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H. Richard Niebuhr
Ser responsável é ser capaz e ser requerido a prestar contas de alguma coisa a
alguém. A idéia de responsabilidade, com a liberdade e a obrigação que ela implica,
tem seu lugar no contexto das relações sociais. Ser responsável é ser um ser na
presença de outros seres, em quem se está vinculado e para quem se é capaz de
responder livremente; responsabilidade inclui serviço ou cuidado com as coisas que
pertencem à vida comum dos seres.
A questão sobre a quem se deve prestar contas é tão importante quanto aquela
sobre pelo quê se deve responder. A responsabilidade de governantes na sociedade
política varia não apenas com o número de funções que eles exercem mas também
com a soberania a quem eles devem prestar contas de sua liderança.
A doutrina do direito divino torna reis responsáveis para com Deus somente e os
exime de toda obrigação de responder às pessoas. Um tipo extremo de doutrina
democrática ensina que governantes são responsáveis apenas para com as pessoas
que eles governam ou para com a maioria dessas pessoas. Muitas democracias
modernas se apóiam em uma concepção de responsabilidade mais profunda e menos
popular, ambos governantes e povo sendo considerados como responsáveis perante
alguns princípios universais – Deus, Natureza ou Razão – bem como uns pelos outros.
A diferença entre essas duas concepções de democracia é muito grande. Para o
primeiro tipo, a vontade das pessoas é soberana e torna qualquer coisa certa ou
errada; os representantes das pessoas são obrigados a obedecer ao desejo popular.
De acordo com a segunda concepção, há uma lei moral para com a qual as próprias
pessoas devem lealdade e a qual governantes, legisladores e tribunais são obrigados
a obedecer mesmo em oposição à vontade popular. Tal concepção de responsabilidade
está implícita na Carta de Direitos.
Os tipos de responsabilidade
Uma pessoa pode ser irresponsável, é claro, no sentido de que a ela faltam as
verdadeiras qualificações de um ser. Porém, se ela tem a liberdade ou a habilidade de
responder, ela pode ser moralmente irresponsável no sentido de que ela se recusa a
dar conta dos bens comuns àqueles para quem ela deve uma resposta, ou no sentido
de que ela oferece uma falsa prestação de contas das coisas que lhe foram confiadas.
A escala da responsabilidade
É necessário, no entanto, se o senso peculiar das obrigações da Igreja está para ser
ressaltado, definir o Ser para o qual ela é respondente: Deus-em-Cristo e Cristo-em-
Deus. Na verdade, a Igreja mesma deve ser descrita nestes termos como a
comunidade que responde ao Deus-em-Cristo e ao Cristo-em-Deus [grifo da
tradutora]. Um grupo que não reconhece sua obrigação de prestar contas a este Deus
e a este Cristo pode-se chamar igreja mas é difícil vincular significado específico ao
termo. Sem o senso de dependência moral e obrigação em relação ao Cristo, falta a
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esse grupo a realidade moral da Igreja. Ela pode ser uma associação religiosa de
alguma sorte mas não é igreja no sentido histórico da palavra.
Além disso, a igreja primitiva sente sua responsabilidade para com Deus-em-Cristo
não apenas como uma comunidade escatológica caminhando na direção de um
julgamento final e inclusivo, mas também como um grupo espiritual, consciente da
presença do vivo Espírito de Jesus Cristo, que é o Espírito de Deus. Em todo momento
a reunião dos cristãos bem como cada cristão presta contas ao Senhor presente que
está no meio de cada duas ou três pessoas reunidas em seu nome. Sua
responsabilidade não é simplesmente uma preparação para responder no futuro por
todas as suas palavras e atos, mas uma contínua abertura de todo o livro da vida à
atividade inspetora e corretora do sempre presente Espírito de Deus.
Nós devemos inverter a fórmula agora e perceber que o ser para quem a Igreja
responde é o Cristo-em-Deus bem como o Deus-em-Cristo. A Igreja olha não somente
para o absoluto no finito mas para o princípio redentor no absoluto. Deus, ela crê e
confessa, é amor; Ele é misericórdia; Ele amou o mundo de tal maneira que deu Seu
filho amado para sua redenção; é Sua vontade que os ímpios não pereçam mas que
se arrependam de seus caminhos e vivam. Ser uma igreja cristã é ser uma
comunidade que está sempre consciente e sempre responda ao princípio redentor do
mundo, ao Cristo-em-Deus, o Redentor.
