existe onde o
sentimento de impotência de quem deve corresponde à onipotência amorosa de quem doa. A
aquiescência do devedor quanto ao valor inestimável do Bem recebido e sua incapacidade de
reverter o sentido da doação, é condição necessária ao nascimento da culpa” (Costa).
Na visão de Costa, portanto, é possível pensar – e Nietzsche já dá algum passo nesse sentido –
em dívida sem pensar em culpa. O sentimento de culpa emerge na teia afetiva do amor e da
cupidez.
“Trazendo a questão, de maneira abrupta e elíptica, para o campo da psicanálise, diria que a
alternativa nietzscheana para a culpa se aproxima da saída winnicottiana para o mesmo
problema. Para Winnicott, se formos capazes de experimentar nossa ‘onipotência criadora’
não precisamos sentir culpa em relação ao outro ao qual nos opomos com nossa criatividade.
No lugar da culpa, experimentamos o cuidado, a preocupação, o ‘concern’.” (Costa)