Responsabilidade universal
RELIGIÃO IRRESPONSÁVEL
Desta descrição geral da responsabilidade da Igreja nós nos movemos agora para a
consideração de sua prestação de contas da sociedade. A natureza da última deve ser
iluminada para nós de alguma forma se nós consideramos, antes de tudo, os
caminhos nos quais a Igreja tem sido e pode ser socialmente irresponsável. Dois tipos
de tentações parecem prevalecer especialmente na história: a tentação do
mundanismo e a do isolacionismo. No caso do primeiro o “para com quem”, no caso
do último o “pelo quê” da responsabilidade é definido erroneamente.
A igreja mundana
Este tipo de mundanismo é uma coisa mutante. Ele aparece como Cristianismo feudal,
capitalista e proletário, como nacionalismo e internacionalismo, como a defesa da fé
das classes educadas ou das deseducadas.
A igreja que caiu nesta tentação [do mundanismo] busca suprir os grupos dos quais
depende com graça sobrenatural ou com apoio religioso de um tipo ou de outro. Ela
tenta prestar contas a homens pelo seu serviço dos valores religiosos. Ela é um
mediador de Deus não no sentido profético mas na forma dos falsos profetas. Ela
tende a declarar para a sociedade que a sua forma de organização e os seus costumes
são ordenados pelo Divino, de que ela goza da proteção especial e do favor de Deus,
de que ela é um povo escolhido. Muitas proclamações e sermões no Dia de Ação de
Graças oferecem exemplos precisos de tal mundanismo piedoso.
Dito novamente, uma igreja social secularizada pode assumir ajudar uma sociedade
humana em sua busca dos grandes valores de paz e prosperidade. Ela pode fazer isto
tentando persuadir homens de que a ordem que está em vigor tem uma sanção
divina, ao ameaçar todos os protestos contra ela com punição sobrenatural e
alcançando resultados positivos com outras campanhas mais ou menos creditáveis.
Em tempos antigos e por meio do povo não-cristão o método usual de ganhar
aprovação divina era por meio do sacrifício. Em tempos mais sofisticados a religião
social pode tentar servir à sociedade por meios efetivos subjetivos e psicológicos,
buscando suprir não tanto um sobrenatural como uma ajuda natural, psicológica. Ela
pode tentar gerar uma “dinâmica moral” por meio de culto, alívio das tensões por
meio de ajuda com oração e estimular a “boa vontade” por meio de meditação. Ela
pode voltar o seu trabalho educacional em um esforço para criar “bons cidadãos” ou
revolucionários efetivos.
A linha entre a conduta cristã que é responsável para com Deus e aquela que é
responsável para com a sociedade é sempre difícil de se descobrir em tais situações,
mas quando um culto se torna subjetivo, isto é, dirigido para mudanças socialmente
desejadas por aqueles que cultuam, e a educação se torna moralista, pode-se assumir
com segurança que se está lidando com uma religião mundana.
O isolacionismo na Igreja
A mais importante razão, sem qualquer dúvida, para o prevalecer de tal “religião
social” nas igrejas cristãs modernas é sua reação contra o isolacionismo que
caracterizou muitas delas por longo tempo. Isolacionismo é a heresia oposta ao
mundanismo. Ele aparece quando a Igreja busca responder a Deus mas o faz somente
para si mesma.
amar o mundo nem as coisas que estão no mundo em uma sanção para separar a
comunidade cristã das sociedades políticas e culturais daquele tempo. Ele pensou a
Igreja como uma nova sociedade para a qual o mundo tinha sido criado e para a qual
foi destinado o governo do mundo. No movimento monástico a tentação do
isolacionismo tinha que ser combatida a todo tempo pelos grandes reformadores que
buscaram fazer do monge um servo da humanidade ao invés daquele que persegue
sua própria santidade. Seitas protestantes também foram tentadas a perseguir um
tipo de perfeccionismo que era altamente autocentrado enquanto outra vertente da
religião protestante era tão espiritualista e individualista que a vida concreta das
sociedades seculares foi na verdade ignorada como além das possibilidades da
responsabilidade da igreja espiritual.
A responsabilidade da Igreja para com Deus pelas sociedades humanas sem dúvida
varia com a mudança de posições delas mesmas e das nações, mas deve ser descrita
numa forma geral pela referência às funções apostólicas, pastorais e pioneiras da
comunidade cristã.
Responsabilidade apostólica
daquele desgosto com Deus e o sentido da vida para os quais o evangelho fornece a
cura.
Assim como para a Igreja Apostólica, é função da comunidade cristã proclamar para
as grandes sociedades humanas, com toda a persuasão e imaginação, a sua
disposição, com toda a capacidade que ela tem de tornar-se tudo para todos os
homens, que o centro e o coração de todas as coisas, o Ser primeiro e último, é todo
bem e completo amor. É função da Igreja convencer não apenas homens mas a
humanidade, de que o bem que aparece na história, na forma de Jesus Cristo, não foi
derrotado mas levantou-se triunfantemente da morte. Hoje estas mensagens são
pregadas para indivíduos mas sua relevância para nações e civilizações não é
destacada de forma adequada.
A Igreja ainda não fez, na sua natureza apostólica, a transição de uma era
individualista para uma era social, o que movimentos históricos exigem. Quando ela
não toma seriamente a sua responsabilidade social ela muito freqüentemente pensa
sobre a sociedade como uma forma da existência humana física e não espiritual e ela
tende, portanto, a confinar o seu cuidado com a sociedade ao interesse na
prosperidade e na paz de homens em suas comunidades.
Não é suficiente que a Igreja realize sua função apostólica ao falar aos governos. Sua
mensagem é para as nações e sociedades, não para as autoridades. Uma Igreja
verdadeiramente apostólica pode na verdade dirigir-se a presidentes, legisladores,
reis e ditadores como os profetas e Paulo fizeram no passado; mas como eles, ela
será menos inclinada a liderar com os poderosos do que com as grandes massas, com
a comunidade, da forma como existe, dos humildes. Como a Igreja deve levar adiante
sua tarefa apostólica em nosso tempo é um dos problemas mais difíceis a serem
enfrentados. Seus hábitos e costumes, suas formas de falar e seus métodos de
proclamação vêm de um tempo quando indivíduos, mais do que sociedades, estavam
no centro da atenção. Responsabilidade para com o Deus Vivo requer, neste
caso como em todos os outros, uma consciência do momento presente e suas
necessidades, uma vontade de reconstruir os hábitos de cada um a fim de
que as necessidades do próximo possam ser alcançadas, uma prontidão para
deixar a tradição a fim de que a grande tradição do serviço possa ser seguida
[grifo do autor].
A Igreja realiza sua responsabilidade para com Deus pela sociedade ao levar adiante
sua função pastoral bem como apostólica. Ela responde ao Cristo-em-Deus ao ser
pastora das ovelhas, a que busca os perdidos, a amiga dos publicanos e pecadores,
dos pobres e desesperados. Por causa do seu interesse pastoral em indivíduos a
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A Igreja não pode ser responsável para com Deus pelos homens sem se tornar
responsável por suas sociedades. Como a interdependência de homens cresce na
civilização industrial e tecnológica, a responsabilidade por lidar com as grandes redes
de interrelação cresce. Se a ovelha individualmente deve ser protegida, o rebanho
deve ser guardado.
Este tipo de responsabilidade social pode ser ilustrado com referência ao povo hebreu
e ao remanescente profético. Os israelitas, como os grandes profetas ao final
reconheceram, tinham sido escolhidos por Deus para guiar todas as nações a Ele. Era
aquela parte da raça humana que foi pioneira em entender a vaidade do culto idólatra
e em obedecer à lei do amor fraterno. Assim, nele todas as nações foram
eventualmente abençoadas. A idéia de responsabilidade representativa é ilustrada
particularmente por Jesus Cristo. Como tem sido freqüentemente apontado pela
teologia, dos tempos do Novo Testamento em diante, ele é o primogênito de muitos
irmãos não apenas em ressurreição mas em render obediência a Deus. Sua obediência
foi um tipo de pioneirismo e obediência representativa; ele obedeceu em nome dos
homens, e então mostrou o que os homens podiam fazer e estimulou uma resposta
divina, em seguida, em direção a todos os homens que ele representava. Ele discerniu
a misericórdia divina e apoiou-se nela como representante de homens e pioneiro por
eles.
estão unidos, da forma em que pequenos grupos de uma nação agem pelo todo,
parece que nós devemos avançar na direção de uma concepção similar à hebraica e
medieval.